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INTRODUÇÃO
Em vista disso, utilizaremos como suporte teórico os apontamentos feitos por André de
Sena, em seu artigo “Breves apontamentos sobre a poesia hermética (2008)”. Cuja tônica do
trabalho se faz na arqueologia de construções artísticas que fogem da referencialidade
tradicional, e como os desdobramentos dessa subversão das prescrições artísticas atingem seu
ápice no simbolismo, que viabiliza uma criação autoconsciente de universos impossíveis por
meio da linguagem artística.
No que diz respeito ao trabalho de análise do poema de Cruz e Souza, nos deparamos
também com o processo de interpretação, e como isso se entrelaça com a própria análise. Para
isso também tomamos Antonio Candido como norte da estruturação do nosso trabalho1 quando
ele diz
1 CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 5. ed.-São Paulo: Associação Editorial Humanitas,
2006.
entender o todo pela parte e a parte pelo todo, a síntese pela análise e a análise pela
síntese. (p. xx)
De início, o poema “Cavador do infinito” de Cruz e Sousa nos desafia a encarar as suas
imagens e não as suas ideias, isso é resultado de uma construção propositiva dos símbolos que
caracteriza o modo simbolista. A logopeia do poema não parece ter sido o fator central para
Cruz e Sousa que esmiúça sua prática poética na melopeia e fanopeia. Dentro da miniloquência,2
o modo simbolista barra a paráfrase e a deixa inconclusiva, pois a logopeia é totalmente
sugestiva e como proferido por Daré Rabello ( ano, p.31) “Buscar o sentido do poema exige
investigar o sentido da letra, penetrar a estrutura da obra e sua configuração verbal”, ou seja, a
investigação deve ser feita com as imagens autorreferenciais. Já em relação ao discurso, é
possível perceber que a voz poética manifesta-se na própria linguagem que se sobressai,
evidenciando assim, a falta de interferência de um eu lírico direto, seja de natureza subjetiva ou
universal. O discurso predominante nesse caso é o indireto das imagens do modo simbolista,
porque elas constroem o próprio discurso.
As aliterações e as assonâncias são bem marcadas no poema de forma fixa. Palavras com
nasais estão presentes em todos os versos “lâmpada”, “sonho”, “mundo”, "imponderáveis",
"abafando", “profundo”, “ânsia”, “fundas”, “infinitos”, "transforma", “tristonho”, “distância”,
“lâmpada”. Essa nasalização é contrastada com a marcação da vogal “a” aberta. O poema está
metrificado em decassílabos, um soneto em sua forma fixa, mas a sua forma não retira das
imagens o destaque. As rimas são estruturadas em ABBA nos quartetos e CCD, EED nos
tercetos.
A fanopeia é o poder visual do poema, o que suas imagens nos fazem imaginar. Podemos
percebê-las por meio de várias palavras e misturas . Por exemplo“lâmpada”, que remete a uma
fonte de luz, associada ao “Sonho”, escrito no poema com letra maiúscula. A lâmpada perde seu
sentido referencial ao estar relacionada ao “Sonho”. Ambas com nasalização marcada pertencem
a mesma imagem, a lâmpada do Sonho parece ser a ideia, o pontapé inicial, nesse mesmo caso a
lâmpada (substantivo concreto) parece concretizar o Sonho ( substantivo abstrato). A letra
maiúscula poderia também ser uma forma de concretizar através da personificação.
2 Que não possui uma abertura de audiência considerável em comparação à literatura clássica e
romântica.
do Sonho? A lâmpada parece creditar o sonho em uma situação de iluminação/solução/esperança
e é ela que articula imageticamente toda a ação da estrofe - com a lâmpada desce, sobe e abafa- e
com isso o sonho ganha corpo passível de iluminação.
Ao mesmo tempo que se desce também se sobe, verbos presentes nas primeiras estrofes
e que guiam a movimentação de uma determinada ação que parece ser realizada ao mesmo
tempo. A estruturação melódica do poema pode marcar esse descer e subir quando na
estruturação do verso com as vogais e semivogais abertas “a” e “i” e nasais “ã”, “õ”, e “u”
acompanhado de consoantes e dígrafos nasais “n”, “nh” e “m”. Na mesma estrofe a ação de
descer e subir gera outra, a de ir abafando ( Vai abafando) e os nomes “aflito”, “Sonho”,
“lâmpada”, “grito”, “soluçado” tomam conta do semema, sendo os verbos a posição secundária
dessa imagem, os semas.
Na segunda estrofe os dois verbos “cavar” e “sente” exprime uma tragédia, presente
desde a primeira estrofe, mas que parece se aprofundar ao longo do poema. Esse aprofundamento
pode ser observado no uso dos nomes e em suas colocações juntamente com os verbos como em
“aflito” e "grito", nomes que carregam uma semântica de natureza dramática, mas que não
exprimem tanto essa aflição como ao decorrer do poema. Quando o verbo cavar aparece pela
primeira vez no poema, que tem no título um nome derivado do mesmo radical, esse verbo e suas
derivações vão se repetindo no processo de aliteração que sugere a imagem do próprio ato de
cavar que ocorre em movimentos repetitivos de tirar a terra.
“Mundos imponderáveis” / “astros inefáveis” (astros= corpos celestes, estrelas, cometas). Essas
expressões acima parecem convergir para o Infinito apresentado pela primeira vez no último
verso da segunda estrofe. Interessante notar que o “Infinito” está adjetivado como “trágico” com
a composição da vogal “a”na sílaba tônica, outras palavras anteriores que apresentam essa
características se ligam a construção do infinito quando remetem sempre a ideia de amplitude
que não pode ser cabida “imponderáveis”, “implacáveis”,” inefáveis” “insondáveis”3. Esses
adjetivos parecem ser do tipo explicativos, pois caracterizam coisas que em sua própria
composição já as possuem. Mas a redundância desses adjetivos parecem ter a função de tornar as
coisas muito mais abstratas do que já são, dando ênfase a isso até a chegada da palavra tão
precisa “Infinito”. A tragédia desse infinito foi construída na forma enfática da abstração das
coisas, é o exagero que o torna trágico.
3 IMPONDERÁVEL 1. Diz-se de algo que não tem peso apreciável, que não se pode pesar (corpúsculo
imponderável); INCOMENSURÁVEL [ Antôn.: apreciável, comensurável. ]
IMPLACÁVEL 1. Diz-se de algo que não tem peso apreciável, que não se pode pesar (corpúsculo
imponderável); INCOMENSURÁVEL [ Antôn.: apreciável, comensurável. ]
INEFÁVEL 1. Que não pode ser expresso por palavras; INDESCRITÍVEL; INEXPRIMÍVEL;
INDIZÍVEL: Senti uma inefável alegria.
No primeiro terceto o corpo imagético agora se torna mais dramático, a repetição da ação de
cavar culmina na ação de transformação do infinito que com lava parece abrir um espaço
imagético físico que retoma o “fogo” do primeiro verso da segunda estrofe /Ânsias, Desejos,
tudo a fogo, escrito/. Assim disposta, a imagem que compõe o fogo e a lava parece retomar as
Ânsias e Desejos, tão marcadas com o uso das maiúsculas e enfatizadas com a sinestesia do ato
de se escrever coisas sentidas. Já no último terceto existe uma quebra da imagem anterior
Agora o símbolo do Sonho, mais uma vez acompanhado da imagem da lâmpada, com o auxílio
da palavra “alto” parece construir o ápice da imagem e no último verso parece existir um resumo
da principal imagem do poema, o cavar dos eternos, dos abismos do incômodo. O desconforto
enfatizado através de adjetivos toma proporções infinitas e parece construir junto com o Sonho, e
o Infinito uma tríade que está presente em todo o jogo de palavras do poema. É nesse último
terceto também que adjetivos mais restritivos aparecem para configurar o semblante de um
possível eu indireto /E como seu vulto pálido e tristonho/ e constroem uma imagem destoante
das demais. Inconclusiva, essa imagem parece não se encaixar em nenhuma outra existente e nos
leva a várias sugestões que não convergem em sentidos lógicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS