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O que é a arte?

A resposta ao problema filosófico da natureza e do conceito da arte, é um debate que


desde sempre suscitou conflitos ideológicos e criou conceitos controversos. Alguns
intelectuais vêm a arte como um meio de expressão emocional, social e política, como é o
exemplo de Liev Tolstói. Por outro lado, Platão, é capaz de afirmar que a arte imita a vida e
a realidade de quem a vive. Alguns artistas produzem arte com intenção de alcançar um vasto
público, outros produzem-na sem intenção de a produzir. Há ainda quem crie arte baseada
em algo palpável, alvo de estudos prévios e repleta de fundamento e, quem dê vida a obras
que não possuem qualquer tipo de significado, conteúdo ou finalidade. Existem demasiadas
variáveis que levam ao questionamento deste termo que, aparentemente, pode ser tudo e pode
não ser nada.

De modo a criar uma linha de raciocínio clara, passa-se a citar algumas das teorias
filosóficas da arte:

1. A teoria da arte como imitação reconhece a arte como algo a repudiar, uma vez que,
esta se resume a cópias da realidade a que todos temos acesso. Deste modo, poder-
se-ia classificar a qualidade das obras, definindo qual a melhor que existe, de acordo
com a sua fidelidade à realidade.
2. A teoria expressivista da arte admite a criação artística como meio de canalização
de emoções dos artístas entre si. Contudo, deve ter-se em consideração o facto de que,
nem todas as obras de arte são produzidas com intuíto de expressar emoções humanas.
3. A teoria formalista da arte acredita que o critério para classificação da arte é a sua
capacidade de produzir uma emoção estética, seja ela negativa ou positiva. Isto cria
limitações na análise formal dar obras e questiona o seu conteúdo, tendo em vista
que: as obras de arte reconhecem-se porque produzem uma emoção estética, mas a
emoção estética define-se como o tipo de emoção provocada especificamente por
obras de arte. Alguns críticos, chegam inclusive a afirmar que a emoção estética não
existe.
4. A teoria institucional da arte defende que esta seja considerada como tal, se, e só
se, instituições como museus, galerias e críticos de arte lhe conferirem o estatuto de
obra de arte. Apesar desta ser uma teoria muito abrangente e, que permite ultrapassar
as limitações das teorias tradicionais, isto acaba também por se tornar num ponto
negativo, uma vez que é demasiado inclusiva, sendo difícil distinguir arte de não arte.
5. A teoria histórica da arte pretende ser uma alternativa à anterior. Isto significa que
um objeto artístico só o será na medida em que possa ser relacionado com outros
objetos até agora classificados como arte, ou seja, precisa de existir algum ponto de
união ou semelhança com qualquer obra de arte preexistente.

Seria pouco exigente concretizar uma análise daquilo que é a arte apartir de uma pintura
ou composição musical que sejam conhecidas por seguir os cânones. Em vista disso mesmo,
decidiu-se transpor os exemplos da artista Marina Abramovic, com fim de obter uma resposta
a este dilema centenário. Não sera analisada nenhuma performance específica da artísta mas
sim a generalidade da sua obra, de modo a construir uma análise mais completa.

Abramovic (2016), abre o seu livro Pelas Paredes: Memórias de Marina Abramovic, com
uma nota introdutória que diz:

Um dia de manhã, eu caminhava na floresta com minha avó. Tudo estava muito bonito e
tranquilo. Eu só tinha 4 anos de idade, era bem pequena mesmo. E vi uma coisa muito
estranha - uma linha reta no outro lado da estrada. Fiquei tão curiosa que fui olhar. Eu só
queria tocar nela. Então, minha avó deu um berro, muito alto. Minha lembrança é vivíssima.
Era uma cobra enorme.

Esse foi o primeiro instante na minha vida em que eu de fato senti medo - mas eu não
fazia a menor ideia do que deveria temer ali. Na realidade, foi a voz da minha avó que me
apavorou. E então a cobra foi embora, rastejando, veloz.

É incrível como o medo é embutido em você, por seus pais e por outras pessoas que o
cercam. Você, no início, é tão inocente. Você não sabe.

Pode-se desde já deprender uma certa tendência para o questionamento daquilo que é
incutido no ser humano sem qualquer tipo de prévia explicação. As situações que parecem
óbvias para alguém com uma vasta experiência na Terra, não o são para alguém que ainda
não foi sensibilizado para os perigos à sua volta. Será que nos estamos a limitar por temer-
mos tanta coisa à nossa volta? Faz sentido protegermo-nos de situações que talvez não
apresentem consequências vis? Foi este o mote que Marina escoheu para o seu livro, onde
aborda a sua obra e vida. Como parece já estar intrínseco no seu discuro, a artísta procura
estudar e desafiar os limites da mente e corpo, tal como a complexa realação que existe entre
o artísta e o público, pelo menos, no caso de Abramovic. É ainda de se acrescentar, o facto
de Abramovic considerar a sua vida a maior performance de todas, como se a sua existência
se tratasse também de uma grande obra artística.

De modo a criar uma ligação com o tópico anterior, acredita-se que Marina não tenha
crença em nenhuma das teorias filosóficas da arte, contudo, é certamente possível encaixar a
sua obra em alguma das hipóteses. É essa resposta que se procurará obter até ao final deste
ensaio sobre a questão “O que é a arte?”.

Sem dúvida que Marina Abramovic é uma personalidade que desafia e questiona o
conceito da arte. Não só pelo seu modo de vida, como também pelas suas performances.
Iniciar-se-à esta breve análise com uma das peformances mais famosas da artísta,
demoninada The Artist Is Present (2009). Aqui, Abramovic encontra-se sentada numa
cadeira, onde se mantém horas a fio a encarar desconhecidos. Uns riem-se, outros gozam,
outros choram, inclusive Marina. Até que ponto, este teste de vulnerabilidade, tolerância e
desconforto, pode ser considerado arte? Poder-se-à dizer que encarar alguém é uma obra de
arte?

Outro exemplo é a performance realizada com o seu namorado Ulay: AAA-AAA (1978).
Resume-se a um grito que se perlonga por alguns minutos. Marina e Ulay gritam
incessantemente um para o outro, quase com as caras a tocarem-se. O intuito desta peça é
testar o tempo que o casal aguentaria a berrar um na cara do outro. Seria quase inevitável não
surgirem senimentos de raiva ou ódio durante o grito, justamente porque isso motivaria o seu
prelongamento e intensidade. Aqui, mais uma vez Marina revela o seu compromisso e
seriedade para com o seu trabalho. Mas afinal, berrar dá lugar numa galeria de arte? Faz de
alguém artista?

Art Must Be Beautiful, Artist Must Be Beautiful (1975), onde Marina testa os seus limites
e penteia o cabelo agressivamente ao mesmo tempo que diz, em tom de esforço, o nome da
obra (Art Must Be Beautiful, Artist Must Be Beautiful). A peça durou menos de meia hora,
mas os relatos da audiência são de dor e sacrifício, como se as palavras ditas por Abramovic
dispultassem uma reação introspetiva na sua ação, que se torna cada vez mais agressiva. É
justo tomar isto como uma obra de arte? Na verdade, Abramovic apenas diz uma mera frase
onde aborda a arte e penteia o cabelo agressivamente. O que ambas as ações em comum? É
isso que faz desta performance uma obra artística?

Rhythem 0 (1974) durou cerca de 6 horas e foi, essencialmente, um teste à sociedade.


Marina dispôs ao público uma mesa com 72 objetos, entre os quais uma arma carregada,
comida, vinho, uma tesoura, entre outros. As indicações da artísta eram as seguintes: Há 72
objetos na mesa que podem ser utilizamos em mim como quiserem. Performance. Eu sou o
objeto. Durante este período, eu responsabilizo-me totalmente. De repente, isto parece uma
espécie de automassacre e, a realidade é que o público foi de facto cruel. Contudo, quais são
os critérios desta obra que a transportam para a categoria da arte?

Por último, abordar-se-à a performance que durou 90 dias e tomou lugar na grande
Muralha da China.The Lovers (1988), Marina e Ulay novamente. Mas desta vez, a
performance levou o casal aofim da sua relação e ao fim da grande Muralha da China.
Iniciaram a performance a meio da muralha,e percorreram o longo caminho com intenção de
nunca mais se verem assim que o percursso terminásse. De todas as performances abordadas,
esta parece ser a mais compreensível. O fim da muralha, o fim da caminhada, o fim da
relação. Ainda assim, quais são os critérios que fazem deste acontecimento uma obra
artística?

Pessoalmente, acredita-se que, no caso de Marina Abramovic, existam duas teorias


possivelmente aplicáveis: a Teoria Institucional da Arte e a Teoria Formalista da Arte. Passa-
se a esclarecer: Marina apenas continuou a desenvolver o seu desafiante trabalho ao longo
do tempo porque, claramente, se sentiu aprovada por uma elite artística e intelectual. Isto,
encaixou-a de imediato na Teoria Institucional da Arte, uma vez que, os seus trabalhos foram
rapidamente aclamados por diversos críticos de arte que a valorizaram e prezaram pela sua
visibilidade a nível mundial. Contudo, só foi possível encaixar esta teoria na proposta de
Marina passado algum tempo da mesma iniciar as suas pesquisas relativamente à sua
motivação: limites do corpo, mente e relação artista/público.

É precisamente esta relação artísta/público que conduz, de um modo quase imediato, o


trabalho de Marina à Teoria Formalista da Arte, que nos diz que “(…) o critério para
classificação da arte é a sua capacidade de produzir uma emoção estética, seja ela negativa
ou positiva.” Abramovic queria testar e descobrir a reação do público às suas performances
e consequentes pesquisas. Isto explica práticamente tudo. A performer ambicionava
compreender as reações humanas e as suas motivações, por meio de situações que testavam
os limites mentais e corporais de Abramovic.

Tendo isto em conta, pode-se afirmar que: Marina inicia a sua pesquisa com base naquilo
que a Teoria Formalista da Arte defende, uma vez que, o seu estudo se direciona totalmente
à obtenção e compreensão das reações (pessoais e do público) resultantes das suas
performances. Posteriormente, é abraçada pela Teoria Institucional da Arte, graças ao seu
sucesso e à veneração recolhida com o passar do tempo. Com isto, conquista a aprovação da
sua pesquisa enquanto artísta.

Particularmente, acredita-se que a teoria mais correta possa ser a Teoria Formalista da
Arte. Assim sendo, apresentam-se as razões que visam justificar a afirmação anterior.

A. Qualquer obra classificada como arte deve dispultar uma reação estética no público,
porque caso contrário, não fará sentido ser-lhe atribuído tal estatuto. Por exemplo,
quando se vê uma cadeira não se tem nenhuma reação estética, porque, apenas é
associada à sua função. Caso se esteja muito cansado e se aviste uma cadeira, ter-se-
à uma reação emocional, devido ao alívio de se poder descansar. Contudo, quando se
trata de arte, esta deve dispultar no visualizador uma reação estética, podendo ser
“Que cores feias e que riscos aleatórios!”, “Que movimento corporal suave e
agradável!”, “Não percebo nada desta obra, é incomodativa visualmente e não faz
sentido.”. “Esta escultura é muito diferente e bonita.”.
B. De modo à classificação da arte não ser tão abrangente deve-se considerar que, uma
obra de arte precisa de ser visualizada e percecionada como tal, isto, através de uma
reação estética. Contudo, uma reação estética deverá vir sempre acompanhada de um
questionamento face ao objeto artístico, que poderá ser algo como: “Que cores feias
e que riscos aleatórios! Qual será a intenção do artísta?”, “Que movimento corporal
suave e agradável! Qual será a história por trás dos mesmos?”, “Não percebo nada
desta obra, é incomodativa visualmente e não faz sentido. Será que este objeto
artístico se traduz em alguma crítica ou revolta?”. “Esta escultura é muito diferente e
bonita. Porque terá o artísta escolhido esta estética tão distinta?”.
Em suma, para um objeto artítico se inserir na classificação de arte deverá dispultar uma
reação estética na audiência, seja ela agradável ou incomodativa. Posteriormente, deve ser
feito um questionamento pessoal, que vise fazer referência às motivações do artísta para com
a obra, independentemente destas existerem, ou não. Apenas deste modo, se julga poder
atribuir o estatuto de obra artística a algum objeto em vias de o ser.

Por fim, isto conduz a um questionamento que passa a envolver o papel da arte no meio
social/político. Afinal, qual é efetivamente a sua função? Confia-se no facto de que a arte
tenha um papel social meramente estético. No entanto, o seu papel político muda de imediato
a sua função a nível social. É de conhecimento comum que a política traduz valores, sejam
eles quais forem e, no mundo artístico fará exatamente o mesmo. Com isto, quer se dizer que:
a arte tem função de dispultar uma reação e, posterior questionamento, àqueles que a
contemplam. Em vista disso, sabe-se que os objetos artístico dispõem de intenções distintas
para com o público; uns procuram fazer os visualizadores rirem-se, outros tencionam que se
revoltem e procurem respostas, e outros, apenas que observem a obra com mais atenção do
que da primeira vez. O papel político da arte vai muito de encontro à ideia da reação estética
e posterior questionamento.

Inês Faria / 12º IDC

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