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escrita impossível, que ainda não se sabe bem o que é, talvez assim como nós
mesmos, por vezes objetos de investigação de nossa própria curiosidade – pensei
que conseguiria compreender melhor o estranho de nosso trabalho de analista.
Curiosamente, o primeiro encontro do qual participo me coloca em um lugar de
estranhamento. Sou chamado/interpelado a pensar sobre minha pesquisa.
Transexualidade: desconforto ou libertação? Meu corpo e minhas vivências não me
permitiriam responder a essa pergunta, mas a questão interessante sobre o lugar de
fala não pode ser a anulação de um discurso, a depender de quem o está
produzindo no processo enunciativo, e sim pensar sobre os efeitos de sentido que
emergem a partir da posição ocupada por cada sujeito no universo do discurso. É
possível dizer que um corpo, desde sempre inserido no universo do discurso, tem o
poder de questionar os limites da concepção binária, nos fazendo pensar sobre que
espaço é reservado para nós na sociedade? Na própria construção do processo de
subjetivação, seria o corpo a revolução ao nos ajudar a pensar a respeito das
normas de gênero, já tão ultrapassadas, mas que insistem em funcionar como um
sistema que nos obriga a acreditar que deve haver, obrigatoriamente, concordância
entre gênero, sexualidade e corpo? Escrever sobre isso não é tarefa simples. Não é
fácil expor a opacidade do texto, ou, como no caso da arte, a opacidade de outras
materialidades. O movimento de olhar cada vez mais e enxergar cada vez menos é
perturbador, mas perturbador no melhor dos sentidos. Talvez excrever seja
justamente isso: abraçar nossas afetações e incompletudes como constituintes do
nosso ser.