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● Euclides da Cunha: jornalista e escritor científico

Euclides da Cunha, nascido no Rio de Janeiro, foi jornalista, escritor carioca e adepto
ao positivismo, foi convidado pelo jornal no qual trabalhava para cobrir a campanha de
canudos que acontecia na Bahia no ano de 1897 e, em 1902, lança seu principal livro: Os
Sertões, considerado como marco do pré-modernismo brasileiro e principal influente para os
escritores regionalistas da segunda fase do modernismo no Brasil.
De grande importância para a literatura, Os Sertões relata os acontecimentos durante a
guerra de canudos que ocorreu no interior da Bahia e é dividida em 3 partes: a terra, o homem
e a luta, respectivamente. Entretanto, ainda que com uma boa intenção de denunciar a
campanha de canudos, o livro não passa ileso pelo positivismo, sendo repleto de Darwinismo
Social ao que se refere a figura do sertanejo, ou seja, apesar do cunho social de dar forças à
população de canudos, o autor ainda trata eles como uma “sub-raça”. As contradições entre a
obra e seu autor se dão ao primeiro momento na nota de rodapé presente na preliminar que
antecede a primeira parte, nela Euclides diz:

porque eu também, embora sem a mesma visão aquilina, escrevi “sem dar crédito às
primeiras testemunhas que encontrei, nem às minhas próprias impressões, mas
narrando apenas os acontecimentos de que fui espectador ou sobre os quais tive
informações seguras. (CUNHA, 2009, p. 100).

É extremamente contraditória o posicionamento do escritor quando diz que narra os


acontecimentos sem colocar as próprias impressões, isso se torna evidente quando nomeia os
sertanejos como “Hércules-Quasímodo” e ainda em outro momento da nota preliminar ser
totalmente determinista aos povos que foram vítimas da campanha:

Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os


traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazemo-lo
porque a sua instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente
combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que
jazem, as tornam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante as
exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes
migratórias que a começam a invadir profundamente a nossa terra. (CUNHA, 1984,
p. 1).

Com essa introdução feita pelo autor no início do livro, nota-se a grande influência do
darwinismo social presente no pensamento do autor. Por outro lado, a estilística e
detalhamento do autor para a construção da obra também se destaca, na primeira página da
parte um, Euclides faz um detalhamento da terra:

Vê-se, de fato, que três formações geognósticas díspares, de idades mal


determinadas, aí se substituem, ou se entrelaçam, em estratificações discordantes,
formando o predomínio exclusivo de umas, ou a combinação de todas, os traços
variáveis da fisionomia da terra. Surgem primeiro as possantes massas
gnaissegraníticas, que a partir do extremo sul se encurvam em desmedido anfiteatro,
alteando as paisagens admiráveis que tanto encantam e iludem as vistas inexpertas
dos forasteiros. A princípio abeiradas do mar progridem em sucessivas cadeias, sem
rebentos laterais, até às raias do litoral paulista, feito dilatado muro de arrimo
sustentando as formações sedimentares do interior. A terra sobranceia o oceano,
dominante, do fastígio das escarpas; e quem a alcança, como quem vinga a 4 rampa
de um majestoso palco, justifica os exageros descritivos — do gongorismo de Rocha
Pita às extravagâncias geniais de Buckle — que fazem deste país região privilegiada,
onde a natureza armou a sua mais portentosa oficina. (CUNHA, 1984, p. 4)

Com uma linguagem rebuscada e técnica, o escritor carioca desenha para o leitor cada pedaço
daquela terra. A descrição é única e impressiona por mostrar o enorme conhecimento técnico
e linguístico de Euclides, as descrições por muitas vezes feitas ressaltam a unicidade do local
e traz vida ao ambiente.

● Lima Barreto: jornalista e escritor militante

Lima Barreto também foi um jornalista e escritor carioca, sendo negro e vindo de uma
família pobre usou sua literatura, principalmente para revelar como funcionava a sociedade
brasileira. Para melhor aprofundamento foi escolhida a versão em conto de Clara dos Anjos
presente no livro Contos Completos de Lima Barreto lançado em 2010 pela editora
Companhia das Letras.
Neste conto, Lima destaca dois problemas da sua época: a diferença de classes sociais
e o preconceito contra a população negra. O conto mostra o romance de Clara, uma menina
negra de 17 anos vinda de família pobre, e Júlio, um homem branco que vem de uma família
rica. Logo no início a família da garota é descrita como: “O carteiro era pardo-claro, mas com
cabelo ruim, como se diz; a mulher, porém, apesar de mais escura, tinha o cabelo liso.”
(BARRETO, 2010, p. 180). Nessa breve descrição dos pais de Clara, já temos uma noção do
preconceito que os personagens sofrem, apesar de "inofensiva" a expressão de “cabelo ruim”
serve para falar de cabelos crespos e cacheados comumente usados por pessoas negras. É
importante notar que essa expressão vem acompanhada de “como se diz”, ou seja, Lima não
descreve o cabelo como “ruim”, mas utiliza desse acompanhamento para mostrar como a
sociedade se refere às pessoas que possuem ele.
O escritor que a primeiro momento aparenta fazer um relato “pequeno” do preconceito
na sociedade com o decorrer do conto detalha em cenas fortes como funciona as diferenças
sociais. Com o avançar da história Clara e Júlio namoram, e ela visita a casa de seus pais, a
partir do primeiro momento todos os parentes de Júlio julgam Clara pela sua cor de pele,
nota-se que a primeiro momento o preconceito é velado, não sendo dito por nenhum dos
familiares do namorado, mas revelado pelo narrador que traz a visão das irmãs sobre Clara:
"Pequeno-burguesas, sem nenhuma fortuna, mas, devido à situação do pai e a terem
frequentado escolas de certa importância, elas não admitiriam, para Clara, senão um destino:
o de criada de servir." (BARRETO, 2010, p. 185). Esse preconceito não dito, porém contado
pelo narrador, é liberado quando Clara é abandonada grávida de Júlio, sem condições de criar
a criança sozinha, Clara não vê outra escolha a não ser ir atrás de sua sogra que a recebe desta
forma: "Ora, esta! Você não se enxerga! Você não vê mesmo que meu filho não é para se casar
com gente da laia de você! Ele não amarrou você, ele não amordaçou você...Vá-se embora,
rapariga" ((BARRETO, 2010, p. 187). À laia de Clara ao qual a mãe de Júlio se refere é a de
uma menina negra, vinda de uma família negra e pobre e que na visão da elite brasileira não é
digna de nada.
É com essa realidade que a população negra se encontra na sociedade brasileira no
início do século XX, a população marginalizada era vista como "um problema" para a elite e o
governo carioca. O conto de Lima Barreto deixa evidente como o preconceito e as classes
sociais funcionam. Outro fator no qual Barreto é muito marcado são os seus diversos erros de
gramática, constantemente criticado pela crítica literária e nunca conseguindo uma cadeira na
Academia Brasileira de Letras, esse foi um dos fatores que também pesou para o não
acontecimento da carreira dele como escritor naquela época. Destaca-se a passagem presente
no livro Diário do hospício: O cemitério dos vivos onde o autor escreve em uma carta ao
também escritor Lucilo Varejão:
“Meus livros saem errados devido à minha negligência e ao meu relaxamento, à
minha letra, aos meus péssimos revisores, inclusive eu mesmo. Isso explica os erros
vulgares; mas, quanto aos outros da transcendência gramática dos importantes, eu
nunca me incomodei com eles.” (BARRETO, 1993, p. 10).

Portanto, nota-se e destaca-se que apesar das várias críticas à gramática de Lima
Barreto, o conteúdo do autor foi extremamente relevante para a sua época, e ainda continua
sendo, tendo em vista que a desigualdade social e o preconceito contra a população negra,
ainda que inferiores comparado ao Brasil do início do século XX, infelizmente são
problemáticas presentes no Brasil do século XXI.
● Conclusão
Em suma, conclui-se que apesar de ambos, escritor e jornalista, terem a literatura
como uma missão, fazem isso de formas e com conteúdos diferentes. Enquanto Euclides,
com influência positivista, usa sua obra Os Sertões como denúncia às violência sofridas pela
população em Canudos, Lima dá voz a outra população vítima dos atos governamentais do
Brasil República: população negra. Não somente as temáticas diferem Lima e Euclides, mas
também a linguagem, pois o primeiro escreve de maneira mais coloquial, já o outro, mais
rebuscada. No entanto, apesar dessas diferenças entre forma e conteúdo, ambos expressam,
através de suas obras, uma ruptura com os movimentos artísticos-literários presentes no Brasil
(Simbolismo e Parnasianismo), utilizam a literatura como ferramenta para crítica e
representação social de povos marginalizados pelo Governo Brasileiro que reverbera até o
Brasil do século XXI e com isso criam o que seria a preparação para um movimento maior
que surgiria na semana de arte moderna em 1922.

REFERÊNCIAS

BARRETO, Lima. Contos Completos de Lima Barreto. São Paulo: Companhia das Letras,
2010.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984 (Biblioteca do Estudante).

CUNHA, Euclides da. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2009.

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na


primeira república. São Paulo: Editora Brasiliense, 1999.

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