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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

CURSO DE PSICOLOGIA

FENOMENOLOGIA

ANÁLISE DE OBRA LITERÁRIA: “SE EU FOSSE EU” POEMA DE


CLARICE LISPECTOR

Ana Paula Ferreira Silva RGM: 27643247

Gisele Sales Ramos de Assumpção RGM: 24404144

Ingred Silva Souza RGM: 23494417

Larissa Camargo de Sousa RGM: 24277185

Lucas Santiago de Carvalho RGM: 24776602

SÃO PAULO

2023
Introdução

O presente trabalho tem como objetivo analisar a obra literária “Se eu fosse eu” de
Clarice Lispector através da abordagem fenomenológica. Isto posto, busca-se
exteriorizar nossas interpretações pessoais e a conceitualização com base na
fenomenologia presentes no poema.

Sob essa ótica, é necessário destacar que trouxemos uma reflexão pessoal sobre o
poema, haja vista que utilizamos como base livros e artigos que foram direcionados
pelo professor Daniel Stanchi com base na abordagem fenomenológica para
composição do trabalho.

De forma que pretende-se examinar o que está presente na consciência da Clarice


retratada no poema. Esse é o essencial da vida psíquica e os seus efeitos, portanto
conheceremos a subjetividade psíquica de uma autora que faz parte da nossa
história.

Poema “Se eu fosse eu” - Clarice Lispector


“Quando eu não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil,
pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar
escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se
eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar, diria
melhor SENTIR.

E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria?
Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos
acabou de ser movida do lugar onde se acomodara. No entanto, já li biografias de
pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas e mudavam inteiramente de
vida.

Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua,


porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho por
exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu
daria tudo que é meu e confiaria o futuro ao futuro.

"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a
entrada nova no desconhecido.

No entanto, tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da


festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei,
experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que
aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase
de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de
algum modo adivinhando, porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de
pudor que se tem diante do que é grande demais.”

Interpretação e conceitualização do poema “Se eu fosse eu” a partir da


abordagem fenomenológica
Para dar início, passamos a destacar o trecho do poema de Clarice Lispector (1920-
1977) “Se eu fosse eu”.

“Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor aquela
que aprendemos a não sentir.” (Clarice Lispector)

Aproveitamos o trecho para destrinchar um pouco o conceito de angústia para a


fenomenologia e seus pensadores. A angústia é então uma emoção fundamental
que pode surgir quando a consciência se encontra com a falta de sentido ou com a
incerteza em relação à sua própria existência ou ao mundo.

Nesta visão a angústia pode ser descrita como uma sensação de apreensão,
desconforto ou inquietação diante do desconhecido, imprevisível ou ambíguo. Ela
não é vinculada a um objeto específico, é uma experiência difusa e abrangente que
se relaciona com a própria condição humana.

Ressalta-se que para a fenomenologia a angústia não é algo negativo ou patológico


e sim parte da experiência humana, diante das complexidades e incertezas da
existência ela é uma resposta autêntica e genuína. Quando é confrontada pela
consciência, busca um maior entendimento de si mesma, do mundo e da existência.

Desta forma, a angústia é vista de forma diferente diante de cada autor estudado,
traremos aqui então, alguns dos entendimentos conhecidos.

Para Edmund Husserl (1859-1938) a angústia é uma experiência de dúvida radical


que surge diante da percepção da consciência em relação às vulnerabilidades e
precariedades da existência humana perante o mundo. A angústia não é patológica
e sim uma parte natural da experiência humana, pode então, ser vista como uma
oportunidade para a consciência assumir uma atitude reflexiva e crítica em relação
ao mundo e a existência.

Já Edith Stein (1891-1942) acredita que a angústia é uma experiência de


desorientação e desintegração da pessoa em sua totalidade, ela surge quando a
consciência confronta a falta ou a ausência de algo essencial para a pessoa, além
disso compreende que descobrir a verdadeira identidade de alguém é uma viagem
às profundezas da alma. A autora enfatiza a importância da introspecção e da
autorreflexão para desvendar esse mistério. É vital contemplar as próprias emoções
e encontros pessoais para atingir esse objetivo.

O tema da identidade também é explorado no poema, ainda que de forma mais


criativa e poética. A autora do poema pondera quem poderia ser se tivesse tido a
coragem de dizer "sim" e "não" quando o momento exigia. Essa contemplação
ressalta a ideia de que a identidade de uma pessoa está intimamente ligada às
escolhas que ela faz durante a jornada da vida.

Clarice Lispector sublinha a importância da introspecção, à semelhança de Edith


Stein. Ela afirma: "Eu agiria de maneira diferente se fosse eu mesma.
Concentrando-me mais em meu eu interior e menos em fatores externos”.
Desconectar-se de influências externas é crucial para identificar o verdadeiro eu,
ilustrando que a busca pela identidade é uma expedição distinta e individual,
ademais enfatiza que explorar nossos sentimentos e encontros é essencial para
alcançar a autodescoberta.

Nesse contexto, para superar a angústia seria necessário buscar a integração e


unidade pessoal, por meio do desenvolvimento de uma compreensão mais tangível
de si mesma e do mundo. Por fim, uma busca por sentido e propósito na vida e
abertura à dimensão transcendental da existência.

Quanto a Søren Kierkegaard, a angústia é vista como uma emoção paradoxal e


complexa, isto é, surge da tensão entre a liberdade de escolha e a responsabilidade
pelas consequências desta escolha. Neste molde, a angústia está relacionada à
finitude e à responsabilidade da existência humana, podendo estar presente
também na esfera religiosa.

Para este autor, superar a angústia, é aceitar a tensão paradoxal entre a liberdade e
a responsabilidade, para se tornar um indivíduo autêntico, é importante ter escolhas
autênticas, ser responsável individualmente por estas escolhas e adquirir coragem
para enfrentar a angústia existencial como parte do processo.

Martin Heidegger (1889-1976) define angústia como uma emoção fundamental e


além disso, emoção que revela a verdadeira condição da existência humana como
ser finito e contingente. A angústia desperta a consciência para a mortalidade e a
impossibilidade de escapar da sua própria finitude.

Aqui a angústia não pode ser evitada ou eliminada, tampouco superada, uma vez
que ela é parte inerente da existência humana e pode levar a compreensão
autêntica do ser e à responsabilidade por sua própria existência.

Por fim, Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) conceituou angústia como uma


emoção relacionada à percepção do corpo, parte essencial da nossa experiência
frente ao mundo. Desta forma, a angústia surge quando o nosso corpo deixa de ser
transparente e familiar e torna-se opaco e estranho, revelando toda sua fragilidade e
contingência como parte integrante de nossa existência no mundo.

Também é relacionada à nossa relação com outros corpos e com intersubjetividade,


pode surgir quando nos deparamos com a diferença dos outros corpos e quando há
a percepção que não podemos compreender o outro completamente ou seja não
temos acesso a subjetividade do outro.

Portanto, durante a leitura do poema, vivenciamos o medo de ser julgada e rejeitada


de Clarice Lispector, caso estivesse com uma expressão séria, brava, ou se não
quisesse cumprimentar ninguém naquele momento relatado em um trecho. A
obrigação de ser cordial sem querer ser.

Sua realidade, suas vivências trazem respostas para perguntas que o leitor nunca
se fez, traz o desenvolvimento de uma consciência, conecta diversas possibilidades
oferecendo identidade ao leitor e a busca pela compreensão de si, esse sentido que
se busca está dentro de cada um e gera essa crise, gera diversas crises. Aqueles
momentos ilustram grande reflexão, são a união do ser e da consciência, revelados
em palavras que não traziam exatidão e nem um sentido preciso, ela conecta cada
um à sua maneira, uma realidade muito pessoal, traz uma construção própria e a
forma com que se sentem atingidos, dentro da perspectiva da intencionalidade de
Husserl.

Ao falar de mundo, sentimos todas as coisas ao redor, conseguimos entender que


Clarice entendia que sua consciência se relacionava com tudo, até mesmo nos
momentos que não lhe vinham palavras, o indizível também é esse ser que
tentamos atingir, é a não existência, é não estar presa à dar sentido à tudo com
palavras, é uma angústia revelada pela compreensão de si e também é uma
enorme libertação.

Nossa relação acontece também, de uma forma inexplicável no campo do


inexpressivo, daquilo que foge da linguagem, pois contempla uma relação sem uma
estrutura literária. Essa constante busca faz com que deixemos para trás, aquele ser
que um dia já fomos, pois tentamos dar sentido para o ser que hoje somos, algo que
nunca é concreto porque transitamos em cada uma delas com a ideia de chegar à
compreensão de algo que está sempre mudando. A alegria que ela expressa sobre
nos libertarmos com uma experiência real do mundo, nos permite sentir aquilo que
sempre negamos para mostrar aquilo que de fato nunca nos permitimos ser.

A origem do sentimento de estranheza diante do seu próprio eu, ocorre diante da


imaginação do que o outro poderá pensar, o poema ilustra a ilusão do eu ideal.
Podemos observar também o constrangimento seguido da mentira, “Se” nos faz
perceber uma mentira contada na legitimidade de sermos quem somos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Mônica Botelho. Merleau-Ponty e a Psicologia Clínica. In: ANTÚNEZ, André
Eduardo Aguirre; SAFRA, Gilberto. Psicologia Clínica da Graduação à Pós-
Graduação. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018.

Feijoo, A.M.L.C; Protasio, M.M.; Gill, D.; Veríssimo, L.J (2015). Kierkegaard, a
Escola da Angústia e a Psicoterapia.

GOTO, Tommy Akira; HOLANDA, Adriano Furtado; COSTA, Ileno Izídio (2018).
Edmund Husserl: A fenomenologia e as possibilidades de uma Psicologia
Fenomenológica. In: ANTÚNEZ, André Eduardo Aguirre; SAFRA, Gilberto.
Psicologia Clínica da Graduação à Pós-Graduação. Rio de Janeiro: Atheneu, 2018.

LUCZINSKI, Giovanna Fagundes. Corporeidade, sensações e sentimentos vitais em


Edith Stein: um diálogo com a Psicologia clínica fenomenológica. In: MAHFOUD,
Miguel. Psicologia com a alma: a fenomenologia de Edith Stein. Belo Horizonte: Ed.
Artesã, 2021.

STEIN, Edith. O que é fenomenologia? Tradução de Ursula Anne Matthias.


Argumentos: Revista de Filosofia, ano 10, n. 20, p. 215-219, jul.-dez. 2018.
Título original: Was ist phänomenologie? (1924) In: ESGA (Edith Stein
Gesamtausgabe), v. 9, texto 5, p. 85-90.

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