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MODELO DE APRESENTAÇÃO DE ENSAIO

Mayara Cristina de França Silva - Universidade Federal de Pernambuco-


UFPE
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Nome e Sobrenome do autor - Nome e SIGLA DA INSTITUIÇÃO
Nome e Sobrenome do autor 3 - Nome e SIGLA DA INSTITUIÇÃO

INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado requer uma análise do poema “Cavador do infinito” de Cruz e


Sousa de acordo com as considerações simbolistas de Anna Elizabeth Balakian e Ivone Daré
Rabello. Em um primeiro momento, procuramos retomar conceitos pertinentes à análise de obras
artísticas, como a mímesis e a referencialidade. Pois, por meio de um breve mapeamento do uso
desses conceitos e seus desdobramentos, desde a antiguidade clássica até o simbolismo,
poderemos compreender melhor a complexa construção poética desse último.

Em vista disso, utilizaremos como suporte teórico os apontamentos feitos por André de
Sena, em seu artigo “Breves apontamentos sobre a poesia hermética (2008)”. Cuja tônica do
trabalho se faz na arqueologia de construções artísticas que fogem da referencialidade
tradicional, e como os desdobramentos dessa subversão das prescrições artísticas atingem seu
ápice no simbolismo, que viabiliza uma criação autoconsciente de universos impossíveis por
meio da linguagem artística.

No que diz respeito ao trabalho de análise do poema de Cruz e Souza, nos deparamos
também com o processo de interpretação, e como isso se entrelaça com a própria análise. Para
isso também tomamos Antonio Candido como norte da estruturação do nosso trabalho1 quando
ele diz

Análise e interpretação representam os dois momentos fundamentais do estudo do texto,


isto é, os que se poderiam chamar respectivamente o “momento da parte” e o momento
do todo”, completando o círculo hermenêutico, ou interpretativo, que consiste em

1 CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. 5. ed.-São Paulo: Associação Editorial Humanitas,
2006.
entender o todo pela parte e a parte pelo todo, a síntese pela análise e a análise pela
síntese. (p. xx)

DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA AO SIMBOLISMO: BREVES COMENTÁRIOS


SOBRE A LIBERAÇÃO DA METÁFORA

No intuito de iniciarmos as discussões sobre os elementos que caracterizam a poesia


simbolista, cabe destacarmos, de maneira breve, os caminhos que resultaram nesse modelo de
construção literária. Com base no artigo “Breves apontamentos sobre a poesia hermética” do
professor André de Sena, citado na introdução deste trabalho, procuramos evidenciar o conceito
de mímesis clássica, bem como os desdobramentos dos diferentes usos do recurso expressivo
metáfora, do seu ideal de clareza a opacização.
Como sabemos, Aristóteles (c. 384- 322 a.C) na Poética, principal documento sobre a
arte literária do ocidente, pensou, a partir do método indutivo, os principais gêneros literários da
Grécia Antiga: a epopeia, a tragédia e a comédia. Esse método de reflexão identificava
características universais em objetos particulares. Ou seja, um movimento do particular para o
geral. As características percebidas por Aristóteles nessas obras foram várias, entretanto, dentre
elas, nos interessam algumas principais, são elas: a simplicidade com elevação, a
referencialidade, a translucidez metafórica e a verossimilhança.
Sem nos alongarmos na descrição de cada um desses elementos, destacamos que a
referencialidade indica que as palavras, na construção literária, devem ser iguais as coisas que
elas representam, ou seja, os referentes iguais as referências. A translucidez metafórica ocorre
quando o uso da metáfora é bem cabido, sem exageros, por meio de uma comparação explícita.
A verossimilhança se traduz na criação do efeito de realidade que as obras literárias promovem,
não como uma cópia do real, mas como uma experiência. Nesse sentido, podemos perceber uma
função pragmática da literatura na antiguidade clássica, sempre atrelada a um propósito de
comunicação, de clareza, enunciando algo que seja compreensível, com transparência. Muitas
vezes com função propedêutica, ou seja, de educar os indivíduos. Cabe destacar nesse ponto que,
ainda que Aristóteles identificasse as metáforas translúcidas a partir do seu método, em “Arte
retórica” o filósofo reconhece metáforas que fogem desse padrão, são as metáforas que
assemelham os enigmas velados a imagens obscuras, que são caracterizadas como “metáforas
inconvenientes" (ANDRÉ 2008) . Identificadas também como “vícios” que impurificam o
sublime.
Esclarecido os conceitos da mímesis da Antiguidade Clássica citados acima, nesse
próximo momento destacamos os desdobramentos da teoria de Aristóteles, principalmente no
que tange a arte literária no período do Renascimento (XIV-XVI), não esquecendo de sua
influência também na Idade Média. Com os literatos do renascimento e do neoclassicismo as
reflexões aristotélicas tornam-se uma base teórica, sendo assim, torna-se algo prescritivo,
alcançando grandes proporções com as Poéticas Normativas, como a de Nicolas Boileau (1674)
“Em termos literários, o compromisso com a clareza foi uma constante nos diversos tratados
poéticos da Antiguidade ao Renascimento” (ANDRÉ, p. 67). Desse modo, percebemos que as
reflexões do filósofo transformaram-se em regras universais, a arte deveria estar subordinada à
razão, por meio de um ideal de clareza e objetividade.
Segundo o artigo citado, o excesso de prescrição ocasionou um engessamento da prática
literária criativa e imaginativa, o que não era a intenção de Aristóteles, pois, como sabemos, a
diegese deve ser uma reconstrução do real. Ou seja, ainda que dentro dos parâmetros da mímesis
clássica, deve haver uma liberdade criativa. Entretanto, por mais que as ideias de clareza e
objetividade sejam a tônica da literatura ocidental pós-aristóteles, em seu artigo, André de Sena
nos traz diversas demonstrações de utilização da metáfora que convergem para sua desamarração
da leitura prescritiva e autoritária feita da mímesis clássica.
Na idade média, por exemplo, o trobar clus se apresenta como um dos primeiros passos
para uma opacização autoconsciente do uso da metáfora. Apesar de sempre ter como pano de
fundo uma lógica absolutista e o universo alegórico cristão, o trabalho literário enigmático no
período medieval, um tanto quanto hermético, nos indica os primeiros passos para a perda da
antiga referencialidade clássica. Ainda que alegórico, como na passagem da doutrina velada, na
Divina Comédia, de Dante Alighieri, em que o autor oculta o significado por meio de imagens
estranhas, percebemos um certo distanciamento da referencialidade clássica para representar o
universo cristão, como aponta (ANDRÉ,2008, p.72) “[...] por trás dos véus da alegoria e da
metáfora, por vezes herméticos, esconde-se um sentido e uma compreensão que cumpre ao leitor
- especialmente de nossa época - buscar”. Portanto, identificamos que esses enigmas são
construídos para serem decifrados, principalmente com a chave dos símbolos bíblicos cristãos.
Esse tipo de construção pautada na opacidade, em uma espécie de jogo de decifração,
ganha terreno fértil durante o Renascimento com o Barroco. O hermetismo presente na utilização
do conceptismo e culteranismo, as tensões provocadas pelos paradoxos, as inversões sintáticas,
todos esses movimentos de utilização da linguagem alimentam uma estética com códigos
próprios, novos efeitos estéticos. Em outras palavras, a arte literária passa a convergir,
gradativamente, para os sentidos plurívocos.
Durante o século XVIII, temos, com o Romantismo, o primeiro movimento de
rompimento intencional da prescrição classicista, a qual estava pautada nos ideais de
referencialidade, objetividade e clareza de comunicação da mimesis. Dentre as características
desse movimento, ressaltamos o surgimento do discurso direto do eu-lírico subjetivo, elemento
que surge atrelado ao conceito de subjetividade. Cabe destacar também, que o romantismo foi
plural, havendo vários modos. A quebra dos paradigmas estéticos tradicionais resultam em
novos subgêneros e modos, os quais fomentaram o início do processo de liberação da metáfora,
ou seja, a quebra da translucidez metafórica. Por mais que os românticos permanecessem
referenciais, ainda assim, há no romantismo os primeiros passos da imanência artística e da
superação dos parâmetros universais presentes nas obras de arte, o poema agora fala por si só.
O hermetismo presente nesses movimentos citados até aqui, a seu modo, fogem à
mímesis clássica. Entretanto, ainda não se alcança uma aleatoriedade imanentista como no modo
Simbolista, na poesia hermética a algo a se comunicar, semelhante a alegoria, há o sentido
unívoco, ainda que o tempo opacize as referências alegóricas tornando-as simbólicas. O
romantismo torna-se importante na medida propõe a superação dos parâmetros clássicos, citados
no parágrafo anterior. Todo esse processo solidificou o que viria a ser a poesia simbolista, como
aponta (ANDRÉ, 2008, p. 82):“A abertura de um novo infinito expressivo dará aos poucos
passagem a possibilidade evidente de uma poesia de cunho hermético/ou imanentista, onde as
imagens ganharão vida por si próprias, uma nova polissemia gerada a partir de outras
possibilidades de interconexão entre semas poéticos”.
O modo simbolista se desenvolve justamente dessa concepção imanentista, isto é, o
discurso literário autorreferencial, que tende ao aleatório de forma autoconsciente. Os sentidos
das obras passam a ser sugestivos, plurívocos, assim como as alegorias que perdem sua
univocidade com o passar do tempo tornando-se simbólicas, com sentido implícito e plural. Os
níveis de opacização das metáforas aumentam a partir da aglutinação de imagens “[...] a metáfora
passa a se presentificar como um processo de suspensão da referencia literal para registrar outro
grau de referência, desta vez, na tecitura linguística da obra” (ANDRÉ,2008,p. 84). Eis aqui uma
quebra total do símile, da comparação explícita. Forma-se, agora, o distanciamento da lógica
racional e a consequente camuflagem da logopéia na construção literária. O eu-biográfico
inaugurado no romantismo é totalmente abolido no simbolismo, levando às últimas
consequências a ideia do poema “falar por si só”. Associado a isso, predomina o uso das
sinestesias, cuja mistura de sensações e elementos da realidade de naturezas totalmente diferentes
promovem a abertura total da metáfora, a autorreferencialidade, em que a relação entre as
imagens promoverão os potenciais semânticos do poema (semas principais e senemas), é o que
Anna Balakian descreve como discurso indireto das imagens do modo simbolista.
DESENVOLVIMENTO (análise do poema)

De início, o poema “Cavador do infinito” de Cruz e Sousa nos desafia a encarar as suas
imagens e não as suas ideias, isso é resultado de uma construção propositiva dos símbolos que
caracteriza o modo simbolista. A logopeia do poema não parece ter sido o fator central para
Cruz e Sousa que esmiúça sua prática poética na melopeia e fanopeia. Dentro da miniloquência,2
o modo simbolista barra a paráfrase e a deixa inconclusiva, pois a logopeia é totalmente
sugestiva e como proferido por Daré Rabello ( ano, p.31) “Buscar o sentido do poema exige
investigar o sentido da letra, penetrar a estrutura da obra e sua configuração verbal”, ou seja, a
investigação deve ser feita com as imagens autorreferenciais. Já em relação ao discurso, é
possível perceber que a voz poética manifesta-se na própria linguagem que se sobressai,
evidenciando assim, a falta de interferência de um eu lírico direto, seja de natureza subjetiva ou
universal. O discurso predominante nesse caso é o indireto das imagens do modo simbolista,
porque elas constroem o próprio discurso.

As aliterações e as assonâncias são bem marcadas no poema de forma fixa. Palavras com
nasais estão presentes em todos os versos “lâmpada”, “sonho”, “mundo”, "imponderáveis",
"abafando", “profundo”, “ânsia”, “fundas”, “infinitos”, "transforma", “tristonho”, “distância”,
“lâmpada”. Essa nasalização é contrastada com a marcação da vogal “a” aberta. O poema está
metrificado em decassílabos, um soneto em sua forma fixa, mas a sua forma não retira das
imagens o destaque. As rimas são estruturadas em ABBA nos quartetos e CCD, EED nos
tercetos.

A fanopeia é o poder visual do poema, o que suas imagens nos fazem imaginar. Podemos
percebê-las por meio de várias palavras e misturas . Por exemplo“lâmpada”, que remete a uma
fonte de luz, associada ao “Sonho”, escrito no poema com letra maiúscula. A lâmpada perde seu
sentido referencial ao estar relacionada ao “Sonho”. Ambas com nasalização marcada pertencem
a mesma imagem, a lâmpada do Sonho parece ser a ideia, o pontapé inicial, nesse mesmo caso a
lâmpada (substantivo concreto) parece concretizar o Sonho ( substantivo abstrato). A letra
maiúscula poderia também ser uma forma de concretizar através da personificação.

Os sonhos podem ser ricos em imagens e representam o poder imaginativo. Os sonhos


representam um adentramento no universo “onírico”. Mas como seria a imagem de uma lâmpada

2 Que não possui uma abertura de audiência considerável em comparação à literatura clássica e
romântica.
do Sonho? A lâmpada parece creditar o sonho em uma situação de iluminação/solução/esperança
e é ela que articula imageticamente toda a ação da estrofe - com a lâmpada desce, sobe e abafa- e
com isso o sonho ganha corpo passível de iluminação.

Ao mesmo tempo que se desce também se sobe, verbos presentes nas primeiras estrofes
e que guiam a movimentação de uma determinada ação que parece ser realizada ao mesmo
tempo. A estruturação melódica do poema pode marcar esse descer e subir quando na
estruturação do verso com as vogais e semivogais abertas “a” e “i” e nasais “ã”, “õ”, e “u”
acompanhado de consoantes e dígrafos nasais “n”, “nh” e “m”. Na mesma estrofe a ação de
descer e subir gera outra, a de ir abafando ( Vai abafando) e os nomes “aflito”, “Sonho”,
“lâmpada”, “grito”, “soluçado” tomam conta do semema, sendo os verbos a posição secundária
dessa imagem, os semas.

Na segunda estrofe os dois verbos “cavar” e “sente” exprime uma tragédia, presente
desde a primeira estrofe, mas que parece se aprofundar ao longo do poema. Esse aprofundamento
pode ser observado no uso dos nomes e em suas colocações juntamente com os verbos como em
“aflito” e "grito", nomes que carregam uma semântica de natureza dramática, mas que não
exprimem tanto essa aflição como ao decorrer do poema. Quando o verbo cavar aparece pela
primeira vez no poema, que tem no título um nome derivado do mesmo radical, esse verbo e suas
derivações vão se repetindo no processo de aliteração que sugere a imagem do próprio ato de
cavar que ocorre em movimentos repetitivos de tirar a terra.

“Mundos imponderáveis” / “astros inefáveis” (astros= corpos celestes, estrelas, cometas). Essas
expressões acima parecem convergir para o Infinito apresentado pela primeira vez no último
verso da segunda estrofe. Interessante notar que o “Infinito” está adjetivado como “trágico” com
a composição da vogal “a”na sílaba tônica, outras palavras anteriores que apresentam essa
características se ligam a construção do infinito quando remetem sempre a ideia de amplitude
que não pode ser cabida “imponderáveis”, “implacáveis”,” inefáveis” “insondáveis”3. Esses
adjetivos parecem ser do tipo explicativos, pois caracterizam coisas que em sua própria
composição já as possuem. Mas a redundância desses adjetivos parecem ter a função de tornar as
coisas muito mais abstratas do que já são, dando ênfase a isso até a chegada da palavra tão
precisa “Infinito”. A tragédia desse infinito foi construída na forma enfática da abstração das
coisas, é o exagero que o torna trágico.
3 IMPONDERÁVEL 1. Diz-se de algo que não tem peso apreciável, que não se pode pesar (corpúsculo
imponderável); INCOMENSURÁVEL [ Antôn.: apreciável, comensurável. ]
IMPLACÁVEL 1. Diz-se de algo que não tem peso apreciável, que não se pode pesar (corpúsculo
imponderável); INCOMENSURÁVEL [ Antôn.: apreciável, comensurável. ]
INEFÁVEL 1. Que não pode ser expresso por palavras; INDESCRITÍVEL; INEXPRIMÍVEL;
INDIZÍVEL: Senti uma inefável alegria.
No primeiro terceto o corpo imagético agora se torna mais dramático, a repetição da ação de
cavar culmina na ação de transformação do infinito que com lava parece abrir um espaço
imagético físico que retoma o “fogo” do primeiro verso da segunda estrofe /Ânsias, Desejos,
tudo a fogo, escrito/. Assim disposta, a imagem que compõe o fogo e a lava parece retomar as
Ânsias e Desejos, tão marcadas com o uso das maiúsculas e enfatizadas com a sinestesia do ato
de se escrever coisas sentidas. Já no último terceto existe uma quebra da imagem anterior

Alto levanta a lâmpada do Sonho.

E como seu vulto pálido e tristonho

Cava os abismos das eternas ânsias!

Agora o símbolo do Sonho, mais uma vez acompanhado da imagem da lâmpada, com o auxílio
da palavra “alto” parece construir o ápice da imagem e no último verso parece existir um resumo
da principal imagem do poema, o cavar dos eternos, dos abismos do incômodo. O desconforto
enfatizado através de adjetivos toma proporções infinitas e parece construir junto com o Sonho, e
o Infinito uma tríade que está presente em todo o jogo de palavras do poema. É nesse último
terceto também que adjetivos mais restritivos aparecem para configurar o semblante de um
possível eu indireto /E como seu vulto pálido e tristonho/ e constroem uma imagem destoante
das demais. Inconclusiva, essa imagem parece não se encaixar em nenhuma outra existente e nos
leva a várias sugestões que não convergem em sentidos lógicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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