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O estatuto epistemológico e axiológico das línguas maternas

1. O papel da padronização da ortografia das línguas maternas (locais)

No processo de formação ou estabelecimento do reconhecimento do papel das línguas


maternas (locais) na aquisição de conhecimentos locais, que alguns como Boaventura de
Sousa Santos (2009:44) chama de conhecimentos da outra linha Pós-abissal ou do outro
lado do não ser. Existem discursos que afirmam que o reconhecimento surgirá ou virá se os
próprios africanos (moçambicanos) combaterem os ideais de sua inferioridade diante dos
ocidentais (colonizador) (cf. Ngunga e Faquir, 2011: 264-269).

O ser civilizado que muitos afirmam é na verdade, a negação da possibilidade de sua


língua, elemento fundamental para a cultura e para o ser social, contribuir para o
enquadramento do moçambicano no processo de busca e produção do conhecimento.
Segundo Ngunga e Faquir (2011), a civilização é a apropriação dos africanos
(moçambicanos no nosso contexto) das línguas estrangeiras (ocidentais) assim como sua
forma de falar e de ser. “O colonizado sempre sonho em instalar-se no lugar do colono,
não em se tornar o colono, mas em substituir o colono”. (FANON, 1965:39) essa instalação
a nível linguístico, isto é, das línguas maternas senão locais é tão perigosa pois irá
influenciar negativamente na destruição dos outros campos que ela forma (cultura,
comunidade, etc.). Por isso, é que para Ngunga e Faquir (2011:261) para que isso não
aconteça autores como Kwesi Prah, Laurinda Moisés, Elsa Cande e Jorgete Jesus optam
pelo empoderamento linguístico africano, este visto como crucial no desenvolvimento
enquanto instrumentos de acesso aos saberes locais (nacionais), a disposição de
mecanismos de acesso poderá contribuir ainda na participação activa deste africano na
sociedade.

O empoderamento acima mencionado consistira no agrupamento harmónico da ortografia


das línguas africanas. Esta harmonia busca no fundo que as línguas tenham formas
padronizadas para que sirvam de instrumento de educação, está que será a forma de
emancipação dos povos africanos.

As línguas maternas como qualquer outra que queira intervir de forma activa, criando a
intersubjectivação como sustenta Castiano (2000), deve possuir elementos, um léxico, uma
gramática, isto é, elementos básicos que as línguas internacionais possuem ou têm, estes
elementos serão importantes para a educação ou reeducação dos sujeitos africanos. A estes
elementos básicos chamamos padronização, que consiste na criação ou identificação de
estruturas fenológicas, sintácticas, morfológicas e ainda de escrita única.

A escrita padronizada das línguas maternas são necessárias pois garante que todos
partilhem da mesma forma de interacção entre os sujeitos. “A padronização intra-
linguística é a forma mais segura de garantir que haverá uma comunicação entre o
escritor e o leitor podendo estes através da grafia padronizada, dispor de um meio
fundamental de descodificação de margens escritas”. (idem,p.300)

A leitura alimenta a alma e o espírito é por via desta que o leitor entra em diálogo com o
escritor e, nesse diálogo, o leitor mais aprende a forma de escrever, de transmitir e /ou
produzir conhecimento. A escrita é então importante porque sem ela não haveria
possibilidades de haver leitores, não havendo assim a descodificação das suas margens ou
obscuridade. Como dissemos antes a educação é um instrumento de emancipação e, sendo
assim, “uma ortografia padronizada é importante para o uso da língua na produção de
material didáctico e pedagógico, na sala de aulas (na escolarização e na alfabetização dos
adultos) e nos meios de comunicação social sobretudo na impressa escrita. ” (idem, p.301)

A padronização da ortografia constitui um elemento importante porque contribui para o


ensino e abre as mentes, esta abertura garante a intersujectivação dos indivíduos e a
intervenção deste no meio social. Estas descrições são no fundo conhecimentos, produtos
de uma educação com bases escritas. Não obstante, não estamos a negar a oralidade, mas
ela é bem limitada visto que ela abrange um grupo muito restrito e suas afirmações não têm
longevidade, não salvaguarda a memória e o património cultural. Um dos teóricos deste
ponto é o filósofo Paulin Hountondji, que dizia de forma clara que a emancipação do
africano deve passar os limites da oralidade, ela, deve consistir na produção escrita do
conhecimento, pois segundo Ngunga e Faquir (ibidem), a escrita é definida e mais clara
(sólida e estrutural) ao passo que a oralidade é líquida, não é definida, por vezes obscura.

Ngunga e Faquir (ibidem), sustentam que a harmonia da qual Kwesi Prah fala poderá ser
dada a partir desta padronização. Pois, a padronização de variantes linguísticas possibilitará
a identificação das suas semelhanças e diferenças. A padronização da escrita materna ou se
preferir da ortografia vai garantir a produção e processamento de informações que devem
ser partilhadas pelos africanos.

O estatuto epistemológico condiciona o axiológico das nossas línguas (maternas) pois o


reconhecimento e a apropriação da escrita como “parte do nosso distintivo nacional, da
nossa marca cultural, da nossa moçambicanidade” (idem, p.302), vão fazer com que
reflictamos colectiva e nacionalmente sobre o nosso ser social. Esta reflexão vai contribuir
para a valorização da língua na difusão e produção do conhecimento.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NGUNGA, Armindo e FAQUIR, Osvaldo, G. (2011). Padronização da ortografia de


línguas moçambicanas: relatório do III seminário. Maputo, centro de estudos africanos
(CEA) -UEM.

FANON, Frantz. (1965). Os condenados da terra. Trad. José Lourenço de Melo, Rio de
Janeiro, Civilização brasileira.

CASTIANO, José P. (2000). Referências da filosofia: em busca da intersubjectivação.


Maputo, Ndjira.

SANTOS, Boaventura de Sousa (2009). Epistemologias do sul. Coimbra, Almeida.

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