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Volto, então, às aulas. O palco, que antes se faria de presença física, se faz na
presença ausente. Uma pandemia nos prende, impede que a liberdade do texto tenha
continuidade, faz com que a escrita de si deixe de estar lá fora.
Eis o texto:
O que levar
- Dois pijamas
- Computador
- 2 calças
- 2 blusões
- 2 camisetas
- Bermuda esportiva
- Carregador de celular
Quando escrevi esse texto eu ainda não sabia, mas sua ideia principal, a que
problematiza as fronteiras entre corpo e mente, viriam a ser tópico de discussão das aulas
subsequentes. Poucos dias depois, nos foram apresentadas as reflexões de Artaud a
respeito do corpo sem órgãos e alguns textos que traziam diários de pessoas que
resolveram relatar suas experiências corporais como que emulando o que seria um corpo
disruptivo, um corpo que não possui em si uma estrutura clara. Importante salientar que,
o corpo sem órgãos ao qual se refere Artaud, não diz respeito a um corpo no qual os
órgãos são inexistentes, mas um corpo que transcende a ideia dos próprios órgãos. Não
um corpo que, na falta das peças que o alimentam a vida, sucumbe à morte. Um corpo
que vive acima de tudo, que existe para além de sua constituição física.
Acordo de um movimento que só se fez fora do corpo. Não estive livre de meu
próprio corpo para que não precisasse teme-lo. Não estive livre de meu próprio corpo
para que pudesse deixa-lo. No entanto, lembro que ao me escrever, me liberto, que ao me
escrever, faço das minhas palavras meu corpo. Talvez, nessas palavras, faça um corpo
sem órgãos, mas com vida. No dia em que meu corpo já não tiver mais vida, já não tiver
mais órgãos, ele estará aqui. Ao escrever esse texto, abro mão de meus órgãos e crio um
corpo com vida. Se um dia alguém precisar de um novo corpo, ofereço aqui meu corpo
sem órgãos, mas com vida. Aqui está. Pode ficar com ele.