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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 

FACULDADE DE LETRAS

GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS 

O espaço que o “Eu” ocupa dentro da literatura

Rio de Janeiro
2021
GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS
DRE: 121059219
GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS

O espaço que o “Eu” ocupa dentro da literatura

Trabalho referente à matéria Teoria Literária I,


apresentado à Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Professora: Marcela Rezende e Silva Bettega Filizola

Rio de Janeiro
2021
GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS
DRE: 121059219

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Uma dúvida que considero natural ao ser humano é a necessidade de saber sobre a
própria identidade. Quem nós somos nunca foi um questionamento com uma resposta definida
e sentir a necessidade do esclarecimento é inevitável. Na literatura, tiveram inúmeros autores
tentando responder a esta pergunta, tais como Clarice Lispector, Simone de Beauvoir, Jean-
Paul Sartre etc. O que todos eles tiveram em comum foi a premissa de que o “eu” se parte de
uma pessoa. Este “eu” já passou por vários nomes, como “id”, “ego”, “sein”, mas todos os
apelidos compartilham do fato de se tratarem, em suma, de coisas próximas. Parte de alguém
e se declara para si ou para o meio exterior. Destaco, para este trabalho, escritores que se
aventuraram na jornada para esta possível descoberta da própria identidade.

Gloria Anzaldúa em “Speaking in Tongues: A Letter to 3 rd World Women Writers”


questiona:

“Por que sou levada a escrever? Porque a escrita me salva da complacência


que me amedronta. Porque não tenho escolha. Porque devo manter vivo o
espírito de minha revolta e a mim mesma também.” (ANZALDÚA, Gloria.
1979, p. 168-169, tradução nossa)

Aqui, a autora afirma que ela é levada a escrever por não ter escolha e apenas por ser
quem ela é, indubitavelmente a si mesma. Ao meu ver, Anzaldúa (1979) escreveu esta carta
justamente para poder dar um sentido à identidade que criaram sobre as mulheres na época em
que foi escrita (que se permanece atual, mesmo com o passar dos anos). Em um trecho
apenas, ela demonstra como consegue – ou ao menos tenta – canalizar o sentimento de revolta
através da escrita e como ela pode liberar essa endorfina metafórica, que é a revolta contra o
sistema, junto ao desejo de se manter viva. Se observa uma luta contra a opressão que ela
sofre por ser marginalizada, não obstante tendo que se manter verdadeira consigo mesma, pois
é através da escrita que ela consegue achar sua individualidade, como ela consegue ser única e
se encontrar no texto que produz.

Continuando a carta, Anzaldúa evidencia:

“O ato de escrever é um ato de criar alma, é alquimia. É a busca de um eu, do


centro do eu, o qual nós mulheres de cor somos levadas a pensar como
“outro” — o escuro, o feminino. Não começamos a escrever para reconciliar
este outro dentro de nós? Nós sabíamos que éramos diferentes, separadas,
exiladas do que é considerado “normal”, o branco-correto. E à medida que
internalizamos este exílio, percebemos a estrangeira dentro de nós e, muito
freqüentemente, como resultado, nos separamos de nós mesmas e entre nós.
Desde então estamos buscando aquele eu, aquele “outro” e umas as outras.”
(ANZALDÚA, Gloria. 1979, p.169, tradução nossa)

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Neste trecho, chegamos ao ponto crucial, se tratando do “eu”: O lugar que se ocupa e o
lugar onde se é colocado. Ao primeiro olhar, eles podem parecer a mesma coisa, porém são
opostos que se complementam. Tratando-se especificamente do excerto da carta, o “eu” ocupa
um lugar incerto, pois existe um local de criação identitária onde a escritora coloca a si e as
mulheres escritoras de cor, porém, ao mesmo tempo, contrasta com o lugar onde as mesmas
foram colocadas dentro da sociedade branca. Elas não se sentem com uma identidade própria,
como colocado pela Anzaldúa (1979) como o “outro”, aquele fora do “normal” branco e que
deve ser apagado. No mesmo fragmento de texto, pode-se observar a questão da busca por
este “eu” e “outro”, justamente para se entender como pessoa. Seria então esta busca por
identidade algo intangível? Ouso ir além: Onde se dá para encontrar as respostas para enfim
poder explicar quem somos?

Me aprofundando, creio que, mesmo sendo influenciada por fatores externos, a


individualidade pode ser procurada por meio de experiências empíricas e racionais. Uso como
exemplo o que Anzaldúa fala sobre a própria escrita, mais especificamente o que a leva a
escrever. Ela diz que registra para poder se manter viva. A escrita faz parte da sua
individualidade, portanto, do seu “eu”. Para que a autora pudesse escrever, teve um motivo
exterior – se interessar por textos – que acabou se tornando algo vital e identitário para a
singularidade da literata. Mesmo vindo de fora, teve contato e se tornou uma parte do seu
“eu”, assim criando a personalidade.

Outro autor que gostaria de destacar para esta aventura através do “eu” é Jean-Luc
Nancy (2000), que faz uma interessante dissertação em “L’intrus” sobre um transplante de
coração, e se, por ter outro órgão, ele perde sua identidade.

Jean-Luc discorre:

“Recebi (quem, “eu”?, é precisamente a questão, a velha questão: qual é este


sujeito da enunciação, sempre estrangeiro ao sujeito de seu enunciado, do
qual ele é forçosamente o intruso, e, no entanto, forçosamente o motor, a
embreagem ou o coração) – recebi, portanto, o coração de um outro, em
breve fará uma dezena de anos. Enxertaram-me um. Meu próprio coração
(é toda a discussão do “próprio”, ficou compreendido – ou então não é
nada disso, e não há propriamente nada para compreender, nenhum mistério,
nem mesmo uma questão: mas a simples evidência de um transplante, como
de preferência dizem os médicos) – meu próprio coração, pois, já estava fora
de uso, por alguma razão que nunca foi esclarecida. Era preciso, portanto,
para viver, receber o coração de um outro.” (NANCY, Jean-Luc. 2000, p. 5-
6, tradução nossa)

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O trecho acima faz uma relação direta do coração com a ideia de singularidade; em
outras palavras, Jean-Luc (2000) acredita que o coração e a personalidade estão diretamente
correlacionados. Isso vem de uma hipótese antiga sobre a localização da alma, quando Platão
(428 a.C. – 347 a.C.) dividiu a alma em três partes: cabeça (intelecto), coração (coragem,
medo e raiva) e intestinos (luxúria, ganância e paixões). Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.),
entretanto, acreditava que enquanto o cérebro era frio e imóvel, era no coração onde se
encontrava a inteligência e as emoções. Foi, portanto, dessa premissa aristotélica que se
acreditou que o coração era o centro das emoções e da individualidade. Porém, através dos
avanços científicos, provou-se que as emoções se originam do cérebro, então mesmo se uma
pessoa passar por um transplante de coração, os sentimentos vão permanecer os mesmos.

O mesmo acontece com o “eu”, pois esse “eu” é formado por sensações empíricas
adquiridas através das experiências de vida e ficam armazenadas no cérebro, assim como as
emoções. A função do coração é bombear sangue para o corpo e ser palco de inúmeros
poemas e canções.

Desse modo, por mais que o questionamento “Quem sou eu?” não tenha uma resposta
definida, cabe afirmar que cada indivíduo tem a sua particularidade. Muitos escritores e
filósofos compartilharam de seus pensamentos para poder dar sentido a algo que todos podem
fazer uma própria interpretação. Com isso, não digo que as hipóteses são inválidas, mas que
esta discussão é abrangente e que, para poder no mínimo tentar deixar essa pergunta um
pouco menos complexa, é bom fazer uma autoavaliação; não só para se conhecer melhor, mas
para poder enfim olhar no espelho – metafórico – e dizer: “Este(a) sou eu!”.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANZALDÚA, G. (1979). Speaking In Tongues: A Letter To 3rd World Women Writers. Em G.


Anzaldúa, This Bridge Called My Back: Writings by Radical Women of Color (pp. 168-169).
Massachusetts: Persephone Press.

NANCY, J.-L. (2000). L'intrus. Paris: Éditions Galilée.

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