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Ética

Recorrendo à etimologia da palavra, ética (do grego éthos) se refere aos costumes, à
conduta da vida, as regras do comportamento, ou seja significa modo de ser ou carácter.
A ética abrange três conceitos:
 A pesquisa de normas ou de regras do comportamento, a análise dos valores, a
reflexão sobre os fundamentos dos direitos ou dos valores.
 A sistematização da reflexão. Fala-se correntemente da ética de Kant, ou e
algum outro filosofo. Alguns teólogos protestantes empregaram ética cristã para
falar de grandes valores evangélicos e da sua aplicação concreta na vida
quotidiana.
 A prática concreta e a realização dos valores.

Alguns filósofos tendem a limitar a ética os campos da palavra moral, neste sentido a
ética é a ciência do bem e do mal, ou a ciência da moral, ou ainda o estudo dos
fundamentos da moral. A ética deveria referir-se à pessoa, mas à pessoa na relação com
o outro, já que esse modo de ser ou carácter será direccionado e avaliado por terceiros.
Desde Aristóteles, por muitos considerando-o o precursor da ética como disciplina
filosófica, a ética é definida como “uma actividade que impulsiona as práticas do
Homem para o aproximar do bem” (Aristóteles, Ética a Nicómaco, 2004).
As noções de bem e de mal surgem em função do juízo que cada pessoa pode fazer, pelo
que não poderão dela ser dissociadas. Do mesmo modo, só adquirem importância pela
necessidade que as pessoas têm em relacionar-se entre si. De outro modo, tudo o que
fosse ditado pelos “apetites” de cada um seria a referência para determinar o bom e o
mau para si próprio, já que corresponderia à satisfação ou não da sua vontade. Em
poucas palavras, o bom e o mau seriam ditados por aquilo que cada pessoa sentisse
vontade. Mas como é necessário gerir essa vontade em função do “outro”; então a
relação assume uma importância fundamental, e a ética assume aqui o seu papel
orientador. Talvez por isso Coval (2006) tenha afirmado, referindo-se a Aristóteles, que
“o Homem no uso da racionalidade prática reconhece o verdadeiro bem, sendo que
esse bem, poderá acrescentar-se, será representado pela satisfação das necessidades
individuais em harmonia com as necessidades dos outros”.
Será pois interessante fazer notar estas duas dimensões da ética: por um lado a
promoção do bem individual, mas sempre integrado na realidade social do Homem, ou
seja, tendo em conta o bem das outras pessoas. Será esta, acredita-se, o fulcro central do
papel da ética: promover o bem da pessoa potenciando os resultados das relações inter-
pessoais, pelo que poderá afirmar-se que a ética será a ciência da relação. A necessidade
de uma ética personalista afigura-se, pois, como essencial, uma vez que se refere a todo
e qualquer acto voluntário dirigido ao outro, carregado, por definição, de
intencionalidade (Lagarde, 1957).

Será pois interessante fazer notar estas duas dimensões da ética: por um lado a
promoção do bem individual, mas sempre integrado na realidade social do Homem, ou
seja, tendo em conta o bem das outras pessoas. Será esta, acredita-se, o fulcro central do
papel da ética: promover o bem da pessoa potenciando os resultados das relações inter-
pessoais, pelo que poderá afirmar-se que a ética será a ciência da relação. A necessidade
de uma ética personalista afigura-se, pois, como essencial, uma vez que se refere a todo
e qualquer acto voluntário dirigido ao outro, carregado, por definição, de
intencionalidade (ibidem, 1957).

O termo direito – do latim arcaico derectum, passando pelo latim popular directum,
significa o que é certo, o que é recto, o que é direito. No plano moral, quer dizer o que é
decente, o que é honrado, o que é leal, o que é honesto, o que é justo sobretudo.
Os romanos foram os responsáveis pela tradição codificadora do direito, como conjunto
de normas posto à regulação dos interesses dos cidadãos e do estado romano. O ius
civile e o ius gentium, o primeiro tratando dos direitos do cidadão romano e o segundo
dos direitos dos estrangeiros, muitos deles trazidos como escravos para Roma oriundos
dos povos vencidos por suas legiões guerreiras que impunham aos dominados o idioma
latino e o direito romano.

Como se observa, o direito se impõe como sendo um conjunto de normas ou leis


destinado ao bem comum dos integrantes da sociedade, compondo o património
subjectivo de cada indivíduo e se tornando a essência da própria justiça. As normas ou
leis naturais estão destinadas a manter o controle de todas as actividades humanas, com
seus princípios, suas regras, de modo a que possam assegurar a vida harmónica e o
respeito no contexto social.
O direito não teria qualquer serventia se não houvesse a sua materialização prática, sua
aplicação objectiva, que só acontece através da justiça. A busca do justo se tornou a
questão sine qua non da convivência social, tendo como suporte os princípios
resultantes da ciência jurídica. Na conferência que Rudolf Von Ihering pronunciou na
primavera de 1872 na sociedade jurídica de Viena, publicada com o título de a luta pelo
direito, no seu prefácio ele afirma, in verbis: “o que tive em mente não foi a divulgação
do conhecimento científico do direito, mas antes a promoção do estado de espírito em
que este há-de buscar sua energia vital, e que é o que conduz à actuação firme e
corajosa do sentimento de justiça”.
Na realização da justiça o direito é pura técnica, como lei, como normas. É a essência
da técnica jurídica de que trata Hans Kelsen (1997) em obra que publicou sob título o
que é justiça? Na qual expõe que “a convivência de seres humanos é caracterizada pelo
fato de que sua conduta recíproca é regulamentada. A convivência de indivíduos, em si
um fenómeno biológico, torna-se um fenómeno social pelo próprio fato de ser
regulamentada. A sociedade é a convivência ordenada, ou, mais exactamente, a
sociedade é o ordenamento da convivência de indivíduos”. E acrescenta, assim: “para
o indivíduo a ordem surge como um complexo de regras que determinam como o
indivíduo deve conduzir-se em relação a outros indivíduos. Tais regras são chamadas
normas”.

A conduta de um indivíduo para com outro, no contexto social, no pugilato dos


conflitos levados à justiça, tem também um forte contributo moral. Se é certo que
postulados éticos têm feição eminentemente de ordem moral, sem coercividade, os
princípios jurídicos trazem em si a força coerciva que os distingue daqueles. É oportuno
que, neste passo, se chame à colação a palavra de Kelsen (1997) que, na mesma obra,
diz que “embora reconhecendo o direito como a técnica social específica da ordem
coercitiva, podemos compará-lo com outras ordens sociais que, em parte, perseguem
os mesmos objectivos que o direito, mas por meios diversos. O direito é meio social
específico, não um fim. O direito, a moralidade e a religião todos os três proíbem o
assassinato. Mas, o direito faz isso provendo que: se um homem comete assassinato,
outro homem, designado pela ordem jurídica, aplicará contra o assassino, certa
medida de coerção prescrita pela ordem jurídica. a moralidade limita-se a exigir: não
matarás.
Chaim Perelman, o filósofo de Bruxelas e um dos maiores filósofos do direito do século
XX, ao tratar de direito e moral, ensina:

Tradicionalmente, os estudos consagrados às relações entre o direito e a


moral insistem, dentro de um espírito kantiano, naquilo que os
distingue: o direito rege o comportamento exterior, a moral enfatiza a
intenção, o direito estabelece uma correlação entre os direitos e as
obrigações, a moral prescreve deveres que não dão origem a direitos
subjectivos, o direito estabelece obrigações sancionadas pelo poder, a
moral escapa às sanções organizadas.
Os juristas, descontentes com uma concepção positivista, estadística e
formalista do direito, insistem na importância do elemento moral no
funcionamento do direito, no papel que nele desempenham a boa-fé, a
má-fé, a intenção maldosa, os bons costumes, e tantas outras noções
cujo aspecto ético não pode ser desprezado” (PERELMAN. 1996 p.
298-299).

O professor Alain Lempereur ao fazer a apresentação da obra de Perelman, ética e


direito enfatiza que o filósofo belga põe sob enfoque a análise da ética em face do
direito vivo que nasce e se desenvolve no processo perante a justiça, ou seja, “o direito
tal como é praticado, é o que nasce da controvérsia, no processo, e se cristaliza nas
decisões do juiz”, acrescentando que “Perelman restabelece os vínculos com o género
judiciário, que a antiga retórica valorizava”.

À luz desse raciocínio o direito tal como é praticado no processo permite pôr à prova
todo o acervo da cultura humana no trato dos interesses dos preliantes em face do
estado-jurisdicional em busca de uma decisão do juiz. No cotejo do trâmite processual
são postos em confronto não só as normas jurídicas, como todos os princípios da ética
que a lei do processo exige dos litigantes e do próprio juiz. Ao lado da liberdade, há
todo um aparato de lealdade e de sinceridade exigido por lei nos conflitos judiciais. Não
é só o direito como ciência, como a mora como fundamento honorífico do litígio, que se
busca. “Se o direito é um instrumento da justiça, nem a técnica nem a ciência bastam
para manejá-lo”, como ensinava o clássico Francesco Carnelutti (2004), porque, na
prática, a aplicação viva do direito se faz através da justiça distribuída por um ser
humano, o juiz a quem o sistema jurídico incumbe o grave mister de desatar a
controvérsia entre as partes desavindas em busca de uma sentença.

É nesse embate judicial, que se trava a luta pelo direito, de que fala Ihering, mas é aí em
que resplandece a conduta do advogado como profissional do direito, pondo em risco
sua capacitação intelectual, a sua conduta pessoal e seu tirocínio técnico-jurídico, nos
lindes ténues de uma postura ética à toda prova. De um lado o direito do cliente que
patrocina; do outro, como adversário, a resposta da parte contrária que também tem seu
advogado. Nesse afã, no exercício dessa difícil tarefa eminentemente intelectual, o
advogado há-de manter de pé a sua crença no direito que defende e na justiça que busca.
O fenomenal Eduardo Couture (1999), na sabedoria de sua profunda erudição, nos seus
mandamentos do advogado pregava: “cada advogado, em sua condição de homem,
pode ter a fé que a sua consciência lhe indique. Porém, na sua condição de advogado,
deve ter fé no direito, porque até agora o homem não encontrou, em sua longa e
comovente aventura sobre a terra, nenhum instrumento que melhor lhe assegura a
convivência”.
O 8º mandamento do seu decálogo está composto em texto possuído de grave emoção e
de sério conteúdo ético. “Tem fé. Tem fé no direito como o melhor instrumento para a
convivência humana; na justiça, como destino normal do direito; na paz, como
substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não
há direito, nem justiça, nem paz”.
Os eruditos, como José Nedel (1998), ensinam que a “filosofia do agir, ou filosofia
moral, é a organização do saber normativo da actividade livre do homem, em direcção
ao seu fim último bem supremo. Visa à elucidação das condições do aperfeiçoamento
do homem tout court, do homem enquanto tal, do homem como homem” e que o direito
como ciência integra o quadro das ciências práticas. A ética é ciência da moral.

Direito e ética

São duas disposições normativas, na medida em que se traduzem em normas ou regras


de conduta.

Desde há muito a preocupação de diferencia-las caracterizando-as em função de


diversos critérios dentro dos quais a distinção aparece.

Critérios

Mínimo ético: segundo este “ nem tudo o que a moral ordena é prescrito pelo direito,
pois este só recebe da moral aqueles preceitos que se impõem com muito particular
vigor”. O direito “é um mínimo em relação a moral, mas um mínimo reportar-se-ia
aquelas regras morais básica sem as quais a ordem social careceria de paz, liberdade e
justiça.

Uma analise primaria permite-nos verificar que não é correcta a conclusão que deste
critério emerge, segundo o qual toda a norma jurídica estria impregnada de moral.
Grande parte das normas que regem um ordenamento jurídico são, eticamente neutras,
como acontece uma imensidão de normas organizativas e de normas processuais. Certo
é, porem, que este incompleto critério permite alertar para a necessidade de o direito
poder consagrar determinadas normas éticas, que constituem a ossatura do ordenamento
jurídico.

Heteronomia e autonomia:

Heteronomia é própria do direito e a autonomia é inerente a ética. Deste modo, na moral


prevaleceria a auto-vinculação pelos ditames da própria consciência; no direito a
exigibilidade e aceitação da norma teriam como apoio indispensável a coercibilidade, o
uso possível da forca para o seu cumprimento.

Mas critério é imperfeito, sobretudo com evolução político-jurídico do conceito de


democracia. Na sociedade democrática, aquela heteronomia do direito deve acrescer
uma autonomia aceitação global da ordem jurídica por parte da sociedade que ele rege,
para que tal ordem se possa considerar legítima. O que de modo algum significa que
algumas das regras que compõem esse todo não possam ser contestadas e o seu
conteúdo rejeitado por parte de muitos membros da sociedade.

Não que seja substancialmente pertinente este critério, mas para garantir uma ordem
social de convivência que é o suporte indispensável da paz, da liberdade e da justiça e,
portanto, para assegurar o quadro de vida em que se torne possível o homem
desenvolver a sua humanidade, o subjectivismo ou a consciência de cada um seria
terreno demasiado inseguro, o que já não acontece na moral.

Exterioridade e interioridade:

A primeira do direito a segunda de ética, ater-nos-íamos a algo semelhante à distinção


entre objectivo e o subjectivo.

O direito versaria o lado exterior da conduta, a sua manifestação externa, o


cumprimento da norma; a moral focaria, mais profundamente, a intenção ou atitude
interior que comanda o comportamento. Esta perspectiva radicalizada, está longe de ser
curial. Os códigos estão repletos de normas que fazem apelo aos aspectos mais íntimos
do comportamento, com predominância no direito penal, em que, para o mais, cada vez
se faz maior apelo à personalidade do arguido. O direito evolui à medida que se reporta
ao homem na sua interioridade, com as dificuldades inerentes à respectiva prova.

A relação entre ética e direito.


Neste capítulo serão trazidos conceitos de ética e será demonstrada a relação entre ética
e direito. Um conceito de ética não é nada fácil de explicar. Observe o que Valls afirma
sobre esse tema:

Tradicionalmente ela é entendida como um estudo ou uma reflexão,


científica ou filosófica, e eventualmente até teológica, sobre os
costumes ou sobre as acções humanas. Mas também chamamos de ética
a própria vida, quando conforme aos costumes considerados correctos.
A ética pode ser o estudo das acções ou dos costumes, e pode ser a
própria realização de um tipo de comportamento (VALLS, 1994, p. 7).

Segundo Reale (1999) a ética é entendida como a doutrina do valor do bem e da conduta
humana que o visa realizar. Destarte, segundo o mesmo autor, quem preza pela ética ao
realizar uma conduta o faz de forma a respeitar o bom senso.
A ética na pós-modernidade enveredou por um caminho no qual o direito e a política
tornaram-se as únicas instâncias legítimas para resolução de problemas e busca do
sentido da vida humana. A sociedade pós-moderna versa por uma visão filosófica da
ética, que tenta através desta filosofia dar uma análise libertadora, isto é, antidogmática.
Segundo Cortina (2010) a “ética consiste na dimensão da filosofia que reflecte sobre a
moralidade, isto é, na forma de reflexão e linguagem acerca da reflexão e da
linguagem moral, no que se refere ao que guarda a relação entre toda metalinguagem
e a linguagem objecto”. A referida autora afirma que a moral prescreve a conduta de
forma imediata e a ética proporciona um cânon mediato para a acção por meio de um
processo de fundamentação moral. Dessa forma, a ética não pode confundir-se com o
conjunto de normas e avaliações geradas no mundo social.
Habermas entende a ética como uma ciência reconstrutiva, que implica numa ética
discursiva como filosofia moral, decorrente do processo de fundamentação mediante
argumentos reflexivos, encarregado de reconstruir os pressupostos fácticos da
argumentação, Cortina parte de uma classificação da ética em seis grandes géneros:
éticas normativas e descritivas, naturalistas e não naturalistas, cognitivistas e não
cognitivistas. E utiliza-se de Kant para concluir que o cognitivismo “não é uma questão
de verdade ou falsidade, mas de argumentação racional acerca da correcção e da
validade”.
Para restringir o conceito de ética, necessário se faz conhecer o seu objecto e tratar não
só da teoria, mas também da prática.

O objecto da ética são as normas, das quais, não se pode dizer que
sejam verdadeiras ou falsas, mas sim se são correctas ou incorrectas. E
cabe argumentar racionalmente acerca de sua correcção ou incorrecção:
se há um discurso teórico, também se faz necessário um discurso
prático, que nos permite distinguir entre as normas válidas e as
meramente vigentes (CORTINA. 2010,p 45)

Trata-se de uma argumentação racional acerca da correcção ou validade própria do


cognitivismo que é uma constante na ética discursiva.
Da ética decorreram o direito e a moral e ao longo da história, desde a Grécia antiga,
tentou-se distinguir o direito da moral. Segundo Machado Neto (1987):

De um ângulo sociológico, poderíamos estabelecer ainda uma relação


genética entre moral e direito, considerando que uma sociedade passa a
conferir a nota de exigibilidade e a consequente imposição inexorável
através da sanção organizada a toda exigência moral que se tenha
tornado essencial à vida e ao equilíbrio do grupo.

Destarte, o supracitado Autor conclui que o direito tutela o que a sociedade considera
como o mínimo moral imprescindível à sua sobrevivência, isto é, quando um costume
deixa de ser apenas uma exigência moral, passa a ser considerado algo essencial para a
vida do grupo, e a sanção seria a garantia do seu cumprimento.
E nos capítulos anteriores já explicamos alguns conceitos de direito. Vamos, entretanto,
resgatar as palavras de Ferraz Júnior (2011):

O direito, assim, de um lado, protege-nos do poder arbitrário, exercido à


margem de toda regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do
tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo,
ampara os desfavorecidos. Por outro lado, é também um instrumento
manipulável que frustra as aspirações dos menos privilegiados e permite
o uso de técnicas de controle e dominação que, por sua complexidade, é
acessível a uns poucos especialistas45.
O direito pela explicação acima parece ter duas faces, uma positiva e uma negativa. E
pode ser usado como fundamento para qualquer uma delas. Todavia, quando se há uma
conexão entre o direito e a moral não deve se admitir a utilização do direito como
subterfúgio do mau.

Segundo Alexy (1998): para haver conexão entre direito e moral, necessário se faz
incluir no conceito de direito algum elemento da moral. Ademais, no processo de
criação e aplicação do direito é preciso que haja uma pretensão de correcção moral.

Nesse sentido, Alexy conclui que o positivismo fracassa porque o conceito de direito
trazido nesta ideologia exclui qualquer elemento que faça parte da moral. E a pretensão
de correcção deve ser elemento essencial desse conceito, o que implica numa conexão
necessária entre o direito e a moral.
O que se percebe é que direito e a ética se complementam. “Uma moral pós-
convencional precisa de complementação jurídica porque não pode exigir o
cumprimento das normas válidas, se os destinatários não têm garantia jurídica de que
essas normas serão universalmente cumpridas”. Mas o direito, por outro lado, também
precisa de uma fundamentação moral, que nas palavras de Adela Cortina: “expressa em
seu seio a ideia de imparcialidade instrumental”.
Ademais, a ética no sentido clássico de uma doutrina da vida correcta, seguindo o
raciocínio de Habermas, não aceita uma dissonância entre as teorias da justiça e da
moral em relação à ética. “As teorias da justiça desatreladas da ética, só podem esperar
pela ‘transigência’ de processos de socialização e formas políticas de vida”.
(HABERMAS. 2010, p. 7). E conclui Habermas que isto não responde o porquê
devemos nos orientar pelo bem-estar.

Há estudos que distinguem direito e moral, dentro do espírito kantiano, conforme afirma
Perelman (2005): “o direito rege o comportamento exterior, a moral enfatiza a intenção,
o direito estabelece uma correlação entre os direitos e as obrigações, a moral prescreve
deveres que não dão origem a direitos subjectivos, o direito estabelece obrigações
sancionadas pelo Poder, a moral escapa as sanções organizadas”.
Embora sejam exploradas as diferenças entre o direito e a moral, percebe-se que são
diferentes, mas não são excludentes. Conforme se observa na explicação de Perelman,
“[...] é normal que as regras jurídicas difiram das regras morais, mas tal divergência não
se presume: é necessário explicá-las”.
Acreditamos que esta diferença não exclua a complementaridade entre o direito e a ética
sempre que possível. Até porque o normal é que as regras morais sejam conformes às
regras jurídicas. É o que se infere do aduzido por Perelman: “Mas a regra geral, ou
pelo menos a presunção, é a conformidade entre as regras morais e as regras
jurídicas” (Ibidem, p. 305)
Cortina aduz, ainda, que a obediência ao direito é um dever ético indirecto. Na medida
em que a relação entre direito e moral é complementar, é possível justificar moralmente
a atuação (complementar) do direito, sempre que a moral se revelar insuficiente para
disciplinar uma determinada conduta.
Utilizando-se das ideias de Habermas, Cortina afirma que:

[...] as éticas de bens e valores caracterizam em cada caso conteúdos


normativos particulares. Suas premissas são demasiado fortes para
fundamentar decisões universalmente vinculantes em uma sociedade
moderna, caracterizada pelo pluralismo de crenças. Só as teorias da
justiça e da moral construídas instrumentalmente prometem um
procedimento imparcial para fundamentar e ponderar princípios.

Observa-se a importância da instrumentalidade das teorias da justiça e da moral.


Ademais, necessária é a noção de ética procedimental para se entender a
complementação entre o direito e a ética na resolução de conflitos sociais. “[...] ética
procedimental [...] pretende se ocupar do universalizável no fenômeno moral [...]”
(PERELMAN, 2005). Além disso, “a ética procedimental, então, pode contar não
apenas com procedimentos, mas também com atitudes, disposições e virtudes,
motivadas pela percepção de um valor, em suma com um éthos universalizável”.
Segundo Habermas, o papel do direito é perfeitamente compreensível como
compensação dos deficits da realidade que capta necessariamente o critério moral.
Portanto, percebe-se que há uma conexão necessária entre o direito e a ética.
Segundo Alexy: a base é formada pela pretensão de correcção, sendo o sistema jurídico
visto como um sistema de procedimentos, do ponto de vista a partir do seu participante.
A explicação para esta afirmação no âmbito da teoria do discurso deixa claro que o
direito tem uma dimensão ideal conceitualmente necessária que inclui o direito com
uma moral procedimental universalista.
Onde a moral não seja suficiente, o direito deve actuar como forma de manutenção da
harmonia social. Mesmo em havendo sustentação de um conceito de direito destituído
de elemento moral, é possível se manter essa complementaridade entre direito e ética. O
que não exclui o fato de em determinados casos as regras morais divergirem do direito e
vice-versa Porém, é preferível um conceito de direito que englobe elemento moral.
Referências bibliográficas

ALEXY, Robert. (1998.) Sobre as relações necessárias entre direito e moral, Direito e
Moral; Rodolfo Vásquez comp. Barcelona, Ed. Gedisa.

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FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: Técnica,


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HABERMAS, Jurgen. O Futuro da Natureza Humana: a caminho de uma eugenia


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