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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3

1 CONCEITUANDO A SAÚDE E A SAÚDE MENTAL ..................................... 4

1.1 Reflexão e implicações da conceituação de saúde e saúde mental ............... 6

1.2 Promoção de saúde mental ............................................................................ 7

1.3 A doença mental e a zona cinzenta que a separa da normalidade ................ 9

1.4 Facetas da psicopatologia ............................................................................ 11

1.5 Afinal, o que é doença mental? .................................................................... 12

1.6 Família e sociedade diante do adoecimento mental ..................................... 15

2 FUNDAMENTOS DE MENSURAÇÃO EM SAÚDE MENTAL ..................... 20

2.1 Indo além do vocabulário da psicometria ..................................................... 21

2.2 Utilidade dos instrumentos de avaliação ...................................................... 22

2.3 Qualidades de uma escala ........................................................................... 23

2.4 Como escolher a escala a ser usada............................................................ 24

2.5 Limites .......................................................................................................... 25

3 DIAGNÓSTICO E O DSM-5 ......................................................................... 25

3.1 O DSM-5 e os papéis e atributos do diagnóstico .......................................... 27

4 A COMPREENSÃO DE DIFERENTES ABORDAGENS À CLASSIFICAÇÃO


DIAGNÓSTICA............................................................................................. 29

5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ................................................................. 34


INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!
1 CONCEITUANDO A SAÚDE E A SAÚDE MENTAL

Antes de conhecer afundo uma área é necessário também aprender sobre sua
história. O conceito de saúde e doença são mutáveis e com o passar do tempo
houveram várias mudanças, pois, essas definições são influenciadas pela cultura,
religião, momento histórico, política e ciência.
A concepção biológica da saúde e da doença tem seu registro mais antigo
traçado por Hipócrates, na obra denominada Corpus Hippocraticum, no século V a.C.
O autor Hipócrates, citado por Tavares, 2019 delimita uma clara divisão do processo
saúde/doença com a religião: “Eis aqui o que há acerca da doença dita sagrada: não
me parece ser de forma alguma mais divina nem mais sagrada do que as outras, mas
tem a mesma natureza que as outras enfermidades”. Tal natura seria de origem
biológica, baseado no equilíbrio entre quatro fluidos do corpo: bile amarela, bile negra,
fleuma e sangue. Ainda que muito influente, a escola hipocrática não impediu a
influência religiosa sobre cuidado em saúde.
Em vários momentos da história, a saúde se media pela devoção e obediência
de acordo com os parâmetros religiosos, devido a doença ser considerada uma
punição divina pelos pecados cometidos. Por exemplo, a masturbação já foi tratada
como uma enfermidade provocadora de desnutrição (pela perda de esperma) e de
distúrbios mentais.
A saúde possui vários conceitos, de característica mística podemos observar
outro conceito na cultura oriental, Chase (2018) explica que os chakras são vórtices
de energia em rotação que ocorrem em sete partes do corpo, a consequência da
harmonização dessa energia é a saúde, enquanto o desequilíbrio nos chakras é a
doença. Já a homeopatia utilizada a lógica da "cura pelo semelhante". Ela é "[...] uma
terapêutica que utiliza preparação de substâncias cujos efeitos exercidos no indivíduo
saudável correspondem às manifestações do transtorno no paciente" (FISHER;
ERNST, 2015, documento on-line).
Comportamentos que desviam do recomendado pela cultura vigente também
já foram tratados como sinal de adoecimento. Como por exemplo, no século XIX, nos
Estados Unidos: a vontade de um escravo fugir ou a ausência de disposição para o
trabalho forçado tinham como diagnósticos respectivamente “drapetomania" e
“disestesia etiópica", ambas “doenças" tratadas com açoite (SCLIAR, 2007).

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A Organização Mundial da Saúde, em 1948, trouxe o seguinte conceito: “Saúde
é o estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de
doença”. Essa conceituação ampliou significativamente a noção de saúde, visto que
este passa a se alicerçar no tripé físico/biológico, psicológico/mental e social/cultural.
A compreensão sobre a assistência em saúde também é ampliada, redirecionando o
modelo exclusivamente curativista (foca unicamente no tratamento de doenças) para
a importância da prevenção de agravos, promoção de saúde e reabilitação.
Para que a saúde se consolide em nível individual e coletivo, é indispensável a
existência de saneamento básico, o acesso à alimentação saudável, as políticas de
imunização, o acesso a lazer e atividade física, a educação em saúde, dentre outros.
O governo brasileiro e o Ministério da Saúde não apresentam uma
conceituação de própria autoria acerca da saúde ou da saúde mental, porém, a
Constituição Federal de 1988 assegura a universalidade da assistência em saúde em
seu art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação" (BRASIL, 1988, documento on-line).
Esse direito representa uma ruptura com os modelos de saúde adotados até
então, no qual o acesso aos serviços de saúde eram exclusividades dos trabalhadores
com carteira de trabalho assinada e seus dependentes. Também assegura que não
deverá ocorrer qualquer forma de exclusão por classe social, etnia, idade, credo,
orientação sexual, naturalidade ou quaisquer outros motivos.
Uma crítica ao art. 196 argumenta que ele coloca o cidadão em uma posição
passiva e infantilizada, como se a saúde fosse um bem concreto que pudesse ser
dado a alguém sem exigir nenhuma ação por parte do indivíduo. O Estado pode
fornecer assistência, promoção e educação em saúde, pode promover acesso à
alimentação balanceada e barata, fomentar a prática de atividades físicas, garantir
saneamento básico, realizar imunização e prevenção de agravos, etc. Porém, o
indivíduo precisa ser corresponsabilizado pela própria saúde, pois somente ele tem o
poder de praticar os diversos hábitos de vida recomendados para garantir a própria
saúde física e mental. (TAVARES, 2019).

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1.1 Reflexão e implicações da conceituação de saúde e saúde mental

O conceito de saúde e de saúde mental é mutável, e retrata o momento


histórico de sua construção. No período atual em que vivemos, o anseio é pela
percepção holística e integrativa da saúde, abrangendo várias concepções sobre a
saúde e materializando no conceito de saúde proposto pela Organização Mundial da
Saúde (OMS). Não se trata de uma “superação” ou “evolução” dos modelos
anteriores, mas, sim, da valorização e integração deles.
O conceito apresentado pela OMS é passível de críticas, uma delas afirma que
o conceito é idealizado e utópico, visto que o completo bem-estar físico, mental e
social é irrealizável a qualquer pessoa. Não há ser humano que possa ser considerado
saudável caso o conceito de saúde seja elucidado de modo concreto e literal. Pode
ocorrer a interpretação alternativa de que cada indivíduo está em um processo de
saúde/doença contínuo e mutável.
Uma segunda crítica reflete acerca da possibilidade de o conceito promover um
Estado demasiadamente paternalista e intervencionista, podendo assumir posturas
autoritárias justificadas pela busca do completo bem-estar social (SCLIAR, 2007).
Ademais, distintas culturas e indivíduos podem ter ideias diferentes sobre quais
elementos constituem o “bem-estar social”.
Não é somente no campo teórico que encontraremos implicações da
caracterização da saúde e saúde mental. As óticas previamente explanadas podem
ser percebidas no cotidiano clínico ao se entrevistar clientes e seus familiares.
As diversidades de sintomas psiquiátricos podem ocasionar interpretações
como: possessão demoníaca, “encosto”, “falta de Deus no coração” ou outras
manifestações de caráter religioso, conduzindo o tratamento a orações, sessões de
descarrego, exorcismo ou cirurgia espiritual. Essa forma de interpretação tem a
capacidade de ser prejudicial ao cliente caso o afaste ou atrase o início de
intervenções com embasamento científico.
O comportamento completamente distante do que se espera culturalmente,
mesmo na atualidade, também pode ser considerado transtorno mental.
A título de exemplo observe o transtorno de personalidade dependente, esse
transtorno se caracteriza pela notável dificuldade de tomar decisões cotidianas,
discordar de terceiros, tomar iniciativa por conta própria e se assumir como uma

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pessoa autônoma e independente. Uma mulher com esses aspectos poderia na
cultura ocidental do século XXI ser considerada como portadora de transtorno mental,
contudo, nas culturas muçulmanas tradicionais, essa mulher teria status de esposa
exemplar pela sua submissão ao marido.
Devemos tomar o cuidado de não posicionar a compreensão biológica da
saúde como modelo “correto” ou absoluto. Essa visão trouxe inquestionáveis avanços
a todas as áreas da medicina. Entretanto, sua utilização de forma única e restrita
resultou em décadas de aplicação do modelo biomédico, hospitalocêntrico, curativista
e centrado no especialista. Suas limitações são claras na psiquiatria e na medicina
psicossomática, mas mesmo doenças de etiologia inquestionavelmente biológica
devem ser avaliadas sob a ótica biopsicossocial. Uma parasitose, por exemplo, não
deve ser tratada exclusivamente com a prescrição de anti-helmínticos. Também deve
ser realizada educação em saúde sobre lavagem de mãos, higiene pessoal, cuidados
com alimentos, verificação de acesso a água tratada e saneamento básico, rastreio
de familiares e envolvimento dos pais em todo o processo de tratamento. (TAVARES,
2019).

1.2 Promoção de saúde mental

Muitos hábitos de vida e traços de personalidade possuem relações com a


menor incidência e prevalência de doenças mentais. Indivíduos que possuem maior
espiritualidade e envolvimento religioso dispõe de uma propensão inferior ao
desenvolvimento de transtornos mentais, ademais, apresentam autorrelatos com
níveis ainda mais elevados de felicidade. Porém o estímulo ao cliente em exercer uma
religião específica, não deve ocorrer, visto que há o perigo de ocasionar uma
degradação no relacionamento profissional-cliente ou mesmo realizar conduta
antiética. Porém, existe a possibilidade de estímulo ao cliente para se aproximar de
seu credo e se reintegrar à sua comunidade religiosa.
Existe uma grande variedade de estudos que correlacionam a prática de
atividades físicas com maior saúde mental e até mesmo a melhora de sintomas
depressivos e de sintomas ansiosos. Insta acrescentar que, a prática de atividade
física contribui para os controles pressórico e glicêmico, na manutenção de peso

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saudável e na menor incidência de câncer e doenças cardiovasculares. (TAVARES,
2019).
O sono preservado contribuiu para a manutenção e recuperação da saúde
mental, e a boa higiene no sono tem papel fundamental no sono de qualidade. Veja o
Quadro a seguir que apresentam as recomendações para esse cuidado:

HIGIENE DO SONO

O que fazer O que não fazer

Ter ambiente propício ao sono:


Tomar café ou cafeinados, fumar ou
quarto escuro, silencioso, com boa
ingerir bebidas alcoólicas nas horas
temperatura, cama confortável
precedentes ao horário de dormir.
e com tamanho adequado.

Ter horários regulares para dormir e Assistir televisão e usar computador


acordar, mesmo aos finais de semana. ou celular logo antes de dormir.

Praticar atividades físicas Realizar exercícios físicos nas três


preferencialmente pela manhã horas precedentes ao sono.

Praticar leitura, atividades calmas Fazer grandes refeições próximo


e relaxantes antes de dormir. ao horário de dormir.

Usar a cama somente para


Tirar cochilos ao longo do dia.
dormir e atividade sexual.

(TAVARES, 2019, p. 6)

Para concluir, vejamos um pouco sobre a meditação, prática que vem se


destacando tanto na promoção da saúde mental quanto no tratamento de transtornos
mentais, essa prática pode ser exercitada de forma direta ou em conjunto com ioga,
reiki ou mesmo integrada a um tratamento psicoterápico. Trata-se de um processo
que leva a um estado mental caracterizado pela atenção não julgadora ao momento
presente, incluindo as sensações, os pensamentos, o ambiente, o estado corporal e

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a consciência enquanto encoraja a abertura, a curiosidade e a aceitação. (TAVARES,
2019).

1.3 A doença mental e a zona cinzenta que a separa da normalidade

A divisão dos processos psíquicos normais dos patológicos não pode prescindir
dos modelos humanísticos para a completa apreensão dos fenômenos mentais. É
indispensável abranger diferentes referenciais teóricos, como o psicológico, o social e
o biológico. (TAVARES, 2019).
Cumpre salientar que há muita controvérsia sobre o conceito de normalidade e
de saúde em psicopatologia. Observe o quadro a seguir que apresenta os critérios de
normalidade.
Conceito de
Descrição
Normalidade

O normal seria simplesmente aquele que não tem um


Normalidade como ausência de transtorno mental. Trata-se de um critério falho ao definir
doença a normalidade por aquilo que ela não é. Ademais, é muito
estigmatizaste.

Aqui se estabelece de forma arbitrária uma normal utópica,


Normalidade ideal supostamente mais "evoluída", perfeitamente inserida a
critérios socioculturais e ideológicos arbitrários.

Trata-se de um conceito de normalidade baseado em


Normalidade estatística dados quantitativos, e não qualitativos. O normal seria
aquilo que é menos frequente, nos extremos da curva.

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Aqui se enquadra o conceito adotado pela OMS. É um
conceito muito vasto e impreciso, já que bem-estar não
Normalidade como bem-estar
pode ser definido objetivamente, além de ser
demasiadamente utópico.

Aqui leva-se em conta os aspectos dinâmicos do


desenvolvimento psicossocial, do movimento de
Normalidade como processo desestruturação e reestruturação nos ciclos da vida. Trata-
se de um conceito particularmente útil na avaliação de
crianças e adolescentes.

A decisão da normalidade e da doença fica a cargo da


percepção do próprio indivíduo. Critério falho em qualquer
Normalidade subjetiva
caso de transtorno mental com baixo insight, como ocorre
na esquizofrenia e fase maníaca do transtorno bipolar.

O patológico acontece na medida em que produz


sofrimento para o próprio indivíduo e/ou seu grupo social.
Normalidade funcional
A disfuncionalidade se dá por prejuízos acadêmicos,
laborais, conjugais, familiares e sociais.

A doença mental seria a perda da liberdade existencial, a


fossilização das possibilidades existenciais. O normal
Normalidade como liberdade dispõe de senso de realidade, senso de humor, tem
capacidade de relativizar os problemas e encontrar prazer
na realidade.

(TAVARES, 2019, p. 7)

Observe que não há uma concepção única e definitiva acerca da normalidade,


de modo que podem ser utilizadas diversamente conforme o contexto clínico.
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1.4 Facetas da psicopatologia

Diversamente do que acontece em diferentes áreas da saúde, não há uma


única teoria ou um único agente etiológico que elucide o fenômeno dos transtornos
mentais. Mediante isso, é necessário que o profissional psiquiátrico conheça os
diferentes referenciais teóricos, apresentados no quadro a seguir:

Conceito de
Descrição
psicopatologia

Psicopatologia O interesse está na forma das alterações psíquicas, na estrutura dos


descritiva sintomas e na sua presença ou ausência.

O foce está no conteúdo das vivências, na experiência individual, nos


Psicopatologia
movimentos internos e nos desejos e temores do indivíduo, os quais
dinâmica
não são necessariamente classificáveis.

Psicopatologia O adoecimento ocorre por falhas no cérebro, com processos


Biológica neuroquímicos desregulado provocando os sintomas clínicos

O indivíduo é visto como uma "existência singular", que é


Psicopatologia essencialmente histórico e humano, apenas habitando o corpo
existencial biológico. O adoecimento se dá como uma forma trágica de ser no
mundo, uma existência dolorosa para si e para os outros
Psicopatologia A doença se dá por meio de comportamentos disfuncionais realizados
comportamental- por representações cognitivas disfuncionais, aprendidas e reforçadas
cognitivista pelas experiência pessoal e sociofamiliar.
Para a psicanálise, o ser humano é dominado por conflitos e desejos
Psicopatologia inconscientes. A doença se dá pela interação entre tais conflitos com
psicanalítica as normais culturais e com a possibilidade de satisfação desses
desejos.
As doenças mentais são compreendidas como específicas e
Psicopatologia individualizadas e são constituídas por um conjunto de sinais e
categorial sintomas específicos, havendo uma fronteira nítida entre cada
transtorno mental.

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Este modelo é antagônico à psicopatologia categorial, argumentando
ser mais próximo da realidade, pois o conjunto de queixas
Psicopatologia
apresentadas pelos indivíduos dificilmente se enquadram
dimensional
exclusivamente em uma categoria. Cria-se então o “espectro bipolar”,
“espectro da esquizofrenia”, etc.
Os transtornos mentais seriam comportamentos desviantes que
Psicopatologia
surgem a partir da discriminação, da pobreza, da migração, do
sociocultural
estresse, da desmoralização, etc.
(TAVARES, 2019, p. 8)

Observe que não há apenas um referencial psicopatológico capaz de abranger


toda complexidade da pessoa humana. Cada modelo apresentado tem seus pontos
fortes e suas limitações. Diante das situações clínicas, cabe ao profissional
compreender o indivíduo da forma mais completa possível e, consequentemente,
utilizar o referencial mais adequado a cada caso e a cada momento. (TAVARES,
2019).

1.5 Afinal, o que é doença mental?

É evidente que não cabe a possibilidade de gerar um conceito definitivo sobre


saúde mental, normalidade e psicopatologia, tendo em vista as várias conceituações
apresentadas por esses termos. Inevitavelmente, qualquer concepção de doença
mental será limitada e incompleta.
O conselho de especialistas da associação américa de psiquiatria realizou a
classificação das doenças mentais e publicou no Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM, do inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders), o mais recente manual se encontra em sua quinta edição (DSM-5),
lançado em 2013. A classificação internacional das doenças (CID) segue modelo
semelhante ao DSM. (TAVARES, 2019).
O conselho elaborador do DSM escolheu utilizar o conceito psicopatológico
categorial: cada transtorno mental é descrito como um conjunto de sinais e sintomas
manifestados no decorrer de determinados critérios diagnósticos. Há a utilização de
muitos conceitos de normalidade, entretanto, a normalidade funcional é predominante,
mediante isso, o transtorno mental ocorre a partir do ponto em que os sinais e
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sintomas apresentados causam limitações objetivas no trabalho, na vida conjugal, no
relacionamento familiar, no desempenho acadêmico e no convívio social ou ao menos
grande sofrimento psíquico subjetivo (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION,
2014, apud TAVARES, 2019).
Os sintomas que levam a esse sofrimento nominado “clinicamente significativo”
podem ser experiências vivenciadas na normalidade (como tristeza, medo ou
ansiedade), porém em intensidade, frequência e duração intensificados. Sintomas que
não são comuns na normalidade também podem ocorrer, como por exemplo os casos
de alucinações de delírios. Insta salientar que qualquer vivência que faça parte de um
contexto religioso, cultural ou político-partidário nunca pode ser considerada sintoma
ou doença mental. (TAVARES, 2019).

Veja como exemplo os critérios diagnósticos para mutismo seletivo segundo o


DSM-5:

Fracasso persistente para falar em situações sociais específicas nas quais existe a
expectativa para tal (por exemplo, na escola), apesar de falar em outras situações.

A perturbação interfere na realização educacional ou profissional ou na comunicação


social.

A duração mínima da perturbação é um mês (não limitada ao primeiro mês da


escola).

O fracasso para falar não se deve a um desconhecimento ou desconforto com o


idioma exigido pela situação social.

A perturbação não é mais bem explicada por um transtorno da comunicação nem


ocorre exclusivamente durante o curso de transtorno do espectro autista, da
esquizofrenia ou de outros transtornos psicóticos.

(TAVARES, 2019, p.11)

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No exemplo apresentado no quadro, podemos observar a existência de uma
vivência relativamente comum (dificuldade ou vergonha de falar em determinadas
situações sociais), mas, devido a sua intensidade e duração (a dificuldade se
transforma em incapacidade), ocorre de alguma forma o prejuízo funcional ao
indivíduo. É necessário se atentar ao cuidado em excluir situações que poderiam
justificar determinado comportamento.
O diagnóstico categorial apresenta uma certa ineficiência, pois os transtornos
mentais nem sempre se enquadram completamente nos limites de um único
transtorno. A título de exemplo, a pessoa que sofre de depressão frequentemente terá
queixas relacionadas à ansiedade, podendo ou não se enquadrar em um diagnóstico
adicional.
Ademais, é mais comum a ocorrência de transtornos mentais em conjunto com
outros do que isoladamente, como é o caso dos transtornos de personalidade. Se
estatisticamente a comorbidade psiquiátrica é mais frequente do que um diagnóstico
isolado, há de se inferir que ambos os transtornos seriam na verdade manifestações
de uma única doença, e não dois ou mais diagnósticos isolados.
Tendo em vista que um conselho de especialistas definiu os critérios para os
diagnósticos, eles são vulneráveis a falhas e vieses humanos. Grupos de pesquisa
tentam classificar os transtornos mentais de acordo com um mecanismo
etiopatogênico biológico subjacente (como disfunção do sistema serotoninérgico,
noradrenérgico, etc.), sem sucesso até o momento.
Apesar do diagnóstico categorial apresentar determinadas limitações, a
escolha desse método se deu pelo fato possuir uma série de vantagens. Inicialmente
ele permite uniformizar o diagnóstico psiquiátrico ao redor do mundo, possibilitando a
troca de informações confiáveis por pesquisadores e profissionais de saúde. Se não
houvesse uma padronização diagnóstica não caberia a possibilidade de comparação
entre as descobertas de um estudo com outro (tendo em vista a hipótese que cada
um utilizou diferentes critérios para classificar os enfermos). Também permite a
realização de pesquisas clínicas sobre a efetividade do tratamento (medicamentoso
ou não medicamentoso), levantamento de dados estatísticos e epidemiológicos e
investigação de mecanismos fisiopatogênicos. Sem embasamento científico, a
psiquiatria não seria diferente do curandeirismo.

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É importante destacar que a realização de um diagnóstico formal é apenas uma
parte da avaliação psiquiátrica. Os demais elementos excluídos do diagnóstico podem
e devem ser avaliados na prática clínica. (TAVARES, 2019).

1.6 Família e sociedade diante do adoecimento mental

Conforme já foi abordado, as concepções de saúde, saúde mental e doença


mental possuem influência do período histórico em que estão inseridos.
Por muitos anos, as pessoas atingidas por transtornos mentais foram isoladas
da família e da sociedade em instituições hospitalares chamadas de manicômios, o
objetivo dessas instituições era de proteger a sociedade dos riscos advindos da
loucura e proteger o próprio paciente de sua família. Faz parte da história da
psiquiatria um tratamento baseado na intolerância, tendo o cárcere dos pacientes com
doenças mentais como uma forma de “proteger” a sociedade da loucura.
Esse método de cuidar possuiu grande influência da idealização de que as
pessoas com doenças mentais seriam capazes de influenciar negativamente na
sociedade e de que sua família poderia ser a causadora de seu adoecimento psíquico.
Mediante isso, por ser “nociva”, a família foi retirada de cena e o cuidado foi delegado
a terceiros.
Nos manicômios, a pessoa com transtornos mentais era submetida a vários
tipos de tratamento e não poderia manter contato com seus familiares enquanto o
tratamento durasse. Tendo em vista que as famílias eram excluídas do contexto de
tratamento, era cabível a elas apenas duas hipóteses:

 A espera da alta quando os profissionais de saúde achassem conveniente.


 A aceitação de uma hospitalização para o resto da vida do familiar adoecido.

O modelo excludente de manicômios mostrou-se com o passar do tempo ser


ineficiente e colaborando negativamente para a cronificação de doenças. Assim, a
partir da década de 1950 iniciou na Europa um movimento político-social chamado de
desinstitucionalização psiquiátrica. Esse movimento tinha como objetivo a defesa dos
direitos daqueles afetados por transtornos mentais, exigir melhorias nas formas de
tratamento e buscar uma reintegração familiar e comunitária do paciente.

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Em 1970, o movimento de desinstitucionalização psiquiátrica se iniciou no
Brasil, esse movimento de modificação nas práticas de cuidados aos possuidores de
transtornos mentais foi iniciado e proposto por trabalhadores, usuários e familiares
dos serviços de psiquiatria, impulsionados por condições precárias de trabalho em
saúde mental e pela necessidade de um atendimento psiquiátrico de base comunitária
não excludente.
A Reforma Psiquiátrica brasileira foi um movimento político e social, que tinha
como foco a aquisição de novas práticas em saúde mental, essa reforma propôs uma
modificação de um modelo hospitalocêntrico para um voltado em atenção em redes,
com recuperação, promoção, prevenção de agravos e, principalmente, com a
ressocialização.
Essas medidas propostas pela Reforma Psiquiátrica ganharam força a partir de
1986, quando se realizou a oitava Conferência Nacional da Saúde, na qual foi formada
uma comissão a fim da elaboração de novas propostas para a assistência psiquiátrica
brasileira. Foi proposto por essa comissão que:

 Os atendimentos em psiquiatria fossem com enfoque multiprofissional.


 Disponíveis em todos os níveis de atenção (primária, secundária e terciária).
 Serviços ambulatoriais especializados deveriam ser criados.

Em 6 de abril de 2001 se efetivou a consolidação de todas as alterações nas


práticas de cuidado em saúde mental, através da promulgação da Lei Federal nº.
10.216 que oficializou o atendimento psiquiátrico comunitário no Brasil ao dispor sobre
a necessidade de um tratamento humanizado às pessoas com sofrimento emocional,
concebendo serviços de base comunitária para o atendimento destas como o Centro
de Atenção Psicossocial (CAPS). (TAVARES, 2019).
Depois da criação da Lei Federal nº. 10.216/2001, surgiram outras leis e
portarias para a regulamentação do atendimento psiquiátrico comunitário, porém, a
promulgação de leis e portarias não garantiram a efetivação de todas as práticas
inovadoras no âmbito da saúde mental. É insuficiente a cobertura de serviços na
comunidade e falta profissionais qualificados para o trabalho, ademais a reinserção
do adoecido no âmbito intrafamiliar sem o devido preparo das famílias e comunidades
para o convívio com essas pessoas.

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A literatura evidencia que a reaproximação da família com o portador de
transtorno mental é permeada de contradições, como a imposição de um “retorno para
casa” do paciente, sem a oferta de serviços extra-hospitalares em números suficientes
e sem levar em consideração o desgaste a que ficam sujeitos os familiares.
O cuidado com uma pessoa que possui transtorno mental é um desafio para a
família, sendo a aceitação da doença e do adoecido pelos integrantes familiares um
elemento indispensável para a reabilitação psicossocial. A existência de um ente
familiar adoecido mentalmente impacta todos os membros da família e a comunidade
local que ele habita. Devido à exigência de uma nova demanda de atenção e cuidados,
a rotina da família pode alterar gerando uma sobrecarga.
A convivência com um portador de uma patologia psiquiátrica nem sempre será
harmônica e os familiares irão lidar periodicamente com o sentimento de insegurança,
limitações e conflitos, exigindo que a família, como grupo, esteja em constante
movimento de repensar e reorganizar suas dinâmicas de convívio. Mediante isso,
cabe a cada membro familiar o dever de adquirir um papel e um significado próprio
para conseguir administrar o novo cotidiano da vida familiar.
O ato de cuidar de uma pessoa que sofre com um transtorno mental implica em
aceitar que aquele membro familiar não apresentará mais comportamentos já
conhecidos e pode manifestar sintomas de autodestruição, agressividade e
isolamento, por exemplo. Hábitos inadequados de higiene, alimentação e gastos
financeiros também podem gerar nos familiares sentimentos de raiva, ansiedade e
frustração. Além disso, os cuidadores também devem ofertar cuidados no sentido de
acompanhamento em consultas, supervisão medicamentosa, organização domiciliar
e responsabilidade com custos advindos do tratamento.
Insta salientar acerca dos estudos, eles apontam que a imprevisão do
comportamento da pessoa adoecida debilita expectativas sócias, fazendo com que os
familiares motivados pela vergonha e pelo cansaço se distanciem de suas atividades
sociais.
Porém, ainda que o transtorno mental ocasione muitas modificações na rotina
das famílias, elas devem ser consideradas como um grupo com grande potencial de
acolhimento e ressocialização. É no contexto familiar que se desenvolvem aspectos
relativos à sociabilidade e afetividade, sobretudo durante a infância e à adolescência.
(TAVARES, 2019).

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Estudos afirmam que a inclusão das famílias nos cuidados em saúde mental
está vinculada a um declínio no número de reinternações e na cronificação de
patologias psiquiátricas. No decorrer do tempo as famílias desenvolvem artifícios para
manejo de suas próprias dificuldades e até conseguem prever uma possível
intensificação dos sintomas procurando por ajuda profissional rapidamente.
O incessante sofrimento pode ocasionar uma maior união entre os familiares,
reforçando os vínculos familiares e proporcionando forças para aceitar e enfrentar a
caminhada do “cuidar juntos”.
Porém, há a necessidade de auxílio dos profissionais de saúde as famílias para
a compreensão do significado de vivenciar um transtorno mental em um ente familiar.
É preciso que os profissionais de saúde estimulem as vivencias saudáveis entre os
familiares, mediante diálogo, troca de afeto e compartilhamento de experiências.
Nos dias atuais, infelizmente, a comunidade ainda apresenta a concepção de
que a pessoa com transtorno mental se encontra sob condição de anormalidade
humana, colocando-a em posição de periculosidade e de incapacidade. A doença
psiquiátrica não é apenas um conjunto de sintomas, ela representa uma simbologia
moral, psicológica e social.
É comum que a sociedade subjugue a capacidade do acometido por doença
mental, o infantilizando e retirando a possibilidade de ele ser o protagonista de sua
própria história. O estereótipo de inutilidade faz com que o enfermo diversas vezes
não consiga um emprego, e gerando a família o ônus financeiro.
É sabido que o transtorno mental possui várias casualidades como biológicas,
sociais e psicológicas, porém, ainda está entranhada na sociedade a concepção de
que a pessoa com esse tipo de transtorno é alguém incapaz e merecedor de
isolamento.
A presunção de incapacidade faz com que o adoecido não obtenha
oportunidades de atuação desde atividades como confecção de seu próprio alimento
até a reinserção no mercado de trabalho. Isso faz com que o mesmo entre em um
ciclo de não oportunidades, podendo fazer com que sentimentos de
autodesvalorização ganhem maiores proporções e, inevitavelmente, migrem para o
isolamento social. (TAVARES, 2019).
O imaginário coletivo negativo é uma condição sine qua non para a efetivação
de práticas de cuidados comunitários. O suporte ofertado pelas redes sociais na

18
comunidade é um aspecto fundamental na inclusão social de pessoas com transtornos
mentais.
As redes sociais em uma comunidade proporcionam ao indivíduo a organização
de sua identidade pessoal por meio de trocas e experiências e promove o sentimento
de pertencimento. Essas interações podem se formalizar nos bairros, nas igrejas ou
nos trabalhos e a partir da interação com o outro é possível que o indivíduo obtenha
uma imagem refletida de si próprio, favorecendo um processo de autorreflexão das
potencialidades e fraquezas.
Apesar da importância do convívio social, as pessoas com transtornos mentais
ainda encontram dificuldades em estabelecer e manter suas redes sociais, em razão
do contexto atual da sociedade que ainda impera a discriminação e o preconceito. Há
um paradigma emergente na atualidade e que precisamos lidar: o sujeito adoecido
mentalmente e sua relação com a sociedade.
Hoje estamos em um cenário que preza uma nova lógica de atendimento, que
é a lógica da inclusão. Devemos perpassar a concepção de apenas um aparelho
psíquico adoecido para um indivíduo imerso de um complexo histórico e cultural.
O transtorno mental é um fenômeno pouco compreendido e aceito e cabe aos
serviços de saúde especializados na área a ruptura da casualidade linear entre
doença e periculosidade. O trabalho deve ser feito de uma forma de atinja o maior
número de pessoas e espaços distintos, pois o adoecimento mental está em todos os
lugares. Se almejamos que a lógica excludente seja revista e quebrada, nós, como
profissionais de saúde, devemos orientar a população acerca dos mitos envoltos na
temática e como ações comunitárias podem auxiliar nos clientes acometidos por
transtornos mentais.
Os serviços especializados em psiquiatria, como CAPS, Residências
Terapêuticas, Ambulatórios de Saúde Mental e Hospitais Dia, devem orientar seus
trabalhos para as necessidades do cliente, deslocando as práticas para a comunidade
por meio da transdiciplinariedade. Deve-se haver uma ampliação dos espaços de
tratamento em saúde mental para uma rede de atenção à saúde, por exemplo, dentro
da atenção primária.
Fortalecendo os espaços de atenção ao portador de transtorno mental,
conseguiremos efetivar os pressupostos da reforma psiquiátrica e fazer com que a

19
sociedade se sinta cada dia mais corresponsável pelos indivíduos que adoecem
mentalmente.
Por fim, o que almejamos é esclarecer que retirar os clientes com patologias
psiquiátricas do modelo de tratamento hospitalocêntrico foi uma prática importante,
mas que de nada adianta se não for ofertado um suporte profissional à comunidade e
à família que estão acolhendo esses adoecidos.
Retirar do hospital e inserir no âmbito familiar sem suporte é criar um ambiente
de sofrimento para ambos, cliente e família. A função dos profissionais é identificar as
potencialidades da família e da comunidade e utilizar isso como um recurso
terapêutico que melhorará a qualidade de vida de todos os envolvidos. (TAVARES,
2019).

2 FUNDAMENTOS DE MENSURAÇÃO EM SAÚDE MENTAL

Na década de 1960, a chegada dos psicofármacos, estimulou a elaboração e a


aplicação de instrumentos de avaliação. A psicometria como ciência remonta ao fim
do século XIX, com diversos estudos experimentais em psicologia. Todavia, devido à
necessidade de medir a eficácia dos medicamenemandaram, o avanço de
ferramentas capazes de constatar mudanças na sintomatologia em função da
intervenção terapêutica e de uma metodologia específica para selecionar pacientes.
A psicometria se consolidou como uma disciplina própria de estudo, que se vale de
técnicas estatísticas complexas, tornando sofisticada a efetividade da mensuração.
Preliminarmente, se supôs que a utilização de escalas de avaliação em todas
as pesquisas garantiria a rigidez científica que auxiliou a incorporar essa disciplina na
prática clínica. Os ensaios clínicos dco, tanto na área de psicofarmacologia como na
área de epidemiologia/saúde pública, e sanaria vários problemas na pesquisa clínica
e na avaliação de grandes amostras populacionais. Contudo, ainda depois de mais de
meio século da introdução dos primeiros instrumentos, se faz necessário a
necessidade de uma ampla disseminação do conhecimento, tanto teórico como
prático, para sua correta utilização. (GORENSTEIN, 2016).

20
2.1 Indo além do vocabulário da psicometria

Constituem expressões presentes no vocabulário de clínicos e pesquisadores


brasileiros de diversas áreas: “Escalas”, “questionários”, “inventários”, “entrevistas” e
“instrumentos” de avaliação. Enquanto grande parte acredita que os instrumentos de
avaliação são úteis, muitos não saberiam explicar de forma precisa para que, e em
quais circunstâncias se utilizam os instrumentos de avaliação. Quais os benefícios e
desvantagens para o clínico, para o pesquisador e para o paciente? De forma
resumida, as perguntas são: por que, para que e como usar instrumentos de
avaliação?
O termo “validação” também é utilizado constantemente, pois é necessário
validar uma escala antes de usá-la numa pesquisa. Grande parte dos pesquisadores
reconhecem que, além da mera tradução de um instrumento, a escala também deve
ser validada antes de sua aplicação a um idioma/ambiente diferente do original.
(GORENSTEIN, 2016).
Entretanto, a forma de fazer isso na prática não é tão evidente, gerando
questionamentos como por exemplo:

 Como se traduz um instrumento?


 Qual metodologia deve ser utilizada na validação?

A população-alvo, o número de pessoas e testes estatísticos constituem


questionamentos importantes nesse processo. De forma sucinta a pergunta é:

 Como validar um instrumento?

Ademais, persistem algumas perguntas comuns devido à dificuldade de


respondê-las:

 Qual instrumento deve-se usar para uma determinada finalidade?


 Como escolhê-lo?
 O que determina a qualidade de um instrumento?
 A que tipos de cuidados os pesquisadores devem estar atentos na sua aplicação e
interpretação?
 Como escolher e utilizar um instrumento?

21
2.2 Utilidade dos instrumentos de avaliação

Inicialmente, é necessário saber que uma escala de avaliação em saúde mental


é um instrumento padronizado composto por um conjunto de unidades que permitem
quantificar características psíquicas, psicológicas ou comportamentais que nem
sempre são observáveis. A determinação da presença de um sintoma passa,
necessariamente, pela subjetividade do paciente e/ou do avaliador. As escalas de
avaliação são adequadas para aferir a intensidade, a frequência ou mudanças de
sintomas, porém não servem para fazer um diagnóstico clínico, que é função das
entrevistas diagnósticas.
O uso metódico de escalas padronizadas pode colaborar na busca dos
indivíduos que necessitam de tratamento, acompanhamento ou intervenção.
Ademais, complementa o diagnóstico clínico, uma escala é utilizada para examinar as
características clínicas de uma certa doença, documentar a gravidade e o nível
necessário de cuidado. No decorrer do tratamento, a utilização de escalas sensíveis
a mudanças auxilia no monitoramento da melhora e dos efeitos adversos da
intervenção. Essas avaliações também são relevantes para determinar o prognóstico
e definir a decisão de tratamento ou conduta administrativa.
A utilização das escalas padronizadas, também beneficiam os pacientes, tendo
em vista que elas garantem a cobertura de sinais e sintomas e evitam sua omissão
associados ao problema. No momento em que os sintomas são quantificados e
acoplados de acordo com um sistema de consenso (p. ex., o Manual diagnóstico e
estatístico de transtornos mentais – DSM ou a Classificação internacional de doenças
e problemas relacionados à saúde – CID), há o aperfeiçoamento na consistência das
avaliações, seja no decorrer do tempo ou entre os examinadores. A uniformização da
linguagem é imprescindível para aprimorar a comunicação entre profissionais e
pacientes.
Porém, as escalas padronizadas possuem suas desvantagens. Um aspecto a
considerar são os custos implicados no seu uso, o tempo do paciente e do clínico, a
necessidade de treinamento, os gastos com a aquisição do instrumento, material e
equipamentos associados. O uso indiscriminado de um instrumento pode, por sua vez,
levar à detecção inadequada de muitos casos sem demanda real de tratamento.
Portanto, é preciso ponderar sobre os custos e benefícios da aplicação de

22
determinada escala considerando todos os participantes de uma pesquisa.
(GORENSTEIN, 2016).

2.3 Qualidades de uma escala

Uma escala sem validação é válida? E sem confiabilidade, é confiável? O que


atesta a qualidade de um instrumento?
Preliminarmente, a criação de uma escala deve ser orientada por princípios
teóricos considerados adequados, e o instrumento resultante deve possuir fortes
propriedades psicométricas, entre essas propriedades atribuídas às escalas de
avaliação, destacam-se a confiabilidade e a validade, vejamos:

Refere-se à qualidade da medida em relação a sua precisão, ou seja,


um instrumento é mais confiável quanto menor forem os erros por
viés ou acaso. “Confiabilidade”, “fidedignidade”, “reprodutibilidade” e
“estabilidade” de uma escala são termos equivalentes que garantem
Confiabilidade
que o efeito de uma intervenção seja documentado com exatidão.
Essas propriedades são principalmente importantes no caso de
ensaios clínicos cujas conclusões dependam da credibilidade das
medidas repetidas.

Refere-se à capacidade de um instrumento de medir aquilo que ele


se propõe a avaliar. Os pesquisadores devem certificar que a escala
Validade realmente consegue mensurar o efeito de interesse, isto é, o
construto medido pela escala. Ambas, confiabilidade e validade, são
determinadas com diferentes metodologias.

(GORENSTEIN, 2016)
23
Um instrumento que manifesta boas evidências de qualidades psicométricas
em sua língua original pode ter suas propriedades alteradas e prejudicadas ao ser
traduzido para outro idioma. A maior parte das escalas utilizadas no Brasil foi
confeccionada em língua inglesa. As primeiras escalas de avaliação adotadas em
nosso país, eram traduzidas e sua aplicação em pesquisas ocorria sem estudos
formais sobre suas qualidades. Possivelmente, a necessidade de atuar de forma
competitiva no meio internacional no campo da psicofarmacologia fez pesquisadores
brasileiros escolherem a utilização de instrumentos ainda não validados em nosso
meio. A título de exemplo, podemos citar a Escala de Depressão de Hamilton, de uso
disseminado desde a década de 1980, que apenas em 2014 obteve sua merecida
validação no País.
A pura e simples tradução do instrumento por várias vezes se mostra
inapropriada ou insuficiente para começar a usá-lo. As expressões idiomáticas que
não possuem equivalência linguística e cultural devem ser adequadas para o idioma
português-brasileiro, assim como para a cultura local e para comportamentos
sancionados socialmente. Ademais, as manifestações clínicas, a evolução e o
prognóstico de muitos transtornos mentais podem sofrer a influência de fatores
socioculturais. O instrumento final, após os processos de tradução e adaptação
transcultural, precisa ainda de estudos adicionais de validação no novo ambiente para
que sua equivalência na população-alvo seja estabelecida. A exigência de validação
transcultural de um instrumento envolve processo demorado e trabalhoso, porém
necessário. (GORENSTEIN, 2016).

2.4 Como escolher a escala a ser usada

Nas últimas décadas, foram traduzidos reformulados, validados e publicados


na literatura científica de nosso país, uma grande quantidade de instrumentos de
avaliação. Mediante isso, um número crescente de escalas se incorporou ao uso
clínico e em pesquisa no Brasil. Sendo assim, o aparente cenário favorável gera a
necessidade de estabelecer critérios que direcionem a escolha do instrumento mais
adequado para cada finalidade.
A existência de informações psicométricas apropriadas e o objetivo da pesquisa
direcionado ao contexto da escala são fundamentais para escolha. Não seria sensato

24
utilizar uma longa entrevista estruturada, que requer treinamento especializado, para
avaliar um aspecto específico da patologia, como, por exemplo, uma fobia específica.
É importante também saber exatamente como utilizar, interpretar os resultados
e evitar os erros oriundos de fatores que interferem na medida. (GORENSTEIN, 2016).

2.5 Limites

Um grande obstáculo para o desenvolvimento da pesquisa em saúde mental


tem sido a dificuldade em objetivar e quantificar a psicopatologia. Escalas de avaliação
não são instrumentos fáceis de se utilizar. Para o professor Márcio Versiani, citado
por Gorestein (2016) “[...] a não observação dos limites e as dificuldades da utilização
e da análise de resultados das escalas de avaliação psiquiátrica foram o maior
demolidor do otimismo inicial quanto ao potencial desses instrumentos”.
O termo demolidor utilizado pelo autor tem sua referência voltada
principalmente para o mau uso das escalas. Um escore total de uma escala é uma
quantificação aproximada, que nem sempre traduz a complexidade do fenômeno
psíquico. Por exemplo, um indivíduo com escore global no Inventário de Depressão
de Beck compatível com depressão leve pode ser clinicamente grave caso tenha
pontuação alta em pensamento suicida. O contrário, uma pontuação alta, nem sempre
indica um caso grave de depressão. O uso da escala de avaliação, portanto, não
dispensa a avaliação e a interpretação clínicas. (GORENSTEIN, 2016).

3 DIAGNÓSTICO E O DSM-5

Clínicos percebem padrões, os detectando nas experiências, comportamentos


e achados físicos de seus pacientes. Mediante isso, os clínicos buscam a
compreensão desses aspectos da vida do paciente – a natureza, o momento e a
sequência de experiências, achados, atributos e comportamentos – e, ao fazê-lo,
estabelecem o diagnóstico.
Por sua vez, o diagnóstico se constitui como uma compreensão ou julgamento
feito com uma certa confiança quanto ao modo como o padrão identificado na vida do
paciente se compara em relação aos outros observados na medicina clínica. Através
dessa estrutura comparativa que um diagnóstico pode auxiliar a direcionar a procura
25
por outras características que distinguem um processo de doença, pode transparecer
uma causa subjacente, pode conceder subsídios para a que se opte por uma
abordagem terapêutica e pode revelar acerca do que o futuro reserva para o paciente
e para aqueles que o amam e que se importam com ele. O DSM-5 fornece a estrutura
comparativa atual para doenças psiquiátricas. (ROBERTS, 2017).
O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais tem como sua 5ª
versão o DSM – 5, trata-se de um guia que tem como objetivo caracterizar condições
significativas de saúde mental que atingem indivíduos situados em todas as regiões
do mundo. O DSM-5 se desenvolveu e se tornou mais rígido e abrangente, de acordo
com a Compreensão de Diferentes Abordagens à Classificação Diagnóstica, sendo
esse manual a representação de pareceres atuais de mestres clínicos e cientistas da
área psiquiatra, uma especialidade da medicina; em psicologia clínica; e em
profissões relacionadas à área da saúde. Sempre que houver a disponibilidade de
convincentes indícios, os diagnósticos do DSM-5 serão qualificados por evidências
das neurociências básicas e clínicas e das ciências do comportamento. O diagnóstico
de condições de saúde mental, assim como de condições de saúde física, com
frequência depende de dados cuja natureza é descritiva ou subjetiva – por vezes com
pouca verificação empírica e seguidamente sem uma explicação biológica clara. Por
causa desses desafios, sempre que couber a possibilidade, o DSM-5 insere a
utilização de avaliações ou medições formais para conferir maior coerência e precisão
ao processo diagnóstico. De forma conjunta, os diagnósticos do DSM-5 representam
um sistema útil para caracterizar fenômenos amplamente diversos em contextos
amplamente diversos. (ROBERTS, 2017).
O mais relevante talvez seja que os critérios diagnósticos do DSM-5 fornecem
um sistema valioso para clínicos em seu trabalho de amparo aos pacientes e também
para proporcionar uma linguagem em comum entre especialidades distintas. Também
podem ser utilizados os critérios diagnósticos do DSM para uma comunicação e criar
ideias que possam permitir uma compreensão ainda melhor sobre a condição do
paciente além de suas possíveis origens e provável futuro. Hipóteses diagnósticas
podem direcionar ao recolhimento de dados suplementares – Por exemplo, A
obtenção de maiores detalhes sobre a história do paciente, ou até mesmo novos
resultados de exames laboratoriais –, os quais, por sua vez, irão permitir que algumas
ideias sejam eliminadas e outras ganhem respaldo. O processo iterativo de geração

26
de hipóteses e testes empíricos é de grande importância para se chegar a um
diagnóstico bem considerado e criteriosamente fundamentado, a base para a tomada
de decisões terapêutica e para o melhor resultado para o paciente.
Atingir a precisão de um diagnóstico é de suma relevância para uma assistência
clínica embasada, porém a obtenção de um diagnóstico implica tantos ônus e riscos
como benefícios para os pacientes. A autoridade de fornecer um diagnóstico é o poder
de deter tanto a dádiva da compreensão e do alívio, por um lado, quanto, por outro, o
problema de atribuir rótulos e possível estigma. Minimizar a carga do fardo de uma
doença psiquiátrica enquanto, ao mesmo tempo, há a tentativa de “não causar danos”
pode ser algo difícil de produzir, principalmente quando é levado em consideração os
preconceitos e a concepção errônea que persiste no meio social com relação a
doenças neuropsiquiátricas e condições relacionadas. A reputação de excelência de
um clínico, portanto, não se baseia na simples capacidade de chegar ao correto
diagnostico de uma doença. Um clínico excelente tem o julgamento profissional para
diagnosticar uma doença com rigor e também com uma compreensão da experiência
da doença e o significado completo de tê-la “nomeada” no contexto da vida do
paciente.
Em um estudo concentrado sobre os critérios diagnósticos do DSM-5, de forma
conjunta com a experiência clínica, e qualificado pelo estudo de ciências básicas e
aplicadas relevantes, promove o desenvolvimento do julgamento profissional. Tanto
para clínicos em treinamento quanto para profissionais experientes dedicados a
aprender ao longo da vida, o Guia de estudo para o DSM-5 é uma ferramenta para
atingir esse objetivo. (ROBERTS, 2017).

3.1 O DSM-5 e os papéis e atributos do diagnóstico

Existe uma narrativa com relação a uma pessoa que perdeu as chaves do carro
à noite. Essa pessoa procurou as chaves próximo a um poste de luz, ainda que o
provável local que as tenha perdido seja a uma quadra de distância. Quando indagado
por que as procurava naquele lugar, respondeu que as estava procurando no único
local que podia pois havia luz suficiente para enxergar. Compreender a base
fundamental ou o sustentáculo da queixa de saúde mental de um paciente,
frequentemente exige uma busca nos locais, os quais, na melhor das hipóteses, há

27
pouca luz. Com efeito, embora o esforço cada vez maior de preencher a lacuna entre
as descobertas da neurociência e a prática clínica, até o momento escassos
descobrimentos tiveram a capacidade de esclarecer com exatidão as causas de
doenças psiquiátricas. Apesar de ser desanimador para alguns, o mistério das funções
e a patologia do cérebro humano representam uma fronteira extraordinária. A análise
de que persistem muitos questionamentos sem as devidas respostas em neurociência
é, para muitos, um “chamado” para explorar questões importantes para a espécie
humana.
Como há a ausência de uma neurociência definitiva para oferecer explicações
causais para a saúde e a doença humanas, o DSM-5 é essencialmente dependente
de descrições – coisas que os pacientes experimentam e contam sobre suas
experiências (“sintomas”) e coisas observadas pelo clínico e por outros (“sinais”) e,
em menor grau, achados laboratoriais e resultados de neuroimagem. Devido a
abordagem descritiva ou “fenomenológica” do DSM-5, em vez de uma abordagem
causal ou “etiológica”, possui uma associação de evidências científicas e o consenso
de opiniões apresentadas por especialistas como sua base. Devido aos avanços
antecipados em ciência e aprofundamento de especializações, o DSM-5 se trata de
uma “obra em andamento” intencional. O melhor modo de se compreender o DSM-5
é como uma estrutura sistemática, que se qualifica por experiências e evidências, a
qual reflete o amadurecimento, além de sistemas diagnósticos anteriores. Ainda, por
ser um documento “vivo”, certamente irá mudar com o tempo. (ROBERTS, 2017).
O autor ainda continua sua explicação sobre o DSM-5:

O DSM-5 é uma estrutura diagnóstica de orientação fenomenológica, e sua


importância ultrapassa a assistência clínica, a ciência da saúde e a formação
nas profissões da área da saúde. Essa estrutura também tem incontáveis
aplicações na sociedade e é usada todos os dias por professores, advogados,
juízes, legisladores, administradores hospitalares, seguradoras e membros
interessados do público. Para todos que usam o DSM-5, vale lembrar que a
ciência biomédica é um empreendimento humano e que a história da
medicina está repleta de exemplos em que abordagens graduais,
sistemáticas e orientadas por evidências com enfoque em fenômenos
observáveis renderam avanços impressionantes em resultados para a saúde,
por exemplo, mesmo quando as causas subjacentes eram desconhecidas.
Assim como John Snow conseguiu identificar a utilidade de evitar o consumo
de água contaminada para impedir a disseminação da cólera antes da
identificação de sua causa bacteriana (Paneth, 2004), o uso de abordagens
diagnósticas de derivação empírica com base em critérios descritivos pode –
e frequentemente o faz – produzir alívio de morbidade psiquiátrica.
Diferentemente da causa da cólera – a bactéria Vibrio cholerae –, as causas
da morbidade psiquiátrica envolvem muitas vias biológicas e interações
ambientais complexas que serão elucidadas paulatinamente nas próximas

28
décadas (Frances e Widiger, 2012). Todavia, a estimulante neurociência
básica e clínica apresenta grande potencial atualmente, e suas implicações
são reveladas todos os dias. Enquanto se aguardam novas respostas
científicas evidentemente definitivas referentes às causas e à prevenção das
doenças mentais, os clínicos irão utilizar a abordagem cada vez mais rigorosa
e meticulosamente descritiva do DSM-5 para ajudar a aplicar esse trabalho
em todos os locais, sejam eles em ambiente clínico, sejam eles na
comunidade, em sala de aula ou no tribunal. (ROBERTS, 2017).

O diagnóstico do DSM-5 tanto para o clínico, quanto para o paciente se presta


a várias funções e tem vários atributos. Pode-se compreender o diagnóstico como
uma hipótese, como uma forma de comunicação, como uma fonte de sofrimento,
como um risco e como uma “dádiva” terapêutica. Cada um desses aspectos do
diagnóstico possui relevância, em consonância com a abordagem do clínico e a saúde
dos pacientes. (ROBERTS, 2017).

4 A COMPREENSÃO DE DIFERENTES ABORDAGENS À CLASSIFICAÇÃO


DIAGNÓSTICA

Dar um nome, um diagnóstico, a uma doença decorrente de uma causa


específica e conhecida é intuitivamente fácil. Pneumonia pneumocócica, por exemplo,
é uma doença na qual o pulmão é infectado pela bactéria Streptococcus pneumoniae.
Ela afeta tipicamente crianças, idosos ou indivíduos imunocomprometidos e pode
provocar febre alta, tosse, falta de ar, respiração acelerada e dor no peito. Sem
tratamento, essa infecção pode levar à morte ou a uma incapacidade permanente.
Uma pessoa com teor elevado de açúcar no sangue devido a falta de insulina – porque
as células beta do pâncreas que produzem insulina foram destruídas por um processo
autoimune – tem diabetes tipo 1. E uma pessoa que quebrou a perna em um acidente
de bicicleta terá uma perna quebrada, a qual pode ser caracterizada como uma fratura
óssea exposta, completa, cominutiva ou por compressão.
Quando as causas de uma doença forem indeterminadas, as formas de
identificar e classificar a disfunção e a perturbação da saúde – ao atribuir nomes ou
“diagnósticos” aos problemas – são menos intuitivas. No contexto de doença mental,
a origem da maioria dos transtornos mentais é desconhecida, e biomarcadores
definitivos para diversos transtornos ainda precisam ser descobertos. Anos atrás, os
diagnósticos psiquiátricos eram baseados em premissas – afirmações de causalidade
basicamente sem possibilidade de verificação. Sem etiologia, patogênese ou
29
biomarcadores discerníveis evidentes, os diagnósticos psiquiátricos ficaram definidos
por meio da fenomenologia – ou seja, vinculando-se o nome de uma doença a um
conjunto específico de sintomas e sinais que, juntos, representam uma “síndrome”
psiquiátrica.
A identificação de limites claros entre síndromes diferentes é essencial para a
validade dos diagnósticos. Contudo, estabelecer esses limites revelou-se uma tarefa
difícil no caso de depressão maior, anorexia nervosa, esquizofrenia, transtornos de
estresse pós-traumático e dependência de álcool, entre outras doenças. Pelo fato de
um diagnóstico preciso propiciar informações úteis sobre etiologia, tratamento e
prognóstico, devemos manter o objetivo de diferenciar processos de doença. O
esforço em melhorar a classificação diagnóstica é a proposta do DSM-5, que faz uso
das descobertas de estudos clínicos e epidemiológicos. Em estudos clínicos, o
diagnóstico se baseia principalmente na investigação diagnóstica de queixas
relatadas e na observação clínica do paciente. Em epidemiologia, os sintomas são,
em sua maior parte, achados que surgem por meio do processo de indagação
sistemática. Por exemplo, faz-se ao indivíduo uma série de perguntas sobre diferentes
sintomas psiquiátricos de base; respostas positivas a sintomas essenciais
desencadeiam a investigação de sintomas adicionais com a finalidade de alcançar um
diagnóstico. O DSM-5, portanto, utiliza uma abordagem que está em consonância com
o método que um médico usa para obter conclusões diagnósticas: com cada resposta,
o diagnóstico se aperfeiçoa.
Exemplo de caso: aperfeiçoamento de um diagnóstico
O Sr. Ramos, um homem de 48 anos com um diagnóstico já antigo de
transtorno esquizo-afetivo, perdeu sua filha há um ano em um acidente no qual ela foi
atingida por um carro. Ele é de origem hispânica e, durante toda a vida, ateve-se a
valores e crenças religiosas bastante tradicionais. Ele informa seu psiquiatra de que
está “em desespero”, mas sente-se consolado pelas “visitas” de sua filha todas as
noites. Ele a “vê” no esvoaçar da cortina da janela todas as noites ao adormecer. Suas
visitas começaram alguns meses antes. Ele falou sobre as visitas da filha com seu
pároco, que, segundo o paciente, primeiro pensou que as visitas eram “boas”, mas
recentemente disse ao paciente que estava “preocupado” e acreditava que ele deveria
“falar com seu médico” sobre as visitas.

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O Sr. Ramos nunca usou álcool nem outras substâncias. Reitera que se sente
triste “quase” todos os dias, especialmente pela manhã, e que perdeu quase 7 quilos.
Afirma que a perda de peso não foi intencional e que se deve ao fato de sua filha não
estar mais presente para preparar feijão e suas enchiladas favoritas. Continua com
seu regime de medicamentos, que inclui medicação para sintomas psicóticos e de
humor. Trabalha há mais de 30 anos no sítio da família. (ROBERTS, 2017).
De acordo com Roberts (2017) são questões a considerar:

 De que “fatos” o psiquiatra dispõe para compreender essa história clínica?


 O Sr. Ramos sente “desespero” – este é um sintoma? Qual o diagnóstico diferencial
que acompanha esse achado?
 O Sr. Ramos não se sente aflito com as “visitas” da filha. Ainda assim, elas se
tornaram motivo de preocupação de terceiros. Como essa experiência se relaciona
ao que pode ser considerado normal na comunidade religiosa do paciente?
 Qual deveria ser a maior preocupação do psiquiatra? Por exemplo, quais problemas
graves de saúde física ocorrem quando um indivíduo adormece (p. ex., alucinações
hipnagógicas) à noite? Que outros dados clínicos são necessários para aperfeiçoar
o quadro diagnóstico?

O autor ainda aduz que quando se cria uma estrutura diagnóstica, deve-se
compreender e organizar os fenômenos clínicos em diferentes níveis hierárquicos e
componentes:

 Ao criar um diagnóstico, a estrutura representa o nível mais básico. Exemplos de


itens que podem ser incluídos nessa lista são resultados de testes laboratoriais,
pontuação em escalas de avaliação ou o respaldo de sintomas ou queixas em uma
lista de verificação.
Nesse contexto, um fato é uma característica para a qual é possível definir um
valor normativo e seus limites (p. ex., um valor médio com seu desvio-padrão). Por
exemplo, membros da população em geral dormem, em média, 6 horas e 45 minutos
(Ohayon et al., 2004). Essa quantidade – 6,75 horas – é uma norma estatística.
Padrões diferentes de sono representam variações ou desvios dessa norma e
estabelecem a faixa de alcance de variações no comportamento do sono. Pode-se
executar pesquisas para investigar as variações extremas a essa norma (p. ex., dois
desvios-padrão da norma, ou percentis 5 e 95) e examinar as consequências
31
relacionadas à saúde em indivíduos cujos padrões de sono se encontram em
extremos. Esse processo de identificar normas e os extremos dos valores normativos
(nesse caso, o comportamento do sono) é uma forma determinada por evidências de
fazer a distinção entre características clínicas altamente específicas que, por
definição, indicam a presença de diagnósticos específicos.
Uma lista de fatos não atribui relevância nem importância a itens individuais.
Mesmo assim, tem valor no sentido de que pode ser usada em pesquisa, como em
identificação de normas em uma população determinada. Um exemplo é a experiência
de ouvir o próprio nome falado quando não há ninguém presente. Esse “achado” pode
ser visto como um sintoma de doença psicótica, mas dados baseados em normas
revelam que essa experiência ocorre habitualmente entre indivíduos que de forma
alguma encontram-se “doentes”.
Em outro exemplo, o parkinsonismo tem diversas causas e nem sempre é
indicativo de doença de Parkinson. No entanto, existem as características chamadas
“patognomônicas”. Por exemplo, em psiquiatria, fácies semelhante a um esquilo
devido ao inchaço da glândula parótida está intimamente associada à presença de
bulimia nervosa; essa aparência tem poucas outras causas, todas muito raras. Em
pediatria, manchas de Koplik são lesões na mucosa que demonstram a presença da
infecção prodrômica de sarampo; em neurologia, corpúsculos de Negri são lesões no
encéfalo que demonstram a presença de infecção por raiva; e, na medicina geral,
corpos de Aschoff são nódulos inflamatórios extremamente distintos no coração, que
demonstram a presença de febre reumática. A presença de achados patognomônicos
se torna um fato que aponta para um diagnóstico, mas, ainda assim, estabelecer o
diagnóstico é um julgamento executado pelo clínico.

 Queixas representam o segundo nível mais básico. Esquemas de classificação


diagnóstica também podem ser orientados quanto à categorização das queixas do
paciente – ou seja, preocupações relatadas pelo paciente. A importância da queixa
reside no fato de que ela revela o que é percebido como um problema de saúde
para o indivíduo. Para pesquisadores da área da saúde, estudar queixas de
pacientes pode ajudar a compreender quais são os motivos para a busca por ajuda
e como essa busca se relaciona ao ônus do sintoma. As queixas do paciente, além
disso, refletem a necessidade percebida de assistência em grupos e populações
maiores e podem ser usadas para avaliar a eficiência dos provedores de
32
assistência em saúde ao reconhecerem e satisfazerem essas necessidades
percebidas.
 Sintomas são fatos e queixas, ou preocupações do paciente, que se relacionam à
patologia e, então, podem ser interpretados pelo clínico. O conhecimento e o grau
de especialização do clínico influenciam o sucesso da identificação dos sintomas e
seu significado. Os sintomas podem, então, se tornar o elemento fundamental em
uma estrutura diagnóstica, embora possam ter um componente subjetivo.
 Critérios diagnósticos são coleções de sintomas e observações clínicas agrupadas
para definir entidades clínicas facilmente, de forma que profissionais de assistência
à saúde as identifiquem confiavelmente e sejam capazes de falar sobre elas. Essas
coleções de sintomas e observações clínicas podem ser agregadas em síndromes,
as quais permitem esforços mais aperfeiçoados de validação de entidades
diagnósticas mais específicas. Uma investigação no nível de critérios também
oferece a oportunidade de explorar manifestações de doença, cuja relação entre a
sintomatologia e patologia ou prejuízo o indivíduo afetado pode ignorar ou deixar
de compreender. Assim, uma síndrome é uma coleção de critérios ou sintomas
necessários para o diagnóstico. Contudo, outros diagnósticos possíveis (o
diagnóstico diferencial) ainda não podem ser descartados.
 Transtornos baseiam-se nos elementos anteriores – fatos, queixas, sintomas,
critérios e síndromes. Transtornos representam uma coleção bem definida de
elementos patológicos agrupados em um padrão identificado como necessário para
que um diagnóstico seja feito. A precisão em definir categorias diagnósticas dessa
forma é importante para a comunicação acurada entre clínicos, pesquisadores e
professores; e os diagnósticos têm valor para as pessoas que vivem com essas
condições uma vez que intervenções apropriadas podem ser identificadas,
introduzidas e avaliadas por sua eficácia. (ROBERTS, 2017).

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5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

GORENSTEIN, Clarice, Instrumentos de avaliação em saúde mental [recurso


eletrônico] / Organizadores, Clarice Gorenstein, Yuan-Pang Wang, Ines
Hungerbühler. – Porto Alegre: Artmed, 2016.

Roberts, Laura Weiss. Guia de estudo para o DSM-5 [recurso eletrônico] / Laura
Weiss Roberts, Alan K. Louie ; tradução: Régis Pizzato ; revisão técnica: Neury José
Botega. – Porto Alegre : Artmed, 2017.

TAVARES, Marcus Luciano de Oliveira. Saúde mental e cuidado de enfermagem


em psiquiatria [recurso eletrônico] / Marcus Luciano de Oliveira Tavares, Luiza
Elena Casaburi, Cristiane Regina Scher; [revisão técnica: Bruno Vilas Boas Dias] –
Porto Alegre: SAGAH, 2019.

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