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Pensamento

Filosófico e
Social no Brasil
Pensamento Filosófico
e Social no Brasil

José Adir Lins Machado


Claudiane Ribeiro Balan
Mariana de Oliveira Lopes Vieira
© 2015 por Editora e Distribuidora Educacional S.A

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Machado, José Adir Lins


M149p Pensamento filosófico e social no Brasil / José Adir Lins
Machado, Claudiane Ribeiro Balan, Mariana de Oliveira
Lopes. – Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.
A., 2015.
180 p. : il.

ISBN 978-85-8482-199-0

 1. Filosofia - Brasil. 2. Sociologia - Brasil. I. Balan,


Claudiane Ribeiro. II. Lopes, Mariana de Oliveira. III. Título.

CDD 101

2015
Editora e Distribuidora Educacional S. A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041 ‑100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Sumário

Unidade 1 | As principais características da filosofia no Brasil 7

Seção 1 - A herança portuguesa 11


1.1 | A formação do pensamento português 11
1.2 | O panorama reflexivo no Brasil 14
1.3 | O itinerário da história das ideias 19

Seção 2 - A existência ou não de uma filosofia brasileira 25


2.1 | O panorama da reflexão filosófica no Brasil 25

Seção 3 - Características da filosofia no Brasil 37


3.1 | Traços distintivos do povo brasileiro 37
3.2 | A contribuição de Gonçalves de Magalhães 41
3.3 | A contribuição de Raimundo Farias Brito 44

Unidade 2 | Os pensadores da filosofia brasileira 57

Seção 1 - A influência positivista e a Escola do Recife 61


1.1 | O positivismo de Auguste Comte 61
1.2 | A escola do Recife 64
1.3 | A escola do Recife, o positivismo e demais correntes 65

Seção 2 - A contribuição de Tobias Barreto 71


2.1 | Tobias Barreto 71

Seção 3 - A contribuição de Farias Brito 83


3.1 | A formação de Farias Brito 83
3.2 | A carreira de Farias Brito 85
3.3 | As realizações de Farias Brito 88
3.4 | Farias Brito e a política 89
3.5 | Desfechos familiares e morte 91

Unidade 3 | Sociologia no Brasil: história e desafios 101

Seção 1 - Sociologia histórica 105


1.1 | O padrão sociedade 105
1.2 | O início 106
1.3 | Os grandes pensadores: Karl Marx 108
1.4 | Os grandes pensadores: Émile Durkheim 112
1.5 | Os grandes pensadores: Max Weber 114
1.6 | Expandindo as fronteiras 116
1.7 | Conceitos e princípios 118

Seção 2 - Sociologia no Brasil 123


2.1 | No Brasil 123
2.2 | Alguns pensadores brasileiros: Octávio Ianni 124
2.3 | Alguns pensadores brasileiros: Florestan Fernandes 127
2.4 | O ressurgimento 127

Seção 3 - Sociologia e seus desafios modernos 131


3.1 | Sociologia e seus apêndices 132

Unidade 4 | Valores morais e éticos 145

Seção 1 - Contribuições filosóficas acerca da ética e da moral 149


1.1 | A ética e moral na história 150
1.1.1 | Ética grega 150
1.1.2 | Ética socrática 150
1.1.3 | Ética platônica 151
1.1.4 | Ética aristotélica 151
1.1.5 | Ética helenística: epicurismo e estoicismo 152
1.1.6 | Ética cristã 153
1.1.7 | Ética moderna 154

Seção 2 - A ética e a moral na sociologia 157


2.1 | A contribuição dos Clássicos da Sociologia no debate sobre 157
moral e ética
2.2 | Ética na docência 166

Seção 3 - A sociologia no ensino médio 169


3.1 | Histórico da disciplina de Sociologia no Ensino Médio: lutas e 169
resistências
Apresentação

Olá, pessoal! No livro “Pensamento Filosófico e Social no Brasil” estudaremos


na Unidade 1 “As Principais Características da Filosofia no Brasil”, em que estaremos
apresentando sua trajetória e as influências na cultura brasileira. Portanto,
perpassaremos pela herança portuguesa, e a indagação da existência ou não
de uma filosofia brasileira. Na Unidade 2 possibilitaremos a observação sobre a
classificação das diferentes concepções de filosofia no país.

O objetivo é apresentar as contribuições reflexivas das principais personalidades


brasileiras vinculadas à questão da produção filosófica. Neste sentido,
apresentaremos a Influência Positivista e a Escola do Recife; a Contribuição de
Tobias Barreto e a Contribuição de Farias Brito.

Dentro desta perspectiva, estudaremos na Unidade 3 a Sociologia no Brasil:


História e Desafios, analisando assim os traços principais das etapas, períodos e
evolução de sua institucionalização.

Na Unidade 4, correspondente aos Valores Morais e Éticos, perpassaremos pela


análise das questões éticas e morais nos campos da Filosofia e da Sociologia.

Dessa forma, o conteúdo do livro indica um modo de viver a vida, de observar de


forma crítica a relação homem e sociedade com muito mais clareza e satisfação.
Os textos apontam caminhos simples e objetivos, dos quais o que se pretende
é ampliar os conhecimentos e a forma de observar o mundo e a natureza,
enriquecendo desta forma a trajetória acadêmica do aluno e, ao mesmo tempo,
ampliando a sua especialização na área profissional.

Neste contexto, desejamos um excelente estudo aos nossos estudantes e


leitores desta obra, cujos autores alvitram a ampliação dos conhecimentos com
base no pensamento filosófico e social no Brasil.

Prof. Sergio de Goes Barboza


Unidade 1

AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
DA FILOSOFIA NO BRASIL

José Adir Lins Machado

Objetivos de aprendizagem:

Nessa unidade pretendemos apresentar a trajetória do pensamento filosófico


no Brasil. Compreendendo primeiramente a formação do pensamento
português e a sua posterior influência na formação da cultura brasileira. Faremos
uma reflexão sobre a existência ou não de uma filosofia genuinamente nacional,
bem como uma abordagem sobre as diversas concepções de filosofia presentes
em nosso país, de acordo com a interpretação dos principais estudiosos do
assunto no Brasil.

Seção 1 | A herança portuguesa


A formação da cultura lusitana traz no seu bojo a participação de muitas
visões de mundo, por vezes, a princípio, antagônicas, porém dentro de uma
convivência pacífica e tolerante, fato que colocaria Portugal em um patamar
diferenciado com relação aos demais países europeus. Contudo, próximo da
época do descobrimento do território brasileiro, ocorre uma guinada no campo
epistemológico, educacional, político e religioso, com a participação mais efetiva
da Ordem Jesuítica, e isso terá repercussões até mesmo em solo brasileiro.

Seção 2 | A existência ou não de uma filosofia brasileira


Pretendemos, nessa seção, possibilitar ao estudante obter clareza na
classificação das diferentes concepções de filosofia existentes em nosso país,
e, sobretudo, que possa perceber que é bastante comum haver uma confusão
acerca da existência da Filosofia em si, com filosofias de vida ou pensamentos
com viés ideológico, buscando perpetrar-se em nossa sociedade e dificultando
a objetividade na distinção epistemológica do campo filosófico.
U1

Seção 3 | Características da filosofia no Brasil


Apresentaremos uma análise do desdobrar da filosofia em solo brasileiro,
passando pelas principais correntes que nos foram legadas pelos portugueses
e sofrendo a influência das demais correntes de pensamento que afloraram
na Europa durante a Idade Moderna, indo desde a visão cartesiana até ao
espiritualismo francês, mas sempre com uma conotação eclesiológica,
senão com resquícios da influência teológica remanescente da Escolástica.

8 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Introdução à unidade

Figura 1.1 | A coruja alça voo no crepúsculo. Buscaremos apresentar, nesta


unidade, as características mais
marcantes da história da filosofia
no Brasil. Para tanto, já é bom
que se diga que há uma grande
diferença entre a Filosofia no Brasil
e a Filosofia do Brasil, ou filosofia
brasileira. Alguns, inclusive, para
referir-se à filosofia brasileira, usam
o termo “filosofia tupiniquim”.
Fato que, por si, já evidencia
uma espécie de menosprezo por
nossas correntes de pensamento.
Se é que elas existem. Diante
Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Coruja.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015. disso, o primeiro passo talvez
seja, justamente, decidir: existe ou
Figura 1.2 | Existe “filosofia não uma filosofia brasileira? Por
tupiniquim”? gentileza, caro(a) estudante, pedimos que não tente
responder pelo ímpeto, pois essa questão merece
muita reflexão.

A coruja é o símbolo da filosofia por


ter visão abrangente – girar a cabeça para todos
os lados – e por só alçar voo sob o crepúsculo. O
que significa dizer que devemos observar tudo, sob
todos os ângulos possíveis, ponderar bastante e não
tirar conclusões precipitadas. Quem fala antes de
pensar, quem fala sem pensar, quem fala e depois
se arrepende, demonstra estar bem distante dos
ditames filosóficos, pois a filosofia é reflexão crítica e
profunda.

Rubem Alves dizia ter um profundo desejo de


oferecer cursos de “escutatória” ao invés de cursos
Fonte: Disponível em: <http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:India_tupi.
de oratória, pois escutar é tão ou mais importante
jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. do que falar. Quando se chega a essa conclusão,
2015.

As principais características da filosofia no Brasil 9


U1

começa-se a ser filósofo.

Quando os alunos começam a estudar filosofia ou quando conversamos


com alguém que não é da área, é bastante comum nos indagar: “existe algum(a)
filósofo(a) brasileiro(a)?” A resposta para essa pergunta vai depender de uma
contextualização um pouco extensa, não dá para apresentar uma boa resposta de
modo superficial. Não existe um sim ou um não e ao mesmo tempo existe um sim
e um não. Onde reside a dificuldade em se ter filósofo(a) brasileiro(a)?

Grosso modo, filosofia é reflexão sobre a realidade, mas não pode ser sobre
a realidade muito recortada, muito pontual ou subjetiva, senão não interessa para
ninguém; e também não pode ser sobre uma realidade universal que prescinda
do contexto onde nos encontramos, senão pouco acrescenta sobre o que já foi
elaborado.

Figura 1.3 | Suevos e Assim como acontece com a história, onde


visigodos coabitavam em as crianças aprendem a história do mundo antigo
território português. antes de conhecer a história da sua cidade, também
na filosofia aprendemos a refletir sobre a realidade
antiga, sobretudo, mas não aprendemos a refletir
sobre o que está acontecendo hoje em dia em nossa
cidade e em nosso país.

Existem pessoas que são mais propensas a


filosofar de modo inato, têm essa verve filosófica:
questionam, se posicionam e aprofundam as
questões. E existem outras que podem até estudar e
se formar em Filosofia, mas nunca aprenderão a fazer
filosofia. É como estudar arte e nunca se tornar um
artista, ou estudar música e nunca ser um músico.

Nesta unidade apresentaremos a questão


da herança portuguesa legada à filosofia brasileira e
qual o seu impacto em nossa formação e reflexão
Fonte: Disponível em <http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Sisebuto,_rey_ filosóficas. Posteriormente faremos uma reflexão
de_los_Visigodos_(Museo_del_Prado).
jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. sobre a Filosofia e as filosofias, numa tentativa de
2015. perceber o alcance da nossa maneira de fazer
filosofia. E, por último, veremos as características
mais presentes no desenvolvimento da filosofia em
nosso país.

10 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Seção 1

A herança portuguesa
A título de introdução a esta seção, queremos lembrar-lhe que a Filosofia anda
muito próxima de diversas outras áreas do conhecimento, e a história é uma delas.
Por isso, para se entender a filosofia no Brasil é preciso fazer um resgate da história
da filosofia em Portugal. Os portugueses foram os responsáveis por nos inserir na
cultura europeia através da língua, da religião, de aspectos culturais e folclóricos, entre
outros. Contudo, a formação do pensamento português não se fez sem contradições.
Cabe lembrar que contradições bem conduzidas são salutares e podem ajudar no
crescimento cognitivo.

1.1 A formação do pensamento português


Coabitavam na Península Ibérica povos de diversas tendências, tais como cristãos,
judeus e árabes. Além disso, havia também uma forte presença africana decorrente
da proximidade desse continente. Fato que, possivelmente, contribuiu para a criação
de um espírito de tolerância com o diferente, pois cristãos e muçulmanos, em
tempos de paz, negociavam continuamente, se visitavam e até casavam seus filhos
misturando as culturas. Chegavam, inclusive, a realizar cultos cristãos e muçulmanos
nos mesmos templos, conforme nos relata João Cruz Costa (1904-1978) (1967, p.
17), o qual afirma ainda:

Quer nos parece que o humanismo, o realismo que caracteriza a cultura


portuguesa explica-se, em parte, pela influência que ela recebeu da
cultura árabe e das necessidades originadas desse convívio com povos
de religião e tendências diversas. Como é sabido, dos árabes receberam
os ibéricos o conhecimento da filosofia grega e, principalmente,
a interpretação “física”, que lhe deram os primeiros. Foi sob a sua
influência e também sob a influência do senso prático dos judeus que,
no alvorecer do Renascimento, os portugueses iniciaram a sua obra
náutica. O isolamento em que se mantém a ciência portuguesa leiga
– de tendência profundamente empírica – em face do movimento
filosófico de inspiração propriamente continental é mais um sintoma
assaz sugestivo da influência da cultura árabe em Portugal.

As principais características da filosofia no Brasil 11


U1

Nessa época a ciência escolástica (dominada pela Igreja com base principalmente
nos pensamentos de São Tomás de Aquino) e a ciência leiga (emancipada desde
Galileu Galilei e fortalecida com as contribuições de Isaac Newton, sobretudo)
estavam se distanciando. Na escolástica predominava um modelo de ensino erudito,
mas na Península Ibérica se fazia ciência aplicada enriquecida com a sutileza da
argumentação teológico-filosófica. Prefigurando o empirismo e o pragmatismo,
reinava em Portugal um espírito positivo em dissonância com os demais países
europeus. As escolas náuticas são bons exemplos dessa tendência; auxiliadas por
uma visão franciscana que visava aproximar o homem e a natureza, diferentemente
da Península Itálica, por exemplo, que primava pela atividade industrial.

Para melhor aproveitamento e enriquecimento dos estudos, sugerimos


que você faça uma pesquisa sobre a história de Portugal, a sua formação,
suas características, o seu território e, sobretudo, os avanços e retrocessos
no tocante ao campo do conhecimento. Pode usar o site http://www.
historiaportugal.com/, para essa pesquisa.

Figura 1.4 | Símbolo da Ordem Jesuíta. A descoberta do novo mundo


contribuiu muito para ajustes profundos
na física, na cosmologia e na geografia
da época, e autoridades consagradas
das ciências, sobretudo Aristóteles,
passaram a ser questionadas e desse
modo os navegadores venceram
a superstição causada pelos textos
clássicos. Afirmarão os lusitanos que
“sabe-se mais em um dia agora pelos
portugueses, do que se sabia em
cem anos pelos romanos”. Porém,
a partir do século XVI, impulsionada
por um modelo político monopolista
e teocrático, Portugal entrará em
decadência e a riqueza extraída das
novas terras irá parar nas mãos dos
banqueiros do norte europeu ou dos
Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/
File:Marca_Oficial_Jesu%C3%ADtas_Brasil.png?uselang=pt-br>. piratas ingleses.
Acesso em: 19 mai. 2015.
Nesse momento entram em cena
os Jesuítas, os quais terão profunda contribuição na formação dos pensamentos

12 As principais características da filosofia no Brasil


U1

portugueses e latino-americanos. Enquanto a colonização do território brasileiro se


iniciava, os Jesuítas, então à frente da Contrarreforma católica, foram chamados para
a Universidade de Coimbra. Portugal começa a se afastar do movimento científico
que começou a florescer já no século XVII e o espírito moderno vai definhando.

O ex-presidente de Portugal, Teófilo Braga (1843-1924), ao escrever sobre a


história da Universidade de Coimbra, dirá que o ensino, nas mãos dos Jesuítas,
perdeu a sua base natural e nacional, e o saber converteu-se em erudição livresca.
As doutrinas aristotélicas voltaram a se propagar e o espírito renascentista cedeu
lugar às humanidades clássicas, envolvidas em uma atmosfera teológica. Os Jesuítas
afastavam Portugal da renovação científica moderna, de tal modo que Portugal
nunca mais voltou a encontrar os meios para prosseguir nessa empreitada, por
conta de um humanismo superficial.

Enquanto toda a Europa se debruçava sobre o pensamento de Bacon e


Descartes, os portugueses refletiam acerca da contribuição escolástica. Dir-se-á que
o pensamento filosófico português esteve apartado das correntes modernas que,
na França e na Inglaterra, já haviam superado o tomismo. O universalismo cultural
que havia originado os descobrimentos ia lentamente se distanciando no horizonte.

Esse universalismo permitiu a libertação ocidental da ameaça islâmica, a


navegação em latitude ao invés de longitude e a unificação do globo terrestre,
contribuindo para a criação de uma economia mundial. Ao universalizar as ciências
naturais, a geografia, a meteorologia
Figura 1.5 | Monumento aos navegantes. e a medicina, os portugueses haviam
sido vanguardistas da Idade Moderna
e contribuíram significativamente
para o colapso das visões de mundo
antiga e medieval. Se o Renascimento
culminou no humanismo, o
universalismo português alcançou
avanço ainda maior no campo moral
e das ideias.

Nessa época, o interesse pela


navegação atraía para Lisboa gentes
das mais variadas culturas. Os
descobrimentos e a fortuna fácil
proporcionavam, de um lado, o
luxo e, de outro, o relaxamento dos
costumes. Ao luxo se ligava à falta de
escrúpulos em matéria de moralidade
Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/
wiki/File:Monumento_a_los_Descubrimientos,_Lisboa,_ e os portugueses passaram a cuidar
Portugal,_2012-05-12,_DD_09.JPG?uselang=pt-br>. Acesso
em: 19 mai. 2015.
apenas de exterioridades; ou seja,

As principais características da filosofia no Brasil 13


U1

como dizemos hoje, “viver de aparências”. O relaxamento dos costumes chegou


a refletir até mesmo na vida eclesiástica, conforme atestam documentos da época.

Diante dessa derrocada e das mudanças científicas e religiosas da época, a filosofia


em Portugal, por influência jesuítica, irá se limitar a uma tentativa de renovação dos
pensamentos tomísticos e escolásticos, uma vez que a especulação pura nunca foi
o ponto forte da filosofia portuguesa, como o foi o experimentalismo. Enquanto em
outros países europeus a filosofia se reaviva com muita intensidade, em Portugal isso
só viria a acontecer 200 anos depois e de modo ainda muito tênue.

Era esse o panorama reinante em Portugal quando eles aqui chegaram. Deles
herdamos a língua, os costumes, a religião, os defeitos e as virtudes; além, certamente,
de uma visão de mundo e de ser humano. Assim como a especulação, a contemplação
não era forte em Portugal e também não será no Brasil. A convivência pacífica dos
mais diversos povos foi e é característica bem marcante em ambos os países.

Sobre a herança portuguesa, as duas obras de João Cruz Costa apresentadas


nas referências constituem-se em um material de excelente qualidade,
apresentando um resgate histórico dentro de uma perspectiva filosófica.

1.2 O panorama reflexivo no brasil


Como vimos, o descobrimento do Brasil coincidiu com a decadência de Portugal,
que ajudou a proporcionar novos rumos ao mundo da época, mas logo se afastou
da condução da sociedade do seu tempo e passou para um mundo escuro, inerte,
pobre e ininteligente. Apesar dos descobrimentos se encontrarem na raiz fecunda
do capitalismo moderno, os portugueses tiraram pouco proveito dessa empreitada,
pois na época o comércio era monopólio entregue pelo rei a quem melhor lhe
retribuísse a concessão. Alemães e povos nórdicos foram os maiores beneficiados,
ficando aos portugueses e espanhóis apenas o transporte das mercadorias das
colônias para as metrópoles.

O ouro escoava-se para os países do norte. Portugueses e espanhóis


apenas representavam no comércio com as colônias o papel de
“transportadores” (rouliers), pois eram os outros países da Europa
que enviavam para as colônias ibéricas os objetos manufaturados de
que eles tinham necessidade. [...] Consideráveis prejuízos também
causariam a Portugal e à Espanha o fanatismo religioso. À Holanda

14 As principais características da filosofia no Brasil


U1

levariam os judeus expulsos da Península a sua atividade de traficantes,


sua habilidade comercial e as suas riquezas. A Holanda e, logo depois
a Inglaterra, seriam as verdadeiras sucessoras do patrimônio colonial
ibérico (CRUZ COSTA, 1967, p. 30).

Figura 1.6 | Cultura de casca, frágil e superficial.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/Egg#mediaviewer/File:Huevo_Quebrado.jpg>. Acesso em: 19


mai. 2015.

Segundo Bento Prado Júnior (1937-2007), Cruz Costa (1904-1978) “insiste no


caráter mimético do pensamento brasileiro, de como o pensamento brasileiro imita
sistematicamente o pensamento metropolitano, de como as ideias vinham através
de navios e de como a cultura no Brasil era puramente simbólica, como um adorno
da classe dominante” (PRADO JR, 1986, p. 110). Machado de Assis dirá que a nossa
cultura é uma “cultura de casca”, sinalizando que ela não tem profundidade, é apenas
de superfície. E, certamente, esse é um elemento constitutivo da nossa maneira de
lidar com a filosofia. Porém, uma das características mais marcantes do pensamento
filosófico é justamente ter profundidade e ser crítico-reflexivo. A filosofia, desde
o seu início, busca compreender e analisar o mundo de modo sistemático, não
condescendendo com reflexões superficiais e preconceituosas.

Éramos profundamente (talvez sejamos até hoje) influenciados pela realidade


europeia, vivíamos uma realidade aqui no Brasil, mas refletíamos sobre outra,
principalmente sobre a realidade europeia. É como se cultura e realidade estivessem
alienadas, separadas, pois ao mesmo tempo em que escrevíamos livros baseados no
liberalismo europeu, por exemplo, a nossa sociedade era escravagista. Produzíamos
ideias fora do nosso contexto, ou melhor, não produzíamos, apenas reproduzíamos.

As principais características da filosofia no Brasil 15


U1

Uma nação tem o direito de exercer influência sobre


outras? E hoje em dia, quantas nações não mantêm outras
sob sua influência, por vezes, sem que isso seja claramente
percebido? A moda, a música, os filmes, são bons exemplos
de como nos deixamos levar por influências de outros povos.
Faça uma análise sobre a(s) cultura(s) que mais influência
exerce(m) sobre o nosso país atualmente.

Contudo, pode haver um aspecto positivo nisso, pois os europeus acabavam


se expondo mais a equívocos e nós, teoricamente, tínhamos mais tempo para
perceber isso e evitar tais erros. Por outro lado, parecia que não fazíamos filosofia
propriamente, mas apenas brincávamos de fazê-la. Será que essa característica tem
a ver com o legado português?

O legado colonial é o legado de uma cultura, da cultura portuguesa,


que no momento mesmo em que faz, em que inicia a experiência
da colonização, se fecha para a Europa e se fecha para a ciência.
Você tem aí a presença dos jesuítas como uma presença que dá o
nome próprio desse tipo de experiência cultural, ou desse tipo de
tradição cultural. Então, grosso modo, você tem o seguinte: cultura
livresca por oposição à cultura moderna científica, o respeito pela
autoridade e não o respeito pela razão, a conservação da estrutura
social ao invés da mobilidade e da transformação social (PRADO
JR., 1986, 115).

Herdamos uma cultura separada da modernização europeia e muito ínsita


numa tradição eclesiológica de um catolicismo pragmático e - por que não dizer?
- comercial. Está aí, talvez, uma explicação superficial para as nossas romarias e
nossas práticas de promessas, quase com um pé numa certa modalidade de
paganismo. Desse modo, não é exagero afirmar que “a história das ideias no Brasil é
a história das interpretações do mundo e do Brasil” (Ibidem, p. 117). Outra razão dessa
reprodução de ideias seria o fato de não se escrever para um público brasileiro,
pois, praticamente, não havia esse público; escrevia-se para um público europeu,
sobretudo. Nesse caso a produção foi provocada pelo consumo.

Cruz Costa (1959, p. 13) lembra que “temos simplesmente glosado o pensamento
europeu e não contribuímos até hoje para o patrimônio da Filosofia com nenhuma
criação”. Na sequência ele cita Raimundo Farias Brito (1862-1917), o qual havia

16 As principais características da filosofia no Brasil


U1

sustentado que ainda não produzimos nenhum filósofo e apresentava como razão
para isso a nossa curta história, pois ainda somos um país muito recente. Segundo
Farias Brito:

Atendendo bem às nossas circunstâncias especiais, não é isto para


estranhar quando é certo que, estendendo um pouco esta afirmação
e olhando mais ao largo, poder-se-ia dizer a mesma coisa de toda a
América [...]. Somos uma nação de ontem e para a elaboração de
grandes construções filosóficas, originais e fecundas, é indispensável o
concurso do tempo (FARIAS BRITO, apud CRUZ COSTA, 1959, p. 13).

Figura 1.7 | Aventureiros migraram para cá. Se não produzimos nenhum filósofo,
poderíamos nos perguntar: “então não
existe uma filosofia brasileira?”. Para
Cruz Costa não existe e nem deveria
existir, pois a filosofia tem de ser uma
experiência da coletividade humana
e não de nações isoladas. A filosofia
deveria buscar ser universalmente válida
e não ser válida apenas nacionalmente.
Contudo, temos algo de próprio em
nossa experiência e em nossa vivência,
embora os livros não relatem.

Os homens que migraram para o


Brasil eram motivados pela aventura e
pelo lucro. Os aventureiros visavam o
útil e imediato e, normalmente, agiam
baseados na crença de que aqui tudo era
permitido, nada era pecado. Também
vinham para cá religiosos buscando
conquistar almas para a cristandade.
Próximo de 1530 os jesuítas já estavam
Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/
instalando aqui o Colégio da Companhia
wiki/Category:Adventurers#mediaviewer/File:Nikolai_ de Jesus. Nesses colégios estudavam
Leontyev.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015.
os filhos dos abastados senhores de
engenho, de usineiros ou plantadores
de cana-de-açúcar; ou, então, os filhos dos funcionários dos administradores do
Reino Português. E a educação recebida era de base humanista, prioritariamente.

De modo imitativo se buscava aprender a escrever e pensar utilizando-se uma


cultura livresca de origem europeia. Tudo não passava de simples reprodução de

As principais características da filosofia no Brasil 17


U1

ideias, característica muitas vezes presente até hoje no nosso sistema educacional.
Começava ali a admiração por tudo quanto fosse estrangeiro, como se isso fosse
sinônimo de intelectualidade. Aliado a isso, herdamos de Portugal um pensamento
acentuadamente voltado para a prática. A soma desses dois aspectos logo reduziu
a nossa cultura ao comentário. O progresso científico havia se estagnado em
Portugal e aqui não foi diferente. O resultado disso será que os colégios brasileiros
focarão no ensino da escolástica, corrente que os países europeus mais avançados
já consideravam ultrapassada.

Ainda no período colonial os estudiosos brasileiros, principalmente os mineiros,


acabaram sendo influenciados pelos Enciclopedistas, levando o governo português, em
1790, a tomar medidas contra os leitores das obras dos filósofos franceses, chegando,
inclusive, a colocar na prisão alguns acusados pelo crime de enciclopedismo.

Quando Portugal, no tempo de D. Maria I, dormitava no


emperramento e na imobilidade, tentando levantar nas fronteiras
uma barreira que obstasse a entrada das ideias revolucionárias,
os estudantes brasileiros agitavam-se em Paris e sua palavra
passando os mares, ia ecoar em nossos sertões... A França, com
as suas turbulências então para a liberdade, era a nossa iniciadora;
vira-se o mesmo nos Estados Unidos. A América estava cansada
do jugo. E, assim, desde os fins do século XVIII o pensamento
português deixava de ser o nosso mestre; fomos nos habituando a
interessar-nos pelo que ia pelo mundo (CRUZ COSTA, 1959, p. 27).

Assim fomos, aos poucos, nos distanciando da influência portuguesa e nos


aproximando mais do pensamento francês. Parecia estarmos direcionados para a nossa
emancipação educacional e a primeira manifestação em prol da nossa independência
eclodiu em Minas Gerais. Os intelectuais brasileiros, em grande parte maçons, se
inspiravam nos livros dos franceses Diderot, D’Alembert, Voltaire e Montesquieu,
entre outros, juntamente com o genebrino Rousseau. Estava lançada a semente que
originaria o fim da colônia e o surgimento de uma nova nação independente.

De qualquer modo, deixamos de ser influenciados por um país europeu e


passamos a ser influenciados por outro, ou seja, a cultura brasileira é filha da
contribuição de estrangeiros. Tanto é verdade que não nos é possível estudar a nossa
história prescindindo da história das imigrações ao nosso país. Há quem se oponha
a essa influência, mas dificilmente poderíamos nos livrar dela, pois a América é filha
da Europa, somando-se a ela contribuições também de índios, africanos e asiáticos,
entre outros. Assim, a filosofia no Brasil, mesmo rudimentar, foi um luxo para os mais
afortunados e, infelizmente, de certo modo, ela ficou elitizada. Inclusive, as pessoas
que recebiam a educação humanística eram consideradas pessoas de classe.

18 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Figura 1.8 | Temos influência dos enciclopedistas.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Salon_de_Madame_Geoffrin.jpg?uselang=pt-br>. Acesso


em: 19 mai. 2015.

1.3 O itinerário da história das ideias


A história da filosofia em território brasileiro deve ser estudada como história das
ideias que aqui chegaram e se mantiveram formando o nosso modo de ver o mundo.
Não temos uma filosofia natural, espontânea, mas um ecletismo de muitas culturas,
povos e ideias. A filosofia não pode ser estudada desvinculada do nosso contexto
histórico, social e político, pois ela não deve ser pura e simplesmente especulação,
mas uma reflexão sobre a nossa experiência vivida. Segundo Léon Brunschvicg, “a
história é o laboratório do filósofo”, portanto, poderíamos dizer, contrariando o senso
comum, que a filosofia não é alheia ao mundo, como pode parecer para muitos.

É preciso, porém, não esquecer que a história exclui certas restaurações.


Ela não é feita para restaurar, mas para libertar do passado. A filosofia
encontra a verdade na sua adequação com a realidade. Esta realidade
não é permanente, mas histórica. Não é, pois, possível saltar a barreira
da história. Quando muda a história, necessariamente, tem que mudar
também a filosofia (CRUZ COSTA, 1967, p. 12).

As principais características da filosofia no Brasil 19


U1

Dirá Cruz Costa que no perfil do brasileiro se lê claramente a herança indígena


em nosso sentimento tanto de rebeldia quanto de resignação; do caboclo se
percebe como traço bem característico a desconfiança ao estrangeiro; e dos negros
herdamos tanto a sensualidade quanto a abnegação. Mas a maior influência será
do branco, sobretudo do branco português, pois por seu intermédio é que nos
ligamos à civilização ocidental. Podemos, então, perceber que a nossa cultura, e por
extensão o nosso pensamento filosófico, se faz como produto da junção de diversas
culturas, com prioridade para duas: a influência vinda pelo Atlântico e a surgida no
sertão. Sertão fruto da miscigenação de várias culturas.

Além da contribuição genuína, ainda que pequena, dos povos da América, se


percebe que um dos nossos problemas é a importação de ideias, bem como a
delimitação de até onde assimilamos essas ideias que importamos, pois parece haver
um hiato entre pensamento e ação. Fato que nos remete ainda a outra questão, já
levantada nesse texto: deveria a filosofia ter aspirações nacionalistas ou universalistas?
Para Bento Prado Júnior, a ideia de uma filosofia nacional não coaduna com o ideal
de universalidade inerente à disciplina.

Segundo Bento Prado Júnior, o apego à história de uma filosofia nacional


pode ser fruto de dois tipos de preconceitos: um psicologista e outro historicista.
“A filosofia é aí pensada como a expressão de uma alma ou de um espírito cuja
natureza permanece inalterada ao longo da História. É a identidade do espírito que
garante a continuidade da História e que faz com que as várias filosofias pareçam
suceder-se dentro de um mesmo tempo, como as frases sucessivas de um único
discurso” (PRADO JR., 1985, p. 174).

Figura 1.9 | Conversamos pouco da cultura indígena.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C3%8Dndios_Isolados_4.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em:


19 mai. 2015.

20 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Se nos voltarmos, com o mesmo espírito, da literatura para a filosofia


brasileira, a nossa conclusão será diferente: o seu registro de nascimento
ainda não foi lavrado. Há obras, é certo, e nenhuma “escola” filosófica,
provavelmente, deixa de estar representada nas “manifestações
filosóficas” de nosso país. Sem diminuir o interesse dessas obras – pois há
notáveis –, cabe assinalar que resenhá-las não implicaria em nenhuma
informação para o leitor europeu; [...] Aqui também se faz marxismo,
fenomenologia, existencialismo, positivismo, etc.; mas, quase sempre o
que se faz é divulgação (Ibidem, p. 176).

Não há no Brasil um sistema filosófico próprio, e se percebe isso nos próprios


pensadores à medida que assumem essa carência de cultura nacional. É como
se aqui a coruja de Minerva alçasse voo ao amanhecer. É como garimpar em um
passado não filosófico em busca de traços de uma filosofia que ainda está por vir,
por se formar. Temos uma nação buscando formar o seu zeitgeist (termo alemão
que significa “espírito da época”, “espírito do tempo”).

Para Cruz Costa, é o historicismo que caracteriza a nossa filosofia, pois é preciso
recuperar a origem do pensamento filosófico retornando à cultura portuguesa e se
apercebendo do aspecto negativo que foi a contribuição jesuítica e a Contrarreforma,
os quais foram obstáculos à filosofia, à medida que “fecham o pensamento português
ao sopro de renovação que atravessa a Europa. [...] É o humanismo formalista e livresco
dessa nova escolástica que domina e cristaliza a cultura da metrópole e que estende a
sua hegemonia à nova colônia” (PRADO JR., 1985, p. 178). Disso resultam o formalismo,
a retórica, o gramaticismo e a erudição livresca, da primeira metade do século XIX.
Figura 1.10 | Templo Positivista à Religião da Humanidade, em Porto Alegre.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Templo_Positivista.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai.


2015.

As principais características da filosofia no Brasil 21


U1

Ainda hoje é bastante comum encontrarmos tanto professores quanto alunos


muito fascinados pela retórica filosófica, por vezes até se esquecendo do seu
contexto originário e construindo um mundo imaginário pela retórica e pela erística,
fazendo uma filosofia desarraigada da realidade, como se a filosofia se reduzisse ao
seu discurso, deixando de ser instrumento de crítica e de decifração da experiência.
Somente após a Primeira Guerra Mundial a criticidade começa a emergir. Porém,
jamais devemos nos esquecer de que cabe à filosofia ter olhos para a realidade e
com ela se preocupar, muito mais do que discursos convincentes. Vale lembrar ainda
que o pensamento português antes de ser livresco foi realista, sobretudo focado no
útil e no imediato.

Na segunda metade do século XIX o Brasil é invadido por um surto de


positivismo e de modo antagônico o país ficou sendo governado por burgueses
proprietários de terra e respirando uma atmosfera de mudança e de ideias novas
(a política era conservadora, mas o pensamento era reformador), até que por volta
de 1870 a burguesia, formada por militares, médicos e engenheiros, se apossa da
intelectualidade da nação, mantendo uma forte tendência ao positivismo, surgindo
em seguida o movimento positivista no Brasil.

Com base nesse panorama, Cruz Costa concluirá que o pensamento filosófico
brasileiro se fez em torno da dialética entre formalismo e realismo, entre especulação
e pragmatismo, entre transoceanismo e erradicação da cultura nacional, e entre
metafísica e crítica social.

Este sistema de oposições define, é claro, não apenas o fio


condutor da interpretação do passado, mas projeta também uma
concepção da própria filosofia, seu ideal e seu programa. Nesse
programa, o trabalho filosófico deve passar necessariamente pela
análise crítica da realidade nacional e a reflexão não pode jamais
abandonar o seu referente histórico, sob pena de transformar-se
em mero galimatias. Necessidade que se revela de maneira mais
que evidente nas Américas (PRADO JR., 1985, p. 181).

Cruz Costa afirmava que a filosofia autêntica deve estar ligada à ação, porém
aqui houve uma inversão, passando a considerar a carência e o vazio cultural
como sinal de liberdade diante do peso da tradição. Desse modo, a metafísica
ficou impossibilitada de florescer no novo continente e uma das razões disso ter
acontecido pode ter sido o pragmatismo que herdamos da cultura portuguesa ter-se
transformado numa tendência de filosofia engajada radicada na práxis. Poderia estar
aí explicada a preocupação de Cruz Costa em fazer uma análise historicista e não
metafísica do percurso das ideias filosóficas no Brasil.

22 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Voltando à questão do historicismo e do psicologismo, afirma Bento Prado Jr.


que pode ser que a filosofia brasileira esteja, de fato, mais associada à inconsistente
perspectiva política emergida no golpe militar de 1964. Nessa perspectiva, o Estado
diz o que os alunos devem ler. Preferencialmente textos técnicos, com pouca
tendência ao desenvolvimento do senso crítico.

1. Das nações europeias que tiveram o seu alvorecer, algumas


também tiveram o seu declínio. No caso de Portugal isso é bem
perceptível, embora o seu apogeu tenha sido em um curto espaço
de tempo. Portugal foi vanguardista de um pensamento avançado
e de uma tecnologia de ponta, mas por equívocos, principalmente
na área da educação, viu o seu declínio surgir rapidamente.
Considere:
I – A formação da cultura portuguesa sofreu influência de
muitas outras raças, dentre elas árabes e judeus, fator que lhe
proporcionaria tendência à tolerância.
II – O apogeu da cultura portuguesa coincidiu com a descoberta
do território brasileiro, porém, logo na sequência Portugal entra
em derrocada e assiste a outras nações europeias se destacando
no campo do conhecimento.
III – O povo português nunca teve tendência a valorizar o útil e
o pragmático e por esse motivo a sua cultura sempre serviu de
reflexo tardio às demais culturas europeias.
IV – A nação portuguesa foi pioneira na valorização do empirismo
e o resultado disso pode ser percebido em suas escolas de
navegação, porém, logo retornou à Escolástica e isso representou
atraso científico.

Estão corretas apenas as alternativas:


a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I, II e IV.
d) I, III e IV.

As principais características da filosofia no Brasil 23


U1

2. Sendo o Brasil um país relativamente novo, fica difícil apontar


a tendência filosófica mais presente na nação, inclusive, porque
ainda há um ecletismo muito presente em nossa concepção
de mundo. Além disso, somos herdeiros de diversas correntes
filosóficas.

Sobre a filosofia no Brasil e o seu ensino, assinale a alternativa


correta:
a) Houve pouca influência jesuítica no ensino de Filosofia no Brasil,
pois a pedido do rei de Portugal, os Jesuítas se ocuparam da
educação em território brasileiro apenas quando Portugal estava
em um processo de declínio.
b) Por não ter uma estrutura de ensino com condições de pleitear
sua autonomia, a Filosofia no Brasil se limitou a reproduzir um
aristotelismo mitigado interpretado segundo a visão de Galileu
Galilei.
c) A verdadeira filosofia brasileira é aquela que resgata o modo de
compreender o mundo de acordo com a visão indígena, pois a
visão crítica de mundo que eles nos legaram é similar à herança
filosófica dos gregos.
d) O ensino de Filosofia no Brasil teve diversas tendências, indo
desde a influência dos Jesuítas, passando por um espiritualismo e
chegando a ser marcado pelas ideias positivistas.

24 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Seção 2

A existência ou não de uma filosofia brasileira


Introduzimos a seção lembrando que não existe um consenso quanto a essa
questão da existência ou não existência de uma filosofia brasileira. Há até quem
afirme que nenhuma filosofia é nacional, ou seja, não existe filosofia específica de
nenhum país do mundo, pois a reflexão filosófica é pertinente ao gênero humano
como um todo. Discussões à parte, vamos tentar apresentar aqui elementos que te
permitam formar uma visão sobre essa questão, de modo a poder posicionar-se mais
criticamente sobre o assunto.

2.1 O panorama da reflexão filosófica no Brasil


Até por questões políticas e pedagógicas em nosso país, a filosofia deixou de
ser ensinada nas escolas brasileiras, e aos poucos está retornando. E nesse retorno,
por vezes, percebemos algumas confusões. Há quem acredite que filosofar é ter
um pensamento qualquer sobre qualquer coisa. Isso não é filosofar, isso é senso
comum; é opinião (doxa para os gregos). Creio ser emblemática para essa questão
a frase de Bernard de Chartres, filósofo medieval, falecido próximo ao ano 1130, o
qual dizia que “vemos mais longe porque estamos sobre os ombros de gigantes”,
ou seja, para filosofar precisamos nos valer daquilo que já foi elaborado por grandes
pensadores.

Mas não é só isso, pois não podemos apenas reproduzir o que os outros já
pensaram, precisamos também refletir acerca da nossa realidade, como já foi dito,
valendo-se da contribuição, do legado dos pensamentos que já se encontram
cristalizados. Pode ser fatal para um pensamento filosófico genuíno a reprodução
acrítica de outras realidades distantes da sua. É como reproduzir um Natal com
pinheirinho e neve artificial. O Natal brasileiro é quente, com praia, piscina, cerveja,
churrasco, música, alegria e muita festa. O Natal acima do equador é de frio e
recolhimento. Mas ao invés de exportarmos o nosso Natal, nós tendemos a importar
o Natal deles.

Guardadas as proporções, fazemos a mesma coisa com a filosofia. Somos um


povo tolerante, acolhedor e alegre. Por trás de tudo isso existe uma filosofia. Poderia
ser Filosofia, mas se limita a ser apenas filosofia. A Filosofia, com efe maiúsculo,

As principais características da filosofia no Brasil 25


U1

equipara-se à Ciência e à Religião. A filosofia, com efe minúsculo, são filosofias de


vida; são subjetivas, circunscritas e limitadas. Segundo Tobias Barreto (1839-1889),
“não há domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostre
tão acanhado, tão frívolo e infecundo como no domínio filosófico”.

O nosso país sempre teve como marca importar, ou copiar,


aquilo que se produz nos países do primeiro mundo, com
alguns pequenos atrasos no tempo, ou seja, aqui não temos
o costume de produzir, mas apenas de reproduzir. Isso tem
algum lado positivo? É característica inerente ao nosso modo
de ser, ou um dia não mais agiremos desse modo? Isso é sinal
de “esperteza” ou de atraso?

Figura 1.11 | Não se ensina Voltamos à questão já colocada: existe filosofia


filosofia do mesmo modo que no Brasil? Cruz Costa, formado na primeira turma
as exatas.
de Filosofia da USP, defende que não existe uma
filosofia “original”. É preciso determinar a que tipo de
filosofia nos referimos, se no plural ou no singular.
O primeiro problema a resolver é se existe filosofia
nacional; segundo: a questão da originalidade
Fonte: Disponível em: <http://commons.
da filosofia, e terceiro, o que se entende por esta
wikimedia.org/wiki/Category:Formulas_in_ filosofia.
physics>. Acesso em: 19 mai. 2015.
Antes de ser criada a USP, foi criada a Missão
Francesa e a ela foi outorgada a tarefa dessa criação.
Por intermédio dela vieram para cá diversos professores. No final do ano de 1934
veio Jean Maugué (1904-1990), e por aqui ficou até 1945. Em um dos seus textos,
intitulado O ensino da filosofia: suas diretrizes, Jean Maugué aborda o problema da
filosofia no Brasil e afirma que no tocante à sua originalidade esse problema pode
ser colocado de duas formas: 1 – Existe filosofia no Brasil? Se existe 2 – Qual o seu
sentido?

O referido texto estava assim estruturado:

I – Considerações gerais sobre o ensino de filosofia, o qual, em suma, trata das


condições do ensino de filosofia no Brasil de acordo com a afirmação kantiana
de que “a filosofia não se ensina, ensina-se a filosofar”. Nele fica ressaltado que a
filosofia não tem um corpo doutrinal unitário e axiomático desvinculado de sua
história, assim como as exatas. O ensino da filosofia depende de quem a ensina,

26 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Figura 1.2 | No Brasil, a filosofia a filosofia é o filósofo. As ciências particulares


se fortaleceu pela USP. têm um movimento de síntese, já a filosofia
procura captar a unidade, ou a inteligência do
conhecimento produzido fragmentariamente
pelos vários domínios da ciência. A filosofia é
bastante humilde ao vir depois, pressupondo
outros conhecimentos. Ela depende da produção
do conhecimento de outras áreas. E ela é bastante
orgulhosa por pretender ser o conhecimento que
mais se aproxima da verdade total. Por isso o
ensino depende muito do professor de filosofia.
O filósofo é, ele mesmo, uma cátedra de filosofia.
Não se pode ensinar filosofia como as exatas.
Devido a isso, seu corpo axiomático compreende
outras esferas do saber e não existe um conteúdo
Fonte: Disponível em: <http://commons.
wikimedia.org/wiki/File:USP-Bras%C3%A3o. específico para ser ensinado em filosofia.
jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.
II – Condições para o ensino de filosofia: 1ª) “O
ensino da filosofia não pode ser anterior à aquisição
da cultura” (ciências, artes, letras, etc.), mas deve vir depois ou concomitante. 2ª) A
filosofia deve viver no presente e ter um caráter concreto. Não é corajosamente
filósofo aquele que cedo ou tarde não manifeste sua opinião sobre as questões
atuais. Recordemo-nos de Platão ou Descartes, os quais trataram de questões
concretas de suas épocas. Partiram do concreto. 3ª) O ensino de filosofia deverá
ser, pois, principalmente, histórico, pessoal e íntimo. Os prolegômenos da filosofia
contemporânea são os acontecimentos históricos. Retomam-se os clássicos para
ilustrar o presente. Trai-se a filosofia quando não se remete aos filósofos. Maugué
ressaltava a necessidade de se aprender filosofia lendo os clássicos e não somente
os manuais.

III – Traços ideológicos que afetam o ensino da filosofia no Brasil. 1º) Julgar a
filosofia pela novidade. Claude Lévi-Strauss (1908-2009) diz, a partir do contato com
os estudantes, que eles queriam tudo saber, mas queriam reter só as teorias mais
recentes. Não liam as obras originais, tinham entusiasmo só pelo novo. As ideias
novas são acolhidas no Brasil com mais entusiasmo que nos países velhos. Tal
como os astros são referências para a navegação, os autores clássicos são para se
conhecer o grau de conhecimento filosófico. São pontos fixos. Ao orientar-se pelas
grandes obras filosóficas e não só pela novidade, se desperta um senso histórico e,
ao trazê-los para a atualidade, se estabelece um vínculo com a realidade presente.
2º) Julgar a filosofia por seu aspecto prático/utilitário. O espírito tem pouco a ganhar
quando se volta para a utilidade ou o sentido prático das coisas. É no repouso da
reflexão, e aí somente, que o espírito se encontra. Para Jean Maugué é só através da
reflexão que o estudante de Filosofia adquirirá segurança.

As principais características da filosofia no Brasil 27


U1

Figura 1.13 | O mundo segue uma ordem.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:NGC2207%2BIC2163.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai.


2015.

Para Paulo Eduardo Arantes (1942-), esse texto de Jean Maugué pode ser
considerado certidão de nascimento da filosofia no Brasil, ou a fundação do edifício
filosófico brasileiro, o qual se consolidou na década de 50 com os estruturalistas
Granjet e Guéroult. Segundo Arantes, existe sim filosofia no Brasil, mas não se trata
de uma filosofia totalmente original, antes, trata-se de uma filosofia europeia de
origem francesa. O segundo capítulo do seu livro Um Departamento francês de
ultramar (1994) intitula-se Certidão de nascimento, e nesse capítulo Paulo E. Arantes
busca fazer um resgate do nascimento da filosofia em solo brasileiro.

O nó para o desenvolvimento das ideias de Maugué teria sido a nossa cultura fraca
e débil, segundo Paulo Eduardo Arantes. Para György Lukács (1885-1971) e Theodor
Adorno (1903-1969), a filosofia parte de uma cultura estabelecida. O trabalho da
filosofia é ordenar aquilo que já está estabelecido. Por isto o trabalho de Maugué
é ensaísta, ou seja, depende, pressupõe outros conhecimentos independentes da
filosofia. A forma ensaísta não prospera no nosso contexto por carências de dados
de outras áreas culturais e científicas, mas aqui, infelizmente, vivemos para atender
às necessidades imediatas, da mão para a boca.

Contudo, temos duas maneiras de interpretar Maugué: essa de Paulo Eduardo


Arantes e outra de Marcos Nobre. Para o primeiro, não houve relação entre filosofia
e as demais áreas (críticas), e para o segundo houve, sim, filosofia neste diálogo
interdisciplinar. Para Marcos Nobre, a filosofia no Brasil aconteceu por um movimento
mútuo e simultâneo: uma linha histórico-filosófica e outra discutindo os problemas
da filosofia interdisciplinarmente, à luz das artes, ciências e cultura.

A filosofia brasileira, nesse sentido, transparece no conjunto de publicações

28 As principais características da filosofia no Brasil


U1

filosóficas sobre determinados temas. Assim, a filosofia brasileira não é brasileira, mas
importada, como a filosofia americana é importada da Alemanha. A nossa filosofia é
técnica, acadêmica e se reduz à USP. Não estabelece relação com a cultura. Faz-se
separada do contexto em que se encontra.

Outra mente importante nesse debate é Victor Goldschimidt, o qual tem a


pretensão de dar estatuto de ciência à história da filosofia. Isto já vem do final do
século XIX com a tendência, por parte da história, de ser considerada disciplina
científica. Com isso ela acaba ficando reclusa à academia, separando-se das esferas
políticas, sociais, etc. Goldschimidt propõe maneiras de interpretar a filosofia e elevar
a história da filosofia ao status de ciência (com objetividade). A história da filosofia
é essencialmente filosofia e vem sendo interpretada de duas maneiras: ou pelo
método dogmático, ou pelo método genético.

Segundo Goldschimidt, tanto o método dogmático quanto o genético partem


dos dogmatas, de um conjunto de verdades. O primeiro procura explicar este
conjunto segundo a intenção do autor, aplicando-lhe críticas e entendendo que
através dessas críticas se chegaria à verdade, a qual poderia ser oposta àquela original
depois de passar por uma purificação num tempo lógico, resgatando a intenção do
autor, e suprimindo o tempo.

O segundo método, o genético, também parte de um conjunto de verdades


(dogmatas), porém procura explicar o sistema a partir de suas causas, seus sintomas,
fazer sua etiologia. Aqui se considera o tempo na interpretação, ao contrário do
primeiro. Assim não se segue a intenção do autor, mas se vai além dela.

Para Goldschimidt, nenhum dos métodos é adequado para interpretar a filosofia,


e então ele propõe o método da progressão (método estrutural) do tempo lógico.
Ao se considerar a progressão (não se abrevia os movimentos da obra), elimina-se
o enquadramento de contradição dentro de um sistema filosófico. Há uma unidade
entre forma e conteúdo, ao que ele chama de explicitação do discurso.

Descreve-se, encontra-se o esquema, a estrutura da obra e percebem-se nela os


passos dados pelo autor e se refaz estes movimentos internos. As verdades não são
dadas em bloco, mas são dadas sucessivamente, obedecendo a um tempo lógico.
Estão concatenadas. O intérprete deve se colocar como um discípulo fiel do autor.
Não se busca julgar o autor, mas compreendê-lo.

A contribuição de Cruz Costa sustenta que a erudição é conhecimento


teórico, porém desvinculado da vida, erudição pseudofilosófica. O modelo erudito
predominava em Portugal e veio para o Brasil, enquanto o resto da Europa já buscava
o modelo científico. As ciências naturais não se desenvolveram em Portugal. A
cultura era livresca, era cultura de fachada, conforme já assinalamos.

Cruz Costa mostra uma antinomia: herdamos dos portugueses (1) o modelo

As principais características da filosofia no Brasil 29


U1

erudito (e a filosofia dos Jesuítas teve este modelo como base), sendo o outro polo
da antinomia também uma herança de outro traço português, (2) uma concepção
de vida. Não há vínculo entre teoria e vida, é o chamado espírito prático, imediatismo,
simbolizado no aventureiro que se lança às descobertas.

Figura 1.14 | A nossa marca seria a A colonização não visava ocupar a


erudição ou a pseudoerudição? terra, mas explorá-la. Cruz Costa se baseia
no historiador português Joaquim de
Carvalho para afirmar suas ideias. Até a
religião católica no Brasil acabou adquirindo
conotação pragmática, com os pagadores
de promessas, por exemplo. No século XVII
passamos da influência portuguesa para a
influência francesa. Isto, porém, não mudou
a dimensão prática, a filosofia francesa
tinha a política como dimensão prática:
emancipação política. A dependência
francesa cedeu lugar à dependência inglesa
e logo após à americana. Cruz Costa tem
uma tese que superaria esta antinomia.

Cruz Costa afirma que no Brasil não


existem filósofos, mas filosofantes. Para
Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.
org/wiki/File:AnEruditeResearcher.jpg?uselang=pt-
br>. Acesso em: 19 mai. 2015. ele, quando se constitui um país, o espírito
teórico não tem tanto valor quanto o tem o
espírito prático, propiciando infraestrutura:
estradas, indústrias, portos, etc. Ele cita Clóvis Beviláqua, que afirma que se um dia a
filosofia nascer no Brasil, não nascerá da metafísica, mas da “terra-terra” (do aspecto
prático). Para Cruz Costa seria possível uma filosofia no Brasil desde que se unisse
teoria e prática.

Segundo Bento Prado Jr., a concepção de Cruz Costa sobre história das ideias
é muito positiva e mostra que se estabeleceu relação entre a elite intelectual e as
ideias, o saber erudito. Para Bento Prado, Cruz Costa era historicista. Em 1968 ele
escreveu um artigo onde se autodenominava Estruturaloide, ele afirma que falar em
filosofia no Brasil fere o princípio de universalidade. A universalidade é implícita às
ideias, pois estas não deveriam refletir a particularidade, a especificidade de uma
nação.

Em outro texto, de 1982, ele diz que o texto de 1968 (crítica a Cruz Costa)
mostra que ele era um idealista, haja vista que defender a existência de filosofias
nacionais postula um princípio de psicologismo (alma nacional, caráter da nação)
e historicismo (buscar no passado elementos que fundamentem o modelo atual
e projetem o futuro). Outras disciplinas não mostram isto, não há matemáticas

30 As principais características da filosofia no Brasil


U1

brasileiras, francesas, etc. Contudo, Bento ainda mantém a acusação de que Cruz
Costa recai num historicismo quando busca explicar o presente com base no
passado e quando afirma o caráter prático do brasileiro.

Outra crítica: o modelo historicista requer linearidade (reproduzimos um


modelo passado e continuaremos produzindo), não podemos ver a história como
predeterminada a seguir um caminho traçado, ela é passível de imprevistos,
contingências e transitoriedades. Cruz Costa acredita que não havia um consumo
nacional daquilo que se produzia aqui e para ele essa defasagem continuaria, pois
não haveria público leitor da produção nacional. Mas Bento Prado diz que houve
uma mudança e passou-se a se consumir (ler) o que se produz.

O modelo de história social demonstrou que surgiu um mercado consumidor


para a produção teórica e colocou em xeque o desprezo pelas teorias e o apego ao
espírito prático. Paulo Eduardo Arantes diz que a filosofia do Brasil era importada da
França, Cruz Costa diz que não há filosofia brasileira, mas há possibilidade.

O terceiro a se envolver nesse debate será Antônio Paim (1927-), o qual afirma
categoricamente que há uma filosofia com características brasileiras. Ele era marxista,
foi estudar na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e se tornou liberal
e antimarxista. Uma das referências de Antônio Paim são as filosofias nacionais, e
nesse sentido ele se esforçará para mostrar a fundamentação destas filosofias.

A princípio parece que as filosofias nacionais são uma verdade inquestionável,


mas mais adiante ele diz que é uma hipótese e que esta está sujeita à refutação e
às críticas. Para ele, as filosofias nacionais poderiam ser justificadas, primeiramente
dando-se a ênfase na linguagem, pois elas se caracterizam por serem expressas na
língua, inclusive isso surge em decorrência da formação dos estados nacionais (a
ciência torna-se popular, sai da elite e chega ao povo).

Ele lembra que Hegel atribui a Lutero a unificação da língua alemã e futuramente
a unificação nacional, pois contribuiu para a identificação da nação. Segundo Hegel,
uma ciência só pertence ao povo quando é expressa em sua própria língua, sobretudo
a filosofia. Heidegger afirmou que só se pode filosofar em grego ou alemão. A língua
nacional será o meio mais próprio para a expressão de uma filosofia. Segundo Paim,
o português é sim uma língua adequada à filosofia. Cada língua permite um tipo
de representação do mundo. Houve quebra da unidade do latim, enquanto língua
destinada à filosofia. Rompendo-se com o latim, a língua oficial da teologia, rompe-
se com a autoridade da Igreja.

Um segundo aspecto que aponta para a possibilidade de uma filosofia nacional,


segundo Antônio Paim, seria a peculiaridade da tradição cultural. Assim como em
relação à língua ele se apoia em Hegel, agora também ele cita Hegel por enaltecer a
questão das culturas nacionais. Dá o exemplo da Inglaterra, que se preocupou com
a filosofia do direito e a desenvolveu.

As principais características da filosofia no Brasil 31


U1

Portanto, Paim defende que há filosofias nacionais e há filosofia brasileira, isto é


demonstrado pela tradição cultural (peculiaridade cultural). A nossa filosofia estaria
voltada para o problema do homem: liberdade, consciência e totalidade (tendendo
para o aspecto transcendental).

Quanto à questão de uma filosofia nacional ferir a universalidade da filosofia,


Paim utiliza Miguel Reale (1910-2006) para dizer que nossa filosofia se faz num
modelo dialético de complementaridade. Miguel Reale afirma que as civilizações
se distinguem por uma questão de valores e, nesse sentido, o valor subsumido pela
tradição cultural brasileira seria o positivismo.

Teria Pombal (1699-1782) implantado um modelo cientificista no Brasil rompendo


com o modelo jesuítico, e esse modelo cientificista pombalino teria a sua continuidade
no positivismo, o qual foi introduzido em nosso território pelo brasileiro Benjamin
Constant (1836-1891). O positivismo brasileiro tem algumas especificidades: não
chegou ao exército e preservou o Estado da questão da educação. Joaquim da Fiori
(1135-1202), português do século XII, fala que a humanidade se divide em idade do
Pai, do Filho e do Espírito Santo, o que depois em Augusto Comte (1798-1857) se
torna a lei dos três estados, e esse caráter tecnicista do ensino oriundo de Comte
permaneceu no Brasil (subsistiram resquícios) tanto em Getúlio Vargas (1882-1954)
quanto nos militares.

Cruz Costa fará uma crítica a essa visão, defendendo que o positivismo só existiu
no Brasil na passagem para o império e ali mesmo acabou. É bom lembrar que
Bento Prado criticou Cruz Costa por afirmar o caráter prático da filosofia brasileira
e a linearidade da história, traços típicos do positivismo. Se bem que a peculiaridade
pode ferir a universalidade da filosofia.

Para Marcos Nobre, além de a filosofia ter se desenvolvido num aspecto


historicista, também teve um caráter interdisciplinar, em parceria com as ciências
sociais e a literatura, por exemplo, servindo de instrumento para interpretação de
ideias. Porém, esse modelo interdisciplinar (consórcio com outras ideias) não teve
continuidade.

Oswaldo Porchat Pereira (1933-) foi orientando do estruturalista Victor


Goldschimidt (1914-1981) e o defendeu por 30 anos, ele pergunta se a pesquisa deve
ser feita em história da filosofia ou em filosofia. É preciso deixar preconceitos de
lado para se entender o pensador. O modelo estruturalista é ótimo quando se quer
formar quem conheça história da filosofia, mas para formar quem busca a filosofia
em si mesma, talvez não seja um modelo tão eficiente. É bom não esquecer que os
antigos fizeram filosofia a partir das discussões, eles não iniciaram diretamente no
estudo da história da filosofia.

Prezada(o) estudante, pode parecer que o debate sobre a existência ou não de


uma filosofia genuinamente brasileira tenha ficado vago, ou inconcluso. Não se

32 As principais características da filosofia no Brasil


U1

assuste, é assim mesmo. Inclusive, foi por isso que alertei que esse era um assunto
difícil de ser abordado e uma pergunta difícil de ser respondida. Nem sempre temos
aquiescência acerca das conclusões desse tema, o que, em si, também já passa a
ser um fator positivo. O mais importante é que você tenha se inteirado do debate
e consiga perceber as suas nuances e as principais colaborações daqueles que se
propuseram a abordar essa questão.

Sobre a filosofia brasileira leia:


PAIM, Antônio. Os intérpretes da filosofia brasileira. Londrina: Eduel,
1999. (Disponível em: http://www.institutodehumanidades.com.br/
arquivos/Os%20Interpretes%20da%20Filosofia%20Brasileira.pdf)
Leia também o artigo disponível em: http://criticanarede.com/lds_
paim.html

O Nascimento da Filosofia

A filosofia só ganha nacionalidade brasileira a partir do século XIX, mediante


um processo simultâneo de assimilação da filosofia moderna e emancipação
do próprio uso teórico da razão. As primeiras evidências desse processo
histórico começam no final do século XVIII, quando o poeta Sousa Caldas
publica uma Ode ao Homem Selvagem (1784), sob a influência da ideia de
homem natural em Rousseau. Em 1800, o bispo Azeredo Coutinho funda o
Seminário de Olinda, onde foram introduzidos estudos de física experimental,
história natural e química. Em 1808, a corte portuguesa se transfere de Lisboa
para o Rio de Janeiro em fuga da invasão napoleônica; nesse mesmo ano,
Hipólito da Costa começa a publicar, em Londres, o periódico Correio
Brasiliense (1808-1822), que passou a divulgar as ideias liberais. Nos anos de
1813 e 1814 são publicados, no Rio de Janeiro, 18 números de O Patriota,
periódico dedicado exclusivamente à difusão do conhecimento científico no
Brasil. De 1813 a 1816, Silvestre Pinheiro Ferreira organiza e oferece no Rio
de Janeiro, onde se encontra como membro da corte portuguesa, um curso
ao estilo do empirismo de Verney, as Preleções filosóficas, nas quais ele se
serve do sensualismo de Condillac para explicar a natureza do discurso,
da linguagem e das ideias. Em 1816, a mudança de um grupo contratado
de artistas acadêmicos franceses para a corte do Rio de Janeiro causará,

As principais características da filosofia no Brasil 33


U1

nas décadas seguintes, profundo impacto na vida cultural brasileira. Dez


anos após a declaração da Independência (1822), e uma vez consolidada
a autonomia do país, Frei Francisco do Monte Alverne, famoso orador e
estudioso da literatura francesa, encontra-se a lecionar filosofia em seminário
no Rio de Janeiro, onde estimulou o jovem Gonçalves de Magalhães, recém-
formado em medicina, a estudar o romantismo de Chateaubriand e o
espiritualismo de Victor Cousin, como também a combater o sensualismo
introduzido pelo magistério de Silvestre Pinheiro Ferreira. [...] Nessa fase
inicial, destacamos o nome de Gonçalves de Magalhães por ter sido ele
quem concebeu e implementou um projeto de mudança de método na
maneira de pensar. Estabelecido em Paris (1833-1837), ele aprofundou seus
conhecimentos de ciências da natureza e humanas na Sorbonne, estudou o
espiritualismo francês, frequentou as aulas de Théodore Jouffroy, vivenciou
o romantismo, e editou com os amigos Porto-Alegre e Torres Homem a
Niterói, Revista Brasiliense (1836), onde publicou o Ensaio sobre a história
da literatura do Brasil, no qual ele discorre sobre as condições da cultura
brasileira e a necessidade de reforma da literatura, denunciando a doutrina
aristotélica dos estilos, então decadente, pela qual se instituíra a imitação
como fundamento de uma arte retórica de caráter supraindividual, anônimo
e coletivo. Gonçalves de Magalhães inaugurou o romantismo brasileiro
(Suspiros poéticos e saudades, poemas, 1836) e promoveu a reabilitação do
indígena brasileiro como parte da população nacional. Seus principais textos
filosóficos são: Filosofia da religião (1836), Fatos do espírito humano (1858) e
A alma e o cérebro (1876). (CERQUEIRA, 2011, p. 176)

(Nota: Luiz Alberto Cerqueira, autor deste texto, é coordenador do


Centro de Filosofia Brasileira do Programa de Pós-graduação em Filosofia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Fonte: Disponível em: <http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.


br/> Acesso em: 16 fev. 2015

1. O debate acerca da possibilidade ou não da existência


de uma filosofia genuinamente brasileira parece não ter
conseguido chegar a uma resposta conclusiva e nem mesmo

34 As principais características da filosofia no Brasil


U1

responder se tal questão, de fato, se faz tão relevante para o


campo reflexivo, haja vista que nas ciências exatas perdura
o universalismo e entende-se que não poderia ser diferente.
Sobre o tema exposto, assinale a alternativa correta:
a) Raimundo Farias Brito defende que esse tema é insignificante
e desde que os temas filosóficos sejam abordados em nossa
língua vernácula, temos sim a existência de uma filosofia
brasileira.
b) Segundo Antônio Paim, não se pode fazer filosofia a
não ser na língua grega ou alemã, pois os principais temas
relacionados à reflexão filosófica foram amplamente
abordados unicamente por filósofos destes dois países.
c) Para Tobias Barreto, em nenhum campo da atividade
intelectual o espírito brasileiro se mostra tão acanhado, tão
frívolo e infecundo como no campo filosófico, pois as nossas
construções filosóficas estão muito aquém do que deveriam,
ou poderiam, estar.
d) Victor Goldschimidt se autodenominou Estruturaloide, e
defendeu que falar em filosofia no Brasil fere o princípio de
universalidade, a qual é implícita às ideias, pois estas não deveriam
refletir a particularidade e a especificidade de uma nação.

2. Para Cruz Costa, o modelo erudito que predominava em


Portugal veio parar no Brasil. Enquanto o resto da Europa
já buscava o modelo científico, as ciências naturais tinham
dificuldades de se desenvolver em Portugal. Lá, a cultura era
livresca, era cultura de fachada, uma cultura de casca.

Considere:
I – Herdamos dos portugueses um modelo erudito (ou
pseudoerudito), o qual era fortemente praticado e defendido
pelos Jesuítas.
II – Legaram-nos, os portugueses, uma concepção de
vida onde teoria e vida não têm vínculo, simbolizada no
espírito prático e imediatista do aventureiro que se lança às
descobertas.
III – Explorar a nossa terra era o verdadeiro propósito dos

As principais características da filosofia no Brasil 35


U1

aventureiros que aqui chegaram, e não simplesmente


ocupá-la como normalmente se afirma.
IV – Construir uma nação livre, soberana e altaneira, na
vanguarda da ciência, sempre foi o propósito que Portugal
acalentou com relação às terras brasileiras.
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I, II e IV.
d) I, III e IV.

36 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Seção 3

Características da filosofia no Brasil


Como introdução ao assunto, informamos que pretendemos, nessa seção,
refletir sobre o modo como alguns valores passaram a integrar um rol de atividades
tipicamente brasileiras, aclarando, tanto quanto possível, a sua gênese e posterior
desdobramento e solidificação como constitutivo do caráter genuinamente nacional.

3.1 Traços distintivos do povo brasileiro


É notório que o povo brasileiro tem traços muito típicos que o distinguem da
grande parte de outros povos, podendo-se elencar entre eles, de modo positivo,
o fato de sermos um povo acolhedor, tolerante, trabalhador, alegre, solidário,
complacente, amigável, empático e despojado.

É claro que qualquer uma dessas características levada ao seu extremo pode
passar a ser uma característica negativa. Além disso, também temos traços que
devem ser corrigidos, ou seja, podem ser classificados como negativos. Entre estes
podemos destacar pouca preocupação com o futuro (imediatismo), tendência de
buscar o próprio bem levando vantagens, por vezes, de modo desonesto, excessiva
desigualdade social, uma classe política descompromissada com o bem comum e
muito próxima de quadrilhas especializadas e do crime organizado, superficialidade
reflexiva e reprodução de ideias externas sem muito critério (deixar-se influenciar),
entre outros.

Certamente todos os povos têm pontos positivos e negativos, sendo bastante


importante a consciência disso, de modo a possibilitar correções ou reforços,
dependendo da situação. Nesse intento, se fazem necessários o conhecimento
e o estudo da nossa cultura e dos valores subjacentes às nossas visões éticas,
principalmente. Mas, por outro lado, há que se ter em mente que somos uma nação
relativamente recente e, talvez, ainda em busca de uma identidade cultural.

Quando comparados com países com tendências nacionalistas, parece que o


povo brasileiro ainda precisa elevar sua autoestima, pois é comum, nós brasileiros,
acharmos que o Brasil só tem pontos negativos e é o país com menos valor desse
planeta. Habituamo-nos a falar mal do nosso país, o que, infelizmente, é lastimável.
Temos de ser críticos, sim, mas também patriotas.

As principais características da filosofia no Brasil 37


U1

Como dissemos, todas as nações têm seus pontos positivos e negativos, mas
muitas aumentam os pontos positivos, enquanto o Brasil, ao invés disso, aumenta
os negativos. Alguns exemplos frívolos: existem países que não têm o hábito de
enrolar o sanduíche em guardanapo, ou de lavar as mãos antes de comer. Padeiros,
feirantes e açougueiros recebem o dinheiro com a mesma mão com que entregam
o pão ou a carne. Vendem batatas fritas enroladas em folhas de jornal e, ainda assim,
têm ótima freguesia.

Em alguns restaurantes de países europeus, se você pedir uma mesa para não
fumante, o garçom vai rir de você, pois não existe; lá eles fumam até no elevador.
Em algumas cidades e até mesmo em capitais, onde se espera excelência no
atendimento, existem garçons conhecidos por seu mau humor e grosseria, enquanto
no Brasil qualquer garçom de botequim atende com tanta educação e fineza que
poderia ir para lá dar aulas de como conquistar o cliente.

Figura 1.15 | A alegria é uma das nossas características.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Carnaval_2014_-_Rio_de_Janeiro_(12974238474).


jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

E essa preocupação em atender bem vem se estendendo às empresas.


Aproximadamente sete mil empresas brasileiras têm certificado de qualidade ISO
9000, maior número entre os países em desenvolvimento. Também podemos nos
orgulhar em dizer que o mercado editorial de livros é maior do que o da Itália, por
exemplo, com mais de 50 mil títulos novos a cada ano.

38 As principais características da filosofia no Brasil


U1

O Brasil tem o mais moderno sistema bancário do planeta. As nossas agências


de publicidade ganham os melhores e maiores prêmios mundiais. Mais de 70% dos
brasileiros, pobres e ricos, dedicam um pouco do seu tempo em trabalhos voluntários.
Somos a terceira maior democracia do mundo.

O povo brasileiro é um povo hospitaleiro, que se esforça para falar a língua dos
turistas, gesticula e não mede esforços para atendê-los bem, enquanto europeus deixam
turistas falando sozinho nas calçadas quando estes tentam pedir informações. A alegria
é a nossa marca registrada, somos batalhadores e enfrentamos a própria desgraça rindo
e sambando. Por fim, vamos lembrar que os brasileiros tomam banho todos os dias, às
vezes mais de uma vez por dia, enquanto os europeus tomam banho, em média, uma
vez por semana. Apesar disso tudo, parece que o nosso nacionalismo só aflora por
ocasião da copa do mundo de futebol. Mas isso tudo tem a ver com Filosofia?

Figura 1.16 | O ensino de filosofia no Brasil esteve muito atrelado aos clérigos.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Padre_vaz.JPG?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Se não tiver a ver com a Filosofia em si, ao menos deve ter a ver com filosofias de vida,
o que já poderia ser o início de uma reflexão sobre a nossa realidade. Para tanto, teríamos
de nos aprofundar mais de modo crítico-reflexivo e consciente, o que não é o nosso forte,
infelizmente. Teríamos de conhecer e entender como aconteceu o desdobrar da Filosofia
aqui no Brasil, bem como as principais correntes que aqui se estabeleceram.

As principais características da filosofia no Brasil 39


U1

A filosofia no Brasil sempre esteve muito vinculada aos clérigos, desde os Jesuítas até
o seu ressurgir na década de 1990, depois de ter desaparecido por conta da influência
da educação tecnicista e da tendência da ditadura militar de suprimir estudos que
despertassem a criticidade. Mas para compreender isso de modo mais aprofundado é
necessário retroagir um pouco mais e, para isso, tomaremos por base a obra de Luiz
Alberto Cerqueira, constante nas referências desse trabalho.

Sob o espírito de um povo subjaz uma compreensão de


mundo que pode ser considerada uma filosofia, embora possa,
muitas vezes, carecer de criticidade e profundidade. Nesse
sentido, poderíamos entender que o povo brasileiro ainda não
possui a reflexão elaborada e estruturada sistematicamente
conforme reclamam as filosofias mais bem constituídas em
algumas nações onde ela já se encontra presente há muito
tempo. Porém, em alguns países, sobretudo do velho mundo,
não apenas a religiosidade se encontra em baixo, como
também a filosofia. Diante disso, poderíamos nos questionar:
teremos uma filosofia brasileira? Precisamos tê-la? O que ela
agregaria à nossa maneira de ser e de viver?

Figura 1.17 | Fomos marcados pelo espírito contemplativo.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Abeja_recolectando_nectar.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em:


19 mai. 2015.

40 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Com o advento da modernidade, a razão emancipou-se e se tornou o paradigma


da racionalidade, enfatizando a questão da liberdade frente às determinações
religiosas. Já René Descartes (1596-1650) ensinava que a dúvida metódica se
fundamenta na liberdade que, de modo claro e evidente, se apresenta à consciência
do sujeito pensante, possibilitando-lhe crer somente naquilo que se pode conhecer
claramente. Essa tendência filosófica se contrapõe à filosofia praticada pelos Jesuítas,
estes priorizavam o caráter contemplativo do conhecimento, enquanto os modernos,
desde Francis Bacon (1561-1626), priorizaram a ciência operativa.

Deste modo, os modernos entenderão que agir livremente é agir de modo


indiferente às paixões e vontades. E ainda que Descartes reconheça a liberdade como
indiferença, ele sustenta que esta indiferença não justifica falta de determinação no
agir, pois para ele a indiferença deve ser apenas com relação à forma de se conhecer
o mundo, o qual deve ser efetivado independente dos nossos sentidos.

O padre iluminista português Luís Antônio Verney (1713-1792) foi quem, sob a
influência do Iluminismo francês, teve a tarefa de mostrar em seu país a necessidade
premente de se assimilar essa doutrina cartesiana da liberdade com base nas leis da
razão, mas sem ter que, necessariamente, abrir mão da lei de Deus. Mas como isso
veio parar no Brasil?

Depois que o Marquês de Pombal expulsou os Jesuítas do Brasil, em 1759, e,


consequentemente, ocorreu a supressão da Ratio Studiorum, foi preciso iniciar uma
reforma no espírito brasileiro contemplativo e indiferente às grandes transformações
culturais no mundo moderno. Para a realização dessa reforma foi necessário valer-se
do caminho aberto por Verney, cuja obra intitulada O verdadeiro método de estudar,
de 1746, certamente foi bem conhecida aqui no Brasil. Assim, admite-se que o fato
que poderia sinalizar o nascimento da filosofia brasileira seria a introdução da ideia de
liberdade como princípio de ação.

3.2 A contribuição de Gonçalves de Magalhães


Naquele tempo se valorizava o conhecimento de si e se admitia que o homem, ao
conhecer-se, se via preso aos determinismos das leis da natureza. E uma das maneiras
de se fugir destes determinismos era sendo indiferente aos seus mecanismos de
necessidade. Contudo, a indiferença poderia se transformar em alienação à medida
que fossem transferidas para o domínio da vontade de Deus todas as aspirações de
justiça no mundo concreto da vida. O resultado disso poderia ser uma separação real
entre os dois domínios. Assim, a saída para que essa separação não acontecesse seria
negar a indiferença.

É nesse sentido, portanto, que Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-


1882) contrapõe a liberdade ao espírito contemplativo, quando afirma:

As principais características da filosofia no Brasil 41


U1

Podia Deus sem dúvida criar uma sociedade de espíritos puros,


não obrigados a coisa alguma, não sujeitos à menor dor, seres
angélicos que vivessem em uma eterna bem-aventurança, só
contemplando as maravilhas do seu criador. Mas qual seria o
mérito desses espíritos para tanta ventura? Necessita Deus de
admiradores inúteis? [...] o que seria então a liberdade humana, se
estivesse inteiramente subjugada a instintos naturais? Qual seria
o nosso mérito, se nenhum obstáculo se nos apresentasse? O
que seria a virtude, se a não praticássemos com algum esforço,
vencendo as dificuldades e os vícios com que nos opomos uns aos
outros? Qual seria a nossa ciência, quais as nossas artes, a nossa
indústria, se as necessidades, as privações e as misérias humanas, a
que chamamos males físicos e morais, não nos instigassem a uma
contínua atividade livre, a um trabalho incessante? (MAGALHÃES,
2004, p. 355-56).

Percebe-se, desse modo, que para Gonçalves de Magalhães a fé não se contrapõe


à liberdade humana. Longe disso! Para ele o cristianismo é o ponto de partida para
justificar a busca da verdade e o trabalho de criação da vida civilizada como tarefas
infinitas. Assim sendo, Gonçalves Magalhães se encontra em perfeita sintonia com
aquilo que Descartes já sinalizava – a simbiose das leis da natureza com a lei de Deus
– ao sustentar (Meditações, IV, § 9):

[...] para que eu seja livre, não é necessário que eu seja indiferente
na escolha de um ou de outro dos dois contrários, mas
principalmente, quanto mais eu tiver inclinado para um, seja
porque eu saiba, evidentemente, que o bom e o verdadeiro aí se
encontrem, seja porque Deus organize assim o interior do meu
pensamento, tanto mais livremente o escolherei e o abraçarei
(DESCARTES, 1999, p. 296).

Ilustra ainda essa questão outro ponto levantado mais adiante por Descartes quando
indaga de onde se originam os seus enganos acerca da questão da liberdade, ao que
ele responde que a vontade é muito mais ampla e extensa que o entendimento, razão
pela qual estendemos a vontade também as coisas que não entendemos, e conclui:
“sendo a vontade por si indiferente, ela se perde muito facilmente e escolhe o mal
pelo bem, ou o falso pelo verdadeiro. O que faz com que eu me equivoque e cometa
pecado” (Idem, p. 297).

Gonçalves de Magalhães era adepto da corrente filosófica espiritualista aos moldes

42 As principais características da filosofia no Brasil


U1

do espiritualismo francês de Maine de Biran (1766-1824) e Victor Cousin (1792-1867).


Eles concebem uma “ciência do espírito” separada do modelo causal de explicação
mecânica das ciências da natureza, muito presente na filosofia moderna, de certo
modo, por influência de Isaac Newton (1643-1727), entre outros. Porém, esse modelo
– de um espírito isento de causalidade mecânica – não implica, entretanto, desprezo
pelo caráter científico do saber. Ao contrário, pela primeira vez na história da filosofia
no Brasil alguém procura reunir provas recorrendo ao campo das modernas ciências
da natureza.

Discordando de Cousin, Gonçalves de Magalhães procura repelir o sensualismo


(corrente que afirma que todo o conhecimento nasce das sensações) no mundo da
vida, concebendo uma surpreendente teoria da sensibilidade, a qual descrevia que as
sensações fazem parte do espírito apenas como sinais de alguma coisa. É o modo
de percepção do espírito o que as reúne e conserva na memória, fazendo-as parecer
sensíveis pela consciência de algo exterior (MAGALHÃES, 2004, p. 185).

Cumpre ressaltar que, segundo Gonçalves de Magalhães, o domínio do espírito


e o domínio dos fenômenos físicos são irredutíveis entre si, cabendo ao domínio do
espírito a primazia na ordem do saber e da ação moral. Por isso é importante que “sirva
o cérebro ao espírito como o piano ao artista que nele executa a música que tem na
mente” (MAGALHÃES 1876, p. 32).

O panorama da filosofia no Brasil no século XIX

No Brasil do século XIX, após dois séculos de ensino filosófico sob a


Ratio Studiorum, era da maior importância compreender a diferença entre
conhecimento e fé. Neste sentido, ao posicionar-se radicalmente contra a
pretensão dos naturalistas e positivistas de estender o método das ciências
da natureza ao conhecimento do psíquico, Farias Brito nada tem a ver com
o perfil escolástico dos metafísicos à moda antiga. Outra foi a sua motivação:
ele levou às últimas consequências a tese kantiana segundo a qual somente
pela consideração da vontade como pertencente a uma coisa em si, isto é,
a alma humana não sujeita à causalidade mecânica, podemos compreender
em que sentido a liberdade é princípio de ação moral. Contrariamente a
Kant, porém, ele conferiu uma significação positiva ao conceito da “coisa
em si”. Para ele, o que sem dúvida está em jogo é a ação moral em sua
intencionalidade própria de um espírito que é a um só tempo livre e
criador. A compreensão do espírito a partir de seu “poder agente e real,
vivo e concreto, que não somente sofre a ação dos elementos exteriores,
como ao mesmo tempo é capaz de agir sobre eles” (BRITO, 2003, p. 60)

As principais características da filosofia no Brasil 43


U1

define a vida do espírito do ponto de vista dele mesmo, considerado em


si, e jamais como um fenômeno físico ou mesmo psicofísico. [...] Mais uma
vez, ressalte-se aqui o paralelismo de seu pensamento com o de Husserl,
para quem o erro do naturalismo consiste em querer fazer com que a
percepção do psíquico seja objetiva, como é próprio da experiência física,
quando, na verdade, as leis inerentes à esfera do psíquico são inteiramente
distintas das existentes na esfera do mundo físico. Desse modo, o fracasso
naturalista se deve à ingenuidade de ater-se a comprovações experimentais
que não se referem senão a fenômenos sensíveis e subjetivos que devem
ser descritos e caracterizados com precisão, o que não os leva, em hipótese
alguma, a atingir a verdadeira esfera da consciência. Com efeito, tudo o
que é eminentemente psicológico, e que diz respeito à verdadeira esfera
da consciência, se perde em meio a análises ocasionais. Tais análises não
podem levar em consideração a especificidade do psíquico. Farias Brito
defende claramente a impossibilidade de a ordem psíquica ser concebida em
analogia com a dos “fenômenos naturais”, pois esta e aquela se apresentam
como dois absolutos. [...] Sendo justificável o paralelismo com Husserl em
função do esclarecimento do problema central, importa nomear os autores
que efetivamente foram referências constantes na trajetória do pensamento
de Farias Brito: Schopenhauer e Henri Bergson. Abrindo-lhe uma janela para
a filosofia oriental, e suscitando um interesse especial na doutrina do Buda, o
alemão foi a ponte através da qual ele chegou a determinar a sua visão da dor
como problema filosófico; já o francês foi decisivo para ele fundamentar a
distinção entre a intuição de objetos e fatos empíricos e a intuição de estados
e fatos de consciência. Advirta-se, porém: ele não foi sectário de nenhum
dos dois (CERQUEIRA, 2011, p. 186).

3.3 A contribuição de Raimundo Farias Brito


De antemão se faz importante deixar claro que tanto Arthur Schopenhauer
(1788-1860) quanto Henri Bergson (1859-1941) foram considerados por Raimundo
Farias Brito como sendo anti-intelectualistas. Embora ambos sejam filósofos, por ele
considerados com significativa parcela de contribuição para a compreensão de que
“nada tem mais alta eficácia prática que a metafísica” (BRITO, 2006, p. 110), pois a
metafísica é considerada por eles como a ciência do espírito, a qual “não se aprende
nos livros, mas na luta mesma da vida: é uma ciência que, por assim dizer, não se
aprende, mas vive-se; ciência que faz parte orgânica daquele que a possui, e em que o
objeto do conhecimento é consubstancial com o sujeito” (BRITO, 2003, p. 70).

44 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Figura 1.18 | Aqui se fez presente a dicotomia entre espírito e matéria.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Yin%26Yang_trasparent.png?uselang=pt-br>. Acesso em: 19


mai. 2015.

Desse modo, podemos afirmar que a base da experiência será aquilo que ele
denominará de “psicologia transcendente”, numa clara tentativa de poder dar conta
do caráter metafísico do saber. Essa interpretação também pode ser considerada no
mesmo sentido da “psicologia transcendental” de Husserl.

O que servirá como evidência do espírito humano, aqui no Brasil, será a questão
da liberdade, ou seja, o espírito será considerado de modo distante e separado da
matéria, indicando uma visão de espírito entendido como energia viva e criadora. E é
exclusivamente por esse motivo que Farias Brito vai defender o método introspectivo
como sendo o melhor método filosófico: “A este método [...] tem-se feito, e ainda se
continua a fazer, uma oposição formidável. É o que se explica como consequência
inevitável, fatal, do predomínio do materialismo. E realmente, se tudo é matéria, não
se compreende outra espécie de observação a não ser a observação exterior” (idem,
p. 408-409).

Porém, isso não significa dizer que ele não tivesse considerado o perigo do
solipsismo:

E ainda há a distinguir a introspecção direta e a introspecção indireta


[...] Se não houvesse outra observação psíquica, além desta, o resultado
seria o solipsismo [...] De uma para outra consciência não há, por certo,

As principais características da filosofia no Brasil 45


U1

comunicação por processo interno. Cada uma é, sob este ponto de vista,
um todo isolado e forma, a seu ponto de vista, o centro do mundo; mas
há entre as diferentes consciências comunicação segura, positiva e certa
por processo exterior. Tal é, por exemplo, a palavra, a linguagem em geral,
como qualquer sinal com que se possa dar expressão ao pensamento.
Além disto, os estados de alma refletem-se por sinais evidentes no próprio
organismo. Uma emoção profunda comove até às lágrimas. O olhar fala.
A raiva empalidece [...] Todos estes fatos autorizam a formar juízos seguros
sobre sentimentos e ideias, emoções e paixões a que somos estranhos e
que se passam em consciências estranhas à nossa. (Idem, p. 419-20).

Desse modo, podemos considerar as ideias de Farias Brito como sendo o


coroamento e a síntese da experiência histórica de pensamento do povo brasileiro,
distinguindo claramente, em sua obra, o problema da filosofia e sua historicidade.
Seguramente, trata-se da necessidade do conhecimento de si; e o estudo crítico
dessa esfera do saber, a seu ver, não era competência da ciência, mas sim do caráter
metafísico dessa realidade.

Assim Farias Brito não só incorpora e amplia as ideias apresentadas pelos seus
antecessores no Brasil, principalmente no que se refere ao pensamento de Gonçalves
de Magalhães e Tobias Barreto, como confere à expressão “filosofia brasileira” um
significado verdadeiramente filosófico.

Sobre o pensamento de Farias Brito acesse:


http://textosdefilosofiabrasileira.blogspot.com.br/2010/03/farias-brito-
e-ideia-de-filosofia.html
Leia:
FILIZOLA NETO, Júlio. Farias Brito, um filósofo brasileiro: vida, pensamento
e críticas historiográficas. 2008. 248f. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-
Graduação em Educação, Fortaleza-CE, 2008.
(Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/
riufc/3137/1/2008_Tese_JFilizola%20Neto.pdf). Acesso em: 19 mai. 2015.

Diante do exposto podemos, então, concluir que é possível percebermos duas


tendências no pensamento filosófico brasileiro do século XX: primeiro, a crença
na superação definitiva do cientificismo moderno do século XIX. E, segundo, uma
tendência espiritualista resultante da herança portuguesa em solo brasileiro.

46 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Outra importante contribuição à filosofia brasileira foi com relação ao método,


onde foi formulado o método culturalista. Antes de se identificar os pensadores como
pertencentes a uma determinada corrente, seria preciso ater-se à problemática por
eles tratada para que se pudesse tentar reconstruir o caminho seguido por eles.

Ao lado das filosofias alemã e inglesa, a filosofia francesa tem sido uma das fontes
básicas para a meditação filosófica em nosso país. Poderíamos identificar a influência dessa
filosofia nos seguintes momentos: (1) no momento pombalino, quando o empirismo
mitigado inspira-se nas ideias oriundas do positivismo, ou de um pré-positivismo do século
XVIII; (2) no momento da formulação do ecletismo espiritualista, inspirados por Biran e
Cousin; (3) no momento em que os políticos se inspiram no liberalismo doutrinário e no
liberalismo democrático; (4) no momento da ascensão do positivismo e (5) no momento
da reação ao positivismo, quando o espiritualismo brasileiro se fortalece. Perceba-se,
então, que a presença da filosofia francesa é bem marcante em diversos momentos de
construção, ou reconstrução, do pensamento brasileiro.

1. A cultura brasileira ainda é uma cultura em processo de


formação e como a questão cultural é o substrato de onde se
extrai o fomento para a elaboração de reflexões filosóficas, a nossa
filosofia, de certo modo, fica comprometida pelas dificuldades na
formação cultural brasileira.
Considere:
I – As características inerentes ao perfil do povo brasileiro, tais
como alegria, tolerância, hospitalidade, etc., são suficientes para
comprovar a existência da Filosofia Brasileira.
II – As nossas principais características comportamentais, embora
repletas de valores positivos, servem unicamente para mostrar
que temos “filosofias de vida”.
III – Os grandes estudiosos da questão da existência da filosofia
brasileira já possuem material suficiente para concluir que há sim
uma filosofia genuinamente nacional e, por esse motivo, essa
questão é considerada encerrada.
IV – Os estudiosos da filosofia no Brasil não chegaram ainda a
um consenso acerca da real possibilidade da existência de uma
Filosofia do Brasil.
Estão corretas apenas as afirmativas:

As principais características da filosofia no Brasil 47


U1

a) I e II.
b) II, e III.
c) I e III.
d) II e IV.

2. Certamente a única filosofia que não sofreu nenhuma influência


externa é a filosofia grega, pois todas as demais versões suscitadas
posteriormente pelo mundo afora de algum modo se inspiram no
gênio criador do povo grego e, desse modo, nenhuma nação tem
uma filosofia genuinamente nacional.
Acerca deste tema, assinale a alternativa correta:
a) A filosofia brasileira é herdeira, única e exclusivamente, da
filosofia portuguesa.
b) A filosofia brasileira, prescindindo de todas as interpretações
filosóficas vigentes, resgata a filosofia grega e só por ela é
influenciada.
c) Entre as visões filosóficas que mais influenciaram os pensadores
brasileiros, podemos destacar a filosofia alemã, inglesa e,
principalmente, francesa.
d) Como não existe filosofia brasileira, também não existe nenhuma
influência externa ao nosso pensamento filosófico.

Nesta unidade nós vimos que:

a. O povo brasileiro é um povo acolhedor, tolerante, trabalhador,


alegre, solidário, complacente, amigável, empático e despojado.

b. Para filosofar precisamos nos valer daquilo que já foi elaborado


por grandes pensadores, mas também precisamos refletir acerca
da nossa própria realidade.

c. Conseguimos refletir com mais facilidade sobre o que aconteceu


antigamente e temos mais dificuldades para refletir sobre o que
está acontecendo hoje.

48 As principais características da filosofia no Brasil


U1

d. Para se entender a filosofia no Brasil é preciso fazer um resgate da


história da filosofia em Portugal.

e. O descobrimento do Brasil ocorreu quando o ensino em Portugal


entrava em decadência.

f. O estudo de filosofia no Brasil ficou sendo um luxo para os mais


abastados e concentrou-se mais na história da filosofia do que na
reflexão filosófica propriamente.

g. O positivismo foi uma corrente filosófica facilmente aceita em solo


brasileiro e amplamente difundida.

h. O espiritualismo também foi marca relevante na filosofia brasileira e


teve entre os seus principais expoentes Gonçalves de Magalhães.

Assim como aconteceu, e ainda acontece, com as divisões das


épocas históricas, as quais foram nominadas somente depois
de transcorrido algum tempo do seu término, pode ser que
aconteça o mesmo com a filosofia. Portanto, fica muito difícil
afirmarmos se existe filosofia em nosso país ou não; e, caso
afirmativo, como essa filosofia poderia ser classificada.
Certo é que o debate, ainda que esteja inconcluso, deve
prevalecer, pois essa é a maneira mais eficaz de tratar da questão,
além do que, é na reflexão crítica que a filosofia se faz, sobretudo,
caso seja a reflexão sobre a realidade onde estamos inseridos.
Nesse momento histórico filosófico, percorrer o caminho é tão,
ou mais importante, quanto chegar ao ponto pretendido.

1. Existem várias definições de filosofia, entre elas que “a filosofia


é uma chave de compreensão do mundo”; ou então que ela “é
um modo de compreender e explicar o mundo”; ou ainda que “é

As principais características da filosofia no Brasil 49


U1

a história do pensamento humano”.


Sobre o conhecimento filosófico, assinale a alternativa correta:
a) A coruja é o símbolo da filosofia por ter visão abrangente (girar a
cabeça para todos os lados) e por só alçar voo sob o crepúsculo.
b) O filósofo, por ter visão abrangente, não precisa submeter-se a
tudo observar e nem ponderar para tirar suas conclusões.
c) Quem fala no impulso, antes de pensar, ou mesmo sem pensar,
assim como quem fala e depois se arrepende, demonstra estar
bem próximo dos ditames filosóficos.
d) A filosofia é toda e qualquer forma de reflexão, tanto crítica e
profunda quanto reflexão circunscrita ao senso comum.

2. Por mais que os filósofos se debrucem sobre a realidade que os


cerca, deve haver, contudo, uma preocupação com a objetividade,
pois se não fosse assim, a filosofia seria profundamente afetada pelo
desinteresse dos estudiosos. Essa pode ser uma das dificuldades
para a existência da filosofia brasileira, pois há que se pensar local
e globalmente ao mesmo tempo.
Considere:
I – A filosofia é reflexão sobre a realidade, mas não pode ser sobre
a realidade muito recortada, muito pontual ou subjetiva, senão
não desperta interesse.
II – A reflexão filosófica não pode ser sobre uma realidade universal
que prescinda do contexto onde nos encontramos, senão pouco
acrescenta ao que já foi elaborado.
III – A prática da reflexão filosófica deve ser inerente àquelas
pessoas que nascem com propensão ao pensamento crítico-
reflexivo, pois essa capacidade não se adquire.
IV – Toda filosofia é, pois se não existe filósofo sem pátria, então
não existe filosofia que não se vincule a uma determinada nação e
nem nação sem filósofos.
Estão corretas apenas as alternativas:
a) I e II.
b) II e III.
c) I e III.
d) III e IV.

50 As principais características da filosofia no Brasil


U1

3. Na esfera do conhecimento, Portugal teve o seu auge na época


das grandes navegações, pois era vanguardista em questões
de conhecimento aplicado e pragmático, tendência que hoje
encontramos fortemente presente no pensamento dos principais
filósofos norte-americanos.
Sobre as características da filosofia portuguesa é correto afirmar:
a) A filosofia portuguesa não teve originalidade, pois em última
instância ela apenas reproduzia o pensamento clássico elaborado
por Platão e Aristóteles, principalmente.
b) A filosofia portuguesa difundiu-se muito rapidamente pela
Europa e teve a sua maior aceitação em solo inglês, sobrevivendo
no pensamento dos empiristas.
c) A filosofia portuguesa deve a sua verve pragmática à inestimável
contribuição da Ordem Jesuítica, pois o pensamento destes era
profundamente voltado para a compreensão da natureza.
d) A filosofia portuguesa teve o seu florescimento máximo antes da
chegada dos Jesuítas, pois estes priorizavam a ciência escolástica
em detrimento da ciência leiga.

4. O descobrimento da América contribuiu para ajustes no campo


da física, da cosmologia e da geografia da época. Diante de uma
ciência recém-nascida, a qual privilegiava a existência de métodos
rigorosos de comprovação, a autoridade de muitos cientistas foi
colocada na berlinda.
Considere:
I – As ciências portuguesas foram impulsionadas por um modelo
político monopolista e teocrático gerador de muita riqueza, a qual
chegou até às terras brasileiras.
II – A autoridade de Aristóteles passou a ser questionada e os
navegadores venceram a superstição causada pelos textos
clássicos.
III – Afirmavam os lusitanos: “Sabe-se mais em um dia agora pelos
portugueses, do que se sabia em cem anos pelos romanos”.
IV – Com a chegada dos Jesuítas, Portugal começa a se aproximar
do movimento científico que florescia desde o século XVII e, assim,
o espírito moderno vai definhando.

As principais características da filosofia no Brasil 51


U1

Estão corretas apenas as alternativas:


a) I e II.
b) II e III.
c) I e III.
d) III e IV.

5. Alguns estudiosos de Filosofia no Brasil insistirão no caráter


imitativo do pensamento brasileiro e no modo como o
pensamento brasileiro reproduz sistematicamente o pensamento
metropolitano, de como as ideias vinham através de navios e de
como a cultura no Brasil era puramente simbólica, como um
adorno da classe dominante.
Sobre a filosofia no Brasil, considere:
I – A nossa cultura é uma cultura de casca, na interpretação de
Machado de Assis, ou seja, ela não tem profundidade, é apenas de
superfície.
II – A superficialidade é um elemento constitutivo da nossa
maneira de lidar com a filosofia, embora o pensamento filosófico
exija profundidade e senso crítico-reflexivo.
III – A filosofia, desde o seu início, busca compreender e analisar
o mundo de modo sistemático, não condescendendo com
reflexões superficiais e preconceituosas.
IV – Toda e qualquer expressão de nacionalidade de uma
determinada nação deve ser considerada como filosofia, pois
subjaz nestas expressões um modo de compreender o mundo.
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I, II e IV.
d) I, III e IV.

6. A partir da segunda metade do século XIX o Brasil foi invadido


por um surto de positivismo e, de modo paradoxal, o país
ficou sendo governado por burgueses proprietários de terra

52 As principais características da filosofia no Brasil


U1

e respirando uma atmosfera de mudança e de ideias novas (a


política era conservadora, mas o pensamento era reformador), até
que por volta de 1870 a burguesia, formada por militares, médicos
e engenheiros, se apossa da intelectualidade da nação.
De acordo com o texto acima e os seus conhecimentos sobre o
positivismo no Brasil, assinale a alternativa correta:
a) O positivismo no Brasil se reduziu unicamente aos pensadores
da Escola do Recife, pois somente eles tiveram contato mais
profundo com as ideias positivistas.
b) O positivismo no Brasil floresceu apenas na USP, pois em
decorrência da influência francesa, os estudiosos dessa instituição
se viram envolvidos com as ideias de Augusto Comte.
c) O Positivismo influenciou tanto o desenvolvimento da filosofia
no Brasil que o seu lema permaneceu em nossa bandeira nacional.
d) O positivismo encontrou muita dificuldade de se desenvolver
em nosso país em função da resistência dos clérigos e escolásticos.

As principais características da filosofia no Brasil 53


U1

54 As principais características da filosofia no Brasil


U1

Referências

BRITO, Raimundo de Farias. O mundo interior – Ensaio sobre os dados gerais da


filosofia do espírito (1914). Lisboa: INCM, 2003.
BRITO, Raquel Helena da Silva. A crítica do naturalismo na filosofia brasileira do
século XIX. 2006. 124 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
CERQUEIRA, Luiz Alberto. A ideia de filosofia no Brasil. In: Revista Filosófica de
Coimbra. Número 30, 2011. p.163-192.
CRUZ COSTA, João. Panorama da história da filosofia no Brasil. São Paulo: Cultrix,
1959.
______. Contribuição à história das ideias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967.
FILIZOLA NETO, Júlio. Farias Brito, um filósofo brasileiro: vida, pensamento e críticas
historiográficas. 2008. 248f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal
do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Fortaleza-CE, 2008.
MAGALHÃES, D. J. Gonçalves de. A alma e o cérebro − estudos de psicologia e
fisiologia. Rio de Janeiro: Garnier, 1876.
______. Fatos do espírito humano. Petrópolis: Vozes-Academia Brasileira de Letras,
2004.
MORAES, R.; ANTUNTES R.; FERRANTE, V. B. (Orgs). Inteligência brasileira. São Paulo:
Brasiliense, 1986.
PAIM, Antônio. Os intérpretes da filosofia brasileira. Londrina: Eduel, 1999.
PRADO Jr., Bento. Alguns ensaios: Filosofia, Literatura e Psicanálise. Porto Alegre: Max
Limonad, 1985.
______. Cruz Costa e a história das ideias no Brasil. In: MORAES, R.; ANTUNTES R.;
FERRANTE, V. B. (Orgs). Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986

As principais características da filosofia no Brasil 55


Unidade 2

OS PENSADORES DA
FILOSOFIA BRASILEIRA

José Adir Lins Machado

Objetivos de aprendizagem:

Com esse trabalho pretendemos levar ao estudante o conhecimento da


vida, das obras e, principalmente, da contribuição reflexiva das principais
personalidades brasileiras vinculadas à questão da produção filosófica em
nosso país. Destacamos a importância da Escola do Recife e a contribuição
de dois possíveis pensadores nacionais: Tobias Barreto e Farias Brito, os quais
se debruçaram sobre a nossa realidade procurando a melhor compreensão e
explicação para os fatos aqui concretizados.

Seção 1 | A influência positivista e a Escola do Recife


A Escola do Recife tem o mérito de dar o pontapé inicial imiscuindo-
se nas tramas filosóficas do século XIX e estabelecendo vínculo entre a
reflexão filosófica do velho continente e as ideias que aqui brotavam sobre
a realidade concreta da sociedade brasileira, erigindo-se em baluarte da
efervescência cultural da época e dialogando com os positivistas franceses
de modo a adaptá-los para o linguajar e a compreensão daquele nicho
acadêmico de relevância nacional.

Seção 2 | A contribuição de Tobias Barreto


Apresentaremos como Tobias Barreto, o Mulato Sergipano, se
insere no terreno da poesia, da política, do direito e da filosofia, tendo
desenvolvido análise crítica tanto da realidade brasileira quanto das ideias
que aqui aportavam no século XIX. Contribui de modo significativo para o
despertar da consciência filosófica, travando longos debates com a elite
U2

intelectual da Escola do Recife e se posicionando de modo crítico e


comprometido com o saber e a decência política.

Seção 3 | A contribuição de Farias Brito


Abordaremos um pouco da vida e da contribuição de Farias Brito,
apresentando os seus principais feitos no campo da filosofia e da política e
o modo como ele se coloca diante da influência do pensamento europeu,
principalmente do positivismo e do evolucionismo muito difundidos em
sua época. Também buscaremos descrever como ele se embrenha no
campo da tentativa de desenvolvimento de um pensamento próprio.

58 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Introdução à unidade

Além da influência portuguesa e da contribuição jesuítica à filosofia brasileira, por


intermédio da tendência de uma filosofia de cunho espiritualista, tivemos também
outras correntes filosóficas desembarcando em nosso solo, estando a corrente
positivista entre as mais relevantes. O positivismo foi tão marcante que ainda hoje
temos resquícios dele em nossa sociedade. A bandeira nacional, inclusive, carrega
o lema positivista, ordem e progresso.

Os intelectuais brasileiros sempre tiveram uma forte tendência de absorver, às


vezes até sem muito critério, o modo de viver e pensar das sociedades do primeiro
mundo, mas de um modo especial, da sociedade europeia. Daí a fácil adesão dos
nossos intelectuais às principais correntes de pensamento que se desenvolvem na
França, Inglaterra e Alemanha, no século XIX.

Porém, não foram todos os intelectuais que se debruçaram e abraçaram


dessa maneira a filosofia estrangeira, pois dois deles se destacaram levantando
uma bandeira que se contrapunha a esses pensamentos: Tobias Barreto e Farias
Brito. Ambos nordestinos e ambos ligados à Escola do Recife e, de um modo mais
específico, ligados às ciências jurídicas.

Infelizmente, como já buscamos apresentar, é difícil sustentar que tenhamos


filósofos brasileiros, embora tenhamos grandes mentes reflexivas e tentativas de
se estabelecer pensamentos com originalidade. Poderíamos listar uma grande
quantidade de professores de Filosofia que se aventuraram nessa empreitada, mas
focamos o nosso trabalho na figura desses dois em virtude do seu vanguardismo.

Cremos não ser infundada a afirmação de que a filosofia entrou em nosso país
de mãos dadas com o direito, pois é na Faculdade de Direito do Recife onde o
pensamento filosófico e o interesse pela filosofia começam a desabrochar. Essa
conceituada escola representou muito ao pensamento filosófico e de um modo
geral ao conhecimento e à formação de uma elite intelectual no século XIX.

Somente no século XX se dá uma reviravolta no campo da filosofia, surgindo em


1908 o primeiro curso de Filosofia aqui no Brasil, a Faculdade de Filosofia de São
Bento, e depois, em 1934, a Missão Francesa se encarrega de ajudar na criação do
curso na Universidade de São Paulo, onde hoje temos uma gama de professores
gabaritados ligados a essa respeitada instituição.

Os pensadores da filosofia brasileira 59


U2

60 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Seção 1

A influência positivista e a escola do Recife


Às vezes um pesquisador, ou um pensador, faz descobertas tão profundas e
relevantes em uma determinada área que acabam tendo reflexos até em outras áreas
para as quais, a princípio, nem sequer se imaginava ser possível. Isso é conhecido
como Fecundidade da Teoria Científica. E um bom exemplo disso foi o que ocorreu
com Isaac Newton (1643-1727), pois ele conseguiu, a partir das suas descobertas,
conferir à ciência, sobretudo à física, um status tão rigoroso e exato que as demais
áreas do conhecimento se viram motivadas a buscar o mesmo status.

Newton conseguiu universalizar as descobertas científicas. Universalizar é torná-


las consideradas válidas em todos os lugares e em todos os tempos. A partir de
então, Immanuel Kant (1724-1804), por exemplo, vai tentar fazer o mesmo com a
ética. Kant queria que a ética pudesse ser universalizada, com base em princípios que
pudessem ser válidos para todas as pessoas.

Outro filósofo profundamente afetado pela universalidade alcançada por


Newton foi Augusto Comte (1798-1857), o qual entendeu que seria possível estudar
e compreender a sociedade com a mesma exatidão que se estudava a física e a
matemática. Não seria uma empreitada fácil, pois sobre a sociedade recaem muitos
elementos, os quais podem acabar interferindo nos resultados, mas também não é
uma tarefa impossível.

A seguir descrevemos as linhas gerais do positivismo conforme se encontra em


nossa obra referenciada (MACHADO, 2013, p. 53s).

1.1 O positivismo de Auguste Comte


Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu no dia 19 de janeiro de
1798, em Montpellier, na França, e morreu no dia 5 de setembro de 1857, em Paris.
Aos 19 anos se tornou secretário de Saint-Simon (seus discípulos o consideravam o
verdadeiro fundador do positivismo), de quem herdou o interesse pela Sociologia e
pela História. É considerado o pai do positivismo e também o pai da Sociologia.

Os pensadores da filosofia brasileira 61


U2

Comte ficou famoso por desenvolver sua teoria de evolução intelectual e


social, que divide o progresso humano em três estágios principais, que englobam a
evolução histórica e cultural da humanidade. Segundo ele, todos os ramos do nosso
conhecimento teriam passado por estes três estágios, ou estados.

O primeiro é o Estado teológico ou mítico: é o ponto de partida da inteligência


humana que explica as ações da natureza com base em elementos sobrenaturais.
Dentro do estado religioso também houve uma evolução que permitiu a passagem
da visão fetichista para a visão politeísta e desta para a monoteísta, ponto culminante
deste estado.

O segundo é o Estado metafísico ou abstrato: o elemento sobrenatural foi


substituído por forças abstratas inerentes aos seres, capazes de produzir os
fenômenos observados. E o terceiro é o Estado científico ou positivo: a evolução
racional da humanidade, combinada com observações e experimentos, possibilitou
o entendimento dos fenômenos do mundo.

Para Comte, esses estágios eram evidentes, inclusive, em nós mesmos,


pois na infância compreendíamos o mundo de um modo repleto de elementos
sobrenaturais, na juventude a compreensão evoluiu e passou a admitir a força vital
presente na matéria e, por fim, na idade adulta ficamos propensos às explicações
proporcionadas pela Física.

Segundo Comte, muitas áreas do conhecimento já se encontravam, em sua


época, no estado positivo, mas a organização social ainda não havia evoluído até
esse ponto. Desse modo, ele se propõe estudar os fenômenos sociais e elaborar a
física social, elevando o estudo da sociedade ao estado positivo, aquilo que viria a
se tornar a sociologia. “A ciência à qual Comte subordina todas as ciências como ao
seu fim último é a Sociologia” (MONDIN, 1983, p. 116).

Comte chegou à conclusão de que a Humanidade é o grande ser, é o único Deus,


o qual merece o nosso culto, e com base nisto criou a Religião da Humanidade e
o culto positivista. Criou um novo calendário, em que os dias eram dedicados às
maiores figuras da religião, da arte, da política e da ciência, propôs um novo sinal para
substituir a cruz dos cristãos e, por fim, buscou introduzir uma trindade positivista.

Afirmava que a humanidade estava em contínuo progresso e o ser humano em


aperfeiçoamento constante. A humanidade deveria ser guiada por uma só lei moral:
viver para os outros. Por isso a educação positivista deveria desenvolver os instintos
altruístas dos seres humanos, até o predomínio sobre os demais instintos. Por fim,
Comte acreditava que a humanidade caminharia também para a unidade política e
viria o tempo em que haveria um só governo, o qual, meio ao estilo platônico, seria
uma corporação de filósofos positivistas.

A certeza de que a razão, corretamente utilizada e com métodos seguros

62 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

(sobretudo aqueles das ciências exatas, positivas), alcançaria a compreensão última


da realidade e proporcionaria à humanidade uma vida melhor, livre de dores e
sofrimentos, foi radicalizada pelo positivismo, corrente de pensamento que recebeu
esse nome por valorizar o método científico das ciências positivas, recusando a
Metafísica e por buscar aplicar este método às ciências humanas e sociais. Por isso
se diz que o positivismo cultua a ciência e sacraliza o método científico.

De acordo com Herbert Marcuse, desde a primeira vez em que foi usado,
provavelmente na escola de Saint-Simon, o termo positivismo designa: a) a
convalidação do pensamento cognitivo por meio da experiência fatual; b) a
orientação do pensamento cognitivo para as ciências físicas como modelo de
certeza e exatidão; c) a persuasão de que o progresso do conhecimento depende
de tal orientação.

Em consequência disso, “o positivismo é uma luta contra todas as metafísicas,


contra todos os transcendentalismos e idealismos, considerados modos de
pensamento obscurantistas e regressivos” (MARCUSE, apud MONDIN, 1983, p. 112).
Em outras palavras, a metafísica perdeu o seu espaço para a ciência e o positivismo
é reflexo dessa perda.

Figura 2.1 | Na bandeira brasileira De certo modo, o positivismo tem


encontramos o lema positivista. semelhanças com o Iluminismo, por
colocar-se contra as afirmações metafísicas
e buscar a compreensão de mundo com
base na ciência. Também tem aproximação
com o romantismo quando sustenta que a
natureza está sempre evoluindo, passando
do mundo inferior e inorgânico ao mundo
superior, humano. É, ainda, consoante com
o materialismo, à medida que vê a matéria
como princípio supremo e causa última
de toda a realidade. Sendo assim, talvez a
contribuição mais original do positivismo
esteja na sua preocupação humanística
que busca compreender o homem como
ser social, utilizando-se dos métodos das
ciências experimentais.

O positivismo se parece com o


empirismo, porém vai além quando
sustenta que de posse do conhecimento
Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia. da natureza o homem poderia prever os
org/wiki/File:Substitui%C3%A7%C3%A3o_da_Bandeira_
Nacional_(9659065362).jpg?uselang=pt-br>. Acesso fenômenos naturais e se antecipar aos
em: 19 mai. 2015.
acontecimentos, daí o seu lema prever para

Os pensadores da filosofia brasileira 63


U2

prover. Ao se antecipar e transformar a realidade, a humanidade segue rumo ao


progresso. Esse rumo não deve ser aleatório, mas deve, antes, ter bases seguras e
ser conduzido por uma ordem; ideia que resulta no segundo lema positivista, ordem
e progresso, o qual está presente na Bandeira Nacional Brasileira, haja vista que o
Brasil foi fortemente influenciado pelo positivismo e talvez tenha sido o último país
positivista do mundo.

1.2 A escola do Recife


A primeira instituição de ensino superior, na área do direito, criada aqui no Brasil,
foi a Faculdade de Direito do Recife. Ela foi criada em 1827, por Dom Pedro I (1798-
1834), a partir da transferência da Faculdade de Direito de Olinda para a capital
pernambucana. Sendo, a partir daí, palco do debate cultural e intelectual das regiões
Norte e Nordeste.

Próximo da década de 1860 começou, na Faculdade de Direito da Universidade


Federal de Pernambuco, um movimento cultural que abrangia muitos aspectos,
e dentre eles estava também a filosofia. Esse movimento ficou conhecido como
Escola do Recife. Vários intelectuais estavam imersos nesse movimento, mas o que
mais se destacou foi Tobias Barreto (1839-1889).

Além de Tobias Barreto, também faziam parte da Escola do Recife:


Vitoriano Palhares (1840-1890), José Higino Duarte Pereira (1847-1901),
Araripe Júnior (1848-1911), Sílvio Romero (1851-1914), Capistrano de
Abreu (1853,1927), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Urbano Santos da Costa
Araújo (1859-1922), Martins Júnior (1860-1904), João Carneiro de Souza
Bandeira (1865-1917) e Graça Aranha (1868-1931), entre outros. Um dos
mais destacados, além de Tobias Barreto, foi Sílvio Romero.

As principais contribuições da Escola situaram-se no campo da racionalidade


prática – ética e política –, ao fomentar o debate acerca da situação dos mestiços
brasileiros, visando à valorização do homem brasileiro, os verdadeiros filhos dessa
terra. Houve também uma tentativa de incentivar o nacionalismo, tanto no campo
do patriotismo quanto na criação de uma corrente brasileira de pensamento, se
mantendo em diálogo franco e aberto com as correntes de pensamento europeias
da época (positivismo, evolucionismo, etc).

Intelectual e culturalmente, a Escola teve uma grande abrangência, o efervescer


de ideias e debates foi constante e fértil. Porém, próximo das décadas de 1930 e 1940

64 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

começaram a surgir as faculdades de Ciências Sociais e o debate, então, passou para


outros centros, sobretudo Rio (na UFRJ) e São Paulo (USP). Ainda assim, a produção
da Escola do Recife persistiu e colaborou muito para a reflexão crítica brasileira.

1.3 A escola do Recife, o positivismo e demais correntes


O trecho que segue tem por base o texto de Ricardo Vélez Rodríguez, Panorama
da Filosofia Brasileira (Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho. São Paulo: Instituto
Brasileiro de Filosofia, 1993. Disponível em: <http://www.cinfil.com.br/arquivos/
ricardo_velez_rodriguez.pdf>. Acesso em: 04 mar. 2015).

O positivismo estruturou-se paralelamente ao Iluminismo, projetando ao longo


das últimas décadas do século XIX o ideário cientificista pombalino, conforme
destacou Antônio Paim:

A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia


Militar deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as
premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade
da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar
as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que
Benjamin Constant atribui ao Exército (PAIM, 1980, p. 259).

Aqui no Brasil, o principal representante da corrente positivista em âmbito


militar foi Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891). Ele foi professor
da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a
monarquia em 1889.

O positivismo foi severamente criticado pela Escola do Recife, pois os pensadores


dessa escola protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensamento
que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX:
o ecletismo espiritualista e o positivismo.

Embora no começo da Escola os seus principais expoentes tivessem tomado


elementos do monismo de Ernst Haeckel (1834-1919) – ideia de que a política, a
ética e a economia procedem da biologia aplicada – e da própria filosofia comteana,
muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para se abrirem às ideias
que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neokantismo (também
conhecido por neocriticismo).

No contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a "Escola do


Recife" foi a mais clara manifestação do aspecto transcendental do pensamento
kantiano, ao entender a filosofia como epistemologia. Os pensadores dessa escola

Os pensadores da filosofia brasileira 65


U2

assentaram as bases para o ingresso e a discussão, em solo brasileiro, das ideias


provenientes do neokantismo, nas primeiras décadas do século XX.

Figura 2.2 | Faculdade de Direito do Recife, século XIX.

Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Faculdade_de_Direito_do_Recife_(sec_XIX).


jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.

Contudo, é bom deixar claro que ao buscar uma fundamentação transcendentalista


tanto para o conhecimento quanto para a ação humana, a "Escola do Recife"
culminou na concepção da cultura como dimensão especificamente humana,
contrapondo-se ao mundo da natureza.

Para os pensadores da "Escola do Recife", a sociedade, vista como receptáculo


para a cultura humana, configura-se através da imagem de um grande emaranhado
de relações simultâneas. A sociedade (ou a cultura) deve ser vista como um sistema
de regras e normas que não se limitam ao mundo da ação, mas chegam até aos
domínios do pensamento. Desse modo, moral, direito, gramática, lógica, civilidade,
cortesia, etiqueta, etc., são campos que têm em comum o caráter normativo.

E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (de algo construído se
contrapondo a algo espontâneo), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral é
o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Direito natural tem
tanto sentido quanto moral natural, gramática natural, ortografia natural, civilidade
natural, etc., pois todas são efeitos, invenções culturais, segundo Tobias Barreto
(1966, p. 331s).

Ao mesmo tempo em que se propunha a fazer uma crítica contumaz ao


determinismo positivista, a "Escola do Recife", levando em consideração a submissão
da liberdade e da consciência à natureza e reduzindo-as a efeitos da "física social"

66 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

(o primeiro nome dado por Augusto Comte à sociologia), assentou as bases para a
corrente de pensamento que no século XX iria revelar-se muito influente no contexto
da meditação filosófica brasileira: o culturalismo.

Será que a naturalização do mundo (a ideia de que “sempre foi


assim”, ou de que “é assim que tem que ser”, ou ainda de que “o
‘correto’, o ‘normal’, o ‘natural’ é ser assim”) não é apenas reflexo
de uma construção cultural tão arraigada em nossa sociedade,
a qual acaba nos sendo transmitida como natural? Note que
não estamos falando de algo distante, mas de algo presente
em nossos dias, qual seja: homossexualismo, drogadição,
aborto, eutanásia, corrupção, infidelidade conjugal, pedofilia,
vegetarianismo, etc. Seriam eles naturais ou culturais?

Ainda que, ao longo do século XIX, a "Escola do Recife" tenha sido a mais
importante herdeira do kantismo, não se pode ignorar o papel pioneiro que
representaram os Cadernos de Filosofia do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), os
quais sintetizavam o magistério do regente do Império (1835-1837). Nestes cadernos
encontramos de modo muito vivo o pensamento de Immanuel Kant (1724-1804),
tanto no modo como Feijó entende a razão humana, quanto naquilo que ele diz
sobre o exercício da liberdade.

As seguintes palavras, que ilustram a ideia que o padre paulista tinha acerca da
meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo
de Königsberg, ou seja, do seu modo de enxergar a problemática do conhecimento
sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental:

Sendo o homem – afirma Feijó em seus Cadernos – a única substância


conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não
fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se
no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais
e primitivos de toda a ciência humana (RODRIGUEZ, 1993, p. 7s).

O krausismo também se fez presente na filosofia brasileira do século XIX. Para


Miguel Reale, o pensamento de Karl Christian Friedrich Krause (1781-1832), apesar
de ter entrado indiretamente no panorama brasileiro por intermédio de juristas, teve
ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo.
Os principais representantes dessa tendência foram Galvão Bueno (1834-1883) e

Os pensadores da filosofia brasileira 67


U2

João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra Teoria transcendental do direito (1876),
segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico
de Krause, com frequentes referências à doutrina de Kant". João Theodoro tentou
superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa visão que desse
lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo assim um dos precursores do
chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil

• Segundo Karl C. F. KRAUSE, a natureza humana é a mesma em todos


os tempos; mas a reunião de homens e povos em sociedades superiores
e mais orgânicas só aconteceu gradativamente, através de sucessivos
desenvolvimentos.
• Se com Hegel o idealismo alemão atinge as culminâncias abstratas do
conceito de Estado, cabe a Krause proceder ao respectivo enquadramento
numa estrutura eclética, mais susceptível de vulgarização, sobretudo
entre os que não podiam aceitar a disciplina da pura dialética.
• O homem passa a ser visto como uma individualidade pessoal com
relações orgânicas relativamente aos diversos graus da sociabilidade
humana, como a família, a nação e a própria humanidade, pelo que todas
as associações humanas viveriam de uma tensão entre um elemento
subjetivo ou pessoal e um elemento objetivo ou social.
• A sociedade, embora constituindo um todo orgânico com diversas
instituições, exigiria uma unidade central e superior: o Estado. Porque,
se cada instituição mantém a sua independência relativa, todas têm
também que submeter-se face a uma mesma direção central e superior.
Apesar de ser um dos órgãos principais do vasto organismo social, o
Estado não absorve nem o homem nem a sociedade. Pelo contrário,
exige organizações sociais distintas para a moral, a religião, as ciências,
as artes, a indústria e o comércio, assumindo-se como o mediador entre
o destino individual e o destino social.

(Disponível em: <http://maltez.info/biografia/krause.pdf>. Acesso em: 11


mar. 2015).

Também foi bastante cultuada durante o império uma corrente de filosofia


política conhecida como liberalismo doutrinário, a qual exerceu bastante influência
na consolidação do sistema representativo brasileiro. Os principais teóricos dessa
corrente foram François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-
1830), Royer-Collard (1763-1843), entre outros. Dentre os pensadores brasileiros que
mais abraçaram o liberalismo doutrinário podemos citar Paulino Soares de Souza,
Visconde de Uruguai (1807-1866) e Pimenta Bueno (1803-1878).

Porém, essa visão liberal conservadora legada pelos doutrinários iria sofrer,

68 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

aqui em terras brasileiras, um criterioso exame do ponto de vista do liberalismo


democrático segundo Alexis de Tocqueville (1805-1859). Os pensadores que melhor
fizeram esse exame foram Tavares Bastos (1839-1875) e José de Alencar (1829-1877).
A análise realizada por eles serviu de bandeira ao Partido Liberal, principalmente nas
décadas de 1860 e 1870 (RODRÍGUEZ, 1997a e 1997b).

Contrapondo-se ao pensamento liberal, surgiu o tradicionalismo, cujos principais


representantes foram Dom Romualdo Seixas (1787-1860), arcebispo de Salvador,
e José Soriano de Souza (1833-1895). Apesar de terem sido influenciados pelos
tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-
1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que os franceses.

A filosofia tradicionalista brasileira foi sintetizada por Ubiratan Macedo do seguinte


modo:

Pode-se afirmar que os tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham


consciência clara de um conjunto de teses filosóficas, religiosas e
de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa
magnitude. Tais teses consistiam no menosprezo pelo racionalismo e
o liberalismo; na defesa da monarquia legítima; no empenho em prol
da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do matrimônio
civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento, em
nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a
preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções.
A monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim
como o regalismo (...). E quanto a ter uma atenção política estruturada,
como pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada.
O grupo, apesar de ativo, era francamente minoritário e nunca teve
maior proximidade com o poder (MACEDO, 1981, p. 19).

Em linhas gerais, traçamos aqui um relato sucinto da situação filosófica no Brasil,


atendo-nos, principalmente, às correntes que tiveram maior destaque e influência
significativa no panorama cultural e filosófico brasileiro. O nosso intuito foi tornar
conhecido, ainda que superficial e rapidamente, o modo como se desenrolou
o pensamento filosófico em nossas terras e, na medida do possível, constatar,
infelizmente, a fraqueza reflexiva e a falta de originalidade de uma possível filosofia
brasileira, bem como a grande dificuldade encontrada para termos filósofos de
expressão mundial e com trabalhos de reconhecimento internacional.

Em nossa análise simplista, entendemos que uma das maiores dificuldades


encontradas para que fosse elaborada uma reflexão filosófica de qualidade
se encontra no fato de importarmos demasiadamente as ideias estrangeiras e
refletirmos pouco sobre a nossa própria realidade. Notem que, normalmente, os

Os pensadores da filosofia brasileira 69


U2

nossos possíveis filósofos se limitaram a traduzir aqui aquilo que estava acontecendo
na Europa, sobretudo, e, portanto, não são filósofos, são apenas intérpretes da
filosofia. Ainda assim vamos apresentar nos capítulos seguintes aqueles que mais
contribuíram com a filosofia em terras brasileiras.

1. Alguns cientistas desenvolveram teorias tão profundas que


acabaram tendo reflexos em outras áreas para as quais eles
nem sequer haviam imaginado contribuir.
A ideia exposta é conhecida como:
a) Universalidade da Teoria Científica.
b) Totalidade da Teoria Científica.
c) Fecundidade da Teoria Científica.
d) Abrangência da Teoria Científica.

2. Podemos afirmar que a Escola do Recife representa o


primeiro esforço da intelectualidade brasileira na produção
de um pensamento filosófico genuinamente nacional, com a
tentativa de se contrapor às ideias vigentes na Europa.
Considere:
I – A Escola do Recife permite que a reflexão filosófica seja
instaurada em território nacional, a partir de intelectuais ligados
às ciências jurídicas.
II – Tobias Barreto e Farias Brito podem ser considerados dois
grandes expoentes da Escola do Recife, na medida em que
buscam desenvolver um pensamento filosófico autêntico.
III – A Faculdade de Direito do Recife, embora aborde questões
filosóficas, teve contribuições relevantes unicamente na área do direito.
IV – A Escola do Recife fará uma leitura crítica das ideias positivistas
e, embora sofrendo influência dessa corrente de pensamento,
apontará possíveis lacunas presentes no positivismo.
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I, II e III.
b) I, II e IV.
c) I, III e IV.
d) II, III e IV.

70 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Seção 2

A contribuição de tobias barreto


Nesta seção pretendemos apresentar a primeira contribuição que, no nosso
entendimento, pode ser considerada, relativamente, significativa à reflexão filosófica.
Estamos nos referindo à contribuição de Tobias Barreto, o Mulato Sergipano, e para
apresentá-lo nos valeremos da obra A Escola do Recife, de Antônio Paim.

2.1 Tobias Barreto

Figura 2.3 | Tobias Barreto, Tobias Barreto de Menezes nasceu em uma família
o Mulato Sergipano. humilde, no dia 7 de junho de 1839 em Campos do
Rio Real, na época uma vila do agreste sergipano, que
hoje leva o nome do seu filho mais ilustre e se chama
Município de Tobias Barreto. Sua mãe se chamava
Emerenciana Barreto, e o seu pai Pedro Barreto de
Menezes. O pai era escrivão e tinha dificuldades de dar
escola aos filhos, por isso Tobias Barreto foi professor
de latim, em Itabaiana, dos 15 aos 22 anos de idade. Em
seguida foi para Salvador com a intenção de se tornar
padre, mas rapidamente abriu mão desse projeto.

Na Bahia estudou filosofia somente até o fim do


ano, pois teve de retornar ao Sergipe por falta de
dinheiro. Aos 25 anos conseguiu se matricular na
Faculdade de Direito do Recife, e aos 28 anos fez o
Fonte: Disponível em: <https://commons.
wikimedia.org/wiki/Category:Tobias_ seu primeiro pronunciamento filosófico em público.
Barreto#/media/File:Realtobias.jpg>.
Acesso em: 19 mai. 2015.
Aos 30 anos concluiu o curso de Direito e tentou
ganhar a vida como advogado no Recife, época em
que passou a fazer parte do Partido Liberal e fundou
um jornal político, O Americano. O racismo era muito forte nessa época e ele teve
dificuldades para encontrar uma esposa. Também não teve muito sucesso como
advogado na capital e foi para Escada, uma cidade do interior do Pernambuco, onde

Os pensadores da filosofia brasileira 71


U2

morou de 1871 até 1882. A sua esposa era desta cidade e nela ele dedicou-se à
advocacia e à política.

Interessou-se pela filosofia alemã, abordando uma variedade de temas. Nessa


época, em 1878, também acabou exercendo, pelo Partido Liberal, o mandato
de deputado da província. Na eleição seguinte concorreu como candidato
independente, mas não foi eleito. Apesar de se ocupar com diversas propostas,
nunca deixou de lado o projeto de difundir as ideias do pensamento alemão, razão
pela qual, em 1881, criou a revista Estudos Alemães.

De acordo com o pensamento de Tobias Barreto, a filosofia poderia ser


considerada uma síntese das ciências, pois o progresso da ciência permitia que se
pensasse em uma “intuição monista do universo”. Contudo, ele acabou percebendo
que essa proposta não daria conta da cultura, da moral, do direito, justamente o
que mais lhe interessava. Por isso acabou aceitando o conceito neokantiano, o
qual reduzia a filosofia à teoria do conhecimento (incluindo racionalidade pura e
racionalidade prática).

Faltava ainda, no entanto, resolver a questão do mundo da cultura e para tanto


não se podia contar com correntes externas. Por não aceitar a física social de
Augusto Comte, posteriormente chamada de positivismo, ele acabou elaborando
alguns argumentos contra essa corrente, numa tentativa de assegurar a autonomia
da cultura sem recorrer ao espiritualismo, de acordo com a contribuição do
neokantismo para o culturalismo.

Contudo, o fato de o Brasil passar de Império para República foi visto como
um fenômeno positivista e isso fez com que o país começasse a ser visto como
positivista, ocasionando condições desfavoráveis de atuação aos discípulos diretos
de Tobias Barreto. O ensino foi reformado sob a égide da hipótese de que a ciência
esgota o real – no que, aliás, continuamos até hoje –, eliminando-se a filosofia,
substituída pela sociologia comteana.

Pode-se perceber que o pensamento de Tobias Barreto foi amadurecendo aos


poucos e passando por fases, pois é perfeitamente possível distinguir a fase de
rompimento com o ecletismo espiritualista e de adesão parcial ao positivismo (1868-
1874); a fase do rompimento com o positivismo (1875-1882) e, finalmente, a fase de
adesão ao neokantismo.

Tobias Barreto abordou temas políticos e sociais de relevância àquela época e


podemos encontrar nas suas abordagens todos ou quase todos os acontecimentos
de seu tempo; com esta ou aquela opinião, o registro do fato aparece sempre em
seus escritos, quase que à maneira de um cronista. O modo como ele tratou destes
assuntos, hoje lhe valeria o enquadramento como sendo um socialdemocrata.

Também os temas religiosos foram abordados por ele e demonstrou não aceitar

72 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Figura 2.4 | A religião pode sumir no futuro? a suposição, popular em seu tempo, de
que a religião tenderia a desaparecer
com os progressos da ciência. Criticou
a tese ingênua da “Irreligião do Futuro”.

Como não existiam monografias


escritas em alemão, houve quem
achasse que Tobias Barreto era muito
esnobe, por escrever nessa língua. Mas
houve também quem viu nesta sua
atitude um modo de se contrapor ao
que se escrevia na Alemanha sobre o
Brasil.

Deve-se a Tobias Barreto a possível,


Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/ autonomia da filosofia brasileira e a
File:ReligiousSymbolsIndian.PNG?uselang=pt-br>. Acesso em: sua não instrumentalização para fins
19 mai. 2015.
políticos, a valorização e o inventário
da nossa tradição nessa matéria e o
primado do diálogo respeitoso, embora firme, em lugar do culto ao espírito polêmico
e do dogmatismo impositivo. O culturalismo brasileiro quer expressamente ser
herdeiro de Tobias Barreto e reúne grandes nomes, como os de Djacir Menezes
(1907-1996), Miguel Reale (1910-2006), Evaristo de Moraes Filho (1914-), Luiz
Washington Vita (1921-1968), Paulo Mercadante (1923-2013), Nelson Saldanha (1933),
Vamireh Chacon (1934-) e tantos outros (PAIM, 1997, p. 149).

Guizot e a escola espiritualista do século XIX, publicado em 1868, foi o primeiro


artigo de Tobias Barreto. Nesse artigo ele apresenta a sua profissão de fé espiritualista
e afirma que:

Não obstante as diversas tendências particulares que o livre pensar há


tomado em nossa época, a tendência geral do século é o espiritualismo.
Ainda mais: refuta a crítica de Guizot, ao considerar a escola de Cousin
‘tímida e orgulhosa’, entre outras coisas por não aceitar os dados da
revelação cristã. A isto objetará: A escola espiritualista não foi tímida;
pelo contrário, combatendo o sensualismo, ela mostrou que a
existência das ideias absolutas não é obra dos sentidos, é um dado
da razão, uma manifestação de Deus, ou uma revelação; faltou-lhe
a palavra, não lhe faltou a intenção. Tobias Barreto, como a grande
maioria dos intelectuais de seu tempo, formava nas hostes da corrente
espiritualista. (PAIM, 1997, p. 10).

Os pensadores da filosofia brasileira 73


U2

Já é possível perceber aqui uma espécie de espírito de rebeldia em relação ao


meio e à própria escola de que se diz adepto. Primeiro, por acentuar a diferença entre
o ecletismo de Victor Cousin (1792-1867) e as tentativas de restauração escolástica
que vinham sendo feitas ao longo do século. Diz ele não acreditar que o século
XIX esteja destinado totalmente às questões da filosofia religiosa. E acrescenta que
a escola tradicional ousou voltar-se contra o seu aliado, ditar leis e chamá-lo à
obediência. Mas era tarde, pois a razão já tinha tomado o lugar que lhe competia no
domínio da ciência.

Para Tobias Barreto é um erro a escola espiritualista apenas observar os fatos,


classificá-los e reduzi-los a leis, haja vista que nada impede que o método da
psicologia seja idêntico ao das ciências naturais. Para ele, as leis da natureza são
concebidas por meio da indução, com a precedência dos fatos particulares que se
observam. Assim também, na psicologia, o eu que diz “penso”, isto é, “sinto, quero,
conheço, movo-me”, e assim por diante, é uma força que se sente e que se conhece
a si mesma e, portanto, particularmente, individualmente, ou seja, indutivamente.
Defende que a escola espiritualista abriu o caminho para o progresso da ciência
quando tomou a observação por ponto de partida e guia constante; no entanto,
critica que não tenha tido sempre em vista a grande diferença que separa a psicologia
das outras ciências da observação. Mas apesar dessas restrições, o rompimento com
o ecletismo espiritualista só ocorreria no ano seguinte.

Para melhor situar a contribuição de Tobias Barreto, queremos apenas


lembrar-lhe que a psicologia dessa época ainda não havia recebido
as preciosas contribuições de Sigmund Freud (1856-1939), o qual,
posteriormente, afirmará no seu texto “O Mal-estar na civilização”, que
a ontogênese (desenvolvimento individual, do ser) repete a filogênese
(desenvolvimento da espécie). Não há civilização sem sentimento de
culpa e ela só permanece se houver tal sentimento. A religião é o que
aumenta o sentimento de culpa. É o superego que não nos permite fazer
o mal. Ao reprimirmos os desejos maus (libido e agressividade), estes se
voltam para nós e nos causam mal-estar, ou seja, Freud, de certo modo,
irá salientar a questão da subjetividade e da indução.

Tobias Barreto, que até então era conhecido como poeta e agora aparece
debatendo problemas filosóficos, ainda não produziu grande impacto com o seu
primeiro artigo. Já outro artigo produzido um mês depois com o título A propósito
de uma teoria de S. Tomás de Aquino, foi contestado por um colega da Faculdade
chamado Manuel Godofredo de Alencastro Autran, obrigando-o a voltar ao assunto
logo a seguir, em junho de 1868, com o artigo Teologia e teodiceia não são ciências.

74 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Figura 2.5 | Philosophia ancilla theologiae. Em ambos os artigos Tobias Barreto


combate a pretensão daqueles que ainda
querem a subordinação da filosofia à
teologia, como na Idade Média. Na Idade
Média se dizia que a filosofia era a serva da
teologia, philosophia ancilla theologiae.
Para Tobias Barreto, a filosofia quer e
deseja ser livre, pois a liberdade é para
ela mais que um distintivo, é sua própria
vida e constitui o seu poder. E acrescenta
que se há um fenômeno, ao mesmo
tempo lastimável e ridículo, é o esforço
que fazem os espíritos apoucados, para
sufocar o filósofo no fundo de seu
pensamento e dizer à razão: Cala-te,
Fonte: Disponível em: <https://commons.wikimedia.org/
wiki/File:Medaglia_di_Domenico_Grimani_-_Palazzo_ louca!
Grimani_a_Venezia_-_Foto_Giovanni_Dall%27Orto_-_8_
Ago_2011_586.jpg?uselang=pt-br>. Acesso em: 19 mai. 2015.
O seu propósito era demonstrar a
impossibilidade de uma ciência de Deus.
Para ele, Deus é objeto de amor e não de ciência. Afirma que o individual, encarado
em si mesmo, não pertence à ciência, pois o que a ciência procura nos indivíduos
é o que eles têm de geral, de comum às diversas classes de seres ou de fatos. O
amor que se tem a Deus é um fenômeno particular do espírito e, como tal, cai sob
as vistas da consciência, mas ainda assim não é por si só um objeto científico. O
amor pertence à classe dos fenômenos sensíveis, e estes, por sua vez, à classe dos
fenômenos espirituais em geral.

Para contestá-lo mais uma vez, o seu colega de Faculdade chegará à afirmação
absurda de que o conhecimento de Deus “só nos é dado pela ciência”, ao que Tobias
replicará que setenta e cinco por cento da humanidade, se não mais, protestariam
contra essa besteira, uma vez que, se assim fosse, a maioria dos homens, aquela que
não cultiva as ciências, estaria condenada ao ateísmo.

Essa primeira polêmica lançou Tobias Barreto para o terreno das ideias, mantendo,
ele e o seu colega de Faculdade, Godofredo Autran, um respeitoso debate. Em 1870,
infelizmente, não acontecerá a mesma coisa. Desta vez o seu oponente será o velho
Conselheiro Autran, o qual tinha sido seu professor na Faculdade. Coube então a
esta segunda polêmica e não à primeira o papel de iniciar a efervescência cultural
que, na sequência, se tornará um fenômeno generalizado no país até assumir caráter
abertamente político.

No último ano de Faculdade, 1869, Tobias Barreto publicou alguns trabalhos que
marcaram a sua evolução filosófica e o rompimento com o ecletismo espiritualista.
No primeiro desses trabalhos ele se ocupa da obra Fatos do Espírito Humano, de

Os pensadores da filosofia brasileira 75


U2

Gonçalves de Magalhães. Considera que o autor mostra-se o mais alheio possível


ao estado atual da filosofia. A época em que Magalhães escreveu era justamente
de transições e revoluções filosóficas na França e na Alemanha. Na Itália, onde
Magalhães estivera a negócios, fulguravam os nomes de Gioberti e de Rosmini. No
mundo filosófico se ouvia o embate das mais fortes discussões movidas pelos mais
robustos combatentes. E, no entanto, o Sr. Magalhães nada ouviu!

Nesse alentado estudo – no qual consuma o rompimento


com o ecletismo espiritualista – proclama a adesão parcial
ao positivismo. Dirá: “Não nos enganamos, quando aderimos
firmemente ao pensamento da escola de Augusto Comte, na parte
relativa ao desdém da teologia”. Essa aceitação de certos pontos
de vista da doutrina positivista não significa a aprovação integral
do pensamento de Comte. É o próprio Tobias quem o esclarece
no mesmo artigo: “Tendo em alta estima a concepção grandiosa
da escola positivista, fazemos, contudo, algumas reservas que
julgamos importantes; e não podemos, por conseguinte, declarar-
nos seu fiel discípulo” (PAIM, 1991, p. 12s).

O que ele rejeita do positivismo é a teoria dos três estados, pois, segundo ele, é
possível notar que, em geral, não se sente pela metafísica o profundo e sistemático
rancor do positivismo, e afirma que ainda há muito espaço para as pesquisas
filosóficas. Podemos perceber, portanto, que, com apenas 30 anos de idade,
Tobias Barreto já havia aderido e rompido com o espiritualismo, fenômeno bastante
comum a outros intelectuais brasileiros daquele período. Contudo, diferentemente
dos demais intelectuais, ele não aderiu de corpo e alma ao positivismo.

Depois da morte de Hegel, em 1831, os seus discípulos se dividiram em esquerda


e direita hegelianas, de acordo, entre outros problemas, com as posições adotadas
diante da religião. Para Hegel, a filosofia e a religião têm o mesmo conteúdo, porém
expresso de modo diferente: a religião na forma de representação e a filosofia na
forma de conceito.

O ser humano sempre buscou compreender o mundo e a vida, e, para


isso, recorre às diversas possibilidades de compreensão, com destaque
para a religião, a filosofia e a ciência. A ciência, até em função do seu
método, tem mais facilidade de aceitação nos dias atuais em virtude
da comprovação de suas teses, enquanto a religião fala em linguagem

76 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

figurativa, esotérica e velada. Contudo, tanto ciência quanto religião não


têm explicação para todos os fenômenos apresentados pela realidade
em que nos encontramos, ou seja, possivelmente passaremos por esse
mundo sem compreendê-lo e sem saber o motivo – se é que existe um
– de estarmos aqui. Sem saber, por exemplo, se a matéria findará um dia
ou existirá para sempre.

Contudo, Hegel acabou não se aprofundando sobre alguns problemas religiosos,


tais como: Deus, a imortalidade da alma etc. Ainda assim, a direita hegeliana se
mantinha fiel ao seu mestre utilizando a sua doutrina para justificar as crenças
religiosas tradicionais, com o que não concordava a ala esquerda, estabelecendo-
se, então, prolongada polêmica.

Ludwig Feuerbach (1804-1872) contribuiu com este debate procurando explicar


as religiões a partir das exigências e necessidades humanas. Desse modo, a questão
religiosa destacou-se entre os temas da filosofia europeia do século passado. Houve
quem valorizasse o Cristianismo não do ponto de vista do sobrenatural, mas como
manifestação de um ideal moral, originado a partir de determinadas condições materiais.

Em 1870, já formado e tentando ganhar a vida como advogado no


Recife, Tobias Barreto, conforme já relatamos, ingressou no Partido
Liberal e, após fundar o jornal O Americano, nele publicou vários
artigos reunidos sob a denominação genérica de Notas de Crítica
Religiosa. Diz ali que “a crítica religiosa é um dos poderes do século,
cuja atmosfera moral está impregnada da poeira a que tem reduzido
as antiqualhas caducas; sua influência é inevitável a qualquer espírito
ambicioso de luz; os grandes homens que se hão colocado à frente
do movimento são de uma enorme estatura, e projetam até nós suas
sombras gigantescas” (TOBIAS BARRETO, apud PAIM, 1997, p. 14).

A refutação de suas ideias não veio de modo sereno e nem se limitou às ideias.
Contudo, Tobias Barreto aceitou bem a polêmica e a luta se arrastou por vários
números de O Americano e de O Católico. E ainda que as polêmicas tenham sido
travadas com um tom áspero e caracterizadas pela pouca cortesia, ele nunca foi
intolerante em matéria religiosa. Justiça seja feita! É bom responsabilizar ambos os
lados pela boa condução do debate.

Muito embora Tobias Barreto tenha sido desde o começo contra a Escolástica,
ele nunca caiu na estreiteza sectária do combate à religião como fizeram os
enciclopedistas franceses. Ele defendia o mais absoluto respeito aos sentimentos

Os pensadores da filosofia brasileira 77


U2

religiosos e sempre manifestou a preocupação de limitar as suas divergências ao


terreno filosófico. Motivos sociais e epistêmicos impunham uma atitude de respeito
diante da religião e foi o que ele procurou manter durante toda a sua vida.

Ainda assim, a polêmica de 1870 alcançou grande repercussão na capital pernambucana,


principalmente na esfera acadêmica, acirrou os ânimos e alargou o círculo dos partidários
das ideias novas, evidenciando o desejo de renovação cuja tendência irreversível iria
acentuar-se, tanto na década iniciada como na seguinte.

Apreciando esta primeira polêmica, escreve Clóvis Beviláqua: “A Crônica


dos Disparates” interessa mais à história das ideias da Faculdade de Direito,
por ser uma polêmica entre Autran, antigo lente, representante das
velhas ideias católicas e tomistas, e Tobias, recém-formado, futuro lente,
representante do espírito novo, que começava a invadir o país... Autran
orçava pelos sessenta e cinco anos e escrevia no “Católico”, periódico
destinado à defesa das ideias da religião dominante (PAIM, 1997, p. 15).

Figura 2.6 | Mesmo morando em Escada Apesar de ser, incontestavelmente,


– PE, ele participava da vida intelectual do muito inteligente, Autran representava
Recife.
o passado, numa época de transição
e, somente com muita dificuldade,
poderia contrapor-se a quem falava
a linguagem do futuro. Em 1870,
essa contenda foi considerada a
manifestação de uma corrente
espiritual que se inaugurava
empunhando a bandeira do espírito
moderno.

Mesmo Tobias Barreto tendo


Fonte: Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ se mudado para o município
Escada_%28Pernambuco%29>. Acesso em: 19 mai. 2015. pernambucano de Escada, não perdeu
a ligação com o movimento intelectual
da capital. Sílvio Romero diz que durante os dez anos em que ele residiu em Escada,
as lutas continuaram ainda mais renhidamente nas duas cidades, pois Tobias Barreto
ia quinzenalmente ao Recife e colaborava com os jornais da capital, além de fazer
inúmeros discursos no tribunal do júri.

No artigo O Atraso da Filosofia entre Nós, Tobias Barreto diz que em vão Autran
se esforça por fazer a árvore seca da Idade Média reflorir e frutificar. Ela já morreu.
Além da reafirmação de suas posições antitomistas, este trabalho é um documento
importante para se avaliar a inquietação espiritual de Tobias Barreto e o sentido que
vai tomar a sua meditação filosófica. Além disso, ele também toca em um problema

78 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

que irá absorvê-lo muito, o conceito de filosofia. Diz ele que nos últimos tempos a
questão filosófica mais inquietante é sobre a própria essência e limites da filosofia.

É possível encontrar em Tobias Barreto a ideia de culturalismo, que é o modo


como ele busca se contrapor à ideia positivista de que seria possível compreender
a sociedade com a mesma exatidão da física de Isaac Newton (1643-1727). Para
ele não seria possível conhecer a sociedade como se conhece a natureza, embora
certos segmentos da sociedade possam ser estudados pela ciência.

Para corroborar as suas afirmações ele passa a considerar as ideias de liberdade e


finalidade e destaca a cultura como tema de investigação filosófica, compreendida ao
modo do neokantismo. Segundo Tobias Barreto, a cultura era o sistema de forças erigidas
para humanizar a luta pela vida, tanto em escola animal como humana. A organização
da vida em sociedade se deu como forma de sobrevivência. “A cultura assim definida
permitiria identificar a especificidade do humano, cujos fundamentos, equivocadamente,
se pretendeu pudessem ser encontrados na natureza” (PAIM, 1997, p. 54).

Tobias Barreto lembra que Henry Maudsley (1835-1918) afirmou que o ladrão,
assim como o poeta, nasce feito, não se faz. Ele concorda com isso, mas salienta
que mesmo a existência de ladrões sendo um produto da natureza, nós (a partir de
um produto cultural – a ética e a política) fazemos um esforço para que eles não
existam. Assim também parece ser um resultado natural que haja luta pela vida entre
grandes e pequenos, fortes e fracos, ricos e pobres. O trabalho cultural consiste na
harmonização dessas divergências. Diante disso, se pode dizer que não foi inspirando-
se na natureza que o homem erigiu a cultura, mas ao contrário, ela é criação humana
que tem por objetivo limitar e corrigir possíveis distorções da natureza. E conclui
que seguir a natureza, em vez de ser o fundamento da moralidade, é a fonte da
imoralidade; e que o direito é o fio vermelho, e a moral o fio de ouro, que atravessa
todo o tecido das relações sociais, conforme já assinalamos.

Nos últimos anos de vida, Tobias Barreto se aproximou ainda mais do neokantismo,
um movimento que surgiu na Alemanha a partir da década de 1860 e veio até a
Primeira Guerra Mundial. Na obra Kant e os epígonos, de 1865, o seu autor, Otto
Liebman, afirma no final de cada capítulo: “É preciso retornar a Kant”. E essa ideia
se difundiu entre os intelectuais da época, contribuindo para que as ideias de Kant
renascessem.

O neokantismo ganha status filosófico com Friedrich Albert Lange


(1828-1875), docente em Bonn e Zurich, nomeado professor da
Universidade de Marburgo em 1872. [...] Lange abandona as tentativas
de solução do problema do conhecimento pela via psicológica, mas
não restaura plenamente a perspectiva transcendental. [...] Semelhante
desfecho seria obra de Hermann Cohen. Cohen restaura a ideia

Os pensadores da filosofia brasileira 79


U2

kantiana de que a objetividade da ciência é assegurada pela estrutura


formal do pensamento, que é regido por leis a priori, independentes da
experiência. Não há em sua obra quaisquer concessões ao cientificismo
ou à interpretação psicológica do conhecimento. Contudo, seu
entendimento do kantismo não é de molde a ressaltar a especificidade
da experiência ética (PAIM, 1997, p. 55).

Foi deste modo que o neokantismo alemão se fez presente no culturalismo


de Tobias Barreto. Para Kant, a razão teórica origina a ciência e a razão prática a
moral, porém isso gera uma cisão no espírito humano, a qual não foi restaurada
pelo professor de Königsberg. Essa questão reaparece dentro da reflexão conhecida
como ciência do espírito, tendo quem defendesse que tal ciência era distinta das
ciências da natureza e também quem afirmasse um modelo único de ciência.

Naquela época houve quem afirmasse que entre um juízo de existência e um juízo
de valor, existiriam os juízos referidos a valores. Assim como, correspondentemente,
entre as categorias de natureza e ideal, é preciso dar lugar à categoria da cultura. O
fato cultural seria uma realidade referida a valores. Assim, se abria o caminho para
o restabelecimento da unidade do espírito, mediante a legitimação da experiência
ética, jurídica ou cultural e não apenas natural. É, portanto, nesta perspectiva da
evolução do neokantismo que se insere a significação de culturalismo em Tobias
Barreto.

Aos poucos ele foi deixando de acreditar na política da época e acabou tendo
desentendimentos com os abolicionistas do Recife, os quais não lhe foram solidários
quando ele teve de arriscar a própria vida para alforriar os escravos que havia recebido
como herança. “A incoerência dos abolicionistas chega a tal ponto, segundo diz em
carta a Sílvio Romero, que, ao pedido de apoio de Tobias Barreto, retrucaram ‘ser um
despropósito meu, uma iniquidade sem igual, pois eu não tinha o direito de alforriar
todos os escravos’. Acabaria concluindo que a política do seu tempo não tinha muito
a ver com princípios” (PAIM, 1997, p. 102).

Na tentativa de mudar a mentalidade vigente, tenta ser professor na Faculdade


de Direito do Recife e para isso quer encontrar uma filosofia que lhe permita se
posicionar contra o pensamento que vinha se firmando, o positivismo; e ao mesmo
tempo não quer voltar ao passado se valendo do espiritualismo. Com esse intento, vai
se ocupar de direito e de filosofia e vê na reforma pretendida pelos juristas alemães
Rudolph von Ihering (1818-1892) e Albert Herman Post (1839-1995) – os quais se
valiam do evolucionismo de Charles Darwin (1809-1882) e Ernst Haeckel (1834-1919)
– uma boa alternativa.

O concurso foi realizado em 1882, ele foi aprovado em primeiro lugar, mas a
instituição estava dificultando a sua admissão pelo fato dele ser negro. Os alunos,

80 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

então encantados com o discurso do mulato – ou “mulato de Sergipe”, segundo ele


próprio –, exigiam a sua contratação. Ali ele passou a ensinar Filosofia do Direito e
Economia Política. Cinco anos depois ficou bastante doente e nos seus últimos seis
meses de vida não conseguiu mais se levantar da cama. Faleceu no dia 16 de junho
de 1889. A causa da morte parece ter sido insuficiência renal crônica, na época
conhecida como doença de Bright. Tudo indica que ele morreu muito pobre, e
amparado por um aluno, pois a Faculdade não mais pagava o seu salário.

Tobias Barreto não era nenhum diletante, mas um homem preocupado


com a sua terra e com a sua gente. Queria que o país dispusesse de
uma elite culta e nosso povo fosse retirado da miséria e da ignorância.
O projeto que lhe deu ânimo por toda a vida formulou-o nestes termos:
“O único meio de salvar e engrandecer o Brasil é tratar de colocá-lo em
condições de poder ele tirar de si mesmo, quero dizer, do seio de sua
história, a direção que lhe convém” (PAIM, 1997, p. 146).

Cremos que de modo sucinto e superficial, amparados pela magnífica obra do


professor Antônio Paim, apresentamos para vocês um pouco do muito que Tobias
Barreto significou para a reflexão filosófica em nosso país. Certamente, não fosse
a brevidade de sua vida, muitas outras contribuições nos seriam legadas e, quiçá, à
filosofia como um todo, superando as nossas fronteiras geográficas.

1. Tobias Barreto se demonstrou um espírito inquieto e polêmico,


e ao mesmo tempo tolerante e afeito à discussão de temas
relevantes para o crescimento intelectual e cognitivo de sua época.
Acerca do pensamento de Tobias Barreto, considere:
I – Foi amadurecendo aos poucos e passando por fases.
II – É perfeitamente possível distinguir a fase de rompimento com
o ecletismo espiritualista e de adesão parcial ao positivismo.
III – A sua última fase é de adesão ao neokantismo.
IV – O auge do seu pensamento encontra-se na adesão ao
positivismo de Augusto Comte.

Os pensadores da filosofia brasileira 81


U2

Estão corretas apenas as alternativas:


a) I, II e III.
b) I, II e IV.
c) I, III e IV.
d) II, III e IV.

2. O culturalismo pode ser considerado uma das contribuições


mais relevantes e autênticas de Tobias Barreto e foi o modo
encontrado por ele para se contrapor às ideias estrangeiras, as
quais eram aceitas pela maioria da intelectualidade brasileira, por
vezes, de modo integral e sem questionamentos significativos.
Sobre o culturalismo é correto afirmar que:
a) Dá ênfase à cultura brasileira e vê nela um modo de emancipação
social frente às opressões do escravagismo.
b) Visa resgatar a cultura do homem do campo, pois somente ela
pode ser considerada genuinamente nacional.
c) Prima pela simbiose entre as culturas estrangeiras e nacionais
para o maior enriquecimento da visão de mundo de todos os
povos.
d) Entende que alguns valores podem não ser naturais, mas frutos
de uma construção cultural.

82 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Seção 3

A contribuição de Farias Brito


Nesta seção vamos nos ocupar do pensamento de um dos primeiros estudiosos
que se ligaram à filosofia em nosso país; buscaremos mostrar a sua compreensão
de filosofia, a sua luta em desenvolver um pensamento original, bem como as suas
conquistas e desencantos com o tratamento dado à disciplina.

3.1 A formação de Farias Brito


Figura 2.7 | Retrato de Farias Foi numa casa próxima da Igreja do povoado de
Brito. São Benedito, no Ceará, que no dia 24 de julho de
1862 nasceu Raimundo Farias Brito. Em 1865 a família
mudou para um sítio em Alagoinha e posteriormente,
para a terra natal paterna, Sobral, onde haveria mais
oportunidade de estudo para os dois filhos do casal.
Ali abriram um pequeno comércio, mas não tiveram
muito êxito. Em 1874 Farias Brito é aprovado para
o Ginásio de Sobral e em 1876 obtém distinção em
francês, latim e matemática.

Diante do bom destaque do filho, Marcolino José,


o seu pai, passa a apoiar a sua educação de modo
quase obsessivo. Mas, devido às dificuldades no
comércio a família se viu obrigada a retornar para o
sítio em Alagoinha. Depois de um ano de muita seca,
Fonte: Disponível em: <https://commons.
wikimedia.org/wiki/File:Raimundo_de_ foram obrigados a procurar melhores condições de
Farias_Brito.jpg?uselang=pt-br>. Acesso
em: 19 mai. 2015.
vida em Fortaleza, ali chegando em 1878. Mais tarde,
já com 34 anos de idade, Farias Brito irá relatar este
acontecimento como sendo uma das páginas mais
tristes do terrível flagelo por ele presenciado, em que “pela manhã passavam uns após
outros, formando verdadeiras fileiras, carregadores conduzindo mortos envoltos em
redes, que gotejavam pus” (BRITO, 1966, p. 249; apud FILIZOLA NETO, 2008, p. 43).

Instalados em Fortaleza, Farias Brito participou, como ouvinte, das aulas do Liceu,

Os pensadores da filosofia brasileira 83


U2

pois as matrículas já haviam sido encerradas. O seu pai incentivava muito os seus
estudos e em 1880 ele concluiu a fase secundarista no melhor colégio de ensino
público do Ceará. Terminou em menos de dois anos um curso que geralmente era
feito em quatro ou cinco anos. E para ajudar nas despesas de casa, ainda como
estudante, ele também já lecionava.

Terminada essa fase, a família se mudou para o Recife a fim de que Farias
Brito pudesse realizar o sonho do seu pai: cursar direito na Faculdade do Recife e,
posteriormente, participar da vida política e cultural da região, como era costume
acontecer com a maioria dos egressos dessa conceituada faculdade.

Ao se preparar para tornar-se bacharel em Direito, Farias Brito se aproximou da


filosofia e para ela despertou, tendo a oportunidade de debater e aprofundar muitas
ideias, além de dedicar-se profundamente à leitura das principais obras dos maiores
filósofos. Para Filizola Neto, o auge da reflexão filosófica de Farias Brito foi mais tarde.
Diz ele: “Consideramos a fase principal de Farias Brito o período compreendido entre
1905 e 1914, quando seus escritos atingem um grau de maturidade e suas ideias se
desenvolvem de forma mais afirmativa e com certa originalidade” (FILIZOLA NETO,
2008, p. 44).

O clima cultural da Escola do Recife era de grande efervescência, discutindo


desde o positivismo, o evolucionismo e monismo até Kant. A proposta desta escola
era vencer o conservadorismo reinante entre os acadêmicos brasileiros, e Farias Brito
encontra ali a fase em que o debate filosófico foi mais acirrado, o que aconteceu
entre 1870 e 1881. Além disso, também teve a oportunidade de ter, por dois anos,
Tobias Barreto como seu professor.

A influência de Tobias Barreto foi rápida e impactante sobre Farias Brito, e


logo surgiu uma recíproca admiração. Além do interesse pela filosofia, também
comungavam o destino de serem retirantes e de terem origem pobre. Porém,
não comungavam o mesmo temperamento, pois enquanto Tobias Barreto era
carismático, expansivo e comunicativo, Farias Brito era prudente e acanhado,
embora vencesse estas possíveis limitações quando discursava em público.

Por ser polêmico e não poupar ataques aos seus adversários, Tobias Barreto
teve muitos desentendimentos; enquanto Farias Brito era partidário do trato suave e
com isso conseguiu evitar alguns aborrecimentos, com Sílvio Romero, por exemplo,
quando o criticou por ter uma compreensão equivocada do pensamento de Baruch
Spinoza e, sutilmente, sugere erro tipográfico. O reconhecimento viria quando Sílvio
Romero deu parecer favorável para que Farias Brito ocupasse a cadeira de Lógica do
Colégio Dom Pedro II, após a morte de Euclides de Cunha. Lembrando que Euclides
da Cunha havia se classificado em segundo lugar e Farias Brito em primeiro, mas
o presidente da República, Nilo Peçanha, atendendo ao pedido do Barão do Rio
Branco, havia nomeado o segundo colocado.

84 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Ao referir-se a Farias Brito, Clóvis Beviláqua (1977, p. 179) afirma:

Foi uma das mais nobres inteligências que tem tido o Brasil. A sua
obra filosófica é, no gênero, a mais vasta e a mais profunda da
nossa literatura. A “Finalidade do Mundo” é a crítica do pensamento
filosófico. A erudição, nessa obra, é considerável e a probidade
transparece em todas as páginas. Farias Brito é investigador, que
vai às fontes, que não se contenta com informações de segunda
mão. O resultado da sua crítica é que nenhum dos sistemas
criados satisfaz, plenamente, a sede de verdade que o domina.
[...] Eloquência, clareza, sagacidade, são qualidades, que dão aos
trabalhos filosóficos de Farias Brito particular sedução. Mas o
que lhe cria lugar à parte em nossa literatura é que ele foi, como
salientou Nestor Vítor, o filósofo representativo da nossa gente.

Com base em sua obra A filosofia como atividade permanente do espírito


humano, é possível inferir que Farias Brito pretendia – além de discutir os sistemas
filosóficos, seus autores e suas obras – elaborar a sua própria filosofia, pois os seus
escritos são bastante autônomos e independentes das ideias dominantes em sua
instituição formadora. Diante disso, não seria exagero afirmar que ele contribuiu para
que a reflexão brasileira desse um importante passo rumo à maturidade, ao tecer
críticas ao pensamento francês e anglo-germânico muito presentes nos círculos
acadêmicos da segunda metade do século XIX.

Dirá Luiz Alberto Cerqueira, coordenador do Centro de Filosofia Brasileira da


Universidade Federal do Rio de Janeiro, que

Farias Brito é a síntese da experiência histórica de pensar do


povo brasileiro. Em sua obra distingue-se claramente o problema
da filosofia em sua historicidade. Trata-se da necessidade do
conhecimento de si. Seu estudo crítico dessa instância do saber
na era da ciência, o caráter metafísico desse estudo, não só
incorpora e amplia as ideias apresentadas pelos seus antecessores
no Brasil, especialmente Antônio Vieira, Gonçalves de Magalhães e
Tobias Barreto, como confere à expressão “filosofia brasileira” um
significado verdadeiramente filosófico (CERQUEIRA, 2011, p. 188).

3.2 A carreira de Farias Brito


Depois de formado em Direito, Farias Brito retornou ao Ceará e se tornou

Os pensadores da filosofia brasileira 85


U2

promotor público em Viçosa e ali, próximo da serra onde havia nascido, também
se dedicou ao ensino e à filosofia. Depois de um desentendimento com o juiz e
buscando melhores condições de sucesso profissional e político, pediu transferência
e foi para a comarca de Aquiraz.

Em certa ocasião o Presidente da Província, Antônio Caio Prado, visitou aquela


localidade e coube a Farias Brito fazer-lhe a saudação, o que acabou impressionando
o presidente, que em seguida lhe convidou para integrar o seu governo. Próximo da
capital, ele começou a se envolver nos movimentos literários e acabou participando
do Clube Literário.

As publicações que Farias Brito fez nessa época versavam sobre temas como o
indivíduo, a natureza e o conhecimento, por exemplo, posicionando-se criticamente
com relação ao cientificismo da época, contrariando a maioria dos membros do
Clube Literário. Isso não significa que ele negasse o papel que a ciência devia
ocupar, antes, porém, buscando mostrar que não se podia atribuir caráter absoluto
e inquestionável às afirmações científicas.

Nessa época surgem iniciativas para instruir os operários ministrando-lhes aulas


à noite, contrariando as correntes de pensamento conservadoras e angariando a
simpatia e o apoio da maçonaria local. Mas logo em seguida as posições antagônicas
se unem em prol de um ideal maior, o fim da escravidão no Ceará.

O Clube Literário visava, entre outras coisas, incentivar o nível cultural do povo
cearense e com esse intuito participou das comemorações do primeiro centenário
da Revolução Francesa, em 1889. Nessa ocasião foi possível perceber a hegemonia
da burguesia e dos valores capitalistas enquanto herdeiros das revoluções Francesa
e Industrial.

Dentre os vários artigos escritos por Farias Brito nessa época, podemos encontrar
um sobre psicologia etnográfica, a qual pressupõe que “em quaisquer condições
que diferentes indivíduos formem um grupo social, constituindo uma sociedade, sai
do consenso de todos os espíritos individuais um espírito comum que se torna ao
mesmo tempo a expressão, a lei, e órgão de todos” (FILIZOLA NETO, 2008, p.54s).

Ele se posiciona criticamente diante dessa corrente que defende a existência de


um espírito objetivo, afirmando ser um absurdo conceber a existência de um espírito
apartado da natureza, sendo esse a face interna das coisas, a manifestação subjetiva
da energia dos seres. Para ele, não poderia haver uma substância sem corpo. Já se
leem nas entrelinhas desse seu trabalho os prenúncios de uma nova metafísica que
ele chamará de naturalista.

Com relação ao cientificismo, conforme já mencionamos, após constatar os


avanços tecnológicos do século XIX e a forte tendência de só se aceitar como
conhecimento aquilo que for seguro e incontestável, prescindindo do valor do

86 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

conhecimento em si e priorizando as aplicações práticas das descobertas e


invenções, Farias Brito enfatiza o papel relevante da poesia como necessidade da
existência humana. Na poesia, segundo ele, se concentravam todas as forças da
alma rumo ao predomínio do bem, superando a realidade acanhada com a harmonia
do ideal. Naquela época a parte oriental da Europa estava fortemente influenciada
por uma poesia de viés realista e tendências pessimistas, possivelmente seguindo a
tônica de Arthur Schopenhauer.

Para Filizola Neto (2008, p. 56),

[...] Schopenhauer também exerceu influência sobre Farias Brito,


mas o filósofo cearense sempre mantém uma posição crítica em
relação às ideias do filósofo alemão. O distanciamento crítico em
relação às ideias europeias foi a marca de nosso filósofo. Enquanto
a jovem geração intelectual cearense da segunda metade do
século XIX, e mesmo os arautos da Escola do Recife, aderiam quase
incondicionalmente ao positivismo, ao evolucionismo, ao monismo
e ao kantismo, Farias Brito se tornou um crítico contundente, bem
informado e articulado das novas ideias que por aqui aportavam,
pois ele mergulhou decisivamente na compreensão de tais ideias
para situar-se no mundo.

Além do Clube Literário, Farias Brito também participou do Centro Literário,


caracterizado pelo ecletismo cultural e pela relação conflituosa com o poder
oligárquico dominante (FILIZOLA NETO, 2008, p. 58); e, em 1894, foi membro-
fundador da Academia Cearense de Letras, onde apresentou seu primeiro trabalho
filosófico sistematizado, com o título A Filosofia como Atividade Permanente do
Espírito Humano.

Sobre o Centro Literário


“[...] Foi um grupo como dezenas de outros que pululavam no Ceará em
fins da centúria passada; na verdade, além de haver quebrado a quase
tradicional transitoriedade da maioria dos agrupamentos de intelectuais,
o Centro conseguiu manter uma revista, a Iracema (criada em 1895 e
que, segundo Dolor Barreira, ‘parece ter-se mantido somente até fins
de 1896, durante dois anos, portanto’), publicou livros, e acima de tudo
reuniu nomes da maior significação em nossas letras, como [...] Farias
Brito, que contribuíram generosamente com o prestígio de seus nomes
para a criação do grêmio” (AZEVEDO, 1995, p. 193s).

Os pensadores da filosofia brasileira 87


U2

3.3 As realizações de Farias Brito


Farias Brito era um homem envolvido com os problemas da sua época, livre de
preconceitos e intolerâncias com ideias e crenças. Embora não fosse um católico
assíduo e praticante e até tivesse dificuldades em aceitar alguns dogmas, mantinha a
sua religiosidade exaltando, sobretudo, os aspectos éticos a ela pertinentes. Diz ele:
“olho com soberano desprezo para a impiedade banal de muitos supostos homens
de ciência, ao passo que nunca deixarei de me curvar reverente ante o valor moral
do ensino de Jesus” (FARIAS BRITO, 1966, p. 262).

Uma das grandes empreitadas de Farias Brito foi lutar pela criação de cursos
superiores no Ceará, sobretudo na área jurídica, engajando-se na luta pela criação
da Faculdade de Direito. Depois de criado o curso ele não foi incluído entre os
seus professores, e nessa ocasião muda-se para o Pará, para a cidade de Belém.
Se em função ou não da sua exclusão do quadro de professores, é difícil precisar.
A maioria dos docentes e administradores da faculdade recém-criada estava ligada
ao governador efetivo Nogueira Accioly, político influente na época. Efetivo porque
o governador eleito era Pedro Borges, mas Nogueira Accioly era quem detinha
o poder. Por sugestão de Accioly foram fechadas 90 escolas primárias a fim de
viabilizar os recursos para a criação da faculdade.

Accioly foi governador do Ceará por 16 anos, de 1896 até ser deposto em 1912.
Em 1891 o Brasil mudou o sistema de votação, passando do voto censitário para
o voto de alfabetizados. De 1824 até 1891 o nosso país praticava o chamado voto
censitário, o qual permitia direito a voto apenas às pessoas que tinham dinheiro.
Essa lei foi substituída dando direito ao voto aos homens maiores de 21 anos e
alfabetizados. Ao se fechar as escolas primárias, o Governador Accioly diminuía o
número de pessoas alfabetizadas e, consequentemente, o número de eleitores,
assim ficando mais fácil manipular as eleições.

Rodolpho Theophilo descreveu a administração de Nogueira Accioly da seguinte


maneira:

A sua administração teria sido regular atentas as condições


em que recebeu o Ceará, se não fossem dois atos seus que a
macularam. Um deles a supressão de 90 escolas primárias para
criar uma Faculdade Livre de Direito, absurdo este exigido pelo Sr.
Nogueira Accioly, para fazer bacharéis a dois filhos seus, genro,
muitos parentes e o Sr. Cracho Cardoso [...]. O que importa ao Sr.
Accioly que centenas de crianças pobres ficassem sem aprender
a ler, se assim era preciso para que seus filhos fossem doutores?
(THEOPHILO, 2001, p. 12s).

88 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Figura 2.8 | Retrato de Mesmo morando em Belém, Farias Brito tentou


Nogueira Accioly. fazer frente aos desmandos de Accioly, mas a imprensa
escrita lhe disponibilizava espaço apenas para as
reflexões filosóficas. Também tentou contrapor-se à
tendência cientificista, principalmente das correntes
positivista e evolucionista, mas não obteve tanto êxito
quanto pretendia. O professor de Filosofia do Direito,
Soriano de Albuquerque, adepto do cientificismo,
ganhou mais destaque na consolidação da Faculdade
de Direito do Ceará.

Desde 1894 Farias Brito se opunha às correntes que


defendiam a objetividade desprezando as dimensões
subjetivas e artísticas do conhecimento. Também se
contrapunha à negação, por parte de Augusto Comte,
da validade da metafísica. Contudo, se ressentia de
Fonte: Disponível em: <https://
commons.wikimedia.org/wiki/ que a filosofia dificilmente encontrava espaço na
File:Nogueira_Accioli.jpg?uselang=pt-
br>. Acesso em: 19 mai. 2015.
intelectualidade brasileira, e não se tinha estímulos à
pesquisa e nem mesmo alguém que se dispusesse a
objetar as suas ideias para assim viabilizar um bom e
produtivo debate filosófico.

O interesse filosófico de Farias Brito era mais por questões existenciais e


metafísicas, possivelmente influenciado por seu professor, Tobias Barreto, no afã
de mostrar que o Brasil tinha possibilidade de desenvolver uma filosofia nacional.
Segundo Tobias Barreto, provar que o Brasil não tinha cabeça filosófica era como
dizer que o sol não é frio. Clóvis Beviláqua irá reconhecer Farias Brito como o grande
incentivador da reflexão filosófica em território brasileiro.

3.4 Farias Brito e a política


A primeira incursão de Farias Brito na política foi na campanha abolicionista, se
fazendo presente junto à Sociedade Cearense Libertadora, desde dezembro de
1880, por ocasião de sua inauguração quando, inclusive, é uma das personagens que
discursa em favor da libertação dos escravos. Entre outros, escreveu os versos Cantos
de Liberdade, onde empunha a bandeira abolicionista. A maioria dos intelectuais que
defendiam a abolição também aderia às ideias cientificistas, mas Farias Brito não é
fervoroso defensor destes ideais, como já assinalamos. Desse modo, guiado por
seu senso crítico e busca de autonomia intelectual, vai buscar na filosofia moderna
contemporânea elementos que lhe permitam constituir uma nova metafísica.

A política era uma atividade que atraía muito os jovens intelectuais cearenses,
sobretudo os mais pobres, pois poderia se configurar em possibilidade de ascensão
social. Efetivamente, Farias Brito participou da política desempenhando por cerca

Os pensadores da filosofia brasileira 89


U2

de um ano a função de Secretário de Governo do Presidente da Província Antônio


Caio da Silva Prado. Mas o interesse dele era dedicar-se mais à Filosofia do que à
política, embora tenha reavivado seus ideais políticos por ocasião da proclamação
da República, ao acreditar que mudanças substanciais iriam acontecer. Infelizmente,
logo se desilude desse novo cenário político nacional e percebe que até tinha sido
ingênuo por acreditar na propaganda republicana.

Desiludido com o Centro Republicano, passou a participar do Clube Democrático


e também do Partido Operário, o qual reunia profissionais liberais e trabalhadores,
onde, mesmo não participando da direção do partido, participa como advogado da
classe operária. Além disso, também colaborava com o jornal Cearense, fazendo
frente ao governo oligárquico de Accioly e ao poder estabelecido.

Em 1891, agora tendo por presidente da província do Ceará o general Clarindo


de Queiroz, Farias Brito volta o ocupar um cargo político atuando como Secretário
do Interior. Entre outras atribuições dessa secretaria estava a responsabilidade pelo
ensino público, bibliotecas, museus, institutos, colégio e associações artísticas
e literárias. Esta atuação também não foi longa, pois o presidente da República,
marechal Deodoro da Fonseca, foi obrigado a renunciar e junto com ele caiu o
general Clarindo.

Depois de resistir o quanto pôde, apresenta a sua renúncia. O manifesto de


renúncia assinado pelo general teria sido redigido por Farias Brito, o qual enaltece a
sua resistência “e denuncia o poder ditatorial que estava se instalando no país, sob o
comando de Floriano” (FILIZOLA NETO, 2008, p. 89). Critica de um lado a ditadura
do marechal Floriano, mas nem sequer faz menção à ditadura do seu antecessor, o
marechal Deodoro, o que poderia ser indicativo de que a redação do manifesto não
teria sido feita exclusivamente por Farias Brito.

O professor Júlio Filizola Neto (2008, p. 90) nos lembra que

Com a queda de Clarindo de Queiroz, Farias Brito foi perseguido


e teve que se esconder por várias semanas. A desilusão com a
República nascente, que um dia saudara entusiasticamente em
versos, o afasta da carreira política e passa a dedicar-se, com mais
empenho, ao estudo e ao ensino; assim como Platão fizera diante
da condenação de seu mestre Sócrates, e das injustiças praticadas
pelos representantes do partido aristocrático.

O conturbado cenário político que se desdobra na vida de Farias Brito entre 1889
e 1992 parece adentrar também em sua vida pessoal. No dia 02 de dezembro de
1893, Farias Brito se casou com Ana Augusta Bastos. No dia 17 de fevereiro de 1895
nasceu o primeiro filho, mas este veio a falecer com apenas dez meses de vida, no

90 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

dia 08 de dezembro do mesmo ano. Ele relata que o filho faleceu às três horas da
manhã do mesmo dia em que aprendeu a falar “mamãe”. Com dois anos e meio de
casado ficou viúvo, no dia 11 de junho de 1897, às seis horas da manhã, faleceu a sua
Nanoca, como ele a chamava.

Devido à sua boa oratória Farias Brito acabou se tornando o orador oficial da
Academia Cearense e também da Associação Comercial do Ceará, chegando a
ser chamado de Tribuno do Comércio. Também foi ímpar a contribuição da sua
eloquência quando da criação da Faculdade Livre de Direito do Ceará. Contudo,
quando ela foi fundada, em 1903, ele já estava vivendo em Belém do Pará.

Em Belém ele tem uma vida de muita produção e trabalho, atuava como
professor, advogado, promotor público e escritor. Ainda assim ele encontra tempo
para se opor ao governo cearense, mas infelizmente sem poder contar com o apoio
dos conterrâneos cearenses que residiam no Pará e sem poder contar com o apoio
da imprensa. Em algumas correspondências da época dá para perceber que ele
ainda nutria o desejo de retornar à sua terra natal e envolver-se mais na política.

Desilude-se da política após a eleição de Accioly e então passa a dedicar-se mais


à filosofia e seu ensino, bem como ao trabalho de promotor e advogado. Voltará e
ter participação política quando já está morando no Rio de Janeiro e se envolve na
Campanha Civilista em favor de Rui Barbosa. Em duas audiências públicas que teve
com o então presidente da República, o marechal Hermes da Fonseca, pede a este
que renuncie para evitar uma ditadura militar e até mesmo uma guerra civil.

Em 1911 um grupo de intelectuais cariocas cogitou lançar o nome de Farias Brito


para concorrer a uma vaga de deputado pelo Partido Republicano Liberal. Porém, ele
acabou desistindo da candidatura. Nessa época escreve muitos artigos aos jornais
e revistas propondo que Rui Barbosa é o legítimo presidente da nação e Hermes
da Fonseca um usurpador. Além disso, mesmo morando no Rio de Janeiro, ele
continuava a acompanhar a política cearense. Em 1915 o seu nome é novamente
citado para concorrer a uma vaga à Câmara Federal e desta vez ele não desiste,
porém não conseguiu ser eleito. Houve indícios de fraude na eleição e ele entrou
com recurso, mas o mesmo não foi deferido.

3.5 Desfechos familiares e morte


Em 1901 Farias Brito perdeu o seu ícone e baluarte, o pai Marcolino José de
Brito. Antes da morte do pai ele pediu permissão para casar pela segunda vez, pois
a sua primeira esposa, antes de morrer, lhe fez jurar que se dedicaria apenas à filha
do casal e que não se casaria novamente. O pai lhe deu a permissão e ele se casou
com uma ex-aluna, Ananélia Alves, no dia 29 de setembro de 1901. Ele com 39 anos
e ela com 19.

Os pensadores da filosofia brasileira 91


U2

Em 1902, como já dissemos, mudou para o Pará e ali contou com a amizade
do governador do Estado, Dr. Augusto Montenegro, ex-colega na Faculdade de
Direito do Recife. Morou em Belém por sete anos e considerou esse tempo os
melhores de sua vida. No Pará se envolveu na defesa do padre Júlio Maria e nessa
ocasião teve a oportunidade de demonstrar a sua compreensão do positivismo,
angariando a simpatia dos intelectuais paraenses.

O padre Júlio Maria defendia a participação da Igreja no mundo social e político.


Farias Brito procura ser imparcial, mas mesmo assim se diz mais próximo do padre
do que do positivismo. Ambos aceitam o positivismo, mas a partir de premissas bem
diferentes. Lembra ainda que enquanto Augusto Comte condenava expressamente
o militarismo, os positivistas brasileiros, em sua maioria, eram militares. Além
desta polêmica, Farias Brito vai se envolver em outra com Luís Barreiros, sobre o
evolucionismo.

Para Farias Brito a verdade não é absoluta e o papel da filosofia não é a


posse, mas a busca da verdade. No campo político ele sustenta que o Estado só tem
legitimidade se reconhecer o poder da consciência coletiva, assim pactuando com
o direito de rebelião contra poderes despóticos.

A sua vida profissional estava muito bem na capital paraense, com boa
situação financeira, prestígio social e intelectual. A vida pessoal também lhe rendia
muito contentamento, pois do segundo casamento teve três filhas. Mas apesar da
estabilidade ele queria experimentar novos nichos culturais e acreditou que na capital
federal obteria maior reconhecimento por suas contribuições. Foi quando resolveu
participar do concurso de lógica, do Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, já
relatado aqui.

Inicialmente ele sofreu muito no Rio de Janeiro, não só porque teve de


passar por uma grande humilhação, pois mesmo tendo sido classificado em primeiro
lugar no concurso, não foi contratado, mas o segundo lugar, Euclides da Cunha, o
foi, mas também porque o reconhecimento que esperava encontrar ali, não veio de
imediato, ou, talvez possamos dizer, nunca veio. Deixou uma vida estável e segura e
agora tinha de lutar para angariar o sustento de 13 pessoas que o acompanhavam,
além do próprio sustento. No dia 15 de agosto de 1909 tragicamente morre Euclides
da Cunha e Farias Brito assume o cargo no Colégio Dom Pedro II, que já deveria ser
seu, e o exerceu até a sua morte, em 1917.

Ele tinha muitos projetos para desenvolver no Rio de Janeiro, a capital da


nação, mas, ao eclodir, a Primeira Guerra Mundial deslocou o foco da atenção para
a Europa e o momento ficou sendo apenas de expectativas e de projetos suspensos.
Além disso, encontrou dificuldades para publicar os seus artigos nos jornais cariocas.

O tom de seus escritos nessa época é bastante polêmico e agressivo, voltando


seus escritos e discursos, inclusive, contra aquele que até pouco tempo atrás ele

92 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Figura 2.9 | Retrato de defendia ardorosamente, Rui Barbosa, considerado


Euclides da Cunha. agora por ele como o maior dos nossos sofistas. Talvez
o seu novo estilo seja devido aos insucessos políticos
e acadêmicos, dentre eles podemos citar a preterição
no concurso de lógica e a perda da cadeira para a
Academia Brasileira de Letras.

No Rio de Janeiro nutre amizade profunda com


Jackson de Figueiredo (1891-1928), um fervoroso
militante da Igreja Católica. A amizade deles foi
intensa, Jackson se tornou o melhor amigo de Farias
Brito no Rio de Janeiro e há até quem diga que no fim
da vida Farias Brito teria se tornado mais católico em
virtude dessa amizade. Contudo, há quem negue tal
catolicização de Farias Brito. Por outro lado, tampouco
Jackson de Figueiredo se tornou seu discípulo.
Fonte: Disponível em: <https://commons.
wikimedia.org/wiki/Category:Euclides_
da_Cunha#/media/File:Euclides_da_Farias Brito sempre se demonstrou um pensador
Cunha.jpg>. Acesso em: 19 mai. 2015.
que elaborava suas reflexões debruçando-se sobre
questões existenciais, destacando-se dentre elas a
questão da morte e do sentido da vida. Parece que uma das maiores frustrações
de Farias Brito foi a de não ter deixado nenhum discípulo para dar sequência ao
seu pensamento. Teve esperanças de fazer Jackson de Figueiredo se tornar seu
discípulo, mas este tendia mais para a filosofia de Blaise Pascal.

Farias Brito faleceu no dia 16 de janeiro de 1917, de hemoptise. Sua filha assim
relatou a sua morte:

Às vezes papai chegava-se a nós, olhava-nos num sorriso e dizia:


vou viver cem anos! No dia 16 de janeiro de 1917 tivemos o mais
triste dia de nossa infância... Quando estávamos em volta da mesa
havia muita alegria, apenas sentimos a ausência de papai que estava
acamado. Num dado momento fui vê-lo no quarto. Estava deitado
com a cabeça no travesseiro e lençóis de linho alvo cobriam-
lhe o corpo franzino e magro. Estava pálido e silencioso. À noite
tivera uma notícia alegre. Recebera um telegrama de Paterson,
grande escritor argentino, achando que Farias Brito e Jackson de
Figueiredo eram os maiores filósofos da América. Mais tarde, após
grande hemoptise, meu pai morreu (CASTRO, 1992, p. 10).

Os pensadores da filosofia brasileira 93


U2

O professor Júlio Filizola Neto sustenta em sua tese


de doutorado que o “entusiasmo com a amizade com
Jackson de Figueiredo faz Farias Brito rechaçar a ideia de
um personagem de Ibsen, segundo o qual o homem mais
poderoso do mundo é o mais isolado, aquele que conseguiu
poder viver absolutamente só” (FILIZOLA NETO, 2008, p.
132).' Aqui podemos refletir sobre o sentido da vida, ou dos
valores que a vida nos apresenta. Parafraseando o Evangelho:
De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a
perder a sua alma? Ou seja, de que vale tantas conquistas se
a mais desejada não é alcançada? Se o sonho de Farias Brito
era ter discípulos, talvez possamos nos perguntar: morreu
realizado ou morreu frustrado?

1. Para ser coerente com os ensinamentos do mestre Tobias


Barreto, Farias Brito precisaria discordar dele, pois ele ensinava
que era necessário que cada um desenvolvesse a sua própria
filosofia.
A filosofia desenvolvida por Farias Brito pode ser chamada de:
a) Cientificismo, pois ele defende que a ciência é a melhor
resposta acerca do pleno funcionamento do mundo.
b) Culturalismo, pois para ele o homem é fruto mais da cultura
do que propriamente da natureza.
c) Naturalismo, pois para ele seria um absurdo conceber a
existência de um espírito apartado da natureza.
d) Evolucionismo, pois entendeu que as ideias de Darwin e
Spencer precisariam ser adaptadas à realidade brasileira.

2. Dentre as características presentes no pensamento


filosófico de Farias Brito é possível encontrar aquelas que mais

94 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

revelam os seus valores e interesses e, portanto, podem ser


enquadradas numa perspectiva de originalidade.
Considere:
I – Farias Brito desenvolve suas reflexões levando em conta
a vivência concreta das pessoas e se debruça sobre questões
existenciais.
II – Farias Brito foi um fervoroso defensor das teorias de
Augusto Comte, pois as suas ideias figuravam entre as que
mais promoviam o progresso humano e científico no século
XIX.
III – Farias Brito entendia que o papel da filosofia era a busca
permanente da verdade, mais do que a sua posse.
IV – Farias Brito era um homem religioso, embora não fosse
dogmático, pois exaltava o aspecto ético das religiões.
Estão corretas apenas as alternativas:
a) I, II e III.
b) II, III e IV.
c) I, II e IV.
d) I, III e IV.

Nessa unidade nós vimos que:

a) O nosso país foi profundamente afetado pela filosofia europeia


do século XIX, de modo especial, pelo positivismo.

b) Que a Faculdade de Direito do Recife tornou-se a porta de


entrada da reflexão filosófica em nosso país, a qual se deu muito
vinculada ao direito.

c) Um grupo de intelectuais tenta se contrapor à aceitação pacífica


das filosofias europeias, destacando-se Tobias Barreto e Farias
Brito.

Os pensadores da filosofia brasileira 95


U2

d) O pensamento crítico-reflexivo de Tobias Barreto passa por


fases, indo desde o rompimento com o ecletismo espiritualista e da
adesão parcial ao positivismo, passando pela fase de rompimento
com o positivismo e finalmente a fase de adesão ao neokantismo.

e) Tobias Barreto se destaca na Escola do Recife como intelectual


ligado à questão filosófica e desenvolve a corrente culturalista,
sustentando que alguns valores que nos são apresentados como
naturais na verdade são culturais.

f) Farias Brito segue as pegadas de Tobias Barreto e desenvolve


uma filosofia humanística com reflexões existencialistas.

g) Para Farias Brito é inconcebível um espírito objetivo, separado


da natureza.

1. (Questão extraída e adaptada a partir do concurso para


professor de Filosofia – SEDUC – Piauí – FUNADEPI – 2010).

Sobre o desenvolvimento e algumas características da Filosofia


no Brasil, assinale a opção correta.
a) O Ecletismo foi uma corrente de traços materialistas
caracterizada pela adoção de várias teorias filosóficas em busca
de identidade para um pensamento filosófico genuinamente
brasileiro.
b) A Filosofia no Brasil desenvolveu-se somente a partir da
fundação da USP, quando a tradição de se fazer filosofia pela
história passou a ser o modelo de formação predominante dos
filósofos nacionais.
c) Nas últimas décadas, a Filosofia brasileira se tornou
majoritariamente acadêmica, pois os números da Pós-
Graduação em Filosofia revelam um grande crescimento da
produção nacional e mostram uma variedade temática que vai do
Empirismo à tradição analítica, passando pelo idealismo alemão,
pelos estudos nietzscheanos, marxistas, fenomenológicos, e pela

96 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

produção em História da Filosofia.


d) No século XX, a filosofia brasileira foi inspirada pelo Positivismo
de Augusto Comte, corrente que defende a superioridade da
filosofia em relação ao conhecimento científico e advoga a
independência temática e metodológica entre os dois tipos de
saber.

2. (Questão extraída e adaptada a partir do concurso para professor


de Filosofia – SEDUC – Piauí – FUNADEPI – 2010).
Um dos problemas que aparecem com certa frequência quando
se trata da Filosofia brasileira é a questão da "originalidade" do
pensamento que se produz no cenário nacional.

Sobre essa questão, é correta a seguinte alternativa:


a) A preocupação com a originalidade só faz sentido se
concebermos que as produções filosóficas nacionais possuem
características tais que comprometem o próprio conceito de
Filosofia, impossibilitando assim uma classificação de nossa
produção junto à Filosofia produzida em outras partes do mundo.
b) É imprescindível a definição de uma filosofia nacional cujo tema
seja o problema do desenvolvimento de uma cultura autônoma,
tendo em vista o papel condutor que um conhecimento filosófico
desempenha na modificação da estrutura social.
c) A originalidade da filosofia brasileira consiste na sua tentativa de
incorporação à filosofia universal através da produção de obras
exegéticas e comentários qualificados da filosofia alemã, francesa,
inglesa e americana.
d) É irrelevante a tentativa de se produzir uma filosofia
autenticamente nacional, pois um país subdesenvolvido como o
Brasil ainda não reúne condições estruturais para uma produção
filosófica de reconhecimento internacional.

3. (Questão extraída e adaptada a partir do concurso para Professor


de Filosofia - INES - RJ - Magnus – 2014) Numa entrevista em
2007, o pensador brasileiro Mário Ferreira dos Santos (1907 - 1968)
respondeu à seguinte pergunta: Pode-se falar numa Filosofia
de Portugal ou apenas numa Filosofia em Portugal? A seguir a
resposta de Mário Ferreira:

Os pensadores da filosofia brasileira 97


U2

"Pode-se falar, sim, numa Filosofia de Portugal e também


numa Filosofia em Portugal. Ainda hoje, "famosos professores
de Filosofia" em Portugal dizem que é impossível criar-se uma
Filosofia autóctone naquele país. [Assim também] Podemos
dizer que existe uma Filosofia no Brasil, mas se quiséssemos
realmente falar numa Filosofia do Brasil, tal afirmação exigiria
exame. Não conhecemos obra de criação propriamente
peculiar. Se estamos tentando realizar algo nesse sentido, não
podemos afirmar, por motivos óbvios, que o seja. Podemos
dizer que, pela nossa completa libertação de um passado
metafísico, filosófico, histórico, que pese sobre nós e entrave as
nossas possibilidades de ação, estamos em condições de criar
uma Filosofia Ecumênica, uma Filosofia que seja realmente a
Filosofia, por entre os muitos modos de filosofar".
(Disponível em: <http://www.tirodeletra.com.br/ensaios/
MarioF.Santos-Entrevista.htm>)

Sobre a filosofia brasileira podemos afirmar:


a) Hoje em dia há uma produção filosófica brasileira expressiva
e crescente.
b) Nunca houve uma Filosofia do Brasil, mas uma Filosofia no
Brasil.
c) Mário Ferreira ainda tem razão, devemos examinar melhor a
questão.
d) Para afirmar uma Filosofia do Brasil devemos fortalecer o
ensino de Filosofia.

98 Os pensadores da filosofia brasileira


U2

Referências

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do Ceará. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995.
BARRETO, Tobias. Variações antissociológicas. In: Estudos de filosofia. Volume II, Rio
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BEVILÁQUA, Clóvis. História da Faculdade de Direito do Recife. Distrito Federal: INL,
1977.
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Orlando da Silva. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1980.
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ed. 1992.
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Coimbra. Número 30, 2011. p.163-192.
FARIAS BRITO, Raimundo de. Inéditos e dispersos (Compilação de Carlos Lopes de
Mattos). São Paulo, Grijalbo Editora, 1966.
FEIJÓ, Diogo Antônio. Cadernos de filosofia. 2. ed. Introdução e notas de Miguel Reale.
São Paulo: Grijalbo/Instituto Brasileiro de Filosofia/Conselho Estadual de Cultura, 1967.
FILIZOLA NETO, Júlio. Farias Brito, um filósofo brasileiro: vida, pensamento e crítica
historiográfica. Tese de Doutorado. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará, Programa
de Pós-Graduação em Educação Brasileira, 2008.
MACEDO, Ubiratan. Diferenças notáveis entre o tradicionalismo português e o
brasileiro. In: Ciências Humanas. Rio de Janeiro, vol. 5, no. 16, 1981, p. 19.
MACHADO, José Adir Lins. Filosofia – Ensino Médio – 1º ano. Londrina: Maxiprint, 2013.
MARCUSE, Herbert. L’uomo a una dimensione: L'ideologia della società industriale
avanzata. Torino: Einaudi,1969.
MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: Os filósofos do Ocidente. Vol. 3. 6 ed. Trad.
Benoni Lemos. São Paulo: Paulus, 1983.
PAIM, Antônio. Como se caracteriza a ascensão do positivismo. In: Revista Brasileira
de Filosofia. São Paulo, vol. 30, n. 119, 1980, p. 259s.
______. A Escola do Recife: Estudos Complementares à História das Ideias Filosóficas
no Brasil. Vol. 5. Londrina: Eduel, 1997.

Os pensadores da filosofia brasileira 99


U2

RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. Panorama da Filosofia Brasileira. São Paulo: s/e, 1993.
Disponível em: <http://www.cinfil.com.br/arquivos/Ricardo_Velez_Rodriguez.pdf>.
Acesso em: 27 mar. 2015.
______. A problemática da riqueza segundo Alexis de Tocqueville. In: Carta Mensal.
Rio de Janeiro, vol. 43, n. 508, 1997ª. pp. 3-16.
______. A problemática do liberalismo democrático em Alexis de Tocqueville (1805-
1859). In: Carta Mensal. Rio de Janeiro, volume 43, n. 503, 1997b. pp. 3-38.
THEOPHILO, Rodolpho. Libertação do Ceará. Fortaleza: Fundação Waldemar
Alcântara, 2001.

100 Os pensadores da filosofia brasileira


Unidade 3

SOCIOLOGIA NO BRASIL:
HISTÓRIA E DESAFIOS
Claudiane Ribeiro Balan

Objetivos de aprendizagem:
Transmitir os conceitos capazes de possibilitar uma introspecção aos assuntos
referentes à sociedade, quando estes conceitos afetam ou não as minhas
decisões e sobre eles debruçar-se em uma reflexão para avaliar sua valorização
social. Desenvolver a percepção dos indivíduos em reconhecer que na sociedade
atual, o indivíduo, embora esteja sendo bombardeado de informações prontas e
acabadas, não pode furtar-se ao direito de refletir sobre elas e decidir sobre aquilo
que convém para suas relações com a sociedade e com as pessoas.

Seção 1 | Sociologia histórica


Trazendo por um fio condutor as reflexões que vão dar origem na
sociedade moderna à sociologia, tal como a conhecemos hoje. Quem
são os primeiros pensadores que imaginaram que a nossa reflexão tem o
poder de definir as ações sociais.

Seção 2 | Sociologia no Brasil


Veremos quem são os indivíduos que diante da realidade brasileira
acenderam um candeeiro capaz de dar ao cidadão a autonomia que lhe
permite pensar a sociedade não apenas como coadjuvante.

Seção 3 | Sociologia e seus desafios modernos


Na atualidade, quais são os principais desafios encontrados na
sociedade brasileira que impedem que o indivíduo se reconheça como
capaz de pensar, refletir e deixar de ser espectador de sua vida.
U3

Introdução à unidade

Olá, caros alunos, é com muita satisfação que nesta unidade iremos tratar
de conhecer um pouquinho sobre a sociologia em nosso Brasil. Tenho certeza
de que o tema, embora pareça muito novo em relação aos demais conteúdos,
veremos que é muito prazeroso o assunto que nos será apresentado. Veremos
que a sociologia brasileira vai divergir um pouco da sociologia do mundo tal qual
nós estudamos até agora. Não teremos os catedráticos que desejavam mudar a
sociedade, mas aqueles que se apresentam a nós com ideias a serem levadas para
a reflexão, e com estas reflexões tornar a sociedade um pouco mais crítica. Mudar
a sociedade nessa altura já é um pensamento ultrapassado, hoje temos inúmeras
situações e interferências tecnológicas que atravessam o pensamento sociológico,
então precisamos somente reaprender a pensar e refletir, com a finalidade de
nos tornarmos pessoas melhores, críticas e com conhecimento capaz de tomar
decisões.

Pasmem, mas o mundo atual nos traz ideias prontas e acabadas, as quais
precisamos apenas incorporá-las, mas isso é um perigo, visto que com nossa
pressa e urgência cotidiana, estamos deixando de lado valores essenciais para a
vida em sociedade. Em nome de uma agilidade, em nome da falta de tempo, em
nome da facilidade, deixamos de decidir sobre nosso próprio futuro. Fazemos o
que todo mundo está fazendo, escolhemos o que todo mundo está escolhendo
e aceitamos tudo sem maiores questionamentos, afinal, não queremos nada que
nos dê mais trabalho.

Na verdade, desaprendemos a pensar, a refletir sobre as nossas próprias vidas,


o computador está fazendo isso por nós. É desta forma que muitas pessoas
atualmente estão fazendo, apenas esquecendo que os valores sociais, estes sim,
mudam uma sociedade. E com este pensamento, quando os indivíduos se derem
conta, cadê a sociedade? Seremos todos programáveis. Então nossos sociólogos
brasileiros vêm resgatar na nossa sociedade atual esta propriedade que é apenas
do ser humano: refletir.

Sociologia no Brasil: história e desafios 103


U3

104 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

Seção 1

Sociologia histórica
O ato de pensar e de refletir não é uma condição humana na sociedade
moderna, ele remonta desde os primórdios, quando o homem começava a viver
em sociedade, embora de forma extremamente rudimentar. Mas ele buscava formas
de entender como se relacionar e como realizar suas necessidades mais básicas,
entendendo que deveria haver algumas ações que fossem um ritual, mostrando-se
iguais e comuns a muitos indivíduos. Então estava estabelecida uma conduta social.

1.1 O padrão sociedade

Será que a sociedade sempre foi composta de forma organizada e padronizada?


Pois é, não mesmo, mas isso não é ruim, serve para que possamos apreciar como
nós, humanos, somos capazes de evoluir. Por termos tido, no início da sociedade,
diversas dificuldades, os primeiros filósofos buscavam uma explicação simples, uma
forma de expressar o estado de caos e ordem dentro da sociedade. Nesta época os
filósofos eram inspirados a se ater a estas reflexões, pelos deuses, pois estes eram
suas representações de ordem e perfeição. A partir disto, entendia-se então todas
as ordens das demais condições e relações entre os indivíduos, uma explicação dos
diversos contraditórios.

É uma questão bastante comum acharmos que a sociologia começou nesta fase
primária da sociedade, mas não, a filosofia é que nasceu aí, mas temos que respeitar
esse passado histórico, onde renomados filósofos, como Sócrates, Platão, Aristóteles,
tiveram inumeráveis contribuições que, com o passar dos anos, foram sendo refinadas
e testadas. As afirmações filosóficas foram provadas pela reflexão exaustiva e hoje as
conhecemos como normas e padrões que regem a nossa sociedade.

Platão valorizava os métodos de debate e conversação como formas de


alcançar o conhecimento. De acordo com Platão, os alunos deveriam
descobrir as coisas superando os problemas impostos pela vida.

Sociologia no Brasil: história e desafios 105


U3

De Aristóteles temos a definição no campo das ações éticas. Onde a ética tem
valor de ação, e a ação humana não só é definida pela virtude, mas também pelo bem
e pela obrigação, pertencem àquela esfera da realidade na qual cabem a deliberação
e a decisão ou escolha. Essa definição foi sendo tratada e pensada através dos anos,
e hoje chegamos à definição de homem virtuoso. É certo que a história da filosofia
não está finalizada, ela se apresenta em discreta e silenciosa caminhada nos idos da
sociedade moderna.

Para Sócrates, as nossas ações devem expressar a nossa liberdade de decisão,


só somos completos quando passamos a ter a possibilidade de escolher de acordo
com aquilo que nos faz felizes. E nesta definição só podemos ser felizes quando
estamos num convívio social, pois aí sabemos o valor da satisfação, uma vez que
para tomarmos a decisão de nossas vidas devemos fazer uso da razão, esta razão
que é defendida por Sócrates, e serve para contextualizar a decisão tomada perante
a sociedade.

Aristóteles se preocupou menos com hipóteses de uma sociedade ideal


e mais com um estudo dos sistemas políticos e leis existentes em sua
época. Aristóteles pensou uma sociedade que não fosse nem totalmente
democrática e nem totalmente aristocrática: a política permitiria que os
conflitos entre ricos e pobres pudessem ser amenizados.

Platão é outro filósofo que marcou o momento inicial de todas as discussões


e descobertas da sociedade enquanto meio de convívio entre os indivíduos. Em
seus ensaios reflexivos ele nos traz o conceito dos valores reais que nos induzem
a tomar as decisões, se nossas decisões seguem de fato uma razão coerente com
a realidade apresentada. A discussão de Platão leva para o social as decisões que
são motivadas pelo coletivo, e não porque de fato expressam a vontade individual,
apontam para as verdadeiras razões que devem motivar a ação do indivíduo.

Então estes são alguns dos mais conhecidos filósofos que começaram a mexer
com o mundo das ideias e fazê-las representativas no mundo das relações sociais.
Sem eles não teríamos hoje a sociologia como tal, foi neste berço filosófico que se
deram as condições de percebermos a sociedade como um grande e rico objeto
de estudo.

1.2 O início

Foi a Revolução Francesa o estopim que deu aos iluministas, filósofos que

106 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

almejavam uma forma de transformar a sociedade, argumentação que embasaria a


propagação da ideia de liberdade e igualdade entre os indivíduos, sendo mostrada
através da demonstração da irracionalidade e das injustiças de algumas instituições.
Essa forma, na verdade, descobriu-se bem mais tarde ser também um falso dogma,
neste cenário oportuno constrói-se uma condição favorável a um estudo científico
da sociedade.

A Revolução Francesa foi um dos acontecimentos mais importantes


da história contemporânea do Ocidente. Todos os homens poderiam
exercer o poder. Mas para isso era necessário criar instituições que
garantissem esse exercício.

O século XVIII foi de fato um momento oportuno para as transformações,


possibilitando ao homem analisar a sociedade, um momento novo para se
definir um objeto de estudo, isso graças às revoluções Industrial e Francesa, que
redefiniram completamente o trajeto que a sociedade estava percorrendo naquele
momento. Com a Revolução Industrial, consolidou-se o capitalismo, uma nova
forma de relações sociais e de trabalho, a falência de alguns costumes e instituições,
a autonomia das diferentes classes sociais, o aumento de números de suicídios,
prostituição e violência, a constituição de um proletariado, etc. Todas essas novas
situações, que até então não estavam previstas na ordem natural das sociedades,
vão, gradativamente, alterando o pensamento moderno, que vai se tornando mais
racional e científico, modificando aquelas explicações teológicas, filosóficas e de
senso comum que davam um ar muito fluido à sociedade. As situações agora são
muito mais reais e palpáveis.

Foi Augusto Comte quem primeiro sinalizou para o termo sociologia a fim de
esboçar uma nova ciência. Comte não fez nada muito esplêndido, apenas uma
fusão de dois conceitos, socius e logos, traduzindo, sociedade e conhecimento, que
em uma expressão única forma: sociologia. Nasce uma nova ciência, que a partir de
agora dedica-se ao estudo da sociedade, como uma aurora que traz a expressão de
uma nova situação, o positivismo, embora muitos considerem Comte como filósofo
e não um cientista social inovador. Mas a verdade é que ele superou a todos de sua
época, pois sua linha de raciocínio foi a mais coerente e promissora dentre os que
participaram desta mesma fase. Ele demonstrou estar na mesma linha dos teóricos
do século XIX, que aspiravam à estruturação de um grande sistema que abrangesse
a compreensão do passado e a interpretação do presente na civilização humana,
apontando a um futuro. Estes representaram então o idealismo. Uma ilusão óbvia.

Sociologia no Brasil: história e desafios 107


U3

A Revolução Industrial, ocorrida na Europa no século XVIII, mudou


radicalmente a estrutura da sociedade. Homens passaram a ser substituídos
por máquinas, que produziam mais e custavam muito menos.

Entretanto, contextualizando historicamente o desenvolvimento da sociologia, é


inegável o valor deixado por Comte. Desconsiderando seu delírio filosófico, atribuir
a condição de ciência social com a reconhecida importância da sociologia para a
sociedade contemporânea, isso já lhe rende um tributo. Mas quanto a fatos não
temos argumentos, e entre os historiadores das ciências sociais, é unânime atrelar
as condições que trazem como fundadores da sociologia moderna, assim como a
conhecemos, os nomes de Marx, Durkheim e Weber, respectivamente. Estes são
os cientistas sociais que ficaram com todas as honrarias de terem definido a ciência
social moderna. Comprovação disso é que em qualquer curso de introdução à
sociologia, a mínima ementa traz estes três nomes como os grandes fundadores, e
é condição irrefutável o conhecimento de suas obras e contribuições.

Contra esta revolução, estes pensadores tentavam articular a sociedade,


restabelecendo ordem, através do conhecimento das leis que regem os fatos
sociais. Uma clara demonstração do positivismo que surgia com eles era a
instituição da ciência da sociedade, essa forma de expressão trouxe a revalorização
de certas instituições que a Revolução Francesa fazia força para destruir, e criou uma
"física social", expressão criada por Comte. Neste novo momento, outro pensador
positivista, Durkheim, desponta como grande teórico da nova ciência, quer fazê-la
independente e torná-la uma disciplina científica.

1.3 Os grandes pensadores: Karl Marx

Karl Marx (1818-1883) - este pensador sempre se preocupou com a exploração


do trabalho do homem, que ele defendia com a seguinte teoria: o homem não
sente prazer em trabalhar, ele se submete a tal para garantir sua sobrevivência. Ele
construirá uma visão de que o trabalhador não fica com o resultado de seu trabalho,
ele não é o dono de seu trabalho, o resultado do trabalho acaba, em sua maior parte,
ficando nas mãos dos donos do capital. Ele dedicou-se em buscar uma solução para
que a situação de expropriação e de alucinação dos trabalhadores chegasse ao fim.
Na constante busca por resposta, examinou de forma metódica e científica todo o
percurso da humanidade até a sociedade capitalista, que era a sociedade na qual
ele estava inserido e onde estavam acontecendo as relações sociais da chamada
sociedade de classes. Outro fator para o qual Marx chama a atenção é a luta de

108 Sociologia no Brasil: história e desafios


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classes, que para ele é o propulsor da história. A teoria de Marx resume-se em indicar
uma nova sociedade, na qual todos os homens tenham iguais possibilidades de
desenvolver seu potencial integralmente, em seus diferentes aspectos, construindo
um indivíduo pleno.

No centro da teoria marxista encontra-se o trabalho, que, para ele, seria


a expressão da vida humana, por meio da qual é alterada a relação do
homem com a natureza.

Marx construiu uma teoria, que foi além do social, foi também política e
econômica, conhecida por marxismo, que pode ser considerada um conceito
para definir o mundo e seu materialismo moderno. É claro que ele teve um fiel
colaborador neste processo, que foi Engels, mas este na história sempre teve um
papel coadjuvante, embora seu potencial tenha sido tão grande quanto o de Marx.
Os dois formularam diferentes contextos históricos, econômicos e sociais de
acordo com as mudanças que estavam ocorrendo naquela época, dentro de uma
visão já capitalista de sociedade. Sua teoria é muito conhecida por definir o trabalho
como sendo a expressão de vida do ser humano, é através do trabalho que ele vai
alterar e interagir com os demais indivíduos e com a natureza. Com esta definição
ele entende e propaga a ideia de que é através do trabalho que o homem pode
transformar a si.

Pode-se dizer que o pensamento de Karl Marx (1818-1883) se apoia,


numa certa medida, em três tradições intelectuais já bem desenvolvidas
na Europa do século XIX: a filosofia alemã, o pensamento econômico
britânico e a teoria política francesa.

Embora Marx seja muito criticado por suas ideias comunistas, pois ele ateve-se
e muito a este assunto, inclusive ao escrever o Manifesto Comunista, a intenção
dele era mais chocar do que propriamente defender essa ideia de comunismo. O
conceito estava muito próximo do socialismo, ele só não deu este nome por uma
questão de dúbias interpretações, pois o socialismo engendra também conceitos e
doutrinas cooperativistas e mais utópicas, porém mais tarde ele mesmo assume essa
junção dos termos.

Sociologia no Brasil: história e desafios 109


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Entretanto, ajudou a construir essa ideia de comunismo e socialismo distintos


o fato de ter acontecido a I Grande Guerra Mundial. A partir deste acontecimento
social no mundo, crescem as diferenças entre essas duas concepções, ou seja, os
acontecimentos na sociedade moderna colaboram para afirmar os conceitos que
estavam no plano das ideias, isso faz com que estes pensadores vejam e sejam
capazes de refletir dentro de situações reais. Vejam que Marx vai novamente escrever
sobre uma questão polêmica em O Capital, quando ele descreve como funciona a
sociedade capitalista. Ele expõe o conceito de mais-valia, que nada mais é que a
diferença entre o valor do salário recebido pelo trabalhador e o valor daquilo que ele
produz, numa discussão onde ele apresenta que o valor pago aos trabalhadores é
infinitamente insignificante mediante o valor agregado aos bens que ele produziu.

Mas não foi só Marx que presenciou estas novas condições sociais, muitos outros
viram o capitalismo se desenvolver e salpicaram formas ideológicas que visavam
romper com esta suposta exploração do sistema. É claro que o sistema venceu; até
mesmo Marx, que teve grande força em seu discurso na época, não conseguiu frear
esta nova sociedade emergente, não porque seus conceitos e palavras não tivessem
sentido e fundamento, mas porque a própria sociedade apresentou indícios de
algo novo ainda não experimentado pelos homens, e estes queriam vivenciar estas
mudanças, embora não soubessem e não tivessem clareza suficiente para o fazer.
Com a Revolução Industrial, a organização do trabalho foi alterada, os trabalhadores
deixaram de ter o controle do processo produtivo, eles já não mais são donos dos
meios de produção, nem sequer do produto que produzem, o que eles possuem
agora é a força de trabalho, e esta passa a ser negociada com os donos dos meios
de produção, é a força de trabalho sendo vendida à burguesia. Desta forma,
estabeleceu-se um novo modelo de sociedade, baseado naqueles que vendem sua
força de trabalho e naqueles que utilizam a força de trabalho, conhecido como os
proletários e burgueses.

Estes últimos, afoitos por lucros, são os proprietários dos meios de produção
e dos produtos, que determinam uma carga de trabalho abusiva sobre os
trabalhadores. Como tudo isso na sociedade é extremamente novo, esta separação
entre os indivíduos e suas relações de trabalho, a sociedade ainda não dispunha de
regulamentações que dessem garantias e estabelecesse parâmetros para esta relação
entre proletariado e burguesia, o que foi até mesmo pela lógica o motivo pelo qual a
burguesia aproveitou para explorar os trabalhadores sobremaneira. É como se fosse
na Idade Média, o país que perdia a guerra tornava-se escravo daquele que tinha
vencido. Por não ter nenhuma regra estabelecida, a própria burguesia tratou de fazer
a sua regra, que foi aceita socialmente, e tornou-se prática comum em todos os
lugares onde a Revolução Industrial chegava. Vejam como a maioria dos indivíduos
permitia-se ser explorada. Embora pensadores como Marx e seus contemporâneos
chamassem a atenção para esta condição degradante, os próprios indivíduos não
se atinham a estas ideias e conceitos, alguns levantes foram feitos, mas isso não

110 Sociologia no Brasil: história e desafios


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foi suficiente para parar o movimento social que surgiu, e se estabeleceu porque a
sociedade consentiu que fosse assim.

Quando Marx começou a se dedicar ao estudo da economia política,


na quinta década do século XIX, esta ciência já tinha recebido uma
formulação teórica bastante completa, abrangentemente sofisticada
por uma série de autores, que passaram a ser conhecidos como
"clássicos".

As cargas horárias diárias de trabalho abusivas, as remunerações baixas e


indistinção entre o trabalho de crianças e adultos, homens e mulheres, foi assim
que o capitalismo foi se consolidando socialmente, moldado pela burguesia com
seus interesses comerciais. Como dissemos, as manifestações contra esse sistema
surgiram, mas logo ganharam outra conotação, meramente política. Mas o legado
de Marx foi passado para os indivíduos e até nos dias atuais suas propostas são
calorosamente defendidas, pois de fato apresentam uma argumentação ideológica
bastante séria, embora não seja para todos a compreensão de seu legado. Na época
o marxismo questionou a relação de trabalho imposta pela burguesia, e defendeu
o proletariado imputando a este a única força capaz de romper com o domínio
exploratório. Marx ideologicamente acreditava que o proletariado seria capaz de
evoluir em sua condição social e chegar por si a uma condição onde os trabalhadores
seriam organizados a ponto de eles mesmos estabelecerem o que seria para o bem
da coletividade, rompendo com o domínio burguês. É claro que o proletariado não
chegou nem perto desta condição, por não entender o que Marx estava propondo,
por isso o capitalismo se sustenta, num constante impasse de luta de classes, que
assim foi definido pelo pensador.

O sistema capitalista se fundamenta na luta de classes, não existe burguesia se


não existe proletariado. Com apenas uma ressalva: a burguesia é a parte privilegiada
da relação, por ter o controle dos meios de produção, e com isso os benefícios de
explorar a força de trabalho, o que resulta em benefícios privados. Neste contexto,
o pensador lança o conceito de Ditadura do Proletariado, que seria o despertar da
classe para a consciência da exploração do capitalismo sobre os operários a condição
de ser a classe proletária a única com a capacidade de reverter essa situação. Para
chegar a isso, só com uma tomada de poder, retirando a burguesia através de uma
revolução e implantando aquele ideal de bem comum a todos que já havia sido
definido por Marx, é claro que utilizando-se de um regime regido com pulso firme,
para colocar a todos numa mesma condição social.

Sociologia no Brasil: história e desafios 111


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No marxismo, a quantidade de trabalho socialmente necessária para


produzir uma mercadoria é o que determina o seu valor. A ampliação do
capital ocorre porque o trabalho produz valores superiores ao dos salários
(que é a força de trabalho). Esse diferencial, que irá se tornar um conceito
fundamental da teoria de Marx, é considerado a fonte dos lucros e da
acumulação capitalista.

Figura 3.1 | Karl Marx Um exemplo dessa revolução


foi a Comuna de Paris em 1871,
que foi derrotada, e que trouxe a
comprovação de que os proletários
não são comprometidos com esta
teoria e preferem de algum modo
esse tipo de condição expropriatória
do capitalismo. Outra insurreição foi
em 1917, a Revolução Russa, onde o
proletário subiu ao poder através de
um líder, conhecido na história, Lênin,
e através do qual a União Soviética
estabeleceu um regime socialista por
meio de Stálin, contudo este tipo de
sociedade, embora tenha durado mais
de 40 anos, não provou eficiência,
Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/
pois sucumbiu ao regime capitalista na
Karl_Marx?uselang=pt>. Acesso em: 09 abr. 2015. década de 1990.

1.4 Os grandes pensadores: Émile Durkheim


Durkheim enxerga a sociedade como um “reino social”, da mesma forma que
os reinos animal e mineral. Como possuidora de caracteres próprios, necessita de
uma ciência que busque compreender seus caracteres através de metodologia
apropriada. Para ele, a sociedade é uma realidade sui generis, formada pelas
consciências individuais que se fundem para formar uma realidade sintética, que é
nova e maior que a soma de suas partes. Esta realidade só pode ser entendida na
sua totalidade, é irredutível às partes que a compõem, e não pode ser entendida em
termos da biologia ou psicologia, mas sim em termos sociológicos.

Para isso, Durkheim introduz o conceito de “fato social”, que são elementos da

112 Sociologia no Brasil: história e desafios


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vida social que existem independentemente e exercem influência sobre a ação dos
indivíduos. São modos de pensar, sentir e agir que forçam os indivíduos a se adaptarem
às regras da sociedade onde vivem. Pode-se pensar então que qualquer ação dos
indivíduos pode ser um fato social, porém Durkheim estabeleceu condições para se
categorizar um fato como social. Para ser considerado como tal, deve apresentar
três características: coercitividade, generalidade e exterioridade. A coercitividade é
a força já mencionada com a qual os padrões culturais se impõem aos indivíduos,
levando-os a cumpri-los. A exterioridade refere-se a algo que já existe exteriormente
ao indivíduo; quando ele nasce, os padrões culturais, legais e financeiros já estão
dados na sociedade em que ele vive, e pela coercitividade eles são aprendidos pelo
indivíduo. A generalidade significa que os fatos sociais nunca se referirão a um só
indivíduo, mas sempre ao grupo.

Para Durkheim, as concepções apresentadas por ele eram insuportáveis,


pois eram deduções e não tinham validade científica, eram crenças
fundamentadas em concepções a respeito da natureza humana.
Durkheim acreditava que o conhecimento dos fatos sociológicos deve
vir de fora, da observação empírica dos fatos.

Figura 3.2 | Émile Durkheim Para garantir a objetividade da Sociologia, Durkheim


diz, em sua obra “As regras do método sociológico”,
que os fatos sociais devem ser estudados como coisas.
Ele afirma que os fatos sociais são assimilados pelo
pensamento; se não forem vistos como coisas podem
ter sua análise enviesada pela ideologia de quem os
estuda, pois o sociólogo também sofre a coerção dos
fatos sociais.

Outro conceito importante da obra de Durkheim é


o de solidariedade, que é o motor que faz com que a
sociedade se organize e funcione com base nos fatos
sociais. Existem dois tipos de solidariedade, segundo
Durkheim: solidariedade mecânica e orgânica. A
mecânica seria aquela das sociedades primitivas, cuja
estrutura é menos complexa. Os indivíduos desses
Fonte: Disponível em: <http://
commons.wikimedia.org/w/index.ph grupos compartilhariam os mesmos valores morais,
p?search=emile+durkheim&title=Spe
cial%3ASearch&go=Go&uselang=pt>.
religiosos, e também os interesses materiais para a
Acesso em: 09 abr. 2015. subsistência do grupo. A solidariedade orgânica é a que

Sociologia no Brasil: história e desafios 113


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prepondera nas sociedades complexas, ou ditas “modernas”, nas quais os indivíduos


não compartilham dos mesmos princípios morais, religiosos ou materiais. Nesse
caso, a sociedade precisa funcionar como um organismo, pois o bem-estar do
grupo depende do cumprimento do papel de cada membro.

Sem a solidariedade, a sociedade se desestrutura e se torna anômica, que é


quando há falhas na organização social e os indivíduos não conseguem a provisão
de suas necessidades pela estrutura social.

1.5 Os grandes pensadores: Max Weber


O pensamento de Max Weber diferencia-se do de Durkheim porque muda o
paradigma de estudo da sociedade. Enquanto Durkheim afirma que a sociedade é
regida por leis que se sobrepõem aos indivíduos (os fatos sociais), Weber considera
que a sociedade funciona a partir das ações individuais. Ele restitui ao indivíduo sua
importância enquanto agente ativo na construção da sociedade. Weber não está
interessado em buscar a causa dos fenômenos sociais e nem determinar leis de
funcionamento da sociedade. Ele busca a compreensão do sentido da ação de cada
indivíduo para o funcionamento da sociedade. Ele busca entender como as ações
individuais afetam a sociedade como um todo. Para isto, ele cria o conceito de “ação
social”, que é aquela que o indivíduo realiza e tem efeito social. Ele quer entender
o significado das ações, ou seja, o que as motiva e lhes dá sentido. Um exemplo
prático é a troca de presentes no Natal: o indivíduo compra presentes para as outras
pessoas não porque ele é obrigado a isto pela sociedade, ou igreja, mas porque ele
atribui um significado para essa ação, e por isso ela se torna recorrente. Se um dia
ele não mais considerar essa ação plena de significado que justifique sua prática, ele
poderá abandoná-la.

A organização burocrática é condição sine qua non para o desenvolvimento


de uma nação, por ser indispensável ao funcionamento do Estado, gestor
dos serviços públicos, e de todas as atividades econômicas particulares.

A realidade social para Weber é caótica, posto que impregnada do caos das
ações individuais. Para que o sociólogo consiga sistematizar o estudo das ações
sociais, Weber cria os tipos ideais de ação social, os quais são:

- ação tradicional: baseada nos costumes, como, por exemplo, festejar a Páscoa;

114 Sociologia no Brasil: história e desafios


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- ação afetiva: baseada em emoções e sentimentos, como uma torcida esportiva;

- ação racional orientada para valores: é uma ação baseada na razão e em valores
morais, como o trabalho voluntário;

- ação racional orientada para fins: ação racional realizada para obtenção de um
fim específico, como o trabalho em uma empresa.

Weber afirma que em cada tipo de sociedade, algumas destas ações são mais
valorizadas que outras e é isso que faz os grupos diferentes. Com este modelo, Weber
fez um estudo a respeito do florescimento do capitalismo na sociedade ocidental,
especialmente na Europa, descrito no ensaio “A ética protestante e o espírito do
capitalismo”. Sua pergunta era o porquê de o capitalismo não ter vicejado com tanta
força nas sociedades orientais quanto na Europa, no século XVI. Ele concluiu que o
tipo ideal de ação incentivada pela ética protestante era uma intensa valorização do
trabalho e do ascetismo para se chegar à salvação da alma. Em outras palavras, os
homens deveriam trabalhar arduamente e abdicar dos prazeres, e consequentemente
da liberalidade financeira, para purificar sua alma. Esse tipo ideal de ação favoreceu
o fortalecimento do capitalismo nos países de forte influência protestante. Weber
ressalta que não foi esta a única causa para a ascensão do capitalismo, mas que a
ética protestante foi fundamental. Assim, para ele, o capitalismo não é meramente
um sistema econômico, mas sim um processo sociocultural.

Outro conceito importante na sociologia de Weber é a dominação, ou seja,


como se instala a dominação dos indivíduos uns pelos outros, ou por grupos. Ele
distingue três tipos puros de dominação:

• Dominação tradicional: baseada nos costumes e regras consolidadas


anteriormente. Um exemplo é a monarquia, no período medieval;

• Dominação carismática: baseada no carisma pessoal do líder e sua capacidade


de comando. Esse tipo de dominação é utilizado até hoje no cenário político. Muitas
vezes se funde com a dominação tradicional, como é o caso do papa.

• Dominação racional-legal: é assentada na noção de direito que se liga a aspectos


racionais e técnicos de administração. Esse tipo de dominação é muito presente na
sociedade moderna, em que racionalidade e justiça se fundem.

Poder significa, para Weber, a probabilidade de impor a própria vontade


dentro de uma relação social, mesmo contra qualquer forma de
resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade.

Sociologia no Brasil: história e desafios 115


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Figura 3.3 | Max Weber Weber analisa também o


fenômeno da burocracia nas
sociedades modernas, onde
estão presentes o tipo ideal de
ação racional orientada para fins
e também a dominação racional-
legal. A burocracia permeia hoje
todas as instituições sociais, desde o
governo, igrejas, clubes de esportes.
O problema que Weber aponta
nisto é que a burocracia tende a
ser extremamente racional e pode
coibir a criatividade humana.

Fonte: Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/


Max_Weber>. Acesso em 09 abr. 2015.

1.6 Expandindo as fronteiras


A Sociologia não nasce “do nada”, ela nasce e se desenvolve à medida que o
mundo moderno vai estabelecendo suas relações sociais, econômicas e culturais,
a sociologia vai atender a princípio a necessidade das reflexões sobre a época e
as transformações. Como vimos através dos pensadores clássicos, em alguns
momentos ela é precisa, embora ainda não científica, mas consegue desvendar
alguns dos dilemas sociais que emergem; a todo o momento ela se atém ao presente
e suas especificidades, porque todos os conceitos são também muito novos, a
sociedade está se construindo com outros valores e conceitos, por isso em suas
reflexões sendo do presente, ela sempre procura fazer menção a uma condição
futura. São comuns os impasses que percorrem a Sociologia, assim como são
inúmeras as dúvidas surgidas no mundo. Se voltarmos nosso olhar sobre os clássicos
da Sociologia e suas contribuições teóricas, logo chegaremos a uma compreensão
com as mais diversas expressões desse mundo. Sob diversos aspectos, ela nasce e
desenvolve-se. Mais do que isso, o mundo moderno vai precisar da Sociologia para
ser explicado, para ser compreendido, talvez sendo ainda mais ousado dizer que
esse mundo seria mais confuso, incógnito e caótico se não houvesse a sociologia.

É em meados do século XVIII que os pensadores sociais começaram a traduzir a


sociedade, através não só das análises filosóficas, mas através de questionamentos
empíricos de uma sociedade que está em ebulição rompendo em Revolução Industrial
e Francesa, onde a sociedade apresenta franco desenvolvimento, realizando-se.

116 Sociologia no Brasil: história e desafios


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É uma época em que é possível ser não só espectador das mudanças, mas fazer
parte delas, presenciar as forças sociais, as configurações sociais, as originalidades
e os impasses contraditórios e divergentes da sociedade civil, a caracterização de
uma sociedade urbano-industrial, a classificação da burguesia e do proletariado, e a
nascente sociedade capitalista.

Na Sociologia, considera-se que os grupos sociais existem quando em


determinado conjunto de pessoas há relações estáveis, em razão de
objetivos e interesses comuns, assim como sentimentos de identidade
grupal desenvolvidos através do contato contínuo.

As pessoas começam a ser definidas conforme suas opções ou imposições


dentro do contexto social, os personagens dessa história ganham identidade social,
perfis, e acabam por se organizar de acordo com os movimentos que vão sendo
estabelecidos, aparecem os grupos sociais, nesta fase, duas classes, burgueses e
proletariados, os movimentos sociais e partidos políticos; a massa social começa
a ser classificada, aparecem os camponeses, operários, intelectuais, artistas e
políticos. Não só as pessoas começam a ser classificadas e separadas de acordo
com o enquadramento, as condições e relacionamentos sociais também começam
a ser especificados e determinados, aparece o conceito de mercado X mercadoria,
capital X expropriação, tecnologia e força de trabalho, mais-valia, acumulação de
capital, tem-se agora elementos que permitem que uma sociedade seja então
entendida como tal em suas relações, o conceito divisão internacional do trabalho e
colonialismo; revolução e contrarrevolução, são consequências previsíveis quando
fazemos então uma análise crítica e histórica deste momento.

Um fator muito forte nessa sociedade foi a definição e a implantação do conceito


capital, este conceito mudou o rumo de toda a história. Tudo começa em torno
deste símbolo, ele parece exercer sobre todos os aspectos da sociedade uma certa
hipnose, um poder de coerção, é o capital que estabelece os limites e as sombras
que marcam a sociedade antes e depois desta definição, presente e o passado, o
trabalho e a letargia, a nação e um povo, a tradição e a modernidade. O capital
traz consigo um poder de definir conotações sociais, políticas e culturais, além de
econômica. O capital parece ser a solução esperada durante toda a vida egressa
da sociedade, uma espécie de incumbência em tornar a sociedade civilizada, com
suas características regionais e mundiais. Um verdadeiro divisor de águas para a
sociologia enquanto ciência.

Sociologia no Brasil: história e desafios 117


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Na verdade, a sociologia, desde o seu início, sempre foi algo mais do


que uma mera tentativa de reflexão sobre a sociedade moderna. Suas
explicações sempre contiveram intenções práticas, um forte desejo de
interferir no rumo desta civilização.

Tudo isso, é claro, não teria sido possível se não existissem os filósofos, que em
suas épocas davam já indícios por onde estes novos pensadores deveriam trilhar.
Eram formas muito simples de sociologia, devido também à condição simples da
sociedade, então não poderiam elaborar conceitos sociológicos em uma sociedade
que ainda não existia. Entre esses renomados filósofos são referências Montesquieu,
Vico e Rousseau e Kant, esses buscavam compreender as manifestações sociais de
acordo com a sociedade em que estavam vivendo, que ainda eram muito simples
em suas relações. O mundo moderno veio através das revoluções, como foi dito, e
transformaram todos os conceitos, que passaram a ser objeto de reflexão enquanto
estavam ocorrendo.

É, portanto, uma possibilidade inquestionável dizer que a Sociologia é uma


linhagem diferenciada e peculiar construída pelo mundo moderno. Tanto que ela
traz características originais e específicas, ao tempo que tem traços de insólita e
estranha, e isso é de forma abrangente em todas as suas principais características,
seja na forma de pensamento, ou como simplesmente um ingrediente desse mundo.

1.7 Conceitos e princípios


Vieram as novas tendências do século XVIII e começo do XIX. A compreensão
das atuais conjunturas é a maior e de mais valiosa importância para as ciências
sociais em geral e para a Sociologia em particular. Os conceitos de liberalismo,
iluminismo, jacobinismo, conservantismo, romantismo e evolucionismo surgem
e complementam-se, são expressão das várias interpretações e das principais
manifestações do pensamento europeu nesse tempo. São a representação da
revolução cultural que floresce e que tem nas obras de filósofos sua representatividade.
O mundo passa a saber quem são os cientistas e artistas como Rousseau, Kant e Hegel,
Goethe, Stuart Mill, Beethoven e Schiller, Adam Smith, Ricardo, Herder e Condorcet,
uns com mais relevância de acordo com seus escritos, outros menos, apenas
como observadores reflexivos. Com a grande diversidade de gênero e forma dessas
correntes de pensamento, assim como também suas contradições, é inquestionável
o surgimento das questões epistemológicas, bem como sua valorização quanto ao
desenvolvimento das ciências sociais em geral e da Sociologia em particular.

118 Sociologia no Brasil: história e desafios


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Embora pareça contraditório que, por um lado, tenta-se transferir ou compreender


o campo da sociedade, da cultura e sua história como procedimentos já instituídos
e, por outro, uma forma de elaborar, ou melhor, reelaborar aquilo que já está pronto
nas ciências físicas e naturais. Talvez isso explique porque em trabalhos de Sociologia,
passados e atuais, existam características organicistas, evolucionistas, funcionalistas
e outras, todas derivadas das ciências físicas e naturais. São paradigmas que
influenciaram e continuam a influenciar a reflexão de sociólogos catedráticos até
hoje. Essa tendência, que não foi suprimida ao longo da história, acaba por explicar
o sentido das sugestões epistemológicas encontradas nas obras de Bacon, Galileu,
Descartes e Kant, entre outros, é então com essas indicativas que ganharam valor os
procedimentos de pesquisa e explicação da sociologia científica.

Portanto, a Sociologia nada mais é do que uma filosofia positiva,


carrega a essência da defesa do método, como forma de obter o
distanciamento do observador. É a única ciência que não é determinada
por leis específicas, ou seja, que não segue um padrão determinado e
nem permanente, pois seu objeto de estudo, que é o homem em suas
relações, não tem como ser intacto e inalterável.

Surgia então uma nova forma de reflexão do contexto social, justificando a


criação de novos procedimentos de reflexão, de modo que atenda às indagações
emergentes do cenário, e que represente a originalidade dos fatos, acontecimentos
e impasses que caracterizam a vida social no mundo moderno. Uma emergente
sociedade civil, urbano-industrial, burguesa e capitalista, passava a lançar desafios
sobre o pensamento, que tentava de uma nova forma explicar ao senso comum
estas novas tendências.

A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu de uma


mudança radical da sociedade, resultado do surgimento do capitalismo.

Dois acontecimentos marcantes, a revolução burguesa ocorrida na Inglaterra no


século XVII e a Revolução Francesa iniciada em 1789, o século XIX presencia inúmeras
revoltas populares no campo e nos centros urbano-industriais; é um momento
social ímpar na história. O Cartismo na Inglaterra, e a Revolução de 1848-49, na

Sociologia no Brasil: história e desafios 119


U3

França e em outros países europeus, marcam a insurgência do operariado como


figura histórica. Traduzindo em diferentes condições, algumas linhas dessa história
também aparecem na Alemanha, Itália, países que compõem o Império Austro-
Húngaro, Rússia, Espanha e outros. A Europa civilizada inteira é berço desta nova
tendência social, e seus movimentos de protestos, greves, revoltas e revoluções. Aí
está a sociedade moderna já formatada nos padrões de divisão de classes.

Diante de todo este cenário, é evidente que a revolução social está no eixo
central de todas as linhas e tendências da sociologia. A preocupação eminente é
compreender, explicar ou erradicar, em todo o mundo. À medida que conseguiam
avançar na compreensão das condições revolucionárias, eram bastante ousados
para expandir suas observações e atuação também nas demais regiões do globo,
como nas Américas e na Ásia. Naturalmente, as revoluções não são as mesmas, com
os mesmos ideais, causando por isso um interesse maior, num primeiro momento.
Tenta-se uma explicação sob a ótica da revolução burguesa, tentando também
uma outra ênfase sobre a revolução popular, operária, camponesa. São situações
que desafiam os pensadores, a inflexibilidade fica por conta da análise da revolução
social, que é a forma mais natural de se conhecer a sociedade, as forças sociais que
governam e seus movimentos sociais como um todo.

1. Com a Revolução Industrial, consolidou-se o capitalismo,


uma nova forma de relações sociais e de trabalho, a falência
de alguns costumes e instituições, a autonomia das diferentes
classes sociais, o aumento de números de suicídios, prostituição
e violência, a constituição de um proletariado, etc. Todas
essas novas situações que até então não estavam previstas na
ordem natural das sociedades, vão, gradativamente, alterando
o pensamento moderno, que vai se tornando mais racional
e científico, modificando aquelas explicações teológicas,
filosóficas e de senso comum que davam um ar muito fluido à
sociedade. As situações agora são muito mais reais e palpáveis.
Dentre os nomes célebres deste momento histórico estão:
a) John Locke
b) Auguste Comte
c) Kant
d) Maquiavel

120 Sociologia no Brasil: história e desafios


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2. Um fator muito forte nessa sociedade foi a definição e a


implantação do conceito capital, este conceito mudou o rumo
de toda a história, tudo começa em torno deste símbolo, ele
parece exercer sobre todos os aspectos da sociedade uma certa
hipnose, um poder de coerção. É o capital que estabelece os
limites e as sombras que marcam a sociedade antes e depois
desta definição, presente e o passado, o trabalho e a letargia,
a nação e um povo, a tradição e a modernidade. Estamos
falando de um conceito defendido por um célebre pensador,
conhecido como:
a) Montesquieu
b) Émile Durkheim
c) Karl Marx
d) Max Weber

Sociologia no Brasil: história e desafios 121


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122 Sociologia no Brasil: história e desafios


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Seção 2

Sociologia no Brasil
Agora que tivemos um primeiro contato com a sociologia dos grandes
pensadores, conhecemos o berço sociológico, que foi a filosofia, estamos prestes
a conhecer como isso tudo chegou à nossa realidade brasileira, uma vez que todo
o processo de construção desse conhecimento se deu na Europa, como fomos
influenciados e a partir de quando começamos a enxergar nossa realidade, como e
com os mesmos princípios sociológicos que na Europa.

2.1 No Brasil

Na América Latina, a Sociologia chegou no início do século XX, sofreu intensas


influências das teorias marxistas, uma vez que estávamos em franca expansão
capitalista. Entretanto, um diferencial que até hoje marca nossa história, fazemos
parte de um segmento de países subdesenvolvidos. Esta é uma herança que não foi
nem será tão cedo superada, e o objeto da sociologia para nós, latino-americanos,
será sempre o conflito de classes.

No Brasil, foi na década de 1920 e 1930 que estudiosos se ativeram em procurar


um entendimento sobre a formação da sociedade brasileira, analisando temas
culturais como abolição da escravatura, êxodos e estudos sobre índios e negros.
Dentre os pensadores brasileiros apresentam-se Sérgio Buarque de Holanda (Raízes
do Brasil-1936), Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala-1933) e Caio Prado Júnior
(Formação do Brasil Contemporâneo-1942), o que para a época demonstrava a
nossa maior problemática.

Darcy Ribeiro é muito conhecido também por seus trabalhos


desenvolvidos a partir das temáticas voltadas para os povos indígenas,
com riquíssimas observações e relatos antropológicos.

Sociologia no Brasil: história e desafios 123


U3

Passados estes ensaios sociológicos e já na década de 40, a industrialização do


Brasil em franca ascensão leva os sociólogos a se voltarem para a problemática
relacionada às classes trabalhadoras, tais como salários e jornadas de trabalho,
e também comunidades rurais. Contudo, a maturação sociológica brasileira,
embora conhecesse seus pensadores mais ilustres, parece que estagnou-se e
apenas na década de 1960 a Sociologia passou a se preocupar com o processo da
industrialização do país. Difícil de entender, pois os problemas só faziam aumentar,
nas questões de reforma agrária e movimentos sociais na cidade e no campo; de
forma muito discreta, a partir de 1964 o trabalho dos sociólogos voltou-se aos
problemas socioeconômicos e políticos brasileiros, só que em momento tenso da
sociedade, estávamos em pleno regime militar (ou ditadura militar, que no Brasil foi
de 1964 a 1985).

Em todos esses anos a Sociologia foi banida do ensino e de forma muito velada
algumas reflexões eram realizadas às escondias, período muito difícil para a sociedade,
que ficou sendo servida por condições extremamente avessas aos conceitos
filosóficos que deram corpo à sociologia. Após esse período volta a sociologia, que
é reconhecida como ciência e como tal se propõe a estudar as relações sociais e,
a partir da sociedade, tentar entender as relações individuais. Os eixos filosóficos da
sociedade já estão todos redefinidos, e agora o social é que deve ser estudado para a
compreensão do indivíduo em suas relações com os outros indivíduos.

2.2 Alguns pensadores brasileiros: Octávio Ianni

Octávio Ianni foi um ícone em sua época e nas vindouras, sua capacidade intelectual
era formidável, embora sua época tenha sido lá no início - ele é nascido em 1926 -,
sua capacidade perceptiva e sua perspicácia quanto às condições sociais no Brasil lhe
davam uma invejável capacidade de estabelecer aspectos quanto às condições sociais
e políticas da época, de acordo com seu conhecimento acumulado e seu interesse
em estabelecer conceitos, foi um farol para os seus sucessores. Além disso, seus
estudos não ficaram só no contexto Brasil, ele procurou ampliar seus conhecimentos
para as questões mundiais da globalização e sua dominação imperialista.

Sergio Buarque de Holanda é reconhecido como um dos mais importantes


historiadores brasileiros, mas demonstra também importante influência
e participação na área da Sociologia. Um de seus principais trabalhos,
intitulado “Raízes do Brasil”, aborda aspectos centrais da formação da
cultura brasileira e do processo de formação da sociedade, que, como
vimos, é a preocupação mais recorrente dos grandes sociólogos do Brasil.

124 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

Ele era um entusiasta e sob a orientação de Florestan Fernandes, chefe da Cadeira


I de Sociologia da USP, recebeu o título de mestre em 1957, com sua abordagem e
preocupação focada na problemática da Cor e mobilidade social em Florianópolis.
Esse seu estudo repercutiu e o incentivou a continuar suas pesquisas e nesta mesma
área que descrevia a condição da raça vista pela sociedade brasileira. Seu título de
doutor veio com outro estudo direcionado às condições do negro na sociedade de
castas, sua importância se dá pelo motivo de que ele sempre fidelizou sua pesquisa nas
condições raciais da sociedade; na década de 1960 ele já publica também um estudo
que abrange mais a fundo as questões raciais, e leva o título de As metamorfoses do
escravo, pela Difusão Europeia do Livro.

Enquanto o indivíduo na sua singularidade é estudado pela psicologia, a


Sociologia tem uma base teórico-metodológica, que serve para estudar
os fenômenos sociais, tentando explicá-los, analisando os homens em
suas relações de interdependência.

Como docente na academia e devido a estar em plena ditadura militar, foi


aposentado com outros renomados sociólogos, mas sua atuação continuou,
juntamente com seus correligionários e parceiros, fazendo parte do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (CEBRAP), entretanto devido a impasses e divergências
pessoais e ideológicas.

Em sua vida dedicada à sociologia no Brasil, diversas foram suas contribuições:

1) a questão da escravidão; ele aborda de forma literária esta questão, e devido a


seu intelecto e cultura, seus escritos não são embargados;

2) a relação entre raças e classes; ele consegue, através da sociologia científica,


estabelecer a associação entre as raças e as classes sociais no Brasil, sendo este
conceito um farol para a sociologia;

3) a revolução social; ele consegue identificar as questões que estão presentes na


revolução social brasileira;

4) a industrialização; ele reconhece a industrialização como um processo de


dominação social;

5) o Estado; ele define o Estado e seu poder manipulador e coercitivo;

6) a cultura; um fator determinante em sua pesquisa são os traços culturais, que a


partir de então são também reconhecidos por outros contemporâneos;

Sociologia no Brasil: história e desafios 125


U3

7) a América Latina; reconhece o processo pelo qual a América Latina está passando
e alerta para o não atrelamento de nossos costumes com os ideais latino-americanos;

8) a reflexão sobre o fazer sociológico, exalta a Sociologia como um campo de


estudos, rico em ações capazes de dimensionar a sociedade brasileira;

9) a questão agrária; embora reconheça a dimensão do problema, não define de


forma eficiente a questão agrária naquele momento;

10) a globalização e o imperialismo; quando ele atém-se a este assunto, já está na


esfera internacional da sociedade, buscando uma explicação mais sólida e coerente
para os efeitos que essa globalização traz para dentro do contexto nacional.

Apesar de hoje sabermos da importância de todas essas temáticas levantadas, sua


principal linha foram mesmo os estudos referentes à questão racial na trajetória do
intelectual. De forma sintética, vamos expor o tema que permeou toda a sua trajetória,
e que de forma muito apaixonante ele deixa como legado para a sociedade, todos
os engendramentos de suas pesquisas levando em consideração os aspectos sociais,
econômicos, políticos e históricos como sociólogo.

Uma das preocupações em geral dos intelectuais era o interesse da


descoberta do Brasil verdadeiro, contradizendo aquela visão etnocêntrica
dos europeus. Buscavam também desenvolver e modernizar a estrutura
social brasileira.

Em sua pesquisa podemos identificar que na década de 1950, em parceria com a


Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), ele
inicia uma pesquisa encomendada por este órgão para identificar acerca das relações
raciais no Brasil, no pós-Segunda Guerra Mundial, a condição em que as relações
sociais no Brasil assemelham-se às organizações de uma Alemanha combatente do
nazismo, com a intenção de demonstrar ao mundo que no Brasil temos relações
pacíficas entre diferentes raças. O Brasil foi o país escolhido para a realização desse
projeto por ser considerado um paraíso racial. Acreditava-se que aqui as relações eram
de paz e cooperação entre as diferentes "raças" e etnias, e porque de certa forma Ianni
já tinha se mostrado no cenário mundial. Octávio Ianni mostra sua preocupação mais
profundamente com as relações entre as informações, que são extraídas dos fatos
através de pesquisas empíricas, respaldadas pela teoria sociológica e de contextos
históricos, políticos e socioeconômicos.

126 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

2.3 Alguns pensadores brasileiros: Florestan Fernandes

Este nome é considerado o criador da sociologia crítica no Brasil, sua vasta obra
evidencia as questões indígenas, uma vez que esta é uma característica genuinamente
brasileira, possui mais de 50 obras publicadas.

Florestan pregava a “sociologia militante”, que visava unir a teoria com


a prática, logo teve uma grande influência de Marx. Essa busca em
conciliar a teoria e a ação prática foi uma grande marca em sua vida.

Sua sociologia tem estilo analítico e crítico, redescobriu com seu método peculiar
a pesquisa sociológica no país. Dentro do cenário nacional, não é errôneo afirmar que
Florestan transformou a maneira de se realizar a investigação sociológica. Ele é um
contemporâneo, pois seu falecimento se deu em 10 de agosto de 1995, em São Paulo.
Ele era considerado não só um cientista social, mas também um professor, pois seu
objeto de pesquisa tendeu sempre para a educação, é dele a frase: "Em nossa época,
o cientista precisa tomar consciência da utilidade social e do destino prático reservado
a suas descobertas".

Ele em sua trajetória militava em favor do socialismo e não apartava o trabalho


teórico de suas convicções ideológicas. Suas convicções pautavam-se no conceito de
que a educação e a ciência têm grande potencial transformador. Defendia essa teoria
ferrenhamente e ousava indicar essa teoria como instrumento para a elevação cultural e
o desenvolvimento social das camadas menos favorecidas da população. Sua trajetória
pautada na educação de um povo era a única maneira de erradicar a miséria.

Ele chamou para si o comprometimento de romper com a tradição das ciências


humanas no país e apresentar uma reconstituição comprometida com a mudança
social, de acordo com suas análises sociológicas. No entanto, devido aos fatores
históricos, como a escravidão tardia, a herança colonial e a dependência em relação
ao capital externo, a sociedade torna-se resistente a qualquer tipo de mudança.

2.4 O ressurgimento

Passamos a fase ruim, com a abertura política nos anos 80 o país retoma sua
identidade social. Durante a ditadura, muitos intelectuais foram aposentados e
impedidos de realizar suas atividades. Houve uma estagnação interna, alguns dos que
conseguiram sair do país vez ou outra faziam publicações autônomas no exterior.

Sociologia no Brasil: história e desafios 127


U3

Com esta abertura, muitos motivados pelo desejo ávido de fazer sociologia adentram
as carreiras políticas.

Com a abertura política nos anos 80, o país busca retomar sua identidade
social. Durante o regime militar, muitos intelectuais foram aposentados
e impedidos de lecionar, outros foram exilados ou se exilaram por
espontânea vontade.

Pasmem os senhores, mas o partido que mais se beneficiou com essa nova
atuação dos cientistas sociais foi o PT (Partido dos Trabalhadores), os renomados e
reconhecidos internacionalmente buscaram engajar-se na política do PT. Com essa
nova forma social, os intelectuais deram uma relevante importância para este período
histórico do fim da ditadura, tratava-se de uma integração de teorias sociais e práticas
políticas, já estabelecidas e testadas em países no exterior, que estes intelectuais
trouxeram para a nossa sociedade, agora como representantes políticos. O ápice
foi em 1988, com a promulgação da nova Constituição do Brasil, a sétima em vigor,
porém a única com o emblema de “cidadã”, como descrito por Ulysses Guimarães.

Nesta nova sociedade percebe-se um campo muito fecundo para as análises


científicas das ciências sociais, a sociedade agora já está bem mais estabelecida e
consolidada em suas relações, sendo o maior trabalho agora definir em qual segmento
iniciar as pesquisas. A sociologia se torna cada vez mais interdisciplinar e diversificada
no Brasil. Os sociólogos buscam redefinir seus conceitos de interdependência em um
mundo cada vez mais globalizado.

Agora os sociólogos ficaram famosos em nossa sociedade e conhecidos pela nação,


não pelos seus trabalhos científicos de sociologia, pois estes a poucos interessam,
mas porque depois da ditadura os sociólogos engendraram em carreiras políticas, um
específico, e este chegou à Presidência da República, homem de fato muito capaz e
com intelecto refinado, mas com vistas a atender apenas a anseios políticos, nessa
fase não trouxe contribuição sociológica. Seus trabalhos são conhecidos apenas em
épocas anteriores a 1994, quando foi eleito Presidente da República. Ele só voltou a
produzir agora com outras referências sociológicas, após ter deixado o poder.

128 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

1. Apesar de hoje sabermos da importância de todas essas


temáticas levantadas, sua principal linha foram mesmo os estudos
referentes à questão racial na trajetória do intelectual. De forma
sintética, vamos expor o tema que permeou toda a sua trajetória,
e que de forma muito apaixonante ele deixa como legado para a
sociedade, todos os engendramentos de suas pesquisas levando
em consideração os aspectos sociais, econômicos, políticos e
históricos como sociólogo. Estamos falando de um sociólogo
brasileiro com expressiva representatividade no cenário das
ciências sociais. Assinale a alternativa correta:
a) Florestan Fernandes
b) Octavio Ianni
c) Marilena Chauí
d) Paulo Freire

2. Ele, em sua trajetória, militava em favor do socialismo e não


apartava o trabalho teórico de suas convicções ideológicas. Suas
convicções pautavam-se no conceito de que a educação e a
ciência têm grande potencial transformador. Defendia essa teoria
ferrenhamente e ousava indicar essa teoria como instrumento
para a elevação cultural e o desenvolvimento social das camadas
menos favorecidas da população. Sua trajetória pautada na
educação de um povo era a única maneira de erradicar a miséria.
Esta ideologia é defendida por um cientista político, marque a
opção correta:
a) Fernando Henrique Cardoso
b) Ruth Cardoso
c) Ayrton Fausto
d) Florestan Fernandes

Sociologia no Brasil: história e desafios 129


U3

130 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

Seção 3

Sociologia e seus desafios modernos


Vemos que a massa social tem procurado retroceder, buscando na sociologia
uma forma de explicar os contextos sociais atualmente vigentes. Nossa sociedade
passa por uma intervenção tecnológica gigantesca e isso tem mudado o cenário
das relações sociais. Buscam-se novos rumos e uma metodologia que se encaixe
nos novos temas que aparecem nessa mudança secular. Pode-se considerar que
foi uma vitória quanto à transmissão do conhecimento, ter de volta a sociologia
na grade curricular em escolas do Ensino Médio. Em menos de meio século os
sociólogos eram pessoas desprezíveis na sociedade e agora uma necessidade de
ensinar esta mesma sociedade a entender-se em suas relações sociais, econômicas,
culturais e religiosas. Devido à grande lacuna criada pela ditadura, os indivíduos não
se reconhecem mais como pessoas capazes e dotadas de conhecimento para uma
grande conquista.

Na nossa sociedade, o sentimento de pertencimento ao grupo social faz


com que a pessoa se sinta aceita e necessariamente não marginalizada;
tanto é dessa maneira que, ocasionalmente, quando agimos de uma
forma não muito agradável ao grupo, a pena é a exclusão.

Alguns sociólogos atuais destacam-se quando apresentam estudos que


repercutem no coletivo, como é o caso de José Pastore e Nelson do Valle Silva;
Mobilidade Social no Brasil. Estes autores contemporâneos trazem à luz os resultados
da mobilidade social no Brasil, fazendo uma comparação entre dados adquiridos nas
décadas de 1970 e final dos anos 90. Onde no início de sua pesquisa não existia essa
necessidade social, hoje, além de ser uma necessidade, já está até amparada pela
legislação. É uma pena, mas no Brasil prevalece ainda a teoria de que muitos sobem
pouco, e poucos sobem muito, essa divergência acarreta cada vez mais diferenças
sociais.

Andamos às avessas da sociedade mundial. De acordo com os estudos

Sociologia no Brasil: história e desafios 131


U3

apresentados, a mobilidade social no Brasil começa a ser determinada por elementos


de competição no mercado de trabalho, uma contramão da tendência mundial,
pois lá começa-se a valorizar a mobilidade social, através de projetos educativos, é
na educação o real e essencial valor do contexto mobilidade social.

Outro grande representante da sociologia nacional é Ayrton Fausto, é dele o estudo


sobre as maiores organizações que visam à construção de sociedades mais justas,
através da democratização, pela crescente participação da sociedade, da política, da
economia e da cultura. Esta tendência vem sendo difundida desde a década de 1980,
este autor Ayrton Fausto defende em seus estudos sociais a finalidade da construção
de uma sociedade mais justa, como no contexto internacional, através da sociedade
hoje chamada globalização, com uma integração supranacional e democrática; o
panorama econômico influencia na política internacional, que por sua vez reflete
no desemprego, na crise fiscal do Estado, e no bem-estar social; são comuns as
migrações em massa por razões econômicas, e o aumento da criminalidade e da
corrupção e outros situações divergentes em nossa sociedade.

Atualmente já estamos no século XXI e a sociologia tem se tornado cada vez mais
interdisciplinar e plural, com sinais de diversificação própria da globalização e a cada
vez maior de grande multiplicação nos objetos de estudos.

Somos manipulados a cada momento, e essa manipulação acaba


condicionando as nossas escolhas; não nos vestimos simplesmente como
queremos, ou não pintamos nossos cabelos da maneira que escolhemos
impreterivelmente, nós somos manipulados a agirmos e nos vestirmos,
e, pasmem, até pensarmos da maneira que a sociedade nos impõe, o que
está entrelaçado à nossa cultura ou em uma cultura suprema.

3.1 Sociologia e seus apêndices

Esta sociologia que hoje conhecemos é uma ciência muito complexa, não só para
a realidade brasileira, mas na sociedade brasileira ela apresenta uma particularidade.
Embora apresente um método sistemático científico, foi somente no início da
década de 30 que o pensamento sociológico surgiu com este formato de ciência
para nossa sociedade, tanto que nas ideias abolicionistas e republicanas, o losango
que aparece em nossa bandeira é símbolo do positivismo europeu, trazido por estes
idealizadores no final do século XIX.

Mas, independente de todas estas particularidades peculiares na sociedade

132 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

brasileira, nunca deixou de ser meta de estudo da sociologia no Brasil o estudo


dos relacionamentos sociais e todos os seus desdobramentos, visto que para uma
sociedade é de fundamental importância saber como é o comportamento social
dos indivíduos frente a diversas situações.

Quando a sociologia volta à grade curricular do Ensino Médio, pode-se dizer que
foi um êxtase e o coroamento dos esforços empreendidos pelas múltiplas forças
dos sociólogos que vinham, ao longo de décadas, enfatizando a necessidade de
se ensinar teorias e conceitos que expliquem as ações sociais, para que a nação
seja consciente de seus desafios, e que os mesmos possam ser superados através
de medidas científicas e não através de anarquias e movimentos vazios, trazer a
reflexão sociológica ao conhecimento dos cidadãos para torná-los mais cultos, mais
capazes, mais atentos às mudanças sociais no Brasil daqui para a frente.

A sociologia se torna cada vez mais interdisciplinar e plural no Brasil. Os


sociólogos buscam redefinir seus conceitos de interdependência em
um mundo cada vez mais globalizado.

Está entre estes desafios da sociedade brasileira a necessidade de elaboração


de materiais didáticos de qualidade; o que é utilizado principalmente nas escolas
públicas é um material não sem valor mais antigo, onde ainda não tínhamos a
influência da tecnologia e os efeitos da globalização, eles servem sim de material e
referencial teórico, mas não mais podem ser usados como fonte inspiradora, para a
capacitação de profissionais qualificados para trabalhar em escolas de Ensino Médio.

Deve-se empenhar esforços em elaborar materiais que concentrem o maior


número possível de teorias e referências conceituais básicas da atualidade, para
orientar o trabalho nas diferentes redes de ensino; além disso, os anseios é que estes
profissionais também sejam reciclados esporadicamente, afinal a função profissional
a que estes profissionais se dedicam é dentro de uma sociedade globalizada,
dinâmica e tecnológica. É mister que pelo menos estas funções sejam ocupadas
por profissionais que possuam formação na área.

A criação de espaços de socialização de experiências metodológicas é rica,


porém, ao longo de mais de dois séculos na construção dos conhecimentos a
respeito da sociedade, e no Brasil há praticamente um século, a Sociologia ainda
engatinha nas questões de maturidade para abrir campos de estudo específicos,
e praticamente é zero a promoção dos diálogos envolvendo as outras áreas do
conhecimento. Ora, a sociologia não é uma multiplicidade de conhecimentos? Por

Sociologia no Brasil: história e desafios 133


U3

que tantas barreiras? Seria a desinformação?

Talvez por isso, ao invés de a sociologia ir realizando desdobramentos conforme a


sociedade vai se apresentando, acabaram por surgir outras sociologias: a Sociologia rural,
a Sociologia urbana, a Sociologia jurídica, da Administração, da Educação, do Esporte,
da Cultura, do Conhecimento, da Saúde, do Desenvolvimento, entre outras. Nestas
Sociologias, são tantas sem fundamentação que não há nem como trabalhar todas
elas em seus campos e especificidades, pois necessitam avançar muito na produção de
conhecimentos científicos que tenham como referência a sociedade brasileira.

A Revolução Industrial não modificou apenas os ritmos e as modalidades


de organização do trabalho. Alterou significativamente as formas e estilos
de vida, o cotidiano e a cultura de todos os segmentos da população.

Embora os diversos desencontros, ainda a Sociologia produzida no Brasil


alcançou reconhecimento internacional, visto que nossos sociólogos saíram e
produziram muito lá fora, mas também porque um de nossos mais representativos
sociólogos chegou à Presidência da República. Temos de fato uma qualidade
bastante interessante perante o mundo lá fora, e talvez pela influência vivida lá e a
capacidade e o gosto pelas ciências sociais trouxeram para nossas academias cursos
renomados de formação para sociólogos. São pessoas de diversas partes do mundo
que passam por aqui para usufruir do rico mundo das ideias sociológicas num país
que é ímpar no ensino desta ciência, pois tendo visto que não temos uma economia
e um país estável. Os sociólogos brasileiros são muito solicitados para atuação como
professores convidados em instituições internacionais de ensino e de pesquisa.

Isso é de grande contribuição para a sociedade brasileira no contexto do processo


de ensino-aprendizagem. Essas ricas experiências vividas lá fora são transformadas
em conhecimento acadêmico nas universidades.

Para uma sociedade que emergiu recentemente de uma profunda letargia


sociológica, os pensadores sociólogos e educadores têm uma fonte inesgotável de
conhecimento.

Para o sociólogo Tavares dos Santos, sua visão aponta para uma tendência neste
século XXI, para o movimento de “translação conceitual”, que seria uma espécie de
classificação das categorias geradas pela formação e reprodução das sociedades
capitalistas com características atuais, na direção de outras categorias emergentes do
interior das sociedades contemporâneas. Este novo movimento vai estabelecendo as
condições para a emergência de um outro saber sociológico, já capaz de reconstruir
intelectualmente a contextualização do novo século, com indicativos de uma nova

134 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

morfologia do social e a urgência de questões sociais com outras características.

A própria concepção de vida social alterou-se bruscamente. Não se


tratava mais de seguir a tradição, a estática de uma posição estabelecida
pelo nascimento, mas de situar-se em uma dinâmica social em
constante transformação e movimento.

Com estas reflexões intelectuais sobre a Sociologia contemporânea, superou-


se uma conhecida crise dos paradigmas e começou-se a construir um vigoroso
campo intelectual, pleno de dinamismo teórico e de rigor histórico e empírico, são
as novas condições sociais. Tavares dos Santos (1999) também aborda a crescente
necessidade de compreensão das transformações em curso na sociedade
contemporânea, como fato empírico e objeto de estudo a partir das últimas
décadas do século XX, que culminaram nesse conhecimento da totalidade histórico-
social diversificada, abrangente, complexa, heterogênea e contraditória, e ainda
praticamente desconhecida.

Com as principais transformações que ocorrem nesta nova sociedade, ficam


evidentes algumas características que são de fácil percepção aos olhos da sociologia:
num primeiro momento, a nova sociedade tecnológica, onde as relações são realizadas
sobre um campo de conhecimento científico e tecnológico, a nova fase industrial
é agora uma produção que envolve aspectos da energia nuclear, da revolução da
microeletrônica e das novas tecnologias das comunicações. As multinacionais estão
em plena expansão e passam a conduzir a maior parte das atividades econômicas,
é claro que com capital estrangeiro; uma sociedade globalizada que fundamenta
acordos de ordem globalizada como na União Europeia, Nafta, Asean, Mercosul, o
que dinamiza as relações e confere novos tipos de relações; a influência financeira
e decisiva para o mercado interno das organizações internacionais (Banco Mundial,
BID, Bird, FMI, OCDE, OMC).

Estas mudanças econômicas são acompanhadas por um plano da reorganização


do trabalho, já se estabelece uma tendência à industrialização flexível, com a
precarização do trabalho e uma forte tendência à terceirização, que vai buscar na
teoria fordista inspiração. Uma proposta se faz urgente quanto à maneira de fazer
ciência social, demarcando uma real preocupação com os fatores políticos e com
as lutas sociais, mas sem deixar de engendrar as reais formas de descontinuidades
do conhecimento teórico e as vicissitudes que são próprias da intelectualidade. Fica
ainda manifesta a necessidade de um processo de trabalho sociológico que será

Sociologia no Brasil: história e desafios 135


U3

capaz de realizar críticas às teorias vigentes e, ao mesmo tempo, aceitar a influência


de novas tendências sociais.

Vimos que nos dias atuais a sociologia é bastante teórica, e com estes
apontamentos é possível que sejamos capazes de entender a construção do
pensamento sociológico, com as influências próprias do século XX. Embora a
sociedade brasileira apresente condições muito peculiares, nossas influências
metodológicas são em bases muito consistentes das ciências sociais, então não há
como distorcer uma trajetória capaz de identificar quem são os organismos e os
principais fatores epistemológicos da reflexão.

A trajetória da sociologia no Brasil mostra com clareza as principais situações


problemáticas e reflexivas que mudaram os contextos sociais.

1. Embora os diversos desencontros, ainda a Sociologia


produzida no Brasil alcançou reconhecimento internacional,
visto que nossos sociólogos saíram e produziram muito lá
fora, mas também porque um de nossos mais representativos
sociólogos chegou à Presidência da República. Temos de
fato uma qualidade bastante interessante perante o mundo
lá fora, e talvez a influência vivida lá e a capacidade e o gosto
pelas ciências sociais trouxeram para nossas academias
cursos renomados de formação para sociólogos. Considere
as afirmações:
I - Para o sociólogo Tavares dos Santos, sua visão aponta
para uma tendência neste século XXI, para o movimento de
“translação conceitual”, que seria uma espécie de classificação
das categorias geradas pela formação e reprodução das
sociedades capitalistas com características atuais, na direção
de outras categorias emergentes do interior das sociedades
contemporâneas.
II - Tavares dos Santos (1999) também aborda a crescente
necessidade de compreensão das transformações em curso
na sociedade contemporânea, como fato empírico e objeto
de estudo a partir das últimas décadas do século XX.
III - Os sociólogos brasileiros nunca foram solicitados para
atuação como professores convidados em instituições
internacionais de ensino e de pesquisa.

136 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

Marque a alternativa correta:


a) I e II correta e III incorreta.
b) I correta e II e III incorreta.
c) I e III correta e II incorreta.
d) II correta e I e III incorreta.

2. Deve-se empenhar esforços em elaborar materiais que


concentrem o maior número possível de teorias e referências
conceituais básicas da atualidade, para orientar o trabalho nas
diferentes redes de ensino; além disso, os anseios é que estes
profissionais também sejam reciclados esporadicamente,
afinal a função profissional a que estes profissionais se
dedicam é dentro de uma sociedade globalizada, dinâmica
e tecnológica. É mister que pelo menos estas funções sejam
ocupadas por profissionais que possuam formação na
área. Faça uma análise da atividade do sociólogo dentro da
sociedade contemporânea, demonstrando as exigências as
quais este profissional deve atender.

Estamos chegando ao final de mais uma unidade, e de certa forma


esperamos que você, aluno, tenha se interessado pela sociologia,
como uma ciência que pode trazer não só a compreensão
dos fatos e acontecimentos sociais, mas também como uma
ferramenta que pode levá-lo a estudar os movimentos sociais
desde suas origens até suas repercussões atuais. Sabemos que
por vezes pode parecer que as reflexões sociológicas são um tanto
desalinhadas ao contexto social, mas elas não são desvinculadas
em momento algum da condição social, o que por vezes acontece
é que os cidadãos não se reconhecem e não se identificam em
seus ambientes sociais.

Deixam-se levar por conceitos de senso comum, agem como


se não existisse uma ordem, não são capazes de identificar-se
enquanto agentes pensantes de um processo de evolução natural

Sociologia no Brasil: história e desafios 137


U3

da sociedade. Existe uma massificação de conceitos onde todos


parecem ser hipnotizados e furtados de sua razão racional.

Estudar a sociologia na modernidade e principalmente na sociedade


brasileira é um processo bastante interessante, temos uma realidade
bem distinta das demais regiões do mundo. Na França, por exemplo,
a escola sociológica é forte, mas eles têm uma sociedade estabilizada,
no nosso país temos uma riqueza muito grande de materiais
sociológicos, em contraponto nossa sociedade é extremamente
vulnerável, os movimentos sociais não são consistentes, as formações
sociais são superficiais, parece não existir raízes que permitam atestar
sobre as condições de forma acabada.

Temos uma forma muito própria de fazer sociologia, com


renomados sociólogos, um rico e extenso material teórico, métodos
científicos sólidos e eficazes, mas atestar uma condição social
como definitiva em nossa sociedade seria imaturo e leviano, existe
sim uma tendência que os sociólogos acabam por apresentar, isso
sim, já é um sinal de adesão à proposta sociológica.

Pois bem, caros alunos, finalizamos a terceira unidade, e nela


fechamos mais uma etapa de nosso conhecimento. Passamos
por uma contextualização histórica para entender como
acontece hoje a sociologia, relembramos o papel dos grandes
pensadores que deixaram um legado imortal para fazermos
sociologia. Embora suas definições e conceitos tenham vindo
em uma sociedade muito diferente da atual, suas inegáveis
contribuições se mostram até hoje atuais se aplicadas sob alguns
eventos sociais.
A sociologia brasileira é bastante rica, com seus sociólogos, e
embora tenha passado um tempo de dormência, agora ressurgiu
e entrou novamente nas cátedras, desenhando um novo rumo
para o ensino da sociologia.
Hoje muito mais que antigamente, a sociologia está preocupada
em entender a sociedade, e com isso numa ação vitoriosa dos
sociólogos contemporâneos ela já está dentro das escolas de

138 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

Ensino Médio. Tamanha a importância atual de reconhecimento das


ações sociais e individuais que envolvem as relações sociais.
Finalizando nossa unidade, é nossa intenção que você entenda que
não queremos fazer uma sociologia catedrática, queremos que
as pessoas conheçam e saibam reconhecer-se enquanto agentes
capazes de identificar nas ações sociais aquilo que as representam e
como elas querem ser representadas.
Pois bem, desejamos a vocês sucesso e uma excelente utilização
destas informações, que agora já não são mais simples informações,
agora fazem parte de seu arcabouço teórico, capaz de melhorar
todas as suas relações e também ajudar a outros a melhorar.

1. Ele é um contemporâneo, pois seu falecimento se deu em 10


de agosto de 1995, em São Paulo. Ele era considerado não só
um cientista social, mas também um professor, pois seu objeto
de pesquisa tendeu sempre para a educação, é dele a frase: "Em
nossa época, o cientista precisa tomar consciência da utilidade
social e do destino prático reservado a suas descobertas".
Estamos reconhecendo este discurso na pessoa de:
Marque a alternativa correta:
a) Marilena Chauí
b) Octávio Ianni
c) Florestan Fernandes
d) Ayrton Fausto

2. Talvez por isso, ao invés da sociologia ir realizando


desdobramentos conforme a sociedade vai se apresentando,
acabaram por surgir outras sociologias: a Sociologia rural, a
Sociologia urbana, a Sociologia jurídica, da Administração, da
Educação, do Esporte, da Cultura, do Conhecimento, da Saúde,
do Desenvolvimento, entre outras. Nestas Sociologias, são tantas
sem fundamentação que não há nem como trabalhar todas elas
em seus campos e especificidades, pois necessitam avançar
muito na produção de conhecimentos científicos, que tenham

Sociologia no Brasil: história e desafios 139


U3

como referência a sociedade brasileira. Avalie as sentenças


abaixo:
I - A criação de espaços de socialização de experiências
metodológicas é rica, porém, ao longo de mais de dois séculos
na construção dos conhecimentos a respeito da sociedade, e
no Brasil há praticamente um século.
II - Embora a sociedade brasileira apresente condições
muito peculiares, nossas influências metodológicas são em
bases muito consistentes das ciências sociais, então não há
como distorcer uma trajetória capaz de identificar quem são
os organismos e os principais fatores epistemológicos da
reflexão.
III – Mas, independente de todas estas particularidades
peculiares na sociedade brasileira, nunca o estudo da
sociologia no Brasil foi para os relacionamentos sociais e
todos os seus desdobramentos.
Marque a alternativa correta:
a) Verdadeira, falsa, verdadeira.
b) Falsa, verdadeira, verdadeira.
c) Falsa, falsa, verdadeira.
d) Verdadeira, verdadeira, falsa.

3. Se voltarmos nosso olhar sobre os clássicos da Sociologia, e suas


contribuições teóricas, logo chegaremos a uma compreensão
com as mais diversas expressões desse mundo. Sob diversos
aspectos, ela nasce e desenvolve-se. Mais do que isso, o mundo
moderno vai precisar da Sociologia para ser explicado, para ser
compreendido, talvez sendo ainda mais ousado dizer que esse
mundo seria mais confuso, incógnito e caótico se não houvesse a
sociologia. Marque a segunda coluna de acordo com a primeira:
(1) Karl Marx
(2) Émile Durkheim
(3) Max Weber

( ) A realidade social é caótica, posto que impregnada do caos


das ações individuais. Para que o sociólogo consiga sistematizar

140 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

o estudo das ações sociais, ele cria os tipos ideais de ação social.
( ) Marx ideologicamente acreditava que o proletariado seria capaz
de evoluir em sua condição social e chegar por si a uma condição
onde os trabalhadores seriam organizados a ponto de eles
mesmos estabelecerem o que seria para o bem da coletividade,
rompendo com o domínio burguês.
( ) Ele afirma que os fatos sociais são assimilados pelo pensamento,
se não forem vistos como coisas podem ter sua análise enviesada
pela ideologia de quem os estuda, pois o sociólogo também sofre
a coerção dos fatos sociais.

4. Em outras palavras, os homens deveriam trabalhar arduamente


e abdicar dos prazeres, e consequentemente da liberalidade
financeira, para purificar sua alma. Esse tipo ideal de ação favoreceu
o fortalecimento do capitalismo nos países de forte influência
protestante. Este tipo de conceito identifica Weber, e seu legado
se dá através de outras teorias. Nas alternativas abaixo identifique a
resposta INCORRETA:
a) ação tradicional: baseada nos costumes, como, por exemplo,
festejar a Páscoa.
b) ação afetiva: baseada em emoções e sentimentos, como uma
torcida esportiva.
c) ação racional orientada para valores: é uma ação baseada
na razão e em valores econômicos, tendendo a atender às
necessidades físicas.
d) ação racional orientada para fins: ação racional realizada
para obtenção de um fim específico, como o trabalho em uma
empresa.

5. Com a Revolução Industrial, consolidou-se o capitalismo,


uma nova forma de relações sociais e de trabalho, a falência
de alguns costumes e instituições, a autonomia das diferentes
classes sociais, o aumento de números de suicídios, prostituição
e violência, a constituição de um proletariado, etc. Todas
essas novas situações, que até então não estavam previstas na
ordem natural das sociedades, vão, gradativamente, alterando
o pensamento moderno, que vai tornando-se mais racional e
científico, modificando aquelas explicações teológicas, filosóficas

Sociologia no Brasil: história e desafios 141


U3

e de senso comum que davam um ar muito fluido à sociedade;


as situações agora são muito mais reais e palpáveis. De acordo
com a teoria durkheimiana, contextualize a sociedade moderna.

142 Sociologia no Brasil: história e desafios


U3

Referências

CARDOSO, Miriam Limoeiro. Para uma história da Sociologia no Brasil: a obra


sociológica de Florestan Fernandes – algumas questões preliminares. Instituto de
Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, 1994. Disponível em: <http://www.
iea.usp.br/iea/textos/limoeirocardosoflorestan2.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2015.
CARDOSO, Fernando Henrique; FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento
na América Latina: ensaio de interpretação sociológica. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1981.
CARVALHO, José Murilo de. A utopia de Oliveira Vianna. Estudos históricos. Rio de
Janeiro, vol. 4, n. 7, p. 82-99, 1991.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2006. 424p.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 3. ed. São Paulo:
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COSTA PINTO, Luiz de Aguiar. Sociologia & desenvolvimento: temas e problemas de
nosso tempo. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.
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Evelina (Org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra,
2002. p. 9-15.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O futuro do Estado. São Paulo: Saraiva, 2001.
_____________________. Sociedade, Estado e direito: caminhada brasileira rumo
ao século XXI. In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.). Viagem incompleta: a experiência
brasileira (1500-2000): a grande transação. São Paulo: Editora Senac, 2000. p. 439-487.
DEMO, Pedro. Focalização de políticas sociais, debate perdido, mais perdido que a agenda
perdida. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 76, ano XXIV, p. 93-117, nov. 2003.
___________. Pobreza política. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 1994.
DUARTE, Pedro Evangelista; GRACIOLLI, Edinílson. A Teoria da Dependência:
interpretações sobre o (sub)desenvolvimento na América Latina. COLÓQUIO MARX E
ENGELS, 5 2007, Campinas. Anais... Campinas, 2007.
FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977.

Sociologia no Brasil: história e desafios 143


U3

FERREIRA, Nelson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade da informação. 2.


ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
LEO, Huberman. A história da riqueza do homem. 21. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1986.
PASTORE, José; VALLE SILVA, Nelson do. Mobilidade social no Brasil. São Paulo:
Makron Books, 2000.
TAVARES-DOS-SANTOS, José-Vicente. Violências e conflitualidades. Porto Alegre:
Tomo Editorial, 2009.
TOMAZI, Nelson Dacio (coord.). Iniciação à sociologia. 2. ed. São Paulo: Atual, 2000.
VITA, Álvaro de. Sociologia da sociedade brasileira. 5. ed. São Paulo: Ática, 1996.

144 Sociologia no Brasil: história e desafios


Unidade 4

VALORES MORAIS E ÉTICOS

Mariana de Oliveira Lopes Vieira

Objetivos de aprendizagem:
- Analisar a questão da ética e da moral no campo filosófico e sociológico;
- Relacionar a questão da moral e da ética com a docência.
- Refletir sobre o campo de luta em que se insere a disciplina de
Sociologia no Ensino Médio.

Seção 1 | Contribuições filosóficas acerca da ética e da moral

Seção 2 | A ética e a moral na sociologia

Seção 3 | A sociologia no ensino médio


U4

146 Valores morais e éticos


U4

Introdução à unidade

Caros alunos, nesta unidade, “Valores morais e éticos”, vocês serão levados
a analisar a questão da ética e da moral tanto no campo filosófico quanto no
campo sociológico. Esta reflexão nos dará a possibilidade de entendermos como
estes valores contribuem para pensarmos a questão da docência, nossa escolha
profissional. A união da teoria e da prática é imprescindível ao professor e, mais
ainda, ao professor de Sociologia. Buscaremos relacionar a ética e a moral à
docência, especificamente à prática profissional do professor de Sociologia.
Ademais, esta unidade possibilitará que vocês compreendam um pouco o campo
de lutas em que a Sociologia se insere como disciplina na Educação Básica.

Diante de nossa realidade atual, onde muitas vezes não sabemos como lidar
com nossos alunos em sala de aula, onde a violência e o desrespeito ao professor
parecem ser a regra, ainda é possível falarmos de ética?

Nos grandes meios de comunicação as notícias parecem ser sempre de caos


social; que estamos diante de uma sociedade corrupta, de partidos sem ideologia,
enfim, com sérios problemas relacionados à ética e à moral. Enfim, mas o que
é, afinal, ética? E moral? Existe só um exemplo de moral? Podemos analisar os
diversos comportamentos a partir de retratos da realidade feitos pela grande mídia?

Diante desse cenário, muitas vezes, como professor de Sociologia,


principalmente, seremos questionados sobre a nossa opinião, análise e, mais do
que isso, que nos posicionemos, que tomemos parte diante da realidade política,
econômica e institucional.

Para não cairmos em compreensões fragmentadas e do senso comum da


realidade, precisamos estudar como o pensamento científico pode nos ajudar a
compreender os fenômenos sociais e com isso contribuir com nossa formação
política e social. Antes de discutirmos como a Sociologia analisa a questão da
ética e da moral, faremos uma breve introdução destes conceitos no pensamento
filosófico, afinal, a filosofia foi quem nos introduziu a este debate.

Entretanto, desde Maquiavel se denuncia a falta de "ética na política", embora o


próprio conceito de política tenha se modificado substancialmente da Renascença
até aos nossos dias, devido ao impacto que as "revoluções burguesas", as "revoluções
proletárias", "o totalitarismo" e "o progressismo" tiveram sobre o ambiente político
e social.

Valores morais e éticos 147


U4

Se tomarmos o ponto de vista da Declaração Universal dos Direitos Humanos,


que converte cerca de 30 princípios morais em "direito universal", e compararmos
com a situação nacional, poderíamos afirmar que o Brasil é um país imoral, ilegal,
que não cumpre nem metade dos acordos que assina, que investe mais em cimento
que em educação, em pessoas? Se fôssemos fazer uma discussão sobre a ética,
a conclusão assombraria até os mais acomodados dentre nós, visto que seríamos
forçados a concordar que estamos muito longe dos ideais que almejamos.

Como se pode perceber, para discutirmos ética ou filosofia moral no Brasil


precisaríamos de uma longa introdução, o que não é o propósito dessa unidade.
No entanto, como a ética é uma ciência baseada nos costumes, é perfeitamente
admissível que se comece a explanação conceitual a partir da problematização
de situações reais como as vivenciadas por todos nós cotidianamente em nosso
cenário político e social.

Na primeira seção faremos uma breve introdução de como a filosofia, ao longo


da história, discutiu e analisou a questão da ética e da moral. Veremos como os
gregos iniciaram o debate sobre a ética e, na sequência, discutiremos a ética
socrática, a platônica, a aristotélica, a cristã e, por fim, a ética moderna.

Na segunda seção passaremos a analisar a moral e a ética para o pensamento


sociológico. Veremos como Durkheim, Marx e Weber, os chamados clássicos da
Sociologia, nos ajudam a entender a ética e a moral nos dias de hoje, na sociedade
moderna. Em seguida discutiremos como este pensamento pode contribuir com
uma análise acerca da ética na docência, importante objeto de análise para aquele
que se propõe seguir a carreira da licenciatura.

Na terceira e última seção buscaremos fazer uma análise da profissão do


licenciado em Sociologia. Para isso discutiremos como esta profissão se encontra
no Brasil. Faremos uma breve reconstituição histórica do ensino de Sociologia no
Brasil, para em seguida discutirmos um pouco como esta disciplina está dividida
nos currículos do Ensino Médio. Espero que esta seção seja útil para vocês, assim
como toda esta nossa unidade!

Boa leitura e bons estudos!

148 Valores morais e éticos


U4

Seção 1

Contribuições filosóficas acerca da ética e da


moral
Os problemas e análises sobre a ética começaram com o filósofo Sócrates. Ele
se interrogava sobre o bem moral, ou seja, como o homem deve pautar sua ação,
que, para ele, deve ser pautada pelo conhecimento. A busca pelo conhecimento deve
ser uma obrigação moral, e isso determinaria sua felicidade (“Eudaimonia” - todos os
filósofos discutem este conceito). Sócrates é conhecido como fundador da ética.

A ética de Sócrates foi pouco desenvolvida, mas outro filósofo, Aristóteles, pôde
dar uma maior sofisticação ao termo. Na filosofia se faz necessário pensar a ética fora
do campo da religião. Sócrates pensou o bem moral fora do pensamento religioso de
seu tempo, à luz da racionalidade e não dos costumes.

Na linguagem coloquial, os termos "ética" e "moral" são usados de modo indistinto,


quase como sinônimos. Ouvimos frequentemente alguém dizer que "aquela pessoa
é ética", "precisamos de mais ética na política", "tal conduta é imoral", "esse caso é
um atentado contra a moral", etc. Afirmações como essas nos indicam, se não
o significado conceitual dos termos, ao menos onde devemos buscá-lo, isto é, no
âmbito dos costumes.

Com efeito, tanto o termo "ética" como o termo "moral" possuem suas raízes
etimológicas ligadas aos "costumes". No dicionário básico de filosofia (JAPIASSU;
MARCONDES, 2001, p.69), lemos que o termo "ética" deriva do vocábulo grego
"ethos", que significa costumes, espaço da convivência humana. No mesmo dicionário
notamos que o termo "moral", por sua vez, remonta ao vocábulo latino "morus" (ou
"moris" no plural), que significa costume(s) (JAPIASSU; MARCONDES 2001, p. 134).
Assim, se fôssemos considerar apenas a origem etimológica dos termos, haveríamos
de concordar que a ética e a moral são a mesma coisa, pois ambas lidam com
questões ligadas aos costumes.

Ademais, devemos lembrar que tanto um termo quanto o outro são usados ora
como substantivo, ora como adjetivo, o que colabora para certa confusão acerca dos
seus significados. Aqui, obviamente, nos interessam suas definições substantivas.

Embora seja evidente a qualquer estudioso o parentesco entre os conceitos, na

Valores morais e éticos 149


U4

literatura filosófica especializada procura-se distinguir essas noções, dando-lhes


dimensões específicas. Neste sentido, destaca-se a moral como o "conjunto dos
costumes", como a "conduta dirigida ou disciplinada por normas", ao passo que a ética
é vista como a "parte da filosofia prática que tem por objetivo elaborar uma reflexão
sobre os problemas fundamentais da moral" (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 69). De
acordo com essa distinção, a ética é vista como a disciplina filosófica que examina os
princípios da conduta moral dos indivíduos, entendidos como seres racionais, dotados
de vontade e capacidade de escolha, enquanto que a moral é entendida como o
sistema de normas que se destina a regular a conduta individual e a convivência social
nas diversas sociedades históricas. (ABBAGNANO, 2007, p. 682).

Diferentemente da moral, portanto, a ética está mais preocupada em detectar os


princípios de uma vida conforme à sabedoria filosófica, em elaborar uma reflexão
sobre as razões de se desejar a justiça e a harmonia e sobre os meios de se alcançá-
las. A moral, por sua vez, está mais preocupada com a construção de um conjunto
de prescrições destinadas a assegurar uma vida comum em um determinado arranjo
social. (JAPIASSU; MARCONDES, 2001, p. 134).

1.1 A ética e moral na história


1.1.1 Ética grega

Atribui-se aos gregos a criação da ética enquanto disciplina filosófica autônoma,


isto é, como um modo racional de se conduzir a análise do fenômeno moral (ação
voluntária), desvinculado da religião e dos costumes vigentes. A ética grega em seu
conjunto é reconhecida pela sua apologia à virtude (areté), conceito com o qual os
gregos denominavam as formas de excelência do caráter. Em Homero, por exemplo,
onde se encontra a base da formação da aristocracia militar, a ética é baseada na areté
(excelência) dos heróis. Já em Hesíodo, o foco é a formação do homem do campo,
através do cultivo dos valores do trabalho e da moderação (PAVIANI, 2014, p. 227).

1.1.2 Ética Socrática

Mais especificamente, outorga-se a Sócrates (469-399 a. C.) a fundação da filosofia


moral. Afastando-se da tradição mítica que apregoa a obediência aos costumes, por
um lado, e criticando o corpo de valores reinantes no cenário da democracia ateniense,
por outro, Sócrates busca eleger um critério universal que possa guiar o homem no
caminho da correção moral, propiciando-lhe a felicidade e a paz de espírito. A meta
da ética socrática é, neste sentido, o desenvolvimento da "enkrateia", termo grego que
significa autodomínio, sinal de autoconhecimento. A "enkrateia" socrática visa tornar o
homem senhor dos seus desejos, de suas paixões, de seus temores, em suma, libertá-
lo daquelas situações que lhe causariam alguma espécie de sofrimento desnecessário,
equivocado. (REALE, 1990, p. 91).

150 Valores morais e éticos


U4

Qual critério Sócrates elege como guia da ação humana? A resposta é bem simples,
considerando que se trata de um filósofo. O conhecimento, afirma Sócrates, é o único
guia capaz de levar o homem à felicidade, ou seja, à vitória contra os revezes causados
pelas paixões, pelos desejos e temores que nos assombram constantemente. Se
considerarmos as lições atribuídas a Sócrates, haveremos de concordar que nem a
tradição - por mais antiga que seja -, nem o ambiente político da cidade são capazes
de fornecer os valores que guiarão o homem rumo à realização plena de sua natureza
racional. O conhecimento é a mais elevada forma de excelência (areté), isto é, a virtude
no mais alto grau (REALE, 1990, p. 89).

É preciso a autocrítica (só sei que nada sei), a autoanálise (conhece-te a ti mesmo),
ou seja, a busca pelo conhecimento da natureza humana para que cheguemos a uma
velhice feliz. Sócrates elabora, portanto, uma ética de cunho racionalista.

Na perspectiva socrática, o sábio é feliz e o ignorante é infeliz, não porque seja


mal - nossa natureza racional nos inclina a agir com retidão -, mas porque não busca
ou desconhece o bem mais precioso, que é o conhecimento. Essa concepção ética
atribuída a Sócrates é denominada "intelectualismo moral", concepção segundo a qual
o intelecto bem nutrido pelo conhecimento é capaz de guiar a vontade no caminho
do bem moral, ou seja, da virtude (areté). (CHAUÍ, 2000).

1.1.3 Ética platônica

A filosofia moral de Platão (428-348 a. C.), por seu turno, está intimamente ligada à
sua teoria política, isto é, o seu ideal de homem não pode ser descolado do seu ideal
de sociedade (REALE, 1990). Embora concorde com seu mestre que o conhecimento
racional é o mais elevado dos bens, ele não o recomenda a todos os homens. Talvez
por sua ascendência aristocrática, Platão deixa a entender que nem todos os homens
nascem para a atividade do pensamento, para ter uma vida filosófica. Existem alguns
"tipos humanos" e cada qual possui a sua virtude, a sua forma de excelência (areté).

Na República, Platão projeta uma sociedade idealizada dividida em três classes,


produtores, guardiões e governantes, cada classe devendo cumprir sua função segundo
a virtude (excelência) que lhe é específica. Aos produtores Platão recomenda o cultivo
da temperança (sofrosine), aos guardiões cabe a fortaleza ou coragem (andreia), e
aos governantes compete desenvolver a prudência e a sabedoria (frônesis/sofia). Ao
governante filósofo ainda cabe a busca, através da dialética, da contemplação da Ideia
do Bem, a partir da qual ele poderá governar promovendo a justiça, que é a harmonia
e cooperação entre as classes. (VALLS, 1994, p. 27).

1.1.4 Ética aristotélica

Aristóteles escreveu alguns tratados de ética, dos quais se destaca a Ética a


Nicômaco, texto que se tornou um clássico da filosofia moral ocidental. Neste livro,

Valores morais e éticos 151


U4

o filósofo estabelece que a ética é a ciência que tem por finalidade identificar o que
é o bem do homem, considerando sua natureza racional, e os meios para se realizá-
lo. Essa perspectiva que busca o fim ou a finalidade da vida humana é denominada
teleologia (doutrina dos fins), tal que atribui-se a Aristóteles a elaboração de uma ética
teleológica (ABBAGNANO, 2007, p. 380).

Qual é o bem supremo do homem, aquele que submete todos os bens


particulares, aquele para além do qual nada mais se almeja? A resposta de Aristóteles
está em concordância com os costumes da nossa sociedade, visto que o filósofo
afirma que o "télos" (finalidade) da vida humana é a felicidade (eudaimonia) e os meios
para se conquistá-la é a prática cotidiana das virtudes. Aristóteles divide as virtudes
em duas categorias, a saber, as virtudes éticas, manifestas mediante a ação moral, e
as dianoéticas, que são as virtudes intelectuais, uma voltada para a prática (frônesis -
prudência) e outra de viés teórico (sofia - sabedoria filosófica). As virtudes intelectuais
dão suporte para as virtudes éticas, as quais são adquiridas pelo hábito de se praticar
ações virtuosas, ao passo que as virtudes intelectuais são adquiridas através da
experiência e dos estudos (CHAUÍ, 2000).

Dentre as virtudes morais fundamentais, o filósofo destaca o papel da justiça (dike),


da coragem (andreia) e da amizade (philia), enquanto alicerces sem os quais o homem
não realiza o seu "télos", sua natureza racional. A eudaimonia (felicidade) aristotélica é
uma atividade da alma (conforme a razão), bem em conformidade com o ideal grego
de "vita contemplativa", que estipula o trabalho intelectual como via privilegiada para a
felicidade. A felicidade aristotélica é uma composição de prazer, bem-estar material,
honra, amizade e filosofia, só alcançável na maturidade da vida, no amadurecimento
da razão, exatamente porque supõe a prática das virtudes, a experiência, os estudos e
a vitória sobre as paixões (REALE, 1990).

1.1.5 Ética helenística: epicurismo e estoicismo

Nos séculos de hegemonia da filosofia helenística, que domina o cenário intelectual


do império macedônico, da república e do império romano até a cristianização,
destacam-se as posturas éticas do epicurismo e do estoicismo, as quais preconizam
a "ataraxia" e a "apatia" ou "eutymia" como guias para a felicidade (NICOLA, 2005).
A ataraxia dos epicuristas preconiza uma espécie de dieta para as paixões e os
desejos em sua relação com a vida pensante, orienta-nos especialmente no modo
de proceder em relação aos deuses e aos temores e sofrimentos da vida. A apatia
estoica concebe o império da razão como lei universal, regulando os acontecimentos
naturais, e servindo de parâmetro para a conduta individual. O seu ideal de apatia,
em pleno acordo com essa visão cosmológica, zela pelo quietar das emoções, dos
instintos irracionais, resultado de um aprimorado cultivo da razão.

Epicuro é muito claro na apresentação do seu critério para a ação moral e do


seu guia para a vida feliz, ao afirmar que "nós dizemos que o prazer é princípio e o

152 Valores morais e éticos


U4

fim último da vida feliz. Nós sabemos que ele é o nosso bem primeiro e congênito;
dele partimos em qualquer ação de escolha e de rejeição, e a ele nos reportamos ao
julgarmos todo bem como base nas afeições assumidas como norma" (EPICURO,
apud NICOLA, 2005, p. 108).

Um fragmento de Sêneca ilustra perfeitamente a busca desse ideal de tranquilidade:


"Nós estamos à procura dos modos pelos quais a alma possa proceder com equilíbrio
e harmonia, estar em paz consigo mesma e satisfeita com sua condição; de como
possa não turbar essa alegria e se manter serena, sem nunca se exaltar nem se abater.
Essa será a tranquilidade (da alma)." (SÊNECA, apud NICOLA, 2005, p. 113).

Dois aspectos dessas teorias éticas que valem a pena destacar são, primeiramente,
a apologia da amizade por parte do epicurismo, e a seguir, a defesa do cosmopolitismo
da parte dos estoicos. A primeira torna-nos parte de uma "comunidade de iguais", ao
passo que a segunda nos torna "cidadãos do mundo", capazes de assimilar valores
de culturas estrangeiras, ao mesmo tempo que exportamos valores, e manter com
elas um produtivo contato. A comunidade de iguais, ao seu modo, nos liberta das
obrigações e dos problemas da vida comunitária - burocracia, por exemplo. Esse
tipo de comunidade nos transporta para um ambiente de prazer físico e intelectual,
inserido no qual a subjetividade encontra espaço para a sua realização.

1.1.6 Ética cristã

Na medida em que se convencionou chamar a Idade Média europeia o período


cristão do Ocidente, o pensamento ético que conhecemos está, portanto, todo ele
ligado à religião, à interpretação da Bíblia e à teologia.

Após a cristianização do império romano, ocorre também uma mudança na


concepção do "viver bem", pela qual se deixa de difundir uma "ética das virtudes" em
favor de uma "ética do dever" (deontologia). A boa vida apregoada pelos intelectuais
cristãos não é a vida baseada na prática das virtudes morais e políticas, mas sim a
vida baseada na obediência aos mandamentos sagrados. Em vez da felicidade terrena
pautada na prática das virtudes, busca-se a partir de agora a "salvação da alma".

Durante os séculos de domínio do pensamento cristão, a razão torna-se serva da


fé, isto é, a filosofia passa a ser vista não mais como uma atividade independente e
autônoma na busca da verdade e da vida boa, mas sim como um braço da teologia,
uma ferramenta complementar à vida religiosa. Em termos éticos ou morais, isto tem
uma consequência profunda: quando o homem se pergunta como deve agir, não
pode mais satisfazer-se com a resposta que manda agir de acordo com a natureza,
mas deve adotar uma nova posição que manda agir de acordo com a vontade do Deus
pessoal. Para que isto seja praticamente viável, torna-se necessário conhecer a vontade
deste Deus pessoal, e a filosofia sente a necessidade de uma ajuda fundamental fora

Valores morais e éticos 153


U4

dela: os homens procuram a revelação de Deus. (VALLS, 1994, p. 36).

Os dois principais filósofos cristãos do período medieval, Agostinho de Hipona


(354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274), concentraram suas reflexões em torno
de dois problemas centrais: a origem do mal moral e o livre-arbítrio. Ambas essas
reflexões procuram resolver o problema do pecado, que é a mais importante questão
moral a ser equacionada na doutrina cristã.

Agostinho rejeita o determinismo e afirma a liberdade da vontade humana,


sustentando que o pecado consiste na submissão da razão às paixões. De acordo
com este pensador da Igreja, o livre-arbítrio foi-nos dado por Deus para que agíssemos
bem voluntariamente, pois "não é porque o homem pode usar a sua vontade livre para
pecar que se deve supor que Deus a concedeu para isso". O mal moral, por sua vez, é
uma espécie de privação, de não ser no sentido da filosofia grega, pois toda realidade
provém de Deus, e o mal não tendo existência positiva, não provém da vontade divina
(MARCONDES, 2007, p. 51).

Tomás de Aquino, por sua vez, recusa a concepção segundo a qual o Mal é algo,
uma entidade. Ele o entende como parte da natureza, no sentido da imperfeição ou
da corrupção das coisas criadas, que podem ser perecíveis e imperfeitas. No tratado
sobre o homem, Tomás de Aquino discute o livre-arbítrio em termos da liberdade do
ato voluntário, enquanto escolha racional. Para ele, o livre-arbítrio decorre da própria
racionalidade humana e é um pressuposto da ética enquanto possibilidade de escolha
daquilo que é bom em detrimento do que é mau. (MARCONDES, 2007, p. 59)

1.1.7 Ética Moderna

Na Idade Moderna, que coincide com os últimos quatro ou cinco séculos,


apresentam-se então duas tendências: a busca de uma ética laica, racional (apenas),
muitas vezes baseada numa lei natural ou numa estrutura da subjetividade humana,
que se supõe comum a todos os homens, e, por outro lado, novas formas de síntese
entre o pensamento ético-filosófico e a doutrina da Revelação cristã. (VALLS, 1994).

A partir do Renascimento, da Reforma Protestante e do Iluminismo, e da Revolução


Industrial, ou seja, aproximadamente entre os séculos XV e XVIII, a burguesia que
começava a crescer e a impor-se, em busca de uma hegemonia, por meio do
liberalismo acentuou outros aspectos da ética: o ideal seria viver de acordo com a
própria liberdade pessoal, e em termos sociais o grande lema foi o dos franceses:
liberdade, igualdade, fraternidade. (VALLS, 1994).

A ideologia liberal, iluminista e antropocentrista influenciará no surgimento de novas


formas de análise da realidade social, da ética e da moral, em especial. No século XIX,
no bojo da consolidação do modo de produção capitalista, surge a Sociologia como
ciência para explicar esta nova realidade social que nascia. Desta forma, esta nova

154 Valores morais e éticos


U4

ciência tenta dar conta dos novos padrões de comportamento, valores e normas que
passam a reger a vida em sociedade. Neste sentido, teremos análises sobre as normas
e regras de comportamento gerais da sociedade moderna, com Durkheim; teremos
análises das especificidades da origem do capitalismo no Ocidente com o papel da
ética protestante em Weber; e as ideologias construídas pela sociedade capitalista
(normas, valores etc.) analisados por Marx.

Desta forma, veremos na próxima seção como a Sociologia, através dos chamados
clássicos (Durkheim, Weber e Marx), analisa as questões que envolvem os valores
morais e éticos.

1. De que forma o pensamento filosófico nos ajuda a compreender


a ética e a moral hoje? Dê um exemplo de ética ao pensarmos o
comportamento político.

2. Descreva quais as principais escolas da filosofia e quais as suas


teses sobre a ética.

Valores morais e éticos 155


U4

156 Valores morais e éticos


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Seção 2

A ética e a moral na sociologia


Bom, agora que já vimos e discutimos como a ética e a moral foram desenvolvidas
pela filosofia, analisaremos nesta segunda seção como os chamados clássicos da
Sociologia (Durkheim, Weber e Marx) discutiram o tema e em que medida estas
reflexões nos auxiliam para pensarmos nossa vida profissional (professor de Sociologia).

A Sociologia compreende os valores e normas dentro de uma determinada


sociedade. As normas são leis e regulamentos inscritos na estrutura jurídica de
uma sociedade, estabelecida por meio de convenções; os valores são aprovações
e reprovações dentro de critérios de julgamento de si e dos outros, mas nunca
individuais, sempre compartilhado socialmente. A sociedade é composta por um
conjunto de normas e valores, que definem o que é certo e o que é incorreto, louvável
e repugnante, bom e mau, virtuoso e pecaminoso. Estes pressupostos são importantes
na medida em que regulam o comportamento humano. Desta forma, a visão moral
de uma sociedade é importante para delimitar o comportamento dos indivíduos em
sociedade e para estabelecer critérios para o convívio social.

Para analisarmos a questão da moral e da ética no pensamento sociológico,


acreditamos que seja necessária uma reflexão sobre o tema no campo da educação,
ou seja, precisamos entender que as ações empreendidas com o objetivo de educar
estão relacionadas com técnicas aplicadas, normas vigentes e valores compartilhados
pelos indivíduos envolvidos neste processo, em uma sociedade historicamente
dada. Desta forma, para a Sociologia, não há técnica pedagógica neutra, todas são
construídas e utilizadas em meio a valores e normas. Assim sendo, analisaremos ainda
como os clássicos da Sociologia debatem estas questões que envolvem a ética na
docência.

2.1 A contribuição dos Clássicos da Sociologia no debate sobre


moral e ética
Segundo o pensamento sociológico clássico (Émile Durkheim, Max Weber e Karl
Marx), os valores e normas dentro de uma determinada sociedade são estabelecidos
por meio de convenções; os valores são aprovações e reprovações dentro de critérios

Valores morais e éticos 157


U4

de julgamento de si e dos outros, mas nunca individuais, sempre compartilhados


socialmente. As normas são leis e regulamentos inscritos na estrutura jurídica de
uma sociedade.

A sociedade é composta por um conjunto de normas e valores, que definem,


como vimos, o que é certo e o que é incorreto, louvável e repugnante, bom e mau,
virtuoso e pecaminoso. Estes pressupostos são importantes na medida em que
regulam o comportamento humano e constituem um fator de coesão social. Desta
forma, a visão moral de uma sociedade é importante para delimitar o comportamento
dos indivíduos em sociedade e para estabelecer critérios para o convívio social. Por
exemplo: normas de proibição do incesto, símbolos religiosos, assassinato, traição,
laços familiares, etc.

COESÃO SOCIAL é o grau em que os indivíduos que participam de uma


sociedade determinada se identificam com ela, se sentem obrigados a
seguir as regras, as normas, as crenças e a estrutura desta sociedade.
O sociólogo que se dedicou a entender a questão da coesão social foi
Durkheim. Para ele, o grau da coesão depende da maneira como os
sistemas sociais são organizados. Existem duas fontes básicas da coesão
social, do consenso, união da sociedade: solidariedade mecânica e
solidariedade orgânica. Enquanto na primeira a coesão se dá por meio da
cultura (estilos de vida, valores, crenças comuns), a segunda se baseia em
uma complexa interdependência devido ao alto grau de complexificação
da sociedade, principalmente no que se refere à divisão social do trabalho.

Para entender mais sobre o assunto, leia a obra de Émile Durkheim, “Da
divisão do trabalho social”. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

Do ponto de vista sociológico, o comportamento moral possui


quatro características básicas: 1) jamais tem o interesse pessoal do
ator como objetivo principal; 2) inclui um aspecto de comando, o
que faz com que todas as pessoas sintam obrigação de fazer o que
é certo; 3) é vivenciado como sendo desejável e dele se tira certa
satisfação e prazer; 4) é considerado como sagrado, no sentido
em que sua autoridade é experimentada como além de controle
humano. O assassinato, por exemplo, não pode ser legalizado
sem romper a estrutura moral da sociedade, ou então precisa ser
apresentado como outra coisa que não o homicídio (JOHNSON,
1995, p. 154).

158 Valores morais e éticos


U4

De acordo com o Dicionário do Pensamento Social do século XX (OUTHWAITE;


BOTTOMORE, 1996), ética refere-se à avaliação normativa das ações e do caráter
dos indivíduos e grupos sociais. Utiliza-se geralmente o termo ética juntamente
com o de moral para referir-se às obrigações e deveres que governam a ação dos
indivíduos em sociedade. A moralidade é uma instituição moderna e a ética uma
categoria mais complexa.

Em todas as culturas as ideias do que é considerado importante, válido, são


fundamentais na medida em que dão sentido e fornecem uma direção aos homens,
enquanto esses interagem no mundo social. Os valores e as normas variam muito
através das culturas.

Segundo Giddens (2005, p. 38), enquanto algumas culturas valorizam


o individualismo, outras dão mais ênfase no coletivo. Por exemplo:
na Grã-Bretanha, os alunos reprovariam o comportamento de um
aluno “colando” na prova, na medida em que defendem os valores de
liberdade, igualdade e respeito ao individualismo. Entretanto, na Rússia,
ajudar o outro a passar em uma prova reflete o valor que os russos dão
à igualdade e à solução coletiva dos problemas.

Qual a sua reação diante deste problema? Como poderíamos


analisar seu comportamento de acordo com os valores
defendidos aqui em nosso país?

Contudo, sabemos que mesmo dentro de um determinado território os valores e


normas podem ser diversos e até contraditórios. Conforme Giddens:

Alguns grupos ou indivíduos podem valorizar crenças religiosas


tradicionais, enquanto outros podem enfatizar o progresso e a ciência.
Enquanto algumas pessoas preferem conforto material e sucesso,
outras podem preferir a simplicidade e uma vida tranquila. Em nossa
época de mudanças, tomada pelo movimento global das pessoas, das
ideias, dos bens, da informação, não é surpreendente que encontremos
exemplos de valores culturais em conflito (GIDDENS, 2005, p. 39).

Valores morais e éticos 159


U4

Além de podermos observar em uma mesma sociedade diversos valores e


normas de comportamento, frequentemente, ao longo da história, os valores
culturais mudam. Pensem em nossa sociedade: no Brasil temos uma diversidade
de ideias e normas de comportamento. Muitas delas se transformaram ao longo
do tempo, por exemplo, as regras no que diz respeito ao casamento. Hoje em dia,
com os novos arranjos familiares, temos a possibilidade de constituirmos família
de diferentes maneiras, como, por exemplo, o casamento homoafetivo, famílias
monoparentais ou até casais vivendo em casas separadas.

Relações de igualdade na família:


Apesar das mudanças pelas quais passou a família, nas relações entre seus
membros e na concepção de seu amparo político e jurídico, encontra-se
ainda bastante arraigada em suas bases a ideologia patriarcal. Até 2002,
por exemplo, o Código Civil brasileiro (que estava em vigor desde 1916)
conferia ao homem a condição de chefe nas configurações familiares.
Do ponto de vista jurídico e social, a mulher brasileira era considerada
incapaz, devendo ser representada pela figura masculina do pai ou do
marido. Tal situação foi alterada apenas pela Constituição de 1988, que
reconheceu a união estável entre um homem e uma mulher como uma
família e equiparou a posição dos sexos, além de não fazer diferença com
relação aos filhos desse tipo de união e aos novos vínculos. No entanto,
apesar dos avanços nas leis, sabemos que a cultura de uma sociedade
não se transforma da noite para o dia.
Um novo texto do Código Civil, estabelecido em 2002, distingue-se dos
anteriores sobretudo pelo princípio da isonomia: homens e mulheres
possuem direitos iguais. Além disso, outra mudança importante é que
hoje não se fala mais em pátrio poder, expressão que remete à figura
masculina, mas em poder familiar, pelo qual cabe ao pai e à mãe, em
igual medida, cuidar da família.
(Texto retirado da obra: Sociologia. ARAUJO, S. M.; BRIDI, M. A.; MOTIM,
B. L. São Paulo: Scipione, 2013).

Segundo a nossa Constituição e o Código Civil, homens


e mulheres possuem direitos iguais. Discorra sobre esta
situação na realidade em que você vive. Em seu estado, região,
como se dão as relações de parentesco e profissionais, no

160 Valores morais e éticos


U4

que tange às questões de gênero?


Para ter acesso à nossa Constituição, acesse o link:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao.htm. Acesso em: 19 mai. 2015.

Ao discutirmos sociologicamente os valores, normas de comportamento social, se


faz necessário que recorramos aos chamados clássicos. Um autor se torna um clássico
na medida em que seus pensamentos, teorias e conceitos sirvam de pressupostos ao
longo dos tempos. Assim sendo, partiremos das análises desenvolvidas por Durkheim,
Weber e Marx para discutirmos os valores morais e éticos.

A questão da moral foi muito debatida e analisada por Durkheim ao longo de suas
obras. Para o autor, os fatos morais são fenômenos como outros, “isto é, que a moral
era um sistema de fatos realizados, ligados ao sistema total do mundo, e é a partir dessa
premissa que ele tenta tratar os fatos da vida moral a partir do método das ciências
positivas” (MELO, 2009, p. 9). A análise desenvolvida pelo autor sobre a divisão social
do trabalho está totalmente relacionada com a moral, na medida em que o que dá a
coesão, o consenso social, é a solidariedade social (fenômeno moral).

A moral está diretamente relacionada à divisão social do trabalho, na medida em


que esta deve ter um caráter moral, “porque as necessidades de ordem, harmonia, de
solidariedade social são geralmente tidas como morais” (DURKHEIM, 1995a, p. 30).
Segundo Melo (2009), moral em Durkheim pode ser entendida como um sistema de
regras de conduta que tem como característica a obrigação e a significação, ou seja,
não cumprimos as regras somente porque devemos, porque somos obrigados, mas
também porque possuem um significado. Entretanto, o cumprimento das regras de
conduta moral gera certo constrangimento nos indivíduos, na medida em que não
há ato que apareça puramente como bom, desejável, mas sim, que essas esferas
se mesclam na realidade “O impulso, mesmo entusiasta, com o qual possamos agir
moralmente, nos afasta de nós mesmos, nos eleva acima de nossa natureza, o que
não ocorre sem dificuldade ou sem contenção” (DURKHEIM, 1995a, p.44).

A sociedade é um bem desejável ao indivíduo e, desta forma, o indivíduo não


vive sem ela, fora dela, a sociedade é considerada, portanto, uma autoridade moral.
A moral paira sobre a sociedade como uma consciência coletiva e se expressa nas
relações que os indivíduos possuem em sociedade. Estas relações, interações, são
determinadas em cada momento histórico.

A moral, como apresentada por Durkheim, impede a possibilidade de ser


julgada, ou seja, se ela é produto da coletividade, deve se colocar para

Valores morais e éticos 161


U4

o indivíduo de modo que este a aceite e a exerça sem contestações.


“Seríamos assim condenados a seguir sempre a opinião, sem jamais
poder, com justa razão, contra ela nos insurgir” (DURKHEIM, 1906, p.
66). Todavia, Durkheim coloca que a moral está em constante mudança
e alguns de seus elementos somem da consciência pública, que passa
a negá­-la ou, inclusive, manter­-se pela força das tradições. Durkheim
responde a essas críticas explicitando que não somos obrigados a nos
submeter facilmente à opinião moral, sendo possível a luta dos indivíduos
contra determinadas leis morais que se apresentem inaplicáveis a um
dado tipo de sociedade. Ou seja, ele denota que apesar de não estar
preocupado com o julgamento da moral em seus estudos, esse ocorre
nas sociedades. Sem dúvida, esses são casos de consciência sempre
delicados, que não pretendo resolver com uma palavra; quero apenas
mostrar que o método que adoto permite apreciá-­lo (MELO, 2009, p.10).

Durkheim buscou entender a essência da moral e seu papel em nossa sociedade


capitalista, ou reino social, ou ainda reino moral. O reino moral seria o lugar onde se
processariam os fenômenos morais (ideias ou ideais coletivos). Para entender este
meio moral, buscou aquilo que se generaliza na sociedade, ou seja, as leis gerais. Para
ele, o objeto de análise da Sociologia são os fatos sociais, não é mesmo?!

Vocês já devem ter visto ou ouvido em outros lugares (ou em outras


disciplinas aqui do curso de Licenciatura em Sociologia), mas os
Fatos sociais para Durkheim são maneiras de agir, pensar, normas de
comportamento, exteriores aos indivíduos, e exercem sobre ele uma
coerção social.

Assim sendo, para Durkheim, a moral acaba revelando o quanto dos outros há em
nós, de todos os outros! Ou seja, as representações coletivas que construímos social
e historicamente são exteriores aos indivíduos e podem assumir diferentes estágios,
dependendo da evolução da sociedade. Lembram que vimos aqui que pensar em
moral em Durkheim deve passar pela questão da solidariedade social? Pois, então!
Para Durkheim, dependendo do estágio em que a sociedade se encontre, você
pode observar um maior ou menor grau de compartilhamento de valores, ou seja,
em sociedades ditas primitivas, com pouca diferenciação social, os valores, normas,
são compartilhados e a consciência coletiva é maior (o que Durkheim chamou de
solidariedade mecânica).

Em outras sociedades, como a sociedade moderna, capitalista, onde há uma

162 Valores morais e éticos


U4

grande diferenciação social, onde a divisão do trabalho se complexificou (chamada por


Durkheim de solidariedade orgânica), há um enfraquecimento da consciência coletiva,
na medida em que cada indivíduo, em função de seu trabalho e da especialização,
assume valores, crenças e normas diferenciadas conforme o grupo em que se
enquadra; as regras ficam relativizadas. Neste tipo de sociedade, a rigidez das regras é
diminuída e por isso os indivíduos têm certa liberdade de ação e julgamento. Entretanto,
o individualismo, em termos de crenças e valores, gera uma perda de sentimentos
gregários e de respeito às normas gerais da sociedade. O problema neste contexto
seria, portanto, encontrar maneiras de preservar uma parte da consciência coletiva,
uma moral coletiva, sem a qual uma sociedade não poderia sobreviver (RODRIGUES,
2007, p. 26).

Na busca de uma compreensão sobre a sociedade moderna e a forma complexa


que se dão as relações sociais no interior da mesma, o sociólogo Max Weber focou suas
análises na questão da ética. Para Weber, ao tentarmos, como sociólogos, entender
o surgimento do capitalismo, antes precisamos buscar o “espírito do capitalismo”, o
“ethos” desta sociedade.

A discussão sobre ética em Sociologia refere-se à obra de Max Weber, A ética


protestante e o espírito do capitalismo. Segundo o dicionário de Sociologia (JOHNSON,
1995, p. 100), a ética protestante é uma ética religiosa que enfatiza o comportamento
rigorosamente controlado, um planejamento metódico e defesa do trabalho árduo,
abnegação, dedicação. Weber afirma que a Reforma Protestante na Europa produziu
e defendeu uma ética que facilitou e respaldou algumas características fundamentais
do capitalismo, particularmente aquelas relacionadas a investimentos e acúmulo de
capital. Uma das principais contribuições de Weber foi mostrar que alguns aspectos da
cultura afetam profundamente a estrutura dos sistemas sociais.

Ao rejeitar a Igreja e seus ritos como meios seguros de salvação,


o protestantismo confiou, em vez deles, na autonomia e na
responsabilidade individuais que, por seu lado, geraram grande
ansiedade e a necessidade de reafirmação de que a salvação
pessoal estava garantida. A resposta protestante a essa ansiedade
foi promover uma coerência ética e um estilo de vida que ajudaram
a criar um ambiente cultural que legitimava e promovia todos os
tipos de práticas e valores que permitiriam ao capitalismo florescer
(JOHNSON, 1995, p. 100).

Conforme Giddens (2005), Weber tentou responder à pergunta: por que o


capitalismo se desenvolveu apenas no Ocidente? Para responder a esta questão,
Weber vai buscar nos elementos culturais as raízes do espírito do capitalismo. Inicia
tentando mostrar a diferença entre a indústria moderna e as antigas formas de

Valores morais e éticos 163


U4

atividade econômica. O desejo de acúmulo de riquezas, para o autor, existiu em


diversas sociedades, entretanto, no desenvolvimento do capitalismo no Ocidente este
acúmulo de riquezas assume um aspecto singular, ou seja, o acúmulo de riquezas
não tinha como objetivo uma vida luxuosa, conforto, mas uma vida abnegada e
frugal, com sobriedade e sossego. Estes grupos não esbanjavam riqueza, ao contrário,
reinvestiam-na para promover sua empresa.

Essa nova postura frente à acumulação de riquezas é vista por Weber como o
“espírito do capitalismo”, cuja origem está na religião, ou seja, as normas, valores e
crenças que determinam a vida em sociedade no capitalismo possuem origem no
protestantismo, em especial o puritanismo. Os primeiros capitalistas eram, em sua
maioria, puritanos.

Algumas ideias do calvinismo servirão de base para o ethos capitalista, como,


por exemplo, a ideia de vocação, predestinação e vida regrada, ou seja, o sucesso
(prosperidade material), ao exercer uma vocação, significaria que este era um dos
eleitos por “Deus”, predestinado.

Além da análise da ética no capitalismo, Weber desenvolveu uma


pesquisa sobre a ética na vida política. O que o autor chama de ética
da convicção e ética da responsabilidade. Para o autor, quanto maior
o grau de inserção de determinado político na arena política, maior
será seu afastamento de suas convicções pessoais e adoção de ações
orientadas pelas circunstâncias a que está inserido. Este afastamento será
determinado pela ética da convicção ou pela ética da responsabilidade.
A primeira refere-se a um conjunto de normas e valores que orientam
o comportamento do político subjetivamente (convicções pessoais), já
a segunda representa o conjunto de normas e valores que orientam a
decisão do político a partir de sua posição como governante ou legislador
(o que pode e deve ser feito com responsabilidade).

Diferente de Durkheim e de Weber, a moral na concepção marxista é paradoxal.


Segundo o Dicionário do Pensamento Marxista (BOTTOMORE, 2001), o marxismo:

Pretende, de um lado, que a moral é uma forma de ideologia, que


qualquer moral dada surge sempre de um estágio particular do
desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção
e é sempre relativa a um modo particular de produção e a interesses
particulares de classe, que não há verdades morais eternas, que a

164 Valores morais e éticos


U4

própria forma da moral e de ideias gerais como a liberdade e a


justiça não podem desaparecer completamente a não ser com o
desaparecimento total de classe (…). Por outro lado, os escritos de
Marx estão cheios de juízos morais, implícitos e explícitos. Desde
os seus primeiros escritos, em que expressa seu ódio ao servilismo
quando discute a alienação nos Manuscritos econômicos e
filosóficos e em A ideologia alemã, até os violentos ataques às
condições vigentes nas fábricas e à desigualdade em O Capital é
evidente que Marx era movido pela indignação e por um intenso
desejo de um mundo melhor (BOTTOMORE, 2001, p. 270).

As obras descritas na citação acima nos proporcionam uma análise


importante acerca da forma com que Marx e Engels discutiam a
questão da moral. Em um como ideologia, outras como moral de
classe. Importante leitura!

Para Marx e Engels, as ideias de uma época são sempre as ideias das classes
dominantes. Assim sendo, as regras de comportamento, as leis, as normas no interior
do capitalismo, servem para reproduzir esta lógica de exploração e dominação. As ideias
de família, educação, trabalho, etc. são construídas a partir do modo de produção a que
se insere. Desta forma, devem ser vistas e analisadas a partir da perspectiva de classes.

Este paradoxo descrito na citação acima vale tanto para Marx quanto para Engels.
Podemos afirmar que grande parte das pessoas que se vinculam à teoria marxista,
o faz por motivos morais. Entretanto, o socialismo de Marx não se baseia em uma
exigência moral subjetiva, mas em uma teoria da história. Para ele, a sociedade
capitalista como está não representa o fim da história, muito pelo contrário, o modo
de produção capitalista cria alguns pressupostos materiais de uma futura sociedade
socialista e do comunismo. Esta análise não pretende ser um julgamento moral,
mas antes, demonstrar as contradições iminentes ao modo de produção capitalista
(BOTTOMORE, 2001, p. 142).

Segundo Marx e Engels, socialismo significa uma etapa em que o


proletariado toma o poder político e constrói o Estado da maioria

Valores morais e éticos 165


U4

(trabalhadores). Significa ainda a socialização dos meios de produção.


O comunismo significa o “livre desenvolvimento de cada um para o
livre desenvolvimento de todos” (sociedade sem Estado e sem classes
sociais). Para isso, ver: MARX, K. & ENGELS, F. O Manifesto do Partido
Comunista. São Paulo: Boitempo, 2010.

Agora que já vimos um pouco sobre a perspectiva teórica dos clássicos da


Sociologia acerca da moral e da ética, estudaremos como as normas sociais, regras de
comportamento, crenças são reproduzidas ou reelaboradas no campo da educação.

2.2 Ética na docência

Ao discutirmos a ética e a moral no âmbito da educação, precisamos entender que


as ações empreendidas com o objetivo de educar estão relacionadas com técnicas
aplicadas, normas vigentes e valores compartilhados pelos indivíduos envolvidos
neste processo, em uma sociedade historicamente dada. “Para a Sociologia, não há
técnica pedagógica neutra, todas são construídas e utilizadas em meio a valores e
normas” (RODRIGUES, 2007, p. 9).

Educar é manter e reproduzir a realidade tal como está posta ou é transformar?


É contribuir com um processo de consciência crítica da realidade ou impedir a
desordem social? O que significa ser ético na profissão de professor? Estas questões
são próprias de nós, professores, mais ainda, de Sociologia. Qual o papel da educação
na sociedade? Como podemos contribuir com a análise, a crítica e a transformação
social?

Quais são as perspectivas de alguém que decida dedicar-se profissionalmente à


ciência? Segundo Weber, todo jovem que acredite possuir a “vocação de cientista
deve dar-se conta de que a tarefa que o espera reveste duplo aspecto. Deve ele
possuir não apenas as qualificações do cientista, mas também as do professor”
(WEBER, 2011, p. 24).

Ou seja, para Weber a preocupação do estudante de licenciaturas deve ser na


pesquisa (teoria) e na prática de sala de aula. Entretanto, para o autor, uma das tarefas
pedagógicas mais árduas é a de expor problemas científicos de maneira que seus
alunos possam compreendê-los.

Para Émile Durkheim, aprender a ser professor não é simplesmente preparar aulas
e provas. É aprender a agir na vida como professor, relacionar-se com os outros a
partir desta profissão, ou seja, aprender a agir de acordo com o que a sociedade

166 Valores morais e éticos


U4

espera de um professor. Significa entrar em um meio moral, através da aquisição de


uma moral profissional. Assim sendo, para o autor os meios morais são específicos,
entretanto, sempre existirão crenças e valores básicos que devem ser comuns a
todos (RODRIGUES, 2007, p. 28).

A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações


que não se encontram ainda preparadas para a vida social, tem por
objetivo suscitar e desenvolver na criança certo número de estados
físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu
conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine
(DURKHEIM, apud RODRIGUES, 2007, p. 29).

Conforme afirmou Durkheim, a sociedade nos molda e desta forma a educação


que recebemos tem por objetivo nos enquadrar às expectativas do meio social em
que estamos inseridos (nossa classe social, profissão, meio moral). Cada geração
transmite à seguinte os elementos necessários para a manutenção da estabilidade
da ordem colocada, e isso se dá principalmente pela educação.

Por outro lado, nos resta questionar como a educação neste contexto social pode
contribuir com a emancipação humana, livrá-lo da opressão social (RODRIGUES,
2007, p. 31).

Somos seres morais e as sociedades sempre criaram sistemas de valores e normas


morais para possibilitar o convívio social. Nesta relação descobrimos a diferença
entre o ser e o dever-ser e a vontade de construir um mundo diferente e melhor do
que este em que estou inserido. Como docentes, para implementarmos tal intento,
não nos bastam boas intenções, mas um controle sobre os efeitos não intencionais
das nossas ações (GUNG; SILVA, 1995, p. 22) e o conhecimento de que questionar
a moral colocada, hegemônica, pressupõe um conflito, uma luta que precisaremos
enfrentar.

A consciência ética que surge desse conjunto é diferente de uma


simples assimilação de valores e normas morais vigentes na sociedade.
Ela surge com a desconfiança de que valores morais da sociedade - ou
os meus - encobrem algum interesse particular não confessável ou
inconsciente que rompe com as próprias causas geradoras da moral.
Desconfiança de que interesses imediatos e menores são colocados
acima do bem da coletividade, ou que é negada aos seres humanos a
sua liberdade e a sua dignidade em nome de valores petrificados ou de
pseudoteorias (GUNG; SILVA, J. C., 1995, p. 22).

Valores morais e éticos 167


U4

Desta forma, enquanto professores, ou futuros professores, devemos nos


questionar se o nosso papel é o de reprodução ou crítica transformadora. Estamos,
como docentes, diante de um campo importante de intervenção social, lidamos
com muitas pessoas e diferentes visões de mundo. Entretanto, nos cabe, ao menos,
questionar a realidade que nos cerca, este é um papel político, ético, de um profissional
da docência.

1. Quais formas e/ou dinâmicas poderíamos utilizar em sala de


aula para contribuir com a crítica da realidade social?

2. Como a Sociologia nos ajuda a entender o papel da moral


na sociedade capitalista? Existe possibilidade de intervenção
social para a transformação de uma moral vigente? Como?

168 Valores morais e éticos


U4

Seção 3

A sociologia no ensino médio


Nesta seção discutiremos como a Sociologia foi implementada no Brasil, enfatizando
a intermitência desta disciplina nos currículos do Ensino Médio. Buscaremos demonstrar
como historicamente, em determinados momentos, esta disciplina foi introduzida e,
em outros, retirada dos currículos com o objetivo de demonstrar a luta e relações de
poder em que esta disciplina se insere na Educação Básica.

Veja, aluno, por que, afinal, houve um aumento nos cursos de Licenciatura em
Ciências Sociais ou Sociologia no Brasil nos últimos anos? Vocês mesmos estão
inseridos nesta conjuntura! Quais os interesses por detrás da entrada e retirada da
Sociologia no Ensino Médio? Qual o papel político do professor de Sociologia?

Estas e outras questões serão debatidas nesta terceira seção. Buscarei relatar
algumas experiências de sala de aula como professora de Sociologia do Ensino Médio.
Espero que gostem!

3.1 Histórico da disciplina de Sociologia no Ensino Médio: lutas e


resistências
O ensino de Sociologia na Educação Básica no Brasil foi intermitente, a proposta
de inclusão data de 1870, quando Rui Barbosa propõe a substituição da disciplina
de Direito Natural pela Sociologia (a proposta, no entanto, não foi sequer votada).
Com Benjamim Constant em 1890, no ensejo da Reforma da Educação Secundária,
a Sociologia reaparece como disciplina obrigatória e esta vai, lentamente, sendo
inserida na escola secundária, servindo para justificar o papel transformador ou
conservador da educação, conforme o contexto, os homens, os interesses (MORAES,
2006, p. 101).

Nas primeiras décadas do século XX (entre 1925 e 1942), a Sociologia integra-se


nos currículos da educação básica e até como exigência em alguns vestibulares. A
partir de 1942 a Sociologia passa a ser intermitente. Com a nova LDB (Lei nº. 9.394/96),
a Sociologia se torna obrigatória, entretanto houve uma interpretação equivocada da
lei, quando os conteúdos passam a ser ministrados por diferentes disciplinas.

Valores morais e éticos 169


U4

Como podemos observar, a intermitência do Ensino de Sociologia não está,


necessariamente, relacionada a governos e políticas ditatoriais e conservadoras.
Durante o governo Vargas a Sociologia existia no Ensino secundário e durante o
governo democrático de Fernando Henrique Cardoso não, vetado pelo próprio
presidente. Isso se deve porque a Sociologia nem sempre possui um caráter crítico e
transformador, ou seja, quando precisou ela teve um caráter conservador.

Depois de um processo de muita luta e organização dos professores de Sociologia,


principalmente ao longo da década de 1980 e 1990 e da própria LDB 1996, a
Sociologia como disciplina volta a ser discutida. Em 2007, com a determinação do
ensino de Sociologia na educação básica pelo Conselho Nacional de Educação, a
disciplina passa a ser implementada nos currículos dos diferentes estados. Entretanto,
somente com a Lei nº.11.684, de 2008, é que ela passa a ser obrigatória nas escolas
de todo o país.

Abaixo segue o link da Lei nº. 11.684, de 2008.


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/
L11684.htm. Acesso em: 19 mai. 2015.

Com esta lei a Sociologia é implementada no Ensino Médio, mas fica a cargo
das escolas (ou resoluções estaduais) determinar o número de aulas respectivo. No
Paraná, onde sou professora, prioriza-se a equidade das disciplinas no Ensino Médio,
então esta possui duas aulas semanais por turma.

Mas vocês podem estar se perguntando: o que devemos ensinar aos alunos
do Ensino Médio com a Sociologia? A Sociologia deve, como disciplina, seguir
determinadas orientações e diretrizes curriculares. De acordo com as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio Nacionais (OCN, 2006), a Sociologia deve
modificar os modos de pensar, questionar as concepções de mundo, de economia,
de sociedade. Trazer a historicidade aos fenômenos sociais, desnaturalizando-os,
problematizar, gerar estranhamento. O papel da sociologia, portanto, é humanizar
o homem.

Para isso se faz necessário que pensemos a linguagem, os objetos, os


temas, levando-se sempre em consideração o público-alvo (nossos alunos). A
contextualização da realidade social analisada é tarefa imprescindível do professor
de Sociologia, ou seja, este deve articular o caso concreto por meio da teoria,
conceito e tema. Ademais, segundo as OCN (2006), a Sociologia no Ensino Médio
deve passar pelo conhecimento, mas também pela intervenção política na escola,
enfatizando o papel político da comunidade escolar.

170 Valores morais e éticos


U4

Ao desenvolver tal intento, devemos começar por algumas reflexões


epistemológicas da nossa ciência: O que é imaginação sociológica? (WRIGHT
MILLS, 1959), O que é raciocínio sociológico? (PASSERON, 1991). O pressuposto
teórico-metodológico deve ser buscado nos próprios clássicos, relacionando-os
com a atualidade.

A Sociologia (como qualquer outra disciplina) só faz sentido se for delimitada


dentro de um projeto maior de educação, de formação de jovens e adultos (OCN,
2006). Desta forma, ensinar é uma práxis humana, uma atividade política que visa à
transformação dos alunos.

Como a sociologia no Ensino Médio é recente, temos ainda poucos materiais


de apoio. No ano passado, 2014, pudemos escolher dentre seis o livro a ser
implementado na escola. Isso foi um grande avanço, tanto para a contribuição nas
nossas aulas quanto pela solidificação da Sociologia no Ensino Médio.

Para acessar o guia de livros didáticos do MEC:


http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&
cd=3&ved=0CCkQFjAC&url=http%3A%2F%2Fwww.fnde.gov.br%2Farq
uivos%2Fcategory%2F125guias%3Fdownload%3D9011%3Apnld2015so
ciologia&ei=vMAZVY37CYjhsATC7IKQDA&usg=AFQjCNEqEB1_N4XHc
rbP6bg0Mq359eZwQ&bvm=bv.89381419,d.bGg

Neste guia vocês encontrarão os materiais didáticos-pedagógicos para a


Sociologia no Ensino Médio. Vale a pena!

O objetivo da Sociologia, portanto, é garantir o desenvolvimento de uma postura


intelectual diante da vida social e das práticas sociais. Mas lembrem-se, historicamente
ela já foi utilizada para justificar práticas conservadoras e até governos ditatoriais.
Precisamos nos posicionar diante da realidade que nos cerca e propor práticas
pedagógicas que levem a uma crítica e transformação social dos alunos.

Na escola em que leciono Sociologia aqui em Londrina, Paraná (C.E. Hugo Simas),
conto com a ajuda dos alunos bolsistas do PIBID. Este ano estamos propondo que
os alunos construam o grêmio estudantil na escola. O PIBID é um programa do
governo federal MEC, que visa ao incentivo à formação docente. Meu vínculo é
como supervisora do PIBID pela UEL (Universidade Estadual de Londrina).

Acreditamos que a Sociologia pode contribuir com a crítica e a transformação


social de toda a comunidade escolar e, por isso, propusemos a criação do grêmio

Valores morais e éticos 171


U4

por meio de, inicialmente, oficinas de formação política, em seguida formação de


chapas, assembleia e, por último, a eleição em si. Este é um exemplo, mas temos
outros tantos em diversas escolas no país.

O importante é levarmos em consideração a formação política dos alunos e


o papel político dos professores, para com isso propor atividades que levem em
consideração a intervenção social.

1. Descreva quais são os principais objetivos da Sociologia


como disciplina no Ensino Médio.

2. Procure em escolas de seu estado, cidade, exemplos


de práticas pedagógicas que colaboram com a crítica e
transformação social.

Nesta seção discutimos como a sociologia foi implementada


no Brasil, enfatizando a sua intermitência nos currículos do
Ensino Médio. Buscamos demonstrar como historicamente, em
determinados momentos, esta disciplina foi introduzida e, em
outros, retirada dos currículos com o objetivo de demonstrar a luta
e relações de poder em que esta disciplina se insere na Educação
Básica. Vimos a importância de sua implementação obrigatória
no Ensino Médio, por meio da Lei nº 11.684, de 2008. Ademais,
demonstramos como esta ciência pode ser utilizada para a
conservação quanto para a transformação social. Entretanto,
como vimos, de acordo com as OCN de 2006, a Sociologia deve
contribuir com a crítica e a transformação social no interior das
escolas no país.

172 Valores morais e éticos


U4

Caros alunos, nesta unidade “Valores morais e éticos” vocês viram


a questão da ética e da moral, tanto no campo filosófico quanto
no campo sociológico. Espero que esta reflexão lhes tenha sido
útil para compreender como os valores, as normas, as regras de
comportamento são importantes na vida em sociedade, mas
que também é dada a possibilidade de refletir que os mesmos
não são estáticos, que mudam com o passar dos tempos.
Assim sendo, espero que esta base teórica tenha contribuído
para vocês refletirem sobre a moral e a ética na docência, a
escolha profissional de vocês! A união da teoria e da prática
é imprescindível ao professor e, mais ainda, do professor de
Sociologia. Ademais, buscamos nesta unidade refletir um pouco
sobre o papel social e político do professor de Sociologia e desta
disciplina no interior dos currículos do Ensino Médio no Brasil.
Busquem materiais sobre o assunto, pesquisem sobre modelos
de práticas pedagógicas, além de experiências em Ensino de
Sociologia. Isso será muito importante para a formação docente
de cada um de vocês!

A UEL possui um site do LENPES (Laboratório de Ensino de Sociologia)


com materiais de apoio, relatos de experiências, simpósios etc. Vale a
pena pesquisar!
Segue o link: http://www.uel.br/projetos/lenpes/. Acesso em: 19 mai. 2015.

1. Leia o texto a seguir e responda à afirmativa que se pede:


“O que significa exatamente essa expressão antiquada: ‘virtude’?
– perguntou Sebastião.
- No sentido filosófico, compreende-se por virtude aquela
atitude de, na ação, deixar-se guiar pelo bem próprio ou pelo
bem alheio – esclareceu o senhor Barros.

Valores morais e éticos 173


U4

- O bem alheio? – perguntou Sebastião.


- Sim – disse o senhor Barros. – É verdade que a coragem e a
moderação são virtudes, em primeiro lugar, para consigo mesmo,
mas também há outras virtudes, como a benevolência, a justiça
e a seriedade ou confiabilidade, ou seja, a qualidade de ser
confiável, que são disposições orientadas para o bem dos outros.”
(TUGENDHAT, Ernst; VICUÑA, Ana Maria; LÓPES, Celso. O livro de
Manuel e Camila: diálogos sobre moral. Trad. de Suzana Albornoz.
Goiânia: Ed. da UFG, 2002. p. 142.).

Com base no texto e nos conhecimentos adquiridos nesta


unidade, como a filosofia descreve as chamadas “virtudes”?

a) Segundo o texto, virtude significa ações orientadas para o


bem, que pode tanto ser em relação a si próprio quanto em
relação aos outros.
b) As ações virtuosas são aquelas em que levo em consideração
somente a minha percepção e compreensão do mundo.
c) Virtude no texto se relaciona apenas às ações determinadas
pelo todo social, ou seja, está relacionada com as normas vigentes
na sociedade e que devemos seguir.
d) A virtude significa uma ação qualquer independente dos
princípios de bem e envolve outras pessoas.

2. Para Émile Durkheim, o fato social constitui o objeto de estudo


da Sociologia. Em sua obra As Regras do Método Sociológico,
ele formula com clareza os passos da construção desse objeto.
A respeito deste conceito e de outros elaborados por Durkheim,
analise as proposições abaixo e assinale a alternativa INCORRETA:

a) Segundo Durkheim, os indivíduos possuem uma constante


compulsão para subverter as regras sociais ou o acordo coletivo,
sendo necessária, por isso, a atuação de órgãos de repressão
como a polícia, para garantir a ordem e o respeito às hierarquias.
b) Segundo Durkheim, a intensa divisão do trabalho social que
caracteriza a sociedade industrial moderna leva, inevitavelmente,

174 Valores morais e éticos


U4

à predominância de uma solidariedade orgânica, uma vez que é


no dia a dia que a interdependência entre os indivíduos pode ser
observada, garantindo a coesão social, e comprovando o maior
avanço social da sociedade industrial comparado à sociedade
primitiva.
c) Uma vez identificados e caracterizados os fatos sociais, a
preocupação de Durkheim dirigiu-se à conduta necessária ao
cientista social. Para Durkheim, é necessário que o pesquisador
afaste as suas pré-noções e sentimentos pessoais para garantir a
objetividade do conhecimento.
d) Para Durkheim, o fato social pode ser normal ou patológico.
O fato patológico é aquele que não extrapola os limites dos
acontecimentos mais gerais de uma determinada sociedade e
que reflete os valores e as condutas aceitas pela maior parte da
população.

3. Ao discutirmos a ética e a moral no âmbito da educação,


precisamos entender que as ações empreendidas com o objetivo
de educar estão relacionadas com técnicas aplicadas, normas
vigentes e valores compartilhados pelos indivíduos envolvidos
neste processo, em uma sociedade historicamente dada. Neste
sentido, assinale a alternativa correta no que tange à questão da
ética na educação.

a) O professor não deve se posicionar frente à realidade colocada


em sala de aula.
b) Não existe ciência neutra, mas o docente deve separar o que é
teoria do que é a prática.
c) O professor deve se posicionar e contribuir com uma crítica
social e, se possível, com uma transformação social.
d) O professor não tem o poder de transformar nada. A escola é
somente um espaço de reprodução das normas vigentes.

4. Para Marx e Engels, as ideias dominantes de uma época são


sempre as ideias das classes dominantes. Para os autores, as regras
de comportamento, as leis, as normas no interior do capitalismo,

Valores morais e éticos 175


U4

servem para reproduzir a lógica capitalista de exploração e


dominação. As ideias de família, educação, trabalho, etc. são
construídas a partir do modo de produção a que se insere. Desta
forma, devem ser vistas e analisadas a partir da perspectiva de
classes. Neste sentido, como podemos pensar a educação no
capitalismo, para os autores?

a) como ideologia.
b) como revolucionária.
c) como reprodutora das ideias dos dominados.
d) como conhecimento.

5. O papel da sociologia, portanto, é humanizar o homem. Para


isso se faz necessário que pensemos a linguagem, os objetos,
os temas, levando-se sempre em consideração o público-alvo
(nossos alunos). A contextualização da realidade social analisada
é tarefa imprescindível do professor de Sociologia, ou seja, este
deve articular o caso concreto por meio da teoria, conceito e
tema. Levando-se em consideração a prática pedagógica do
professor de Sociologia, assinale a alternativa correta:

a) deve contribuir com a reprodução das normas e regras sociais.


b) deve contribuir com a desnaturalização e estranhamento.
c) não deve proporcionar a crítica transformadora.
d) não deve levar ao estranhamento.

176 Valores morais e éticos


U4

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%2Farquivos%2FIleizi%2520%2520Sociologia%2520%2520Simposio%2520Curric.%
2520E%2520M.docei=zr4ZVfzXHKXHsQSytYDICg&usg=AFQjCNGw6rJrxYfJ2xrL-
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