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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO 

FACULDADE DE LETRAS

GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS 

Análise da obra “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector

Rio de Janeiro
2021.2
GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS
GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS

Análise da obra “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector

Trabalho entregue à Prof. Mariana Patrício


Fernandes, na disciplina Teoria Literária II,
turma LPLA, código LEL110.

Rio de Janeiro
2021.2
GUSTAVO MANHÃES DE CARVALHO SANTOS

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1) INTRODUÇÃO:

O trabalho a seguir apresenta uma análise sobre a obra “A Hora da Estrela”, de


Clarice Lispector (1977), levando em consideração como funciona a narração da obra,
como as personagens se relacionam com o espaço, o lugar e o território presentes na
ficção, quais as relações possíveis de serem estabelecidas entre a ficção e o tempo
histórico em que foi escrito e como foi a leitura de experiência do romance.

2) A NARRAÇÃO LISPECTORIANA NA OBRA E O ESTUDO DE SEU


ALTER-EGO, RODRIGO S. M.

“A Hora da Estrela” foi o último livro escrito por Clarice Lispector (1977) antes
de sua morte. Consagrada como uma das maiores obras de romance intimista do século
XX, Clarice (1977) traz a sua “assinatura emocional” para a trama, a consagrando como
um pilar da Terceira Geração Modernista.

Uma das coisas que mais chama a atenção neste livro é a forma como Lispector
(1977) constrói a narração da história, nos apresentando ao personagem – e também
alter-ego de Clarice (1977) na trama – Rodrigo S.M., que ao observar durante dois anos
a vida de uma menina nordestina que migrou para o Rio de Janeiro, resolveu escrever
sobre a sua história, levando também em consideração tanto os conflitos existenciais da
personagem principal – cujo nome só se é descoberto após trinta e duas páginas –,
quanto de si próprio. Temos então um personagem-narrador que está inserido na história
como uma parte crucial da trama, tendo como sua principal função contar os fatos da
vida de Macabéa, personagem principal da obra, e denunciar a realidade em que ela
vive.

Porém, ocorre uma tentativa de denúncia, no entanto, falha, pois:

Falando diretamente ao leitor, Rodrigo S.M. começa seu relato


com a intenção de denunciar a realidade em que Macabéa – e
"milhares" de outras moças como ela (18) – vive e, deste modo, expiar
a culpa que sente frente ao destino de seu personagem ("A culpa é
minha," 13). Esta intenção, no entanto, não chega a ser realizada: o
narrador/escritor se mostra incapaz de alcançar seu objetivo, já que
"não [é] um intelectual" (21) e nem sabe "o que [está] denunciando"
(35). (BAILEY, 1987, p.21)

Portanto, ao mesmo tempo em que Rodrigo está ali para narrar a história de Macabéa,
ele também participa da história, demonstrando os seus próprios conflitos, como o
porquê de ele escrever sobre Macabéa, fato bastante evidenciado e discutido no início

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do romance. Ainda sobre os sentimentos da personagem, observa-se que toda vez que
Macabéa presencia uma emoção nova ou grandiosa – sendo momentos em que Macabéa
consegue “brilhar” –, Rodrigo S.M. escreve a palavra “(explosão)”, entre parênteses,
fazendo alusão ao momento em que uma estrela brilha, devido à explosão de átomos de
hidrogênio em sua superfície. Pode-se observar ainda o relacionamento de Macabéa
com as pessoas ao seu redor e o porquê de o título do livro ser “A Hora da Estrela” (o
momento de maior esplendor de uma pessoa), quando S.M. afirma sobre Macabéa que:

“Assim como ninguém lhe ensinaria um dia a morrer: na certa


morreria um dia como se antes tivesse estudado de cor a representação
do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante
estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como
no canto coral se ouvem agudos sibilantes.” (LISPECTOR, 1977,
p.21)

Dando assim a entender que a “Hora da Estrela” de Macabéa é a sua própria morte.

3) A RELAÇÃO EXTERIOR ENTRE OS PERSONAGENS E O ESPAÇO,


LUGAR E TERRITÓRIO NA NARRATIVA:

A trama descrita em “A Hora da Estrela” traz uma relação exterior dos


personagens de acordo com o espaço que eles estão inseridos (não só fisicamente, mas
também emocionalmente). A começar com Macabéa, uma migrante nordestina que
perdeu seus pais muito nova e teve que morar com sua tia – que a maltratava, e acaba
morrendo também. Desde pequena, Macabéa não tem o espaço emocional que deveria
ser preenchido pelos seus pais; ao invés disso, ocorre um esquecimento dos próprios,
evidenciado no trecho:

"Mas uma coisa descobriu inquieta: já não sabia mais ter tido
pai e mãe, tinha esquecido o sabor. E, se pensava melhor, dir-se-ia que
havia brotado da terra do sertão em cogumelo logo mofado. Ela
falava, sim, mas era extremamente muda. Uma palavra dela eu às
vezes consigo mas ela me foge por entre os dedos." (LISPECTOR,
1977, p.22)

Macabéa não só teve este entorpecimento emocional; também havia o fato de ela sair do
interior de Alagoas e presenciar uma vivência completamente diferente em um outro
estado, enfrentando novos desafios que uma cidade grande como o Rio de Janeiro
demanda de uma migrante nordestina da década de 70, como viver em um quarto no
centro da cidade com mais três moças, por não ter dinheiro o suficiente – e nem
maturidade, atrevo-me a dizer – para poder viver sozinha. Como resultado de toda essa
bagagem emocional reclusa e a mudança de hábitos por ir para uma metrópole,

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Macabéa é julgada como “‘tola’ (20), ‘doce e obediente’ (33), não sabe reagir, é
‘incompetente para a vida’ (31); vive desligada da realidade do mundo e da sua
realidade interior porque ela ‘não se pensa’” (BAILEY, 1987, p.21)

Rodrigo S.M. tinha também uma relação estrangeira com o espaço em que está
inserido. S.M. ocupa um papel um tanto quanto “deísta” na trama, pois ao mesmo tempo
em que ele nos lembra que está ali apenas com a função de narrar a história de Macabéa,
Rodrigo acaba se envolvendo emocionalmente – não de forma direta com a ficção a
ponto de interferir na trama, mas ao ponto de se afetar e autoavaliar-se diante o decorrer
dos acontecimentos.

4) A FICÇÃO DE LISPECTOR E O TEMPO HISTÓRICO EM QUE FOI


PRODUZIDA

“A Hora da estrela” foi escrito dentro da terceira fase do movimento modernista,


no final da década de 1970. Clarice (1977) não só mantém a sua “marca”, que é o
romance intimista, mas também expõe os problemas sociais vividos pelo Brasil, além da
polêmica da migração de nordestinos para os centros urbanos do país. O livro pode ser
encarado como um tipo de resposta pessoal de Lispector (1977) às críticas que a
chamavam de alienada por não explorar com afinco a temática social famosa entre
outros autores contemporâneos. Clarice (1977) também aborda temas como migração,
pobreza, relações interpessoais e auto avaliações por parte da própria autora, vivendo na
ficção através de seu alter-ego.

É curioso como Clarice (1977) aborda todas essas pautas e coloca um personagem
masculino como o narrador da trama; isso me leva a acreditar que a autora teve, por um
momento, o intuito de problematizar a situação de narração em um país que é tão
polarizado quando se trata de gêneros, e tão sexista, especialmente se tratando da
década de 1970. Desde o começo do romance, Rodrigo S.M. fala que até o que ele
escreve, um outro poderia escrever, mas deixa bem claro que “Um outro escritor, sim,
mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas.”
(LISPECTOR, 1977, p.10)

Clarice sempre foi uma mulher à frente de seu tempo, e ela trouxe isso para as
suas obras, nunca deixando de perder a sua essência. Em sua última entrevista, Clarice é
indagada por Júlio Lerner sobre em que medida o seu trabalho poderia alterar a ordem

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das coisas, a qual ela respondeu: “Não altera em nada. Eu escrevo sem esperança que...
o que eu escreva altere qualquer coisa. Não altera em nada.” (LISPECTOR, 1977,
informação verbal). Lerner rebateu com a pergunta “Então, por que continuar
escrevendo?”, obtendo como reposta: “E eu sei? Porque no fundo a gente não é... não tá
querendo alterar as coisas, a gente está querendo desabrochar, de um modo ou de outro,
não é?” (LISPECTOR, 1977, informação verbal). Essa fala de Clarice dialoga
diretamente com as suas obras, não deixando “A Hora da Estrela” ser diferente. Ela não
acredita que a sua escrita possa alterar o rumo das coisas, mas sim apenas querer – em
suas palavras – desabrochar, mostrar para o mundo a sua escrita, assim como Rodrigo
S.M. faz ao contar a história de uma migrante “insignificante” para o mundo, mas que
precisava ser evidenciada.

5) A EXPERIÊNCIA DE LEITURA DA OBRA

Não poderia esperar menos de um romance como este. Clarice consegue ao


mesmo tempo te prender na trama que se desenrola, entender o processo de escrita que
Rodrigo S. M. desenvolveu para contar a história de Macabéa e sentir compaixão pela
personagem principal.

Exatamente como foi dito, foi cumprido: “uma história com começo, meio e ‘gran
finale’ seguido de silêncio e chuva caindo.” (LISPECTOR, 1977, p.9). Toda a essência
Clariceana é passada para o personagem-narrador, que, assim como Clarice, mantém o
ar de estranheza, mistério e complacência em sua escrita. Um dos meus romances
prediletos que me faz ter devaneios por horas e horas sobre a sua composição.

À primeira leitura, foi um choque para mim o final do livro quando Macabéa
morre, mas, a um segundo olhar, a morte dela já estava premeditada antes mesmo da sua
ida à cartomante e o seu atropelamento, especialmente quando Rodrigo já dava pistas de
que Macabéa morreria (juntamente com o título da obra e o excerto “.Quanto ao
futuro.”), no trecho “Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema,
é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos
sibilantes.” (LISPECTOR, 1977, p.9)

Deve-se tirar como lição também que não adianta você pensar sobre como a sua
morte será, pois ela pode vir de maneiras repentinas, assim como Macabéa, que ficou
tão alegre com a leitura da Cartomante sobre seu “futuro feliz”, que acabou não

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prestando atenção na rua e sendo atropelada, com várias pessoas ao redor olhando,
ninguém indo ajudá-la, acarreando assim na sua morte. Clarice teve a sua hora da estrela
logo depois de publicar o livro, vítima de um câncer de ovário em estágio avançado.
Seu romance é um marco da literatura modernista e seu nome para sempre estará ligado
a este período.

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6) REFERÊNCIAS:

Bailey, C. F.-P. (1987). A luta pela auto-expressão em Clarice Lispector: o caso de A


Hora da Estrela. Mester, XVI(2), 18-24.
Lispector, C. (1977). A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco.
LISPECTOR, C. (1 de Fevereiro de 1977). Panorama com Clarice Lispector. (J. Lerner,
Entrevistador) TV Cultura. São Paulo. Fonte: https://www.youtube.com/watch?
v=ohHP1l2EVnU&t=30s&ab_channel=TVCultura

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