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Bioética e Educação

em Saúde

Prof.ª Denise da Hora Ferreira

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof.ª Denise da Hora Ferreira

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

F383b

Ferreira, Denise da Hora

Bioética e educação em saúde. / Denise da Hora Ferreira. –


Indaial: UNIASSELVI, 2020.

179 p.; il.

ISBN 978-65-5663-007-6
ISBN Digital 978-65-5663-008-3

1. Bioética. - Brasil. 2. Ética médica. – Brasil. Centro Universitário


Leonardo Da Vinci.

CDD 174.2

Impresso por:
Apresentação
Prezado acadêmico, durante a formação do profissional de saúde,
diversos conhecimentos técnicos devem ser trabalhados para que, ao fim do
curso, você esteja apto para entrar no mercado de trabalho e preparado para
os desafios de sua profissão. No decorrer de seu desenvolvimento, alguns
conhecimentos são essenciais e dão suporte para que você possa, de forma
criativa, resolver problemas.

Neste Livro Didático de Bioética e Educação em Saúde você terá a


oportunidade de conhecer áreas que a princípio podem parecer distintas
(bioética, bioestatística e educação em saúde), porém, são inter-relacionadas
e complementares, além de valiosas para ultrapassar os obstáculos que
você encontrará na prática. No decorrer da leitura, você entenderá sobre a
construção histórica e social das disciplinas, bem como entenderá conceitos,
metodologias e terá exemplos para inspirar suas ações futuras. Além disso,
oportunizaremos que você trabalhe sua criatividade e aperfeiçoe a sua
habilidade de planejamento por meio de atividades complementares.

Com o objetivo de promover a reflexão do profissional de saúde sobre


o seu papel na proteção de vulneráveis, respeito às diferenças e fortalecimento
do SUS, a Unidade 1 traz algumas bases conceituais da ética e suas correntes
filosóficas, apresenta o panorama da bioética em âmbito mundial e nacional,
contextualiza os desafios e debates da atualidade, discute sobre conflitos
bioéticos em diversos cenários e seus impactos para profissionais e usuários,
e, por fim, trata sobre as questões éticas e técnicas da pesquisa envolvendo
seres humanos.

Na Unidade 2, trataremos sobre a Bioestatística e suas possibilidades


na pesquisa científica, prática clínica e gestão. Serão apresentados os elementos
da descrição e análise de dados por meio da probabilidade, inferência,
medidas de tendência central e o uso da estatística para o entendimento da
propagação de doenças. Fechando a unidade, serão discutidas as alternativas
para apresentação de dados, por meio de gráficos e sua interpretação
apropriada, conhecimento básico ao profissional de saúde, seja na leitura de
artigos científicos ou no acompanhamento de indicadores gerenciais.

A educação como ferramenta transformadora será discutida na


Unidade 3, na qual você terá acesso sobre o conceito de saúde, seus aspectos
socioeconômicos e estratégias de promoção através da participação coletiva.
Debateremos ainda o legado do patrono da educação brasileira, o filósofo
e educador Paulo Freire, que, por anos, aprendeu e ensinou sobre o poder
da pedagogia que traz consigo liberdade, autonomia, reflexão e esperança
para uma comunidade, fortalecendo os pressupostos da genuína educação

III
em saúde e sendo base para as metodologias ativas. Ao fim do estudo desta
unidade você estará apto a construir ações de educação que mobilizem e
produzam mudanças positivas em sua sociedade, melhorando a qualidade
de vida dos usuários dos serviços de saúde.

Desejamos que o estudo deste livro possa trazer as ferramentas


necessárias para você se tornar um profissional competente e que
anseia melhorar a vida das pessoas, sejam elas profissionais ou usuários,
contribuindo na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Bons estudos!

Profᵃ. Denise da Hora

NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para
você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
UNI

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos


materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais
os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, que é um código
que permite que você acesse um conteúdo interativo
relacionado ao tema que você está estudando. Para
utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos
e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar
mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

V
VI
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro


que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento.

Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada!

VII
VIII
Sumário
UNIDADE 1 – BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL..........................................................1

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À BIOÉTICA..........................................................................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................3
2 BASES CONCEITUAIS DA ÉTICA ....................................................................................................3
3 BREVE HISTÓRICO DA ÉTICA E BIOÉTICA.................................................................................5
4 CORRENTES BIOÉTICAS.....................................................................................................................8
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................12
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................13

TÓPICO 2 – PANORAMA ATUAL DA BIOÉTICA: QUAIS OS DESAFIOS DAS


INSTITUIÇÕES E PROFISSIONAIS?...........................................................................15
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................15
2 PANORAMA MUNDIAL DA BIOÉTICA .......................................................................................15
3 PANORAMA NACIONAL DA BIOÉTICA .....................................................................................17
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................19
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................20

TÓPICO 3 – CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE.........................................................21


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................21
2 O PROFISSIONAL DE SAÚDE FRENTE A CONFLITOS BIOÉTICOS....................................21
3 DA FORMAÇÃO EMBRIONÁRIA À ASSISTÊNCIA PALIATIVA: PROBLEMATIZANDO
OS CONFLITOS BIOÉTICOS.............................................................................................................24
3.1 DESAFIOS DO ACESSO À ATENÇÃO BÁSICA E ASSISTÊNCIA HOSPITALAR................25
3.2 OS NOVOS DESAFIOS BIOÉTICOS ADVINDOS DO PROJETO GENOMA ........................26
3.3 OS DIREITOS INALIENÁVEIS DOS PORTADORES DE TRANSTORNO MENTAL...........27
3.4 BIOÉTICA E A SAÚDE DA MULHER: DAMOS DE FATO AUTONOMIA? . .......................29
3.5 A BIOÉTICA NO CONTEXTO DA TERMINALIDADE ...........................................................30
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................38
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................39

TÓPICO 4 – PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS......................................................41


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................41
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................51
RESUMO DO TÓPICO 4........................................................................................................................54
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................55

UNIDADE 2 – BIOESTATÍSTICA.........................................................................................................57

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À BIOESTATÍSTICA..........................................................................59


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................59
2 BIOESTATÍSTICA E A PRÁTICA CLÍNICA...................................................................................62
3 ELEMENTOS DA BIOESTATÍSTICAS E NOÇÕES DE PROBABILIDADE............................63
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................66
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................67

IX
TÓPICO 2 – BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL..................................................69
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................69
2 BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA......................................................................................................69
2.1 MÉDIA ARITMÉTICA ....................................................................................................................69
2.2 MEDIANA.........................................................................................................................................70
2.3 MODA................................................................................................................................................71
2.4 VARIÂNCIA E COEFICIENTE DE VARIAÇÃO ........................................................................72
2.5 TAXAS E PROPORÇÕES . ..............................................................................................................73
2.6 DESVIO PADRÃO ...........................................................................................................................74
3 ESTATÍSTICA INFERENCIAL...........................................................................................................75
3.1 MEDIDAS DE DISPERSÃO............................................................................................................75
3.2 CORRELAÇÃO ................................................................................................................................76
3.3 INTERVALO DE CONFIANÇA E MARGEM DE ERRO ..........................................................78
3.4 INTERVALO DE CONFIANÇA PARA PROPORÇÕES ............................................................79
3.5 INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA...................................................................................................80
3.6 TESTE DE HIPÓTESE......................................................................................................................82
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................87
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................88

TÓPICO 3 – POPULAÇÕES E AMOSTRAGEM................................................................................89


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................89
2 TAMANHO AMOSTRAL....................................................................................................................90
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................94
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................95

TÓPICO 4 – ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS................................................................97


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................97
2 TABELAS E GRÁFICOS.......................................................................................................................97
2.1 GRÁFICOS ........................................................................................................................................99
2.1.1 Gráfico de Pizza ......................................................................................................................99
2.1.2 Gráfico de Barras...................................................................................................................100
2.1.3 Gráfico de linha......................................................................................................................101
2.1.4 Diagrama de Pareto...............................................................................................................101
2.1.5 Histograma.............................................................................................................................102
2.1.6 Diagrama de caixas................................................................................................................103
2.1.7 Diagrama de dispersão.........................................................................................................104
3 PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIAS.......................................................................................106
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................108
RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................112
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................113

UNIDADE 3 – EDUCAÇÃO EM SAÚDE..........................................................................................117

TÓPICO 1 – BASES CONCEITUAIS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE.........................................119


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................119
2 POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA SAÚDE E A PARTICIPAÇÃO
SOCIAL..................................................................................................................................................121
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................124
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................125

X
TÓPICO 2 – EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA............................127
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................127
2 A EDUCAÇÃO TRADICIONAL E SUAS LIMITAÇÕES ..........................................................127
2.1 PERSPECTIVA FREIRIANA NAS PRÁTICAS EDUCACIONAIS: SIMULTANEIDADE
DO ENSINAR E APRENDER.......................................................................................................135
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................138
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................139

TÓPICO 3 – EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA


EDUCAÇÃO PROFISSIONAL.....................................................................................141
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................141
2 DESAFIOS DE ENSINAR E APRENDER AS METODOLOGIAS ATIVAS ...........................143
3 APLICABILIDADE DAS METODOLOGIAS ATIVAS PELO PROFISSIONAL DE
SAÚDE...................................................................................................................................................145
3.1 GAMIFICAÇÃO ............................................................................................................................146
3.2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROJETOS . .......................................................................147
3.3 SALA DE AULA INVERTIDA . ...................................................................................................148
3.4 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS.....................................................................149
3.5 PEER INSTRUCTION ....................................................................................................................150
3.6 SIMULAÇÕES ................................................................................................................................151
4 EDUCAÇÃO PERMANENTE E ESTÁGIO SUPERVISIONADO: EDUCAÇÃO NO
TRABALHO E PARA O TRABALHO ................................................................................................152
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................156
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................160
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................161

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................163

XI
XII
UNIDADE 1

BIOÉTICA NO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir dos estudos desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer as correntes filosóficas nas quais se baseiam a bioética;

• entender o panorama atual na bioética no Brasil e no mundo;

• refletir sobre as interfaces da bioética no exercício profissional;

• reconhecer os órgãos de controle para pesquisas envolvendo seres


humanos;

• compreender os requisitos essenciais para o desenvolvimento de uma


pesquisa com seres humanos no Brasil.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

TÓPICO 2 – PANORAMA ATUAL DA BIOÉTICA: QUAIS OS DESAFIOS


DAS INSTITUIÇÕES E PROFISSIONAIS?

TÓPICO 3 – CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

TÓPICO 4 – PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

CHAMADA

Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em


frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

1 INTRODUÇÃO
A integralidade e universalidade enquanto princípios do Sistema Único
de Saúde (SUS) garantem que qualquer cidadão, independente de sua raça,
credo, situação econômica ou social, possa ser atendido desde a atenção básica
até a alta complexidade. Apesar de ter reconhecimento em âmbito mundial por se
configurar como instrumento de justiça social, o SUS ainda luta pela sobrevivência,
e seus trabalhadores lidam todos os dias com desafios a serem vencidos, pois, se
de um lado temos a saúde como direito de todos e dever do estado, do outro cabe
aos seus gestores administrar recursos, por vezes insuficientes, para atender às
demandas da população.

Este é apenas um exemplo dos dilemas encontrados por profissionais da


saúde durante sua atuação na saúde pública. Objetivando preparar você para
essas situações, este tópico busca refletir os princípios da bioética e seus impactos
individuais e coletivos. O Tópico 1 faz um levantamento histórico e conceitual
sobre a ética e seus pensadores clássicos, além de discutir as correntes filosóficas
propostas e suas contradições.

2 BASES CONCEITUAIS DA ÉTICA


Com o objetivo de formar profissionais reflexivos, críticos e munidos de
competências e habilidades para o cuidado individualizado e humanista, no ano
de 2001 houve uma atualização das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos
de Graduação na área da Saúde. Neste contexto, a Bioética, enquanto disciplina
acadêmica, se tornou indispensável para a formação de um profissional que
atenda às demandas sociais (FIGUEIREDO; GARRAFA; PORTILLO, 2008;
BRASIL, 2001).

A bioética entra nas discussões a respeito da forma mais apropriada de


manter e criar relações sociais saudáveis para a comunidade e indivíduo. Enquanto
as ciências naturais se encarregam de descrever de forma lógica como o nosso
mundo se comporta, variando basicamente em verdadeiro ou falso, a bioética
ocupa-se em discutir os significados subjetivos dos sujeitos que trabalham com a
vida, além de refletir sobre suas ações através do prisma de valores estabelecidos
pela comunidade ou pelo que se acredita ser um conjunto básico de virtudes, ou
seja, de forma muito simplista podemos definir a bioética como uma ética aplicada

3
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

a ciências da saúde, porém, só se torna possível o aprofundamento neste conceito


quando se percebe esta disciplina de forma holística, além de compreender sua
construção por meio do levantamento histórico e teórico (PRUDENTE, 2018).

Para o devido estudo do tema a ser discutido nesta unidade, é primordial


o conhecimento acerca de alguns termos. Rego, Palácios e Siqueira-Batista (2009)
conceituam esses fenômenos de forma clara e objetiva:

• Ética: conforme o senso comum, pode ser entendida como um conjunto de


regras as quais norteiam os indivíduos na prevenção ou resolução de problemas
entre os membros de uma sociedade. Sob a ótica do conhecimento técnico, é
considerada um braço da filosofia que se ocupa em refletir sobre as regras
morais estabelecidas de forma a justificar comportamentos.
• Moral: objeto de estudo da ética por se tratar de uma coleção de deveres e
virtudes de um grupo.
• Religião: culto a uma divindade na qual é possível a reflexão sobre conceitos
divinos que estão além do mundo material.
• Direito: normas estabelecidas para a regulamentação da convivência entre um
grupo de indivíduos.
• Ciência: conjunto de conhecimentos que, por meio de reflexão racional e crítica,
se autovalidam.

Antes de prosseguirmos, é importante esclarecer que os termos ética e


moral por vezes se confundem no imaginário das pessoas, porém, apresentam
significados diferentes no contexto filosófico. Enquanto a ética está inserida no
debate sobre a constituição do caráter, a moral determina as regras cotidianas
utilizadas por cada indivíduo, orientando a vida em sociedade, ou seja, os seus
deveres frente aos demais (DIAS, 2017).

Apesar do campo da bioética sempre levar em consideração as questões


racionais e filosóficas, a religião eventualmente atribui a fatores divinos as
decisões a serem tomadas, inclusive no contexto da saúde-doença e vida-morte,
o que pode levar em alguns momentos a um conflito de ideias sobre o que seria
moralmente aceito. Por muitos anos, a ética médica e a religiosa caminhavam
de forma independente e isolada, porém as novas demandas sociais e culturais
transformaram esse paradigma de forma a se trazer as ideias baseadas na fé para
a discussão sobre a postura desejável dos profissionais de saúde, em especial na
pesquisa em seres humanos (DURAND, 2007).

Na discussão a respeito da relação do direito com as questões éticas da área


de saúde, Clotet (2001) destaca que a aproximação das disciplinas é orientada pela
moral. Nesta perspectiva, o Poder Legislativo pode tornar palpável os valores e
princípios de uma comunidade, os quais são a base para uma convivência social
harmônica.

4
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

Essas transformações metodológicas possibilitam a crítica e a


reconstrução de certos conceitos fundamentais do Direito, abrindo
espaço, por igual, à construção do Biodireito, termo que indica a
disciplina, ainda nascente, que visa a determinar os limites de licitude
do progresso científico, notadamente da biomedicina, não do ponto
de vista das “exigências máximas” da fundação e da aplicação dos
valores morais na práxis biomédica – isto é, a busca do que se “deve”
fazer para atuar o “bem” – mas do ponto de vista da exigência ética
“mínima” de estabelecer normas para a convivência social (CLOTET,
2001, p. 72).

As ideias e os conceitos que uma sociedade tem sobre qualquer temática


estão diretamente relacionados ao momento histórico e cultural vigente. Através
dos anos, diversos pensadores propuseram correntes filosóficas que discutiam
sobre a ética e seus impactos na vida das populações. Entendendo as bases do
pensamento destes autores, conseguimos fazer uma leitura do nosso próprio
momento histórico, refletindo e enriquecendo as discussões sobre a relação entre
a ética e a promoção da saúde.

3 BREVE HISTÓRICO DA ÉTICA E BIOÉTICA


Um dos primeiros registros sobre a conduta do profissional de saúde
remonta é de 1700 a.C. e é denominado código de Hamurabi, o qual defendia ideias
a respeito da prestação de serviços do médico, bem como suas remunerações e
punições. Essa coleção de normas basicamente discutia a relação médico-paciente
em termos econômicos, enquanto as ideias hipocráticas se concentravam nos
aspectos comportamentais desejáveis, que até hoje fazem parte do juramento
solene dos profissionais de saúde (REGO; PALÁCIOS; SIQUEIRA-BATISTA,
2009).

No Século XVI, estudiosos como Galileu acreditavam que através de


suas descobertas poderiam trazer avanços que impactariam positivamente na
vida das pessoas partindo sempre de um pensamento eticamente neutro. Nos
séculos seguintes, Max Weber levanta as ideias sobre o poder que a ciência tem
de solucionar problemas emergentes na vida de uma sociedade mesmo que
quebrando paradigmas embasados fortemente no cristianismo, como no caso de
André Vesalio, que iniciou seus estudos sobre a anatomia humana por meio de
cadáveres, o que antes era apenas realizado em animais por ser considerado pela
Igreja Católica um sacrilégio (KOTTOW, 2008).

No decorrer da história da humanidade, diversos fatos podem ser


levantados como catalisadores de discussões sobre novos pressupostos éticos no
campo da experimentação, porém é difícil eleger um único evento como o marco
inicial da bioética, pois assim como outros fenômenos sociais a sua construção
se deu por meio de diversas demandas sociais e biotecnológicas (DURAND,
2007). Entretanto, alguns eventos fortaleceram a discussão da disciplina como a
publicação do artigo Eles decidem quem vive, quem morre pela revista Life em 1962,
no qual descreve a constituição do Comitê de Ética Hospitalar em Washington,
5
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

composto basicamente por um grupo de pessoas não médicas, em que se discutia


o destino dos recursos de saúde. Uma de suas primeiras deliberações foi a seleção
de pacientes renais crônicos para o serviço de diálise, em um contexto onde a
demanda de usuários excedia o número de vagas disponíveis para o atendimento
(DINIZ; GUILHEM, 2017).

NOTA

O Comitê de Ética Hospitalar em Washington

No início da década de 1960, o nefrologista Belding H. Scribner desenvolveu a primeira


máquina de hemodiálise criando a possibilidade de tratamento a longo prazo para
portadores de doença renal crônica. No entanto, logo após a descoberta verificou-se que o
número de pacientes elegíveis terapia era superior ao número de máquinas. Para a tomada
de decisão foi formado o Comitê de Ética Hospitalar em Washington ou Comitê de Seatle,
composto por sete membros da comunidade: um clérigo, um advogado, uma dona de
casa, um executivo, um líder trabalhista e dois médicos não nefrologistas.

Também conhecido como esquadrão de Deus, esse comitê criou os critérios que decidiriam
quais pacientes deveriam receber o tratamento. Esses fatores eram: idade, raça, estado
civil, número de dependentes, renda, grau de instrução, serviços prévios à comunidade e
potencialidades futuras. Entretanto, após a publicação do artigo Eles decidem quem vive,
quem morre da revista Life, a sociedade civil iniciou a discussão sobre os aspectos éticos
da escolha do comitê.

Ainda na década de 1960, o médico americano Henry Beecher compilou


relatos metodológicos de diversos artigos de revistas científicas de grande
expressão que desrespeitavam os participantes de maneiras tão cruéis quanto
os casos julgados no Tribunal de Nuremberg. No trabalho em questão, Beecher
descreveu que os sujeitos das pesquisas compiladas eram pessoas que não
autorizavam de forma livre e esclarecida a sua cooperação, entre elas, pacientes
de hospitais filantrópicos, portadores de distúrbios mentais (adultos e crianças),
idosos, recém-nascidos e presidiários. Nessa obra há a descrição de diversos
experimentos antiéticos como inoculação de células cancerígenas em pacientes
idosos hospitalizados para análise das respostas imunológicas. Neste contexto, é
perceptível o discurso que “os benefícios e as descobertas da ciência são superiores
aos interesses de um grupo restrito de pessoas” (DINIZ, 1999, p. 333).

6
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

NOTA

Tribunal de Nuremberg: conjunto de tribunais militares promovidos pelos


Aliados após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de julgar oficiais nazistas pelos
crimes de guerra cometidos nos campos de concentração. A partir deste evento foi
construído o Código de Nuremberg, que defende os princípios éticos nos quais se baseiam
a pesquisa com seres humanos.

FIGURA 1 – IMAGEM DOS JULGAMENTOS DE NUREMBERG

FONTE: <https://3.bp.blogspot.com/-TGCGe6VTGDY/VdyMiYugvyI/AAAAAAAAAHM/
qSdfQT33kPw/s1600/Tribunal-de-Nuremberg.jpg>. Acesso em: 27 fev. 2020.

As inadequações das pesquisas científicas descritas anteriormente se


devem a uma visão equivocada dos pesquisadores sobre a aplicabilidade das
discussões e tratados relacionados aos direitos humanos e defesa dos vulneráveis.
Esse pensamento fica claro quando considerado o Caso Tuskegeen, em que
o Sistema de Saúde Pública Americano por cerca de 40 anos acompanhou o
desenvolvimento da sífilis em 400 pessoas afrodescendentes, sem que estes
tivessem qualquer conhecimento sobre sua participação no estudo e uso de
placebo no lugar de penicilina (DINIZ; GUILHEM, 2017).

O marco inicial para a utilização do termo bioética (grego: bios, vida + ethos,


relativo à ética) ocorreu na década de 1970 em um artigo intitulado Bioethics, the
Science of Survival do oncologista Van Resselaer Potter. Ele entendia a bioética como
uma ponte entre o exercício da ciência e os valores humanos, sendo necessária
uma reflexão sobre o desenvolvimento científico e as responsabilidades junto ao
indivíduo enquanto disciplina acadêmica e movimento social (DURAND, 2007).

7
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

No Brasil, a consolidação da disciplina se deu através da Constituição de


1988 no período de redemocratização do país, fortalecido pelo nascimento do
Sistema Único de Saúde (SUS) e Conselho Nacional de Saúde (CNS), os quais
davam luz a questões bioéticas, em especial à pesquisa envolvendo seres humanos
regulamentada primeiramente pela Resolução 196/96 da Comissão Nacional de
Ética e Pesquisa (CONEP). Todos esses movimentos colaboraram para a reflexão
crítica da sociedade brasileira sobre os limites éticos a serem estabelecidos (REGO;
PALÁCIOS; SIQUEIRA-BATISTA, 2009).

DICAS

Acadêmico, para saber mais sobre as pesquisas envolvendo seres humanos,


acesse o site do Conselho Nacional de Saúde (CONEP) no link: http://conselho.saude.gov.
br/comissoes-cns/conep.

DICAS

Indicamos, também, o artigo Bioética para iniciantes do Centro de Bioética do


CREMESP, no link: http://www.bioetica.org.br/?siteAcao=BioeticaParaIniciantes.

4 CORRENTES BIOÉTICAS

Diferentes visões podem ser utilizadas para analisar um conflito bioético,
elas se denominam correntes bioéticas e apresentam conceitos diversos. A seguir,
discutiremos sobre quatro dessas correntes, levantando suas bases, controvérsias
e contribuição para as reflexões críticas dos profissionais de saúde.

• Principialismo: após a Segunda Guerra Mundial emergiu a necessidade de


construção de bases teóricas e princípios éticos, especialmente no âmbito da
pesquisa. Mesmo após as experiências negativas do que cerne o respeito à
dignidade humana nos campos de concentração, surgiram anos depois diversas
denúncias e escândalos a respeito da infração dos direitos humanos em estudos
científicos nos Estados Unidos, o que culminou na publicação do Relatório de
Belmont (1978) pela National Commission for the Protection of Human Subjects
of Biomedical and Behavioral Research que, devido à complexidade do tema,

8
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

demorou aproximadamente quatro anos para entregar seu relatório final, que
objetivava declarar os princípios bioéticos a serem seguidos nas pesquisas
comportamentais e biomédicas (FERREIRA; SILVA JUNIOR; BATISTA, 2015).

Díniz e Guilhem (2009) afirmam que o principialismo é considerado um


marco histórico na prática da bioética, que possibilitou sua consolidação enquanto
disciplina e seu fortalecimento em centros acadêmicos, além da modernização
das práticas de saúde. Dentro dessa perspectiva, o médico não é mais visto como
o único detentor do conhecimento técnico e decisões éticas, entretanto, outros
atores sociais podem e devem estar inseridos nessas discussões. Esta corrente
aponta quatro princípios harmônicos e codependentes básicos, estes são:

• Respeito pelas pessoas: esse princípio também chamado de autonomia é regido


pela ideia de que os indivíduos são seres autônomos e que aqueles que são
socialmente vulneráveis devem ser protegidos de qualquer abuso. Isso pode
ser traduzido de forma prática como o consentimento para participação em
pesquisas, através da compreensão clara de todos os impactos positivos e
negativos acarretados dessa decisão.
• Beneficência: caracterizada pelo comprometimento do pesquisador em prover
o bem-estar dos indivíduos inseridos no estudo, ou seja, não causar dano e
maximizar as vantagens previstas, atentando sempre para a relação risco/
benefício.
• Não maleficência: foca na redução ao mínimo aceitável de efeitos indesejáveis
durante o cuidado de saúde, em que se tem por obrigação não infligir dano
intencional.
• Justiça: apresenta relação direta com a equidade, pois promove o tratamento a
cada pessoa conforme o que é moralmente correto e de forma individualizada,
através da imparcialidade com foco nas necessidades específicas e interesses
iguais.

A teoria principialista é usada até os dias atuais como base filosófica para
conflitos bioéticos e gestão de novas tecnologias. Por conta de sua simplicidade,
aproximou os profissionais de saúde e juristas da reflexão sobre ética biomédica
e os norteou para as tomadas de decisão mais justas. Entretanto, a ausência de
hierarquização de seus princípios ou sua aplicação isolada pode levar a confusões,
em especial por ter uma fraca concepção antropológica para fundamentar a sua
prática (IMMIG, 2010).

ATENCAO

O principialismo é apenas uma das correntes filosóficas disponíveis para


resolução de conflitos éticos, porém por ter se mantido hegemônica durante duas décadas
pode causar confusão em algumas pessoas, pelo fato de entenderem que a bioética é
regida única e exclusivamente pelo que cerne suas ideias.

9
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

• Utilitarismo: o ex-presidente da Associação Internacional de Bioética, e


controverso autor Peter Singer, foi um importante defensor desta linha teórica.
Em suas obras podem ser encontradas discussões sobre eutanásia, infanticídio
e suicídio assistido, o que leva a discussões muitas vezes acaloradas sobre
os limites da autonomia individual versus o maior benefício para um maior
número de pessoas (FERREIRA; SILVA JUNIOR; BATISTA, 2015).

Essa corrente parte do conceito de utilidade para o bem-estar geral e


da autonomia. Os utilitaristas não estão necessariamente preocupados com os
aspectos bondosos e justos, mas envolvidos com a mensuração do quanto uma
decisão ética traz de benefício ao coletivo. Nesta visão, o mais importante é
redução do sofrimento e aumento da felicidade, o que muitas vezes esbarra em
conceitos morais defendidos especialmente por algumas comunidades religiosas
pautadas na heteronomia.

NOTA

Heteronomia é caracterizada pelo estabelecimento de normas baseadas em


valores morais externos a pessoas, ou seja, ausência de autonomia.

O utilitarismo justifica suas decisões na maximização do bem-estar


e minimização do sofrimento, em que o bem se traduz como uma felicidade
imediata para o maior número de indivíduos e que se mostra mais benéfica
socialmente. Essa linha de pensamento pode ser interessante especialmente
para as discussões a respeito da saúde pública, de forma a atender os interesses
individuais e coletivos (IMMIG, 2010).

Com base no utilitarismo, podemos afirmar que sempre os interesses do


Estado são superiores aos individuais? Na verdade, não é isso que se propõe, pois
assim estaria de acordo com o abuso de poder político frente aos anseios de seus
cidadãos. Na verdade, os teóricos dessa linha filosófica acreditam que o ponto de
vista para analisar conflitos éticos não podem apenas levar em consideração os
seres humanos, mas as suas consequências para o meio ambiente e outros seres
vivos, buscando sempre a maior felicidade possível para o maior número de
pessoas (DIAS, 2017) (REGO; PALÁCIOS; SIQUEIRA-BATISTA, 2009).

• Contratualismo: nesta concepção, os acordos entre indivíduos de uma


comunidade são dados por meio de consensos racionais, em que o profissional
de saúde não ocupa o lugar de poder, porém ele é compartilhado com o usuário,
família ou comunidade através de uma decisão multilateral (IMMIG, 2010).

10
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOÉTICA

As relações sociais são formadas por diversos aspectos que denotam


complexidade, em particular na área de saúde, no qual é indispensável
ao profissional o convívio harmônico com o paciente e a comunidade, e o
neocontratualismo, derivado do contratualismo clássico, tem um enfoque
predominantemente deontológico, tendo como principal expoente o filósofo
Hugo Tristram Engelhardt (LIMA et al., 2014).

Segundo Immig (2010), Engelhardt acreditava que controvérsias éticas


poderiam ser resolvidas mesmo quando os atores não fossem amigos ou não
compartilhassem do mesmo ponto de vista sobre moral e ética. Esse preceito
suscitava a ideia de que pessoas diferentes e com ideias divergentes permitissem
ou negassem ações moralmente impositivas com base na tolerância. Para o
teórico, quatro características são cruciais nestes indivíduos: autoconsciência,
racionalidade, sentido moral e liberdade.

• Personalista: em todas as correntes apresentadas anteriormente é possível


perceber um ponto central de discussão, o que não é diferente da bioética
personalista. Essa corrente filosófica se baseia no fato que independente da fase
do desenvolvimento, do estado de saúde ou do contexto social, a dignidade é
inerente a pessoa (IMMIG, 2010).

O modelo personalista surgiu na Itália baseada na obra de Elio Sgreccia


e fundamenta-se na ideia de que todas as decisões bioéticas têm como valor
de referência a vida humana, a qual é vista como única, plena e com diversas
dimensões (física, psíquica, espiritual, social e moral), resultando na formação
de um corpo com espírito. Entende-se ainda que, no momento da resolução de
qualquer conflito bioético, deve ser avaliada a pessoa humana, reconhecendo sua
identidade e essência, antes de olhar para as normas estabelecidas na sociedade
(RAMOS; LUCATO, 2010).

Sgreccia entendia que o indivíduo não precisa manifestar comportamentos


para ser entendido e respeitado como pessoa. Partindo desse pressuposto, em
qualquer fase de manifestação da vida, seja embrião, feto, criança, idoso ou
paciente terminal, é inegociável a consideração e respeito da pessoa (IMMIG,
2010).

No decorrer deste tópico, foram apresentadas as concepções histórico-


filosóficas nas quais a bioética está fundamentada, porém, por vezes o leitor pode
não entender como poderia ser aceitável que em um passado não muito distante
tantas pessoas tenham sido desrespeitadas e prejudicadas em nome da ciência.
Entretanto, é valido refletir que as “encruzilhadas éticas” se adequam ao contexto
histórico e cultural da sociedade que está inserida. As questões éticas têm impacto
direto na prática do enfermeiro através de diversas questões, independente do
cenário que ele atua, sendo primordial estar preparado para lidar com esses
desafios.

11
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Com base no entendimento filosófico, a bioética é uma disciplina que permite


a reflexão sobre as consequências de atos com a vida do indivíduo e sociedade.

• O contexto histórico e cultural de uma sociedade pode influenciar na visão


sobre o que é ético e moral.

• O principialismo, contratualismo, personalismo e o utilitarismo são correntes


filosóficas que podem dar base científica para a resolução de conflitos bioéticos.

12
AUTOATIVIDADE

1 Analise o trecho do texto de autoria de Ferreira, Silva Junior e Batista (2015,


p. 481), e, considerando as correntes filosóficas exploradas no Tópico 1,
responda: qual deve ser a decisão do profissional de saúde? Não esqueça de
justificar sua resposta.

O Sr. João é um homem casado de 57 anos.... Mora com a esposa, que é do


lar, com a sogra de 85 anos, que sofre de doença de Alzheimer avançada, e
tem quatro filhos, sendo que três filhos adolescentes moram com eles. O Sr.
João é um morador antigo na localidade, uma liderança local, muito respeitado
pela comunidade. A família é muito religiosa, sendo que todos frequentam
uma igreja evangélica do bairro, exceto a esposa, que nos últimos anos vem
cuidando exclusivamente da mãe enferma... após a mudança da sogra para a
sua residência, devido ao adoecimento, há quatro anos, foi notável a mudança
de seu humor. Mas, há seis meses, durante uma consulta de rotina, ele solicitou
ao médico de família e comunidade que o acompanhava, de maneira bem-
humorada como era usual, a possibilidade de ser prescrito Viagra® para ele.
Após verificar as questões clínicas, o médico realizou a prescrição... Após
alguns dias, o Sr. João retorna, com uma feição bem diferente da última vez,
transparecendo nervosismo e preocupação. Começou a conversar com o médico
com a voz baixa, dizendo que confiava muito nele devido a todos aqueles anos
de convivência e que precisava confessar algo. Disse que “sumiu” do posto
porque descobriu que estava com uma doença grave e ficou com vergonha
do médico... Diz que, uns seis meses atrás, começou a ter um relacionamento
extraconjungal com uma senhora da igreja que frequentava, que era viúva…
Porém, logo após as primeiras relações sexuais com ela, que faz questão de
afirmar que foram poucas e demoraram a acontecer, apareceu uma ferida em
seu pênis, que, na verdade, foi notada e comentada pela esposa dele quando
ele estava saindo do banho. Nesse momento, diz que ficou muito preocupado
e dali já arranjou uma desculpa para sair de casa e foi direto a um pronto
atendimento. Diz que aí, sim, foi vergonhoso ter que mostrar suas “partes”
para uma jovem médica plantonista e ouvir dela que aquilo estava parecendo
uma lesão de sífilis! Então, ele conta que quase “morreu do coração” nessa
hora. No dia seguinte, fez o exame que confirmou o diagnóstico e iniciou o
tratamento com as injeções na policlínica no centro da cidade, pois estava com
muita vergonha de vir ao posto. Porém, ele se refere que está com muito medo
de ter passado essa “desgraceira” para a esposa, mas não sabe como fazer
para descobrir isso e queria uma ajuda do médico. Ele comenta que sabia que
a esposa iria fazer o exame preventivo nos próximos dias e queria saber se
tem como ver se ela está infectada por este exame e implorou que, caso fosse
positivo, o médico não contasse para ela, tratasse o problema dizendo que era
outra coisa, mas não contasse... caso essa história venha à tona agora, poderá
acabar com a família dele...

13
2 Referente aos estudos do Tópico 1, analise e indique V para as sentenças
VERDADEIRAS e F para as FALSAS.

( ) A bioética permite que o profissional de saúde mantenha relações mais


saudáveis com o usuário de seu cuidado.
( ) Apesar de respeitar as crenças individuais, a bioética não entende que seja
necessário discutir os preceitos morais de uma sociedade com a religião,
afinal as decisões devem ser tomadas apenas com o auxílio da racionalidade.
( ) O marco inicial de estudo da bioética foi a publicação do código de
Hamurabi, o qual discutia a relação do médico e paciente.
( ) O utilitarismo se configura como uma corrente filosófica que acredita
que as decisões bioéticas devem focar na maximização do bem-estar e
minimização do sofrimento.

Agora, assinale a alternativa que contenha a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) V – F – F – V.
c) ( ) F – F – F – F.
d) ( ) V – V – V – F.

3 Sobre o episódio do Comitê de Ética Hospitalar de Washington e sua


composição inicial, você acredita que as decisões sobre a alocação de
recursos na saúde devem ser feitas apenas por profissionais de saúde ou
por membros da comunidade? Na sua opinião, como deveria ser montado
esse comitê e por quê?

4 Ao chegar em um serviço de emergência, uma pessoa fala com a recepcionista,


se identifica como irmão do médico de plantão e solicita que ela avise que
está esperando por ele na recepção. Pensando se tratar de alguma questão
pessoal, a recepcionista telefona e logo o plantonista aparece na porta. Após
uma breve conversa em particular, o médico pede para que seja feita a ficha
do seu familiar e o coloque como o próximo da fila a ser chamado, apesar de
estarem aguardando para atendimento muitas pessoas com problemas mais
urgentes. Analisando esse episódio, você diria que ele fere os preceitos da
ética ou da moral? Justifique sua resposta.

14
UNIDADE 1
TÓPICO 2

PANORAMA ATUAL DA BIOÉTICA:


QUAIS OS DESAFIOS DAS
INSTITUIÇÕES E PROFISSIONAIS?
1 INTRODUÇÃO
A bioética enquanto disciplina começou a se estruturar a partir das
publicações de Potter e sua corrente principialista, até então dominada pelas
ciências biológicas. Nas décadas seguintes, suas ideias se disseminaram pelo
mundo, mesmo que, por vezes, de forma reduzida e simplista em relação às
proposições originais do autor. Apenas por volta dos anos 2000, com a Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, foi possível delinear de forma mais
clara as nuances globais (CUNHA; LORENZO, 2014).

Segundo Fortes (2011), neste contexto de expansão, alguns fatores como


as condições de vida heterogêneas das sociedades, marcada pelas diferenças
econômicas e de distribuição de renda, além de mudanças do perfil epidemiológico
e ambiental, suscitam por si só a responsabilização individual e a necessidade de
remodelamento das políticas públicas para a realidade desejada. O autor descreve
ainda qual o foco a ser dado no momento atual:

Considerando essas transformações com as quais convivemos, somos


favoráveis a uma bioética que se oriente pelo respeito e incentivo à
liberdade individual de tomada de decisão, adicionada dos princípios da
solidariedade, da justiça, da equidade e da responsabilidade na reflexão
bioética, reforçando a necessidade de proteção dos mais desfavorecidos,
vulneráveis, vulnerados ou frágeis (FORTES, 2011, p. 323).

Com passar dos anos, a discussão dos profissionais de saúde sobre a


bioética foi se aprofundando ao passo que foram surgindo inovações tecnológicas.
Além desse contexto, as discussões em âmbitos mundiais têm se concentrado nas
desigualdades sociais e em questões capitalistas, na qual, quem tem condições
paga pelo tratamento mais caro, enquanto aqueles que estão abaixo da linha da
pobreza não têm o mínimo acesso à atenção básica à saúde.

2 PANORAMA MUNDIAL DA BIOÉTICA


O advento da globalização proporcionou uma comunicação e uma relação
mais estreita entre os países, marcado pela conexão entre ideias e culturas,
rediscutindo o protagonismo do estado e fortalecendo o capitalismo. Esse
movimento interfere diretamente na cadeia de produção, na qual nem sempre as

15
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

pessoas com menos recursos terão acesso as suas vantagens, mas pelo contrário,
estarão mais vulneráveis aos seus malefícios (FORTES, 2011).

Existem diversas peculiaridades no contexto mundial, especialmente


quando se leva em consideração as desigualdades econômicas, gerando a
necessidade de fortalecimento da responsabilidade ética internacional, pois o
nosso planeta é um sistema vivo e único e seu destino deve ser compartilhado
com as gerações atuais e futuras (CUNHA; LORENZO, 2014).

Buscando um discurso mais coeso e pertinente aos problemas atuais, o


desenvolvimento das discussões entre diversos países e cultura no campo da
bioética tem se baseado na promoção de congressos e encontros internacionais,
espaço onde ocorre troca de conhecimentos e experiências, aproximação de temas
eminentes trazidos pelo progresso da ciência, como as descobertas relacionadas
ao genoma humano e foco na redução das desigualdades, pois no mundo
contemporâneo, a população pobre é sempre a mais prejudicada (CUNHA;
LORENZO, 2014).

Um avanço importante dentro das diretrizes da bioética mundial foi a


proclamação da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos durante a
33ª Conferência Geral da Unesco, em 2005. Esse documento é um marco para a
história da bioética, ao passo que redireciona o foco das discussões que até então
se baseavam nos desdobramentos das ciências e tecnologia, para os aspectos
políticos, sociais, legais e ambientais. Um grande mérito deste manuscrito se
deve ao estabelecimento de princípios e procedimentos para nortear os países
a formularem instrumentos de controle e evolução coesa do estudo da bioética
(RIPPEL; MEDEIROS; MALUF, 2016).

FIGURA 2 – CONFERÊNCIA GERAL DA UNESCO

FONTE: <https://www.mppm-palestina.org/sites/default/files/field/image/palestina_admitida_
na_unesco.jpg>. Acesso em: 28 fev. 2020.

16
TÓPICO 2 | PANORAMA ATUAL DA BIOÉTICA: QUAIS OS DESAFIOS DAS INSTITUIÇÕES E PROFISSIONAIS?

3 PANORAMA NACIONAL DA BIOÉTICA


Algumas características da bioética brasileira se diferenciam das
experiências na Europa e Estados Unidos, pois suas discussões foram
profundamente fortalecidas dentro do campo da saúde pública, em que
muitos dos pesquisadores da disciplina atuam, além do envolvimento com
diversos movimentos de direitos sociais e civis, fortalecidos pelo processo de
redemocratização da nação ao fim do regime militar. Ao se considerar o contexto
da América Latina, destaca-se ainda um envolvimento multidisciplinar na
produção científica (RAMOS et al., 2019).

Todavia, ainda existem fronteiras a serem transpostas para o fortalecimento


das reflexões bioéticas no Brasil. O primeiro aspecto a ser considerado se refere
ao número tímido de publicações brasileiras em periódicos internacionais, além
das discussões e debates restritos à academia e cenários diretamente relacionados
à saúde. Destaca-se ainda os desafios relativos à falta de representatividade do
tema na agenda política, falta de leis que melhor delimitem a criação e atividades
dos comitês de ética, ofertas reduzidas de vagas para pós-graduação stricto sensu
e o baixo investimento em pesquisadores (RAMOS et al., 2019).

Van Resselaer Potter já nos anos 1970 defendia que para a manutenção
da sobrevivência humana, a bioética deveria ser exercida de forma mais ampla,
protegendo não apenas nossa espécie, mas o meio ambiente e outros animais,
através da agregação de conhecimentos biológicos e valores humanos. O reflexo
deste pensamento foi marcado juridicamente em nossa sociedade pela Lei n°
6.638/1979, que apesar de não apresentar penalidades aos cientistas infratores,
discorria sobre uma série de recomendações na pesquisa em animais, porém
restrito apenas à prática de dissecação (DINIZ; GUILHEM, 2017) (BRASIL, 1979).

DICAS

Acadêmico, para saber os detalhes da Lei n° 6.638/1979, acesse o site do


Planalto, no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6638.htm.

No ano de 2008, a Lei n° 6.638/1979 foi revogada pela Lei n° 11.794, que
estabelece o uso científico de animais além de definir as punições cabíveis no
caso de violação. Foi instituído a partir de então o Conselho Nacional de Controle
de Experimentação Animal, responsável pela publicação de resoluções e análise de
supostas infrações. Essa regulamentação determinou também a obrigatoriedade
das instituições que utilizavam animais em pesquisas de manterem uma Comissão
de Ética no Uso de Animais com composição multidisciplinar (BRASIL, 2008).

17
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Ao analisar o conhecimento dos alunos que tinham contato com animais


por meio de aulas da graduação ou pesquisa, Dittrich et al. (2019) afirmam que a
legislação em questão ainda apresenta um alcance insuficiente entre os discentes,
sugerindo o oferecimento de minicursos para os graduandos de iniciação científica,
divulgação das universidades no meio on-line através de postagem em redes
sociais, artigos e e-books. Por fim, os autores concluem que ainda tem um longo
caminho de discussão sobre o tema e o envolvimento de todos os atores desse
processo é primordial para maiores avanços neste campo: “a Lei n° 11.794/2008 só
vai se tornar plenamente efetiva quando todos aqueles que manipulam animais
em suas investigações – pesquisadores, técnicos de laboratório, bioteristas, e,
especialmente, estudantes – estiverem cientes de suas obrigações e de como
executar seu trabalho adequadamente” (BRASIL, 2008).

Apesar dos desafios levantados, Ramos et al. (2019) apresentam algumas


sugestões sobre quais melhorias poderiam ser feitas com o intuito de fortalecer
conhecimento social acerca da bioética, dentre elas está a criação do Conselho
Nacional de Bioética, proposta que tem marcado a luta atual dos pesquisadores
na área. Esse órgão seria responsável não apenas pelas fundamentações jurídicas,
econômica e científica, mas seria um catalisador de debates coletivos para a
consolidação da democracia e justiça social.

A aplicabilidade dos princípios éticos nem sempre é uma tarefa fácil em


uma sociedade capitalista, em especial quando se considera os princípios de
justiça e equidade, porém, é primordial que a discussão avance também para
fora dos muros das universidades e o profissional de saúde tem por obrigação
levantar essas discussões independente do espaço que atua, pois é essencial que
a comunidade esteja incluída no processo de fortalecimento da democracia e
direitos humanos (FORTES, 2011).

Para a criação de um debate social rico, é primordial considerar as


transformações políticas, sociais e culturais além de ter claro os significados,
abrangência e limites da bioética. Temos um longo caminho de problematização
pela frente, pois apesar dos grandes avanços nas questões individuais,
especialmente os ligados ao nascer e morrer, os desafios coletivos precisam ser
melhor explorados (FORTES, 2011).

18
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• As diferenças socioeconômicas têm impacto direto nas discussões da bioética


no âmbito mundial, dessa forma, os países buscam a proteção dos mais pobres
e vulneráveis.

• A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos possibilitou um


discurso mais coeso entre as nações do globo sobre o fortalecimento das
políticas bioéticas, em especial para a defesa dos mais vulneráveis.

• No Brasil, os principais desafios para o avanço da bioética é a tímida discussão


política e o baixo investimento para pesquisa e formação na área.

19
AUTOATIVIDADE

1 Classifique V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as FALSAS com


relação ao estudo do Tópico 2.

( ) A Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos foi um


importante documento de construção coletiva publicada nos anos 2000,
que deu uma ideia mais concreta sobre as discussões em âmbitos mundiais
relacionados à bioética.
( ) No Brasil, é possível destacar alguns desafios relacionados ao fortalecimento
da bioética, entre eles se destaca a atuação modesta em pesquisa de outros
profissionais de saúde além dos médicos.
( ) A globalização trouxe uma importante influência no processo de consumo
e produção, o que pode aumentar o abismo entre mais ricos e mais pobres,
sendo necessária a proteção dos vulneráveis.
( ) A Lei n° 11.794/2008  que trata sobre a pesquisa em seres humanos
determina que os centros de pesquisa estabeleçam Comissões de Ética de
caráter multidisciplinar.
( ) As políticas públicas de saúde devem estar alinhadas para a redução das
desigualdades, porém sem esquecer o respeito à individualidade.
( ) O desenvolvimento da bioética mundial tem se concentrado na promoção
de encontros e congresso para a articulação e trocas de experiências, além
de suscitar o debate sobre as novas tecnologias.
( ) No Brasil, o debate acerca da bioética tem aumentado notoriamente para
fora das universidades e hospitais.
( ) A aplicabilidade dos princípios éticos é um desafio nas sociedades
capitalistas

Agora, assinale a alternativa que contenha a sequência CORRETA:


a) ( ) V, V, F, V, F, F, V, F.
b) ( ) F, V, V, F, V, V, V, V.
c) ( ) V, F, V, F, V, V, F; V.
d) ( ) V, V, F, F, F, F, F, V.

20
UNIDADE 1
TÓPICO 3

CONFLITOS BIOÉTICOS E A
PLURALIDADE
1 INTRODUÇÃO
O reconhecimento da pluralidade e suas nuances morais dentro dos
conflitos existentes é uma das questões centrais da Bioética. Existe então a
necessidade de um acordo mínimo no sistema ético de uma sociedade para a
resolução de um conflito, mesmo diante de concepções morais diferentes entre os
atores (HOGEMANN, 2013).

Nas complexas sociedades atuais, a comunicação pode ser uma importante


arma para a resolução de conflitos e impasses éticos. Neste momento, o segredo
para uma solução racional é promover a “inclusão moral” por meio da negociação,
chegando a uma resolução minimamente razoável. No entanto, não existe uma
decisão equânime, pois dos dois lados existe uma forte base de argumentação,
que nos leva a entender que o fato de uma ideia ser legítima não impossibilita que
a outra também seja (SCHRAMM; PALÁCIOS; REGO, 2008).

2 O PROFISSIONAL DE SAÚDE FRENTE A CONFLITOS


BIOÉTICOS
Imagine-se em um passeio por uma bela savana africana com campos
verdejantes, céu azul e um clima agradável. No entanto, durante a sua caminhada,
você consegue ver ao longe as longas folhas da vegetação balançando ao mesmo
tempo que surge um enorme leão faminto que cruza o olhar com o seu. Ao ser
tomado pelo desespero, você percebe uma grande árvore próxima a um lago e
opta por subi-la, pensando ser a melhor opção para se livrar do felino. À medida
que consegue se equilibrar nos galhos, uma cobra está à espreita, impedindo a
sua chegada ao topo, rapidamente lhe vem à mente a possibilidade de pular no
lago, entretanto, um jacaré observando toda a cena espera conseguir um saboroso
almoço o mais breve possível. O que você faria para sair vivo desse desafio?

Após essa breve história, é possível entender metaforicamente que, muitas


vezes, nos sentimos encurralados na hora de tomar decisões em nossa vida
pessoal, porém se faz necessário refletir sobre essas provocações na perspectiva
profissional, em especial o enfermeiro, por ser um indivíduo que trabalha
diretamente com o cuidado a pessoas, que são diversas em suas histórias, culturas
e percepções do mundo.

21
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Raymundo (2011) esclarece que a interseção de diversos fatores pode


levar uma pessoa a adoecer, essa circunstância sofre influência direta de suas
condições socioeconômico-culturais, entendendo-se que não existe apenas uma
única maneira de adoecer. Esse processo se dá de forma complexa, bem como os
indivíduos que apresentam diferentes formas de entender e lidar com as doenças.
Torna-se muito importante que o enfermeiro ao perceber este contexto se relacione
de forma dialogada e equitativa, atento às demandas a serem supridas.

Por sempre se manter alerta às solicitações e condições dos seus clientes,


profissionais de saúde tem como um importante objeto de estudo a assistência à
saúde. Considerando a pluralidade dos perfis profissionais, é observável graus
diferentes de comprometimento, que serão modelados pelos seus interesses
pessoais, conflitos de valores e modo de pensar. O estudo da bioética propicia
ao prestador de cuidados a reflexão sobre seus atos, culminando diretamente na
qualidade do atendimento e satisfação do usuário (CECERE et al., 2010).

Se imaginarmos a trajetória de um profissional de saúde, como o


enfermeiro, mesmo que ele considere a individualidade do paciente como
importante na prestação do cuidado, há sempre o risco que sua opinião vença
de forma unilateral no momento da tomada de decisão, pois o profissional pode
vir a considerar que o seu domínio do saber técnico científico atribui mais peso
as suas ideias, ao passo que acredita que seu conhecimento está acima do outro,
impedindo o intercâmbio de concepções e o protagonismo daquele que está
sendo cuidado (RAYMUNDO, 2011).

O desejo das pessoas envolvidas, por vezes, também dificulta a busca


pela melhor decisão ética, pois cada participante pode ter crenças e ideias muito
particulares. Podemos exemplificar essa ideia através de um cenário onde o
paciente manifestou o desejo de morrer naturalmente na ocorrência de uma
doença terminal e a família deseja que todo investimento possível seja feito
para mantê-lo vivo. Ao conhecer as crenças e desejos do paciente, o profissional
de saúde pode mudar completamente a sua ideia frente ao processo decisório
(GOLDIM, 2006) (SIQUEIRA, 2012).

Entretanto, ainda no meio acadêmico não está totalmente claro o limite


entre o respeito às estruturas simbólicas culturais, por vezes milenares, e a defesa
do indivíduo pela proteção ao sofrimento. Podemos pegar como exemplo uma
prática comum entre alguns grupos indígenas, na qual a coitarca de todas as
meninas da tribo é realizada obrigatoriamente pelo pajé sem qualquer proteção
contra doenças sexualmente transmissíveis, onde se tem conhecimento da
ocorrência de contaminação pelo vírus HIV na comunidade. Mesmo interferindo
em prol da pessoa e com a ideia de promover o bem, o impedimento desta
manifestação pode gerar dissolução social de um grupo que já tem sua existência
ameaçada (MARQUES et al., 2012).

22
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

Frente à necessidade de reflexão bioética, a abordagem interdisciplinar


pode auxiliar na solução de problemas, pois realiza a integração de profissionais de
diversos campos do saber. Desta forma, é possível trocar conhecimento com foco
em um objetivo comum, considerando que os atores apresentam necessidades e
concepções por vezes distintas entre si, sendo necessário o respeito às diferenças
(GOLDIM, 2006).

Dentro da equipe multiprofissional é corriqueira a prática da preceptoria,


especialmente quando uma instituição abre as portas para o desenvolvimento
prático dos alunos em formação. Isso não se restringe aos profissionais da mesma
classe, mas não é incomum, por exemplo, um fisioterapeuta auxiliar um aluno de
enfermagem no entendimento sobre o uso do respirador ou um fonoaudiólogo
conversar com acadêmicos de nutrição sobre a consistência da dieta a ser
introduzida. Mediante esse relacionamento, por vezes diário, vemos mais uma
oportunidade de fortalecimento da bioética, pois, no decorrer de sua rotina, é
possível utilizar a pedagogia do exemplo para inspirar os novos profissionais e
colegas de trabalho, além da promoção de ações de educação permanente com
vistas ao aprimoramento e melhoria da qualidade do atendimento (ZOBOLI;
SOARES, 2012).

De acordo com Maciel e Nogaro (2019), dentre os principais conflitos


bioéticos vivenciados por enfermeiros, por exemplo, destacam-se a falta de leito,
problemas de comunicação da equipe, quebra de sigilo, infração ao direito de
informação, negligência, rompimento da autonomia e distanásia. Todos os dias,
mesmo que não seja sempre perceptível, o enfermeiro, de forma recorrente,
necessita tomar decisões morais, um exemplo corriqueiro é a priorização de
atividades, quando decidimos dentre as várias demandas dos pacientes qual
atenderemos primeiro. Nesse momento, o profissional pode seguir dois caminhos:
embasa suas decisões em suas crenças e valores ou age com base no que outrem
determina e espera dele, mesmo isso contrariando seus princípios.

A confidencialidade das informações é um ponto crucial na relação do


profissional-paciente, pois em um espaço sem julgamentos e despido do medo
de ser exposto, o doente confia ao profissional de saúde informações que podem
ser determinantes no seu tratamento e cuidado. O direito ao sigilo é retratado na
Carta de Direito dos Usuários da Saúde do Brasil e sua salvaguarda se mantém
irrefutável mesmo após a morte (LÜTZ; CARVALHO; BONAMIGO, 2019)
(BRASIL, 2011).

Com a proposição de ter maior representatividade dentro das instituições,


o Conselho Federal de Medicina (Resolução CFM n° 2.152/2016) e o Conselho
Federal de Enfermagem (Resolução COFEN n° 593/2018) normatizaram a criação
e o funcionamento das Comissões de Ética Médica e de Enfermagem, instâncias
imparciais e autônoma com a função de educar, deliberar e apurar denúncias
a respeito de atos antiéticos no exercício profissional. Sobre a relação esperada
entre o Comissão de Ética de Enfermagem e a categoria, Torres, Oliveira e Abud
(2017, p. 2) destacam:

23
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Assim, os profissionais devem ser estimulados a conhecer


profundamente o seu Código de Ética para que possam adotar uma
conduta profissional adequada. A existência de uma CEEnf auxilia os
profissionais a conhecerem o Código, a esclarecer dúvidas e a conduzir
suas ações de acordo com deontologia da enfermagem.

A postura ética frente à prestação de cuidado vai muito além dos


pressupostos racionais, ela abrange um envolvimento pessoal onde o profissional
se abre para novos diálogos por meio de uma contínua reflexão e permite ser
tocado por aquele que cuida em um empenho constante da defesa de seus direitos
enquanto ser humano (CARVALHO; BOSI; FREIRE, 2008) (RAMOS; Ó, 2009).

Desde o início de sua concepção teórica, a bioética tem se destacado


por trazer à tona a discussão sobre os conflitos culturais. O conceito individual
sobre início e fim da vida tem impacto direto nas ideias e posicionamentos sobre
aborto, doação de órgãos, ortotanásia, entre outros. Fato que pode facilitar ou
dificultar o diálogo com o profissional de saúde no momento da tomada de
decisão (ALBUQUERQUE, 2015) (CORRÊA, 2002) (BARBOSA; BOEMER, 2009).

3 DA FORMAÇÃO EMBRIONÁRIA À ASSISTÊNCIA PALIATIVA:


PROBLEMATIZANDO OS CONFLITOS BIOÉTICOS
Neste subtópico, discutiremos alguns conflitos bioéticos comuns na
vivência do profissional de saúde, o maior objetivo aqui é muito mais do que
dar respostas exatas ou impor o que deve ser feito frente a esses desafios, mas
de desenvolver no aluno o pensamento crítico sobre temas controversos, porém
comuns em nossa prática.

Para a promoção de saúde junto a uma população, o profissional de


saúde, além de todo seu arcabouço teórico, precisa considerar a realidade social,
que podem levar a dois modelos de pensamento bioético. Um no qual ele reflete
sobre a condições de saúde de modo a considerar um conjunto amplo de usuários
(comunidade) e outro que se concentra na busca do aumento da qualidade de
vida individual, ambos baseados nas ideias de responsabilidade e autonomia. A
forma como o conceito de promoção de saúde é construída pode levar à limitação
da liberdade da pessoa, motivado pela ideia de melhoria dos padrões de saúde
de comunidade (VERDI; CAPONI, 2005).

Confirmando este pensamento, Gaudenzi e Schramm (2010) problematizam


sobre o caminho a ser seguido para equilibrar as disparidades entre justiça social
e autonomia individual:

24
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

Tal discussão tem grande relevância bioética, pois o que está em jogo
– por trás desta responsabilização frente aos recursos finitos e escassos
– é a tensão entre dois princípios morais: o da justiça social e o da
autonomia individual, considerados no contexto de uma “topologia
administrativa” consistente em procedimentos que se destinam, em
última instância, a finalizar a conduta humana de acordo com um
paradigma econômico que controla o comportamento dos humanos e
tenha em vista o difícil equacionamento entre competição e cooperação.
No início do século XXI, o Estado, que até então tinha a
responsabilidade de reduzir as desigualdades de renda e melhorar
as condições de higiene da população, se torna um coadjuvante neste
processo à medida que a responsabilidade pelo cuidado com a saúde
cabe a cada indivíduo que, diante das informações médicas, deve ser
capaz de mudar seus hábitos de vida (VAZ; BRUNO, 2002). A saúde
e a doença passam, portanto, a ser compreendidas como resultado
do comportamento, e não mais como efeitos das condições de vida;
e o indivíduo – agora supostamente informado – passa a ser o único
responsável pelo cuidado com sua saúde, cabendo ao Estado o controle
para que esta responsabilização seja efetiva

O cenário delimitado no parágrafo anterior questiona o papel do


profissional de saúde enquanto agente moral, tendo em vista que o dinamismo
de nossa sociedade é regido por forças políticas e disputas entre interesses
individuais e coletivos. Portanto, a ideia de promoção de saúde deve ser voltada
para políticas públicas que busquem a redução das iniquidades, permitindo o
acesso a condições básicas para a saúde e suprindo as carências individuais e
coletivas refletidas pela fome, pobreza e exclusão social (VERDI; CAPONI, 2005).

3.1 DESAFIOS DO ACESSO À ATENÇÃO BÁSICA E


ASSISTÊNCIA HOSPITALAR
O uso de novas tecnologias, em especial no contexto hospitalar, suscita
numerosas expectativas nas indústrias, órgãos reguladores, administradores,
profissionais de saúde e, por fim, nos pacientes. Além da avaliação acerca da
qualidade e efetividade dessas inovações, é imprescindível o comprometimento
com as questões morais que envolvem o seu uso, como a verificação se o produto
de fato cumpre os requisitos de beneficência e não maleficência (SCHRAMM;
ESCOSTEGUY, 2000)

Ainda nesse debate, debruça-se também sobre o acesso às novas


tecnologias de forma justa para todos, considerando ainda um cenário de recursos
cada vez mais escasso e de grandes desigualdades sociais. Seria ético que apenas
as pessoas mais abastadas tivessem as melhores oportunidades de diagnóstico e
tratamento? Como equiparar essa balança sem prejuízo ao Estado e ao usuário?
Como julgar essa questão de forma a promover a equidade que nos é garantida
através de nossa Constituição? (SCHRAMM; ESCOSTEGUY, 2000).

25
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Para o usuário do SUS, que tem a ideia de que a atenção à saúde deve
ser oferecida de forma irrestrita, muitas vezes não fica claro que existe um
racionamento de recursos, o qual é preestabelecido por meio de orçamentos
definidos pelos Poderes Executivos e Legislativos. A maneira que esses recursos
serão alocados fica por conta do Ministério e Secretarias de saúde, contando com
o aval dos Conselhos de Saúde e órgãos de controle social (FORTES, 2008).

Para designar o destino dos investimentos na área de saúde são


consideradas as ideias de base utilitaristas, apoiando a premissa de maximização
do bem-estar, elegendo a proposta que garanta a maior felicidade para o maior
número possível de pessoas. Essa ideia pode ser exemplificada através da
vacinação em massa para a erradicação de doenças transmissíveis. Para que,
de fato, os recursos sejam alocados de modo a maximizar a saúde de um maior
número de pessoas, é primordial o controle social efetivo sobre essas decisões,
nem sempre há uma completa concordância sobre os desejos da sociedade, porém
essa é a medida que tem uma maior probabilidade de responder aos anseios dos
cidadãos (FORTES, 2008).

3.2 OS NOVOS DESAFIOS BIOÉTICOS ADVINDOS DO


PROJETO GENOMA
Em 1990, ocorreu um marco conceitual da genética moderna denominado
Projeto Genoma. Esse movimento contou com a colaboração de diversos países
desenvolvidos para mapeamento do código genético humano, que diferente de
outras pesquisas, disponibilizou seus achados para os pesquisadores do mundo
inteiro os seus dados parciais e totais rapidamente por via eletrônica, ajudando
assim o desenvolvimento de outras pesquisas ao redor do mundo.

Os avanços relacionados à fertilização in vitro trouxeram consigo novas


possibilidades e implicações éticas sobre a pesquisa genética e manipulação
de células-tronco. A perspectiva de se criar seres humanos mais resistentes
ao ambiente, com aparência física desejada pelos pais entre outras demandas,
apresenta-se como algo que poderia melhor a estadia do homem no planeta.
No campo da saúde, a possibilidade de aplicações terapêuticas também gera
otimismo pela prevenção de doenças e tratamentos mais assertivos com base na
composição genética individual (CORRÊA, 2002).

A manipulação genética pode envolver riscos a longo prazo até agora não
conhecidos, não se tem claro ainda se as ações desenvolvidas na atualidade podem
prejudicar de alguma forma as gerações após a nossa. Por conta dos enormes
riscos iatrogênicos, é necessário cautela, além de pautar as tomadas de decisão
nessa área sob os princípios da beneficência e autonomia (CLOTET, 2000).

Ao se imaginar a possibilidade de escolha dos traços genéticos entra


em debate algumas questões éticas, como o medo do surgimento de uma ideia
moderna de eugenismo baseada em conceitos racistas e discriminatórios. Se assim
26
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

seguir, corremos o risco que os aspectos físicos, intelectuais e de beleza possam


ser padronizados como um quesito básico do que é ser um humano de sucesso,
tudo através da manipulação do genoma (CORRÊA, 2002).

NOTA

Eugenismo é um termo que significa bem-nascido. Uma falsa ciência que


defendia ser necessário realizar uma seleção natural onde “raças superiores” deveriam
dominar e melhorar uma sociedade.
No Brasil, o movimento eugenista foi institucionalizado no início do século XX e buscou
embranquecer a população, de modo a afastar e diminuir as pessoas negras, por acreditar
que só assim seria possível elevar o país a melhores patamares de desenvolvimento e
riqueza.

DICAS

Acadêmico, indicamos a leitura do artigo Reflexões sobre raça e eugenia no


Brasil a partir do documentário Homo sapiens 1900 de autoria de Lilian de Lucca Torres e
disponível no link: https://journals.openedition.org/pontourbe/1914.

Mais uma vez caímos na discussão sobre acesso à tecnologia e seus


desdobramentos. Seriam os avanços genéticos de impacto direto sobre a
saúde disponíveis irrestritamente a toda população? Considerando o histórico
discriminatório em nossa sociedade, como se dará as relações sociais dos que não
obedecem aos padrões? Seria possível o surgimento de um apartheid genético
ou uma biocracia? Como as questões religiosas impactarão nos debates sobre a
manipulação genética?

3.3 OS DIREITOS INALIENÁVEIS DOS PORTADORES DE


TRANSTORNO MENTAL
A concepção de loucura e os cuidados aplicados aos portadores de
transtornos mentais mudou conforme a época vivida. Passamos da ideia
estabelecida no século XVII que enclausuramento e afastamento social dos
mentalmente afligidos, marcado pela internação compulsória em manicômios e
hospitais, é o melhor caminho para o cuidado ao portador de distúrbios mentais.
Ressaltamos que, neste momento histórico, todos aqueles que se afastavam do

27
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

que a sociedade encarava como normal (miseráveis, bandidos ou vagabundos)


eram entendidos como “loucos” e encarcerados (BRAZ; SCHRAMM, 2011).

Com a chegada do século XIX, por não se encaixarem nos padrões da


sociedade burguesa, em especial pela sua “incapacidade para o trabalho”, novas
modalidades de manejo foram concebidas e a ideia “loucura” se solidificou na
concepção de que não havia problema no tratamento desumano, através de
ameaças, violências físicas e aprisionamento em calabouços, o que mudou anos
mais tarde pelo advento da reforma psiquiátrica (BRAZ; SCHRAMM, 2011).

Como pode se constatar por esse breve histórico, os portadores de doenças


mentais estão entre os mais sujeitos à violação de direitos humanos, refutando
toda e qualquer forma de dignidade. Por vezes, a perda da autonomia desses
indivíduos se deve a sua condição clínica, não sendo incomum o uso da força
física na contenção, muito mais apoiado no que é mais vantajoso para o que está
em posição de poder (em muitos casos o profissional de saúde) do que de fato na
escolha do que é melhor para o indivíduo.

O código de Nuremberg versava sobre a participação deste perfil de


pacientes em pesquisas, abominando a ideia que estes não tinham condições
de dar o livre consentimento, ferindo o princípio de autonomia do sujeito, e
defendendo a proteção destes indivíduos para que não fossem vistos como
objetos para o avanço da ciência (BRAZ; SCHRAMM 2011).

A bioética personalista apresenta uma visão bem coerente quando


considerado o portador de distúrbios mentais, pois fortalece a ideia de que a pessoa
deve ser reconhecida como um ser com grandes possibilidades e potencialidades,
mesmo considerando os mais diversos tipos de deficiências, respeitando sempre
a individualidade e as demandas específicas inerente a cada ser humano. Assim,
percebe-se um esforço voltado para uma intervenção por meio da pesquisa
científica que proteja sua existência, independente do seu estado de saúde, o que
pode ser entendido como exercício da tolerância (IMMIG, 2010).

Toda pessoa com qualquer tipo de fragilidade emocional deve ser tratada
por meio de ações que fortaleçam não apenas sua dignidade, mas também a de
seus familiares. Além do amplo debate sobre seus direitos incluindo os usuários,
comunidade, família e profissionais de saúde.

Sobre o cenário bioético dessa discussão, Felicio e Pessini (2009, p. 209)


levantam desafios comuns aos profissionais durante o cuidado da pessoa com
transtornos mentais.

Às vezes o paciente recusa o tratamento, medicações ou


encaminhamentos terapêuticos propostos, sendo estas intervenções
que lhe garantiriam um funcionamento mais ajustado. Também é
complexa a situação daqueles que não concordam com a recomendação
para internação ou para serem submetidos a procedimentos de caráter
mais invasivo, pois estas indicações são feitas quando sua condição
mental envolve riscos muito severos a sua integridade.

28
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

Não podemos deixar de considerar que existem ainda casos em que a


gravidade do comportamento do paciente é tão intensa que coloca em risco a
sua integridade e dos que o cercam, fazendo-se necessária a interdição jurídica,
impossibilitando o poder decisório sobre seus bens materiais e moradia. Podemos
associar ainda uma impossibilidade patológica de mudar hábitos danosos a sua
saúde, como pode ser observado nos usuários de substâncias psicoativas ou com
pensamentos suicidas (FELICIO; PESSINI, 2009).

3.4 BIOÉTICA E A SAÚDE DA MULHER: DAMOS DE FATO


AUTONOMIA?
Segundo Barbosa e Boemer (2009, p. 60), o aborto pode ser definido como
“a interrupção da gravidez, podendo ser espontâneo ou provocado”. Em casos
em que a condição do feto não é compatível com a vida, como nos casos de
anencefalia, esse termo muda para parto terapêutico.

NOTA

A má-formação incompatível com a vida gera altas possibilidades de


inviabilidade do bebê fora do ventre materno, salvo raros casos. Acredita-se que 50% de
fetos com anencefalia morrem no útero materno, 49% sobrevivem por apenas 24h e 1%
por uma semana.

As inovações tecnológicas permitiram um diagnóstico mais preciso sobre


a vida intrauterina, porém, quando a equipe e os pais se deparam com uma
situação inesperada e desfavorável à saúde do futuro bebê, eles são tomados pelo
sentimento de impotência e culpa, ao passo que precisam colocar à prova suas
ideias de vida e morte, e o que entendem como moralmente aceito (LOUREIRO;
VIEIRA, 2004).

Uma das mais profundas discussões bioéticas orbitam sobre as concepções


a respeito da vida humana intrauterina, evidenciando um pensamento que atribui
valorização da vida e dos direitos humanos de forma progressiva no decorrer
do desenvolvimento do feto. Essa discussão se torna difícil frente ao desafio de
indicar precisamente quando se adquire o direito em relação à vida humana
(CHAVES et al., 2010).

A Internetional Federetion of Ginecology and Obstetrics, em consonância com


as ideias feministas, entente que cabe à mulher a completa autonomia e direito de
prevenir o abortamento de forma clandestina e insegura, porém mais importante

29
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

ainda é o compromisso do Estado em fornecer meios para o protagonismo social


da mulher de modo que ela tenha acesso a métodos contraceptivos e planejamento
familiar (CHAVES et al., 2010).

Muitas vezes, a maternidade é vislumbrada de forma romântica pela


sociedade, porém, para grande parte das mulheres, esse momento é visto como
um novo ciclo, que normalmente é a associado à dor intensa e sofrimento. Essa
imagem muitas vezes se confirma não necessariamente por processos naturais,
mas pela prática de atos antiéticos promovidos por profissionais de saúde antes,
durante e após o parto (SILVA et al., 2014).

A violência obstétrica institucionalizada é cometida pela equipe de saúde


com o consentimento da mulher, principalmente pelo seu desconhecimento
sobre os processos fisiológico e por temerem causar algum dano ao seu filho. Esse
problema de saúde pública é subdividido em quatro tipos: negligência, violência
verbal, violência física e sexual (SANTOS; SOUZA, 2015).

Existem diversos movimentos sociais que têm denunciado essa prática


e reivindicado que o parto humanizado seja de fato experimentado por todas
as mulheres, garantindo assim seus direitos sexuais e reprodutivos por meio de
políticas públicas (PULHEZ, 2013).

Partindo desse cenário, cabe aqui a reflexão sobre o papel do profissional


de saúde na proteção e respeito à individualidade do paciente, em especial
nos momentos críticos de intenso desgaste físico e emocional. Precisamos sair
do espaço de repetição de técnicas arcaicas e inadequadas para um espaço de
educação em saúde efetiva.

3.5 A BIOÉTICA NO CONTEXTO DA TERMINALIDADE


Segundo a Organização Mundial de Saúde, os cuidados paliativos são
entendidos como os cuidados totais prestados aos pacientes que não têm mais
viabilidade terapêutica, colocando em primeiro plano a redução da dor, satisfação
das necessidades psicológicas, sociais e espirituais. Esses cuidados estão
disseminados por diversos países, porém, no Brasil, essa vertente assistencial tem
um profundo envolvimento com a Política Nacional de Humanização da Assistência
à Saúde. Os princípios nos quais se baseiam os cuidados paliativos dentro
desta perspectiva dão conta do saber sobre a aproximação da morte, controlar
o que ocorre sem esquecer da dignidade e privacidade, aliviar a dor e demais
sintomas que causem sofrimento, dar a possibilidade quando possível do local
em que se deseja estar no momento do óbito, permitir que a família e amigos
possam se despedir, além do suporte espiritual conforme as crenças do paciente
(WITTMANN-VIEIRA, GOLDIM, 2012).

30
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

NOTA

A Política Nacional de Humanização (PNH) foi instituída no ano de 2003


com o objetivo de cumprir os princípios do SUS dentro da prática assistencial e gerencial,
fortalecendo as trocas e diálogo entre gestores, trabalhadores e usuários para a melhoria
da qualidade dos serviços prestados à população. A PNH permeia todas as políticas e
programas da saúde pública, além de valorizar todos os sujeitos praticando a autonomia e
a transformação da realidade, por meio de uma responsabilidade compartilhada.

O termo “cuidado paliativo” foi cunhado na década de 1960 no Reino


Unido por Cicely Saunders, que além da formação médica era assistente social e
enfermeira. Essa expressão se refere à abordagem multiprofissional que foca na
integralidade do cuidado para prevenção ou controle dos sintomas de pacientes
com doenças graves e ameaçadoras da vida, além de dar suporte a familiares,
cuidadores e profissionais de saúde (GOMES; OTHERO, 2016).

Sobre a avaliação da equipe no momento de iniciar os cuidados paliativos,


Pessini (2010) afirma que alguns questionamentos devem ser levantados,
agilizando o processo de cuidado adequado e reduzindo o sofrimento do paciente,
ao passo que garante sua autonomia, são eles:

Possibilidades concretas de cuidados paliativos são discutidas


à exaustão pelo médico responsável com a equipe de cuidados
paliativos da instituição. Que diagnóstico e prognóstico são dados
para a doença? Quais sugestões podem ser oferecidas em termos de
tratamento dos sintomas? Que tratamentos alternativos ainda podem
ser oferecidos ao paciente? O paciente está completamente informado
pelo médico que o atende sobre todos os aspectos de sua situação de
saúde e as possibilidades existentes de cuidados paliativos. Nestes
casos o paciente terá o apoio da equipe de cuidados paliativos, bem
como a oportunidade clara de consultar esta mesma equipe. Assim,
deve ser-lhe comunicado com quem pode tirar dúvidas, que tipo de
cuidado pode esperar e o que acontece se não mais puder decidir
sobre si próprio (PESSINI, 2010, p. 554-555).

NOTA

EUTANÁSIA: provocação da morte sem sofrimento em um paciente fora de


possibilidades terapêuticas, baseada na ideia de redução do sofrimento. É ilegal no Brasil.
ORTOTANÁSIA: intimamente ligada à ideia de bem morrer, permitindo a morte no
momento certo. Regulamentada e liberada no Brasil desde o ano de 2010.
DISTANÁSIA: permissão de uma morte lenta, gerando dor e sofrimento desnecessários aos
indivíduos.

31
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Maciel e Nogaro (2019) afirmam que o processo de lidar com o morrer


pelo profissional de saúde está muito atrelado ao tempo de vida profissional,
religião, vínculo com o paciente, além da idade e prognóstico, sendo necessária
uma abordagem consistente sobre o tema ainda na academia.

Quando avaliados os comportamentos dos profissionais foi perceptível a


necessidade de se trabalhar a ideia de morte e morrer, a difícil aceitação da morte,
bem como a angústia de se falar sobre ela. A falta de preparo pode levar a não
aceitação da morte e prolongamento desnecessário da vida, causando mais dor e
sofrimento para pacientes e familiares. Faz-se necessário o debate rotineiro ainda
na formação profissional, bem como dentro dos hospitais com os profissionais de
saúde, familiares e cuidadores. É importante ressaltar que não há uma definição
exata sobre o que seria uma morte digna, por se tratar de um processo muito
particular ao paciente que inclusive pode ser dinâmico, tornando-se primordial
tanto quanto os cuidados físicos, os cuidados psicossociais (BATISTA; SEIDL,
2011).

DICAS

Acadêmico, indicamos a leitura do livro Sobre a morte e o medo de morrer: o


que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus
próprios parentes, da autora Elisabeth Kübler-Ross.

Sinopse: um dos mais importantes estudos psicológicos do século XX, Sobre a morte e o
morrer teve origem nos importantes seminários interdisciplinares da Dra. Elisabeth Kübler-
Ross sobre vida, morte e transição.

Nesta obra, que se tornou um clássico, ela explora pela primeira vez os cinco estágios sobre
a morte: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação. Através de trechos
de entrevistas e conversas, a autora proporciona ao leitor um melhor entendimento de
como a morte iminente afeta o paciente, o profissional envolvido e a família do paciente.

Elisabeth Kübler-Ross descreve as experiências de pacientes terminais, suas agonias


e frustrações, numa tentativa de encorajar as pessoas a não se afastar dos doentes
condenados, mas, antes, aproximar-se deles e ajudá-los em seus últimos momentos.

FONTE: <https://www.amazon.com.br/Sobre-morte-morrer-enfermeiras-relogiosos-
ebook/dp/B0716J67YB>. Acesso em: 28 abr. 2020.

32
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

SOFRIMENTO MORAL E A DIMENSÃO ÉTICA NO TRABALHO DA


ENFERMAGEM

Vivemos em um mundo em que é facilmente percebida uma crise de


valores. Nos hospitais, verificamos traços dessa desestruturação de valores,
cuja dimensão parece assumir aspectos de normalidade, de uma nova
cultura inserida nas várias maneiras de cuidar, nas posturas assumidas pelos
trabalhadores.

Em meio a essa situação, parece um paradoxo expressar o cuidado


em sua forma mais sublime, tentando aliviar o sofrimento do outro, quando
o sofrimento inicial pode estar intrínseco no trabalho da própria enfermeira
e sua equipe, sem que seja percebido o real motivo. Várias manifestações
de sofrimento, atreladas à constante necessidade de negação de valores
pessoais, crenças e saberes são percebidas no mundo do trabalho, situações
também relacionadas com o atendimento prestado por equipes que agem com
desrespeito e negação aos direitos dos próprios doentes como cidadãos.

Assim, trabalhadores da enfermagem vivenciam problemas, conflitos


e dilemas morais, a partir de situações consideradas parte do seu cotidiano
profissional, como a falta de consentimento informado de pacientes, antes de
procedimentos diagnósticos e terapêuticos; a obstinação terapêutica; práticas
profissionais questionáveis e desigualdade na distribuição de recursos, em
especial os destinados à equipe de enfermagem, o que lhes vêm provocando
sofrimento moral, sem que esta temática seja suficientemente explorada.

O sofrimento moral dos trabalhadores de enfermagem, primariamente,


decorre do fato de que o trabalho da enfermagem é desenvolvido em um
espaço social do sistema de cuidado em saúde, que situa seus trabalhadores
em uma grande proximidade dos pacientes, por períodos prolongados de
tempo. Os trabalhadores de enfermagem e, em especial, as enfermeiras não são
moralmente superiores, embora pareça mais fácil tomar decisões relacionadas
ao corte de gastos e redução de pessoal, à distância, quando não se mostra
necessário visualizar as possíveis consequências destas tomadas de decisão, ou
seja, “pode ser moralmente menos pesado dar ordens do que executá-las ou
conviver proximamente com as suas consequências”.

Assim, com a elaboração desta reflexão, tivemos como objetivo enfocar


o sofrimento moral dos trabalhadores de enfermagem e sua relação com
problemas morais e dilemas morais. Inicialmente, serão apresentados conceitos
entendidos como fundamentais para o entendimento desta temática e, a seguir,
possíveis estratégias a serem adotadas para o enfrentamento do sofrimento
moral vivenciado pelos trabalhadores da enfermagem.

33
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Ética, problemas e dilemas morais e sofrimento moral

Ética é um termo alusivo a várias formas de analisar e entender a vida


moral. A moral expressa um sistema de valores, emergindo normas reconhecidas
como corretas em grupos sociais. A ética fundamenta-se em três pré-requisitos:
percepção dos conflitos, autonomia e coerência frente aos conflitos.

A enfermagem, historicamente, é uma profissão em que as enfermeiras


atuam como agentes morais, apropriando-se dos conceitos de compromisso,
sensibilidade, autonomia, senso de dever, julgamento, conflito, competência
e certeza. O agenciamento moral refere-se ao desejo de prover cuidados de
qualidade, o que é reconhecido tanto como uma necessidade quanto uma
responsabilidade moral. Assim, a enfermeira torna-se agente moral do doente.
Problemas éticos vivenciados podem ser divididos em três categorias: incerteza
moral, dilema moral e sofrimento moral. Na incerteza moral, o trabalhador
reconhece uma situação inadequada ou incorreta, questiona-se e apresenta
sentimentos de tensão, frustração e incômodo, mas não percebe esta situação
como parte de um problema ético.

Dilemas morais são representados pela obrigação em escolher um


determinado caminho entre dois ou mais cursos a seguir, porém, com uma única
opção de escolha, sem que nenhum deles seja mais correto do que os outros.
Surgem, quando a indecisão por uma ação recai sobre valores contraditórios ou
cursos incompatíveis de ação. A característica fundamental dos dilemas morais
é a indecisão no conflito.

Portanto, o dilema pode levar ao resíduo moral, que são as marcas


decorrentes do sofrimento experienciado, rompendo com a integridade moral,
deixando traços na personalidade e nos valores construídos ao longo do tempo.
A integridade moral refere-se à relação indissociável entre a integridade
profissional e pessoal, dizendo respeito a um padrão moralmente aceito por
nossa sociedade frente à ética. Os valores de uma pessoa são integrados à
personalidade, tanto para o desenvolvimento pessoal quanto para alcançar a
integridade moral, que significa desenvolver uma perspectiva crítica através
de um ponto de vista que permita analisar, aceitar ou rejeitar situações novas.
Quando a integridade moral é prejudicada, pode ocorrer sofrimento moral e,
até mesmo, o abandono da profissão.

Portanto, vivenciar situações de dilema moral pode provocar sofrimento


moral, pois o trabalhador da enfermagem sabe o que é correto e o que deveria
ser feito, mas não pode seguir o rumo de sua consciência, seja por obstáculos
institucionais, falta de tempo, relutância das chefias, constrangimentos legais
ou barreiras relacionadas ao poder médico, seja por dificuldades individuais
de enfrentamento da situação.

34
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

O sofrimento moral na prática da enfermagem foi descrito, inicialmente,


como um desequilíbrio psicológico ocasionado por sentimentos dolorosos
que ocorrem quando os trabalhadores de enfermagem não podem executar
situações moralmente adequadas, segundo suas consciências. Quando o
sofrimento moral se faz presente, o impacto para o doente pode ser a falta
de advocacia por parte da enfermagem e situações em que os trabalhadores
evitam o contato com os doentes, causando um aumento no desconforto e no
próprio sofrimento do cliente frente à doença e ao tratamento.

Esse sofrimento pode resultar em respostas no trabalhador como o


descontentamento com o trabalho; possibilidade de aumento no número de
doenças laborais; redução da carga de trabalho; afastamento, frieza nas relações,
como recursos de defesa; visão do doente como uma atividade/trabalho e
não como um ser humano; insônia, ansiedade, depressão e incapacidade de
concentração; medo, cólera, trauma; mudanças de personalidade frequentes,
assim como sentimento de culpa; cinismo nas convicções religiosas ou atitudes
de maior fé; sentimentos de fraqueza, de falta de apoio moral e de falta de
apoio profissional e solidão profissional.

No que se refere à correlação entre a intensidade de sofrimento moral


e a idade do trabalhador de enfermagem, foi constatada uma correlação
negativa, o que pode ser justificado pelo papel da experiência, no sentido de
evitar problemas éticos. No entanto, essa correlação ainda é baixa, em níveis
estatísticos, o que também pode estar associado à carga de conhecimentos
éticos associados à capacidade de assumir responsabilidades frente a um
dilema moral. Assim, enfermeiras inexperientes enfrentam níveis mais altos
de sofrimento moral, pela tensão e conflitos entre seus valores individuais
e obstáculos externos, apresentando maior tendência em abandonar suas
convicções sobre os direitos do doente, chegando, em alguns casos, ao erro.

Trabalho da enfermagem: vivências de sofrimento moral

É notória a intensidade cada vez maior da vivência sistemática de


dilemas morais e sofrimento moral por parte das enfermeiras, durante o
processo de trabalho. Avanços da ciência têm permitido aos trabalhadores de
saúde novas possibilidades de tratamento, incorporadas ao cuidado em saúde
sem suficiente reflexão sobre seus riscos e benefícios e possíveis consequências
sobre o prolongamento da vida e sua qualidade.

Os custos dessas alternativas tornam-se altos, mas escassos para a


população. Podem constituir-se em fonte de sofrimento, servindo, assim, para
o surgimento de problemas éticos e de conflitos que testam incessantemente
as virtudes morais das enfermeiras, já que interferem no curso de vida dos
doentes sob sua responsabilidade.

35
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Desse modo, a prescrição de cuidados fúteis, a solicitação de exames


diagnósticos aparentemente desnecessários; a falta de consentimento para a
prescrição de condutas médicas; o despreparo para o cuidado do outro no
processo de morrer, agravado por situações de morte reconhecidas como
evitáveis, em decorrência de negligência, poderão ser fonte de sofrimento
moral aos trabalhadores. Qualitativamente, os sentimentos de raiva e tristeza
são os mais citados na literatura como efeitos biopsicossociais ocasionados
pelo sofrimento moral, sendo a introspecção a maior característica da equipe
de enfermagem, que pouco ou nenhum apoio recebe durante o enfrentamento
de seus conflitos.

As enfermeiras possuem mais responsabilidades do que autoridade,


no que diz respeito à jornada de trabalho. Possivelmente, o cumprimento
autoritário das rotinas solicitadas pela equipe médica pode desequilibrar o senso
de autoridade e de responsabilidade sobre o cuidado do doente. Por outro lado,
é esperado que as enfermeiras aceitem a autoridade médica, sem participar no
processo de tomada de decisão acerca dos cuidados dispensados aos doentes.
Todavia, suas relações mais próximas com os doentes, comparadas com o
nível relacional de outros profissionais, podem contribuir para potencializar a
ocorrência de um número maior de conflitos.

Frente a uma situação de sofrimento moral, duas alternativas


apresentam-se para a enfermeira: a defesa do doente, com o possível
desencadeamento de frustrações para o profissional, ou o enfrentamento de
sentimentos de impotência, desmoralização, desamparo, desespero, raiva,
aflição e culpa por fracasso frente ao doente. A percepção das enfermeiras sobre
sua possibilidade de exercer poder na instituição, para a resolução de dilemas e
questões éticas, parece fundamental para a sua decisão de uma tomada de ação
ou não para este enfrentamento. Mesmo que conduzidas por práticas baseadas
em códigos morais individuais, as pressões ambientais levam ao conformismo
por parte das enfermeiras que, gradualmente, se tornam mais distantes dos
doentes. A enfermeira, ao afastar-se do doente e de seus cuidados, pode negar-
lhe importantes benefícios, culminando em problemas de relacionamento na
instituição, além de uma comunicação ineficaz com a equipe que lhe dispensa
cuidados muito fragmentados.

Assim, a organização hospitalar aparece como o elemento de maior


influência no cotidiano profissional, considerando-a como uma das grandes
responsáveis pela crise de qualidade no atendimento, destacando que os
problemas éticos de enfermagem são sistemáticos e não fortuitos, tendo uma
previsibilidade temporal, não sendo de responsabilidade das pessoas, mas do
sistema. Os enfermeiros, geralmente, enfrentam problemas práticos morais
sobre como realizar uma tarefa, frente à oposição de outras pessoas ou a regras
estabelecidas, descaracterizando-se, dessa forma, tais vivências como um
dilema ético. Dessa maneira, os trabalhadores de enfermagem geralmente não
vivenciam dilemas morais, mas, sim, sofrimento moral.

36
TÓPICO 3 | CONFLITOS BIOÉTICOS E A PLURALIDADE

A tensão é um fator que tem influências negativas na percepção


ética, provocando sentimentos que levam à percepção do não cumprimento
das obrigações morais. Embora a tensão possa ser uma influência positiva
motivadora de mudanças, o sofrimento moral desencadeia a ocorrência de
respostas negativas no ambiente de trabalho. Portanto, o desconhecimento
acerca das questões éticas e as tensões profissionais conduzem os trabalhadores
ao sofrimento moral, com impactos negativos na qualidade dos cuidados
prestados.

Enfocar o sofrimento moral provocado por problemas e dilemas morais


presentes no trabalho da enfermagem, na assistência, no ensino e na pesquisa,
parece fundamental não apenas para desvelar um fenômeno por muitos ainda
desconsiderado, apesar de vivenciado quase que diariamente, mas, também,
para destacar a necessidade de problematização e valorização da dimensão
ética do trabalho em saúde.
FONTE: LUNARDI, V. L. et al. Sofrimento moral e a dimensão ética no trabalho da
enfermagem. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v. 4, n. 62, p. 599-603.

37
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Os conflitos bioéticos ocorrem nas mais diversas realidades, tendo desafios


particulares, quem devem ser tratados com respeito aos preceitos morais,
religiosos e sociais dos usuários.

• No momento da tomada de decisão, é primordial o diálogo entre a equipe


multidisciplinar, família e paciente. Sempre com prudência de forma a
considerar os interesses individuais e coletivos.

• Os conflitos bioéticos em especial os que tratam de temas delicados.

38
AUTOATIVIDADE

1 Após a leitura do texto a seguir e com base no estudo sobre os conflitos


éticos tratados no Tópico 3, elabore um texto defendendo uma possibilidade
para resolução da problemática vivida pelos pacientes portadores de
insuficiência cardíaca que não têm acesso à assistência ventricular externa.

No Brasil, corações artificiais ainda são pouco utilizados

28/08/2017

Já há atualmente uma alternativa ao transplante para quem precisa


de um coração novo. Técnica ainda pouco adotada no Brasil, o implante
de um coração artificial – pequena turbina de titânio acoplada ao coração
doente – pode eliminar sintomas de insuficiência cardíaca e estender a vida
de pacientes terminais por anos ou garantir a espera por um coração doado.

De 2006 a 2016, mais de 19 mil pacientes tiveram algum tipo de


coração artificial implantado nos Estados Unidos, de acordo com o registro
oficial “Intermacs”, que acompanha os 168 hospitais americanos que
realizam o procedimento.

No Brasil não existe um registro oficial, mas de acordo com Fábio


Jatene, vice-presidente do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das
Clínicas da FMUSP, até hoje apenas cerca de 40 pacientes receberam um
desses dispositivos. Mas de acordo com estimativas internacionais, há no
Brasil atualmente em torno de 40 mil pacientes com insuficiência cardíaca
avançada, potenciais beneficiários do uso desses aparelhos.

Nesse estágio, a expectativa de vida do paciente é de aproximadamente


um ano, e internações hospitalares são extremamente frequentes.  Mais da
metade das operações aconteceram em São Paulo (equipe de Jatene no convênio
InCor/Hospital Sírio-Libanês) e no Rio de Janeiro (Hospital Pró-Cardíaco).

O fator limitante para o uso dessa tecnologia é o alto custo. Os


tipos de coração artificial implantáveis mais utilizados atualmente são
os Dispositivos de Assistência Ventricular (DAVs) de fluxo contínuo, que
chegam a custar em torno de R$ 500 mil, não sendo atualmente custeados
nem pelo SUS, nem pela maioria dos convênios particulares.

Em países desenvolvidos, essa tecnologia tornou-se fundamental


também como auxiliar ao transplante de coração. O implante temporário de
um DAV durante o tempo de espera pelo transplante permite que o paciente
consiga esperar por mais tempo pelo órgão e em melhores condições de
saúde, explica Jatene.

39
O Brasil atingiu um recorde no número de transplantes de coração
em 2016, com 357 procedimentos realizados, mas não tem acompanhado
esse importante desenvolvimento na área. “No Brasil é o contrário. Como
temos pouco acesso a essa tecnologia, a gente vai ao transplante quase
sempre sem esses equipamentos”, diz Jatene.

Por causa disso, ele diz que o paciente precisa ser hospitalizado e
receber grande quantidade de medicação durante o tempo de espera pelo
órgão novo, diferente do que acontece em grandes centros internacionais.

FONTE: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2017/08/1913177-no-brasil-
coracoes-artificiais-ainda-sao-pouco-utilizados.shtml>. Acesso em: 28 fev. 2020.

40
UNIDADE 1
TÓPICO 4

PESQUISA ENVOLVENDO SERES


HUMANOS
1 INTRODUÇÃO
Nem sempre a ciência primou por pesquisas que fossem cautelosas com
seus participantes, dessa forma, a associação da cultura dos direitos humanos
foi primordial para um maior envolvimento social, retirando o médico do seu
patamar de único e exclusivo juiz das questões bioéticas, levado pelos próprios
princípios e considerando apenas a sua concepção de certo e errado (SILVA, 2013).

A dignidade humana e os valores básicos inerentes a todas as pessoas são


a pedra fundamental na qual se apoiam os direitos humanos e a bioética, preceitos
que se complementam para o respeito a todo e qualquer indivíduo do planeta.
A defesa dos direitos humanos no âmbito global tomou força e se remodelou
após o Tribunal de Nuremberg, contribuindo com a inovação no campo da
jurisprudência com o reconhecimento de um novo tipo delito, denominado
crime contra a humanidade. Esse conceito propõe que alguns crimes têm o perfil
de atingir mais do que uma pessoa ou comunidade específica, mas afrontava
a humanidade como um todo. Os transgressores dessas leis mesmo quando
não punidos pelos seus países são submetidos a um julgamento supraestatal
(OLIVEIRA, 2007) (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS,
1948).

Para a apresentação de trabalhos íntegros e éticos à comunidade científica,
o pesquisador deve sempre garantir aspectos básicos como a não adulteração
das etapas da pesquisa, não manipulação dos dados, respeito às participações de
outros pesquisadores na construção conjunta do estudo, não promoção de plágio,
transparência no que tange às questões financeiras e atendimento do código de
ética de sua profissão em sua totalidade (KOTTOW, 2008).

No geral, a pesquisa científica promove a melhoria do conhecimento,


além de embasar uma prática com menor dano ao paciente. A reflexão do modelo
de trabalho e o desenvolvimento de melhores práticas permitem que o usuário
tenha suas necessidades atendidas e consequentemente estejam mais satisfeitos
com as ações de promoção da saúde. O foco de toda pesquisa científica deve ser o
retorno do conhecimento para a sociedade e melhoria das condições de vida das
populações (MIRANDA et al., 2013).

A ética em pesquisa precisa sempre se atualizar conforme surgem novas


tecnologias e demandas, reavaliando seus procedimentos de modo a proteger
o indivíduo e a sociedade. As origens da bioética foram formuladas baseadas

41
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

nas questões enfrentadas pelos médicos, porém hoje essa disciplina deve ser
dominada por todas as profissões da área de saúde, pois permeia qualquer
prática, independente do contexto no qual se está inserido. Não por acaso, alguns
Conselhos Profissionais em seus códigos de ética, norteiam as práticas de estudos
envolvendo seres humanos no campo do ensino, pesquisa e produção técnico-
científica (MIRANDA et al., 2013) (COFEN, 2018).

No decorrer dos anos, os profissionais da área da saúde no Brasil se


aprimoraram na construção de pesquisas qualitativas, na qual a percepção do
participante sobre o desenvolvimento de um estudo ético é primordial, pois
durante a coleta de dados ele se sentirá seguro e confiante para compartilhar
saberes e vivências. Assim, o cumprimento aos protocolos vai muito além de
meras formalidades, mas congrega o compromisso do investigador na proteção
das informações confiadas a ele (MIRANDA et al., 2013) (ARAÚJO; FRANCISCO,
2016).

Como já visto ao longo desta unidade, a pesquisa envolvendo seres


humanos tem uma relação intrínseca com a bioética, o que se deve também
a sua trajetória histórica e a necessidade de preservar a dignidade humana
independente do momento e das condições de vida. É inevitável, atualmente, ao
se conceber uma inovação tecnológica não se ponderar sobre suas repercussões
éticas, sendo esse contexto um campo fértil para o surgimento de instituições
que apoiam os pesquisadores e dão diretrizes para a preservação da dignidade
humana (SILVA, 2013).

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por uma grande revolução


biomédica e algumas das consequências deste movimento foi a construção da
Declaração de Helsinque e Relatório de Belmont, documentos que norteiam em
nível mundial as pesquisas com seres humanos. Esses manuscritos chamam a
atenção para a necessidade de criação de órgãos que atuassem diretamente no
controle das atividades científicas de forma a facilitar a difusão das proposições
bioéticas (KOTTOW, 2008).

Kottow (2008) cita algumas características descritas nesses documentos


que até hoje orientam a criação de Comitês de Ética ao redor do mundo.

• São diferentes tanto nas funções, composição e normas dos Comitês de Ética
Hospitalares.
• Seu corpo de membros deve ser formado por cientistas, especialistas das
ciências sociais e comunidade.
• É desejável que se estabeleçam na mesma instituição que seus pesquisadores,
facilitando o diálogo sobre as questões éticas.
• Obrigatoriedade de revisão de toda e qualquer pesquisa a ser desenvolvida e
respeito às decisões estabelecidas pelo colegiado.
• A autorização pelo Comitê de Ética para o desenvolvimento da pesquisa
garante que o projeto de pesquisa está conforme.

42
TÓPICO 4 | PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

• Os comitês asseguram a aplicação de termo de consentimento livre e esclarecido


ao participante, assim como o seu conhecimento a respeito do método, riscos e
aspectos econômicos.
• Regulamentação e documentação do seu funcionamento e atividades.

A preservação da integridade física, moral e social dos participantes


é fator primordial à pesquisa com seres humanos, além da formalização do
consentimento livre e esclarecido, no qual o indivíduo de forma voluntária e sem
pressões, toma conhecimento sobre os objetivos do estudo, métodos, além dos
riscos e benefícios. A Declaração Universal dos Direitos Humanos entende que
a violação desses aspectos éticos significa a infração contra os direitos humanos
(ALBUQUERQUE, 2013).

É comum que, no decorrer de uma pesquisa, os participantes tenham


pouco ou nenhum poder de decisão sobre como ela deve acontecer, o que nos
leva a questionar se de fato aquela pessoa forneceu um consentimento livre e
esclarecido ou apenas assinou um papel para formalizar sua aceitação. Outra
situação que preocupa os estudiosos da bioética é a realização de pesquisas com
populações vulneráveis (sejam física ou socioeconomicamente), pois muitos
pesquisadores argumentam que o estudo está sendo realizado para responder
a questões urgentes daquela comunidade, o que nem sempre se confirma, pois,
aquela mesma comunidade muitas vezes não tem acesso aos benefícios advindos
de sua participação (GRECO, 2013).

Os interesses econômicos, em especial de grandes corporações, como


a indústria farmacêutica, podem levar a manipulação de resultados ou uso de
placebos de modo a alcançar seus objetivos comerciais. Um fator importante a
ser considerado é a responsabilidade do pesquisador e do Comitê de Ética na
proposição de estudos, que engloba desde a concepção do projeto até a publicação
do relatório final, outro ator importante é o profissional de saúde, que se torna
corresponsável pela transparência e consentimento dos participantes (MADERS,
2014).

A relação das indústrias farmacêuticas e os desenvolvedores de pesquisas


clínicas deve ser acompanhada de perto por organizações que defendem a
transparência e idoneidade nas descobertas e lançamento de novas tecnologias,
garantindo inclusive que não há conflito de interesses entre o pesquisador e a
empresa supostamente favorecida, o que só terá efeito quando se partir para
um debate que questione a mercantilização da saúde (ZAGO, 2004) (SOARES;
DEPRA, 2012) (ZOBOLI; OSELKA, 2007).

Como percebemos no decorrer dessa unidade, a pesquisa com seres


humanos coloca muitas vezes em risco a integridade e os direitos humanos. Desta
forma, há a necessidade da criação de novos formatos de estudos possam ser
realizados sem utilizar ou utilizando o mínimo possível pessoas como “sujeito” de
experimentação. Essa meta deve ser perseguida por diversas instâncias do poder

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UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

público, além de seguir de em sua completude as determinações da Declaração


Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (VELOSO; CUNHA; GARRAFA,
2016).

1. Ética em pesquisa no Brasil: quais órgãos e procedimentos o pesquisador


deve conhecer frente uma hipótese?

A Resolução 196/96 foi um marco histórico para a pesquisa com seres


humanos no Brasil, pois estabeleceu diretrizes e normas a serem cumpridas
por instituições e pesquisadores. Este documento contempla ainda a criação
dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e da Comissão Nacional de Pesquisa
(CONEP). Sua revisão foi feita por meio de consulta pública após 15 anos de
sua determinação e sendo substituída pela Resolução 466/12 (NOVOA, 2014)
(BRASIL, 1996) (BRASIL, 2012)

Sobre as mudanças decorridas da atualização desta legislação é perceptível


um texto mais robusto e fundamentado filosoficamente baseado em referências
básicas da bioética, além da reafirmação do compromisso com os princípios
de beneficência, não maleficência, autonomia e justiça, com vistas a assegurar
os direitos dos participantes. Um ponto de destaque dessa reformulação foi
justamente a substituição do termo “sujeito da pesquisa” por “participante da
pesquisa”, indivíduo o qual voluntariamente dispõem-se a fazer parte do estudo
após o conhecimento sobre objetivos, métodos, benefícios e riscos (BRASIL, 2012)
(NOVOA, 2014).

É imprescindível esclarecer que a Resolução 466/12 não é um documento


de regras rígidas e imutáveis, na verdade, a determinação em questão orienta a
análise ética dos projetos além de estabelecer normas operacionais. O conceito de
que os cuidados éticos são tão importantes quanto a cientificidade de um estudo
é inegável, porém, o CEP não realiza análise profunda sobre a aplicabilidade da
metodologia escolhida, ele concentra suas energias na verificação da proposta
metodológica sob o ponto de vista da proteção do participante, evitando que eles
sofram qualquer repercussão no decorrer da pesquisa (BRASIL, 2012).

Em uma pesquisa para apurar o conhecimento de docentes sobre os


instrumentos e órgãos relacionados à pesquisa em nosso país, Rates e Pessalacia
(2013) evidenciaram que apesar de um conhecimento adequado sobre os
instrumentos de coleta de dados e a resolução que rege a pesquisa em seres
humanos, os participantes em sua maioria tinham noções fragmentadas sobre
os aspectos históricos que culminaram nos preceitos atuais da bioética e a
constituição e funções do sistema CONEP/CEP.

• SISTEMA CEP E CONEP: COMITÊS DE ÉTICA EM PESQUISA

É inegável que a pesquisa científica com seres humanos propicia diversos


benefícios e avanços tecnológicos, entretanto, durante esta realização podem
ocorrer divergências entre os interesses dos indivíduos participantes que são

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TÓPICO 4 | PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

submetidos à experimentação e aos interesses da ciência, sendo necessária a


criação de instâncias que fiscalizem e protejam os direitos humanos, para que
não haja perda para nenhuma das partes (SILVA, 2013) (BATISTA; ANDRADE;
BEZERRA, 2012).

Os comitês de ética em pesquisa se configuram como órgãos de atuação


independente, associados a uma instituição e ao Conselho Nacional de Pesquisa.
As instituições que possuem CEPs instituídos normalmente tem a característica
de ensino, pesquisa e extensão ou são centros de prestação de cuidados à saúde
(ARAÚJO; FRANCISCO, 2016). Sobre seu funcionamento e atribuições, a
Resolução 466/12 destaca ainda que cabe aos CEPs estarem atentos às demandas
de relevância pública e interesse do SUS:

Avaliar protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, com


prioridade nos temas de relevância pública e de interesse estratégico
da agenda de prioridades do SUS, com base nos indicadores
epidemiológicos, emitindo parecer, devidamente justificado, sempre
orientado, dentre outros, pelos princípios da impessoalidade,
transparência, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência,
dentro dos prazos estabelecidos em norma operacional, evitando
redundâncias que resultem em morosidade na análise.

Ao que compete as instituições para o pleno funcionamento do seu


respectivo CEP, incluem a disponibilização de espaço físico, recursos materiais e
humanos, definição de diretrizes sobre o corpo de integrantes e seus mandatos,
fomento de políticas institucionais para a produção científica, proteção dos
membros do CEP e pesquisadores e regularização da instancia junto ao CONEP.
Em contrapartida, o CONEP tem a responsabilidade de credenciamento e suporte
técnico ao CEP através da avaliação de solicitações feitas pelas instituições,
credenciamento, disponibilização de material instrucional que orientem e
capacitem os membros dos CEPs, avaliação de recursos em casos de divergências
e avaliação de desempenho (GUILHEM; GRECO, 2008).

Em seu estudo sobre as mudanças decorridas após a instituição da


Resolução 466/12, Novoa (2014) acreditava que alguns pontos são passíveis de
discussão e revisão, como a necessidade de publicação de Normas Operacionais
para a sua complementação, tendo em vista que a melhor maneira de lidar com
um conhecimento que pode trazer riscos à humanidade é aprofundando ainda
mais o estudo e reflexão sobre ele, convergindo com as ideias levantadas por
Potter ainda nos primórdios da bioética.

O Ministério da Saúde, também considerando essa necessidade,


divulgou a Norma Operacional n° 01/2013, que dispõe sobre a organização e
o funcionamento do Sistema CEP/CONEP. Neste tópico, foi incluído ainda as
questões relacionadas ao controle de pesquisas: com reprodução humana,
organismos geneticamente modificados, células-tronco e organismos que possam
representar um alto risco coletivo (desde a experimentação, cultivo, manipulação,
armazenamento e descarte) (BRASIL, 2013).

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UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Tratando sobre o funcionamento do Sistema CEP/CONEP, a Norma


Operacional n° 01/2013 indica que os órgãos devem ser disciplinados por um
regimento interno que, entre outras informações, deve conter o número de
reuniões, controle de presença e número máximo de ausência dos membros, além
da descrição de como serão realizadas as suas reuniões deliberativas, horário de
funcionamento e atendimento à comunidade e pesquisadores (BRASIL, 2013).

A elaboração do parecer deve conter linguagem clara detalhada para a


adequada deliberação do comitê, destacando a ética do projeto, riscos e benefícios,
relevância social, processo de recrutamento de participantes, critérios de inclusão
e exclusão dos participantes, processo de obtenção do termo de consentimento
livre e esclarecido, orçamento e cronograma para realização do estudo (BRASIL,
2013).

A análise ética dos projetos analisados pelos CEPs culminará em categorias


conforme julgar o colegiado (BRASIL, 2013).

• Aprovado: projeto está adequado para a execução e liberados os próximos


passos do estudo.
• Com pendência: quando há necessidade de ajuste ou correção, solicitação de
hipóteses ou complementação do projeto. Mesmo que a pendência seja um
detalhe muito pequeno e simples, até a sua resolução o projeto permanece
como pendência.
• Não aprovado: as questões éticas são tão frágeis que não podem ser superados
pela tramitação “em pendência”.
• Arquivado: no caso de descumprimento dos prazos estabelecidos pelo CEP
para resposta ou atendimento das pendências apontadas.

Para a contínua evolução do sistema CEP/CONEP, é imprescindível


uma reflexão crítica e permanente da proposta, além de fornecer os recursos
necessários para atender às demandas do órgão, pesquisadores comunidade
(AMORIM, 2019).

• CONSIDERAÇÕES SOBRE O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E


ESCLARECIDO

Para que ocorra o respeito ao princípio de autonomia da pessoa, o


pesquisador deve solicitar o consentimento livre e esclarecido do indivíduo
elegível para participação em seu estudo ou seu respectivo representante legal.
Neste momento, deve ser esclarecida a natureza, objetivos, métodos, benefícios
esperados (individuais e coletivos) e os riscos inerentes ao projeto (NOVOA,
2014).

Infelizmente, em alguns casos, a prática de obtenção do consentimento


livre e esclarecido tem se reservado apenas à assinatura de um documento pelo
participante sem o devido esclarecimento por parte dos pesquisadores e uso de
linguagem simples e acessível (KOTTOW, 2008).

46
TÓPICO 4 | PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

A redação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) tem


impacto direto no entendimento dos participantes sobre a pesquisa, considerando
que a sua construção tem sido comummente composta por palavras “difíceis”
e parágrafos muito longos. As pessoas de baixa escolaridade seriam muito
beneficiadas por estratégias que facilitassem a compreensão do documento desde
a simplificação do texto até o auxílio de vídeos explicativos (SOUZA et al., 2013).

Na Resolução 466/12 temos a orientação de como se deve dar o processo de


consentimento livre esclarecido. O primeiro passo é o escolher o momento e local
mais adequado para a abordagem e convite, considerando sempre a linguagem
simples e acessível que se adéque às peculiaridades do indivíduo, em seguida,
deve se dar o tempo necessário para que a pessoa reflita sobre sua participação.
Após a confirmação do seu desejo em colaborar com o trabalho científico, deve
ser apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para que seja
lido e compreendido e posteriormente rubricada em todas as páginas e assinada
na última, lembrando que o documento deverá ser impresso em duas vias, uma
ficará sob guarda do pesquisador, enquanto a outra é entregue ao participante
(BRASIL, 2012).

No corpo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido devem conter


obrigatoriamente (BRASIL, 2012):

• Justificativa, objetivos e procedimentos: deve se detalhar o método a ser


aplicado, inclusive, se for o caso, esclarecer a possibilidade de alocação em um
grupo controle ou experimental.
• Esclarecimento sobre desconfortos ou riscos e benefícios de sua participação:
detalhar quais medidas serão tomadas para reduzir condições adversas que
podem causar dano.
• Esclarecimento sobre a forma de acompanhamento e assistência o qual
terá direito: considerando benefícios e acompanhamentos posteriores ao
encerramento e/ou a interrupção da pesquisa.
• Garantia de plena liberdade: o participante pode retirar-se da pesquisa em
qualquer etapa de seu desenvolvimento sem qualquer custo ou penalização.
• Sigilo e manutenção da privacidade: aplicável a todas as fases da pesquisa.
• Explicitação da garantia de ressarcimento e como serão cobertas as despesas
que o participante teve no decorrer do estudo.
• Explicitação da garantia de indenização diante de eventuais danos decorrentes
da pesquisa.

O modelo sob o qual é tradicionalmente documentado o consentimento


livre e esclarecido nem sempre atende à pluralidade das pessoas, levando
em consideração condições físicas, educacionais ou culturais. Entretanto, a
Resolução 516/2016 autoriza que na impossibilidade de assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, o consentimento pode ser realizado por
vídeos e outros, conforme for mais adequado para o participante (ARAÚJO;
FRANCISCO, 2016).

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UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

A obtenção do consentimento livre e esclarecido, quando feito da forma


adequada, protege os direitos das pessoas e respeita a sua autonomia. Afinal, o
conhecimento científico deve ser usado para melhorar a qualidade de vida de
uma população, através da redução das diferenças socioeconômicas e produção
meios para a evolução tecnológica sem esquecer dos preceitos bioéticos.

• PLATAFORMA BRASIL

A tecnologia da informação tem possibilitado à nossa sociedade uma


aproximação das pessoas, instituições sociais e organizações públicas e privadas,
além da sua enorme contribuição para a construção e divulgação do conhecimento
científico, através da socialização de diversas áreas de saber ao redor do mundo
(ARAÚJO; FRANCISCO, 2016).

Como já vimos anteriormente, existem órgãos que deliberam o perfil ético


das pesquisas com seres humanos no Brasil. Os Comitês de Ética em Pesquisa
até pouco tempo atrás analisavam as propostas submetidas pelos pesquisadores
por meio de protocolos de pesquisa físicos, que aumentavam a morosidade na
avaliação pelos membros do comitê e retorno sobre situação do estudo (ARAÚJO,
FRANCISCO, 2016).

No país já havia propostas de aproximação dos cidadãos e os órgãos


públicos pelo meio digital, nascendo neste contexto a Plataforma Brasil, uma base
oficial de submissão de pesquisas ao sistema CEP/CONEP que reúne o registro
de todas as pesquisas envolvendo seres humanos. Cavalcante (2014) descreve
essa estratégia governamental a seguir:

A implantação dos sistemas virtuais se apresenta como um meio para


que a Administração Pública consiga cumprir os preceitos encartados
na Carta Magna, em especial o princípio da eficiência administrativa,
a celeridade processual, o acesso aos órgãos públicos, publicidade dos
atos administrativos e fiscalização destes pela sociedade, todos eles
como corolário do exercício da cidadania (CAVALCANTE, 2014, p.
20).

Um outro avanço da utilização desta plataforma foi o entendimento da


produção científica no país pelo CNS e CONEP, pois através dela é possível fazer
o levantamento apurado sobre as instituições proponentes, número de pesquisas
aprovadas e em andamento, dados que estão disponíveis para a consulta
de qualquer cidadão, ou seja, além da Plataforma Brasil ser um instrumento
que permite a comunicação de pesquisadores e o CEP além da disponibiliza
as informações sobre a produção científica no âmbito nacional (ARAÚJO;
FRANCISCO, 2016).

Algumas fases compõem o processo de tramitação de projetos dentro dos


comitês de ética. É essencial o conhecimento delas pelos pesquisadores, evitando
retrabalhos e angústias pela demora na liberação do projeto para a fase de coleta
de dados.

48
TÓPICO 4 | PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

FIGURA 3 – PROCESSO DE TRAMITAÇÃO DE PROCESSOS NO COMITÊ DE ÉTICA

FONTE: <https://www2.faccat.br/portal/sites/default/files/Relat%C3%B3rio%20CEP%20
FACCAT%202017.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2020.

O termo protocolo de pesquisa é utilizado para denominar o conjunto


de documentos, incluindo o projeto que submete uma pesquisa à apreciação
do sistema CEP/CONEP. Para o envio do protocolo de pesquisa, é necessário
o cadastro do pesquisador responsável na Plataforma Brasil e são exigidos
requisitos básicos como descrito na Norma Operacional 001/2013 (BRASIL, 2013):

• Folha de rosto: documento gerado dentro da plataforma que deve ser


preenchido, datado e assinado pelo responsável maior pela instituição de
ensino e o pesquisador. ATENÇÃO: todos os dados desse documento devem
estar idênticos aos que estão descritos no projeto de pesquisa.
• Declaração de compromisso do pesquisador responsável assinada: nesta
declaração, o pesquisador se compromete de anexar os resultados na
Plataforma.
• Garantia de que os benefícios resultantes do projeto retornem aos participantes
da pesquisa, seja em termos de retorno social, acesso aos procedimentos,
produtos ou agentes da pesquisa.
• Orçamento: detalhamento das fontes de recursos e seu destino; caso aplicável,
o valor de remuneração do pesquisador e ressarcimento de despesas ocasionais
dos participantes.
• Cronograma: detalhando o período previsto para a realização de cada etapa da
pesquisa.
• Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE): incluir as circunstâncias
que será obtido o consentimento. A dispensa do uso do termo deverá ser
justificada.
• Demonstrativo de infraestrutura necessária para que o estudo possa ser
desenvolvido, com um documento no qual a instituição a ser pesquisada
autorize a realização do estudo.
• Projeto original na íntegra.
49
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

O projeto de pesquisa é um instrumento essencial para que o Comitê de


Ética em Pesquisa analise a proposta ética do pesquisador. Seus itens são variados
dependendo do perfil da pesquisa, porém todos devem conter basicamente:
tema, objeto de pesquisa, relevância social, objetivos, local de realização da
pesquisa, população, garantias éticas do participante, método, cronograma,
orçamento, critérios de inclusão e exclusão, riscos e benefícios aos participantes,
critérios de encerramento, garantia de divulgação de resultados, declarações de
responsabilidade e declaração da instituição afirmando a ciência sobre o estudo
(BRASIL, 2013).

E
IMPORTANT

Para os casos de usuários com grau de escolaridade “Superior Incompleto”,


estes, no momento da submissão dos projetos de pesquisa, não estão aptos a serem
Pesquisadores Responsáveis na Plataforma. Dessa forma, os projetos devem ser submetidos
via Orientador/ Professor que será o pesquisador responsável pela pesquisa, enquanto o
aluno é incluído como Assistente de pesquisa.

50
TÓPICO 4 | PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

LEITURA COMPLEMENTAR

O CASO TUSKEGEE: QUANDO A CIÊNCIA SE TORNA ETICAMENTE


INADEQUADA

O caso Tuskegee tem sido objeto de divulgação e reflexão nestes últimos


anos. Analisar um projeto de pesquisa feito no passado (1932) merece alguns
cuidados. O primeiro e mais o importante deles é o de manter a adequação
dentro dos parâmetros então utilizados e não cair na tentação de utilizar reflexões
posteriores como base para o julgamento. É fundamental utilizar os critérios
contemporâneos para criticar e prevenir outras situações semelhantes.

Desde o final do século XIX, inúmeras tentativas de regulamentação das


atividades científicas vêm sendo feitas. Em 2 de março de 1900, o senador norte-
americano Jacob H. Gallinger, do partido Republicano, propôs ao Senado dos
Estados Unidos uma lei regulamentando os experimentos científicos em seres
humanos. Esta proposta não foi aceita. Mas é o primeiro documento que estabelece
regras claras para a realização de pesquisas em seres humanos.

A pesquisa, segundo esta proposta, somente poderia ser realizada por


profissionais habilitados, os bebês, crianças, adolescentes, gestantes, nutrizes,
velhos e doentes mentais não seriam elegíveis para pesquisas, os sujeitos de
pesquisa deveriam ter mais de vinte anos de idade e estarem em plena capacidade
para tomarem decisões. Uma semana antes da execução do experimento, o
pesquisador deveria encaminhar a uma comissão do Distrito de Columbia,
para licenciamento, os objetivos e os métodos do projeto, acompanhados de
uma permissão, por escrito, dos participantes, assinadas na presença de duas
testemunhas e autenticada em um notariado. A comissão avaliaria os riscos
envolvidos, a idade, a capacidade e o conhecimento que as pessoas envolvidas
tinham dos procedimentos e o seu desejo em participar, para então licenciarem
o experimento. Nenhum experimento teria continuidade contra a vontade de
seus participantes. A comissão exigiria a entrega de relatórios sobre os métodos
empregados e os resultados obtidos nos experimentos efetivamente realizados.
Vale salientar que todas as intercorrências imprevistas deveriam ser relatadas de
forma imediata e detalhada.

De 1932 a 1972, o Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América


realizou uma pesquisa, cujo projeto escrito nunca foi localizado, que envolveu 600
homens negros, sendo 399 com sífilis e 201 sem a doença, da cidade de Macon,
no estado do Alabama. O objetivo do Estudo Tuskegee, nome do centro de saúde
onde foi realizado, era observar a evolução da doença, livre de tratamento. Vale
relembrar que, em 1929, já havia sido publicado um estudo, realizado na Noruega,
a partir de dados históricos, relatando mais de 2000 casos de sífilis não tratados.

51
UNIDADE 1 | BIOÉTICA NO EXERCÍCIO PROFISSIONAL

Não foi dito aos participantes do estudo de Tuskegee que eles tinham
sífilis, nem dos efeitos desta patologia. O diagnóstico dado era de “sangue ruim”.
Esta denominação era a mesma utilizada pelos eugenistas norte-americanos, no
final da década de 1920, para justificar a esterilização de pessoas portadoras de
deficiências.

A contrapartida pela participação no projeto era o acompanhamento


médico, uma refeição quente no dia dos exames e o pagamento das despesas com
o funeral. Durante o projeto foram dados, também, alguns prêmios em dinheiro
pela participação. A inadequação inicial do estudo não foi a de não tratar, pois
não havia uma terapêutica comprovada para sífilis naquela época. A inadequação
foi omitir o diagnóstico conhecido e o prognóstico esperado.

A partir da década de 1950 já havia terapêutica estabelecida para o


tratamento de sífilis, mesmo assim, todos os indivíduos incluídos no estudo
foram mantidos sem tratamento. Todas as instituições de saúde dos EEUU
receberam uma lista com o nome dos participantes com o objetivo de evitar
que qualquer um deles, mesmo em outra localidade, recebesse tratamento. A
inadequação do estudo foi seguindo o padrão conhecido como "slippery slope",
isto é, uma inadequação leva a outra e o problema vai se agravando de forma
crescente. Da omissão do diagnóstico se evoluiu para o não tratamento, e deste
para o impedimento de qualquer possibilidade de ajuda aos participantes.

Nesta época, início da década de 1950, já havia sido proclamado o Código


de Nuremberg, que estabelecia as primeiras diretrizes éticas internacionais para a
pesquisa em seres humanos. Vale lembrar que o Código de Nuremberg foi escrito
por norte-americanos e é parte da sentença do Tribunal de Nuremberg II, que na
realidade era uma corte militar composta apenas por juízes norte-americanos.
A Associação Médica Americana (AMA) também já tinha publicado algumas
normas no sentido de proteger as pessoas envolvidas em pesquisas.

Os resultados parciais do estudo foram aceitos para apresentação


em congressos científicos e não mereceram qualquer restrição por parte da
comunidade científica.

Em 1969, a imprensa noticiou a confirmação de que já tinham ocorrido 28


mortes no estudo. O historiador James H. Jones, tomou contato, por acaso, com
documentos relativos ao experimento também em 1969, mas pensou que este já
havia sido descontinuado. Somente quando a repórter Jean Heller, da Associated
Press, publicou no New York Times, em 26/7/1972, uma matéria denunciando
este projeto, que houve uma forte repercussão social e política sobre o mesmo.
Após 40 anos de acompanhamento dos participantes, ao término do projeto,
somente 74 sobreviveram. Mais de 100 participantes morreram de sífilis ou de
complicações da doença. A instituição responsável pela condução do projeto, nas
suas últimas etapas, foi o Centro de Controle de Doenças (CDC) de Atlanta.

52
TÓPICO 4 | PESQUISA ENVOLVENDO SERES HUMANOS

Em 1997 existiam apenas oito pessoas ainda vivas. O  governo norte-


americano decidiu fazer um pedido de desculpas formais a todos os que foram
enganados durante o experimento de Tuskegee.

Muitas vezes, para exemplificar a inadequação de projetos de pesquisa,


são utilizados os experimentos realizados em campos de concentração durante a
Segunda Guerra Mundial. Estes exemplos não são bons, pois na maioria das vezes
não pesquisas propriamente ditas, são aberrações pseudamente científicas. O caso
Tuskegee é paradigmático pois foi elaborado por pesquisadores supostamente
preparados e com supervisão e respaldo de organismos governamentais. Mesmo
que tendo alguma relevância inicial, este estudo teve sua maior inadequação ao
não se confrontar frente aos novos conhecimentos que foram sendo gerados ao
longo do tempo. A não reação de editores, comissões científicas de seleção de
trabalhos em congressos, e comunidade científica em geral também pode ser
responsabilizada e questionada. Somente com a indignação social é que o rumo
da adequação ética e metodológica foi novamente encontrado. Esta é talvez a sua
maior lição, da importância do acompanhamento sistemático pela comunidade
dos projetos de pesquisa que estão sendo realizados.

FONTE: GOLDIM, J. R. O Caso Tuskegee: quando a ciência se torna eticamente


inadequada. 1999. Disponível em: https://www.ufrgs.br/bioetica/tueke2.htm. Acesso em: 6 nov.
2019.

53
RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• A preservação da integridade física, moral e social dos participantes é fator


primordial à pesquisa com seres humanos.

• A Regulamentação 466/2012 é a legislação que normatiza as pesquisas com


seres humanos no Brasil, além da ação do sistema CEP/CONEP.

• Para que ocorra o respeito ao princípio de autonomia da pessoa, o pesquisador


deve solicitar o consentimento livre e esclarecido do indivíduo elegível via
TCLE.

• O pesquisador que deseja submeter um projeto de pesquisa para aprovação do


comitê de ética deve submetê-lo via plataforma Brasil.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar tua compreensão. Acesse o QR Code, que te levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

54
AUTOATIVIDADE

1 A partir das recomendações de construção e aplicação de Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido, simule uma estratégia de convite e
explicação do conteúdo do documento para uma comunidade ribeirinha
com baixa instrução.

2 Com relação à prática da pesquisa com seres humanos no Brasil, assinale a


alternativa CORRETA.

a) ( ) No Brasil, as pesquisas bioéticas normalmente são desenvolvidas por


docentes médicos em hospitais.
b) ( ) Na pesquisa qualitativa não necessariamente o sigilo sobre a fala dos
indivíduos é obrigatório, pois quando todos os participantes têm as mesmas
considerações sobre um determinado assunto não haverá comprometimento
ético.
c) ( ) A Declaração de Helsinque e Relatório de Belmont são documentos que
norteiam até hoje a prática da bioética. Ao orientar a criação de órgãos de
controle de pesquisas com seres humanos, elas sugerem que os Comitês de
Éticas em Pesquisa fossem fundidos aos Comitês de Ética Profissional com
o intuito de otimizar os recursos e unificar o discurso.
d) ( ) Quando o status do protocolo de pesquisa submetido à Plataforma
Brasil indica “Não aprovado”, cabe ao pesquisador verificar as pendências e
correções solicitadas pelo CEP e anexar um novo arquivo com o documento
corrigido.
e) ( ) Após a submissão do protocolo de pesquisa na Plataforma Brasil, o
pesquisador responsável deve levar a via original da folha de rosto assinada
para o escritório do CEP.
f) ( ) Os alunos de graduação devem realizar o cadastro na Plataforma Brasil
para o devido acompanhamento do processo de análise dos trabalhos de
conclusão de curso no CEP, não tendo o risco de perder os prazos.
g) ( ) Quando não houver necessidade de aplicação do TCLE, o pesquisador
deve justificar sua ausência junto ao CEP.
h) ( ) O TCLE deve ser impresso, rubricado e assinado em quatro vias, que
devem ficar sob posse da instituição de ensino, do pesquisador responsável,
do aluno e do participante.

55
56
UNIDADE 2

BIOESTATÍSTICA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer os conceitos gerais da bioestatística;

• aplicar técnicas da bioestatística descritiva e inferencial na construção de


pesquisas;

• compreender informações dispostas em formato de tabela e gráficos;

• desenvolver habilidade de leitura crítica de artigos.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO À BIOESTATÍSTICA

TÓPICO 2 – BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

TÓPICO 3 – POPULAÇÕES E AMOSTRAGENS

TÓPICO 4 – ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

CHAMADA

Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em


frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás
melhor as informações.

57
58
UNIDADE 2
TÓPICO 1

INTRODUÇÃO À BIOESTATÍSTICA

1 INTRODUÇÃO
Desde os primórdios de nossa sociedade existe a necessidade de atribuir
grandezas a recursos existentes. Com base nisso, as operações estatísticas
primitivas mantinham sua atenção no conhecimento sobre a população por meio
de censos. O mais antigo registro sobre essa prática remonta do Egito Antigo há
3050 a.C., em que Heródoto necessitou inferir sobre a quantidade de recursos
humanos e econômicos para a construção das pirâmides (SANTOS, 2018).

Primitivamente, a estatística se detinha a compilar dados e gráficos,


porém, com o desenvolvimento da probabilidade e informática, ela ganhou o
status de ciência. A bioestatística debruça-se sobre as metodologias estatísticas
para descrição e análise de dados no campo das ciências biológicas de forma a
auxiliar as tomadas de decisão, entender a eficácia de tratamentos e relacionar
fatores de risco com o surgimento de doenças (SOARES; SIQUEIRA, 2002).

Existem diversos tipos de conhecimentos que nos ajudam a entender a


sociedade e o meio ambiente no qual vivemos, esses variados saberes não devem
ser diminuídos ou desprezados, pois eles são direcionados conforme os locais e
momentos de nossa história. Na trajetória profissional do profissional de saúde,
o conhecimento científico é primordial, pois se organiza de forma sistemática
para explicar fatos e acontecimentos por meio de um pensamento lógico que se
confirma através de análises passíveis de verificação (CORRÊA, 2008).

Em algum momento da sua vida você precisou fazer uma pesquisa na


internet, podemos pegar como exemplo a pergunta hipotética “como fazer
arroz?”, com base nessa dúvida, é possível levantar qual tipo de arroz tem maior
custo-benefício, valor nutricional do grão e as melhores receitas. A pesquisa
científica se desenha de forma semelhante, pois ela tem como base uma pergunta
ou hipótese que permite ao indivíduo responder questões que auxiliarão na
tomada de decisão no campo profissional (POLIT; BECK, 2019).

No que cerne à pesquisa científica, temos três tipos de abordagens:
qualitativa, quantitativa e quali-quantitativa. Por meio da compilação de ideias
contidas em discurso coletadas através de entrevistas ou questionários, as
pesquisas qualitativas se ocupam em compreender um cenário social, ou seja, há
uma análise subjetiva sobre os achados, que nem sempre podem ser generalizados,
mas servem de base para outras pesquisas (COSTA; COSTA, 2019).

59
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

Em contrapartida, a abordagem quantitativa explica uma determinada


realidade de forma objetiva, com o maior controle possível das variáveis. Os dados
numéricos, hipóteses e uso de estatística descritiva ou inferencial permitem que
os resultados possam ser generalizados desde que a amostra seja representativa.
As pesquisas quali-quanti, por sua vez, se iniciam por meio da utilização da
abordagem qualitativa, na qual as ideias ou proposições dos participantes geram
hipóteses a serem estatisticamente testadas (COSTA; COSTA, 2019).

Ao se pensar na construção de um estudo quantitativo, deve-se


considerar algumas etapas básicas, a começar pela definição do problema. Nesta
primeira fase, o pesquisador determina quais os objetivos desejam alcançar, qual
desafio deseja resolver e as informações que pretende gerar. Este momento é
determinante no planejamento metodológico, pois quando se tem de forma clara
qual o conhecimento que deseja gerar, o investigador determina assertivamente
quais dados deve levantar, além de utilizar a melhor forma de exposição dos
resultados (PINTO, 2019).

Em seguida, o pesquisador deve planejar os procedimentos metodológicos


básicos como as perguntas deverão ser feitas, cronograma, população, amostra e
as técnicas a serem aplicadas. Posteriormente, a coleta de dados deve ser realizada
de forma direta (fonte primária) ou indireta (banco de dados organizado por
outras pessoas) e os dados coletados primeiramente serão revisados de modo a
afastar a possibilidade de algum erro, além de serem tratados estatisticamente,
apresentados através de tabelas ou gráficos e analisados (PINTO, 2019).

ATENCAO

Uma pesquisa não deve ser classificada como quali-quantitativa quando


apresenta dados e números sobre uma determinada população, são itens básicos de uma
pesquisa quantitativa amostra representativa, hipótese e controle rigoroso das variáveis.

O profissional da área de saúde sempre utiliza algum grau de subjetividade


para tomar decisões frente aos desafios de sua prática, porém o conhecimento
objetivo e quantificado das informações é o que de fato solidifica seus argumentos
e concepções. Processos decisórios não devem excluir a estatística seja na beira
leito ou na gestão, um exemplo corriqueiro é o uso de indicadores de qualidade
que auxiliam nos processos de melhoria contínua e segurança do paciente
(JOAQUIM, 2012).

As pesquisas de caráter quantitativo usam como base a estatística.


Joaquim (2012) a define como a conferência de dados em um período de tempo
relacionada aos mais diversos tipos de seres e instituições:

60
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOESTATÍSTICA

A palavra ‘estatística’ quando aparece no plural refere-se a um


conjunto de informação numérica observada ao longo do tempo
(cronológica) ou relativa a um conjunto de entidades (transversal). As
entidades observadas são de natureza muito diversa, pois podem ser
pessoas, instituições, países etc. (JOAQUIM, 2012, p. 5).

O principal objetivo da análise estatística é entender os fenômenos, por meio


de dados, para a melhoria da realidade. Esse método pode levar a diversas linhas de
investigação, que de acordo com Silvestre (2007) podem ser resumidos em:

• Redução e sintetização de dados: quando os dados se apresentam de maneira


caótica e desorganizada não permite ao leitor um fácil entendimento sobre o
fenômeno em questão, deste modo, a estatística se preocupa em sintetizar as
informações sem a perda de fatos importantes do estudo.
• Inferência para outros conjuntos de dados: permite que seja feita a avaliação da
precisão das medidas do cenário estudado, com um grau de confiança sobre
as características levantadas de uma população. Se pegarmos como exemplo
o uso de uma determinada cobertura no tratamento de lesões de pele em um
paciente, a inferência poderia esclarecer se quando usado por um número
maior de dias ou em uma concentração maior este curativo propicia ou não
uma aceleração do processo de cicatrização, além da possibilidade de poder
comparar tratamentos diferentes dentro de um mesmo cenário.
• Identificação de relações entre conjunto de dados: um dos objetivos da
estatística é identificar se existem associações ou relações entre conjuntos de
dados, ou seja, permite que uma característica de um grupo consiga prever
características de outros. Existem dois tipos de relações, as relações descritivas,
onde é possível ter total certeza sobre a casualidade de um fenômeno, porém
sem necessariamente afirmar que esta característica é a causa de outra (ex.:
pacientes que fumam têm maior risco de doenças coronarianas, porém não
podemos afirmar que todas as pessoas que infartam fumam). Com um outro
enfoque as relações experimentais buscam entender a casualidade entre
duas características (ex.: uso de um curativo permite acelerar o processo de
cicatrização em relação a outra cobertura quando usados em lesões por pressão
estágio III).
• Redução da dimensão dos dados: normalmente os dados coletados descrevem
várias características de uma população, neste caso é possível fazer associações
ou correlações entre características de um mesmo elemento, permitindo que o
conhecimento de um atributo gere automaticamente entendimento sobre a outro.
• Classificação e discriminação: quando o estudo divide a amostra em grupos,
o investigador pode entender se é possível a introdução de um indivíduo no
grupo já estabelecido ou então conhecer quais características determinam
um elemento estar em um grupo ou em outro. De forma prática, podemos
exemplificar como dois grupos de alunos do curso de nutrição com notas
acima da média e abaixo da média. Uma pergunta pode ser qual característica
permitirá que um aluno esteja em um grupo ou outro (classificação - resultado
>= 7 ou resultado <7) e outra seria quais características mais importantes para
que ele esteja em um grupo (dispersão - uma pessoa que estuda e trabalha tem
menor rendimento).

61
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

• Agrupamento de dados: técnicas que permitem separar elementos em grupos


com base em suas características e de acordo com algum critério determinado
pelo pesquisador, compondo conjuntos homogêneos bem diferenciados entre
si.

Mais que entender os conceitos gerais sobre bioestatística, o profissional


de saúde deve conseguir relacionar esse conhecimento com a prática, além da sua
aplicabilidade na resolução de problemas que se apresentam no desenvolvimento
de suas funções.

2 BIOESTATÍSTICA E A PRÁTICA CLÍNICA


Durante a Idade Moderna, os ensaios clínicos tomaram força, apesar de
por vezes utilizarem afirmações como “parecia mais saudável”, porém, foi a
partir do Século XX que diversos órgãos, cientistas e profissionais começaram
a se preocupar com os rumos da pesquisa clínica, por acreditarem que entre os
desafios mais iminentes estavam o aumento da atuação de instituições públicas
na pesquisa clínica, as dificuldades de financiamento, capacitação adequada da
força de trabalho e o uso de tecnologias da informação (LOPES; HARRINGTON,
2015).

As pesquisas clínicas, conforme descrição da ANVISA (2019, s.p.),


“são estudos realizados com humanos para medir os parâmetros de segurança
e eficácia de novos medicamentos, sendo essencial para a chegada de novas
alternativas terapêuticas no mercado. Estes ensaios são divididos em fases I, II,
III e IV, de acordo com a quantidade de participantes e os objetivos específicos da
cada etapa”.

A bioestatística básica fornece confiança nos resultados de pesquisas


clínicas de forma a garantir que a implementação de fármacos ou tecnologias
serão de fato benéficas ao paciente. Com base nessa informação, entende-se que
os profissionais de saúde, no geral, ao ler qualquer estudo que modifica alguma
prática já usualmente realizada, devem estar atentos a possíveis incongruências
por meio da análise criteriosa dos métodos utilizados (RODRIGUES; LIMA;
BARBOSA, 2017).

TUROS
ESTUDOS FU

A prática baseada em evidências será abordada no Tópico 4 – Análise e


apresentação de dados.

62
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOESTATÍSTICA

Nos últimos anos, a área de saúde tem passado por transformações


profundas, e, dentre elas, está a demanda de uma prática calçada em pesquisas
científicas que auxiliem na tomada de decisão, ou seja, que seja ativo o uso de
práticas baseadas em evidências. Este perfil de assistência é caracterizado por
uso da melhor evidência encontrada pela ciência para a condução do trabalho, de
modo a beneficiar pacientes, famílias, outros profissionais da saúde e instituições
(POLIT; BECK, 2019).

3 ELEMENTOS DA BIOESTATÍSTICAS E NOÇÕES DE


PROBABILIDADE
Dados são os valores levantados após a medição das características de
uma população, porém, é importante entender que se a coleta destes for pobre ou
a técnica estatística inadequada, os resultados podem ser falsos e potencialmente
perigosos. Quando esse levantamento tem mais de uma característica (como
população que apresenta tipo de melanoma superficial e nodular), entende-se
que se trata de variáveis (GIGLIO, 2015).

Segundo Suchmacher e Geller (2019), as variáveis dividem-se em


qualitativas, que são aquelas em que não há atribuição de valores numéricos, e
quantitativas, que se apresentam por meio de valores numéricos.

• Variáveis qualitativas: são grupos de características mensuráveis que podem


ser contadas em números (valores inteiros), apresentadas sob a forma de
frequências ou porcentagens, mas não é possível estabelecer uma relação
numérica com as outras. Dividem-se em:
ᵒ Categóricas: também conhecidas como nominais, esta variável expressa
características que não podem ser ordenadas (estado civil, cor dos olhos,
sexo). No momento de atribuição de valor, deve-se utilizar uma ferramenta
adequada que pode ser mutuamente excludente (se um indivíduo é mulher,
ele não pode ser homem) ou não (fratura simples, cominutiva ou aberta).
ᵒ Ordinais: neste tipo de variável é possível um ordenamento, apesar de não
ser quantificável os intervalos entre os dados (satisfação com o atendimento:
muito satisfeito, satisfeito, indiferente, insatisfeito e muito insatisfeito).
• Variáveis quantitativas: representadas por meio de intervalos ou números,
sem lacunas entre os valores e passível de organização de forma crescente ou
decrescente.
ᵒ Discretas: representada por valores inteiros (episódios de convulsão ou
número de partos vaginais).
ᵒ Contínuas: permitem o fracionamento de valores, geralmente ligada a
procedimento de mensuração (peso: 65,200 kg).

O fenômeno probabilístico gera um resultado ou evento, o qual não é


possível antecipar e que mantém um padrão que pode ser previsível a longo
prazo, assim podemos inferir que a probabilidade se relaciona com o número de

63
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

eventos possíveis (como jogar uma moeda) e os eventos favoráveis (dar cara, por
exemplo). Matematicamente, podemos descrever essa equação como (VIEIRA,
2015):

Probabilidade de um evento = n° de eventos favoráveis


total de eventos possíveis

Nas leis naturais existem fenômenos determinísticos e fenômenos


probabilísticos, no primeiro podemos afirmar que os resultados serão sempre os
mesmos (quando se esquenta gelo ele derrete, se jogar uma pedra ela sempre
cai), não existe exceção. Já os fenômenos probabilísticos são aleatórios e não será
possível prever seus resultados, porém, após a observação de muitas ocorrências
do mesmo evento, é possível estimar a chance deste voltar a acontecer como no
caos do lançamento de dados (SILVA, 2018).

Na bioestatística, em especial, a probabilidade é amplamente usada, por


exemplo, para descobrir a probabilidade que alguém que fuma possa vir a ter
câncer de pulmão ou de uma criança herdar alguma doença dos pais, porém,
quando é necessário trabalhar com variáveis quantitativas contínuas, pois para as
outras basta atribuir probabilidades a valores individuais. Qual a chance de um
casal ter um menino ou uma menina? Resposta: ½ ou 50% (SILVA, 2013).

O Diagrama de Venn auxilia a análise de eventos probabilísticos. Ao


imaginarmos um espaço finito de possibilidades, onde A e B são os prováveis
eventos podem surgir as seguintes operações (RIBEIRO, 2010):

• União: em um evento de união, a ocorrência de A significa a ocorrência de B.


• Interseção: A e B compartilham alguns elementos.
• Exclusão: A e B são mutuamente exclusivos, quando um ocorre,
consequentemente o outro não. Não existem elementos em comum.

FIGURA 1 – DIAGRAMAS DE VENN

FONTE: Adaptado de Macedo (2013)

64
TÓPICO 1 | INTRODUÇÃO À BIOESTATÍSTICA

O teorema da multiplicação é usado na probabilidade e apresenta duas


regras: a primeira trata de eventos independentes, na qual a ocorrência de A não
impacta na ocorrência de B, como a ocorrência de hipertensão arterial e a ocorrência
de miopia, ou seja, um fato não anula o outro. Matematicamente falando, a
probabilidade de ocorrer A é um produto da multiplicação da probabilidade de
ocorrer A vezes a probabilidade de ocorrer B (MORETTIN, 2013).

ŶŶŶℵ

A regra n° 2, por sua vez, trata dos eventos dependentes, onde a ocorrência
de A impacta diretamente na ocorrência de B (probabilidade condicional), como
uma pessoa imunizada tem uma menor probabilidade de ter uma doença. Esse
valor é calculado com a expressão (MORETTIN, 2013):

Ŷ
Ŷ
Ŷ

Exemplo: em um hospital existem três enfermarias reservadas para


clínica médica, a ENF A atente 30% dos pacientes, a ENF B 45% e a ENF C 25%.
Em cada uma delas foi levantada a taxa de lesão por pressão de 1%, 2% e 3%,
respectivamente. Qual a probabilidade de surgir uma nova lesão?

• Utilizando a primeira regra, temos a probabilidade de ter uma nova lesão com
base no cálculo:

P(A)= P(ENF A) X P(ENF B)X P(ENF C)


P (A)= (0,3x0,01) x (0,45 x 0,02) x (0,25 x 0,03) = 0,0157 ou 1,57% de probabilidade
de surgir uma nova lesão independente da enfermaria.

• Para descobrir a probabilidade de surgir uma lesão na ENF B, seguimos o


cálculo da segunda regra:

P(ENF B)= [P(ENF B) X P(A ENF B) = (0,45 X 0,02) = 0,57 ou 57%


P(A) 0,0157

O estudo da bioestatística permite que o profissional se destaque dentro


do seu ambiente de trabalho, pois auxilia na tomada de decisão de forma
assertiva, seja a sua realidade o serviço público ou privado. Para o uso adequado
da disciplina é necessário que o indivíduo entenda quais perguntas deseja obter
de um grupo de dados e aplicar a técnica que melhor se adéqua àquela situação.
Nos tópicos a seguir, você aprofundará os estudos por meios de exemplos
práticos, visando simplificar o entendimento de conceitos que por vezes parecem
abstratos.

65
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A bioestatística estuda as metodologias estatísticas para descrição e análise


de dados no campo das ciências biológicas de forma a auxiliar as tomadas de
decisão, entender a eficácia de tratamentos e relacionar fatores de risco com o
surgimento de doenças.

• As pesquisas quantitativas permitem que os resultados sejam generalizados


para a população e segue etapas criteriosas que vão desde a definição de
hipótese até a apresentação e análise de dados.

• Existem diversas linhas investigativas que podem ser traçadas pelo uso da
bioestatística: redução e sintetização de dados, inferência para outros conjuntos
de dados, identificação de relações entre conjuntos de dados, classificação e
discriminação e agrupamento de dados.

• As variáveis dividem-se em qualitativas (categóricas e ordinais), que são


aquelas onde não há atribuição de valores numéricos, e quantitativas (discretas
e contínuas), que se apresentam por meio de valores numéricos.

• O fenômeno probabilístico gera um resultado ou evento, o qual não é possível


antecipar e que mantém um padrão que pode ser previsível a longo prazo.

• A regra n° 1 da probabilidade fala sobre os eventos independentes, onde a


ocorrência de A não impacta na ocorrência de B, e a segunda regra trata dos
eventos dependentes, em que a ocorrência de A impacta diretamente na
ocorrência de B (probabilidade condicional).

66
AUTOATIVIDADE

1 Com base na temática estudada no Tópico 1, classifique V para as sentenças


VERDADEIRAS e F para as FALSAS:

( ) As técnicas que permitem separar elementos em grupos com base em


suas características e de acordo com algum critério determinado pelo
pesquisador são denominadas agrupamento de dados.
( ) As pesquisas quali-quantitativas se iniciam por meio da utilização da
abordagem quantitativa que testa hipóteses com base na estatística e
confirma os achados com base nas ideias ou proposições dos participantes.
( ) Existem diversos tipos de conhecimentos que nos ajudam a entender a
sociedade e o meio ambiente no qual vivemos, estes variados saberes
não devem ser diminuídos ou desprezados, pois eles são direcionados
conforme os locais e momentos de nossa história.
( ) Primitivamente, a estatística se detinha a compilar dados e gráficos e
analisar a probabilidade da ocorrência de dados.
( ) Processos decisórios não devem excluir a estatística seja na beira leito ou
na gestão, um exemplo corriqueiro é o uso de indicadores de qualidade
que auxiliam nos processos de melhoria contínua e segurança do paciente.

a) ( ) V – F – V – F – V.
b) ( ) V – V – V – F – V.
c) ( ) V – F – F – F – F.
d) ( ) F – V – F – V – F.

2 Ao início de um semestre, uma turma de acadêmicos de fonoaudiologia com


a população de 60 alunos, sendo 20 homens e 40 mulheres, o coordenador
do curso informa que um aluno será escolhido por sorteio para a vivência
de uma semana em um hospital universitário. Qual a probabilidade do
aluno sorteado ser do sexo masculino? E do sexo feminino?

67
68
UNIDADE 2 TÓPICO 2

BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E
INFERENCIAL
1 INTRODUÇÃO
Por mais que um processo decisório seja influenciado pelo entendimento
subjetivo, é inegável que os números e valores têm um peso importante neste
momento. Um estudo estatístico permite que um universo ou população seja
estudada por meio de características em comum e seu uso vai da pesquisa
científica até a escolha da roupa conforme a previsão do tempo (JOAQUIM, 2012).

A estatística classicamente se detinha ao caráter descritivo, de forma a


organizar e apresentar dados numéricos (estatística descritiva). Em contrapartida,
a estatística inferencial é caracterizada por conclusões lógicas de um raciocínio, ou
seja, ela apresenta técnicas que permitem ao indivíduo fazer indução ou inferência.
A escolha da abordagem e recorte de um estudo deverá ser determinado pelo
pesquisador conforme a hipótese que este deseja colocar à prova (SANTOS, 2018).

2 BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA
Conceitualmente, a bioestatística descritiva permite que várias medidas
provenientes de dados coletados sejam resumidas e compreendidas com maior
facilidade. Dentro desta modalidade, destacam-se as medidas de tendência
central que apresentam os dados de forma condensadas através de tabelas e
determinam um valor central que represente um conjunto de dados que varia
entre si (CALLEGARI-JACQUES, 2007). Vejamos algumas delas a seguir.

2.1 MÉDIA ARITMÉTICA


Quando se soma todos os valores compilados e se divide pelo número de
observações temos uma média aritmética, ou seja, ela é considerada o equilíbrio
de um conjunto de dados, além de ser a medida de tendência que usamos de
forma mais recorrente no dia a dia (VIEIRA, 2015).

Um enfermeiro de uma Unidade Básica de Saúde deseja descobrir se os


diabéticos residentes em sua área apresentavam um IMC dentro do ideal. Após
o levantamento foram encontrados os seguintes valores: 31, 23, 37, 25, 32, 19,
28, 22, 41 e 36, que, somados, totalizavam 294. Para descobrir a média de IMC
entre diabéticos, o profissional deverá dividir o valor desta soma pelo número de
pessoas avaliadas (10) resultando em 29,4.

69
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

IMC médio= (31+23+37+25+32+19+28+22+41+36) = 29,4


10

Nem sempre os dados necessários para obter a média são fechados, mas
podem estar descritos dentro de faixas. Nestes casos, a média aritmética será a
multiplicação do número de elementos dentro daquela faixa multiplicada pelo
ponto médio desta, que somadas a todas as outras, é dividida pelo total da
amostra. Para um melhor entendimento, leia o exemplo a seguir (PINTO, 2019).
Durante a coleta de dados de seu trabalho de conclusão de curso, um acadêmico
de fisioterapia levantou entre outros dados a média salarial dos participantes de
acordo com as seguintes faixas:

R$ 999,00 a R$ 1999,00 = 32 participantes  999+ 1999 = 2998 /2= 1499,00 (valor


central da faixa)
R$ 2000,00 a R$ 2999,00 = 23 participantes  2000+2999= 4999/2= 2499,5
R$ 3000,00 a R$ 3999,00 = 5 participantes  3000+3999= 6999/2= 3499,5
R$ 4000,00 a R$ 5000,00 = 2 participantes  4000+5000= 9000/2= 4500,00

Média salarial= (32 x 1499) + (23 x 2499,5) + (5 x 3499,5)+ (2x4500) = R$ 2128,29


62

2.2 MEDIANA
Quando estudamos sobre a média aritmética foi perceptível que os dados
não precisam estar necessariamente organizados para o seu cálculo, porém
o cálculo da mediana estabelece a posição central dos dados e, para isso, eles
têm que estar em ordem crescente ou decrescente. A mediana permite dividir a
amostra em dois grupos, que quando o número de elementos é ímpar o valor de
posição central é a mediana e no caso de conjunto de elementos pares é o valor
entre os dois números centrais (VIEIRA, 2015):

• Amostra ímpar: [1, 4, 10]  a mediana é o número 4, pois se trata de uma


quantidade de elementos ímpares e este número se encontra no meio da
ordenação.
• Amostra par: [1, 4, 8, 10]  nos casos onde a quantidade de elementos é par, a
média entre os números centrais (4 + 8/ 2) é o valor da mediana (6).

A mediana é a medida que melhor se adéqua a valores muito discrepantes,


pois no caso da média um único número muito alto ou muito baixo pode não
demonstrar a tendência central da amostra (BUENO, 2015).

70
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

2.3 MODA
Em um conjunto de dados ordenados, o valor que aparece com maior
frequência é chamado moda. É possível existir mais de uma moda, quando
números diferentes se repetem na mesma quantidade de vezes, bem como podem
existir situações em que não é possível determiná-la (PINTO, 2019).

Exemplo: em uma Unidade Básica de Saúde, o enfermeiro decidiu levantar


o peso ao nascer dos recém-nascidos. Foram encontrados os seguintes resultados:
[2,5 kg, 3 kg, 3 kg, 3 kg, 3 kg, 3,2 kg, 3,5 kg, 3,5 kg, 3,9 kg, 4 kg], que levaram o
profissional a concluir que a moda do peso ao nascer dos bebês é 3 kg (aparece
quatro vezes na amostra).

A análise isolada das medidas de frequência central pode permitir que


passem despercebidas informações importantes sobre a população estudada.
A obliquidade ou assimetria permite que seja possível medir a distribuição de
dados de uma frequência ao comparar a média mediana e moda. Quando a moda
é menor que a mediana e a média, como na Figura 2, é possível perceber que a
curva do gráfico é assimétrica, entretanto na Figura 3, onde a média, mediana e
moda estão em equilíbrio existe simetria no gráfico (BUENO, 2015).

FIGURA 2 – ASSIMETRIA DE UM CONJUNTO DE DADOS

FONTE: Bueno (2015, s.p.)

FIGURA 2 – ASSIMETRIA DE UM CONJUNTO DE DADOS

FONTE: Bueno (2015, s.p.)

71
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

Exemplo: ao investigar a efetividade de um determinado fármaco para a


melhoria da qualidade de vida de portadores de Doença Pulmonar Obstrutiva
Crônica (DPOC), um pesquisador levantou as idades referentes a sua amostra
conforme a descrição a seguir:

Grupo A Grupo B Grupo C


Idade Qtda Idade Qtda Idade Qtda
20 -- 30 6 20 -- 30 6 20 -- 30 6
30 -- 40 12 30 -- 40 12 30 -- 40 30
40 -- 50 24 40 -- 50 24 40 -- 50 24
50 -- 60 12 50 -- 60 30 50 -- 60 12
60 -- 70 6 60 -- 70 6 60 -- 70 6

A medida de assimetria (As) é encontrada por meio da subtração da


média aritmética em relação à moda, e quando seu resultado é igual a zero o
grupo apresenta simetria, menor que zero se entende como assimetria negativa
(à esquerda) e maior que zero assimetria positiva (à direita). A seguir, temos os
valores referentes à amostra da pesquisa sobre DPOC:

Grupo A:
Média = 45 anos
Mediana = 45 anos
Moda = 45 anos
As = 45-45 = 0 (distribuição simétrica)

Grupo B:
Média = 47,3 anos
Mediana = 34,12 anos
Moda = 55 anos
As= 47,30-55 = -7,69 (distribuição assimétrica negativa)

Grupo C:
Média = 42,69 anos
Mediana = 26,62 anos
Moda = 35 anos
As = 42,69-35 = 7,69 (distribuição assimétrica positiva)

2.4 VARIÂNCIA E COEFICIENTE DE VARIAÇÃO


Dentro das medidas de dispersão, encontramos a variância, que de forma
bem simplista pode ser descrita como uma grandeza que avalia o quanto os dados
estão dispersos em relação à média aritmética (FÁVERO; BELFIORE, 2017).

O coeficiente de variação é a fórmula pela qual é possível entender a


variação entre um grupo de dados. Quanto menor o seu valor entendemos que o
grupo é mais homogêneo, um resultado abaixo de 30% considera-se que os dados

72
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

estão próximos à média e acima disso o grupo é heterogêneo. Essa informação


permite ao investigador considerar se a média é a melhor medida de tendência
central para ser trabalhada (FÁVERO; BELFIORE, 2017).

2.5 TAXAS E PROPORÇÕES


A proporção pode ser descrita como uma razão entre dois números, na
qual o numerador está dentro do denominador, onde é possível ser expresso por
meio de número decimal, fração ou porcentagem (OLIVEIRA FILHO, 2015).

Ao avaliar o sexo dos estudantes de uma faculdade, a coordenadora do


curso verificou que em um total de 300 alunos, 240 eram do sexo feminino e 60 do
sexo masculino. O resultado dessa proporção pode ser descrito como:

240 = a cada 300 alunos que ingressam na faculdade 240 são do sexo feminino ou 0,8 ou 80%
300

O uso de taxa proporciona o entendimento sobre um determinado cenário


por meio de dados quantitativos de forma a operacionalizar um conceito. Essa
grandeza é medida por meio de uma razão que busca medir um evento em uma
população com base no tempo (diário, mensal, anual) e um fator multiplicador (10
ou seus múltiplos). Ao calcular uma taxa, devemos considerar que o numerador é
o número de elementos que tiveram um desfecho e o denominador é a população
que está exposta a esse desfecho.

DESIGUALDADE SOCIAL NAS TAXAS DE CESARIANA EM


PRIMÍPARAS NO RIO GRANDE DO SUL

RESUMO

[...]

OBJETIVO: Investigar o efeito das desigualdades sociais nas taxas de cesariana


em primíparas, com gravidez única e parto hospitalar.

MÉTODOS: Estudo realizado no Estado do Rio Grande do Sul em 1996, 1998


e 2000. Foram utilizados dados do Sistema de Informação de Nascidos Vivos
no cálculo das taxas anuais e das razões de chance de cesariana (RC) brutas e
ajustadas para condições sociais (escolaridade e idade maternas, etnia/cor da
pele e macrorregional de saúde), duração da gestação e número de consultas
pré-natal.

RESULTADOS: A taxa de cesarianas foi de 45%, e acima de 37% para todas


as macrorregionais. As taxas aumentaram entre: mulheres de etnia indígena
e negra, mulheres com mais de 30 anos, residentes nas macrorregiões

73
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

Metropolitana, Vales e Serra, e com mais de seis consultas no pré-natal.


Razões brutas e ajustadas indicaram taxas negativamente associadas para
todas as categorias de etnia/cor, quando comparadas à cor branca da pele
do recém-nascido, em especial para etnia indígena (RCaj=0,43; IC 95%: 0,31-
0,59), positivamente associadas à escolaridade (RCaj=3,52; IC 95%: 3,11-3,99) e
idade maternas mais elevadas (RCaj=6,87; IC 95%: 5,90-8,00), e maior número
de consultas pré-natal (RCaj=2,16; IC 95%: 1,99-2,35). Os efeitos de idade e
escolaridade mostraram estar parcialmente mediados pelo maior número de
consultas pré-natal nas mulheres com idade e escolaridade mais elevadas. As
taxas variaram entre as macrorregionais, sendo maiores na região da Serra,
economicamente mais rica.

CONCLUSÕES: Altas taxas de cesariana no sul do Brasil constituem problema


de saúde pública e estão associadas a fatores sociais, econômicos e culturais, os
quais podem levar ao mau-uso da tecnologia médica na atenção ao parto

FONTE: FREITAS, P. F. et al. Desigualdade social nas taxas de cesariana em primíparas no Rio
Grande do Sul. Revista de Saúde Pública, v. 39, p. 761-767, 2005.

No resumo do estudo realizado por Freitas et al. (2005) em uma população


de 14.224 primíparas de gravidez únicas com parto hospitalar (população exposta
ao desfecho), 44,9% fizeram cesariana, ou seja, de todas as mulheres primíparas
hospitalizadas no período do estudo, 6.387(população com o desfecho) não
tiveram parto natural.

2.6 DESVIO PADRÃO


Durante a construção de uma pesquisa ou na leitura de um estudo além
do uso de medidas de tendência central (média mediana e moda), um importante
instrumento para o entendimento e conclusão sobre os resultados é o desvio
padrão, pois ele permite entender o quanto os dados se afastam de uma média,
isto é, o quanto uma amostra é uniforme e que está mais próximo da média
(CALLEGARI-JACQUES, 2007).

A seguir temos a fórmula do desvio padrão, porém é importante ressaltar


que quanto menor o seu resultado temos uma amostra mais homogênea, ou seja,
se o desvio padrão é igual a zero não há variabilidade na amostra, enquanto
valores maiores demonstram uma maior variabilidade.

ŶŶ

74
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

Exemplo: um nutricionista da Unidade Básica de Saúde deseja descobrir


se os diabéticos residentes em sua área apresentavam um IMC dentro do ideal.
Após o levantamento foram encontrados os seguintes valores: 31, 23, 37, 25, 32,
19, 28, 22, 41 e 36.

• O primeiro passo é descobrir a média aritmética, que na questão acima é 29,4.


• Em seguida, cada um dos valores deve ser subtraído a média aritmética
individualmente e seu resultado elevado a segunda potência.

(31-29,4)2 = 2,56 (23-29,4)2 = 40,96 (37-29,4)2 = 57,76


(25-29,4)2 = 19,36 (32-29,4)2 = 6,76 (19-29,4)2 = 108,16
(28-29,4)2 = 1,96 (22-29,4)2 = 54,76 (41-29,4)2 = 134,56
(36-29,4)2 = 43,56

• Após todos os resultados devem ser somados e divididos pelo número de


elementos da amostra

2,56+40,96+57,76+19,36+6,76+108,16+1,96+54,76+134,56+43,56 = 470 =47


10 10

• Por fim, calculada a raiz quadrada, surge o desvio padrão.

DP= √47 = 6,85

De forma prática, o que significa este resultado? Bem, no exemplo anterior


podemos dizer que a média dos dados têm do ± 6,85 pontos em relação a média
(29,4), ou seja, os dados estão mais ou menos entre 22,5 e 36,25. O cálculo mostrado
também pode ser obtido em calculadoras ou no próprio programa Excel (função:
DESVPAD.A[intervalo de dados]).

3 ESTATÍSTICA INFERENCIAL
A inferência estatística permite que tiremos conclusões a respeito de
uma população com base em estudos realizados com amostras escolhidas
aleatoriamente. Qualquer pesquisa que trabalhe apenas uma parte da população
não é totalmente exata, mas se aproxima o máximo possível com o cálculo da
margem de erros (REIS et al., 2015).

3.1 MEDIDAS DE DISPERSÃO


De modo geral, o cálculo da média, mediana e moda resumem de
forma bem suscinta um conjunto de dados, porém alguns estudos necessitam
de um aprofundamento e um desenho melhor delimitado da narrativa que o

75
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

pesquisador deseja expressar. Imagine um serviço de emergência no qual os


gestores desejam entender a demanda de clientes que procuram um hospital para
atendimento. Dados como a média de atendimentos ou de classificações de risco
podem auxiliar, porém elas, de maneira geral, não fornecem dados sobre quais
os horários e dias nos quais a unidade tem aumento ou diminuição da demanda
(VIEIRA, 2015).

• Amplitude: a amplitude é uma medida de dispersão que traduz de maneira


mais efetiva a variabilidade de uma população. Seu resultado pode ser
encontrado pela subtração do maior valor de dados pelo menor valor. Existem
dois pontos negativos que por vezes restringem a utilização da amplitude que é
o uso de apenas valores extremos (máximo e mínimo sem intermediários), isto
é, não é muito adequada para grupos muito discrepantes. Quando utilizada
com amostras pode não dar um real retrato da população, pois nem sempre
na amostra estarão contidos os valores máximos e mínimos da população
(CALLEGARI-JACQUES, 2007).

Ao avaliar o número de classificações de risco no decorrer de 24h em um


serviço de emergência, o coordenador da unidade chegou aos seguintes dados:

00h - 30 01h - 05 02h - 08 03h - 5 04h -10 05h -19


06h - 45 07h - 47 8h - 58 9h - 89 10h - 58 11h - 71
12h - 104 13h - 85 14h - 45 15h - 43 16h - 51 17h - 70
18h - 150 19h - 95 20h - 92 21h - 54 22h - 39 23h - 23

Para encontrar a amplitude de variação, o coordenador deverá subtrair o


maior valor da amostra (150) pelo menor (23), chegando ao resultado de 127. Com
base na ideia de quanto maior a amplitude, maior a variação de um grupo, no
exemplo citado anteriormente, podemos inferir que existe uma alta variabilidade
de dados na amostra estudada.

3.2 CORRELAÇÃO
Não é incomum percebermos a relação de causa e efeito entre duas
grandezas, como: tabagismo e câncer de pulmão, tempo elevado de uso de
intubação orotraqueal e a ocorrência de traqueomalácia ou então o diâmetro da
cintura abdominal e o risco cardiovascular. A partir dessa ideia, podemos afirmar
que duas grandezas têm correlação quando o aumento ou decréscimo de uma
(variável independente) tem impacto direto no aumento ou decréscimo da outra
(variável dependente) (SILVA, 2018).

O coeficiente de correlação de Pearson (p de Pearson) determina o grau de


relação entre duas variáveis numéricas, seu cálculo pode ser melhor explorado no
exemplo a seguir.

76
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

Em um conjunto A temos duas variáveis (X e Y) das quais desejamos saber


se existe alguma correlação. Vide a tabela a seguir com tamanho amostral de dez
elementos (VIEIRA, 2015).

TABELA 1 – CONJUNTO A DISTRIBUIÇÃO DE VARIÁVEIS X E Y

CONJUNTO A
X Y XY X² Y²
1 2 2 1 4
2 0 0 4 0
3 6 18 9 36
4 3 12 16 9
5 9 45 25 81
6 4 24 36 16
7 10 70 49 100
8 8 64 64 64
9 12 108 81 144
10 8 80 100 64
55 62 423 385 518
FONTE: Adaptado de Vieira (2015)

A fórmula do coeficiente de Pearson é:


ℵŶ

ℵ ℵ ℵ
ℵℵ ℵ ℵ
ℵℵ ℵ
ℵ ℵ ℵ

ℵ ℵ

Que traduzindo fica:

(somas de X multiplicado por Y) – (total de X vezes total de Y)


Número de elementos

√ [Soma de X² - Soma de X²] [Soma de Y² - Soma de Y²]


Elementos Elementos
423 – 55x62
10

√[385 - 55²] [518- 62²]


10 10 p= 0,781 (correlação positiva)
77
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

E
IMPORTANT

Interpretação do coeficiente de correlação de Pearson:


p= 1: correlação perfeita positiva (à medida que uma variável aumenta e a outra aumenta)
p= -1: correlação perfeita negativa (à medida que uma variável aumenta e a outra diminui)
p= 0: correlação nula (o aumento ou diminuição de uma variável não impacta na outra)
0< p <1: correlação positiva
-1< p <0: correlação negativa

A intensidade de uma correlação pode ser classificada como forte


moderada ou fraca, a qual determina o quanto uma variável influencia a outra.
Um ponto importante é o entendimento que em alguns casos o coeficiente de
correlação explica o contexto entre duas variáveis, porém podem existir diversas
variáveis que influenciam sobre outra. A higienização das mãos tem correlação
com a redução das taxas de infecção de corrente sanguínea, porém a desinfecção
de circuitos e a preparação asséptica da medicação também estão relacionadas à
diminuição dos efeitos negativos obtidos (BUENO, 2015).

O entendimento sobre a correlação matemática de variáveis pode ser


aplicado das mais diversas maneiras, desde os algoritmos em redes sociais que,
com base nas informações que você mais acessa, customiza as sugestões de
consumo até as medidas profiláticas de uma doença com base nos fatores de risco
associados (SILVA, 2018).

3.3 INTERVALO DE CONFIANÇA E MARGEM DE ERRO


Quando um estudo se propõe a inferir algo sobre uma população com base
em dados amostrais, independente do parâmetro adotado, seja ele proporção ou
média, deve-se estimar um intervalo entre dois números onde o valor preciso a
respeito da população estará contido (afinal este só poderia ser descoberto com
o estudo de toda a população, o que geralmente é inviável). Este espaço onde o
valor exato está contido é chamado de intervalo de confiança (OLIVEIRA FILHO,
2015).

Para melhorar o entendimento do conceito, podemos considerar que um


estudo que objetiva conhecer a idade média de mulheres que tiveram depressão
pós-parto. Acreditando que o investigador levantou uma amostra representativa
e encontrou a média de 35 anos, podemos inferir que este resultado é aproximado
da média de idade real da população. Existe um intervalo numérico no qual o
valor exato da média populacional estará incluso, o que chamamos de intervalo
de confiança.

78
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

Ao conhecermos a porcentagem de um fenômeno em uma amostra não


garante que este se repetirá na população, para isso, os estatísticos geralmente
aceitam um intervalo de 95% de confiança, o que significa uma probabilidade de
95% de obter com base na amostra o intervalo que estará contido a variável na
população (VIEIRA, 2015).

3.4 INTERVALO DE CONFIANÇA PARA PROPORÇÕES


O médico do controle de infecção levanta aleatoriamente uma amostra
representativa das cirurgias limpas do mês para investigação da taxa de
infecção de sítio cirúrgico (ISC). Neste caso só existem dois desfechos para os
pacientes de pós-operatório, ter ou não infecção. Hipoteticamente, em uma
amostra de 100 pacientes, 25 apresentaram ISC (0,25 da amostra), porém existe
uma variabilidade dos pacientes que passaram por cirurgia (topografia, técnica
cirúrgica, processamento de materiais etc.) e o médico deseja saber se o valor
encontrado é aplicável à população. Para o cálculo do intervalo de confiança de
95%, utilizamos a fórmula a seguir:

Ŷ
ŶŶ

p= proporção de elementos com desfecho


q= 1-p
n= amostra

0,25±1,96√0,25 x 0,75 = 0,25±1,96 x 0,043= 0,25±0,084


100

O intervalo de confiança da pesquisa anterior está entre (0,25-0,084=0,16) e


(0,25+0,084=0,33), ou seja, a população submetida a cirurgias limpas deste hospital
teve a taxa de infecções entre 16% e 33%.

Algumas condições devem estar claras para o pesquisador sobre este


resultado: é obrigatório que a amostra seja representativa, caso contrário os
valores estimados não traduzem a realidade da população, as observações devem
ocorrer de forma independente e, por último, que o intervalo pode conter ou não
o parâmetro da população (AGRESTI; FINLAY, 2012).

Intervalo de confiança para média: em um trabalho sobre a pressão


sistólica de uma amostra de 69 pacientes, um pesquisador chegou à média de 149
mmHg e desvio padrão de 18 mmHg. Com um nível de confiança de 95%, qual o
intervalo de confiança que será encontrado (SILVA, 2013)?

ℵŶ ŶŶ

79
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

y = nível de confiança (95%)


σ = desvio padrão
Z(0,5+0,95 / 2) x (18/ √69) = 4,2472

Arredondando o valor para 4, IC=[149-4, 149+4] = [145,153]. O intervalo de


confiança para essa amostra está entre 145 mmHg e 153, com 95% de probabilidade.

A margem de erro está diretamente relacionada ao tamanho amostral e


ao nível de confiança escolhido, pois é determinado pela amplitude do intervalo
de confiança e à medida que a amostra aumenta, a margem de erro diminui. No
exemplo do médico do controle de infecção, a margem de erro é igual a 0,17 ou
17% (0,33-0,16) (VIEIRA, 2015).

3.5 INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA


Ainda no âmbito das taxas e proporções, duas ferramentas para a medida
de doenças ou eventos em uma população são a incidência e a prevalência,
pois permitem a comparação entre populações diferentes, podem utilizar
como unidade pessoa-tempo e permitem ajustes conforme a frequência do
fenômeno a ser estudado (doenças raras podem usar o denominador de 1000)
(SUCHMACHER; GELLER; 2019).

A incidência é uma medida dinâmica que levanta os casos novos de um


determinado fenômeno dentro de um intervalo de tempo. No levantamento
de incidentes é importante saber quem não estava doente no início do
acompanhamento e que no seu decorrer adoeceu, assim é primordial que cada
pessoa seja avaliada no mínimo duas vezes, ou pelo menos que o investigador
saiba quando o indivíduo foi diagnosticado. Para seu cálculo, é necessário dividir
o número de casos novos dentro de um período (dia, semana, meses, anos etc.)
pelo número de elementos exposto ao risco no mesmo tempo. O resultado deve
ser multiplicado por uma constante (100, 1000, 10000, etc.) (D’ORSI; REIBNITZ
JÚNIOR; BOING, 2012).

INCIDÊNCIA = N° de casos novos no período x constante (qualquer múltiplo de 10)


N° de indivíduos expostos no mesmo período

Apesar de a incidência ser uma excelente medida para estudar epidemias


e surtos pelo fato de contar todos os casos novos, porém nem sempre é possível
determinar o exato momento que uma pessoa se tornou um novo caso e por
quanto tempo ela se manteve sob esta condição. Quando é necessário entender
o risco de uma pessoa adoecer em uma população em um período utilizamos a
incidência cumulativa, enquanto a taxa de incidência expressa o aparecimento da
doença na população (SUCHMACHER; GELLER; 2019).

80
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

Exemplo: em uma pesquisa sobre as condições sanitárias de uma pequena


cidade no oeste catarinense, a secretaria municipal de saúde desejava levantar a
taxa de incidência e a incidência cumulativa de desidratação por diarreia aguda
em menores de dois anos no período de três meses. Levando em consideração que
ocorreram 100 casos novos (15 no primeiro mês, 35 no segundo e 50 no terceiro)
em uma população de 850 crianças.

Incidência cumulativa: casos novos = 100 = 0,1176 em 3 meses


População 850

Com esse resultado entende-se que cada criança dentro de um período de


três meses teve o risco de 11,76% de apresentar diarreia aguda.

Taxa de Incidência = 15+35+50 (casos em cada um dos 3 meses)


850 x 3 (foram acompanhadas as mesmas 850 crianças em cada mês)
Taxa de incidência= 100 = 0,03921 casos /pessoa mês
2550

Outra forma de descrever esse resultado é multiplicando o valor obtido


por 100 (pode ser qualquer múltiplo de 10, mas, como neste exemplo a população
é pequena, usaremos 100), resultando em três casos de diarreia a cada 100 pessoas
por mês.

Prevalência pontual é uma razão que descreve a proporção de uma


população portadora de uma patologia dentro de um determinado ponto no
tempo, ou seja, ela mede de forma estática a ocorrência de uma doença. Sua
aplicação está diretamente ligada ao planejamento e gerenciamento de serviços de
saúde, enquanto a prevalência lápsica ou por período explora casos que estavam
em qualquer momento dentro de um período (OLIVEIRA FILHO, 2015).

PREVALÊNCIA PONTUAL = N° de casos de uma doença em um intervalo de tempo


Número de indivíduos na população em um ponto específico do tempo

PREVALÊNCIA LÁPSICA = N° de casos de uma doença em um ponto específico de tempo


Número de indivíduos na população no ponto médio de um intervalo de tempo

Exemplo: para uma melhor compreensão sobre o cálculo de prevalência


pontual e por período, podemos usar de base o exemplo anterior, porém
considerando que ao início do acompanhamento havia 30 casos de diarreia na
população pesquisada. Seguindo o raciocínio do exemplo anterior, a prevalência
pontual no primeiro mês pode ser calculada da seguinte forma:

Prevalência Pontual = 30+15 = 0,05 ou 5:100 crianças com diarreia aguda (a cada 100, 5 tiveram diarreia)
850

81
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

Ao imaginarmos que mais crianças nasceram neste período e a população


aumentou para 920 indivíduos, a prevalência por período em três meses pode ser
encontrada por meio do seguinte raciocínio matemático:

Prevalência por período= Total de casos em 3 meses


Média da população em 3 meses

Prevalência por período= 30+15+35+50 = 130 = 0,1468 ou 14:100


(850+920) /2 885

Por fim, podemos entender que a incidência descreve os novos casos de


uma doença de forma mais estática, pois não considera o aumento e diminuição
de uma população, enquanto a prevalência explica o quanto uma população
esteve doente em um determinado período de tempo, considerando as curas e
óbitos. A figura a seguir explica resumidamente estes conceitos:

FIGURA 4 – FATORES QUE INFLUENCIAM A PREVALÊNCIA DE UM AGRAVO À SAÚDE,


EXCLUINDO MIGRAÇÃO

FONTE: D’orsi, Reibnitz Júnior e Boing (2012, s.p.)

3.6 TESTE DE HIPÓTESE


Pesquisas científicas se iniciam quando um indivíduo observa a
ocorrência de um determinado fenômeno, e, em seguida, faz uma pergunta
sobre esse evento, traça uma hipótese com base nesta dúvida que vá explicar
ou correlacionar com outras variáveis sob condições controladas, surgindo então
uma conclusão. A grande diferença das ciências exatas para a área de saúde é

82
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

que a última dificilmente trará verdades determinísticas, como a garantia de que


em 100% dos usuários de uma medicação terão o mesmo resultado. Por conta
desta característica, a bioestatística trabalha normalmente com matemática
probabilística e as técnicas utilizadas serão determinadas pelo perfil da hipótese
e desenho do estudo (SUCHMACHER; GELLER; 2019).

Quando um investigador tem um palpite (hipótese) sobre uma população,


faz-se necessário validar os dados estimados para uma população, ou seja,
realizar um teste de hipótese ou significância. Por exemplo, ao desenvolver um
medicamento X para o tratamento de depressão, o pesquisador acredita que o
seu medicamento mostrará os efeitos positivos sobre os doentes mais rápido e
com menos efeitos adversos que as drogas convencionais. Para verificar se de
fato isso irá acontecer são criadas então duas hipóteses: hipótese nula (H0),
que considera que a medicação não mostrou diferença quando comparada com
outras, e a hipótese alternativa (H1), que o acredita que o medicamento x de fato
teve benefícios em relação ao tratamento tradicional (SILVA, 2018).

Como vimos anteriormente, sempre teremos duas hipóteses que irão se


contradizer e o objetivo do teste é provar se H1 é verdadeira ou não, de forma
que os resultados possam ser generalizados. Existem ainda dois classificações
de erros: erros do tipo I (descarta H0 quando essa é verdadeira) e erros do tipo
II (não rejeitar H0 quando é falsa). Podemos organizar as ideias sobre o teste de
amostras como no quadro a seguir (VIEIRA, 2015).

QUADRO 1 – TIPOS DE ERROS NO TESTE DE HIPÓTESE

SITUAÇÃO REAL
DECISÃO TOMADA
H0 é verdadeira H0 é falsa
Não rejeitar H0 Decisão correta Erro tipo II
Rejeitar H0 Erro tipo I Decisão correta
FONTE: Adaptado de Silva (2018)

Com base na ideia de teste no medicamento X, podemos afirmar que um


erro do tipo I seria rejeitar H0, ou seja, não há diferença entre os tratamentos,
enquanto no erro do tipo II o medicamento X é superior às drogas convencionais,
porém é aceita a hipótese contrária. Dentre esses dois tipos de erros, o mais grave
é o do tipo 1, porque pode gerar mudanças na prática sem necessidade, baseada
apenas em uma diferença inexistente (VIEIRA, 2015).

Mesmo após o teste de hipóteses não podemos garantir total ausência


de erros, mas fornece o valor de probabilidade (p-valor), que nada mais é que
um valor que informa o quão provável é que uma amostra obtivesse H0 como
verdadeira. É imprescindível entender que o p-valor não demonstra o tamanho de
um efeito, mas apenas exclui o fato de H0 ser aceito como verdadeiro. Um estudo
onde compara-se dois antibióticos no tratamento de endocardite, p-valor apenas

83
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

demonstra que existe uma diferença entre os grupos, mas não o quanto, menos
ainda traduz se essa diferença é tão intensa ao ponto de trocarmos a terapêutica
(SILVA, 2013).

Convencionalmente, entende-se que se o valor de probabilidade for


menor que 0,05 (p<0,05), entende-se que a H0 deve ser rejeitada, ou seja, quando
p< 0,05, os resultados são estatisticamente significantes. Para chegarmos neste
valor, precisamos passar as hipóteses pelo teste qui-quadrado.

TUROS
ESTUDOS FU

O teste de qui-quadrado será abordado no Tópico 2 – Teoria das Probabilidades.

Exemplo: um enfermeiro suspeita que o uso de campos cirúrgicos


descartáveis de não tecido gera menores taxas de infecção de sítio cirúrgico em
relação aos campos de tecido. Ao levantar os dados o enfermeiro chegou aos
dados a seguir:

TABELA 2 – TAXA DE INFECÇÃO COM RELAÇÃO AOS CAMPOS CIRÚRGICOS

DESFECHO
TIPO DE CAMPO TOTAL % DE ISC
COM ISC SEM ISC
Campos descartáveis 20 80 100 20%
Campos de tecido 20 280 300 6,67%
Total 40 29 400  
FONTE: Adaptado de Silva (2018)

• H0= Não existe diferença na incidência de ISC independentemente do tipo de


campo usado.
• H1= Não existe diferença na incidência de ISC dependendo do tipo de campo
usado.

Após o cálculo do qui-quadrado, o enfermeiro encontrou o resultado


de p- valor = 0,0065, que leva a conclusão que a probabilidade de um paciente
ter infecção de sítio cirúrgico é maior quando usado campos de tecidos
reaproveitados.

84
TÓPICO 2 | BIOESTATÍSTICA DESCRITIVA E INFERENCIAL

ESTATICÓPOLIS: UM JEITO DIFERENTE DE APRENDER ESTATÍSTICA

Assimétrio respirou fundo o ar de Estaticópolis assim que desceu do ônibus


praticamente vazio. Um conceito autossugestionado de um ar puro inigualável
tomou conta de suas narinas, pulmões e cérebro. A arquitetura curiosamente
simétrica da cidade lhe proporcionou uma paz normal. Normal, mas não que
seja uma paz cotidiana, ordinária. Pelo contrário, neste sentido aquela paz
era bastante anormal, tanto que só sentira ali. A paz normal se dava ao seu
inconsciente unir os topos de cada construção com uma linha imaginária, cuja
forma era uma perfeita e relaxante curva de frequência simétrica.

Sua primeira providência foi procurar um hotel. Queria um bom hotel. Não
um hotel caro, pois viveria de reservas por algum tempo. Mas tampouco queria
um hotel excessivamente barato, a ponto de tornar penosos aqueles primeiros
dias na cidade.

Na rodoviária havia um guichê de informações. Uma atendente cuja cordialidade


se dava pela disposição acumulada em ser útil, dado que Estaticópolis recebia
poucos visitantes, o atendeu prontamente. E respondeu sua indagação sobre o
preço médio dos hotéis.

— O preço médio dos hotéis é E $ 1.000,001 – Estaticópolis possui moeda


própria, o Estatis (E $).
Assimétrio se perdeu por alguns instantes em suas contas. Não estava habituado
ao câmbio daquela cidade, que excepcionalmente diferia do restante do país.
Achou caro. Mas o que se podia fazer? Era esta a média de preços.

Pediu um táxi e foi para o hotel mais próximo cuja diária não diferia muito do
preço médio da cidade. Lá foi bem recepcionado. Achou o hotel excessivamente
luxuoso para um hotel de preço médio. Mal pôs suas bagagens no quarto, saiu
em busca do novo...

Mas seu semblante sofreu uma pequena mudança ao ver anúncios de hotéis.
A maioria com preços bem abaixo do que estava pagando. Alguns poucos
custavam os E $ 1.000,00, e outros poucos bem mais do que isso.

Sua aura anestesiada daria pouco espaço para sentimentos como indignação.
Mas isso não o impediu de ir ao balcão de informações questionar a atendente.
Assimétrio, assim como qualquer outro ser humano, detestava a sensação de
ser enganado.

A atendente não estava mais lá. Havia um rapaz em seu lugar. Assimétrio
explicou a situação e pediu esclarecimentos sobre a indevida recomendação
que recebera.

— O senhor queira me desculpar, mas a recomendação estava correta. O senhor


perguntou preço médio, não foi? Assimétrio assentiu.

85
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

— Pois então. O preço médio dos hotéis é E $ 1.000,00.

Incrédulo, Assimério mostrou o jornal. Os preços em geral eram muito abaixo


do citado. Repito meu senhor. O preço médio dos hotéis é E $ 1.000,00 – disse
retirando uma tabela de preços e uma calculadora de dentro de uma gaveta, e
foi lendo em voz alta e computando os valores até que chegou à média citada.
Portanto a indicação está correta, meu senhor.

Assimétrio apontou na tabela os diversos preços bem abaixo da média,


continuando seus questionamentos.

Entendo sua dúvida. Se tivesse pedido a ela o valor mais frequente de diárias de
hotéis, ou seja, a moda das diárias, ela provavelmente teria-lhe recomendado
um hotel de E $ 250,00. Se o senhor tivesse pedido o valor mediano das diárias,
ela teria recomendado um hotel de aproximadamente E $ 500,00. Mas a média
das diárias são exatos E $ 1.000,00. Isto porque temos alguns hotéis de luxo,
cujas diárias são valores extremos que elevam consideravelmente a média.
Não satisfeito com a explicação, mas sem argumentos objetivos, Assimétrio
desistiu da discussão. Partiu rumo ao hotel com a convicção de que no dia
seguinte iria procurar um hotel abaixo do valor mediano, e de que de agora em
diante teria que se preocupar com as diferenças entre moda, média e mediana.

FONTE: BUENO, F. Estaticópolis: um jeito novo de aprender estatística. Garopaba: Editora do


Autor, 2015.

86
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• Bioestatística descritiva permite que várias medidas provenientes de dados


coletados sejam resumidas e compreendidas com maior facilidade.

• A inferência estatística permite que tiremos conclusões a respeito de uma


população com base em estudos realizados com amostras escolhidas
aleatoriamente.

• As medidas de tendência central (média, mediana e moda) não devem ser


analisadas de forma isolada, pois existe a possibilidade de informações
importantes sobre a população passarem desapercebidas.

• O desvio padrão é um importante instrumento para o entendimento sobre os


resultados, pois permite entender o quanto os dados se afastam de uma média.

• O coeficiente de correlação de Pearson (p de Pearson) determina o grau de


relação entre duas variáveis numéricas.

• A incidência descreve os novos casos de uma doença de forma mais estática,


pois não considera o aumento e diminuição de uma população, enquanto a
prevalência explica o quanto uma população esteve doente em um determinado
período de tempo, considerando as curas e óbitos.

87
AUTOATIVIDADE

1 Determine a média, mediana de moda para os conjuntos de dados a seguir:

a) 5; 10; 2; 15; 25; 17

b) 101; 100; 77; 8; 8; 8; 37

c) -3; 12; 9; 6; 6; 9; 2

d) 21; 44; 36; 21; 8; 30

e) 12; 8; 24; 28; 32; 15

2 Em uma pesquisa sobre o perfil de pacientes dependentes químicos, um


enfermeiro, ao calcular a medida de assimetria sobre a idade dos pacientes,
encontrou os valores descritos a seguir. Interprete cada um dos resultados:

GRUPO 1: As= -5,87

GRUPO 2: As= 0

GRUPO 3: As= 4,32

3 Ao estudar a correlação entre a variável A e a variável B, um pesquisador


chegou ao coeficiente de Pearson = 0,8. Qual a interpretação ele poderá fazer
deste resultado?

4 Calcule a amplitude do conjunto de dado: [55; 43; 78; 201; 35; 78; 96, 49].

88
UNIDADE 2 TÓPICO 3

POPULAÇÕES E AMOSTRAGEM

1 INTRODUÇÃO
Quando temos uma população com um número alto de indivíduos para
o teste de uma hipótese existem limitações financeiras e físicas para a coleta de
dados junto a todos os participantes elegíveis. Neste contexto, o pesquisador
utiliza-se da técnica de amostragem que consiste em coletar uma porção de
elementos representativos de uma população, ou seja, o número da amostra deve
refletir um cenário amplo. Lembrando que quando levantamos dados de uma
população por completo, denomina-se censo (GLANTZ, 2014).

O uso do termo “população”, por vezes, pode causar certa confusão, pois
na bioestatística temos dois tipos, sendo a primeira chamada de estatística comum,
caracterizada por qualquer grupo de pessoas ou coisas, por exemplo: grupo de
pessoas que vivem na cidade de São Paulo e são soropositivas ou população de
hospitais do Vale do Itajaí que prestam atendimento pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). O segundo grupo é denominado população estatística que se concentra
em características de pessoas ou coisas, negros diagnosticados com melanoma ou
hospitais do Vale do Itajaí que prestam atendimento para o SUS e não atingiram
a meta de atendimentos (BLAIR; TAYLOR, 2013).

Ainda no que tange à amostragem, quando o pesquisador realiza um


estudo criterioso para o seu uso, ele pode ter melhores resultados até mesmo
que um estudo de toda a população. Ao imaginarmos um trabalho que objetiva
entender o uso de preservativo em indivíduos acima de 60 anos em usa cidade,
é preferível trabalhar profundamente uma amostra significativa que avaliar
superficialmente toda uma população (VIEIRA, 2015).

89
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

E
IMPORTANT

Diversos programas podem ser utilizados como ferramenta para auxílio nos
cálculos estatísticos, porém os mais usados na área de saúde são Excel, SPSS e R.

• Excel: programa da Microsoft amplamente conhecido como detentor de técnicas básicas


de estatística. Suas vantagens estão relacionadas com a simplicidade de seu layout e a
disponibilização em diversas línguas.
• SPSS (Statistical Package for the Social Sciences): software criado originalmente para
pesquisas das ciências sociais que se popularizou entre os pesquisadores da área de
saúde. Atualmente é amplamente utilizado no Brasil.
• R: sistema gratuito construído em conjunto por pesquisadores e profissionais. Por ser
colaborativo permite expansão de suas ações e atende a uma enorme variedade de
aplicações. Disponível para download em: www.r-project.org (SILVA, 2013).

2 TAMANHO AMOSTRAL
O processo de seleção de uma amostra é chamado de amostragem e sua
característica básica é a sua representatividade frente à população estudada.
Existem seis fases no decorrer da amostragem: definição da população, definição
de variáveis a serem pesquisadas, escolha do método de amostragem, inspeção e
formatação de dados (SILVA, 2013).

Um ponto importante neste processo é a especificação do método de


amostragem a ser utilizado, que na prática muitas vezes podem se complementar,
inclusive em diversas etapas do estudo. Segundo Siqueira (2017) e Silva (2013), os
esquemas básicos de amostragem são:

• Aleatória ou casual simples: nela todos os elementos de uma população são


numerados e é realizado um sorteio onde eles têm igual probabilidade de serem
selecionados. Apesar de ter um conceito simples, este tipo de amostragem não
leva em consideração a heterogeneidade de uma população, além de nem
sempre ser de fácil aplicação e, por vezes, tem um alto custo.

Exemplo: em um estudo que busca saber a experiencia de pacientes em


relação ao ruído em uma Unidade de Terapia Intensiva, o pesquisador tem uma
população de 6000 pacientes e necessita de uma amostra representativa de 2%.
Existe uma hipótese que pacientes cirúrgicos têm maior sensibilidade ao som
(monitores, conversas entre profissionais, bombas infusoras e outros pacientes)
em relação aos pacientes clínicos. Ao utilizar a amostragem aleatória simples,
primeiro o pesquisador deverá encontrar o número de pacientes que devem
participar (6000 x 2%= 120), para então com a ajuda de um site realizar um sorteio
(o que pode ser feito também com papéis dobrados), para que de forma aleatória
sejam escolhidos os participantes.

90
TÓPICO 3 | POPULAÇÕES E AMOSTRAGEM

• Sistemática: é uma variação da aleatória, onde todos os elementos estão


ordenados em uma lista, que para melhor entendimento podemos considerar
que “N” é o total de elementos de uma população e “n” é a amostra, será
realizada uma divisão entre “N” e “n”, resultando no intervalo de elementos
escolhidos para compor a amostra.

Exemplo: em um estudo que busca saber a experiencia de pacientes em


relação ao ruído em uma Unidade de Terapia Intensiva, o pesquisador tem uma
população de 6000 pacientes e necessita de uma amostra representativa de 2%.
Ao utilizar a amostragem sistemática será dividido os 6000 por 120 elementos
necessários para compor a amostra chegando ao resultado de 50. Então deverá
realizar um sorteio, que vamos supor que saia o n° 15, o paciente que está nesta
posição será o primeiro participante e daí em diante será contado mais 50 e o
próximo será chamado. Esta atividade se repetirá até alcançar 120 elementos.

• Estratificada: neste esquema, o total da população é dividida em estratos, que


são subconjuntos mais ou menos homogêneos. Em cada estrato é realizada
uma escolha aleatória dos elementos de forma proporcional ao seu subgrupo
e, por fim, a junção de todos os elementos sorteados irá compor a amostra.
No momento da estratificação, diversas variáveis podem ser utilizadas: idade,
profissão, escolaridade, isso vai depender do perfil do estudo.

Exemplo: em um estudo que busca saber a experiência de pacientes em


relação ao ruído em uma Unidade de Terapia Intensiva, o pesquisador tem uma
população de 6000 pacientes e necessita de uma amostra representativa de 2%.
Existe uma hipótese que pacientes cirúrgicos têm maior sensibilidade ao som
(monitores, conversas entre profissionais, bombas infusoras e outros pacientes)
em relação aos pacientes clínicos, sendo que os primeiros são a metade da
população. Ao utilizar a amostragem estratificada, você deverá separar o grupo
em estrato cirúrgico e estrato clínico e em seguida realiza sorteios dentro de cada
estrato (60 de um e 60 de outro) que ao final se juntarão para formar a amostra.

• Conglomerados: recomendada para populações muito grandes e diversas,


nesta metodologia, a amostra é retirada de diversos conglomerados, que são
unidade agrupadas por alguma razão (o CRM é um conglomerado de médicos,
uma creche é um conglomerado de crianças até três anos).

Exemplo: em um estudo que busca entender os efeitos dos ruídos sob


pacientes de pós-operatório imediato em Unidades de Terapia Intensiva do
Sistema Único de Saúde, o pesquisador, após optar pela seleção de amostra por
conglomerados, poderá sortear quatro UTIs de diversos hospitais e examinar
todos os pacientes que têm o perfil que ele deseja estudar.

Neste momento, você pode estar se perguntando: “como eu determino o


tamanho da minha amostra?”, porém, a resposta para esse questionamento está
intrinsicamente ligada ao tipo de estudo que o pesquisador deseja desenvolver.
Por exemplo, a coleta de amostra de uma pesquisa de eficácia de uma medicação,

91
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

em que há o grupo-teste e o grupo-controle, não é igual a uma pesquisa de opinião


pública. A ideia inicial é que quanto maior a amostra, melhor; com uma exaustiva
coleta de dados, sai de cena quando considerados as questões éticas (imagine um
número enorme de pessoas sendo submetidas a testes de uma droga de baixo
custo-benefício), recursos humanos, tempo e gastos financeiros (SIQUEIRA,
2017).

Alguns fatores matemáticos influenciam diretamente na determinação


do tamanho amostral, como o poder estatístico do teste, que deve ser adequado
para encontrar as diferenças entre grupos, em outras palavras tornar possível a
rejeição de H0. O tamanho do efeito seria a diferenças observadas em dois grupos,
o p-value quanto mais aumentado, maior será a amostra (SUCHMACHER;
GELLER, 2019).

O cálculo do tamanho amostral é simples do ponto de vista do que já


estudamos no decorrer desse capítulo, entretanto, a aplicação das fórmulas
necessita de um conhecimento estatístico mais aprofundado. O exemplo descrito
em seguida auxilia na compreensão sobre a determinação da amostra (VIEIRA,
2015).

Exemplo: o Ministério da Educação com base em um estudo que afirmava


que os acadêmicos de enfermagem realizavam menos atividades práticas durante
o curso que o recomendado, desenhou um projeto de pesquisa que dentre muitas
características desejava saber o percentual dos alunos que realizaram atividades
práticas de todas as técnicas exploradas nas aulas teóricas. Antes de iniciar o
cálculo, os pesquisadores precisam responder algumas perguntas:

• Qual a margem de erro ele permitirá que seu estudo tenha? Essa determinação
é importante, pois ele poderá inferir sobre o comportamento da variável na
população. Se ao final do estudo, o pesquisador encontrou um percentual de
63% de alunos com atividades práticas realizadas na amostra e seu estudo
aceita até ± 5% de margem de erro, a população deve ter entre 58% e 68%.
• Qual o nível de confiança? Por uma casualidade, pode ser que o pesquisador
levante uma amostra pouco representativa. Ao pensar nesta possibilidade, ele
admite que a cada 20 amostras uma possa estar errada, ou seja, a probabilidade
de isto acontecer é 19/20 = 0,95 (intervalo de confiança de 95%).
• Qual o resultado espera obter? No artigo lido pelo professor, estima-se que 45%
a 60% dos alunos não tinham acesso a todas as atividades práticas necessárias
a sua formação. Com base nestes dados, ele estima que 55% dos alunos de sua
instituição passem pelo mesmo problema.

A fórmula do tamanho amostral a ser utilizada está descrita a seguir:

Ŷ Ŷ

92
TÓPICO 3 | POPULAÇÕES E AMOSTRAGEM

Lembrando que:

Z: valor associado ao nível de confiança, que ao atingir 95% pode ser


arredondado para 2
D= margem de erro
n= (2)² x 55 x(100-55) = 4 x 55 x 45 = 396 alunos
5² 25

Na determinação de uma amostra, outros aspectos a serem considerados


são as recusas e os dropouts. De forma prática, podemos imaginar que um
pesquisador que planeja uma amostra de 87 pacientes espera que 10% possam
recusar ou sair do estudo o número de pessoas a serem convidadas deve ser
igual à amostra ideal dividida por 1 menos a proporção de recusas. No exemplo,
temos n’= 87 = 97 elementos (SUCHMACHER; GELLER, 2019).
(1-0,10)

A equação descrita anteriormente está simplificada e é usada em


populações infinitas, porém mais do que realizar o cálculo ou utilizar programas
estatísticos para determinar a amostra, é importante conhecer mesmo que de
forma superficial as estimativas preliminares (amostra piloto ou artigos), além de
bom senso (VIEIRA, 2015).

93
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• A técnica de amostragem consiste em coletar uma porção de elementos


representativos de uma população, ou seja, o número da amostra deve refletir
um cenário amplo.

• Existem diversos tipos de processos para a seleção de elementos de uma


amostra: casual, simples, sistemática, estratificada e conglomerados.

• Para a determinação do tamanho amostral, o pesquisador precisa saber qual


a margem de erro será permitida em seu estudo, qual o nível de confiança e o
resultado que espera obter.

94
AUTOATIVIDADE

1 Em um estudo que busca entender o abuso de álcool através das gerações


familiares, foram convidados a participar pessoas com dependência de
álcool em quatro CAPS de uma cidade. Cada um dos escolhidos deveria
relatar se os seus pais e avós tinham problemas de abuso de substâncias e
se durante a sua infância e/ou adolescência. Você acredita que esta pesquisa
poderá produzir resultados tendenciosos? Justifique sua resposta.

2 Para o levantamento das condições de saúde de crianças em idade escolar, a


enfermeira de uma Unidade Básica de Saúde determinou como o seu cenário
uma escola da rede municipal com 10 salas de 60 alunos. Entendendo que
esta precisa de 100 participantes para o estudo, como poderá realizar a
escolha de forma não tendenciosa?

3 Determine o tipo de amostragem mais adequada para o perfil das pesquisas


propostas e sugira como o pesquisador deverá realizar a técnica.

a) Pesquisa de âmbito nacional que objetiva mensurar a qualidade no


atendimento da atenção básica.

b) Pesquisa sobre as condições de saúde de crianças em uma creche com base


em banco de dados ordenado da prefeitura de um município.

c) Pesquisa em um hospital de referência em transplantes sobre a condição


clínica de pacientes após 1 ano de enxerto hepático.

d) Pesquisa que pretende observar os efeitos adversos de um medicamento em


relação ao tratamento convencional.

95
96
UNIDADE 2
TÓPICO 4

ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

1 INTRODUÇÃO
O uso de gráficos pela estatística foi uma prática liderada por Tukey em
1977, fortalecido pelo apelo visual que facilita o entendimento da informação a
ser transmitida de forma mais simples do que a apresentação de dados numéricos
em sumários (MORETTIN; BUSSAB, 2013).

É essa decorrência do desenvolvimento de programas computacionais


que auxiliam na construção de gráficos e torna fácil a sua aplicação rotineira,
em especial pelas possibilidades de construir desenhos que delimitem padrões e
relações, descoberta de novos fenômenos além da apresentação rápida e fácil da
informação (MORETTIN; BUSSAB, 2013).

Seja o profissional de saúde pesquisador, gestor ou trabalhador assistencial,


o entendimento e a interpretação de gráficos e tabelas são fundamentais para
a melhoria contínua. Quando um processo não tem gerado os resultados
satisfatórios uma análise adequada dos gráficos pode ajudar a entender as causas
associadas para que possam ser trabalhadas ações que garantam resultados
robustos (VIEIRA, 2012).

2 TABELAS E GRÁFICOS
Os dados de um estudo podem ser registrados em fichas, blocos de
anotações ou computadores, porém, para que seja melhor entendido e visualizado
uma grande quantidade pelo leitor, é necessário que estes estejam organizados
em tabelas ou gráficos (BUENO, 2015).

A estatística tem como um de seus principais objetivos sintetizar


valores para que seja possível uma visão ampla, esta disciplina tem como uma
importante ferramenta para que essa característica seja possível, as tabelas. De
forma simplificada, a tabela pode ser entendida como um quadro que resume
informações e impreterivelmente deve conter: linhas, colunas que dispõem as
variáveis estudadas, cabeçalho, coluna indicadora na qual explica o conteúdo
das linhas, célula para a separação de uma só informação, título e fontes quando
aplicável (CRESPO, 2017). Verifique um exemplo na figura a seguir.

97
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

FIGURA 5 – COMPONENTES DE UMA TABELA

FONTE: A autora

Tabelas como as da Figura 5 são chamadas de tabelas de frequência


absoluta, pois descrevem o número de vezes que uma variável apareceu no estudo,
ajudando na sintetização e resumo de dados, enquanto a tabela de frequência
relativa se aprofunda nos seus achados, ao passo que permite entender o tamanho
do dado encontrado sobre uma variável frente o total da amostra (LAPPONI,
2013).

Exemplo: ao analisar a Figura 5, na linha referente à faixa salarial “R$


999,00 a R$1999”, temos para mina com A 15 participantes, que é um valor
absoluto; com base nessa informação, podemos encontrar a frequência relativa
com a divisão do número de profissionais que apresenta esse salário na mina
A pelo total de participantes na faixa salarial descrita anteriormente. Podemos
afirmar então que a frequência relativa da Mina A em relação aos participantes
que recebem “R$ 999,00 a R$1999” representam 46,87% (15/32x100).

Com base na ideia que a frequência absoluta e relativa auxiliam na


exposição e resumo de dados que auxilia o leitor a entender os valores de uma
determinada variável, a frequência acumulada se ocupa de explorar os valores
maiores ou menores de uma determinada variável, de forma a simplificar o
entendimento acompanhe o exemplo a seguir (SILVA, 2013).

Exemplo: ao imaginarmos que a faixa salarial ideal para a população


da pesquisa descrita na Figura 5 é de “R$ 3000,00 a R$ 3999,00”, com base na
frequência acumulada, podemos entender quantos participantes estão abaixo ou
acima do esperado. Enquanto a frequência absoluta desta faixa é de 5 e a relativa é
de 0,08 (8%), devemos somar todos os valores que estão abaixo e dentro desta faixa
(32+23+5= 60). Com esse resultado, podemos entender que dos 62 participantes,
60 tem a faixa menor ou igual ao ideal.

98
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

2.1 GRÁFICOS
A descrição e visualização de dados pode ser auxiliada por gráficos,
entretanto, dependendo do perfil da informação que o pesquisador deseja
apresentar, alguns diagramas não facilitam o entendimento dos resultados, por
exemplo um gráfico de pizza não é a melhor escolha ilustração de uma variável
modificada no decorrer de vários anos, porém cabe ressaltar que não se faz
necessária a construção de gráficos quando poucas palavras expressam de forma
clara a informação (OLIVEIRA FILHO, 2015).

Durante a construção de um gráfico, o autor permite que o leitor entenda


de forma imediata a informação que deseja passar, mas para que isso seja um
fato, é necessário que este apresente um título claro (em sua porção inferior)
sobre quais informações estão expressas, não sendo necessária a volta ao texto
para o entendimento (CALLEGARI-JACQUES, 2007).

2.1.1 Gráfico de Pizza


Também chamado de gráfico de setores, o gráfico de pizza expressa em
cada fatia a frequência (geralmente relativa) de um grupo de dados, o que facilita
o entendimento rápido dos resultados encontrados, em contrapartida, esse tipo
de gráfico permite a apresentação de uma variável, além de ter sua visualização
prejudicada quando se tem mais de cinco categorias. Este gráfico normalmente
não é o de primeira escolha em estudos científicos, porém é muito comum no
mundo dos negócios (OLIVEIRA FILHO, 2015).

No gráfico a seguir, os resultados da satisfação dos clientes do Hospital


X com a equipe de assistencial, este gráfico não permite o cruzamento de
outra variável (por exemplo, o setor onde estavam internados os pacientes que
responderam), mas apresenta uma divisão proporcional dos setores conforme
a porcentagem alcançada pela categoria correspondente. O leitor rapidamente
consegue entender que a maioria dos pacientes não está satisfeita com a equipe,
porém também não se sabe o motivo.

99
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

GRÁFICO 1 – GRÁFICO DE PIZZA SOBRE A SATISFAÇÃO DOS CLIENTES DO HOSPITAL X COM


A EQUIPE ASSISTENCIAL

FONTE: A autora

2.1.2 Gráfico de Barras


O gráfico de barras apresenta dois eixos (um para a frequência e outro para
a categoria), em que retângulos ou barras são dispostos paralelamente na vertical
ou horizontal conforme a grandeza que desejam representar. Lembrando que na
construção deste gráfico todas as colunas devem ser do mesmo tamanho e o espaço
entre elas também deve ser uniforme. Tanto o gráfico de barras quanto o de pizza são
os ideais para expressar variáveis qualitativas. No gráfico a seguir, é possível visualizar
os elementos contidos em um gráfico de barras (MORETTIN; BUSSAB, 2013).

GRÁFICO 2 – GRÁFICO DE BARRAS SOBRE O GRAU DE INSTRUÇÃO DE MULHERES


SUBMETIDAS A CESARIANAS NO HOSPITAL X

FONTE: A autora

100
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

2.1.3 Gráfico de linha


Quando um pesquisador ou profissional deseja entender a evolução de
uma determinada variável em um período de tempo, um gráfico de linha pode
ser uma excelente ferramenta para visualização dos dados. Enquanto os valores
são marcados na vertical (resultados), o período é desenhado na horizontal, que
permite com facilidade observar o desempenho de indicadores ou acompanhar
ideias de mudança com foco na melhoria (PINTO, 2019).

A seguir, veremos um gráfico de linhas em que, mesmo sem o rótulo


de dados, é possível observar um aumento na taxa de adesão ao protocolo de
dor torácica no serviço de emergência do Hospital X. Com base nesses dados,
podemos inferir que alguma ação foi tomada ou ideia de mudança aplicada que
propiciou a melhoria nos resultados.

GRÁFICO 3 – GRÁFICO DE LINHA SOBRE A TAXA DE ADESÃO AO PROTOCOLO DE DOR


TORÁCICA NO SERVIÇO DE EMERGÊNCIA DO HOSPITAL X

FONTE: A autora

2.1.4 Diagrama de Pareto


O princípio 80/20 proposto por Vilfredo Pareto é baseado na ideia de
que 80% dos resultados que alcançamos está relacionado a 20% dos esforços
empregados, ou seja, a maioria dos problemas ou achados está relacionado a
uma minoria de causas. Essa proposição permite que o investigador, profissional
ou qualquer pessoa possa dedicar suas energias em uma fração pequena de
características que deseja melhorar, para ter resultados expressivos (SILVA, 2018).

No exemplo de Diagrama de Pareto representado adiante, temos os


eventos adversos que ocorreram no Hospital X dentro de um determinado
período. Cada coluna representa um tipo de evento que apresentam o tamanho
conforme a sua frequência absoluta (eixo da direita) e percentual (ocorreram 60
lesões de pele que correspondem ao total de 46% da população pesquisada).

101
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

As colunas estão organizadas da direita para esquerda de forma


decrescente e a linha de tendência laranja representa o percentual acumulado dos
valores obtidos, o que leva a interpretarmos, com base no princípio 80/20, que ao
traçar uma linha imaginária na altura dos 80%, o momento no qual esta linha se
cruza com o acumulado determina que todas as variáveis deste encontro para
esquerda correspondem a 20% de eventos que contribuem para 80% dos casos
registrados. Neste caso, o Núcleo de Segurança do paciente deve implementar
esforços na prevenção de lesões de pele e erros de medicação.

GRÁFICO 4 – DIAGRAMA DE PARETO SOBRE OS EVENTOS ADVERSOS DO HOSPITAL X

FONTE: A autora

2.1.5 Histograma
O histograma é entendido como uma representação gráfica que possui
barras paralelas unidas que apresentam intervalos de uma determinada classe,
e que tem a área determinada pela frequência, seja ela absoluta ou relativa. Este
modelo é aplicável para variáveis contínuas ou discretas, principalmente quando
temos grandes amostras, pois permite a condensação dos dados (VIEIRA, 2015).

A seguir, temos a representação dos achados referentes aos pesos das


estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul por meio de um
histograma. É possível perceber que na construção do gráfico temos intervalos
iguais no eixo x (uma barra a cada 5 kg), onde em cada uma delas existe uma
coluna que está justaposta às outras e tem altura correspondente ao número de
elementos que pertencem aquela categoria (9 alunas tem entre 40 e 45 kg). Ao
analisarmos o gráfico, é possível fazer uma leitura pontual das categorias como
visto anteriormente, ou cumulativa (123 indivíduos pesam entre 40 e 55 kg).

102
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

GRÁFICO 5 – HISTOGRAMA DO PESO OBSERVADO EM 256 ALUNAS DA UNIVERSIDADE


FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FONTE: Callegari-Jacques (2007, s.p.)

2.1.6 Diagrama de caixas


Em uma amostra, é possível dividir os dados em quatro grupo que
correspondem cada um a 25% do total de dados, os limites entre ¼ e outro é
chamado de quartil. De forma a facilitar o entendimento, imaginemos um conjunto
de dados referente à glicemia capilar em jejum de um grupo de diabéticos: 89, 120,
56, 100, 150, 81 e 137 mg/dl. Após organizarmos os valores em ordem crescente
e calcularmos a mediana, encontramos o ponto central em 100 mg/dl, dado que
corresponde ao segundo quartil; no primeiro quartil, ao considerarmos os dados
à esquerda (56,81 e 89 mg/dl), temos 81 como mediana que, neste caso, marca o
primeiro quartil e, de forma semelhante, o dado 137 mg/dl (mediana de 120,137 e
150) aponta o terceiro quartil (SILVA, 2013).

O diagrama de caixa (BOX-PLOT) é uma ferramenta interessante para


analisar os dados de uma amostra ou comparar grupos, pois através dele é
possível visualizar os quartis e os limites de dados (mínimo e máximo). Com
base no exemplo descrito anteriormente, podemos imaginar que o pesquisador
comparou a glicemia capilar de três grupos obtendo os seguintes resultados:

Grupo 1: 56, 81, 89, 100, 120, 137 e 150.


Grupo 2: 47, 52, 53, 60, 80, 150 e 250.
Grupo 3: 78, 85, 130, 147, 192, 231 e 268.

Mesmo sem acesso a todo o conjunto de dados, ao analisar o gráfico a


seguir, podemos descrever algumas características dos grupos pesquisados, entre
elas:

• O Grupo 2 obteve menor mediana (60 mg/dl- linha que corta o retângulo),
porém apresentou dados mais afastados (limite mínimo = 47 mg/dl e limite
máximo = 250).

103
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

• O Grupo 1, apesar de apresentar uma maior mediana, teve um conjunto de


dados mais aproximados entre si.
• O Grupo 3 apresentou os resultados mais desfavoráveis com as maiores taxas
de glicemia capilar.

GRÁFICO 6 – DIAGRAMA DE CAIXAS GLICEMIAS CAPILARES EM JEJUM

FONTE: A autora

NOTA

A distância entre o primeiro e terceiro quartil é uma medida de dispersão


chamada de desvio interquatílico. Essa medida considera a mediana como tendência
central a partir de dados ordenados em forma crescente.

2.1.7 Diagrama de dispersão


Por vezes, as variáveis têm relação entre si, como a lavagem das mãos e a
redução de infecções, uso inadequado de antibióticos e a resistência bacteriana ou
a baixa adesão aos bundles de prevenção e um aumento das doenças infecciosas.
A força em que uma variável está associada a outra é chamada de correlação, que
pode ser expressa por meio de um coeficiente de correlação ou de forma gráfica
através da construção de um diagrama de dispersão (BUENO, 2015).

No Gráfico 7, temos um diagrama de dispersão que expressa a adesão de


funcionários de uma empresa ao uso de equipamento de proteção individual (EPI)
pelo número de acidentes. No momento da construção do gráfico, o pesquisador
deve considerar para o eixo X (eixo das abscissas) a variável independente, ou
seja, a que determina o desfecho, já no eixo Y (eixo das ordenadas) deve ser
disposta a variável dependente (BUENO, 2015).
104
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

Se traçarmos uma linha entre os pontos do diagrama (linha de tendência)


será possível perceber que ela se desenha de forma decrescente, o que nos leva a
afirmar que temos uma correlação negativa, onde uma variável aumenta a outra
diminui, no caso do Gráfico 7, quanto maior o uso de EPIs, menor o número de
acidentes. Quando à linha de tendência formada em um diagrama de dispersão
é crescente, podemos afirmar que a correlação é positiva. As correlações forte,
moderada ou fraca serão verificadas graficamente pela observação da distância
entre os pontos, ou seja, quanto mais aproximados mais forte é a correlação
(BUENO, 2015).

GRÁFICO 7 – DIAGRAMA DE DISPERSÃO ADESÃO A EPIs VERSUS NÚMERO DE ACIDENTES

FONTE: A autora

FIGURA 6 – COMPARAÇÃO ENTRE GRÁFICOS DE DISPERSÃO

FONTE: Silva (2018, s.p.)

105
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

3 PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIAS


A prática baseada em evidência permite o uso criterioso das melhores
evidências disponíveis até o momento para auxiliar na tomada de decisão frente
ao cuidado. Nela o profissional de saúde cruza o seu conhecimento clínico
individual com as últimas evidências e valores do paciente de forma sistemática,
promovendo o pensamento crítico. Sua estrutura pode ser dividida em cinco
etapas (ESTEITE, 2015):

1. Pergunta de pesquisa: o investigador traduzirá o problema que deseja elucidar


em uma pergunta, o que nem sempre é fácil de elaborar, pois é imprescindível
que esta seja de fato relevante para o quadro clínico do paciente e facilite a
pesquisa em base de dados. Esta construção se baseia no acrônimo “PICO”:
Paciente ou População, Intervenção ou exposição, Comparação e Outcome
(desfecho).
2. Descobrir a evidência por trás da pergunta: para o levantamento dos estudos é
necessário que seja realizada a compilação de descritores que combinados em
bases de dados permitirão ao investigador adquirir o maior número possível
de trabalhos que respondam à pergunta de pesquisa.
3. Analisar a evidência: em posse dos estudos deve ser feita a compilação dos
resultados analisando a validade, a aplicabilidade e a relevância clínica. Para
esta atividade existem várias ferramentas, entre elas a gradação de força das
evidências.
4. Implementar a evidência: após descobrir a melhor evidência que responda
ao seu problema de pesquisa, o profissional a analisará à luz de sua vivência
clínica e apresentará ao paciente as opções de cuidado disponíveis.
5. Avaliar o desempenho: por fim, a última etapa avalia se a escolha foi realmente
a mais apropriada.

No momento da escolha das evidências existe uma hierarquia que


coloca as revisões sistemáticas com metanálise como nível I, ou seja, os artigos
com esse desenho apresentam as evidências mais fortes, enquanto os relatos de
experiência e opinião de especialistas fornecem resultados menos confiáveis. Na
Figura 7, apresentamos a pirâmide de força de evidência dos estudos científicos
(OLIVEIRA FILHO, 2015).

106
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

FIGURA 7 – HIERARQUIZAÇÃO DE EVIDÊNCIAS

FONTE: Polit e Beck (2019, s.p.)

Existe uma tendência cada vez maior de tornar a prática baseada em


evidências, habitual para no dia a dia profissional. Esse cenário nos leva a
inferir que o profissional de saúde deve estar preparado para essa mudança de
paradigma, em que cada vez mais as fortes evidências norteiam o cuidado, mas
para isso é fundamental o conhecimento sobre bioestatística, de modo a ter uma
visão crítica sobre o consumo científico e, consequentemente, uma prestação de
cuidado focada na qualidade e segurança do paciente.

107
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

LEITURA COMPLEMENTAR

LEITURA CRÍTICA DOS DADOS ESTATÍSTICOS EM TRABALHOS


CIENTÍFICOS

Mário José da Conceição

Milhares de trabalhos científicos são publicados anualmente em centenas


de periódicos dedicados à divulgação de pesquisas oriundas da anestesiologia ou
de áreas correlatas. A esmagadora maioria, tanto nos estudos destinados à ciência
básica quanto naqueles de pesquisa clínica, usa a bioestatística para referendar
suas conclusões. Pelo exame do desenho do estudo, observa-se o excessivo peso
dado aos cálculos estatísticos como fatores definitivos, provas irrefutáveis, de
conclusões discutíveis, quando não equivocadas. O objetivo dessa revisão foi
apresentar alguns conceitos relacionados com os cálculos estatísticos que são
fundamentais para a leitura e o pensamento críticos diante da literatura médica

O ERRO DA PROVA DE EQUIVALÊNCIA

Na rápida passagem pelas páginas das revistas encontra-se na seção


de Método dos vários artigos a insistente aparição do p > 0,05 ou o p < 0,05
significando, não significativo ou significativo, sob o ponto de vista estatístico,
respectivamente. Ao encontrar o valor > 0,05 ou < 0,05, o autor passa a colocar
todo o peso de seu estudo no valor desse cálculo e, de forma que julga brilhante,
conclui pela existência (ou não) de determinado fenômeno, ou fato, estudado.
Aparentemente o problema piorou com o advento dos computadores e suas
planilhas, facilitando sobremaneira esses cálculos e já com os mais diversos
programas estatísticos embutidos. Essa facilidade colocou ao alcance dos autores
a possibilidade de várias análises estatísticas. Nem sempre, porém, todos os
autores estão preparados para seu uso adequado.

A morfina é um potente depressor da respiração, dependente de dose,


seja por via venosa ou aplicada ao neuroeixo, verdade indiscutível, pelo menos
até esse momento. Tome-se como exemplo estudo cujo resumo do método é o
seguinte: dois grupos de pacientes tratados com morfina no neuroeixo, doses
fixas, são deslocados no pós-operatório para dois lugares diferentes: um dos
grupos segue para enfermaria comum, enquanto os pacientes do outro grupo
são encaminhados para unidade de terapia intensiva. O objetivo do estudo foi
avaliar a depressão respiratória nos pacientes tratados com morfina e a diferença
entre os grupos. O resultado apresentado foi p > 0,05, portanto sem diferença
estatística entre os grupos. Os autores, com base nisso, concluem que pacientes
tratados com morfina no neuroeixo não correm risco de depressão respiratória.
Ora, o valor de p > 0,05 “sem diferença estatística significativa” sugere a falta de
evidência de um efeito. Quando se lê “não houve diferença estatística entre os
dois grupos” se está diante de informação incompleta. O grande valor para p a
rigor não significa ausência de efeito como erroneamente os autores concluíram.

108
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

Apenas que os dados foram insuficientes para estabelecer a necessidade de


vigilância no pós-operatório daqueles pacientes. Noutros artigos (comuníssimo
nos de língua inglesa) por economia de espaço, ou outro motivo qualquer, os
autores omitem o termo “estatística” e escrevem: “não houve diferença entre os
grupos” ou “houve diferença significativa entre os grupos”. Diferenças de 5%
podem ser significativas do ponto de vista clínico sem, no entanto, o serem do
ponto de vista estatístico. No exemplo da morfina, se apenas um dos pacientes
tivesse apresentado depressão respiratória, necessitando de suporte ventilatório,
do ponto de vista clínico, isso seria ‘altamente’. Ao ler uma conclusão baseada
em valores para p (maior ou menor), o leitor deverá tão somente interpretar
“diferença estatística entre os dois grupos”. Incorreto, quando não p significativo
por motivos óbvios.

Ao ler uma conclusão baseada em valores para p (maior ou menor), o


leitor deverá tão somente interpretar “diferença estatística entre os dois grupos”.
Incorreto, quando não perigoso, deverá assumir que houve equivalência entre os
grupos para determinada ocorrência clínica observada.

O PODER DA AMOSTRA

Como seria inviável estudar todos os indivíduos atingidos pelo mesmo


fenômeno, retira-se dessa população um grupo de indivíduos que passarão
a representá-la. A isso, chama-se amostra. Inúmeras vezes, p é maior do que
0,05, simplesmente porque o número de indivíduos estudados (amostra) é
muito pequeno. Quantas vezes já foi lido: “trinta pacientes aleatoriamente etc.”.
Aliás, autores nacionais adoram a tal “randomização” e até “aleatorização”.
Estatísticos chamam a isso de erro tipo II, isto é, quando não se detecta, em
determinada amostra, o fenômeno observado, mas ele de fato existe. Muitas teses
universitárias trabalham com amostras pequenas pela falta de tempo entre o
prazo para o término da pós-graduação e a colheita dos dados para escrevê-la.
A probabilidade do estudo de detectar o fenômeno estudado, quando ele existe,
chama-se “poder”. O poder depende da variabilidade nos grupos, do tamanho
da amostra, da verdade do fenômeno a ser observado e do nível de significância.
Um bom trabalho de investigação clínica deve informar o poder calculado da
amostra, de tal forma que o leitor possa avaliar resultados “não significativos
pelos cálculos estatísticos”. Seria bastante razoável se pensar que a depressão
respiratória, após o uso da morfina no neuroeixo, deixou de se manifestar em 30
pacientes, mas bem poderia ter atingido o 32º paciente, se a amostra fosse de 35
pacientes. O poder da amostra é definido por porcentagem. Uma amostra pode
ser 40% confiável na detecção do fenômeno, ou 99% confiável. Desconfie sempre
de grandes amostras. Esse é um erro muito comum em trabalhos científicos: o(s)
autor(es) pensa(m) que uma amostra enorme (5 mil casos, por exemplo) lhe(s)
garante o direito de inferir resultados absolutos. Maior nem sempre significa
melhor em termos de tamanho da amostra. Assim, o autor precisa, antes de
iniciar a pesquisa, planejar com cautela o tamanho da sua amostra, para que ele
seja apropriado ao seu intento. Levantar seus 10 mil casos de qualquer coisa é
absolutamente inapropriado 1, resultado de todo esse esforço? Nenhum.

109
UNIDADE 2 | BIOESTATÍSTICA

A ESCOLHA ERRADA DO PROGRAMA ESTATÍSTICO

Os pacotes estatísticos disponíveis no mercado, ou embutidos nas planilhas


dos computadores, são incapazes de evitar que o pesquisador utilize o modelo
errado, ou apontar as limitações do programa. Por exemplo, quantas vezes já
se encontrou na literatura médica aplicação do teste de Bonferroni para validar
resultados obtidos por Análise de Variância (ANOVA)? O teste de Bonferroni, ou
teste de comparações múltiplas de Dunn, dispensa a ANOVA e não foi idealizado
para comparações post-hoc (depois disso) e sim comparações a priori. Programa
errado pode gerar p < 0,05. Na leitura de pesquisas clínicas é preciso atenção
redobrada quando testes estatísticos complexos indicam um determinado efeito
que testes mais simples recusam. É preciso procurar entender se o autor descreve
com cuidado o modelo utilizado (e o porquê), ou simplesmente refere um
método automático para seleção de variáveis. Torna-se insuficiente o autor listar
as variáveis que alimentaram seu programa, sem a garantia de que verificou se
elas foram alocadas de forma correta.

EVIDÊNCIAS ORIUNDAS DE VÁRIOS ESTUDOS

Um único artigo é insuficiente para decidir sobre um fenômeno observado.


É bastante comum encontrar vários artigos sobre o mesmo assunto apresentando
conclusões diferentes. Um único artigo pode apresentar diferença estatística,
atestando a existência de determinado fenômeno estudado, entretanto dois ou três
outros concluem exatamente pelo contrário. Essas observações podem advir de
erros. Valores de p > 0,05, como já mencionado, não são garantia de equivalência,
mas falta de evidência de uma diferença estatística. Deduzir que o número de
artigos, a favor e contra a evidência, define o problema, pode ser também um
erro. A comparação entre estudos pode colocar lado a lado trabalhos que foram
inapropriados ou com método mal planejado. Mais confiáveis são os estudos
multicêntricos, combinando dados de diferentes locais. Pela ótica estatística, o
trunfo dos estudos multicêntricos está em reduzir o intervalo de confiança para
um determinado fenômeno observado, quando comparado com um único estudo.
Nesse contexto, discute-se o poder das metanálises para validar observações
clínicas. As opiniões entre especialistas divergem. Entretanto, aparentemente uma
metanálise, de pequenas amostras, dificilmente será o mesmo que um grande
ensaio clínico advindo de estudo multicêntrico. Além do mais, metanálises não
substituem observações clínicas bem planejadas.

CONCLUSÕES

Se há pretensão de ler de forma crítica o artigo científico, é necessário


apenas conhecimento básico dos princípios de estatística. As seguintes perguntas
devem, todavia, ser respondidas:

• O autor forneceu informação quanto às medidas basais dos grupos em estudo?


• O autor usou intervalos de confiança na descrição de resultados, sobretudo se
nenhuma evidência foi encontrada?

110
TÓPICO 4 | ANÁLISE E APRESENTAÇÃO DE DADOS

• Há inconsistência entre informações apresentadas em gráficos e quadros e as


informadas analisadas no texto?
• Os valores de p estão corretamente interpretados?
• O autor utilizou testes de ajustes (Newmann-Keuls, Dunnet e outros) para
comparações múltiplas? O autor justificou com propriedade o modelo
estatístico empregado? Modelos complexos não são necessariamente os
corretos. É preciso ficar atento para o problema das comparações múltiplas
com muitos testes estatísticos.

FONTE: CONCEIÇÃO, M. J. da. Leitura crítica dos dados estatísticos em trabalhos científicos.
Revista Brasileira de Anestesiologia, Campinas, v. 58, n. 3, p. 260-266, 2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-70942008000300009. Acesso
em: 2 mar. 2020.

111
RESUMO DO TÓPICO 4
Neste tópico, você aprendeu que:

• Tabelas de frequência absoluta descrevem o número de vezes que uma variável


apareceu no estudo, enquanto a tabela de frequência relativa se aprofunda nos
seus achados, ao passo que permite entender o tamanho do dado encontrado
sobre uma variável frente ao total da amostra.

• Gráficos de barras e de pizza são os ideais para expressar variáveis qualitativas.

• Gráficos de linha apresentam a evolução de uma determinada variável em um


período de tempo.

• O diagrama de Pareto é baseado na ideia de que 80% dos resultados que


alcançamos está relacionado a 20% dos esforços empregados.

• O diagrama de caixas auxilia a análise dos dados de uma amostra ou comparação


entre grupos.

• A prática baseada em evidência permite o uso criterioso das melhores


evidências disponíveis até o momento para auxiliar na tomada de decisão
frente ao cuidado. Nela o profissional de saúde cruza o seu conhecimento
clínico individual com as últimas evidências e valores do paciente de forma
sistemática promovendo o pensamento crítico.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar tua compreensão. Acesse o QR Code, que te levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

112
AUTOATIVIDADE

1 Faça a interpretação dos gráficos a seguir e explique o fenômeno que eles


estão demonstrando.

a) Gráfico de Pizza

FONTE: A autora

b) Gráfico de Barras

FONTE: <https://estatisticasqn.webnode.pt/_files/200000065-b1c22b3b4d/GBH.jpg>.
Acesso em: 27 abr. 2020.

113
c) Gráfico de Linha

FONTE: <https://educa.ibge.gov.br/images/educa/jovens/materiais-estudo/2018_11_22_
graf_linhas_ex1.jpg>. Acesso em: 27 abr. 2020.

d) Diagrama de Pareto

FONTE: <https://blogdaqualidade.com.br/app/uploads/2012/09/Grafico-pareto-5-610x366.
jpg>. Acesso em: 27 abr. 2020.

114
e) Histograma

FONTE: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/83/Histograma1.
svg/468px-Histograma1.svg.png>. Acesso em: 27 abr. 2020.

f) Diagrama de Caixas

FONTE: <http://twixar.me/3KrT>. Acesso em: 27 abr. 2020.

g) Diagrama de Dispersão

FONTE: <https://support.minitab.com/pt-br/minitab/18/scatterplot_example_4col.png>.
Acesso em: 27 abr. 2020.

115
116
UNIDADE 3

EDUCAÇÃO EM SAÚDE

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender o papel da promoção de saúde e sua importância na sociedade;

• reconhecer a educação em saúde como uma ação transformadora da


realidade;

• compreender bases metodológicas da obra de Paulo Freire;

• desenvolver competências e habilidades para o uso de metodologias


ativas.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você
encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – BASES CONCEITUAIS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

TÓPICO 2 – EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA

TÓPICO 3 – EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E


SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

CHAMADA

Preparado para ampliar teus conhecimentos? Respire e vamos em


frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverás
melhor as informações.

117
118
UNIDADE 3
TÓPICO 1

BASES CONCEITUAIS DA
PROMOÇÃO DA SAÚDE

1 INTRODUÇÃO
Iniciamos este tópico com algumas perguntas importantes, de modo que
você reflita sobre suas concepções com relação ao que seria o ensino: existe apenas
uma forma de ensinar? Existe apenas uma forma de aprender? Como saber se
o conhecimento oferecido é de fato importante ao ouvinte? Como aumentar
as chances de aprendizagem pelo aluno? O que é mais importante: ensinar ou
aprender?

A educação pode ser desenvolvida nos mais diversos cenários e invade a


vida das pessoas permitindo uma melhor adaptação e convivência em sociedade.
Brandão (1981), ao discutir sobre as práticas educativas, narra a carta enviada por
índios americanos aos governantes que ofereceram “educação formal” para os
jovens das tribos:

Há muitos anos nos Estados Unidos, Virgínia e Maryland assinaram


um tratado de paz com os Índios das Seis Nações [...]. Logo depois
os seus governantes mandaram cartas aos índios convidando alguns
dos seus jovens  para estudar nas  escolas dos brancos. Os chefes
responderam agradecendo e recusando […]. Eis um pequeno trecho:
“[...] nós estamos convencidos, portanto, que os senhores desejam o
bem para nós e agradecemos de todo o coração, mas aqueles que são
sábios reconhecem que diferentes nações têm concepções diferentes
das coisas e, sendo assim, os senhores não ficarão ofendidos aos saber
que a vossa ideia de educação não é a mesma que a nossa [...]. Muitos
dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas do Norte e
aprenderam toda a vossa ciência, mas, quando eles voltavam para nós,
eles eram maus corredores, ignorantes da vida da floresta e incapazes
de suportarem o frio e a fome. Não sabiam como caçar o veado, matar
o inimigo e construir uma cabana, e falavam a nossa língua muito mal.
Eles eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros,
como caçadores ou conselheiros. Ficamos extremamente agradecidos
pela vossa oferta e, embora não possamos aceitá-la, para mostrar a
nossa gratidão, oferecemos aos nobres senhores de Virgínia para que
nos envie alguns de seus jovens, que lhes ensinaremos tudo o que
sabemos e faremos, deles, homens (BRANDÃO, 1981, s.p.).

A conceituação de saúde e doença para uma sociedade deriva diretamente


da sua forma de entender o mundo, da época em que vive, do lugar em que
vive, suas crenças religiosas e tradições. A ideia sobre o que é ser saudável é
individual e pode ser alterada através dos tempos, como no século XIX, no sul

119
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

dos Estados Unidos foi sugerido que o desejo de fugir dos negros escravizados
era uma “doença” chamada “drapetomania”, que deveria ser tratada com açoites
(SCLIAR, 2007).

A partir dos anos 1960 inicia-se um movimento de dimensões mundiais,


que buscava discutir os aspectos econômicos e sociais da saúde, evoluindo de
uma concepção voltada para a ausência de doença para uma visão holística do
indivíduo. A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de saúde,
promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1978, deu origem à
Declaração de Alma-Ata, que determinou um novo conceito de saúde como o
completo bem-estar físico, mental e social, tirando o foco da medicina curativa e
colocando na promoção da saúde como estratégia que deve ser construída pelos
governos e sociedade civil, gerando assim políticas públicas assertivas (BRASIL,
2001).

DICAS

Indicamos o vídeo 12° Congresso da Abrasco 40 anos de Alma-Alta, de 2008,


no link: https://www.youtube.com/watch?v=x5rJY57mWdw.

A promoção em saúde é aceita como uma ideia que admite diversas


perspectivas, pois além de um relacionamento íntimo com a pluralidade, essa
prática permite diversas linhas filosóficas e ações (MENDES; FERNANDEZ;
SACARDO, 2016).

Em oposição ao processo de medicalização, que entende saúde como


ausência de doença, as práticas de promoção da saúde buscam atuar nos
determinantes sociais que são decisivos para o desenvolvimento de patologias,
lançando um olhar reflexivo sobre as condições de vida de uma comunidade, indo
além do tratamento, mas acreditando que é necessário um trabalho conjunto de
diversos setores públicos para um acesso integral à educação, saneamento básico,
renda, nutrição, habitação, lazer e trabalho (SÍCOLI; NASCIMENTO, 2003).

Essa estratégia fornece visibilidade a fatores de risco que levam um


indivíduo a adoecer, assim é possível pensar em estratégias para reduzir a
ocorrência de doenças em uma determinada população. Suas bases foram
construídas a partir do século XX, quando se observou mudanças comportamentais
por meio da educação em saúde, até então chamada de educação higienista.
Apesar de serem amplas, as práticas educacionais em saúde ainda hoje formam
um dos pilares da promoção de saúde, pois atribui responsabilização individual
e coletiva na melhoria da qualidade de vida (JANINI; BESSLER; VARGAS, 2015).

120
TÓPICO 1 | BASES CONCEITUAIS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

ATENCAO

O pleno entendimento sobre o conceito de saúde e promoção da saúde é


primordial para entender e refletir as práticas de educação em saúde.

2 POLÍTICA NACIONAL DE PROMOÇÃO DA SAÚDE E A


PARTICIPAÇÃO SOCIAL
No ano de 2005 o Ministério da Saúde (MS) constituiu um Comitê Gestor
com o objetivo de coordenar as ações de promoção de saúde baseando-se na gestão
compartilhada. Esse comitê permitiu conectar diferentes setores e órgãos além do
MS, como o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (CONASS),
Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (CONASEMS) e da
Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), tornando sua proposta
mais efetiva, ao passo que permite o diálogo entre várias instâncias relacionadas
à promoção de saúde (MALTA et al., 2014).

O Ministério da Saúde, em 30 de março de 2006, através da Portaria n°


687, aprovou a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), que emergiu da
necessidade de implantação e implementação de diretrizes e ações de promoção
à saúde que dialogassem com os princípios do SUS e trabalhassem as prioridades
contidas no Pacto pela Vida (BRASIL, 2006).

NOTA

O Pacto pela Vida é uma série de compromissos sanitários pactuados entre


as esferas municipal, estadual e federal derivados dos desafios de saúde da população
brasileira. Suas prioridades são:

• Saúde do idoso.
• Câncer de colo de útero e de mama.
• Mortalidade infantil e materna.
• Doenças emergentes e endemias, com ênfase da dengue, hanseníase, tuberculose,
malária e influenza.
• Promoção da saúde.
• Atenção básica à saúde.

121
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

O principal objetivo da PNPS é promover a qualidade de vida e reduzir a


vulnerabilidade e os riscos à saúde, englobando os modos de viver, condições de
trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços
essenciais. Essa política preconiza a cooperação, integralidade da atenção à saúde,
participação social, gestão compartilhada e trabalho em equipe (BRASIL, 2010).

A revisão da PNPS foi iniciada em 2013 através de parcerias do Ministério


da Saúde com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e o Grupo
Temático de Promoção da Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(ABRASCO). Através de oficinas, questionários virtuais e seminários, em que
diferentes públicos objetivavam não analisar, mas realizar uma revisão ampla e
dialogada da política (ROCHA et al., 2014).

Esse movimento resultou na inclusão de novas ações, além de ampliar as


consultas para outras regiões, o que possibilitou conhecer diferentes expectativas e
prioridades. Construir uma política de âmbito nacional pode, por vezes, deixar de
fora alguns aspectos particulares, porém, neste processo de revisão, considerou-se
a análise de quem formula, quem faz e quem usa (MALTA et al., 2014).

Dentro da Política Nacional de Promoção da Saúde, temos, em diversos


momentos, a educação em saúde citada como uma estratégia de melhoria da qualidade
de vida da população. Cabendo ao governo em todas as suas instâncias dar apoio
técnico e financeiro na qualificação de profissionais, além de identificar, articular
e promover intercâmbio entre as experiências de educação popular, informação e
comunicação sobre o Sistema Único de Saúde e promoção da saúde, em especial,
aquelas que ocorrem no âmbito da Estratégia Saúde da Família (BRASIL, 2010).

Ao se pensar na definição de políticas amplas, podemos pensar que


esta se contradiz, ao passo que reforça a ideia prescritiva e normalizadora de
ações. Enquanto se entende o indivíduo como protagonista de sua história e da
construção e fortalecimento do conceito ampliado de saúde, é importante também
cobrar e responsabilizar o Estado para produzir condições de vida que possam
suprir as necessidades de uma sociedade, desta forma, evita-se culpabilizar o
indivíduo por todo e qualquer problema em sua saúde (SILVA; BAPTISTA, 2015).

Em meio à reforma sanitária que buscava reformular as relações entre


população e Estado, o controle social se tornou uma importante ferramenta que
possibilitava aos usuários quebrar o paradigma assistencialista, ao passo que expõe as
suas demandas e expectativas. Entretanto, existem alguns fatores que podem dificultar
este diálogo, como as concepções sobre saber científico e popular, que historicamente
é dado maior legitimidade ao primeiro e, consequentemente, maior poder de decisão
em comparação ao conhecimento empírico. O que não é incomum de ser percebido na
relação profissional de saúde – paciente (PAIVA; VAN STRALEN; COSTA, 2014).

Quando analisado o âmbito político, este cenário não é muito diferente,


pois, neste contexto, a expertise tem maior peso e os usuários que conhecem a
realidade do serviço e entendem seus desdobramentos em nível individual e

122
TÓPICO 1 | BASES CONCEITUAIS DA PROMOÇÃO DA SAÚDE

coletivo não são ouvidos, gerando projetos falhos e que não atendem à demanda
real da população (PAIVA; VAN STRALEN; COSTA, 2014).

Nas últimas décadas, percebeu-se que, apesar de terem o direito garantido


por lei, o controle social ainda não é amplamente exercido por toda a população,
gerando a necessidade de abordagens que estimulem todos os atores deste
cenário. Se antes a luta focava-se em legitimar o direito ao controle social, hoje
o desafio é efetivar esse direito na prática por todos, não apenas pelos que já
ocupam uma posição dentro do debate, mas inclusive aqueles que estão à margem
da sociedade (SERAPIONI, 2014).

Apesar de hoje existirem mais de 5800 Conselhos de Saúde pelo país, ainda
se percebe uma participação tímida da comunidade. Em geral, ocorre o sentimento
de desinteresse pelas instâncias participativas, o que pode ser traduzido como
um descrédito dos usuários, que enfraquece o propósito dos órgãos. Existem
ainda denúncias de irregularidade no funcionamento desses fóruns, o que não é
incomum até em países desenvolvidos, onde o envolvimento de grande parte da
população ainda é um desafio (BISPO JÚNIOR; MARTINS, 2014).

NOTA

Os Conselhos de Saúde foram estabelecidos através da Lei n° 8.142/90 como


órgãos deliberativos e permanentes do Sistema Único de Saúde em todas as esferas
governamentais (municipal, estadual e federal) ligados diretamente às instâncias do
Ministério da Saúde.

Um de seus objetivos é fortalecer a descentralização e a participação da sociedade nas


deliberações, formulação de estratégias e acompanhamento das Políticas de Saúde,
fortalecendo o controle social não apenas sobre os resultados obtidos, mas também sobre
as questões econômicas e financeiras. São compostos por:

• 50% de usuários.
• 25% de trabalhadores de Saúde.
• 25% de representação de governo, de prestadores de serviços privados conveniados ou
sem fins lucrativos.

A educação em saúde é, na verdade, apenas uma parte das questões


técnicas a serem desenvolvidas pelos profissionais de saúde. Ela deve ser
pensada e organizada estrategicamente dentro de quatro cenários distintos:
a escola, o local de trabalho, o ambiente de assistência (em todos os níveis de
atenção) e a comunidade (para aqueles que não se encontram em nenhuma das
outras instâncias). Nem sempre as práticas educativas serão a atividade-fim do
cuidado, porém são essenciais para que sejam melhorados os índices de saúde e
sua execução seja assertiva (CANDEIAS, 1997).
123
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• Saúde não pode ser entendida como apenas ausência de doença, mas um
estado de completo bem-estar físico, mental e social.

• A promoção em saúde é aceita como uma ideia que admite diversas


perspectivas.

• A Política Nacional de Promoção da Saúde surgiu da necessidade de


implantação e implementação de diretrizes e ações de promoção à saúde que
dialogassem com os princípios do SUS e trabalhassem as prioridades contidas
no Pacto pela Vida.

• Dentro da Política Nacional de Promoção da Saúde temos em diversos


momentos a educação em saúde citada como uma estratégia de melhoria da
qualidade de vida da população.

124
AUTOATIVIDADE

1 Classifique V para as sentenças VERDADEIRAS e F para as FALSAS:

( ) O principal objetivo da PNPS é promover a prevenção de doenças, em


especial as transmissíveis, além de reduzir a vulnerabilidade e os riscos à
saúde nos domicílios.
( ) A conceituação de saúde e doença para uma sociedade deriva diretamente
da sua forma de entender o mundo, da época em que vive, do lugar em
que vive, suas crenças e tradições.
( ) Em meio à reforma sanitária o controle social se tornou uma importante
ferramenta que possibilitava aos usuários quebrar o paradigma
assistencialista, ao passo que expõe as suas demandas e expectativas.
( ) Os conselhos de saúde são formados por: 50% usuários, 25% governo e
25% gestores de hospitais.

a) ( ) V, F, F, V.
b) ( ) F, V, V, F.
c) ( ) V, V, V, F.
d) ( ) F, V, F, V.

125
126
UNIDADE 3
TÓPICO 2

EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A
METODOLOGIA FREIREANA

1 INTRODUÇÃO
A história da educação em nosso país esteve intimamente ligada à
percepção que uma classe dominante tinha sobre os demais indivíduos. Isso se
mostra claro quando consideramos as questões étnico-raciais, em que índios e
negros eram vistos como “seres” de menor valor. Partindo desse ponto de vista,
se o povo não europeu não era visto com dignidade e respeito, fica evidente
que desde o processo de catequização dos índios pelos jesuítas o professor não
aprende nada com o aluno, ele apenas deposita todo o conhecimento que ele
julga ser necessário (BRIGHENTE, 2016).

Na contramão dessas ideias, encontramos o professor e filósofo Paulo


Reglus Neves Freire, que detém o título de patrono da educação brasileira, sendo
reconhecido mundialmente como um educador inovador e notável. Freire nasceu
no Recife, em 1921, onde iniciou seus trabalhos como professor, destacando-se
por ensinar mais de 300 alunos a ler e escrever em 45 dias (FREIRE, 2017).

Freire acreditava no papel libertador da educação e no empoderamento do


indivíduo frente aos desafios da vida. Sua metodologia traz como ponto central
a ideia de aprender ao passo que ensina, tornando os sujeitos protagonistas na
construção do conhecimento. Sua metodologia pode auxiliar os profissionais
nas ações de educação em saúde, pois baseia-se no respeito às pessoas, suas
histórias e seus saberes, construindo pontes entre o professor e o aluno (CRUZ;
BATTESTIN; GHIGGI, 2014).

2 A EDUCAÇÃO TRADICIONAL E SUAS LIMITAÇÕES


A Educação em saúde pode ser entendida como a construção de saberes,
com o intuito de aumentar a autonomia do usuário a partir do diálogo com um
profissional de saúde. Essa prática contribui para o fortalecimento do controle
social e aprimoramento da gestão dos órgãos de saúde (ALMEIDA; MOUTINHO;
LEITE, 2014).

O movimento da educação em saúde pressupõe três atores primordiais:


o profissional de saúde, os gestores e o usuário. O primeiro deve ter em mente
seu papel na promoção de saúde, transcendendo a ideia simplista de entregar

127
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

unicamente cuidado direto, excluindo sua função de transformador social,


enquanto cabe ao segundo dar suporte e incentivar a prática. O usuário, por sua
vez, deve ser provocado a ter autonomia, além de propor e discutir os rumos
das políticas de saúde que impactarão no seu núcleo familiar e comunidade
(FALKENBERG et al., 2014).

No Ensino Superior, de forma geral, o método tradicional foi, por


muitos anos, hegemônico, porém este se mostrou insuficiente na formação dos
profissionais. Nas últimas décadas, tem-se focado nas metodologias ativas que
permitem a problematização dos conteúdos trabalhados, o que servirá de base
para a utilização dessas técnicas nas práticas de educação em saúde. Quando
o aluno tem voz, é possível trazer significado ao conteúdo a ser explorado,
além de aproximar os atores desse processo através da dinamicidade, que gera
fortalecimento de vínculos. Toda essa experiência trará ao futuro profissional
a habilidade de leitura da realidade na qual está inserido, incluindo técnicas
criativas para fortalecer e disseminação de conhecimento, que poderá trazer
mudanças positivas ao sistema de saúde (XAVIER et al., 2014).

TUROS
ESTUDOS FU

As metodologias ativas serão discutidas com mais detalhes no Tópico 3 desta


unidade.

Uma formação profissional que aprimore as técnicas de ensino-


aprendizagem não deve ser restrita aos profissionais de nível superior, muito
pelo contrário, pois o agente comunitário de saúde (ACS) tem um relacionamento
mais estreito com a comunidade, o que lhe permite um maior número de
oportunidades de educação em saúde. Para isso, é essencial que o ACS passe por
contínuos processos de formação focados nas suas vivências do cotidiano e nas
questões que emergem da comunidade. Esse movimento será coordenado por
gestores, que devem colocar a educação em saúde como um trabalho perene da
equipe, sempre que possível fortalecida por meio de parcerias com universidades,
oportunizando o preparo de novos profissionais para a prática (LOPES et al.,
2012).

O diálogo com pessoas de níveis de escolaridade diferentes pode ser uma


tarefa difícil, no qual se pressupõe a assimetria de conhecimentos. Entretanto,
esse momento oportuniza ao profissional descer da posição de superioridade,
reconhecendo o valor que o paciente pode agregar através do diálogo. Esta pode
ser uma experiência transformadora, que permite a melhoria permanente da
atenção à saúde (CAMPOS et al., 2009).

128
TÓPICO 2 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA

Ao abrir um espaço seguro para o diálogo com o usuário pautado na


reflexão, problematização e respeito, o profissional de saúde permite que o
indivíduo seja corresponsável pelo seu processo saúde-doença, além de criar
relações mais humanas. Neste contexto é indispensável que todos os responsáveis
pelo sistema de saúde se mantenham abertos para entender as demandas da
população e solucionar problemas.

Uma teoria que converge com as ideias de liberdade e autonomia da


educação em saúde é a Teoria Salutogênica, proposta por Aaron Antonovsky.
Objetivando entender os determinantes para o não adoecimento baseado nas
narrativas de mulheres sobreviventes do holocausto, Aaron produziu o The
Salutogenic Concept Sense of Coherence (SOC), um instrumento que auxilia
na promoção de saúde individual e coletiva e trabalha com as pessoas para que
superem fatos desagradáveis da sua história, tendo sempre uma visão positiva da
saúde, em que esta é um recurso para a vida e não um objetivo de viver (SALCI
et al., 2013).

Após a exposição de todos esses dados, entendemos que se faz


necessário o aperfeiçoamento da comunicação de forma a promover mudanças
comportamentais. Neste raciocínio, podemos nos questionar: quem seriam
os produtores primários da saúde? De acordo com Santos (2015), os lares e as
comunidades desenvolvem esse papel, e se relacionarmos com a produção de
alimentos a população pode ser vista como o fazendeiro que produz laticínios,
legumes e verduras, enquanto existe um órgão que dá suporte para a produção,
que neste caso seria o Ministério da Saúde. A partir desta analogia, podemos
constatar que os produtores de saúde são numerosos e trabalham 24h por dia
para proteger suas vidas, porém lhes falta o conhecimento sobre as questões
relevantes que impactam diretamente no seu dia a dia, como imunização, nutrição
ou cuidados de higiene (SANTOS, 2015).

Teixeira et al. (2015), ao analisarem as práticas educativas desenvolvidas


por profissionais de saúde em unidades de referência, constataram que as ações
desenvolvidas nessas instituições em vários momentos se afastavam do conceito
que cerne à educação em saúde, pois apresentam um foco de discussão totalmente
biológico. Foi observado ainda que falta protagonismo dos profissionais
na produção de tecnologias educacionais, estes utilizam apenas o material
disponibilizado pelo Ministério da Saúde, faltando expandir os horizontes para
além das paredes institucionais. Você reconhece esse cenário na sua vivência de
aluno ou usuário? Essa prática foi efetiva dentro do que se propunha?

A comunicação entre o profissional de saúde e a população de forma a


promover a educação em saúde deve estar pautada em conceitos básicos, como
colocar o usuário como ator central, o diálogo horizontal (permitindo entender
que todos são iguais), empoderamento, compartilhamento, mudança de
comportamento, teoria e prática caminhando juntas, planejamento e avaliação,
além da capacidade de lidar com o complexo comportamento humano para
produzir mudanças que de fato causem impacto nas condições de vida da
comunidade (SANTOS, 2015).
129
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

A ampliação do acesso à internet em nossa população permitiu o aumento


da comunicação e interação entre pessoas distantes fisicamente, além de permitir
a troca de experiências entre pacientes e o aprendizado proativo por meio de
plataformas que tratam de variados temas. Essa ferramenta em muito pode
contribuir no processo de educação em saúde, porém sugere-se o uso cauteloso.
A internet pode passar de aliada à inimiga quando não se identificam os padrões
de qualidade daquela informação, o que pode levar à disseminação de fake news
e práticas que podem causar danos à saúde (MORETTI; OLIVEIRA; SILVA, 2012).

Ocorreu um maior acesso da população com relação às práticas de


prevenção e promoção da saúde, em especial os materiais produzidos por
instituições públicas, porém, em contrapartida, ideias que antes estavam
consolidadas começaram a cair em descrédito pela divulgação equivocada de
dados, como o declínio no uso de vacinas pela informação enganosa sobre o
desenvolvimento de autismo, fato que levou ao retorno de doenças até então
controladas, como o sarampo. Silva et al. (2019) fala sobre essa dualidade no uso
da internet:

Nesse aspecto, houve aumento proporcional na busca ativa por


informações sobre saúde e doença na internet, tanto por pacientes
quanto por profissionais da saúde. Cidadãos passaram a ter
acesso a práticas de prevenção e promoção da saúde fomentadas
principalmente por órgãos governamentais. Em outro cenário, pessoas
com determinados acometimentos de saúde procuram por ajuda
virtual, seja por meio do compartilhamento da história da doença
vivenciada, seja pelo acesso a depoimentos de recuperação Fenômenos
negativos como difusão de conteúdo sem critério de qualidade e
massificação dos assuntos médicos também ocorrem e determinam
que inúmeras informações provenham de fontes não confiáveis,
desenvolvendo conclusões sem fundamento científico, relacionadas
com causas e sintomas de determinada doença, condutas acerca do
uso de medicações, tratamento, entre outros conhecimentos (SILVA et
al., 2019, p. 82).

Algumas tecnologias educacionais não se restringem apenas à internet,


mas podem ser desenvolvidas as modalidades táteis e auditivas, expositivas
e dialogadas, impressas e audiovisuais. Teixeira (2010), em seu estudo sobre
as produções e tendências tecnológicas no campo da saúde coletiva, relata
a experiência em que primeiro foram priorizadas as impressas (produzidas
e validadas por estudantes de enfermagem em vários níveis de graduação).
Segundo o autor, qualquer produção de material escrito, sejam fôlderes, cartazes,
cartilhas ou apostilas, devem passar pelo processo de validação, mas nem sempre
os profissionais têm domínio desta técnica.

Um desafio no campo da educação em saúde com uso de tecnologias


educacionais é a validação e isso se aplica a qualquer modalidade, pois o
material deve dar voz à comunidade de uma forma que seja trabalhado aquilo
que a população acha interessante, além de entender qual tecnologia tem melhor
desempenho dependendo do grupo (crianças, adolescentes, jovens, idosos)
(TEIXEIRA, 2010).

130
TÓPICO 2 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA

As equipes devem repensar antigas práticas de educação em saúde de


modo criativo, inovador e trazer a comunidade à discussão que procura encontrar
soluções para realidades específicas. Para uma assistência à saúde integral e
de qualidade é necessário trabalhar com processos dinâmicos, participativos e
solidários e este movimento trará consigo um encurtamento dos laços entre o
trabalhador da saúde e o usuário, o que só poderá ser possível se o mindset do
profissional estiver voltado para isso (BEZERRA et al., 2014).

O Centro de Programas de Comunicação da Universidade Johns


Hopkins há muitos anos tem pesquisado sobre a comunicação para mudança
social e comportamentos de saúde. Em sua experiência com a temática, Santos
(2015) coloca a metodologia P process como uma das mais importantes dentro
da temática, que, de forma simplificada, é um planejamento para comunicação
eficaz.

Segundo Santos (2015), para garantir uma comunicação eficaz entre


os atores das atividades relacionadas à educação em saúde é necessário o
planejamento das ações para que todo o processo se dê de forma sistematizada e
permita a aprendizagem do usuário e do profissional. Essa preparação consiste
em seis passos:

1. Análise: nesta fase deverá se reconhecer qual o problema da comunicação.


O profissional de saúde deverá refletir sobre o público, deter um profundo
entendimento sobre o tema a ser trabalhado, as políticas vigentes, as organizações
envolvidas e os canais de comunicação. Existem ainda subpassos que devem
ser seguidos nesta fase, como a identificação do problema, que deve ser feita de
forma compartilhada entre a comunidade e o governo, pensando sempre em
uma linguagem de simples entendimento para todos os envolvidos. Em seguida,
deve ser levantada a situação atual e, neste momento, algumas perguntas são
cruciais: como estamos? Caso não seja feito nada, quais os resultados a longo
prazo? Ao entender a situação atual o profissional de saúde deverá encontrar
a causa raiz, pois trabalhando diretamente em cima dela a probabilidade de
sucesso é maior. Posteriormente, deve-se entender o público-alvo que será
trabalhado, desde informações geográficas, demográficas, econômicas, sociais
e psicológicas para distinguir alguns comportamentos de risco. Conhecer as
políticas e os programas existentes também é um passo importante para a
avaliação, pois permite ao educador potencializar os resultados com base em
experiências prévias, além da busca por parcerias com instituições e avaliação
da capacidade comunicacional do grupo.

131
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

E
IMPORTANT

Exemplo: um enfermeiro da equipe de saúde da família, ao levantar os


dados sobre o alcance da vacinação dentro de sua área, constatou uma queda de 50%
em comparação ao mesmo período do ano passado. Com o intuito de desenvolver uma
prática de educação em saúde para sua comunidade, ele conversou com alguns pais que
foram à unidade. Eles explicaram que algumas pessoas estavam com medo de seus filhos
desenvolverem autismo após a vacinação.

Após fazer um levantamento sobre as famílias com crianças em sua área, ele conseguiu
traçar um perfil: famílias com 2 a 3 crianças, moradores da zona rural conhecida pela
produção de tomate, baixa renda e com Ensino Fundamental incompleto.

Entendendo a população que trabalharia, ele chamou alguns agentes comunitários de


saúde, médicos, dentistas e técnicos de enfermagem para descobrir a causa raiz, utilizando
a técnica de cinco porquês: Por que houve uma queda na vacinação? (Porque os pais
não estão levando seus filhos para vacinar). Por que os pais não estão levando os filhos
para vacinar? (Porque acreditam que vacinas podem causar autismo). Por que acreditam
que a vacina pode causar autismo? (Porque uma criança da região foi diagnosticada com
autismo 15 dias após tomar a tríplice viral).

2. Desenvolvimento da estratégia: para a realização deste passo é essencial a


elaboração de um plano para guiar e sistematizar as atividades. Um objetivo
da ação educativa deve ser específico, mensurável, adequado, realista e com
tempo delimitado. Para saber se o objetivo foi atingido, posteriormente, serão
construídos indicadores que permitirão avaliar a eficácia. A delimitação dos
benefícios das ações propostas deve estar clara para o público, de modo que
fique clara a mudança de comportamento a ser alcançada e o que se espera
das pessoas ao final da atividade. Outra decisão a ser tomada é quais mídias
serão utilizadas, estas devem promover o diálogo dentro da comunidade e das
famílias. Por fim, o desenvolvimento da estratégia estrutura os objetivos, os
passos, a mudança de comportamento que se deseja alcançar e as atividades
para ter êxito nessas mudanças. Neste estágio, é importante criar um orçamento,
cronograma e indicadores a serem acompanhados.

E
IMPORTANT

Exemplo: entendendo a causa raiz, o grupo logo tratou de elaborar um plano


de trabalho para organizar as atividades. Em consenso, definiram:
• Objetivo: ir de 50% para 80% de esquemas de vacinação em dia até junho de 2019.
• Mudança desejada: usuários que entendam a importância da vacinação e sigam o
cronograma estabelecido pelo Ministério da Saúde.
• Atividades: rodas de conversa, visitas domiciliares e desenvolvimento de material visual.

132
TÓPICO 2 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA

3. Desenvolvimento da mensagem e pré-teste: qual material criativo será


produzido? Quais os conceitos da mensagem a ser passada, de modo a
influenciar positivamente as pessoas? Antes de seguir para outras fases é
preciso apresentar o material para ser validado entre algumas pessoas do
público e ouvir suas críticas sobre possíveis questões irrelevantes ou ofensivas.

E
IMPORTANT

Exemplo: após algumas discussões, ficou estabelecido que se partiria do que a


comunidade sabia sobre as vacinas e o autismo, e daí em diante seria elaborado o material
de apoio. Estes seriam basicamente: vídeos e lembretes de vacinação personalizados para
colar em lugares visíveis da casa e eleição das crianças do mês (aquela que se apresentar
nas consultas, tiver a carteira de vacinação em dia e não faltar na escola).

As agentes comunitárias de saúde coletaram os dados sobre o conhecimento da população


com base em um questionário com perguntas de linguagem simples e respostas variando
entre verdadeiro ou falso.

4. Implementação e monitoramento: um plano de ação pode ser usado para delegar


responsabilidades e estruturar a coordenação do processo. São necessários
participação, flexibilidade e treinamentos, além da divulgação para todos os
participantes sobre os objetivos e conceitos a serem trabalhados. O educador,
ao mesmo tempo que coloca a programação em prática, deve estar atento
ao desenvolvimento dos trabalhos, como o cumprimento do cronograma,
a resolução de problemas imediatos que podem surgir, além de coletar o
feedback da população, caso seja necessário repensar algumas atividades.

E
IMPORTANT

Exemplo: com todas as estratégias estabelecidas foi criado um plano de ação


com as informações sobre o que seria feito, por que seria feito, como seria feito, onde
seria feito, quem faria, o prazo e quanto custaria. O responsável pelo acompanhamento
e cumprimento das ações foi o enfermeiro, ele também seria o profissional de apoio para
esclarecer dúvidas e realinhar pontos caso fosse necessário.

133
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

5. Avaliação: para entender se está alcançando progresso, o profissional deve


revisitar os objetivos traçados ao início das atividades, verificar se foram
alcançados e provocaram as mudanças desejadas dentro daquela população
através da comparação de dados antes e depois da intervenção. Podem ser
levantadas ainda as oportunidades de melhoria, como e por que as mudanças
ocorreram, pontos futuros a serem trabalhados e um ponto crucial também é
a divulgação dos resultados alcançados para a equipe que promoveu a ação
educativa e para o público que participou.

E
IMPORTANT

Exemplo: no decorrer do projeto, o grupo se reuniu outras vezes para entender


os desafios e os primeiros feedbacks da comunidade. Nestas oportunidades, se revisava
o objetivo e realizavam ajustes do calendário e redistribuição das atividades entre os
componentes da equipe.

Com essa experiência eles entenderam o que melhor funcionava para aquela população.
Eles se conectavam mais quando as atividades tinham apelo visual. No início dos debates
ficavam tímidos, sendo necessário fazer algumas atividades de descontração. Outro ponto
crucial foi que quando agendadas as reuniões no clube de mães, o número de participantes
era maior em relação às realizadas no posto de saúde.

6. Replanejamento: o último passo consiste em entender todas as experiências


promovidas por esse processo educativo e planejar outras etapas dentro do
mesmo tema ou conteúdos futuros. Esse aprendizado deve ser contínuo, toda
e qualquer atividade de educação e saúde deve ser avaliada, pois fornecerá
subsídios para atividades futuras, desde a alocação de recursos até a criação de
resultados sustentáveis a longo prazo.

E
IMPORTANT

Exemplo: ao fim da atividade, os esquemas de vacinação em dia passaram


para 95%. Ao reavaliar todo o processo, eles viram a necessidade de trabalhar também
com notícias divulgadas pela internet que podem conter informações equivocadas. Os
participantes também tiveram a oportunidade de opinar sobre o que acharam da atividade
de educação em saúde.

134
TÓPICO 2 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA

O profissional de saúde inevitavelmente trabalhará em algum momento


com a educação em saúde, isto é, ela é inerente a sua trajetória profissional, porém,
ainda pairam dúvidas sobre como potencializar os efeitos? Como envolver a
comunidade? Como construir diálogos assertivos? Cabe refletirmos também até
que ponto as práticas educativas têm sido colocadas em segundo plano, como a
parte menos importante na prestação do cuidado.

2.1 PERSPECTIVA FREIRIANA NAS PRÁTICAS


EDUCACIONAIS: SIMULTANEIDADE DO ENSINAR E
APRENDER
“A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode
temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob
pena de ser uma farsa” (FREIRE, 1999, p. 97).

Falar sobre práticas educacionais no Brasil e não citar o educador Paulo


Freire seria deslegitimar todo um arcabouço teórico que rompeu com as paredes
da sala de aula e se alinharam também com a educação informal. A década
de 1960 foi marcada pela rejeição de projetos de intervenção, em que alguns
órgãos ligados à igreja católica, em diálogo com outros movimentos sociais,
começaram a discutir sobre uma educação dialógica e libertadora. Ao perceber
um país dominado pelas desigualdades sociais e a necessidade de transformação,
Paulo Freire ousou discutir em meio à Ditadura Militar sobre a acentuação do
analfabetismo, a extrema pobreza e a manipulação político-ideológica promovida
pelo governo (PERUZZO, 2017).

Com base nos princípios freirianos, entende-se que a prática educativa


não está restrita ao ensino formal ou à sala de aula, mas todos os sujeitos de uma
sociedade devem desfrutá-la nos mais diversos espaços e oportunidades. Para
manter o diálogo com todos os indivíduos, é necessário entender a diversidade, as
várias culturas e as experiências de vida do outro (CRUZ; BATTESTIN; GHIGGI,
2014).

Respeitando sua história, sua origem e agindo de modo ético, a pedagogia


libertadora aproxima as pessoas e cria vínculos de confiança. Essas ideias são
poderosas para profissionais de saúde em contato com o usuário. Em uma
consulta médica com uma mulher em idade fértil não seria incomum ouvir que
ela faz coito interrompido e que este é um método comprovado e sem falhas.
Antes de responder afirmando que não faz sentido esse pensamento, o médico
pode ter uma escuta ativa para entender as bases dessa ideia e a realidade na qual
essa mulher está inserida, para, aí sim, promover o diálogo. Sem dúvidas essa
estratégia trará muito mais êxito na prática de educação em saúde.

135
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Para Freire, a pedagogia libertadora permite que o sujeito se emancipe


e seja autônomo. Sua experiência, que inicialmente foi trabalhada na educação
de jovens e adultos, foi sendo percebida como uma importante ferramenta
na promoção de saúde. O usuário não é mais visto como um “pobre coitado”
sem recursos que depende da caridade de outros, mas como alguém que tem
potencial para problematizar sua realidade, mudar sua visão de mundo e ter ação
consciente sobre as suas condições de vida (SALCI et al., 2013).

DICAS

Acadêmico, indicamos o livro Paulo Freire: uma história de vida, de Ana Maria
Araújo Freire, da Editora Paz e Terra.

Sinopse: obra com fotos e documentos inéditos sobre a trajetória de Paulo Freire. Nesta
biografia do Patrono da Educação brasileira, a educadora Ana Maria Araújo Freire oferece
ao público uma visão única sobre vida, a obra e o legado de Paulo Freire para as próximas
gerações de todo o mundo. Desde a infância em Recife até a maturidade em São Paulo,
os leitores poderão acompanhar a trajetória de um dos pensadores mais respeitados
internacionalmente. A família, os amigos, os educandos, a participação política, nada
escapa a essa biografia. A edição de capa dura reúne fotos e documentos inéditos, além
de encarte com manuscritos de poemas escritos por Paulo Freire em diferentes momentos
de sua vida e algumas das fichas de cultura, centrais para o “Método de Alfabetização Paulo
Freire”, desenhadas por Francisco Brennand.

FONTE: <https://www.leitura.com.br/produto/paulo-freire-uma-historia-de-vida-34909>.
Acesso em: 4 mar. 2020.

A utilização do método Paulo Freire pressupõe uma interação de


diversos campos do saber para uma inovação que conversa diretamente com a
transformação social. A reunião de várias culturas facilita a celebração de novas
alianças entre pessoas/grupos que antes se encontravam distantes: conhecimento
popular e acadêmico, autores e atores, ricos e pobres, indivíduo e coletividade.
Esse encontro cria uma “via de mão dupla” que repensa a arte e a educação,
mudando os rumos das práticas estabelecidas até então (BRANDÃO, 2017).

Veja bem, este método não entende que os padrões e gostos de uma
classe dominante (opressor) sejam impostos a um outro grupo (oprimido),
criando um diálogo vertical que entenda as pessoas como maior e menor valor,
esse pensamento impede o desenvolvimento da autonomia de todas as classes e
transformação social positiva (FREIRE, 1983).

Ainda, neste pensamento, a cultura deve ser colocada como centro da


educação, em que se tem métodos e técnicas centradas no outro, na individualidade
do participante, muito além de uma “cura” do seu estado de saúde. Entenda que,

136
TÓPICO 2 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A METODOLOGIA FREIREANA

apesar dessa concepção, o foco do educador deve ser buscar soluções sociais para
problemas individuais e não apenas trazer soluções individuais para conflitos
sociais (HEIDEMANN et al., 2010).

Um ponto crucial a ser entendido nas ideias do educador é que não existe
professor sem o aluno. Essa afirmação pode parecer um pouco óbvia à primeira
vista, mas Paulo Freire entende que ensinar não é apenas transferir conhecimento,
o que seria uma das bases da “educação bancária”, mas cria possibilidades de
construção de conhecimento, pois, ao passo que ensina, o professor aprende
e quem aprende também ensina. Durante a relação de ensino existe uma
mutualidade que se não desenvolvida corre o risco de se tornar autoritária e
suscitar a passividade entre os sujeitos. De modo contrário, o encontro entre o
profissional de saúde e a comunidade deve incitar interesse crescente sobre os
temas trabalhados, permitindo que a curiosidade aflore (FREIRE, 1996).

Um conceito importante de ser entendido quando se fala do método Paulo


Freire é o empoderamento, que segundo Salci et al. (2013), pode ser entendido
como um constructo que une forças e competências de modo a promover
comportamentos proativos com relação à política e às relações sociais. O autores
levantam ainda que o empoderamento pode ser um instrumento que auxilia o
indivíduo a reafirmar seus direitos. Existem dois tipos de empoderamento, o
psicológico e o social/comunitário:

No entanto, empoderamento não deve significar um conceito


puramente instrumental, orientado somente à obtenção de resultados
eficientes, mas sim, como um instrumento capaz de constituir uma
afirmação das possibilidades de realização plena dos direitos das
pessoas. Podemos utilizar o empoderamento como uma forma para
fomentar a promoção da saúde, realizando uma educação em saúde
com ações individuais e coletivas que nos traga resultados eficazes,
evidenciando esse referencial como uma ferramenta que pode ser
utilizada para a promoção da saúde. Destacam-se dois tipos de
empoderamento: o psicológico e o social/comunitário. O psicológico
resgata potencialidades individuais para que a pessoa tenha maior
controle sobre sua própria vida. O social é um processo que conduz
a legitimação e dá voz a grupos marginalizados e ao mesmo tempo
remove barreiras que limitam a produção de uma vida saudável para
distintos grupos sociais (SALCI et al., 2013, p. 227).

As comunidades que passam a se enxergar como agentes de mudança de


sua realidade através de elementos de sua própria cultura têm a possibilidade
de potencializar os resultados derivados das ações de promoção de saúde.
A educação em saúde vai muito além de dizer o que as pessoas devem fazer
para evitar doenças, mas permite o pensamento crítico e criativo relacionado
diretamente a sua história e vivência (BRANDÃO, 2014; FEITOSA, 2015).

137
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Educação em saúde pode ser entendida como a construção de saberes com


o intuito de aumentar a autonomia do usuário a partir do diálogo com um
profissional de saúde.

• Para garantir uma comunicação eficaz entre os atores das atividades


relacionadas à educação em saúde é necessário o planejamento das
ações de forma sistematizada. Essa preparação consiste em seis passos:
análise; desenvolvimento da estratégia; desenvolvimento da mensagem;
implementação; avaliação; e replanejamento.

• A metodologia P process permite a comunicação eficaz entre os atores das


atividades relacionadas à educação em saúde, pois planeja as ações e sistematiza
o trabalho da equipe. Seus passos são: análise, desenvolvimento da estratégia,
desenvolvimento da mensagem e pré-teste, implementação e monitoramento,
avaliação e, por fim, replanejamento.

• A pedagogia libertadora aproxima as pessoas e cria vínculos de confiança. Essas


ideias são poderosas para profissionais de saúde em contato com o usuário.

• A utilização do método Paulo Freire pressupõe uma interação de diversos


campos do saber para uma inovação que conversa diretamente com a
transformação social. A reunião de várias culturas facilita a celebração de novas
alianças entre pessoas/grupos. Esse encontro cria uma “via de mão dupla” que
repensa a arte e a educação, mudando os rumos das práticas estabelecidas até
então.

138
AUTOATIVIDADE

1 Com base na metodologia P process, elabore o planejamento de uma


atividade de educação em saúde sobre a circulação de notícias falsas
na internet relacionadas à saúde. Você poderá usar como base uma
comunidade que já teve contato ou simplesmente usar a criatividade e
criar o cenário e o perfil da população.

2 Quais estratégias você utilizaria para promover uma atividade de educação


em saúde sobre hipertensão em uma comunidade que culturalmente
consome alimentos ricos em sódio (carne de sol, charque), sem que isso seja
diretivo e impositivo?

3 Paulo Freire é conhecido como o patrono da educação brasileira, pois


acreditava que a educação deveria ser trabalhada para formar sujeitos
críticos e protagonistas de sua realidade. Tomando por base a metodologia
freiriana, discorra como você, enquanto aluno, poderia potencializar seu
processo de aprendizagem.

139
140
UNIDADE 3
TÓPICO 3

EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO,


ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO
PROFISSIONAL

1 INTRODUÇÃO
Independente da área de atuação de sua escolha, seja você professor,
gestor ou profissional assistencial, em algum momento entrará em contato com
profissionais em formação. Estes podem ser acadêmicos em atividades teóricas
ou práticas, estagiários, residentes ou pesquisadores de pós-graduação. O
enfermeiro, por exemplo, tem a oportunidade de ser um agente transformador
da realidade da assistência à saúde não apenas de sua categoria, mas da
equipe multiprofissional e deve estar preparado para esse processo de ensino e
aprendizagem, possibilitando a melhoria do cuidado prestado em todos os seus
aspectos, inclusive na educação em saúde.

Desde os tempos primitivos, a educação é uma prática que permitiu a


manutenção da espécie. O ensino além da imitação, ou seja, de forma intencional
e estruturada, surgiu na Ásia, porém, podia ser visto também em outros locais do
planeta, como no Egito, que promovia a leitura e a escrita para crianças a partir
dos seis anos e de forma avançada ensinava matemática e astronomia. Nas mais
diversas culturas e histórias se tem registro do processo educativo, como no povo
hebreu, hindu, grego e romano (FARIAS; MARTIN; CRISTO, 2015).

A educação na saúde, segundo Falkenberg et al. (2014), pode ser descrita


como a sistematização e a criação de materiais ou conteúdos para formação de
futuros profissionais de saúde. Essa prática perpassa pelas diretrizes didáticas
e formatação de um currículo, que, além de preparar o indivíduo para atuar
com bases científicas nos mais diversos contextos, favorece o desenvolvimento
de inteligência emocional e relações interpessoais. As abordagens devem ser
pensadas para além daquela vivência educativa, considerar que o aprendizado
construído terá impacto sobre o atendimento integral dos usuários e permitirá
que os profissionais estejam envolvidos com a resolução de problemas e desafios
que aparecerão durante sua carreira.

No decorrer de décadas o ensino na área de saúde foi pautado por um


modelo tradicional, em que o aluno é visto como um indivíduo no qual deve ser
depositado o conhecimento do professor, sempre tomando nota e memorizando
todo o conteúdo que será posto à prova em uma avaliação escrita, que determinará
o quanto foi aprendido nesse processo (BAGNATO; COCCO; SORDI, 2018).

141
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Por meio do processo de redemocratização do país e a criação do Sistema


Único de Saúde ocorreu uma demanda de profissionais de perfis diferentes
que atendessem o novo modelo assistencial vigente. Para atingir a necessidade
do mercado de trabalho que buscava profissionais que tivessem um conceito
ampliado de saúde, baseado no trabalho multiprofissional e esclarecidos sobre as
diretrizes que norteiam a saúde pública, foi necessário repensar a formação dos
trabalhadores de saúde (WINTERS; PRADO; HEIDEMANN; 2016).

As instituições educacionais têm o desafio de formar profissionais críticos


diante de sua realidade, bem como atualizados sobre os avanços científicos. Para
atingir esse objetivo, as universidades buscam desenvolver futuros egressos que
utilizarão suas habilidades e competências para transformar o cenário individual
e coletivo no qual estão inseridos, através do respeito e da reflexão (FERNANDES
et al., 2013).

Ser competente pressupõe que o indivíduo detenha a capacidade de


reunir conhecimento teórico (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (querer
fazer) dentro de sua prática profissional diária. Algumas competências estão
relacionadas diretamente ao conhecimento técnico-científico e às tecnologias de
sua área de atuação, outras com a comunicação entre seus pares e clientes, além das
definidas pelo trabalho em equipe. Os espaços de desenvolvimento profissional,
seja ele teórico ou prático, deve promover oportunidades para que as pessoas
aprimorem seus diversos tipos de conhecimento (DEFFUNE; DESPRESBITERIS,
2018).

Os exercícios que uma metodologia de ensino tradicional fornece exigem


apenas a memorização do aluno, enquanto as situações-problema permitem que
o indivíduo exerça o planejamento, a análise do contexto, a tomada de decisão
e desenvolva habilidades e competências, pois estão pautadas em situações
que podem ser reais dentro de um determinado contexto. No treinamento das
competências, o profissional em formação deve reunir todos os seus recursos
internos para resolver algo de maneira inovadora e no momento adequado
(BONOTTO; FELICETTI, 2014).

Na situação em que os técnicos de enfermagem ou alunos lhe questionem


sobre algo, antes de fornecer a resposta rápida e fácil, estimule o pensamento
e a reflexão, a análise das possibilidades, e permita que esta experiência possa
transformá-lo em profissional crítico-reflexivo.

O desenvolvimento de competências e a metodologia de ensino pelo


educador é determinante para o alcance dos objetivos traçados no planejamento
das atividades. Alberti et al. (2019) comentam a importância do procedimento
metodológico dentro do ensino técnico:

De acordo com os Referenciais Curriculares Nacionais da Educação


Profissional de Nível Técnico, a metodologia não é artifício, mas
questão essencial. Isso porque, a metodologia deverá identificar-se com
as “ações ou o processo de trabalho do sujeito que aprende, processo

142
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

este desencadeado por desafios, problemas e/ou projetos propostos


pelo professor e por este monitorado, orientado e assessorado”
(BRASIL, 2000, p. 31). Segundo Barbosa, Gontijo e Santos (2004),
pensar a educação profissional numa perspectiva de formação de
competências requer inovações pedagógicas. Assim, torna-se possível
o desenvolvimento de um processo de formação cuja finalidade
seja, além do domínio operacional de um determinado fazer, a
compreensão global do processo produtivo, com a apreensão do saber
tecnológico, a valorização da cultura do trabalho e a mobilização dos
valores necessários à tomada de decisões (ALBERTI et al., 2019, p. 350).

Os aspectos sociais, econômicos e culturais também influenciam na


formação profissional, pois se temos uma sociedade que exige trabalhadores de
perfil holístico, reflexivo, eficiente e resolutivo, por outro lado temos serviços
de saúdes que estão preocupados com números, procedimentos e faturamento,
ou seja, um modelo assistencial médico-centrado enfraquece as identidades
profissionais e gera status para alguns trabalhadores enquanto exerce opressão
sobre outros (COSTA; BORGES, 2015).

Em novembro de 2001, foi aprovada a Lei de Diretrizes Curriculares, que


coloca como aspecto fundamental na formação do profissional de saúde o ensino
baseado nos princípios do SUS. Pelos numerosos estudos publicados que buscam
discutir o ensino na área de saúde, é possível perceber que o aumento na oferta
de vagas nos últimos anos trouxe consigo mudanças, porém ainda segue baseada
em currículos fechados e muito especializados, com pouco foco para o trabalho
interdisciplinar e políticas públicas (SILVA; SANTANA, 2014).

O enfermeiro é corresponsável pela formação de outros profissionais,


seja na academia, cursos técnicos e/ou dentro de sua equipe de trabalho. Ele tem
o dever ético de refletir sobre práticas de ensino inovadoras que desenvolvam
profissionais que tenham mais compromisso com a sociedade que com o mercado
capitalista, seja na esfera pública ou privada, sempre com o foco no indivíduo que
necessita de seus cuidados muito mais que no negócio (VEIGA et al., 2016).

Profissionais formados dentro de metodologias que permitam uma prática


crítico-reflexiva estarão preparados para a conscientização individual e coletiva
dos usuários sobre seus direitos e deveres, gerando transformação da sociedade
e entendimento sobre os determinantes de saúde (MONTEIRO; VIEIRA, 2010).

2 DESAFIOS DE ENSINAR E APRENDER AS


METODOLOGIAS ATIVAS
Por anos, o processo pedagógico deu foco ao professor, pois acreditava que
a este pertencia o conhecimento válido que deveria ser prontamente memorizado
pelo aluno, porém, desde o século XVIII, existem relatos de centros educacionais
que, partindo de uma visão liberal, entendiam o aluno como um sujeito com
direitos e reconheciam socialmente os mais jovens (SIMON et al., 2014).

143
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Em uma realidade de rápidas transformações como a nossa, em


especial pelo desenvolvimento tecnológico, as práticas educacionais devem ser
heterogêneas, ativas e diversificadas. Os processos de aprendizagem podem
mudar de uma pessoa para outra, o que abre um leque de opções, mas as
metodologias pedagógicas são as diretrizes que delimitarão os processos de
ensino e aprendizagem, de forma a se desdobrar em estratégias individuais e
coletivas (BACICH; MORAN, 2017).

O ensino é indissociável da cultura, pois ela é uma das lentes que as


pessoas usam para entender tudo o que ocorre a sua volta. A saúde também faz
parte do sistema cultural, em nível profissional, familiar e popular, que no modelo
de atenção atual é visto como uma estratégia para entender a visão de mundo
e atuar de forma cirúrgica nas oportunidades de construção e desconstrução
(SALCI et al., 2013).

Ao se analisar o Ensino Superior na área de saúde tradicionalmente temos


um foco em procedimentos físicos e técnicas usadas no processo de adoecer, mas
como estariam sendo tratados os temas relacionados ao sentimento do outro e
às relações interpessoais? Embora tenham ocorrido mudanças curriculares nos
últimos anos que trouxeram diversos avanços para um ensino de qualidade,
algumas metodologias tradicionais na formação de educadores podem dificultar
o entendimento da realidade e cotidiano em sala de aula ou nos campos de prática
(TERRA et al., 2010).

Por anos o ensino na área de saúde tem focado na relação entre mestre
e aprendiz, em que o mais antigo e experiente passa de forma verticalizada o
conhecimento para alguém que inicia na prática profissional. Considerando as
técnicas de ensino e aprendizagem tradicionais, podemos relacioná-las a um
determinado contexto histórico, cumprindo bem aquilo que se propunham.
Imagine as antigas parteiras, elas passavam o conhecimento muitas vezes de mãe
para filha, permitindo que essa atividade não morresse, pois aquelas que um
dia foram auxiliares e seguiram os passos da mulher mais experiente, após um
período, teriam autonomia para atuar e ensinariam a próxima geração (SIMON
et al., 2014).

No ano de 1910, foi lançado o Medical Education in the United States and
Canada – A Report to the Carnegie Foundation for the Advancement of Teaching,
também conhecido como relatório Flexner, um marco na reforma das escolas
médicas não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o mundo (PAGLIOSA;
ROS, 2008). Sobre o impacto positivo e negativo deste documento, Almeida et al.
(2018, p. 1358) escreveram:

A partir da emergência do Relatório Flexner em 1910, houve uma


avalanche de reformas e fechamentos de escolas que o tornaram um
paradigma para a formação de profissionais de saúde. Na verdade,
o próprio Flexner não defendia o ensino baseado em aulas teóricas,
mas sim nos laboratórios. Desta forma, a associação entre Flexner e a
pedagogia tradicional se dá mais em razão da forma como as reformas

144
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

ocorreram do que o preconizado no relatório Flexner. O próprio


Flexner reconhecia, em 1925, que as escolas médicas não ofereciam uma
formação de base cultural e filosófica. A “modernização” flexneriana
do ensino médico acabou por interferir no tradicional processo
de aprendizagem, ao deslocar o ensino médico dos ambulatórios,
enfermarias e domicílios dos doentes, em direção às salas de aula
e laboratórios. Assim, ainda que tenha havido, no início do século
XX, a incorporação da ideologia do nascente complexo industrial da
saúde nas escolas médicas através das reformas desencadeadas pelo
relatório Flexner, imediatamente após, começou o movimento de
contestação destas reformas que apartavam a prática do ensino de sua
representação tradicional (a aprendizagem).

O ponto de partida inicial quando se fala de metodologias ativas é o


desejo do educador sobre este tema. A necessidade de utilizar outras formas
de engajar as pessoas pressupõe uma sensibilidade do professor no ensinar e
aprender, mas se compreender esse contexto é tão essencial ao educador, por
qual motivo ainda vemos alguns profissionais se manterem na inércia e usando
técnicas ultrapassadas? Existe uma valorização do saber científico, o que não está
errado, mas se torna vazio quando não utilizado com a criatividade e a liberdade,
pois a mensagem não alcançará quem precisa ouvi-la (TERRA et al., 2010).

As metodologias ativas têm como objetivo principal a construção do


conhecimento de forma inovadora. Elas auxiliam o educador a guiar o aluno
de modo a construir competências e habilidades com base em um pensamento
crítico, que permitirá tomadas de decisão eficientes e seguras. O indivíduo torna-
se independente com relação ao processo de ensino-aprendizagem, não estando
ali apenas esperando o professor dizer o que precisa ser feito, mas potencializando
os conteúdos teóricos no momento da prática (ALMEIDA et al., 2018).

Quando tratamos de inovação no campo da pedagogia, temos aquelas


classificadas como pontuais e as disruptivas, em que a última atinge a educação
em diversos níveis, de forma integradora e dinâmica. Bacich e Moran (2017)
caracterizam como modelos educacionais inovadores aqueles que fornecem um
ambiente acolhedor (seja físico ou digital), docentes empenhados em ajudar a
aprender, alunos envolvidos em atividades desafiadoras e currículos integrados
e interligados.

3 APLICABILIDADE DAS METODOLOGIAS ATIVAS PELO


PROFISSIONAL DE SAÚDE
As metodologias problematizadoras permitem que o aluno seja colocado
por meio de simulação ou não em um contexto prático e com problemas reais.
Este método permite a reunião dos saberes do sujeito para um desenvolvimento
holístico, reduzindo ao mínimo possível a aprendizagem fragmentada (FARIAS;
MARTIN; CRISTO, 2015).

145
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Ao colocar o estudante no centro do processo ensino-aprendizagem,


as metodologias ativas permitem que ele crie seu conhecimento com um olhar
amplo sobre a sociedade, o homem e o meio ambiente. Os educadores devem
estar empenhados em inovar sempre que necessário, trazendo a teoria para a
prática e a prática para a teoria. Com o passar dos anos o aluno cria seus próprios
conceitos de aprendizagem e entende o que funciona ou não para si (FREITAS et
al., 2015).

Por todo o mundo podemos ver diversas experiências de aplicação


desses novos modelos de aprendizagem e seus resultados têm sido animadores
e muito além do que se supunha. Quando mesclados, os efeitos parecem ser
potencializados, o que nos leva a concluir que ao conhecer diversas metodologias
o educando consegue escolher aquela que melhor se aplica a um determinado
problema. A educação fluida e longe de processos engessados constrói novos
contextos e futuros profissionais criativos, reflexivos e independentes (FARIAS;
MARTIN; CRISTO, 2015).

Você consegue imaginar um profissional que tenha esses atributos?


Quantos benefícios esse tipo de dentista ou médico poderia gerar dentro do
Sistema Único de Saúde e, principalmente, quão transformador seria para a
promoção da saúde de uma comunidade. Lembre-se de que você também pode
vir a participar direta ou indiretamente da formação de seus futuros colegas.

A seguir, traremos algumas técnicas e experiências que estão dentro do


arcabouço das metodologias ativas e podem ser usadas por docentes, preceptores
e profissionais, de modo a alcançar o engajamento de seu grupo de trabalho. Você
poderá pegar essas ideias como base e desenvolver inúmeras atividades, sempre
adaptando a realidade e entendendo qual tem mais êxito na sua prática. Para
cada uma será indicado um artigo para consulta, no qual você poderá aprofundar
seus conhecimentos e conhecer algumas aplicações na educação em saúde.

3.1 GAMIFICAÇÃO
O pesquisador britânico Nick Pelling foi o primeiro a usar o termo
gamificação, que nada mais é que a utilização de jogos para atividades que
não estão no contexto de jogos, como a educação em saúde. Nesses sistemas,
são atribuídas pontuações e recompensas, que proporcionam o aumento do
engajamento de um grupo. Por ser focada nas pessoas, essa estratégia consegue
motivar e criar o sentimento e a participação (ALVES; MINHO; DINIZ, 2014).

A premissa básica da gamificação é que os elementos encontrados em


jogos podem ser relacionados aos desejos humanos, como recompensa, status
pelo alcance de níveis, desafios, que quando solucionados trazem a sensação
de vitória, rankings (estimula a competição entre membros de um grupo),
desenvolvimento da prática pelo treinamento e, curiosamente, a solidariedade,

146
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

comum quando o jogador passa a vez para o outro. Todos esses sentimentos e
desejos causam motivação e engajamento, porém, nos Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVA) o uso é relativamente recente (KLOCK et al., 2015).

Os jogos têm três atos principais: atividades voltadas para o alcance de


metas, aumento do nível do jogador e a entrega de recompensas. Normalmente,
são orientados para o cumprimento de objetivos sempre com regras claras e
obstáculos que precisam ser superados. Isso pode ter uma grande aproximação
das ideias de aprendizagem, em que os jogadores são os alunos, que devem
completar desafios para alcançar uma meta, neste caso, seria o conhecimento
(KLOCK et al., 2015).

Nos últimos parágrafos falamos de uma estratégia que comumente é


desenvolvida nos meios digitais, porém os profissionais que tenham menos
recursos podem pegar a premissa básica e transformar em gincanas, olimpíadas
ou ainda mesclar esse conceito com outras técnicas, que veremos a seguir.

DICAS

Acadêmico, indicamos a leitura do artigo Gamificação em saúde bucal:


experiência com escolares de zona rural, no link: http://revodonto.bvsalud.org/pdf/abeno/
v15n3/a12v15n3.pdf.

3.2 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROJETOS


A ideia inicial desta metodologia é conduzir o aluno para a resolução de
problemas da sua realidade. Considerada como o modelo de ensino desse século,
a aprendizagem baseada em projetos traz uma abordagem de ensino eficaz, que
melhora o desempenho e o comprometimento dos alunos, pois estão diretamente
envolvidos na metodologia do projeto (BENDER, 2014).

Todo projeto deve ser transformado em um produto, que necessitará


do compartilhamento de vários conhecimentos, ou seja, facilita o processo de
interdisciplinaridade. Para a condução dos trabalhos é necessário que o conteúdo
teórico converse intimamente com a prática, assim o aluno estará calçado do
conhecimento necessário para desenvolver as habilidades de trabalho em grupo,
lidar com problemas inesperados e compartilhar o aprendizado que obteve
durante o desenvolvimento da pesquisa (FARIAS; MARTIN; CRISTO, 2015).

147
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

DICAS

Indicamos a leitura do artigo Promoção da saúde a partir da aprendizagem


por projetos, no link: http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2015v1n10p280-303.

3.3 SALA DE AULA INVERTIDA


Buscando ir além do acúmulo de dados e reprodução sem reflexão
de procedimentos, a sala de aula invertida tem sido adotada por órgãos de
renome internacional, como o MIT e as universidades de Harvard e Stanford.
Sua ideia central se baseia no estudo pelo aluno dos conteúdos básicos antes da
aula propriamente dita, usando vários modelos de apresentação, como vídeos,
textos, simulações, entre outros. No encontro com o professor, o conhecimento
adquirido é aprofundado por meio de situações-problema ou estudos de caso,
além do esclarecimento de dúvidas (PAVANELO; LIMA, 2017).

Não existe um único modo de planejamento das atividades da sala de aula


invertida, mas este termo pode ser utilizado sempre que se disponibiliza algum
material para estudo prévio seguido por um encontro presencial que desenvolve
a construção do conhecimento por meio de discussão e trabalho em grupo.
Para que seja realizada de modo eficaz é imprescindível que o aluno realize seu
estudo pré-aula, o que nem sempre é priorizado por todo o grupo (BOLLELA;
CESARETTI, 2017).

Uma estratégia para alcançar uma boa adesão é elaborar um pré-teste a


ser respondido sobre a aula de preparo antes do encontro presencial (teste de
múltipla escolha). A devolutiva e a discussão das respostas da avaliação é mais
uma oportunidade de desenvolvimento do conteúdo, além de reforçar com o
aluno a importância desta atividade.

O educador deve ter claro o seu papel de facilitador, estimulador de


discussão do grupo e trabalhar na solução das atividades que contenham
problemas ou casos clínicos, que normalmente prendem os estudantes da área de
saúde. Podem ser utilizadas ainda várias estações, em que os alunos se revezam
para fazer diferentes tarefas (BERGMANN; SAMS, 2018).

148
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

DICAS

Recomendamos a leitura do artigo Mapas conceituais e aula invertida:


benefícios para o processo de ensino e aprendizagem sobre as políticas de saúde, no link:
http://revistas.educacioneditora.net/index.php/RIEU/article/view/26/7.

3.4 APRENDIZAGEM BASEADA EM PROBLEMAS


Com origem na Universidade de McMaster, no Canadá, a aprendizagem
baseada em problemas é focada no aluno e no seu conhecimento prévio,
criatividade e curiosidade, para que uma aprendizagem significativa possa ser
alcançada ao fim dos trabalhos. O professor estrutura os problemas e define os
objetivos de aprendizagem, que podem ser compostos por diversas áreas do
saber e por suas experiências prévias (SIMON et al., 2014).

Dentre as metodologias ativas, a aprendizagem baseada em problemas é


uma das mais difundidas nos cursos de saúde, em especial, na enfermagem. Tendo
como norteador o princípio de autonomia, busca produzir uma aprendizagem
significativa, aproximando os alunos da realidade que enfrentarão quando
formados, por isso entende a necessidade de se obter não apenas o conhecimento
técnico, mas desenvolver pessoas competentes, éticas e políticas que terão
mais sucesso quando encontrar incertezas e complexidades em sua trajetória
(CAMPOS; RIBEIRO; DEPES, 2014).

As relações pedagógicas buscam o desenvolvimento individual dentro de


um contexto diverso em conhecimento, cultura, religião e crenças. Em um grupo
heterogêneo é possível promover trocas de experiência, discussões, choque de
pontos de vista, que gerarão conflito cognitivo, incômodo e retirada do lugar
de conforto do educando, além de aprimorar o conhecimento que ele já possui
(BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

O tutor deve estar atento para que o conhecimento prévio não seja
descartado, e que sem a separação da teoria e prática, o aluno consiga ir muito
além do currículo a ser trabalhado, mas promover o “pensamento fora da caixa”
e não apenas absorver um conteúdo de uma educação diretiva, porém propiciar
a construção por meio de várias fontes: livros, artigos, internet, experiência de
outros e sua própria história (CAMPOS; RIBEIRO; DEPES, 2014).

149
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Essa estratégia é baseada em sete etapas, que são:

• Esclarecer conceitos que possam estar confusos para a formulação do problema.


• Definir um problema que deixe claro o fenômeno a ser trabalhado.
• Brainstorming, também conhecido como chuva de ideias, em que todo o grupo,
sem nenhum julgamento de valor, expõe as ideias que explicam e resolvem o
problema.
• Detalhar a proposta, assim como os processos subjacentes ao fenômeno.
• Levantar os temas que devem ser pesquisados e estudados.
• Estudo individual para complementar o conhecimento prévio.
• Compartilhamento dos resultados e discutir com o grupo sobre as explicações
para aquele fenômeno (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014).

DICAS

Indicamos a leitura do artigo Aprendizagem baseada em problemas com


cenários simulados: um modelo pedagógico autodirigido em enfermagem, no link:
http://dx.doi.org/10.5902/2179769210863.

3.5 PEER INSTRUCTION


Assim como as demais metodologias ativas, o peer instruction tem como
foco o aluno e apresenta um alto reconhecimento pelos educadores. Foi criada no
início dos anos 1990 por um professor de física da Universidade de Harvard e tem
ganhado destaque ao redor do mundo com o seu poder de engajar os estudantes
no processo de aprendizagem, desenvolvendo o entendimento conceitual,
habilidades sociais e cognitivas (NUNES, 2016).

Esta metodologia permite que sejam trabalhados conceitos subjacentes


sem perder o foco nas habilidades de resolução de problemas. De forma resumida,
as etapas do peer instruction são: apresentação de elementos gerais de uma teoria
ou conceito, que dura por volta de 20 minutos, rodada de perguntas de múltipla
escolha associada aos conceitos trabalhados, tempo para reflexão individual
sobre a resposta correta, apresentação da resposta escolhida para o professor
(botões ou cartazes), se menos de 70% das respostas estiverem corretas é feita
uma discussão das respostas entre o grupo e os alunos têm mais alguns minutos
para refletir sobre a nova escolha, se atingirem mais de 70% de respostas corretas,
o professor explica o motivo da resposta estar correta, ficando ao seu critério ir
para a próxima questão ou voltar ao primeiro passo (TRAPLE; SOARES, 2013;
LIMA; SANTOS, 2016).

150
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Entre as vantagens está a efetividade da aprendizagem, pois permite que


o aluno reconheça o outro como um par e no momento da discussão ele conversa
com pessoas de linguagem e faixa etária muito próximas as suas, o que desenvolve
também sua capacidade de interação e comunicação. Existe a possibilidade de
anonimato no momento de apresentação das respostas, que diminui um possível
constrangimento ao ter entendido por completo o conteúdo apresentado, além de
imediatamente esclarecer a questão correta (GARCIA; OLIVEIRA; PLANTIER,
2019).

Trabalhar com conceitos abstratos, em especial nas fases iniciais dos cursos
de saúde é sempre um desafio, mas o uso do peer instruction pode auxiliar os
professores e alunos neste momento delicado. Lembrando que esta metodologia
tem baixo custo e pode também ser utilizada nas ações de educação em saúde.

DICAS

Indicamos a leitura do artigo Flipped Classroom no ensino de gerenciamento


em enfermagem: relato de experiência, no link: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-
ean-2017-0312.

3.6 SIMULAÇÕES
O método de simulação tem chamado a atenção de diversos cursos que
trabalham diretamente com atividades práticas. Segundo Oliveira, Prado e
Kempfer (2014, p. 488), ela é definida como “situação ou lugar criado para permitir
que um grupo de pessoas experimente a representação de um acontecimento
real, com o propósito de praticar, aprender, avaliar ou entender sistemas ou ações
humanas”.

A prática da simulação pode ocorrer de várias formas dentro dos cursos


de saúde, como os laboratórios com manequins, mas para os enfermeiros
formados no Brasil entre as décadas de 1970 e 1980, era comum a primeira coleta
de sangue ou punção venosa ser realizada diretamente no paciente, sem nenhum
treinamento prático prévio (OLIVEIRA; PRADO; KEMPFER, 2014).

Hoje os alunos têm acesso a recursos tecnológicos que permitem que sejam
desenvolvidas suas competências antes de entrarem em contato pela primeira vez
com o paciente, tornando a formação crítica, criativa e ética (OLIVEIRA; PRADO;
KEMPFER, 2014).

151
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Esta metodologia tem mostrado sucesso quando aplicada para promover


experiências guiadas para a prestação do cuidado de forma alternativa. Por se
aproximar de problemas reais sem colocar em risco a segurança dos pacientes, ela
é uma importante ferramenta de padronização de conteúdos, seja nos cursos de
formação ou no contexto da educação permanente (ALMEIDA et al., 2018).

Muito é discutido sobre o ensino híbrido, que seria uma metodologia


que mescla o ambiente virtual e presencial. Esta tem sido uma tendência dentro
das tecnologias educacionais, pois oferece múltiplas possibilidades de ensinar e
aprender e se adéqua muito bem ao cenário da saúde. A simulação realística pode
fazer parte desse modelo de ensino e é um recurso fundamental na formação
de médicos e enfermeiros, preparando o aluno para situações desafiadoras que
encontrará na prática profissional (ALMEIDA et al., 2018).

A simulação tem muitos pontos positivos já relatados anteriormente,


como o aumento da confiança e a preparação do aluno, mas um passo importante
é que as atividades sejam planejadas e tenham claros os objetivos que se pretende
alcançar com a atividade. Corre-se o risco ainda de situações que se afastam da
realidade e que podem levar a resultados negativos e à perda de segurança no
momento da prestação de cuidado (BATISTA et al., 2014).

DICAS

Recomendamos a leitura do artigo Avaliação dos estudantes de enfermagem


sobre a aprendizagem com a simulação clínica, no link: http://dx.doi.org/10.1590/0034-
7167.2015680218i.

4 EDUCAÇÃO PERMANENTE E ESTÁGIO


SUPERVISIONADO: EDUCAÇÃO NO TRABALHO E PARA
O TRABALHO
Entendendo as discussões sobre a formação do profissional de saúde,
que este deve chegar ao mercado de trabalho com a capacidade de refletir, ser
crítico e conseguir lidar com problemas, as instituições de saúde procuram
sujeitos preparados para lidar com desafios diários, desde o relacionamento com
o paciente e familiar até a tomada de decisão, o que pode ser otimizado pela
educação permanente (FREITAS et al., 2015).

152
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Educação permanente, para Benito et al. (2012), pode ser descrita como um
processo de educação contínua que promove a superação pessoal e profissional.
A ação de educar no local de trabalho qualifica e reafirma os valores para uma
prática segura e de qualidade de um indivíduo ou grupo de profissionais.

Desde os anos 1980 a Organização Mundial da Saúde já defendia a


educação permanente para o desenvolvimento dos recursos humanos na saúde. Já
no Brasil, no ano de 2003, surge a Política Nacional que a regulamenta e promove
um SUS mais democrático e eficiente (MICCAS; BATISTA, 2014).

A Política Nacional de Educação Permanente criou vários polos que


objetivavam a difusão de suas propostas dentro de muitos municípios brasileiros,
mas no ano de 2007 ela foi substituída pela Portaria GM/MS nº 199615, que deu
diretrizes para a educação permanente no Brasil (LEMOS, 2016).

O Sistema Único de Saúde, por sua ampla composição, é um solo fértil


para o desenvolvimento de práticas de educação na saúde desde a saúde pública
até os grandes centros especializados. Educar no trabalho e para o trabalho
também é uma forma de lutar pelo SUS e seus princípios, pois o encontro entre
os prestadores de cuidado e os usuários é uma grande oportunidade para
desenvolver práticas de promoção da saúde (MICCAS; BATISTA, 2014).

O envolvimento com a prática de educação permanente ainda é


um desafio para os centros de saúde, que, às vezes, optam por transformar
obrigatória a participação. Não é incomum palestras diretivas que pouco cativam
os participantes e nem mesmo avaliam suas dificuldades ou o entendimento
sobre as temáticas trabalhadas. Uma estratégia para contornar essa realidade é
envolver os profissionais na definição e implantação das propostas educativas,
tornando o trabalhador protagonista e promovendo o sentimento de valorização
deste espaço (SILVA et al., 2013).

O empoderamento dos profissionais de saúde gera um movimento de


desvalorização do pensar e agir de modo compartimentalizado, apenas focando
nas regras e rotinas. Uma pessoa empoderada não se permite ser massa de manobra,
pelo contrário, ele utiliza a autonomia para trabalhar a diversidade e os desafios,
em especial, nos cenários de maior desigualdade social. A educação permanente é
uma estratégia fundamental para o empoderamento dos trabalhadores e permite
que sejam construídos melhores ambientes profissionais (MONTEIRO; VIEIRA,
2010) (FREITAS et al., 2015).

Após entender a importância da educação permanente, o profissional


precisa revisar a construção de seus processos de formação. É necessário
desconstruir a ideia que são suficientes conteúdos hierarquizados e trabalhados de
forma isolada. Antes de mais nada, deve-se pensar em uma estratégia abrangente
e que articule a problematização da realidade do local, seja em instituições
públicas ou privadas (MICCAS; BATISTA, 2014).

153
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Mesmo que a educação nem sempre consiga alterar as estruturas


capitalistas, ela é uma das saídas para tirar profissionais e usuários da alienação
e da ideia de que não têm força para mudar a sua realidade, porém, para que seja
efetiva, ela precisa ser pensada sob a lógica do profissional e não de um grupo
restrito de pessoas que não conhecem as dificuldades reais encontradas na prática
do cuidar (LEMOS, 2016).

O desenvolvimento de competências não é possível sem a atividade


prática e o estudante da área pode trabalhar esta questão durante o estágio
supervisionado. Os cursos devem estar alinhados com bases filosóficas, políticas
e metodológicas, que formem um profissional hábil na prática de “aprender a
aprender”, ler as tendências atuais e que não se limitem ao conhecimento científico
apenas (BENITO et al., 2012).

O estágio supervisionado permite que o aluno se descubra como


profissional, escolha áreas de interesse para atuação, aprenda sobre o trabalho em
equipe, tenha responsabilidade com as metas que são estabelecidas e aperfeiçoe
a liderança. Esse processo suscita tantos sentimentos que pode levar a uma
experiência rica e marcante ou traumática. O profissional da instituição deve
entender esse período de medo e ansiedade, e permitir que essa vivência se dê da
forma mais tranquila possível (LIMA; PEREIRA, 2014).

Segundo Benito et al. (2012), as competências e habilidades a serem


desenvolvidas no campo de estágio devem garantir o acesso às informações
pertinentes ao cuidado à saúde, a continuidade da assistência e altos padrões de
qualidade. Dentre as competências, destacam-se:

Tomada de decisão: a tomada de decisão é uma das competências


almejadas pelo acadêmico de enfermagem, enquanto futuro
profissional de saúde, de acordo com as DCN. Comunicação: o ato de
comunicar-se compreende a construção de um entendimento recíproco
e a base de compromisso, que será a garantia do sucesso das ações
desenvolvidas em conjunto. Liderança: o termo “liderança” pode
ser definido como um processo grupal, onde ocorre uma influência
direcionada à consecução de um objetivo, sendo um conjunto de
práticas observáveis e passíveis de aprendizado. Administração e
gerenciamento: a palavra gerência é de origem latina, genere, que
significa o ato de gerir, administrar. A gerência como instrumento do
processo de trabalho na organização de serviços de saúde, implica na
tomada de decisões que afetam a estrutura, o processo de produção e o
produto de um sistema, de modo a viabilizar meios para prestação da
assistência à clientela com eficiência, eficácia e efetividade (BENITO et
al., 2012, p. 173).

Outro ponto a ser discutido é o relacionamento entre o profissional da


instituição escolhida para o campo de estágio e o docente que acompanha os
alunos. Ambos devem unir forças para promover o melhor cenário de aprendizado
possível.

154
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Ao fim das reflexões contidas nessa unidade, fica claro que o processo
educativo é inerente ao profissional de saúde e indissociável da prática diária,
independente do contexto. O entendimento sobre as várias possibilidades dentro
da educação em saúde permite ao profissional o desenvolvimento da criatividade
com assertividade nas ações de promoção da saúde e, consequentemente, forma
usuários autônomos que se entendem como corresponsáveis no desafio de se
manterem saudáveis e sujeitos sociais que podem transformar sua realidade com
a ajuda da educação.

155
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

LEITURA COMPLEMENTAR

A ‘PEDAGOGIA DO OPRIMIDO’ É A REVOLUÇÃO DOS


SUBALTERNOS

Katia Reis de Souza


André Luís de Oliveira Mendonça

Do ponto de vista da práxis teórica, um dos aspectos que logo salta aos
olhos na PO diz respeito ao diálogo plural e profícuo que Freire mantém com
diversas tradições de pensamento. Com efeito, sem desconsiderar o fato de seu
solo fértil, no qual suas ideias e ideais vicejaram, ter sido cultivado especialmente
pela semeadura do materialismo histórico-dialético de inspiração hegeliana (ex.:
Lukács), ele também se nutriu do grande manancial cultural da hermenêutica
filosófica (ex.: Buber), do existencialismo (ex.: Sartre), da Escola de Frankfurt (ex.:
Fromm) e do pensamento pós-colonial (ex.: Fanon); sem contar o pensamento
teológico progressista (ex.: Chenu), o pensamento social brasileiro (ex.: Álvaro
Vieira Pinto) e tantas outras correntes libertadoras. Vale notar: Freire dialoga
com o velho ‘Mundo de Sofia’ europeu e de alhures sem lhe ser subserviente
ou se colocar na condição de subalterno, no sentido pejorativo dos opressores;
ele não faz reconstruções conceituais do pensamento dos ‘outros’, quaisquer
que sejam eles, como um fim em si mesmo, senão, criativamente, apropria-se de
suas ideias, de modo libertário porque é responsável e respeitoso, com o intuito
de enriquecer sua própria livre leitura do livro do mundo social em que está
situado, na condição de brasileiro e latino-americano, visando a sua radical e
total transformação. O mais significativo e original àquela altura: ao longo da
obra, Freire refere várias das falas proferidas pelas pessoas que ele ajudara a se
alfabetizar – em sua maioria, camponeses –, atitude que se prova plenamente
condizente com a ideia basilar subjacente à noção de ‘pedagogia do oprimido’,
uma ‘filosofia da práxis’, por assim dizer, em perspectiva dialógica.

Contendo quatro grandes capítulos (FREIRE, 2014), podemos dizer que


o livro tem dois eixos centrais: um referente à temática considerada de domínio
da pedagogia (Capítulos 2 e 3: sobre a disputa entre as concepções bancária e
libertadora/problematizadora da educação; sobre a metodologia dos temas
geradores/conteúdo programático, respectivamente) e outro concernente à
questão da revolução propriamente dita (Capítulos 1 e 4: sobre a contradição
libertação-opressão; sobre as teorias dialógica e antidialógica da ação coletiva,
respectivamente), com a ressalva de que essa divisão talvez nos seja aqui mais
‘didática’ do que real; até porque, de fato, educação e política imiscuem-se ao
longo do texto, tal como nas práticas sociais efetivas. Não pretendemos, entretanto,
ater-nos à questão ‘pedagógica’, posto que ela se tornou a mais debatida durante
essas cinco décadas pelos comentadores e herdeiros de Freire – basta lembrarmo-
nos do tão propalado ‘Método Paulo Freire’. Passemos, assim, ao esboço daquilo
que estamos designando por arcabouço revolucionário da PO.

156
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Se o ponto de partida da reflexão freiriana consiste na assunção segundo


a qual ‘pedagogia do oprimido’ é, como a expressão já o indica, o processo de
libertação que deve ser levado a cabo pela práxis dos próprios oprimidos, e não
conduzido por outrem em seu nome, a questão norteadora que se apresenta,
para Freire, é a de como realizá-la antes mesmo da revolução ou da tomada de
poder. Em indagação mais direta: de que modo é possível lutar pela revolução
– condição sine qua non para a libertação de toda e qualquer forma de opressão
– como se já estivéssemos sob seus auspícios, ainda que o poder vigente lhe sirva
de obstáculo? Nesse sentido, sem nomear ninguém em particular – embora dê
para inferir quais pessoas, entidades ou instituições da época ele pudesse ter em
mente –, Freire rompe radicalmente com tradições e tendências de esquerda que
se veem a si mesmas como ‘vanguardas’ revolucionárias (dirigismo) e propõe, em
substituição, o caráter pedagógico ou genuinamente democrático da revolução
– a revolução como processo, permanente, de aprendizado, em que lideranças
revolucionárias e povo oprimido, juntos, dão fim à sociedade opressora e
repressora, instaurando uma outra ordem social sob a égide de um novo tipo
de humanismo. O título de uma das seções do primeiro capítulo resume bem
essa ideia mestra de crítica tanto ao dirigismo pretensamente socialista quanto ao
individualismo liberal: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho:
os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2014, p. 71).

A ‘revolução autêntica’, tal qual Freire muito apropriadamente a qualifica,


só pode se dar por intermédio do diálogo, da solidariedade e do companheirismo
entre revolucionários e oprimidos (nas suas palavras, deve-se pensar e agir
sempre com o povo, e não supostamente para ele, sob pena de se virar também
opressor). Eis, aqui, a tese central da obra. Atribuir ao povo oprimido um papel de
protagonismo na transformação da realidade não significa, até mesmo em virtude
da simetria interacional sugerida, deixar de reconhecer o valor da liderança
revolucionária. A dialogicidade torna-se, portanto, a matriz da qual emana a
força motriz do pensamento freiriano, tanto em termos mais especificamente
educativos – conceito que, aliás, dá título ao terceiro capítulo referente ao método:
“Dialogicidade: a essência da educação como prática da liberdade” (FREIRE, 2014,
p. 107) – quanto mais amplamente políticos (revolução como ação dialógica).
Se, amiúde, na prática, ‘diálogo’ acaba redundando em ‘dois monólogos
intercalados’ (verso irônico de Mario Quintana), ou pior, em silenciamento ou
roubo da palavra (tal como Freire denuncia), ‘diálogo autêntico’, para Freire, é
sinônimo de encontro coletivo horizontal garantidor da efetivação do direito de
todas e todos ‘pronunciarem o mundo’, igualitariamente. Diálogo esse que, para
se concretizar, supõe alguns pré-requisitos indispensáveis consoante o autor:
humildade (não existe nem ignorância absoluta do outro nem saber absoluto
de nossa parte); fé nas pessoas (fundamental para uma relação genuinamente
horizontal); esperança ativa (busca incessante pela libertação conjunta) e pensar
crítico (desmitologização como primeiro passo para a mudança). Por fim, mas
talvez mais importante, ao mesmo tempo que menos compreendido por alguns
críticos de esquerda, amor (sem ele, a revolução corre o risco de perder a ternura
e de se endurecer).

157
UNIDADE 3 | EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Tudo que falta à ação dos opressores, adjetivada por Freire de


‘antidialógica’, é ser guiada pelas virtudes supramencionadas. Além de ter
evidenciado toda sorte de violência – da física à psicológica – praticada pela
classe dominante em seu sádico afã por submeter e subjugar os oprimidos, Freire
nos mostra que ela também possui uma espécie de teoria (tácita?) para alcançar a
tão desejada ‘conquista’ – que, aliás, é seu objetivo escuso prioritário –, valendo-
se, para tanto, de quatro principais tipos de estratégias (violências simbólicas
e travestidas): mistificação – para garantir seu status quo de privilégios, a elite
dissemina a ideologia como inculcação, veiculando o embuste da naturalização
dos processos históricos e sociais; divisão – dentre tantas outras medidas
adotadas para fragmentar e enfraquecer ainda mais a classe oprimida, joga-se
com a própria condição de dualidade dos oprimidos; manipulação – recurso a
engodos e promessas vãs propagandeadas em situações de real ameaça, embora,
às vezes, reformas sejam consentidas, até porque elas são concessões calculadas
visando frear justamente o ímpeto revolucionário; invasão cultural – além
da ‘força sobredeterminante’ da cultura em geral na introjeção dos ‘mitos’, os
especialistas desempenham um papel preponderante na manutenção da visão de
mundo dominadora. Empenhado na construção de uma teoria da ação dialógica
que contribua com o processo de libertação dos oprimidos, em cabo de guerra
com as estratégias de conquista e dominação, Freire propõe os princípios da
‘colaboração’ (diálogo autêntico entre líderes revolucionários e classe oprimida),
união (criação de uma consciência de classe pela ação cultural), organização (o
testemunho das lideranças aqui é fundamental para inspirar os oprimidos por
meio de exemplos de coerência, ousadia, radicalização, valentia de amar e crença
no povo) e, por fim, síntese cultural (retroalimentação entre liderança e povo).

Vale sublinhar que, em várias passagens, Freire alerta sobre o risco


de, ao assumirem o poder, os revolucionários incorrerem em burocratização,
sectarismo e verticalização; para ele, não pode haver contradição maior do que,
tal como já ocorrera em situações históricas concretas, a revolução atuar em
consonância com o mito da absolutização da ignorância das massas, tornando-
se, paradoxalmente, reacionária; daí a centralidade da tese da revolução como
processo de aprendizado político permanente (antes, durante e depois) ancorado
na unidade inquebrantável entre líderes e povo. Talvez, por isso, ao tratar do
caráter pedagógico da revolução, Freire sempre se remeta à ideia de ‘revolução
cultural’, como se dissesse que não há como mudar o mundo em direção à
liberdade emancipatória, igualdade substantiva e solidariedade desinteressada
sem, antes, os próprios seres humanos mudarem. Tanto assim que, em que pese
a diferença exibida entre si, os quatro princípios mencionados apontam todos
na direção daquilo que queremos chamar aqui de ‘solidariedade horizontal’
entre revolucionários, intelectuais, educadores e classes populares. Em suma,
temos aqui formulada a dialogicidade (revolucionária) pulsando em toda a sua
plenitude.

158
TÓPICO 3 | EDUCAÇÃO NA SAÚDE: INTEGRAÇÃO, ENSINO E SERVIÇO NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Deixando patente que sua matéria substancial reside na proximidade com


o espírito revolucionário, nos últimos três parágrafos da obra, Freire ‘justifica’ por
que se sentiu à vontade para problematizar a questão da revolução mesmo sem
ter sido um revolucionário do ponto de vista da ação política (ele o foi enquanto
educador) e ratifica sua fé na esperança:

É possível que algumas destas críticas [aos possíveis erros e equívocos


do ensaio] se façam pretendendo retirar de nós o direito de falar
sobre matéria – a tratada neste capítulo [e no ensaio como um todo]
– em torno de que nos falta uma experiência participante. Parece-nos,
contudo, que o fato de não termos tido uma experiência no campo
revolucionário não nos retira a possibilidade de uma reflexão sobre
o tema. Mesmo porque, na relativa experiência que temos com
massas populares, como educador, com uma educação dialógica
e problematizante, vimos acumulando um material relativamente
rico, que foi capaz de nos desafiar a correr o risco das afirmações que
fizemos. Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos, esperamos
que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na
criação de um mundo em que seja menos difícil amar (FREIRE, 2014,
p. 252-253).

FONTE: SOUZA, K. R. de; MENDONÇA, A. L. de O. A atualidade da ‘pedagogia do oprimido’ nos


seus 50 anos: a pedagogia da revolução de Paulo Freire. Trabalho, Educação e Saúde, v. 17, n.
1, p. 1-12, jan. 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00188. Acesso em: 4
mar. 2020.

159
RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• Independente da área de atuação de sua escolha, seja você professor, gestor


ou profissional assistencial, em algum momento entrará em contato com
profissionais em formação. O profissional de saúde tem a oportunidade de ser
um agente transformador da realidade da assistência à saúde.

• A educação na saúde é descrita como a sistematização e criação de materiais ou


conteúdos para formação de futuros profissionais de saúde.

• Ser competente pressupõe que o indivíduo detenha a capacidade de reunir


conhecimento teórico (saber), habilidades (saber fazer) e atitudes (querer
fazer) dentro de sua prática profissional diária.

• As metodologias ativas têm como objetivo principal a construção do


conhecimento de forma inovadora. Elas auxiliam o educador a guiar o aluno
de modo a construir competências e habilidades com base em um pensamento
crítico que permitirá tomadas de decisão eficientes e seguras.

• Algumas das metodologias ativas aplicáveis para a área da saúde são:


gamificação, aprendizagem baseada em projetos, sala de aula invertida,
aprendizagem baseada em problemas, peer instruction e simulação.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem


pensando em facilitar tua compreensão. Acesse o QR Code, que te levará ao
AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo.

160
AUTOATIVIDADE

1 Correlacione as metodologias ativas e suas características.

(1) Simulações.
(2) Peer Instruction.
(3) Aprendizagem baseada em problemas.
(4) Sala de aula invertida.
(5) Aprendizagem baseada em projetos.
(6) Gamificação.

( ) Metodologia ativa mais utilizada na área de saúde, estrutura problemas a


serem resolvidos e tem definidos os objetivos de aprendizagem.
( ) Preparo do aluno antes do encontro em sala de aula com base em um
material instrucional que será debatido entre o grupo presencialmente.
( ) Metodologia ativa aplicada em cursos da área de exatas, mas pode ser
adaptada para cursos da área de saúde ao trabalhar conceitos, sem deixar
de lado o desenvolvimento da habilidade de resolver problemas.
( ) Utilização de jogos para atividades que não estão no contexto de jogos.
( ) Uma abordagem de ensino eficaz, que melhora o desempenho e o
comprometimento dos alunos, pois estão diretamente envolvidos na
metodologia do projeto.
( ) Trabalha atividades práticas de modo a proteger e dar segurança antes do
contato com pacientes.

2 Escolha uma metodologia ativa e planeje uma atividade que poderia ser
desenvolvida em sala de aula com seus colegas. O tema central dos debates
deve ser aspectos éticos dos alunos em campo de estágio e seus desafios.

161
162
REFERÊNCIAS
AGRESTI, A.; FINLAY, B. Métodos estatísticos para as ciências sociais. 4. ed.
Porto Alegre: Penso, 2012.

ALBERTI, T. F. et al. Dinâmicas de grupo orientadas pelas atividades de


estudo: desenvolvimento de habilidades e competências na educação
profissional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 95, n. 240, p.
346-362, jun. 2019. Disponível em: http://dx.doi.org/10.24109/2176-6681.
rbep.95i240.311. Acesso em: 5 mar. 2020.

ALBUQUERQUE, A. Perspectiva bioética intercultural e direitos humanos.


Revista Bioética, Brasília, v. 23, n. 1, p. 80-88, abr. 2015. Disponível em: http://
dx.doi.org/10.1590/1983-80422015231048. Acesso em: 28 fev. 2020.

ALBUQUERQUE, A. Para uma ética em pesquisa fundada nos direitos


humanos. Revista Bioética, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 412-422, 2013.

ALMEIDA, D. R. de. et al. A simulação como estratégia de ensino-aprendizagem


em enfermagem: uma revisão integrativa. Revista Educação em Saúde, v.
6, n. 2, p. 98-105, dez. 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.29237/2358-
9868.2018v6i2.p98-105. Acesso em: 5 mar. 2020.

ALMEIDA, E. R.; MOUTINHO, C. B.; LEITE, M. T. de S. A prática da


educação em saúde na percepção dos usuários hipertensos e diabéticos. Saúde
em Debate, v. 38, n. 101, p. 328-337, 2014. Disponível em: http://dx.doi.
org/10.5935/0103-1104.20140030. Acesso em: 5 mar. 2020.

ALVES, L. R. G.; MINHO, M. R. da S.; DINIZ, M. V. C. Gamificação: diálogos


com a educação. In: FADEL, L. M. et al. (org.). Gamificação na educação. São
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