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ESTADO E

POLÍTICAS
EDUCACIONAIS
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Volume 3

Organizadoras
Dhyovana Guerra
Isaura Monica Souza Zanardini
Simone Sandri
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização
Dhyovana Guerra
Isaura Monica Souza Zanardini
Simone Sandri
(Organizadoras)
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS

Volume 3

Editora CRV
Curitiba – Brasil
2023
Copyright © dos autores
Editor-chefe: Railson Moura
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Imagem de capa: golib.tolibov | DepositPhotos
Revisão: Os Autores

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CATALOGAÇÃO NA FONTE
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ES79

Estado e políticas educacionais – volume 3 / Dhyovana Guerra, Isaura Monica Souza


Zanardini, Simone Sandri (organizadoras) – Curitiba : CRV, 2023.
208 p.

Bibliografia
ISBN Digital 978-65-251-3944-9
ISBN Físico 978-65-251-3943-2
DOI 10.24824/978652513943.2

1. Educação 2. Políticas educacionais 3. Estado – educação I. Guerra, Dhyovana, org.


II. Zanardini, Isaura Monica Souza, org. III. Sandri, Simone, org. IV. Título V. Série.

2023-28202 CDD 370


CDU 37
Índice para catálogo sistemático
1. Educação - 370

2023
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Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)

Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 9
Dhyovana Guerra
Isaura Monica Souza Zanardini
Simone Sandri

ESTADO, CAPITAL E EDUCAÇÃO: reflexões sobre hegemonia e redes


de governança ................................................................................................. 13
Eneida Oto Shiroma
Olinda Evangelista
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL: análise do


programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e
da Política Nacional de Alfabetização (PNA)................................................... 33
Fabíola Elizabete Costa
Ireni Marilene Zago Figueiredo
Márcia Cossetin

ARGUMENTOS DO BANCO MUNDIAL SOBRE A CRISE


DE APRENDIZAGEM .................................................................................... 51
Dhyovana Guerra
Amanda Melchiotti Gonçalves
Simone Sandri
Ireni Marilene Zago Figueiredo

A INFLUÊNCIA DO BANCO MUNDIAL NA POLÍTICA EDUCACIONAL


DO ESTADO DO PARANÁ ............................................................................ 73
Mayara Haruka Watanabe Iijima
Isaura Monica Souza Zanardini

O OLHAR DO DOCENTE EM TORNO DO CURRÍCULO INTEGRADO ..... 91


Maria Sandreana Salvador da Silva Lizzi
Edaguimar Orquizas Viriato

A POLÍTICA DA QUALIDADE EDUCACIONAL PARA O BANCO


MUNDIAL PROPOSTA NO DOCUMENTO: uma agenda de
competências e empregos para a juventude de 2018 .................................. 105
Amanda Melchiotti Gonçalves
Dhyovana Guerra
Roberto Antonio Deitos
AVALIAÇÃO EM LARGA ESCALA E BNCC: estratégias para o
gerencialismo na educação ........................................................................... 117
Marijane Zanotto
Simone Sandri

O PROFESSOR E A EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA:


contribuições teóricas de Durkheim, Dewey e Gramsci ................................ 133
Karina dos Santos de Moura Buzin
Aparecida Favoreto

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO POPULAR: a influência das


agências e Organizações não Governamentais (ONGs) internacionais na
região Sudoeste do Paraná ........................................................................... 151

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João Paulo Danieli
Roberto Antonio Deitos
Luiz Fernando Reis

AUTONOMIA E FINANCIAMENTO DAS UNIVERSIDADES


ESTADUAIS DO PARANÁ: a agenda regressiva do governo Beto Richa ..... 167
Luiz Fernando Reis

ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................... 199

SOBRE OS AUTORES ................................................................................ 203


APRESENTAÇÃO
A coletânea Estado e Políticas Educacionais – Volume 3 – é a terceira
de um conjunto de três volumes que iniciam as publicações comemorativas
do aniversário de 15 anos do GEPPES – GRUPO DE ESTUDOS E PES-
QUISAS EM POLÍTICA EDUCACIONAL E SOCIAL da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. A coletânea reúne um conjunto
de artigos de pesquisadores do GEPPES e de outras instituições e universi-
dades que nesses 15 anos estiveram refletindo sobre questões que envolvem
o estado, a política social e, em especial, a política educacional brasileira,
sempre com firme e radical intencionalidade teórica, política e ideológica
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trilhando o caminho do estudo como rotina habitual e o debate acadêmico e


teórico como fundamento crítico da necessidade de pensar questões socioe-
conômicas e educacionais em âmbito nacional e internacional.
Este terceiro volume congrega um conjunto de artigos com o foco prin-
cipal nas relações, mediações e contradições que tratam do estado e das polí-
ticas educacionais, com destaque para as políticas educacionais empreendidas
no Brasil.
O primeiro capítulo, Estado, Capital e Educação: reflexões sobre hege-
monia e redes de governança, de Eneida Oto Shiroma e Olinda Evangelista,
discute algumas abordagens sobre governança e as contribuições gramscia-
nas para entender as alterações na relação entre Estado e Sociedade Civil no
contexto da “nova gestão pública”. As autoras consideram que a noção de
“governança sem governo” secundarizou o papel do Estado, dando ênfase
ao “Terceiro Setor”; que a conservação da hegemonia demanda a elaboração
de uma sociabilidade capaz de garantir a coesão social e que alterações nos
modelos de governança influenciam na função social da escola. Com o desa-
fio de se contrapor às recentes formas de organização capital, as autoras se
propõem a analisar a escola como um espaço de velamentos e desvelamentos
dos consensos produzidos pelo capital.
O segundo capítulo, Políticas públicas de alfabetização no Brasil:
análise do programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(PNAIC) e da Política Nacional de Alfabetização (PNA), de Fabíola Eli-
zabete Costa, Ireni Marilene Zago Figueiredo e Márcia Cossetin, discute a
Portaria nº 867/2012 e o Decreto nº 9.765/2019, analisando as intencionali-
dades da Política de Alfabetização no Pacto Nacional pela Alfabetização na
Idade Certa – PNAIC e na Política Nacional de Alfabetização – PNA.
O terceiro capítulo, Argumentos do Banco Mundial sobre a crise
de aprendizagem, de Dhyovana Guerra, Amanda Melchiotti Gonçalves,
Simone Sandri e Ireni Marilene Zago Figueiredo, trata dos argumentos
10

do Banco Mundial, segundo o qual, para justificar a denominada crise de


aprendizagem, entre 1980 e 1990, a baixa escolaridade e a falta de capital
humano explicavam a pobreza; com a atual expansão da oferta escolar, a
condição econômica dos países seria gerada pela crise de aprendizagem na
escola. O artigo discute como a noção de crise de aprendizagem anunciada
pelo Banco Mundial (2018) sustenta a ressignificação e a intensificação das
recentes reformas educacionais brasileiras.
O quarto capítulo, A influência do Banco Mundial na política educa-
cional do estado do Paraná, de Mayara Haruka Watanabe Iijima e Isaura
Monica Souza Zanardini, apresenta a influência do Banco Mundial nas polí-
ticas educacionais do estado do Paraná, em especial o Projeto Qualidade da
Educação Básica (PQE) de 1994 e o Projeto Multissetorial para o Desenvol-

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vimento do Paraná, instituído em 2012. Esses projetos encontraram alicerces
nos interesses da política interna do Paraná e incluem aspectos de interesse
do setor empresarial. As autoras também consideram que essas ações apro-
fundam os processos avaliativos atrelados às ideias de eficiência e eficácia,
assim como exigem dos sujeitos melhores resultados.
O quinto capítulo, O olhar do docente em torno do currículo inte-
grado, de Maria Sandreana Salvador da Silva Lizzi e Edaguimar Orquizas
Viriato, reflete sobre o currículo integrado a partir do trabalho como princípio
educativo. Apresenta uma discussão a partir de referências bibliográficas e
de pesquisa de campo com professores que trabalharam nos cursos de Secre-
tariado e Técnico Administrativo vinculados ao Programa Nacional de Inte-
gração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos (PROEJA), em Cascavel, Paraná. Os principais
resultados apontados no texto referem-se ao empenho dos professores para
efetivar o PROEJA, pois, diversas vezes, estes buscaram conhecimento para
encarar os obstáculos da sua prática docente e efetivar o Currículo Integrado.
O sexto capítulo, A política da qualidade educacional para o Banco
Mundial proposta no documento: uma agenda de competências e empre-
gos para a juventude de 2018, de autoria de Amanda Melchiotti Gonçalves,
Dhyovana Guerra e Roberto Antonio Deitos, analisa a qualidade da educa-
ção a partir da definição de competência proposta pelo Banco Mundial no
documento “Competências e Empregos: Uma Agenda para a Juventude”, de
2018. Os autores partem do pressuposto de que as competências descritas
pelo Banco Mundial (2018) representam o status quo da cultura liberal-con-
servadora do século XXI.
O sétimo capítulo, Avaliação em larga escala e BNCC: estratégias
para o gerencialismo na educação, de Marijane Zanotto e Simone San-
dri, analisa a relação entre políticas de avaliação em larga escala e a Base
Nacional Comum Curricular – BNCC. Ao analisarem essa relação, as autoras
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 11

identificam a perspectiva do gerencialismo, nas dimensões do controle e dos


resultados educacionais, na composição de um currículo padronizado e na
intensificação das políticas de avaliação em larga escala.
O oitavo capítulo, O professor e a educação transformadora: contri-
buições teóricas de Durkheim, Dewey e Gramsci, de Karina dos Santos
de Moura Buzin e Aparecida Favoreto, discute sobre as concepções de
educação em Émile Durkheim (1858-1917), John Dewey (1859-1952) e
Antônio Gramsci (1891-1937) e como elas pontuam a atuação do profes-
sor no processo de ensino-aprendizagem, bem como as implicações dessa
atuação no processo de desenvolvimento humano e social. Ao expor as
perspectivas educacionais de cada pensador, as autoras apontam como suas
ideias se traduzem em teorias educacionais para a transformação da ou na
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sociedade, ou seja, em concepções variadas da História.


O nono capítulo, O financiamento da Educação Popular: a influência
das agências e Organizações não Governamentais (ONGs) internacionais
na região Sudoeste do Paraná, de João Paulo Danieli, Roberto Antonio
Deitos e Luiz Fernando Reis, busca compreender como aconteceu o processo
de financiamento da Educação Popular a partir dos projetos executados na
região. O artigo também faz alguns apontamentos sobre as ONGs e agências
internacionais e as propostas pedagógicas que estas financiaram na região
Sudoeste do Paraná.
O décimo capítulo, Autonomia e financiamento das universidades
estaduais do Paraná: a agenda regressiva do governo Beto Richa, de
Luiz Fernando Reis, analisa a política para a educação superior proposta
pelo governo Beto Richa (PSDB), no estado do Paraná, a partir do início de
2015. Essa política apresentou, entre outras medidas, as seguintes: ausência
de pagamento de progressão e promoções, descumprimento da legislação que
pressupõe a revisão geral anual de salários, limites para contração de servi-
dores por intermédio de concursos públicos. Contudo, o aprofundamento da
recessão econômica e os governos de diferentes partidos assumem medidas
que intensificam o desmonte do Estado e o sistema de proteção social brasi-
leiro, conquista da população brasileira e dos servidores públicos.
Boa leitura!

Dhyovana Guerra
Isaura Monica Souza Zanardini
Simone Sandri
(Organizadoras)
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ESTADO, CAPITAL E EDUCAÇÃO:
reflexões sobre hegemonia e
redes de governança1
Eneida Oto Shiroma
Olinda Evangelista

Introdução
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Rafael
Hoje decidiu procurar sete semelhanças
entre o sol e uma laranja.
Demorou uma hora para descobri-las.
E se foi caminhando com a laranja brilhando
no bolso.
(FERRADA; VALDEZ, 2020)2

O debate sobre redes de políticas públicas e novas formas de gover-


nança ganhou impulso, na virada do século, com as mudanças no ideário
social-democrata clássico que incorporou elementos desenvolvimentistas
às formulações e às práticas neoliberais3. Ao discutir mudanças operadas na
Sociedade Política e suas relações com a Sociedade Civil, Nogueira (1999)
refere-se aos limites do modelo neoliberal, reconhecidos por seus próprios
proponentes. Lembra que John Williamson, patrono do Consenso de Washin-
gton, defendeu uma “adaptação dos princípios por ele formulados em 1989:
os modelos de liberalização devem tomar maior cuidado com o social, com
a educação e com a criação de instituições que aumentem a governabilidade
da economia” (NOGUEIRA, 1999, p. 70). O autor cita outros neoliberais
que reviram suas posições e admitiram a necessidade de algumas políticas de
proteção social, conquanto nos dias que correm tais políticas venham sendo
sistematicamente negadas.
Em 1998, Joseph Stiglitz, então vice-presidente do Banco Mundial, indi-
cou ser preciso trabalhar por um “Consenso pós-Washington”, revendo-se a

1 Texto publicado originalmente na Revista Educação e Fronteiras, v. 4, n. 11, p. 21-38, 2015.


2 Este poema compõe o livro Crianças, de María José Ferrada e María Elena Valdez, escrito em memória
das crianças executadas e desaparecidas durante a ditadura chilena. Foi publicado no México em 2018 e
no Brasil em 2020.
3 A primeira versão deste texto pode ser encontrada em: SHIROMA, E. O.; EVANGELISTA, O. Estado, capital
e educação: reflexões sobre hegemonia e redes de governança. Revista Educação e Fronteiras On-Line,
Dourados, MS, v. 4, n. 11, p. 21-38, maio/ago. 2014.
14

função do Estado. Para Stiglitz, a premissa neoliberal de que “menor Estado”


corresponderia a “melhor Estado” mostrara-se equivocada:

O Estado tem um papel importante a desempenhar na produção de regu-


lações apropriadas, na proteção e no bem-estar social. A discussão não
deveria ser se o Estado deve envolver-se, mas sim como ele deve se
envolver. A questão não pode ser, portanto, o tamanho do governo, mas
as atividades e os métodos do governo (STIGLITZ, 1998, p. 691).

Dois pontos merecem atenção no excerto acima. De um lado, a análise


feita pela Intelligentsia e a consequente mudança de posicionamento relacio-
na-se ao fato de que os neoliberais reconsideraram o papel do atendimento às

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necessidades sociais no encaminhamento de políticas públicas. A questão que
então se colocavam era a do imperativo de construir as bases de um modelo
de desenvolvimento e uma sociabilidade que assegurassem a coesão social
por meio da engenhosa combinação de “livre mercado” com “justiça social”
(NEVES et al., 2010, p. 35). Mais que simples mudança no discurso, essa
guinada desencadeou “mudanças substantivas nos padrões de governança”
(CARVALHO, 1999, p. 23). O Estado não deixou de ser responsável por
oferecer serviços públicos à população, mas se alterou a concretização dessa
responsabilidade. A tensão entre equidade e eficiência balizou a preocupação
dos reformadores e dos governantes em viabilizar uma “nova gestão pública”
caracterizada pelo incremento das parcerias público-privadas, impulsionadas
no Brasil particularmente após a década de 1990. O discurso sobre o “público
não estatal” justificou a transferência de parte das tarefas de provimento dos
serviços públicos a organizações não governamentais (ONG), como foram
denominadas à época, tendo em vista instituírem, por meio dos contratos
de gestão, novas formas de gerir o social4. De outro lado, a autocrítica em
relação ao “tamanho do Estado” parece falaciosa, pois em nenhum momento
a Sociedade Política deixou de exercer papel fundamental no que tange às
contradições inerentes à relação Capital-Trabalho. Este horizonte é fulcral
para a compreensão do pensamento neoliberal e suas estratégias atualiza-
das de domínio, seja na esfera propriamente econômica, seja no âmbito da
Sociedade Política e da Sociedade Civil que, na concepção gramsciana, não
são demarcadas por fronteiras rígidas, ao contrário, configuram o Estado
integral, no interior do qual se travam disputas por hegemonia e lutas pela

4 O Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) alterou a denominação para Organizações da


Sociedade Civil. Segundo o Mapa das Organizações da Sociedade Civil produzido em 2020, existem
781.921 Organizações da Sociedade Civil (OSCs), das quais 602 – 17% do total – atuam na área de
Educação e Pesquisa (IPEA, 2020, p. 7). Elas se dividem em Organizações Sociais (OSs) e Organizações
da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs) e não têm fins lucrativos (IPEA, 2020). No caso deste
texto, conceituaremos as OSCs como “aparelhos privados de hegemonia”, segundo indicação de Gramsci.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 15

construção de um novo bloco histórico. Agregue-se, ainda, que sob o discurso


das concessões sociais correram profundas reformas nas relações de trabalho,
na previdência, na assistência social e na Educação.
De fato, as relações entre agências supranacionais, Estados e grandes
corporações se estreitaram conduzindo a um movimento externo de integração
a blocos econômicos, simultaneamente a um movimento interno de descentra-
lização, flexibilização e fortalecimento de organizações da Sociedade Civil,
estas direcionadas à composição de novos pactos para assegurar condições de
governabilidade sob os auspícios do Capital. Semelhantes relações eviden-
ciaram-se na maior presença de grupos privados na definição e execução de
políticas públicas configurando o crescimento do chamado “terceiro setor”,
representado por organizações e fundações sem fins lucrativos, entretanto vin-
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culadas aos diversos tipos de capitais. Recrudesceram-se as disputas de classes


e frações de classe no âmbito da governabilidade para a definição das priori-
dades na agenda da política social e econômica (CARVALHO, 1999, p. 24).
Vale lembrar que nestas disputas, os interesses dos trabalhadores foram sendo
derrubados por uma legislação a eles lesiva e largamente favorável à burguesia.
A profusão de parcerias provocou mudanças nas relações de poder inte-
rinstitucional alimentando a falsa ideia de que o governo seria substituído por
“governança em redes” (RHODES, 1997; DAVIES, 2011), insuflando a tese
da “governança sem governo” (ROSENAU, 1992). Os resultados de nossos
estudos apontam para outra direção (EVANGELISTA, 2008; SHIROMA,
2011, 2012): o Estado não ficou mínimo, como assinalamos, e o governo
não foi substituído; ao invés, constitui um importante nó nas redes. As orga-
nizações estatais não agem nem definem isoladamente as políticas e as redes
não se limitam às fronteiras nacionais. Nem as organizações estatais nem as
redes, afirme-se, agem ao arrepio dos interesses do capital.
Uma das estratégias desse modelo de gestão pública é a de aumentar a
eficiência da ação governamental por meio da descentralização de tarefas para
esferas locais, induzindo as parcerias e o fortalecimento das ideias de “empo-
deramento” e de “protagonismo local”. A suposta partilha de responsabilidades
com organizações da Sociedade Civil imputou-lhe o sentido de “Terceiro
Setor”, constituindo-as como parceiras e corresponsáveis no provimento das
políticas sociais. No Brasil, impulsionado pela Reforma do Estado dos anos
de 1990, definiu-se que caberia ao Estado gerenciar os processos enquanto
as “organizações sociais” – sob a forma de fundações e institutos privados
sem fins lucrativos – executariam as políticas sociais lançando mão do fundo
público e inaugurando formas peculiares de lida com a força de trabalho.
Esse breve percurso permite compreender os fenômenos da multiplicação
das parcerias público-privadas, a forte inserção do setor privado na definição e
execução de políticas públicas, o aumento da participação de empresários em
16

conselhos sociais do governo federal e demais entes republicanos. Conclui-se


que o Estado não se afastou para dar espaço ao setor privado; mantém-se pre-
sente, mas não como provedor exclusivo dos serviços públicos – entendidos
como atendimento ao público –, e sim como regulador e mediador da disposi-
ção de seus próprios recursos para tais iniciativas. Modificou-se a configuração
do Estado, a participação de organizações da Sociedade Civil, em especial
de representantes de empresários e do capital financeiro, na formulação de
políticas públicas, com repercussões sobre a reposição da hegemonia burguesa,
problema central para governar.
Ações oriundas destas articulações em nível global contribuíram para a
harmonização de interesses de governos, de Capitais nacional e internacional.
Tal estratégia de governo tornou-se hegemônica, pois, ademais de concretiza-

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rem interesses do Capital, cujo envoltório ideológico pretende escondê-los sob
o manto da “justiça social”, contraditoriamente, atenderam algumas demandas
bastante rebaixadas das classes trabalhadoras. As políticas de alívio à pobreza,
para assegurar a coesão social e a paz, tinham em vista refuncionalizar a
promessa burguesa integradora e reafirmar o capitalismo como melhor modo
de produção. A desigualdade social se alastra vertiginosamente e as manifes-
tações populares que se espalham nas redes e nas ruas intimam o Capital a
uma espécie de auto-humanização.
A UNESCO (2021, p. 6), por exemplo, cumpre papel inegável na batalha
do capitalismo humanizado. No recente Informe de la Comisión Internacional
sobre los futuros de la Educación – Reimaginar juntos nuestros futuros. Un
nuevo contrato social para la educación –, procura nos convencer de que,
“para forjar futuros pacíficos, justos y sostenibles, es necesario transfor-
mar la educación misma”. Com os olhos postados em 2050, a agência põe
a educação pública do século XX na berlinda: [...] “buscaba esencialmente
apoyar a la ciudadanía nacional y los esfuerzos de desarrollo mediante la
escolaridad obligatoria de niños y jóvenes”. Ultrapassada pelas exigências
históricas contemporâneas, nas quais a vida humana e do planeta encontram-
-se “em risco”, a escola pública precisaria ser “reinventada” com base em
um novo “contrato social”:

Este acto de reimaginar significa trabajar juntos para crear futuros


que sean compartidos e interdependientes. El nuevo contrato social
para la educación debe unirnos en torno a los esfuerzos colectivos y
aportar el conocimiento y la innovación necesarios para forjar futu-
ros sostenibles y pacíficos para todos, basados en la justicia social,
económica y ambiental. Y debe también, al igual que hace el presente
informe, defender la función que desempeñan los docentes (UNESCO,
2021, p. 7).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 17

Redes de políticas públicas

Segundo Ball (2007), policy networks são redes que, embora congre-
guem coletivos em torno de uma mesma questão, por vezes portam interes-
ses implícitos distintos. Tais redes são rotas de influência e instauram outro
modo de disseminar ideias e agir politicamente. Seus participantes unem-se,
por iniciativa própria ou indução – de governos, Organizações Multilaterais
(OM) –, considerando que a ação conjunta pode ampliar o poder dos sujeitos
ou grupos envolvidos, ampliando sua capacidade de reivindicação e de luta
por meio de lobbying ou defesa de determinadas causas.
As redes de políticas públicas caracterizam-se por híbridos e instáveis
arranjos de organizações envolvidas em diferentes formas de coordenação e
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controle que interagem e estão em frequente tensão dando origem à chamada


new governance (BALL, 2007, p. 114). Nova governança5 refere-se às trans-
formações na compreensão de governo restrito ao aparelho de Estado, tido
como monolítico, para uma pluricêntrica, de governança descentralizada, reali-
zada por redes de múltiplos “atores”. “Governança” refere-se às mudanças no
modo de governar, abrangendo novos modos de controle e mecanismos sutis
de governação [soft governance]. Tais mudanças levam muitos pesquisadores
a refletirem sobre as ações de governo que extrapolam o Estado de modo a
considerar a atuação de outros intelectuais orgânicos coletivos burgueses que
atuam na governança. A noção de Governo aparece na literatura examinada
mais associada às estruturas do Estado, enquanto Governança ou Governação
às ações e aos processos, mecanismos e estratégias de governo. O que não
resta esclarecido nestes conceitos é o papel do Capital na hegemonização dos
rumos das políticas empreendidas.
No debate contemporâneo sobre políticas públicas, ressalta-se a impor-
tância de se estudar os processos de governar relacionando-os às transforma-
ções do Estado, talvez obscurecendo as determinações de natureza econômica.
Marsh (1998) entende que é preciso articular a abordagem de redes de políticas
públicas a uma teoria de Estado porque é ela que provê uma explicação para
os padrões de formação das redes, os motivos para sua proliferação, as suas

5 No campo da ciência política, a noção de governança aparece associada ao “conceito de poder social que
media as relações entre Estado e Sociedade Civil, como espaço de construção de alianças e cooperação,
mas também permeado por conflitos que decorrem do impacto das assimetrias sociais e seus reflexos no
meio ambiente e das formas de resistência, organização e participação dos diversos atores envolvidos. [...] Ao
utilizar o conceito de Governança, entende-se que se relaciona com a implementação socialmente aceitável
de políticas públicas, um termo mais inclusivo que governo, por abranger a relação sociedade, Estado,
mercado, direito, instituições, políticas e ações governamentais. Governança implica o estabelecimento de
um sistema de regras, normas e condutas que reflitam os valores e visões de mundo daqueles indivíduos
sujeitos a esse marco normativo” (JACOBI et al., 2012). Conquanto não apareça na definição dos autores,
os que podem atuar na “governança” são sujeitos de classe e não simples indivíduos.
18

formas de atuação e seu poder e influência sobre os governos. A literatura


que trata do fenômeno da expansão das redes de políticas públicas expõe seus
vínculos com o debate sobre governança em rede, situando-a no legado insti-
tucional da reforma de Estado neoliberal (JESSOP, 2011; BEVIR; RHODES,
2011; BALL, 2012). Alguns pesquisadores relacionam a emergência das redes
à reestruturação do setor público dos anos de 1980 na Inglaterra que introdu-
ziu, entre outras medidas, o uso de quase-mercados e redes no fornecimento
de serviços públicos [public delivery services] à população.
Os intelectuais neoliberais contrapunham a ineficiência da burocracia
do Estado à eficaz, ágil, flexível e produtiva gestão das empresas privadas. A
governança corporativa foi tomada como exemplo de gestão bem-sucedida a
ser aprendida pelo setor público. As análises que interpretaram essas mudanças

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como “erosão da capacidade do Estado de gerir a coisa pública” inspiraram
a primeira onda de estudos sobre governança, tomando como pressuposto a
ocorrência de um “esvaziamento do Estado” (RHODES, 2012), algo que não
ocorrera de fato. Essas interpretações produziram uma inflexão nos estudos
de políticas públicas que, tradicionalmente, concentraram-se no exame do
Estado, por vezes tomado como instituição claramente delimitada e relati-
vamente autônoma na definição de programas e políticas, negligenciando a
importância de organizações não estatais. Segundo Whitman (2009), a emer-
gência da governança em rede desestabilizou essas certezas, tirou o Estado
do centro das reflexões, questionou sua autonomia na tomada de decisões e
procurou evidenciar suas relações com organizações da Sociedade Civil no
nível nacional e no internacional.
Uma segunda onda de estudos considerou o Estado, mas ressaltou a
desgovernança, ou seja, analisou a capacidade do Estado via desregulação e
desburocratização, movimento que ficou conhecido como Terceira Via6. De
outro lado, o Estado fomentou a criação das parcerias público-privadas que
funcionariam como redes de delivery service, pois, diante do corte de gastos
nas áreas sociais, recorrer-se-ia à cooperação para o fornecimento dos serviços
públicos. A expansão das parcerias conduziu a mudanças institucionais e nas
relações de poder promovendo a ideia – fictícia – de que o governo poderia
ser substituído pela governança em rede (BEVIR; RHODES, 2011; DAVIES,
2011). A governança em rede também é conhecida como anglo school gover-
nance e refere-se a formas de regulação em que as políticas públicas são
desenvolvidas não exclusivamente pelo Estado, mas compartilhadas com

6 Projeto político que se apresenta como “social-liberalismo”, tenta conciliar política econômica ortodoxa e
política social progressista. Propagado por Clinton e Blair, entre outros líderes, constitui a concha ideológica
mais adequada ao neoliberalismo (ANDERSON, 2000). Em 2003, na quarta reunião da cúpula da Terceira
Via que reuniu chefes de Estado e mais de 500 dirigentes, o projeto passou a se autodenominar Cúpula da
Governança Progressista (NEVES et al., 2010, p. 70).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 19

novos arranjos “híbridos” de organizações e interesses públicos e privados


sempre a favor dos interesses burgueses (LIMA, 2007).
Muitas críticas ao neoliberalismo incidiram sobre o afastamento do
Estado da provisão de políticas sociais e a minimização de sua atuação no
financiamento dos serviços públicos, críticas que inspiraram teses alternati-
vas como a da “governança sem governo” [governance without government]
(ROSENAU, 1992). Como outros estudos (JESSOP, 2011), nossas pesquisas
evidenciam a impossibilidade de discutir políticas públicas sem considerar
o papel do Estado e suas determinações mais gerais, o que o coloca como
objeto de análise; de outro lado, verificou-se que há no exercício do governo
um imbricamento de interesses, influências e participação de organizações não
governamentais, empresas privadas e organismos multilaterais que constituem
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redes de políticas públicas, contudo articuladas no interior das disputas intra


e entre classes sociais.
Femia (1987, p. 28) recorreu à Gramsci para discutir a noção de Estado
ampliado e a incorporação das instituições atuantes no interior da Sociedade
Civil, bem como do complexo de atividades teóricas e políticas por meio das
quais a classe dominante consegue não só manter a dominação, mas também
obter o consenso ativo – além do passivo – dos governados. Davies (2011,
p. 5) entende que a concepção de Estado ampliado remete ao entendimento da
unidade dialética entre Estado e Sociedade Civil, arena de relações antagônicas,
litigantes e disputas por hegemonia. Sob a perspectiva gramsciana é possível
criticar a visão simplificada que dá à estrutura econômica o status de determi-
nação absoluta, sem considerar as mediações dialéticas, e igualmente criticar as
visões que colocam apenas na esfera política a referida determinação. Do ponto
de vista de Davies (2011), para Gramsci, a economia articula-se organicamente à
política, ideologia ou cultura. A ideologia não é tomada como dimensão menor,
mas como “cimento orgânico” para constituir um complexo de práticas políticas
e culturais em que arranjos econômicos e institucionais se influenciam mutua-
mente constituindo um “bloco histórico”, afastando-se, pois, das vertentes de
análise mecanicistas que separam infraestrutura e superestrutura.
Gramsci (2002) enfatiza que o poder da classe capitalista reside na dupla
relação coerção-consenso; usa o aparato repressivo do Estado, seu poder de
coerção, e usa sua habilidade de moldar, pela Educação em sentido largo,
as percepções das classes subalternas, convencendo-as da legitimidade do
sistema capitalista e da futilidade da luta. Neste caso, torna-se importante
considerar a atuação de seus intelectuais orgânicos que elaboram e disseminam
concepções de mundo, dando direção à política. Gramsci (1987) afirma que os
grupos sociais que participam da produção – burguesia e trabalhadores – pro-
duzem seus respectivos intelectuais. Entretanto, “a relação entre intelectuais
e o mundo da produção não é imediata, como é o caso nos grupos sociais
20

fundamentais, mas é mediatizada, em diversos graus, por todo o contexto


social, pelo conjunto das superestruturas, do qual os intelectuais são precisa-
mente os ‘funcionários’” (GRAMSCI, 1987, p. 10). Ademais, para o autor,
os intelectuais organicamente ligados às classes fundamentais – burguesa e
operária – têm a função crucial de organizar a hegemonia em todas as esferas
da sociedade, da produção, da política e da cultura.

Contribuições de Gramsci para pesquisar governança e redes

Simon (1991, p. 22) considera hegemonia um conceito chave para entender


o arcabouço teórico de Gramsci. Gramsci explicita que para que a classe domi-
nante mantenha a supremacia, precisa apresentar sua própria moral, política e

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valores culturais como normas societais, transformando em senso comum sua
concepção de mundo, obtendo, portanto, hegemonia. Para Davies (2011, p. 113),
tal concepção permite entender que a classe dominante, ademais de proprietária
do capital, é também classe dirigente em virtude de apresentar sua capacidade
“para liderar a sociedade em uma direção que não só serve os interesses do grupo
dominante, mas também é percebido pelos grupos subalternos como servindo
ao interesse geral”; trata-se de uma perspectiva particular que aspira à univer-
salidade. A hegemonia supõe o “consentimento passivo ou ativo”, o último sig-
nificando a participação das classes subalternas nas decisões políticas, expressa
em coalizões, movimentos, pactos e compromissos de diferentes segmentos
sociais integrados ao bloco dominante, marcado por relações assimétricas de
poder. Neste processo, os intelectuais orgânicos têm um papel imprescindível na
tarefa de produção e reprodução social, uma vez que produzem e disseminam
concepções que orientam práticas sociais e tomadas de decisão.
As organizações da Sociedade Civil – conceitualmente denominadas
aparelhos privados de hegemonia –, a exemplo de escolas, universidades,
sindicatos, Igrejas, entre outros, além dos meios de comunicação de massa,
pelos múltiplos mecanismos de difusão ideológica, constituem potentes ins-
trumentos de produção e difusão de hegemonia (GRAMSCI, 1987). Gramsci
assinala que a Sociedade Civil é a esfera na qual a classe dominante organiza
o consenso e a hegemonia e, contraditoriamente, é também a esfera em que
as classes sociais subalternas organizam sua oposição e constroem uma hege-
monia alternativa, ou contra hegemonia. Por esta razão, quando as classes
subalternas organizam seus APHs, a classe dominante procura tomá-los para
si ou concorrer com eles com organizações assemelhadas.
Na luta por hegemonia no terreno conflitivo da Sociedade Civil, o
Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciên-
cia e a Cultura (UNESCO) e a Organização para a Cooperação e Desen-
volvimento Econômico (OCDE) ocupam postos-chave como organizações
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 21

supranacionais que exercem uma influência definitiva sobre o desenvolvi-


mento de políticas nacionais e locais (CARVALHO, 2011; RINNE; OZGA,
2011; OZGA; RINNE, 2013; ROBERTSON, 2012). Certamente não está
considerada nesta abordagem a capacidade de negociação dos governos
locais; embora alguns países – caso do Brasil – possam compor a periferia
do capitalismo ou ser dependente em relação aos países centrais, não é o
caso de se pô-lo apenas como “consumidor obediente” de diretrizes políticas
e econômicas internacionais. Mesmo quando as redes são articuladas por
grupos políticos e econômicos internacionais e como lóci para a constru-
ção da hegemonia neoliberal transnacional (CARROLL; CARSON, 2006,
p. 53), as frações burguesas locais cumprem seu papel. Harvey (2007, p. 19)
afirma que o neoliberalismo é interpretado como “um projeto para realizar
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um projeto teórico para a reorganização do capitalismo internacional, ou


como um projeto político para restabelecer as condições de acumulação de
Capital e para restaurar o poder das elites econômicas”; neste âmbito se
inserem as economias dependentes.
Este arcabouço teórico permite interpretar a ideologia da “rede de gover-
nação” como uma estratégia de intelectuais orgânicos do neoliberalismo de
Terceira Via para imprimir à noção de Sociedade Civil um sentido próprio
por meio da celebração da conectividade e da construção do consentimento
ativo das classes subalternas, tendo em vista retirar-lhe seu caráter de terreno
de conflitos de classe, amortecê-la. Deste ponto de vista, as redes de políticas
públicas constituem aparato fundamental nas ações de governar. Contudo, a
sua legitimidade para governar não é dada, mas precisa ser negociada com
possíveis parceiros na Sociedade Civil e essa negociação relaciona-se com os
interesses em presença e com os sujeitos litigantes. Redes não são necessaria-
mente abertas, democráticas, independentes de relações de poder ou confina-
das às fronteiras nacionais. Bem ao contrário, se constituem como resultado
das pressões políticas e econômicas para manter as relações capitalistas de
produção, obscurecendo ao máximo estes mesmos interesses.
A crescente presença de OM em mudanças políticas nacionais modifica
a configuração do Estado, enquanto a participação de organizações da Socie-
dade Civil nos processos de definição e execução de políticas públicas tem
impacto sobre a construção da hegemonia necessária para governar que se
utiliza de redes sociais internacionais, regionais e nacionais. Os efeitos das
reformas foram intensificados pelas mudanças globais, incluindo o aumento
da atividade econômica transnacional e o surgimento de instituições e redes
regionais (BEVIR; RHODES, 2011, p. 215), cujo impacto é cumulativo:
interagem crescentemente, usam estratégias e repertórios para ação similares,
mobilizam quadros para ações coletivas (MUNDY; MURPHY, 2001).
22

Redes constituem comunidades que trocam informações, participam do


processo político, disseminam e “validam novos discursos políticos e viabi-
lizam novas formas de influência política” (BALL, 2008, p. 747). Relacio-
nam-se à criação e ao compartilhamento de um novo senso comum, o que
leva à consideração dos discursos como produção cultural e de formação de
subjetividades, elemento crucial para a hegemonia (SHIROMA, 2014). É
possível verificar que os componentes das redes transitam de uma organização
a outra levando/trazendo informações privilegiadas, influências destacadas e
o domínio de estratégias específicas.
Jessop (1984) salienta que Gramsci e Poulantzas ressaltaram o importante
papel da ideologia na constituição da hegemonia. As ideologias, entendidas
como visão de mundo, são transformadas por meio do trabalho de reorgani-

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zação e recomposição de elementos. Para o autor, a

Hegemonia não é alcançada através de imposição de uma ideologia de


classe sobre outra classe para formar a aliança de classes. Ela envolve a
articulação de elementos dos discursos ideológicos em torno de alguns
princípios hegemônicos específicos para criar um sistema relativamente
unificado embora ideologicamente sincrético (JESSOP, 1984, p. 193).

Os elementos de diferentes discursos podem ser articulados, porque pos-


suem um núcleo comum de significados que não são completamente determi-
nados e podem ser conotativamente ligados a outros elementos para produzir
os significados que se revelam em diferentes conjuntos discursivos (JESSOP,
1984, p. 196). Isso envolve a pluralização de diferenças que precisam ser
negociadas e acordadas dentro de uma estrutura consensual estabelecida por
meio do discurso dominante relativo aos parâmetros da “vontade coletiva”.
De acordo com Jessop (1984), Gramsci ressalta a mobilização da “vontade
coletiva” e a liderança política como organicamente articuladas e cruciais para
realização de uma reforma intelectual e moral que se expressaria em novas
relações de trabalho. Chama Poulantzas para sustentar seus argumentos: “a
hegemonia opera para assegurar o consentimento ativo das classes dominadas
e unificar frações da classe dominante num coerente bloco de poder” (JESSOP,
1984, p. 155), unificação também alterável segundo os interesses de classe
dos diferentes momentos históricos.
A promoção da governança em redes pode ser interpretada como estraté-
gia neoliberal para remodelar a Sociedade Civil reformando o próprio Estado.
Relações entre grupos de interesse e governo, parcerias público-privadas, ações
coletivas de responsabilidade social de empresas, atividades realizadas por
instâncias híbridas que demarcam novos tipos de relações entre organizações
estatais e não estatais, redefinem as funções e responsabilidades do Estado,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 23

compartilhadas com a Sociedade Civil. Ao longo dos períodos de governo os


membros dos diversos grupos de interesse ocupam cargos de forma diferen-
ciada, segundo o sentido das disputas políticas internas e de acordo com as
relações que conseguem estabelecer com os detentores do poder institucional e
do capital. Uma primeira dimensão da relação entre as redes e o poder, portanto,
diz respeito aos grupos de interesse e apoio que, na rede, apresentam-se como
conjuntos de indivíduos com relações intensas entre si e inserção similar, sendo
ocultadas as suas verdadeiras origens de classe. Marques (2004, p. 22) observa
a grande permeabilidade entre interesses públicos e privados, evidenciando que,
distantes da noção idílica de coesão social, as redes são marcadas por grupos
que disputam o controle sobre as políticas de forma mais ou menos polarizada
dependendo da configuração do Estado, fornecendo, sob sua atuação, uma ima-
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gem democrática, organização aparentemente aberta a todos.


Segundo Smouts (1998, p. 84), “governança não se baseia em dominação,
mas em acomodação. Governança envolve atores públicos e privados, gover-
nança não é uma instituição formal, mas dependente de contínua interação”.
Sem ser um sistema de regras, governança é um processo relacionado à ordem
e à intencionalidade. Compreendê-la requer entender o Estado, as leis e regu-
lamentações, assim como os processos políticos de regulação, cada vez mais
fluídos, sutis e com atuação de novos sujeitos. Acrescentaríamos: entendê-la
significa apanhar seus vários sentidos, sem reduzi-los ao meramente político, às
formas de gestão do poder, estatal ou não, ou de concertação de forças políticas.
O legado teórico de Gramsci – especialmente os conceitos de hegemonia,
Estado ampliado, intelectuais orgânicos e aparelhos privados de hegemonia –
oferece inúmeras possibilidades de análise destas novas formas de configurar
arranjos entre organizações governamentais e APHs, nacionais e internacio-
nais, num amálgama particular entre Sociedade Política e Sociedade Civil.
Os processos de governar e a grande política, organicamente articulados às
pequenas políticas, proliferam-se na Sociedade Civil. Compreendidas como
aparelhos privados de hegemonia, as instituições educacionais têm relevante
papel na elevação cultural das classes subalternas e na formação de intelec-
tuais a elas ligados. Não é sem razão que, preocupados com a manutenção das
relações sociais de produção capitalistas, todos os tipos de capitais assumem
assento não só em conselhos que definem políticas econômicas, mas também
em comitês de governança na área da Educação e, mesmo, na de formação do
professor. Evangelista (2021) informa que entre as quase 800 mil OSC listadas
pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, no Mapa das Organiza-
ções da Sociedade Civil produzido em 2020, 602 – 17% do total – atuavam
na área de Educação e Pesquisa (IPEA, 2020, p. 8); quase 50 dedicavam-se
à formação docente.
24

Governança da Educação

Uma análise dos documentos da UNESCO publicados nas últimas duas


décadas permite constatar uma mudança nas prioridades, estratégias e formas
de governar a educação, evidenciando grande ênfase na reforma da gestão
e da formação docente. No Brasil, este movimento refletiu-se nas ações de
profissionalização dos professores e gestores durante o governo de Fernando
Henrique Cardoso (1994-2002). A UNESCO patrocinou a criação de redes
regionais – de professores, de empresários, de experts – para dar vazão às suas
recomendações, das quais a Rede Kipus é exemplo (EVANGELISTA, 2012).
Em 2011, a UNESCO ampliou o grau de ingerência nas políticas nacionais da
América Latina por meio de uma rede de experts, inicialmente de cinco paí-

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ses, para formular o Proyecto Estratégico Regional sobre Políticas Docentes
(OREALC/UNESCO, 2011). Os especialistas abordaram formação inicial e
continuada, carreira, sindicalismo docente e formas de institucionalização de
políticas nos Estados-Nação.
É preciso dizer que há um empenho de agências econômicas – como a
OCDE, o BM, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Orga-
nização Mundial do Comércio (OMC) – e grupos econômicos organizados
em redes para interferir nos rumos da Educação, cujo projeto geral é refor-
má-la. Assistimos a um revival positivista com a difusão em larga escala de
relatórios de avaliação, testes internacionais, como o Programa Internacional
de Avaliação de Estudantes (PISA), rankings (de países, de universidades,
de centros de excelência). As informações funcionam como insumos para as
políticas baseadas em evidência [evidence-based policies]. Pesquisas sobre
recomendações de OM para a Educação as discutem como resultados do
movimento de articulação do Capital em nível internacional; elas se ramifi-
cam adentrando espaços nacionais e locais pela ação de intelectuais orgânicos
(SHIROMA, 2014). Novos intelectuais orgânicos coletivos, como a rede
“Todos pela Educação”7, pressionam por mudanças no campo educacional,
movidos pelos velhos interesses de classe. Seu discurso estrutura-se sobre
slogans, contribuindo para confundir intencionalidades e erigir consensos
em torno da necessidade de reformas da educação pública.

Redes para reconversão do professor e da escola: além do pedagógico

O argumento central dos reformadores neoliberais é a inadequação da


educação às demandas do século XXI, demandas econômicas e políticas

7 Em abril deste ano, o TpE publicou Educação Já 2022, documento a ser apresentado aos candidatos à
Presidência da República e aos governos estaduais. Segundo o APH, “‘Educação de qualidade’ não pode
continuar sendo privilégio de poucos” (TPE, 2022, p. 3).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 25

escondidas sob uma linguagem humanitária. Na segunda metade dos anos


de 1990, a UNESCO apresentou sua estratégia para acetinar, pela via das
adjetivações positivas, sua proposta de formação para uma sociabilidade defi-
nida como “cidadania ativa”, caracterizada pelo empreendedorismo, compe-
titividade, trabalho voluntário e colaboração social (MARTINS, 2009). Se
esse era o perfil demandado pelo novo século, a questão levantada era como
produzi-lo. A educação foi a resposta, expressa na metáfora utilizada no sub-
título do relatório presidido por Delors (1998): um tesouro a descobrir. E de
fato, era uma questão de tesouro; melhor, de entesouramento!
Os vários projetos em circulação na área educacional articulam-se à
sustentação dos múltiplos processos de reconversão do professor, da escola,
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de suas funções, tempos e espaços. As recomendações voltaram-se, entre


outros locais de práticas pedagógicas, para a escola que “participa ativamente
da difusão da pedagogia da hegemonia e por essa via constrói condições cul-
turais, em nível de superestrutura, para a articulação de uma concepção de
mundo coetânea aos interesses capitalistas” (EVANGELISTA, 2010, p. 25).
Tal conclusão implica que no interior da pedagogia da hegemonia é que se
poderá entender a reconversão do trabalho docente pela reconversão da for-
mação docente. Foi necessária uma nova conformação docente para promover
novos conformismos, tarefa que envolve a escola, mas a extrapola.
No interior da consolidação da hegemonia neoliberal a “educação foi
paulatinamente compatibilizada com o padrão de acumulação em andamento”
(LEHER, 2010, p. 373). A exigência de ampliação “no ensino fundamental e
na formação profissional de natureza instrumental”, para o trabalho simples,
foi atendida com a massificação da escola nos anos de Fernando Henrique.
Contraditoriamente, a luta por escola foi demandada, por motivos distintos,
por Capital e Trabalho; contudo, esse clamor por universalização da educação
como direito foi diluído na amorfa massificação (BRUNO, 2011). Programas
para viabilizar o acesso e a permanência foram implantados na escola recon-
vertendo suas tradicionais funções. Tarefas marcadamente assistencialistas
foram acrescidas à escola, como cuidados com nutrição, saúde, educação
das meninas, controle de natalidade, combate ao uso de drogas, entre outras,
compondo um conjunto de políticas sociais para o alívio da pobreza. Essa
reconversão, decorrente do ingresso massivo da classe trabalhadora e seus
filhos na escola pública, recebeu a assistência não só do Estado, mas do Capital
como determinante de seu sentido em última instância.
De outra parte, as parcerias público-privadas estimuladas pela Reforma
do Estado abriram nichos de mercado para as iniciativas burguesas na Educa-
ção. Criou-se um mercado globalizado de sistemas apostilados, de Educação
a Distância, de tecnologias específicas, de consultorias, de avaliações, de
26

inovações e inspeções (SHIROMA, 2013). Neste âmbito, a UNESCO, o Banco


Mundial e a OCDE negociam seus interesses internacionais com os interesses
capitalistas internos que têm no Estado um interlocutor privilegiado. O BM
“prossegue discutindo em favor de um maior papel para si na governança
global, assim como defendendo um papel expandido para o setor privado de
desenvolvimento” (ROBERTSON, 2012, p. 283).
Amarram-se as pontas, evidenciam-se as determinações econômicas
orientadoras das políticas educacionais contemporâneas, explicam-se as cres-
centes investidas do setor privado na educação pública e seu interesse em
reconverter as funções da escola e o professor: trata-se de disputa por hege-
monia (EVANGELISTA, 2014). O que está em jogo, portanto, é compreender
e fazer frente às novas formas de organização encontradas pelo Capital e

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seus arautos – caso das redes e de organizações não governamentais – para
atualizar, segundo seus interesses, o sentido da Educação e da escola. O
processo de construção de hegemonia supõe a organização de consensos e
velamentos das reconversões que se valem da educação e da escola. Porém,
contraditoriamente, pensar a educação e a escola como espaços de velamento
e desvelamento das formas de governo sob os desígnios dominantes é uma
possibilidade objetiva.
Mészáros (2005) possibilita que se compreenda esse movimento como
processo educativo, problemática que ultrapassa a escola, embora a contenha.
Para Antunes (2012, p. 71-72), a questão que se coloca é: “como se torna
possível realizar, em termos também positivos, a tarefa histórica urgente de
rumarmos para além do Capital?” A resposta dada por Mészáros é: “o órgão
da moral como automediação do homem em sua luta pela autorealização é a
educação”. A transformação social, a superação da ordem do Capital, demanda
uma conceituação precisa no âmbito educacional, qual seja, “educação para
além do Capital” (MÉSZÁROS, 2005), conceituação que abarca todas as
formas educativas, incluindo a escola.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 27

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POLÍTICAS PÚBLICAS DE
ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL:
análise do programa Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) e da
Política Nacional de Alfabetização (PNA)1
Fabíola Elizabete Costa
Ireni Marilene Zago Figueiredo
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Márcia Cossetin

Introdução

No Brasil, as discussões sobre a necessidade de definição de Políticas


Públicas para a Educação e a Alfabetização se intensificaram no início da
década de 1990, como resultado do processo de redemocratização do país que
culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Nas décadas de 1990 e 2000, com a votação pelo Congresso Nacional
do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001 (BRASIL, 2001),
os governos brasileiros passaram a definir e a implementar Políticas Públicas
para a Educação e a Alfabetização, conforme previsto na Constituição Federal
de 1988 e em cumprimento aos compromissos decorrentes das conferên-
cias internacionais2.
Sendo assim, tendo como referência o contexto de redemocratização do
país, das reformas realizadas no Estado brasileiro e, consequentemente, na
Educação Básica a partir da década de 1990 – as quais têm continuidade nos
anos 2000 –, delineamos o seguinte questionamento: quais as intencionalida-
des das Políticas Públicas de Alfabetização, especificamente, das propostas do
PNAIC e da PNA? Para tanto, definimos como objetivo deste artigo analisar
o Programa do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC
(2012) e a Política Nacional de Alfabetização – PNA (2019), procurando
apreender as suas intencionalidades.

1 Texto publicado originalmente na Revista Educação e Políticas em Debate, v. 10, n. 2, p. 630-647, maio/
ago. 2021.
2 Como: a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), resultando no Plano Decenal de Educação
para Todos (1993-2003). Documentos foram firmados pela Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (CEPAL). Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, que como fruto o documento
“Educação: um Tesouro a Descobrir”, o “Relatório Jacques Delors”, o qual indicava as urgências para a
Educação do novo século, sendo referência para elaboração das Políticas Educacionais brasileiras.
34

Neste sentido, a pesquisa foi desenvolvida por uma abordagem quali-


tativa, com investigação bibliográfica e documental. Ainda, aliamos a pes-
quisa bibliográfica à investigação e a análise dos documentos do PNAIC,
Portaria nº 867/2012 (BRASIL 2012), e da PNA, Decreto nº 9.765/2019
(BRASIL, 2019)3.
Para atender ao proposto, partindo da compreensão de que as Políticas
Públicas de Alfabetização no Brasil – implementadas na década de 1990 –
responderam aos compromissos internacionais e que estão vinculadas à con-
tinuidade do processo de Reforma do Estado e da Educação, apresenta-se o
PNAIC, programa criado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2012, com
apoio do Governo Federal e que teve como eixo central de atuação a formação
continuada presencial de professores alfabetizadores.

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Em seguida, tratamos da PNA: instituída no ano de 2019, anunciou a
implementação de programas e ações voltados à promoção da Alfabetização
baseada em evidências científicas, apresentou como finalidade melhorar a qua-
lidade da Alfabetização no território nacional e combater o analfabetismo abso-
luto e o analfabetismo funcional, no âmbito das diferentes etapas e modalidades
da Educação básica e da Educação não formal. Por fim, problematizamos as
intencionalidades que demarcam essas políticas para a alfabetização no Brasil.

O PNAIC e a PNA: conhecendo as políticas

Tanto o PNAIC (BRASIL, 2012) quanto a PNA (BRASIL, 2019) estavam/


estão articulados aos compromissos anunciados nacional e internacionalmente
e, embora constituam o resultado de determinada conjuntura socioeconômica e
político-social, expressam a continuidade do processo de reforma do Estado e da
Educação que, a partir da década de 1990, por meio da “[...] agenda neoliberal,
colocada em prática por diferentes governos, redefiniu o padrão de intervenção
social do Estado” (REIS, 2015, p. 98). Ou seja, é um processo iniciado na década
de 1990 que ainda está em continuidade na atualidade.
Nesse processo de intervenção, reitera-se o tensionamento gerado pela
redemocratização do país e as reivindicações dos movimentos sociais pelos
Direitos Sociais, que foram conquistados e promulgados na Constituição
Federal de 1988. Todavia, a partir das políticas neoliberais foram infringidos
diversos avanços conquistados nas últimas décadas.
É neste contexto de tensão, reformas e redefinição do padrão de interven-
ção social do Estado que os Direitos Sociais, contraditoriamente, se assentaram

3 É pertinente enfatizar que o “[...] decreto é também apresentado e comentado didaticamente ao final
do ‘Caderno da PNA’” (BRASIL, 2019, p. 54), lançado em 15 ago. 2019. “[...] Esse documento tem sido
denominado também ‘Guia explicativo da PNA’ ou ‘Cartilha da PNA’” (MORTATTI, 2019a, p. 23).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 35

no PNAIC e na PNA. São expressões de direcionamentos econômicos, polí-


ticos e ideológicos que, articulados e viabilizados pelos governos internacio-
nais e federal, respectivamente, traduzem as propostas para a formação de
professores alfabetizadores no Brasil.
O PNAIC, criado pelo Ministério da Educação, instituído pela Portaria
nº 867, de 4 de julho de 2012 e lançado em 8 de novembro de 2012 (BRA-
SIL, 2012), teve como eixo principal de atuação “[...] a formação continuada
presencial de professores alfabetizadores” (ALFERES, 2017, p. 25). Outro
aspecto importante em relação à formação de professores foi o envolvimento
significativo das Universidades públicas e a oferta de materiais didáticos
(COSSETIN; PILARSKI, 2020).
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Para sustentar as justificativas sobre a criação do PNAIC, o então Minis-


tro de Educação, Aloizio Mercadante Oliva4, apresentou os dados negativos
sobre a não Alfabetização das crianças no Brasil. Assim, o ex-Ministro de
Educação anunciava o PNAIC “[...] como a prioridade das prioridades do
MEC, sendo a Alfabetização o maior desafio histórico que o país deveria
colocar no topo de agenda de todos os gestores do Brasil” (MERCADANTE,
2012 apud ALFERES, 2017, p. 124).
Ademais, o PNAIC representou um compromisso formal, pelo qual o
MEC e as secretarias estaduais e municipais de Educação reafirmaram e
ampliaram o compromisso previsto no Decreto nº 6.094, de 24 de abril de
2007, sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação5. Portanto, o documento visava, no programa de formação de profes-
sores, a melhoria dos índices de Alfabetização. Sendo assim, o compromisso
com a Alfabetização das crianças está expresso no caderno de apresentação
do PNAIC, conforme previsto no Artigo 5º:

I-garantir que todos os estudantes dos sistemas públicos de ensino estejam


alfabetizados, em Língua Portuguesa e em Matemática, até o final do 3º
ano do ensino fundamental; II-reduzir a distorção idade-série na Educação
Básica; III-melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB); IV-contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos profes-
sores alfabetizadores; V-construir propostas para a definição dos direitos
de aprendizagem e desenvolvimento das crianças nos três primeiros anos
do ensino fundamental (BRASIL, 2012, s. p.).

4 Ministro da Educação do Brasil, no período 24 de janeiro de 2012 a 3 de fevereiro de 2014 e 2 de outubro


de 2015 a 12 de maio de 2016, durante o mandato da Presidenta Dilma Vana Rousseff.
5 Sobre a adesão ao PNAIC em 2012 “[...] foi opcional para estados, municípios e distrito federal. Aqueles
que não aderiram em 2012 tiveram a oportunidade de adesão em 2013. E os que não aderiram em 2013
também tiveram a oportunidade de aderir posteriormente” (ALFERES, 2017, p. 26).
36

Ainda, a Portaria nº 867/2012 foi o documento oficial que definiu as


atribuições de cada um dos envolvidos no programa. Então, o grande desafio
anunciado seria o de garantir a plena Alfabetização dos estudantes até o fim do
3º ano do Ensino Fundamental, como mencionado, enfatizando a valorização
do trabalho em grupo por partes dos professores que, por meio da formação
continuada presencial, possibilitaria a reflexão e a troca de conhecimentos.
Com a legislação em vigor, muitas ações do PNAIC se desenvolveram
com o propósito de alcançar os objetivos apresentados, por meio de eixos de
atuação: 1) formação continuada presencial de professores alfabetizadores e seus
orientadores de estudo; 2) materiais didáticos, obras literárias, obras de apoio
pedagógico, jogos e tecnologias educacionais para as escolas; 3) avaliações
sistemáticas; e 4) gestão, mobilização e controle social (BRASIL, 2012, p. 2).

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Ademais, a partir de 2018, último ano de vigência do PNAIC, a Educação
Infantil também passou a fazer parte do público-alvo do Pacto. Com isso, a
formação de professoras e tutores da Educação Infantil enfatizou o desenvolvi-
mento da linguagem oral e escrita em creches e pré-escolas. Assim, é possível
afirmar que o PNAIC representou a possibilidade de uma Política Educacio-
nal para promover o acesso à Alfabetização6 e a garantia de permanência da
criança por um ciclo, sem que fosse excluída do processo por reprovação.
Outrossim, com a posse do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro,
em 1º de janeiro de 2019, políticas e programas educacionais que já estavam fra-
gilizados durante o governo do ex-Presidente da República Michel Temer (2016
a 2018) – que tomou posse após o impeachment da ex-Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff, em 2016 –, foram substituídos, como foi o caso do PNAIC.
A substituição do PNAIC pela PNA – que também é resultado do pro-
cesso de reforma do Estado e da Educação em andamento –, ocorreu por meio
do Decreto nº 9.765/2019 tendo, em seu Artigo 4º, os seguintes objetivos:

I-elevar a qualidade do ensino e da aprendizagem no âmbito da alfabetiza-


ção, da literacia e da numeracia, sobretudo nos primeiros anos do ensino
fundamental, por meio de abordagens cientificamente fundamentadas;
II-contribuir para a consecução das Metas 5 e 9 do Plano Nacional de
Educação [...]; III-assegurar o direito à alfabetização a fim de promover
a cidadania e contribuir para o desenvolvimento social e econômico do
País; IV-impactar positivamente a aprendizagem no decorrer de toda a
trajetória educacional, em suas diferentes etapas e níveis; e V-promover
o estudo, a divulgação e a aplicação do conhecimento científico sobre
literacia, alfabetização e numeracia (BRASIL, 2019, s. p.).

6 A concepção adotada no âmbito do PNAIC é a da Alfabetização na perspectiva do Letramento. Ou seja,


entende-se e defende-se que é preciso que a criança domine o Sistema de Escrita Alfabética, e também
desenvolva habilidades de fazer uso desse sistema em diversas situações comunicativas, com autonomia
(BRASIL. Caderno de Apresentação, ano 3, 2015, p. 21).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 37

Por iniciativa da União e colaboração dos estados, o Distrito Federal e os


municípios, os programas e as ações previstos para promover a Alfabetização
estariam baseados em evidências científicas7 com a finalidade de melhoria na
qualidade da alfabetização e combate ao analfabetismo absoluto e funcional,
tendo como público-alvo todas as etapas e modalidades da Educação Básica
(BRASIL, 2019). No Caderno da PNA (BRASIL, 2019) há a justificativa dos
beneficiários prioritários: “[...] as crianças na primeira infância e os alunos
dos anos iniciais do ensino fundamental, os quais constituem a maior parcela
do público da PNA” (BRASIL, 2019, p. 43).
Sinalizou, também, que para alcançar os “prováveis efeitos e aos resul-
tados esperados” seria necessário que os professores, os gestores educacio-
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nais e as pessoas envolvidas na educação consultassem tanto a literatura


científica nacional quanto a internacional para “[...] conhecer e avaliar o
conhecimento mais recente sobre os processos de ensino e de aprendizagem”
(BRASIL, 2019, p. 20).
Tal perspectiva foi elaborada com a formação de um grupo de trabalho
composto por representantes, como a Secretaria de Alfabetização (Sealf), a
Secretaria de Educação Básica (SEB), a Secretaria de Modalidades Especializa-
das de Educação (Semesp), a Secretaria Executiva (SE), o Gabinete do Ministro,
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (BRASIL, 2019).
Baseado no método fônico, o documento da PNA (BRASIL, 2019) pro-
põe a ênfase do ensino em seis componentes que consideram essenciais para
a Alfabetização: consciência fonêmica, instrução fônica sistemática; fluência
em leitura oral; desenvolvimento de vocabulário; compreensão de textos; e
produção de escrita (BRASIL, 2019). Assim, no caderno da PNA (BRASIL,
2019), a especialista Alessandra Gotuzo Seabra destaca que “[...] programas
de Alfabetização que introduzem as instruções fônicas sistemáticas têm con-
sistentemente mostrado resultados melhores do que programas que não o
fazem” (BRASIL, 2019, p. 33).
Com grande repercussão nos meios de comunicação, principalmente
na televisão, os municípios têm aderido gradativamente mais ao programa
Tempo de Aprender, da PNA. Outrossim, na adesão ao programa Tempo de
Aprender, os estados e municípios poderão receber apoio financeiro, como
recursos para atuação de assistentes de alfabetização e de cobertura de outras

7 A Portaria nº 1.460, de 15 ago. 2019, institui a Conferência Nacional de Alfabetização Baseada em Evidências
– Conabe (BRASIL, 2019) e pela Portaria nº 1.461, de 15 ago. 2019 nomeia os 12 pesquisadores para
compor o painel de especialistas da Conabe (BRASIL, 2019).
38

despesas, como o custeio de materiais pedagógicos. Destarte, no site oficial


do Programa Tempo de Aprender8 é possível acompanhar os números e as
porcentagens dos estados e municípios que já aderiram ao programa, sendo
que dos 27 estados brasileiros, 20 já participam do programa. Ainda, no país,
78,8% dos municípios aderiram.

Tecendo problematizações para compreender o PNAIC e a PNA

No PNAIC e na PNA é possível constatar algumas categorias centrais


que analisamos nesta seção, a saber: avaliação, formação de professores,
materiais didáticos e Alfabetização.

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A avaliação é uma categoria central tanto no PNAIC quanto na PNA,
como consta no Quadro 1:

Quadro 1 – Características centrais da avaliação do PNAIC e da PNA


PNAIC 2012 PNA 2019

Art. 9º O eixo avaliação caracteriza-se por: Art. 9º Constituem mecanismos de avaliação e


I – avaliação do nível de alfabetização, mediante a aplicação monitoramento da Política Nacional de Alfabetização:
anual da Provinha Brasil aos estudantes das escolas I – avaliação de eficiência, eficácia e efetividade de
participantes, pelas próprias redes de ensino, no início e no programas e ações implementados;
final do 2º ano do ensino fundamental; II – incentivo à difusão tempestiva de análises
II – disponibilização pelo INEP, para as redes públicas, devolutivas de avaliações externas e ao seu uso nos
de sistema informatizado para coleta e tratamento dos processos de ensino e de aprendizagem;
resultados da Provinha Brasil; III – desenvolvimento de indicadores para avaliar a
III – análise amostral, pelo INEP, dos resultados registrados eficácia escolar na alfabetização;
após a aplicação da Provinha Brasil, no final do 2º ano; IV – desenvolvimento de indicadores de fluência em
IV – avaliação externa universal do nível de alfabetização ao leitura oral e proficiência em escrita; e
final do 3º ano do ensino fundamental, aplicada pelo INEP. V – incentivo ao desenvolvimento de pesquisas
Art. 11. Caberá ao MEC: acadêmicas para avaliar programas e ações desta
I – aplicar as avaliações externas do nível de alfabetização Política.
em Língua Portuguesa e em Matemática, para alunos
concluintes do 3º ano do ensino fundamental;
Art. 13. Caberá aos Estados e ao Distrito Federal:
II – promover a participação das escolas de sua rede de
ensino nas avaliações realizadas pelo INEP;
IX – monitorar, em colaboração com os municípios e com o
MEC, a aplicação da Provinha Brasil e da avaliação externa,
a entrega e o uso dos materiais de apoio à alfabetização,
previstos nesta Portaria;
Art. 14. Caberá aos Municípios:
II – promover a participação das escolas da rede nas
avaliações realizadas pelo INEP.

Fonte: PNAIC, Portaria nº 867/2012; PNA, Decreto nº


9.765/2019. Elaboração das pesquisadoras (2021).

8 Disponível em: http://alfabetizacao.mec.gov.br/tempo-de-aprender. Acesso em: jun. 2021.


ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 39

Ambos documentos apresentam e propõem a avaliação em larga escala


e, com isso, o controle da atividade docente. Na PNA, essa característica
intensifica-se e implica em uma nova abordagem curricular e de controle
pelo Estado. Não se pode negar, portanto, que tanto – PNAIC e PNA – são
políticas elaboradas a partir da implementação do neoliberalismo, sendo a
PNA, em um contexto ultraconservador que se reflete em uma ideologia
fundamentalista de extrema-direita.
Desse modo, apesar de não se diferenciarem quanto ao contexto de ela-
boração, no PNAIC houve avanços ao proporcionar um debate amplo com
diversos segmentos da sociedade. Já a PNA, quando proposta, parte de um
grupo de trabalho de estreita relação empresarial e sem opção de debate – não
passa de uma proposta revisionista, como alerta Mortatti (2019a).
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Ainda, no PNAIC, além das características da avaliação, estavam men-


cionadas as responsabilidades que caberiam ao MEC, aos estados e Distrito
Federal e aos municípios. Previa-se, ainda, a avaliação da alfabetização, por
meio da aplicação anual da Provinha Brasil ao início e ao final do 2º ano, além
de avaliação externa da alfabetização ao final do 3º ano” (WAGNER, 2017).
Alferes (2017) aponta que o PNAIC não mencionava a avaliação ins-
titucional. Já a PNA, Art. 9º, dispõe sobre “os mecanismos de avaliação e
monitoramento” e sustenta, no Inciso I, a “avaliação de eficiência, eficácia e
efetividade de programas e ações implementados”. Ainda, cumpre destacar
que no capítulo V, da implementação, Artigo 8º, “A Política Nacional de
Alfabetização será implementada por meio de programas, ações e instrumen-
tos que incluam”, entre outros e, o “Inciso XIII – incentivo à elaboração e à
validação de instrumentos de avaliação e diagnóstico” (BRASIL, 2019, s. p.).
Outrossim, no Caderno da PNA (BRASIL, 2019), pontua-se que

A avaliação e o monitoramento constituem parte essencial de uma política


pública. [...] o objetivo proposto, a produção de resultados confiáveis, a
identificação de problemas no percurso, a eficácia no uso de recursos públi-
cos, fica evidente a importância desses mecanismos (BRASIL, 2019, p. 45).

Depreende-se com os enunciados da PNA a tendência de que os resulta-


dos das avaliações visam responsabilizar os professores, os alunos e as famílias
pelo fracasso e/ou sucesso no processo de Alfabetização. Essa tornou-se, na
realidade, uma tendência da Política Educacional brasileira que expressa o
princípio liberal da individualidade e da continuidade das políticas neoliberais.
É possível observar, ainda, que ainda na década de 1990 foram imple-
mentadas políticas de avaliação que, endogenamente, ganharam força e se
integraram “[...] ao movimento mundial de proposições avaliativas para a
educação, seguindo [...] agenda globalmente estruturada para a educação”
(ZANARDINI, 2008, p. 20).
40

Assim como a avaliação, a formação de professores é outra categoria de


destaque que iremos apresentar nos quadros 2 e 3, identificando as caracterís-
ticas centrais da formação dos professores, respectivamente do PNAIC e da
PNA. Assim, constata-se que no PNAIC estão descritas as responsabilidades
que caberiam ao MEC, às Instituições de Ensino Superior, aos Estados, Distrito
Federal e aos municípios; na PNA, contudo, estão ausentes.

Quadro 2 – Características centrais da formação de professores no PNAIC


PNAIC 2012

Art. 2º Ficam instituídas as ações do Pacto, por meio do qual o MEC, em parceria com instituições de ensino
superior, apoiará os sistemas públicos de ensino dos Estados, Distrito Federal e Municípios na alfabetização e

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no letramento dos estudantes até o final do 3º ano do ensino fundamental, em escolas rurais e urbanas, e que
se caracterizam:
I – pela integração e estruturação, a partir do eixo Formação Continuada de Professores Alfabetizadores, de
ações, materiais e referências curriculares e pedagógicas do MEC que contribuam para a alfabetização e o
letramento;
Art. 5º As ações do Pacto têm por objetivos:
IV – contribuir para o aperfeiçoamento da formação dos professores alfabetizadores;
Art. 6º As ações do Pacto compreendem os seguintes eixos:
I – formação continuada de professores alfabetizadores;
Art. 7º O eixo formação continuada de professores alfabetizadores caracteriza-se por:
I – formação dos professores alfabetizadores das escolas das redes de ensino participantes das ações do Pacto;
II – formação e constituição de uma rede de professores orientadores de estudo.
Art. 11º Caberá ao MEC: V – promover, em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES), a formação dos
orientadores de estudo e dos professores alfabetizadores nas redes de ensino que aderirem às ações do Pacto;
V – conceder bolsas de apoio para incentivar a participação dos orientadores de estudo e dos professores alfabe-
tizadores nas atividades de formação nas redes de ensino que aderirem às ações do Pacto;
Art. 12º Caberá às IES:
I – realizar a gestão acadêmica e pedagógica do curso de formação;
II – selecionar os formadores que ministrarão o curso de formação aos orientadores de estudo;
III – assegurar espaço físico e material de apoio adequados para os encontros presenciais da formação dos pro-
fessores orientadores de estudo;
IV – certificar os professores orientadores de estudos e os professores alfabetizadores que tenham concluído o
curso de formação;
V- apresentar relatórios parciais e finais sobre a execução do curso de formação, no modelo e dentro dos prazos
estipulados nos planos de trabalho pelo MEC.
Art. 13º Caberá aos Estados e ao Distrito Federal:
VIII – fomentar e garantir a participação dos professores alfabetizadores de sua rede de ensino nas atividades de
formação, sem prejuízo da carga-horária em sala de aula, custeando o deslocamento e a hospedagem, sempre
que necessário;
Art. 14 Caberá aos Municípios: VI – indicar os orientadores de estudo de sua rede de ensino e custear o seu
deslocamento e a sua hospedagem para os eventos deformação;
VII – fomentar e garantir a participação dos professores alfabetizadores de sua rede de ensino nas atividades de
formação, sem prejuízo da carga-horária em sala de aula, custeando o deslocamento e a hospedagem, sempre
que necessário;

Fonte: PNAIC, Portaria nº 867/2012; PNA, Decreto nº


9.765/2019. Elaboração das pesquisadoras (2021).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 41

Quadro 3 – Características centrais da formação de professores na PNA


PNA 2019

Art. 8º A Política Nacional de Alfabetização será implementada por meio de programas, ações e instrumentos
que incluam:
VII – estímulo para que as etapas de formação inicial e continuada de professores da educação infantil e
de professores dos anos iniciais do ensino fundamental contemplem o ensino de ciências cognitivas e suas
aplicações nos processos de ensino e de aprendizagem;
VIII – ênfase no ensino de conhecimentos linguísticos e de metodologia de ensino de língua portuguesa e
matemática nos currículos de formação de professores da educação infantil e de professores dos anos iniciais do
ensino fundamental;
XII – incentivo à formação de gestores educacionais para dar suporte adequado aos professores da educação
infantil, aos professores do ensino fundamental e aos alunos;
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Fonte: PNAIC, Portaria nº 867/2012; PNA, Decreto nº


9.765/2019. Elaboração das pesquisadoras (2021).

Assim, as proposições do PNAIC, concentravam-se em

[...] oferecer formação continuada aos professores, incentivá-los com


concessão de bolsas de estudos, oferecer materiais que direcionam as
ações em sala de aula e controlar os resultados por meio da Avalia-
ção Nacional da Alfabetização, buscando atingir as metas do PNE e a
porcentagem máxima de crianças alfabetizadas no 3° ano do Ensino
Fundamental I, até o ano de 2024. [...] são ações, que denunciam a preo-
cupação central, que é a melhora de índices quantitativos e, apreende-se
a formação mínima – Língua Portuguesa e Matemática (COSSETIN;
PILARSKI, 2020, p. 142).

Ainda, de acordo com Wagner (2017), para a formação continuada dos


professores alfabetizadores estiveram envolvidas, universidades públicas e
centros de pesquisa responsáveis pela coordenação e organização da formação;
assim, tal formação objetivou desenvolver uma perspectiva multiplicadora,
em que os professores, “[...] participaram da formação no município com os
orientadores de estudos” (WAGNER, 2017, p. 17).
Ao pesquisarmos sobre os critérios adotados pelo MEC para seleção e
definição das instituições de ensino superior para realização da formação de
professores, não encontramos informações explícitas na Proposta. Contudo, ao
buscarmos nas diretrizes da formação continuada, na Rede Nacional de For-
mação Continuada (BRASIL, 2006), constatamos que os referenciais teóricos
do Programa estavam em acordo com as universidades públicas cadastradas
e seus respectivos centros de pesquisa.
42

Neste sentido, os estudos e pesquisas sobre a formação continuada de


professores do PNAIC apontaram aspectos relevantes, dentre eles: a troca
de experiências; a compreensão sobre o encaminhamento das aulas, tor-
nando-as diversificada e considerando as características de cada aluno; a
permanência dos professores nas turmas de Alfabetização; o investimento
em construção de materiais didáticos e pedagógicos para trabalhar com os
alunos; e o pagamento de bolsas para os professores participantes (ALFE-
RES; MAINARDES, 2019).
Ademais, na PNA (BRASIL, 2019) a formação de professores é consi-
derada um dos pilares da política. Destaca-se, então, o atendimento especí-
fico na área de Alfabetização aos docentes que trabalhavam com as diferentes

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modalidades da educação: “Essas ações incluirão metodologias próprias a esses
públicos, sempre com respaldo no que propõe o estado da arte do conhecimento
científico” (BRASIL, 2019, p. 37). Ainda, o documento sinaliza a necessidade
de criação e desenvolvimento de materiais didáticos próprios para cada moda-
lidade de ensino: Educação especial, Educação bilíngue e Educação indígena
(BRASIL, 2019, p. 37). No entanto, não está definido o responsável pela distri-
buição dos materiais didáticos, sendo utilizados, em alguns incisos do Art. 8º,
os termos “promoção”, “estímulo” e “incentivo”. Além disso, a ausência de
delimitação específica também ocorre em relação à formação dos professo-
res alfabetizadores.
Cumpre lembrar que a formação continuada para professores no Bra-
sil, particularmente a partir de 1990, tem sido motivo de diversos estudos
devido aos pressupostos teórico-metodológicos que sustentaram a concepção
de ensino e de aprendizagem pautada na prática em detrimento da teoria.
Nesse sentido, as Políticas Públicas para a formação continuada dos profes-
sores estiveram vinculadas às reformas curriculares e aos novos paradigmas
de conhecimento nos diferentes domínios teóricos que fundamentaram os
conteúdos curriculares da Educação Básica.
Por fim, no Quadro 4, compara-se a concepção de Alfabetização pre-
sente no PNAIC e na PNA, sendo notável a importância de compreendê-
-la para contribuir com o avanço na qualidade do processo de ensino e
de aprendizagem.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 43

Quadro 4 – Características centrais sobre a concepção


de Alfabetização do PNAIC e da PNA
PNAIC PNA

A concepção adotada no âmbito do PNAIC é a A PNA, com base na ciência cognitiva da leitura, define alfabetização
da Alfabetização na perspectiva do Letramento. como o ensino das habilidades de leitura e de escrita em um sistema
Ou seja, entende-se e defende-se que é preciso alfabético. Sistema alfabético é aquele que representa com os caracteres
que a criança domine o Sistema de Escrita Al- do alfabeto (letras) os sons da fala.
fabética, mas que também desenvolva habili- Ao aprender as primeiras regras de correspondência entre grafema fo-
nema/fonema-grafema, a pessoa começa a decodificar, isto é, a extrair de
dades de fazer uso desse sistema em diversas
uma sequência de letras escritas a sua forma fonológica (ou pronúncia),
situações comunicativas, com autonomia.
e a codificar, isto é, a combinar em sinais gráficos (letras ou grafemas) os
sons produzidos na fala. Em outras palavras, começa a ler e a escrever.
O ensino dessas habilidades de leitura e de escrita é que constitui o pro-
cesso de alfabetização. Em um sistema de escrita que não seja alfabético
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(como o ideográfico, usado na China e no Japão), somente se pode falar


de alfabetização por analogia; com mais propriedade se há de falar em
literacia, que consiste no ensino e na aprendizagem das habilidades de
leitura e de escrita, independentemente do sistema de escrita utilizado.

Fonte: PNAIC, Portaria nº 867/2012; PNA, Decreto nº


9.765/2019. Elaboração das pesquisadoras (2021).

Assim, a concepção de Alfabetização que se apresentava na proposta do


PNAIC para o ensino da leitura e da escrita compreendia a Alfabetização como
aquisição do Sistema de Escrita Alfabética (SEA) na proposição do “alfabeti-
zar letrando” (WAGNER, 2017). Em contraposição, na PNA a Alfabetização
é baseada em evidências, ou seja, em políticas e prática educacionais

[...] orientadas pelas melhores evidências em relação aos prováveis efeitos


e aos resultados esperados, exigindo que professores, gestores educacionais
e pessoas envolvidas na educação consultem a literatura científica nacio-
nal e internacional [...] sobre os processos de ensino e de aprendizagem
(BRASIL, 2019, p. 20).

Nesse sentido, na PNA, a literacia corresponde ao conjunto de conhe-


cimentos, habilidades e atitudes relacionados à leitura e à escrita, bem como
sua prática produtiva, descrevendo os diferentes níveis de literacia – básica,
intermediária e disciplinar (BRASIL, 2019).
A PNA está fundamentada teoricamente nas ciências cognitivas9, com
ênfase na Ciência Cognitiva da Leitura, para subsidiar a prática de ensino
da língua escrita. Sobre isso, Monteiro (2019, p. 41) salienta que “[...] essa

9 No final da década de 1950 e início da década de 1960, pequenos grupos de pesquisadores, principalmente
das áreas de linguística, neurociência, psicologia, antropologia, filosofia da mente e, de forma destacada,
inteligência artificial, se propuseram a responder em que consiste a mente ou a cognição. [...] assentando
as bases conceituais e metodológicas para a compreensão interdisciplinar da mente e dando origem à assim
chamada “ciência cognitiva” (MOLINA; JUNGES, 2020, p. 258).
44

área do conhecimento é uma importante referência para o encaminhamento


das práticas pedagógicas na fase inicial da aprendizagem da língua escrita”.
Todavia, compreende-se que ao adotar somente

[...] uma área do conhecimento como orientadora da prática escolar de alfa-


betização, corre-se o risco de transformar o ensino nas escolas públicas em
orientações limitadas dos processos de aprendizagem dos alfabetizandos,
fazendo ressurgir parâmetros de sucesso e/ou de fracasso escolar que histo-
ricamente foram ineficazes tanto para explicar o fenômeno da alfabetização
quanto para promover a qualidade da educação (MONTEIRO, 2019, p. 41).

Na análise sobre o processo de Alfabetização, enfatizamos o estudo de

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Brotto (2008) quando assevera “[...] que embora a criança não domine a lei-
tura e a escrita de modo sistematizado, escolarizado, é capaz de reconhecer e
estabelecer vínculos entre a escrita e o sentido, conforme o contexto em que é
utilizada essa forma de linguagem” (BROTTO, 2008, p. 17). Assim, a criança
faz leituras incidentais e inferências linguísticas, de acordo com a forma gráfica
de letras e/ou palavras, cor, tamanho e som. Neste ínterim, ao ensinar letras
apartadas de seu significado contextual, ou seja, “[...] sem sentido, temos que
admitir então que seu ensino está voltado para a língua morta. Um ensino que
retira a linguagem das condições sociais de uso” (BROTTO, 2008, p. 17).
Ademais, a análise de Piccoli (2019), quando compara a PNA com o
PNAIC, sinaliza que

[...] eleva-se a ciência cognitiva da leitura à posição salvacionista [...] sob a


retórica das evidências científicas [...]. Impõe-se, assim, uma verdade única,
em substituição à pluralidade de abordagens conceituais e metodológicas
na alfabetização, tão bem discutida no PNAIC (PICCOLI, 2019, p. 105).

Ainda, sobre o PNA, particularmente aos diversos enunciados de Alfa-


betização e seus respectivos conceitos, Mortatti (2019a) destaca:

[...] os problemas da alfabetização no Brasil são causados pelo “construti-


vismo”, pelo “letramento” e pelo “método Paulo Freire”; [...] os problemas
da alfabetização no Brasil serão superados com um novo “método”, o
fônico/instrução fônica; [...] o método fônico/instrução fônica é a solução
nova e científica para os problemas da alfabetização no Brasil, porque é o
único fundamentado em evidências científicas; [...] as neurociências e as
ciências cognitivas (da leitura, em especial) são os únicos fundamentos
científicos da alfabetização; [...] o conceito de alfabetização como ‘ensino
das habilidades de leitura e de escrita em um sistema alfabético, a fim de
que o alfabetizando se torne capaz de ler e escrever palavras e textos com
autonomia e compreensão’ (MORTATTI, 2019a, p. 27).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 45

Neste sentido, a autora questiona tais premissas e enfatiza a importância de


basear-se em conhecimentos científicos, produzidos historicamente, por pesqui-
sadores e professores alfabetizadores experientes, tanto nacionalmente, quanto
internacionalmente e, não apenas um único método (MORTATTI, 2019a).
Além disso, a PNA foi construída sem uma ampla discussão com os
representantes da comunidade acadêmica e científica ou com alfabetizadores
brasileiros e estrangeiros. Ao realizar análise da concepção de Alfabetização
presente na PNA, Monteiro (2019) afirma ser uma política desalinhada do
movimento histórico e proveniente do campo educacional do país que retoma
ideias e problemas educacionais das décadas 1960 e 1970, os quais estão
ancorados no fracasso da alfabetização das crianças como resultado da falta de
estrutura ou desinteresse das famílias (MONTEIRO, 2019). Ademais, Macedo
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(2020) destaca que a PNA

É uma Política importada por meio de imitação de outros países ricos


(EUA, Reino Unido), argumentado em uma alfabetização baseado em
evidências, com cunho positivista. Porém não se leva em consideração
o investimento do poder público destes países ricos, que contribuem de
forma decisiva na alfabetização das crianças. Boas bibliotecas, estrutura
de escola que é equipada, educação em tempo integral (MACEDO, 2020).

Pode-se depreender que tais elementos apontados pela autora sobre as


especificidades brasileiras ao tratar-se do financiamento da Educação Pública
não são completamente logrados no Brasil, o que não significa que essa con-
dição não seja do conhecimento do MEC. Assim, anuncia-se uma Política de
Alfabetização a ser seguida, mas não se deixa claro quais os processos a serem
adotados ou o investimento para que a Política seja de fato implementada.
Ao instituir a PNA, “[...] interrompe-se anos de pesquisas e estudos, que
vinham focando na importância da cultura escrita, para combater o fracasso da
Alfabetização, com diversos programas como: PNAIC e Programa Nacional
de Biblioteca Escolar” (MACEDO, 2020). Ainda, Macedo (2020) nos alerta
para o fato de que ao instituir tal Política,

O governo decidiu ignorar todo e qualquer conhecimento científico acu-


mulado historicamente de pesquisas relacionadas à área da alfabetização,
negando produções científicas estudadas até o momento, uma alfabetização
baseada em evidências. [...] retoma-se uma concepção de alfabetização do
início do século XX, [...] baseada em uma visão mecanicista (fonemas e
letras), e em métodos sintéticos (MACEDO, 2020).

Cardoso, Rodrigues, Bertoldo e Soares (2020) destacam não ser função


do MEC orientar o método de Alfabetização ou uma única abordagem teórica
46

e “[...] ao indicar o método fônico como a única metodologia para a apren-


dizagem da leitura e da escrita o MEC fere a autonomia dos professores, das
secretarias estaduais e municipais de Educação” (CARDOSO; RODRIGUES;
BERTOLDO; SOARES, 2020).
Ademais, Mortatti (2019b) chama atenção para o paradoxo central da
PNA que “[...] decorre, portanto, não de seu previsível caráter autoritário e
antidemocrático, mas de contradições” (MORTATTI, 2019b, p. 44) como,
por exemplo, na tentativa de

[...] “intervenção máxima” na alfabetização, por meio da imposição auto-


ritária de ações pautadas em princípios do ultraconservadorismo político,
conjugados com fundamentalismo científico-religioso, e uma aparente

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contradição com os princípios do “Estado mínimo”, pautados pelo neo-
liberalismo ao qual se alinha (de modo subserviente e com mentalidade
colonizada, a países e organismos internacionais) a política econômica do
atual governo federal, com objetivo de implementar agenda de privatização
das empresas e serviços públicos, a fim de beneficiar interesses “do mer-
cado”, ou seja, de grupos de empresários, rentistas, banqueiros, principais
segmentos da população responsáveis pela eleição do atual Presidente da
República (MORTATTI, 2019b, p. 44, grifos da autora).

Neste sentido, uma Política Pública precisa considerar o sujeito que irá
contemplar, bem como o ambiente em que estão inseridos. Ao criar uma Polí-
tica, deve-se analisar quais são os objetivos, quais serão os programas desen-
volvidos. Portanto, Macedo (2020) destaca que “[...] é preciso ter como ponto
de partida uma análise profunda das desigualdades sociais, cultural e econômica
do país”, para que as metas da Política sejam alcançadas e de forma igualitária.
Assim sendo, discutir a Alfabetização, sobretudo caminhos possíveis
para enfrentar os desafios que envolvem o processo de constituição da Política
Pública e de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita, deve-se pautar na
construção do diálogo com os sujeitos; isto é, o professor alfabetizador que
atua em sala de aula, a comunidade acadêmica e os dirigentes e responsáveis
pela implantação e implementação de Políticas Públicas Educacionais brasi-
leiras precisam participar ativamente das definições e, não apenas recebê-las
como verdade absoluta.

Considerações finais

O texto proposto examinou as Políticas Públicas de Alfabetização no


Brasil, com destaque para dois documentos norteadores: o PNAIC (BRASIL,
2012) e a PNA (BRASIL, 2019). A análise do proposto nos documentos nos
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 47

levou a apreender que o PNAIC apresentava como um dos eixos centrais a


formação continuada de professores, que foi apontada por inúmeros pesqui-
sadores como uma das mais promissoras possibilidades de reverter os índices
elevados de analfabetismo, o baixo desempenho escolar e a distorção idade-ano.
Pode-se dizer, portanto, que o PNAIC contribuiu para a formação dos
professores, sendo que um dos princípios formativos estava relacionado ao
aperfeiçoamento e aprofundamento de conhecimentos por meio de trocas de
experiências e de trabalho em grupo, em que teoria e prática se articulavam
na produção de situações didáticas voltadas ao processo de Alfabetização das
crianças. Assim, objetivava a aquisição da leitura e da escrita com diferentes
textos e a partir de diferentes situações sociais.
Com o encerramento do PNAIC foi instituída a PNA, cujo objetivo prin-
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cipal está relacionado à melhoria da qualidade de ensino e da aprendizagem


no âmbito da Alfabetização. A PNA, então, sobretudo nos primeiros anos do
Ensino Fundamental, anuncia visar à elevação da qualidade do ensino e da
aprendizagem no âmbito da alfabetização, da literacia e da numeracia, bem
como contribuir para o desenvolvimento social e econômico do país. Assim,
sustenta sua base na ciência cognitiva, com ênfase na ciência cognitiva da
leitura, e define a Alfabetização como o ensino das habilidades de leitura e
de escrita em um sistema alfabético.
Neste ínterim, a ciência cognitiva é uma área de conhecimento com
referências importantes para o encaminhamento das práticas pedagógicas na
fase inicial da aprendizagem da língua escrita, porém compreende-se que a
ação pedagógica não pode se desenvolver a partir de um único referencial
teórico, limitando o processo de aprendizagem dos alunos na fase da Alfabe-
tização. Isso significa que ao desconsiderar as outras áreas do conhecimento,
como das ciências linguísticas e pedagógicas, limita as possibilidades da ação
educativa nas escolas, vinculando apenas o desenvolvimento de habilidades
de consciência fonêmica e da decodificação das palavras.
Ademais, na PNA indica-se a tendência de um movimento que se con-
fronta com os estudos historicamente produzidos sobre a Alfabetização. Uma
Política, conforme pontua Monteiro (2019), instituída com princípios que
podem trazer à tona ideias e problemas educacionais, predominantes nas
décadas de 1960 e 1970, que responsabilizavam o fracasso na Alfabetização
das crianças à estrutura e ao desinteresse familiar.
Coadunando-se com essa análise, Mortatti (2019b) adverte que a PNA
integra o projeto político-ideológico neoliberal e ultraconservador do atual
governo federal e estrategicamente articula-se às demais medidas de destrui-
ção dos avanços democráticos que, nas últimas décadas, foram conquistados
pela população brasileira.
48

Por fim, em análise ao proposto no PNAIC e na PNA, inferimos que:


o PNAIC foi um programa criado pelo MEC, cuja implementação ocorreu
por meio da participação de diferentes atores – universidades públicas, pes-
quisadores e professores alfabetizadores; já a PNA foi instituída por Decreto
presidencial e, portanto, com ausência de ampla discussão com representantes
da comunidade acadêmica e científica, pesquisadores da área da Alfabetização
e com os próprios alfabetizadores.
Tanto o PNAIC quanto a PNA são Políticas que remetem, em sua gênese,
às reformas iniciadas na década de 1990 e, consequentemente, responderam/
respondem aos compromissos anunciados internacionalmente, especialmente
com a expansão e a centralidade nos anos iniciais da Educação Básica. Cumpre
lembrar, também, que tais políticas foram criadas em decorrência da promulga-

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ção de determinada legislação nacional como, por exemplo, o Plano Nacional de
Educação de 2001-2011 (BRASIL, 2001) e o de 2014-2024 (BRASIL, 2014).
Sobre as avaliações, no PNAIC estava delineado como seriam realiza-
das com os professores, com os alunos e com o próprio programa. Então,
estava evidente como era a oferta dos cursos de formação e quem seriam
os responsáveis pelo seu desenvolvimento. Em relação a PNA, observou-se
que se trata de uma Política com a ausência de informações sobre o processo
de implementação e de avaliação, isto é, sobre quais serão os meios para se
atingir todos os objetivos propostos e como serão avaliados.
Por fim, constatou-se que o PNAIC, mesmo com críticas pertinentes
que recebeu de pesquisadores das políticas de Alfabetização, teve relevância
para a formação de professores e contribuiu para a melhoria da qualidade da
Alfabetização. Quanto à PNA, não obstante que seja uma política recente,
apreende-se seu caráter de Política que desconsidera parte da história da Alfa-
betização brasileira. Ao retomar conceitos já superados e sustentar a utilização
de um único método para a apropriação da leitura e da escrita, nos faz inferir
que é um retrocesso para a Educação Brasileira.
Todavia, o debate sobre a concepção de Alfabetização instiga a reescre-
ver e confirmar, nas salas de aula, as práticas que consideram a trajetória da
Alfabetização no Brasil, bem como a própria valorização do conhecimento
científico, historicamente produzido sobre a temática, e adquirido pelos pro-
fessores alfabetizadores.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 49

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ARGUMENTOS DO BANCO MUNDIAL
SOBRE A CRISE DE APRENDIZAGEM1
Dhyovana Guerra
Amanda Melchiotti Gonçalves
Simone Sandri
Ireni Marilene Zago Figueiredo

Introdução
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O Banco Mundial2 – BM opera, essencialmente, na concessão de emprés-


timos a países-membros e desenvolve um conjunto de estudos e consultorias
para governos sobre temas como pobreza, agricultura, indústria, questões
ambientais, entre outros conteúdos voltados às políticas públicas. Na educação,
sua produção intelectual visa, sobretudo, diagnosticar problemas educacio-
nais e propor soluções que, frequentemente, abrangem reformas econômicas
e sociais para diversos setores da sociedade. Com isso, produz orientações e
diretrizes voltadas para a educação, com o intuito de debater questões interna-
cionais, especialmente formação de capital humano, atendimento das neces-
sidades educacionais básicas e alívio/administração da pobreza.
Iniciadas na década de 1990, as proposições do BM transitavam sob as
formulações ‘educação para todos’, ‘aprendizagem para todos’ e indicavam a
educação primária3 como uma necessidade educacional básica para a formação
de capital humano e alívio da pobreza:

Estudos do Banco Mundial no início da década de 1980 mostraram taxas


relativamente altas de retorno dos investimentos na educação primária
(Psacharopoulos e Woodhall 1985). Pesquisas mais recentes mostram
que são os conhecimentos e habilidades adquiridos durante a educação

1 Texto publicado originalmente na Revista Retratos da Escola, v. 16, n. 35, p. 591-611, maio/ago. 202.
2 Considera-se que o Banco Mundial e o Grupo Banco Mundial são distintos (cf. GUERRA; FIGUEIREDO, 2021).
3 Nos documentos do BM, ‘educação primária’ corresponde à escolarização a partir de seis anos de idade
até, aproximadamente, 11 anos. A educação secundária é subdivida em secundária baixa (12 a 15 anos
de idade) e secundária alta (15 a 18 anos de idade). No Brasil, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional – LDB nº 9.394/1996 a Educação Básica está estruturada em Educação Infantil (0 a
5 anos de idade), Ensino Fundamental (a partir de 6 anos de idade até 14 anos de idade) e Ensino Médio
(15 a 17 anos de idade) (BRASIL, 1996). A obrigatoriedade da educação foi estipulada por faixa etária e
não por etapas da Educação Básica, portanto, conforme prevê Art. 208 da Constituição Federal (1988), no
inciso I, o Estado deve oferecer a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessetes)
anos de idade (BRASIL, 1998).
52

primária, e não o número de anos de escolaridade completados, que fazem


a diferença na mobilidade econômica pessoal (Glewwe 2002) e no cres-
cimento econômico nacional (Coulombe, Tremblay e Marchand 2004;
Hanushek e Kimko 2000). Assim, na medida em que os investimentos
públicos na educação primária são eficazes na transmissão desses resulta-
dos de aprendizagem, o apoio à educação primária é central para o mandato
de redução da pobreza do Banco Mundial (WORLD BANK, 2006, p. 3).

A relação direta entre conhecimentos e habilidades adquiridas na edu-


cação primária e o desenvolvimento econômico direcionou as escolhas do
Brasil, nos anos 1990, pela obrigatoriedade apenas do ensino fundamental,
sob a alegação de que não é importante a quantidade de anos de escolaridade,

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mas a eficiência na aplicação dos recursos públicos. De acordo com as afir-
mações do Banco Mundial:

O compromisso do Banco Mundial com a educação primária universal


remonta ao seu Documento de Política do Setor de Educação de 1980,
que enfatizou pela primeira vez as taxas relativamente altas de retorno à
educação primária (Banco Mundial 1980). O documento de política do
Banco de 1990, Educação Primária, retratou a educação primária como a
base do desenvolvimento do capital humano de um país (Banco Mundial
1990) (BANCO MUNDIAL, 2006, p. 4).

A centralidade da educação primária para o desenvolvimento de capital


humano e, consequentemente, redução da pobreza, anunciada na década de
1990, fazia parte da agenda pautada nos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio – ODM, para o retorno da ‘qualidade educacional’. Em 2015, os
ODM foram reorganizados em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável –
ODS, acompanhados da pretérita ‘educação de qualidade’, que permanece na
agenda mundial. Após o estabelecimento dos ODS e a expansão da educação
primária nos países pobres, o Banco Mundial tem destacado que o acesso à
educação não é o suficiente para se alcançar a educação de qualidade:

Nos últimos 50 anos, a escolaridade expandiu-se dramaticamente na maio-


ria dos países de baixa e média renda. Em alguns países, essa expansão
tem ocorrido em taxas sem precedentes históricos. Outro padrão é a rápida
expansão da educação pós-primária, embora muitos jovens permaneçam
excluídos até mesmo da educação primária. Assim, mesmo em países com
fortes expansões de escolaridade, persistem exclusões devido à pobreza,
gênero, etnia, deficiência e localização. Países frágeis e pós-conflito tam-
bém continuam sendo exceções gritantes ao boom global da escolaridade
(WORLD BANK, 2018, p. 58).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 53

Após a focalização no acesso à educação básica – especialmente após a


educação primária ter sido alterada significativamente nos países –, a exclusão
por conta de pobreza, etnia, gênero etc., ainda permanece e contribui para
uma crise de aprendizagem, segundo as afirmações do Banco Mundial (2018).
Levando em conta esse pressuposto, analisa-se neste artigo a ideia de crise
de aprendizagem que sustenta o processo de ressignificação e intensificação
das reformas educacionais no Brasil, iniciadas na década de 1990 e que estão
em continuidade. Tais reformas podem ser identificadas no ensino médio (Lei
nº 13.415/2017), na implementação da Base Nacional Comum Curricular –
BNCC e na constituição do novo Sistema de Avaliação da Educação Básica
– SAEB4, entre outras políticas educacionais em reformulação. A questão nor-
teadora da nossa reflexão é: como a noção de crise de aprendizagem anunciada
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pelo BM sustenta a ressignificação e a intensificação das recentes reformas


educacionais brasileiras?
Essa problemática se desenvolve a partir de pesquisa documental e biblio-
gráfica, de abordagem qualitativa, com análise das seguintes fontes primárias:
From Schooling Access to Learning Outcomes: An Unfinished Agenda An
Evaluation of World Bank Support to Primary Education (WORLD BANK,
2006); Aprendizagem para Todos – Investir nos Conhecimentos e Competên-
cias das Pessoas para Promover o Desenvolvimento (BANCO MUNDIAL,
2011) e Informe sobre el desarrollo mundial 2018 – Aprender para hacer
realidad la promesa de la educación (BANCO MUNDIAL, 2018). As fontes
secundárias correspondem aos/às autores/as que discutem as reformas educa-
cionais brasileiras desde 1990 e como as reformas atuais se relacionam com
a reforma do Estado brasileiro em 1995.
Para responder ao questionamento, o artigo está organizado em duas
seções. Na primeira, apresentamos a reforma do Estado brasileiro da década
de 1990, visando apreender a relação entre as reformas educacionais e a cha-
mada crise de aprendizagem identificada pelo BM. Pontuamos que tal crise
está associada aos princípios administrativos de cunho gerencial. A educa-
ção brasileira, em especial a escola pública, tem passado por um conjunto
de reformas nas dimensões do currículo, da avaliação, do financiamento, da
formação de professores/as, entre outras. Na segunda seção, analisamos a
crise de aprendizagem apontada pelo BM, observando que tal crise sustenta
as ressignificações para intensificar as reformas educacionais brasileiras ini-
ciadas na década de 1990 e justificam as recentes reformas educacionais. Por
fim, tecemos algumas considerações sobre esse movimento de ressignificação

4 Portaria nº 10, de 8 de janeiro de 2021 que estabelece parâmetros e fixa diretrizes gerais para implementa-
ção do Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb, no âmbito da Política Nacional de Avaliação da
Educação Básica.
54

e intensificação das reformas educacionais brasileiras e como, por meio da


anunciada crise da aprendizagem, é possível identificar a continuidade dos
argumentos gerencialistas pautados na teoria do capital humano.

Reformas educacionais brasileiras de 1990 e a relação com a


reforma do Estado brasileiro de 1995

A partir de 1970, com o processo de reestruturação produtiva desenca-


deado pela crise estrutural do capital e a consequente decadência do regime de
acumulação taylorista-fordista, a política neoliberal assumiu o arcabouço legal
das instituições de mercados de livre funcionamento e livre comércio, com

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forte predominância de direitos e liberdades individuais e propriedade privada
(HARVEY, 2014). No Brasil, as políticas neoliberais foram consubstanciadas
por meio de cinco metas: estabilização (de preços e das contas nacionais);
privatização (dos meios de produção e das empresas estatais); liberalização (do
comércio e dos fluxos de capital); desregulamentação (da atividade privada)
e austeridade fiscal (restrições aos gastos públicos) (PETRAS, 1997). Nesse
processo, as estratégias econômicas e políticas responderam às orientações
de organismos internacionais, com destaque para o BM e a Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO.
Com relação às proposições do Banco Mundial para a reforma de caráter
neoliberal do Estado brasileiro em 1995, inicialmente conduzidas pelo Minis-
tério da Administração da Reforma do Estado – MARE, anunciou-se que a
superação da ineficiência do Estado passaria por diminuição do orçamento
para as políticas públicas, privatizações e repasse dos serviços sociais aos
setores privados e/ou aos denominados “público não-estatal”, pois:

As distorções e ineficiências que daí resultaram deixaram claro, entre-


tanto, que reformar o Estado significa transferir para o setor privado as
atividades que podem ser controladas pelo mercado. Daí a generalização
dos processos de privatização de empresas estatais. Neste plano, entre-
tanto, salientaremos um outro processo tão importante quanto, e que no
entretanto não está tão claro: a descentralização para o setor público não-
-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder
de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos
serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica. Chamaremos
a esse processo de “publicização” (BRASIL, 1995, p. 12-13).

O processo de reforma do Estado, tendo como um de seus componentes


a reforma da educação básica, reforçou o controle de resultados por meio das
avaliações em larga escala. A finalidade de verificar a capacidade da escola
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 55

em aspectos como flexibilidade, resolução de problemas e produção de ideias


criativas, por exemplo, relaciona-se às características tomadas como neces-
sárias a globalização e alívio/administração da pobreza. Da mesma forma,
o atual estágio do modo de produção capitalista fundamenta a implementa-
ção dos mecanismos de avaliação, com a finalidade de controlar o sucesso
e o fracasso das proposições implementadas pela própria lógica do capital
(ZANARDINI, 2008). Isso significa que a análise dos resultados educacionais
obtidos por meio dos instrumentos nacionais de avaliação, como o SAEB ou
por instrumentos internacionais de avaliação, como o Programa Internacional
de Avaliação de Alunos – PISA, remetem

ao suposto problema do anacronismo da escola. Ou seja, de forma agre-


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gada à publicização dos resultados dos rendimentos escolares vem à


tona a afirmação acerca da ineficiência da escola em garantir condi-
ções satisfatórias de ensino e aprendizagem dos conteúdos, atitudes e
habilidades tidas como necessárias ao bom funcionamento da sociedade
(ZANARDINI, 2008, p. 42).

Por isso, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL,


1995), o processo de publicização parte da noção de ineficiência do Estado
e se sustenta na perspectiva gerencial como alternativa para implementar a
eficiência no setor público. Essa concepção vincula-se à construção do con-
senso5 sob a perspectiva neoliberal, por conta da qual os sistemas educacionais
estão enfrentando

uma crise de produtividade maior do que uma crise de quantidade, uni-


versalização e expansão. A crise da escola é apontada como uma crise de
qualidade, de eficácia, o que demandaria a implementação das políticas
de avaliação concretizadas pelo Estado Avaliador. Diante disso a escola
careceria de uma reforma administrativa, associada e integrada à reforma
do Estado. Além do que, para sanar tal crise não haveria falta de recur-
sos, faltaria um melhor gerenciamento, controle e avaliação dos recursos
existentes e utilizados (ZANARDINI, 2008, p. 102).

A partir da década de 1990, portanto, os projetos financiados pelo BM


indicavam a educação primária como uma necessidade educacional básica para
a formação de capital humano e alívio da pobreza, com base nas noções de
‘educação para todos’ e ‘aprendizagem para todos’. Nesse contexto, observa-
-se a manifestação da ideia de publicização, decorrente da possibilidade de o
setor ‘público não-estatal’ criar e desenvolver atividades que substituam e/ou

5 Segundo Gramsci (1982), o consenso espontâneo e a coerção estatal são formas ideologizantes de domi-
nação do grupo dominante à vida social.
56

se articulem com as políticas públicas; com isso se intensificou, também, o pro-


cesso de empresariamento dos serviços públicos como referência de qualidade.
A noção que embasa as soluções para os problemas escolares está na lógica
da escola como uma empresa, sendo que as de menor qualidade deveriam ser
fechadas; os/as estudantes com menor desempenho deveriam ser barrados em
sucessivos testes; os/as professores/as de menor qualidade deveriam ser demi-
tidos/as. E assim “como na ‘empresa’, os processos educativos têm que ser
‘padronizados’ e submetidos a ‘controle’” (FREITAS, 2018, p. 28). Para tanto:

inicialmente, cabe destacar o processo de construção da imagem da crise


da escola. Na ótica dominante, a crise decorre do fracasso dos educadores,
das universidades e, em síntese, da rede pública. Daí a defesa da refuncio-

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nalização da escola, por meio da colaboração da sociedade civil, leia-se, dos
empresários e das agências do capital (LEHER, 2014, p. 17-18).

Com a agudização da reforma do Estado, o empresariado passa a atuar


direta e determinantemente na definição do conteúdo da política educacio-
nal, como ocorreu com o Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE,
por intermédio do Movimento Todos pela Educação – TPE, que representou
as reivindicações de uma pedagogia dos banqueiros, empresários do setor
de comunicações o do ‘Terceiro Setor empresarial’ (LEHER; VITTORIA;
MOTTA, 2017). A partir da segunda década dos anos 2000, os argumentos
utilizados pelo BM e pelo empresariado brasileiro passaram a justificar a
necessidade de novas reformas educacionais, por conta de uma crise de apren-
dizagem. Diante dela, os governos deveriam focar em medidas efetivas para
promover a aprendizagem como parte dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável – ODS, conforme prevê o BM:

Enquanto os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) das


Nações Unidas, que inspiraram esforços de governos e doadores, foca-
ram na matrícula, os atuais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
(ODS) dão maior ênfase ao aprendizado. O sucesso dos ODS dependerá da
capacidade dos países de transformar a retórica em ação, acompanhando
o aprendizado (WORLD BANK, 2018, p. 94, tradução nossa).

Outrossim, ainda em 2011, o Grupo Banco Mundial afirmou que, embora


os países em desenvolvimento, dentre eles o Brasil, tivessem realizado grandes
avanços na direção dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODM
e da educação primária universal, as crianças e jovens saíam da escola sem
proficiência em leitura, escrita e cálculo. Apesar da agenda educacional fun-
damentada nos oito ODM estabelecidos pela Organização das Nações Unidas
– ONU em 2000, para o cumprimento de metas até 2015, o Brasil estava,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 57

segundo o BM (2011), entre os países que se mostraram incapazes de efetivar


grandes avanços educacionais no que se referia à educação para todos.
Em 2015, os ODM foram retomados e renovados nos Objetivos de Desen-
volvimento Sustentável – ODS para o cumprimento de dezessete metas até o
ano de 2030. Constata-se que os ODS incorporam e redimensionam a meta de
educação para todos, pois o objetivo não é mais só a escolaridade, mas também
a aprendizagem – por isso, a nova estratégia do Grupo Banco Mundial (2018)
foi definida como ‘aprendizagem para todos’. Considera-se nessa estratégia o
que as pessoas aprendem dentro e fora da escola, no mercado de trabalho e na
informalidade. A tendência que se observa a partir da centralidade na apren-
dizagem corresponde à ressignificação do discurso que enfatiza a educação e
a aprendizagem como peças fundamentais na relação entre crescimento eco-
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nômico, desenvolvimento social e alívio/administração dos níveis de pobreza.


Além disso, reafirma-se o objetivo de alcançar a educação de qualidade, uma
vez que os países progrediram no alcance da meta universal de garantir a edu-
cação primária, bem como no avanço da taxa de alfabetização. Observa-se,
também, um discurso com foco na educação de qualidade e inclusiva que, por
sua vez, está alicerçada na formação baseada em habilidades e competências,
com destaque para as socioemocionais. Nesse sentido, ocorre

um deslocamento do conceito de escolaridade para o de aprendizagem.


Assim, ao que tudo indica, o Banco Mundial reforça que os resultados da
aprendizagem independem de questões estruturais e físicas das escolas.
[…] A ideia de “aprendizagem ao longo da vida” respalda o conceito de
empregabilidade. Nesse caso, o Banco Mundial argumenta que o aumento
da produtividade dos pobres se dá por meio da aquisição de habilidades e
competências (GUERRA; FIGUEIREDO, 2021, p. 14-15).

O projeto formativo do BM, pautado na aquisição de habilidades e compe-


tências, se aprofunda para o atendimento das demandas do capital em sua crise
estrutural. Para István Mészáros (2012), a crise estrutural do capital, diferente-
mente das crises conjunturais e periódicas de seu próprio sistema, faz com que
os problemas sejam ainda mais agravados no atual estágio de desenvolvimento
histórico, inserindo uma necessidade de controle da produção material e dos
intercâmbios culturais da humanidade. Com base nas afirmações do autor sobre
a crise estrutural do capital, percebe-se que a reorganização no projeto forma-
tivo do BM ratificou o argumento da precariedade e da falta de condições da
escola para a efetivação da aprendizagem. É possível observar que a concepção
de mundo presente nesse projeto, associada aos objetivos do empresariado
brasileiro, coaduna com reformas educacionais iniciadas na década de 1990,
58

ressignificando e intensificando fundamentos para constantes reformas. A pers-


pectiva pragmática dessas, expressas na BNCC, por exemplo, estão

muito mais relacionadas com o domínio do uso, com a aprendizagem,


muito mais do que com o conhecimento sobre os processos relacionados
à tecnologia, no sentido de permitir um movimento do senso comum para
a consciência filosófica. O pragmatismo da aprendizagem, toma em si,
características para atender às demandas desafiadoras da realidade mediada
pelo mercado de trabalho do século XXI, e não centradas nas necessidades
dos sujeitos (ROCHA; HYPOLITO, 2020, p. 10).

Nos anos 1990, as reformas educacionais apontavam um “esmaecimento

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da noção de direito e de uma concepção de público e de cidadania” (OLI-
VEIRA, 2020, p. 89). Para o BM, os argumentos sobre a crise de aprendizagem
se respaldam não apenas na formulação do direito à aprendizagem – que toma
forma com a precariedade do direito à educação, enaltecido por um discurso
oficial no qual a baixa escolarização é empecilho para o crescimento econô-
mico e o desenvolvimento social:

A “crise”, quando deslocada para a aprendizagem, enaltece a individua-


lidade que é sustentada, pelos argumentos do Banco Mundial, a partir da
Teoria do Capital Humano. O conceito de aprendizagem, nas proposi-
ções e reformas neoliberais, expressa um caráter instrumental e dissolve
a função do ensino, da apropriação da cultura e da ciência historicamente
acumuladas (GUERRA; FIGUEIREDO, 2021, p. 14-15).

O que se evidencia, portanto, é que o recurso da linguagem dissimula a pró-


pria concepção de mundo e de sociedade apontada pela crise de aprendizagem
do BM. A relação entre a linguagem e a concepção de mundo respalda-se em
Gramsci, que afirma: “se é verdade que toda a linguagem contém os elementos
de uma concepção do mundo de uma cultura, será igualmente verdade que, a par-
tir da linguagem de um, é possível julgar a maior ou menor complexidade da sua
concepção de mundo” (GRAMSCI, 2004, p. 95). A complexidade da concepção
de mundo dos organismos internacionais revela que, se outrora o Estado era
ineficaz na promoção do acesso ao direito à educação – o que teria demandado
a implementação da lógica gerencial nos serviços públicos, especialmente por
meio de orientações e diretrizes do BM –, atualmente, as justificativas para os
baixos índices de desempenho acadêmico avançam para a chamada crise de
aprendizagem, decorrentes da suposta incompetência da escola, de professores/
as e da incapacidade de aprender por parte dos/as estudantes.
Indicadas as bases do processo de implementação das políticas neolibe-
rais no Brasil nos anos 1990, que contribuíram para a agudização do projeto
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 59

formativo proposto por organismos internacionais e anuído pelo empresariado,


na próxima seção, analisam-se as principais formulações do documento do
BM (2018) sobre a crise de aprendizagem.

A crise de aprendizagem definida pelo Banco Mundial

No documento Aprendizagem para Todos: Investir nos Conhecimentos


e Competências das Pessoas para Promover o Desenvolvimento – resumo
executivo, o Grupo Banco Mundial (2011) já propunha apoiar as reformas dos
sistemas educacionais, seguindo as orientações mundiais do desenvolvimento
do milênio, entendendo o sistema educacional como
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a gama completa de oportunidades de aprendizagem que existem num


país, quer sejam fornecidas ou financiadas pelo sector público quer pri-
vado (incluindo organizações religiosas, organizações sem fins lucrativos
ou com fins de lucro). Inclui programas formais ou não formais, para
além de toda a gama de beneficiários e interessados nestes programas:
professores, formadores, administradores, funcionários, estudantes e as
suas famílias e empregadores. Inclui também as regras, políticas e meca-
nismos de responsabilização que aglutinam um sistema de educação,
bem como os recursos e mecanismos de financiamento que o sustentam
(BANCO MUNDIAL, 2011, p. 5).

A concepção de sistema educacional apresentada pelo BM ressalta os


princípios gerenciais quando se refere aos mecanismos de responsabilização,
que, na atualidade, é associada às políticas sociais para intensificar regulação,
controle e responsabilização de instituições públicas e dos sujeitos que delas
fazem parte. Na educação, isso se dá a partir da definição de um padrão de
habilidades básicas e competências multidimensionais, atreladas aos interesses
do mercado de trabalho. Tal padronização é mensurada por avaliações que
verificam, principalmente, competências em leitura, escrita e cálculo. Além
dessas capacidades básicas, têm ganhado destaque as seguintes competências:
cognitiva, como capacidade de resolver operações; socioemocional, como
capacidade reflexiva; técnica, que permite o desempenho de uma função labo-
ral específica (BANCO MUNDIAL, 2011).
O BM ressalta que a melhoria da educação é fundamental para que o
indivíduo se adapte às mudanças e ao enfrentamento de desafios como o
desemprego, principalmente entre os/as jovens. O desemprego demonstraria
que a escola é incapaz de formar jovens com competências exigidas pelo mer-
cado de trabalho. A aprendizagem para todos/as aparece assim como estratégia
para que crianças e jovens não apenas ingressem na escola, mas adquiram
60

conhecimentos e habilidades significativas. Para isso, são indicados três pilares


estratégicos: investir antecipadamente, investir de forma inteligente e investir
para todos. Os investimentos são revertidos em empréstimos, concedidos aos
países pelo Grupo Banco Mundial, que

tem efectuado substanciais contributos para o desenvolvimento da edu-


cação em todo o mundo, ao longo dos últimos 49 anos. Desde o lança-
mento de um projecto de construção de escolas secundárias na Tunísia,
em 1962, o Banco Mundial investiu já, globalmente, 69 mil milhões
de dólares na educação, através de mais de 1.500 projectos. O apoio
financeiro do Banco Mundial foi subindo ao longo da década, desde que
as MDG [Metas de Desenvolvimento do Milénio] foram estabelecidas,

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atingindo mais de $5 mil milhões em 2010. Desde 2001, quando a Socie-
dade Financeira Internacional (IFC) concentrou a sua atenção no sector
da educação, já ali investiu $500 milhões, em 46 projectos privados de
educação (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 1).

A atuação do BM em países como o Brasil não se restringe ao finan-


ciamento, mas tem sido relevante na produção intelectual que subsidia
as reformas do Estado e as reformas educacionais (PEREIRA, 2018). As
influências das orientações intelectuais do BM podem ser notadas na BNCC,
que ajusta o currículo nacional aos preceitos do ‘direito a aprender’ como
resposta à crise de aprendizagem anunciada nos documentos do BM. Este
assevera que os avanços na escolarização de crianças foram significativos
entre 1999 e 2008, mesmo em países mais pobres – crianças não escola-
rizadas em 1999 eram 106 milhões; em 2008 esse número caiu para 68
milhões, porém, o acesso foi insuficiente para promover a aprendizagem
de competências básicas.
Contudo, com a expansão do acesso à escola, a pobreza não diminuiu,
conforme indicado pelo BM em documento (2006). Sem tocar nas causas
que geram a pobreza, o órgão definiu nova estratégia de aprendizagem para
todos/as, associando-a a promessas de oportunidades de crescimento aos/às
mais pobres e vulneráveis, com ações coletivas globais reforçando a gover-
nança por intermédio de políticas de aprendizagem como fator de cresci-
mento, desenvolvimento e redução da pobreza (BANCO MUNDIAL, 2011).
Nos anos de 1980 e 1990, a pobreza e a falta de crescimento econômico dos
países foram justificadas pelos baixos índices de escolaridade da população;
com a ampliação da oferta de vagas na educação primária, sem reflexos na
diminuição da pobreza, o relatório do BM passou a relacionar a economia
dos países e a condição econômica dos/as habitantes à crise de aprendizagem
gerada no processo de escolarização.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 61

No documento Informe sobre el desarrollo mundial 2018 – Aprender


para hacer realidad la promesa de la educación, o BM descreve três dimen-
sões da crise de aprendizagem: a) resultados da aprendizagem pouco satisfa-
tórios, com níveis baixos, desigualdade elevada, avanços lentos; b) escolas
falhando com os/as estudantes; c) sistemas educacionais falhando com as
escolas. São propostas três estratégias para a superação da crise: i) aprender
mais sobre os níveis de aprendizagem, para que a melhora seja um objetivo
formal e mensurável; ii) basear o desenho das políticas em evidências, para
que as escolas estejam a serviço da aprendizagem de todos/as os/as estudantes;
iii) construir coalizões e alinhar os atores para que todo o sistema favoreça a
aprendizagem. A justificativa para a elaboração do informe foi oferecer um
caminho para superar o fracasso econômico e moral que a crise de aprendiza-
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gem representaria. Para tanto, o BM realizou uma análise e explicou o motivo


pelo qual muitos países ainda não alcançaram a aprendizagem para todos/
as, propondo que os sistemas educacionais assumam a responsabilidade de
todos/as pela aprendizagem. Assim, escolarização sem aprendizagem passou
a se constituir numa injustiça, pois sem aprendizagem, os/as alunos/as estarão
condenados a viver na pobreza e na exclusão. Representaria, também, uma
perda valiosa de potencial humano, pois o que vai gerar rentabilidade é a
aprendizagem pautada na aquisição de competências e habilidades – uma
perspectiva que dissimula a real causa da pobreza, que está na estrutura social
sob o regime do capital.
Para o BM, o desenvolvimento de capital humano, entendido na pers-
pectiva da educação e do progresso econômico, proporcionaria benefícios
pessoais, de emprego e saúde, e sociais, de crescimento econômico, redução
da pobreza, estímulo à inovação, fortalecimento das instituições e promoção
da coesão social. Com isso, “a educação contribui significativamente para
o alcance dos dois objetivos estratégicos do Grupo Banco Mundial: acabar
com a pobreza extrema e promover a prosperidade compartilhada” (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. v, grifo nosso).
A noção de enfrentamento da pobreza atrelada à educação tem apontado
que a teoria do capital humano “veio se impondo como uma forma de conceber
a educação no mundo atual por meio de estratégias discursivas, como discurso
hegemônico, bem como por constrangimentos materiais, e que os organismos
internacionais têm desenvolvido papel-chave na sua difusão” (OLIVEIRA,
2020, p. 18). É dessa forma que o BM justifica o fracasso e/ou sucesso econô-
mico dos sujeitos, escamoteando os desequilíbrios das dimensões sociometa-
bólicas do capital e a sua crise estrutural. No contexto educacional, ressignifica
e intensifica seus argumentos a partir dos índices medidos pelas avaliações em
larga escala, para afirmar que, quando a educação não alcança os objetivos
62

necessários para formar capital humano, há crise de aprendizagem, o que não


contribui com o progresso econômico dos indivíduos e da sociedade.
A educação, como um direito humano básico, é concebida em duas pers-
pectivas: para as pessoas físicas e as famílias; e para as sociedades:

A educação, além de ser um direito humano básico, se devidamente reali-


zado, melhora os resultados sociais em muitas áreas da vida. Para indivíduos
e famílias, a educação promove o capital humano, melhora as oportunidades
econômicas, promove a saúde e aumenta a capacidade de tomar decisões
efetivas. Para as sociedades, a educação aumenta as oportunidades econô-
micas, promove a mobilidade social e faz com que as instituições funcionem
de forma mais eficaz (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 27).

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Portanto, a primeira dimensão da crise de aprendizagem se relaciona, para o
BM, aos resultados pouco satisfatórios obtidos nas avaliações externas, causados
por um sistema educativo ineficaz, incapaz de desenvolver nos/as alunos/as as
competências necessárias para uma vida saudável, produtiva e significativa. Um
dos obstáculos para a aprendizagem é a ausência total de escolarização, pois,
apesar de os/as estudantes passarem vários anos na escola, aprendem pouco e
carecem de competências básicas de leitura, escrita e aritmética. Essas seriam as
deficiências constitutivas da crise de aprendizagem que amplia a desigualdade,
se manifesta na falta de trabalhadores/as capacitados/as, de trabalhadores/as
facilmente capacitáveis e, consequentemente, na pouca capacidade produtiva
para o desenvolvimento econômico e social (BANCO MUNDIAL, 2018).
Na década de 1990, com o avanço do modelo gerencialista na definição
do conteúdo e na implementação das políticas educacionais, a quantificação da
educação pelas avaliações em larga escala seguiu o mesmo modelo aplicado
nas organizações empresariais; com isso, a educação também adquiriu o que
Vincent de Gaulejac denomina de “quantofrenia aguda [doença da medida] que
espreita todos aqueles que, em vez de medir para melhor compreender, querem
compreender apenas aquilo que é mensurável” (GAULEJAC, 2007, p. 71-72).
Na sociedade gestionária, tomada por essa ‘patologia’, “cada indivíduo pode
ser o objeto de uma avaliação ‘objetiva’ sobre aquilo que ele custa e aquilo
que ele produz para a sociedade” (GAULEJAC, 2007, p. 183). Com base na
quantificação e na comparação entre o que se gasta com educação e os resul-
tados que geram o capital humano esperado, o BM propôs novamente ajustes
no sistema educacional, incluindo o currículo, a formação de professores/as,
o sistema de avaliação, o financiamento, entre outras políticas. Tais ajustes,
outrora justificados pelo baixo acesso da população à escola, atualmente são
justificados pela crise de aprendizagem daqueles que a frequentam. Com o
argumento de que essa crise decorre da falha da escola, apresentam-se, então,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 63

quatro fatores imediatos: i) estudantes pouco preparados/as – por desnutrição,


doenças e condições associadas à pobreza; ii) docentes pouco qualificados/as e
desmotivados/as – a maioria dos sistemas educativos não atrairia candidatos/as
com perfil sólido; os/as jovens que almejam a carreira docente seriam os/as que
obtêm menores escores nas avaliações externas; iii) insumos escolares com
pouco efeito na aprendizagem – os recursos nem sempre chegam às escolas e,
quando chegam, nem sempre seriam utilizados de forma eficiente; iv) gestão
inadequada das escolas – os/as diretores/as não auxiliariam os/as docentes
na resolução de problemas e não garantiriam a utilização eficaz dos recursos.
Dos quatro aspectos mencionados pelo BM, três se referem à gestão da
escola e à capacidade de gestão do/a professor/a. Nota-se que os argumentos
utilizados na reforma do aparelho do Estado de 1995, que apontavam problemas
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de ineficiência do Estado e a falta de eficiência na gestão de recursos públicos


no Brasil ressignificam-se e intensificam-se com o avanço do modelo geren-
cialista, apontando os problemas de gestão da escola e gestão da sala de aula
como causadores de uma crise de aprendizagem. Há um recrudescimento na
propositura das políticas avaliativas em estreita consonância com os ditames do
BM, que responsabilizam diretores/as, professores/as e estudantes pela eficiên-
cia/ineficiência obtidas. Nesse raciocínio, melhorar a qualidade da educação se
restringiria aos recursos financeiros, mas incluiria também o elemento humano.
Assim, o investimento que se vislumbra para o/a diretor/a da escola vincula-se
ao desenvolvimento de habilidades gerenciais que exigem “a capacidade de
liderança para mobilizar os recursos humanos que compõem a escola, em torno
das inovações que levam à eficiência” (ZANARDINI, 2006, p. 139-140).
A compreensão de que falta ao/à professor/a capital humano para formar
novas gerações alinha-se às justificativas de que o sistema educacional precisa
passar por novos ajustes, a fim de formar professores/as capacitados/as para
serem gerentes de si, da sala de aula, definirem metas e avaliarem resultados.
A responsabilização da escola e do/a professor/a pela condição de ‘não-
-aprendizagem’ pode ser notada em vários excertos do documento analisado,
pois para o BM, o marco para buscar soluções locais e assumir a responsabi-
lidade de superação da crise é a governança das escolas. Como decorrência, a
formação docente deve se articular à aprendizagem pautada em competências,
e os insumos (livros, tecnologias, prédios escolares etc.) devem ser mais bem
utilizados em sala de aula.
Em seguida, viria a terceira dimensão da crise de aprendizagem: os siste-
mas educacionais falhando com as escolas. Para o BM, dois fatores compõem
essa terceira dimensão da crise: i) dificuldades técnicas – complexidade para
reorganizar os sistemas educacionais em torno da aprendizagem; ii) dificulda-
des políticas – os principais atores do setor educativo têm diferentes interesses
e nem sempre priorizam a aprendizagem.
64

No âmbito das dificuldades técnicas, aponta-se a limitada capacidade de


gestão, que impediria a centralidade de ações voltadas para a aprendizagem.
Quando os países priorizam a aprendizagem e não possuem indicadores ade-
quados, cada sistema educacional avalia seus/suas estudantes de uma maneira,
carecendo de avaliações confiáveis e oportunas. Quanto às dificuldades políti-
cas, os interesses dos/as envolvidos/as na escola nem sempre estariam voltados
unicamente para a aprendizagem: por exemplo, os interesses de professores/
as voltados não só à aprendizagem de alunos/as e à ética profissional, mas
também a emprego, seguridade, salário e aulas particulares; os interesses de
diretores/as, da mesma forma, estariam voltados não apenas à aprendizagem
de alunos/as e desempenho docente, mas a emprego, salário, boas relações
pessoais e favoritismo; quanto a políticos/as, a esses/as interessariam não

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apenas escolas funcionando bem, mas igualmente as vantagens eleitorais,
captação de renda e clientelismo; a fornecedores/as de insumos – livros, tec-
nologias, prédios escolares – interessariam não só insumos adequados e de alta
qualidade, mas também o lucro e a influência (BANCO MUNDIAL, 2018).
Nessa perspectiva, os interesses opostos, dificuldades técnicas e políti-
cas do setor educativo desalinhariam o sistema educacional. A partir desse
diagnóstico, o BM faz proposições para fortalecer as bases da aprendizagem
e construir um sistema exitoso. O comprometimento com a aprendizagem
significa pôr em prática três estratégias que constituem o ABC das reformas
educacionais bem-sucedidas:

Aprender mais sobre o nível de aprendizado para que sua melhoria seja
um objetivo formal e mensurável. Medir melhor a aprendizagem e melho-
rar seu acompanhamento; usar esses resultados para orientar as ações a
serem tomadas.
Projeto de política baseado em evidências para garantir que as escolas
estejam a serviço da aprendizagem para todos os estudantes. Utilizar evi-
dências para orientar a inovação e a prática.
Construir coalizões e alinhar atores para que todo o sistema favoreça o
aprendizado. Abordar as barreiras técnicas e políticas que impedem o
aprendizado em escala (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 16).

Nesse sentido, a superação da crise de aprendizagem passaria pelas


três estratégias mencionadas e pela capacidade do/a professor/a em medir
a aprendizagem, tal como pressupõe a gestão gerencialista defendendo que
“cada indivíduo deve tornar-se o gestionário de sua vida, fixar-se objetivos,
avaliar seus desempenhos, tornar seu tempo rentável” (GAULEJAC, 2007,
p. 181). Para a primeira estratégia – aprender mais sobre o nível de apren-
dizagem –, o BM propõe aplicar um sistema adequado de indicadores para
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 65

medir a aprendizagem, pois, “não há medidas suficientes de aprendizagem”


(BANCO MUNDIAL, 2018, p. 17) segundo essa perspectiva. Professores/as
bem preparados/as e motivados/as saberiam como avaliar com regularidade a
aprendizagem dos/as alunos/as. Da mesma forma, as avaliações nacionais e
subnacionais poderiam proporcionar informações que as avaliações em sala
não podem. Na mesma direção:

Avaliações internacionais também fornecem informações que ajudam a


melhorar os sistemas. [...] Permitem avaliar comparativamente o desem-
penho dos países e verificar as informações que emergem das avaliações
nacionais. Além disso, podem ser ferramentas poderosas do ponto de vista
político: uma vez que os líderes de diferentes países estão preocupados
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com a produtividade e competitividade a nível nacional, as comparações


internacionais podem sensibilizar o nível de defasagem que um país expe-
rimenta em relação aos outros na promoção do capital humano (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. 18).

No Brasil, a capacidade de gerar capital humano a ser explorado é men-


surada por avaliações internacionais, como o PISA:

a incorporação do Pisa na legislação brasileira é reflexo da absorção do


imaginário social difundindo pelo OCDE. Ela traduz uma relação de poder,
na qual revela uma posição de subordinação e colonização. Os parâmetros
para definir o que é uma educação de qualidade para a sociedade brasileira
são dados de fora dela (OLIVEIRA, 2020, p. 94-95).

Na perspectiva do BM, professores/as desmotivados/as e que carecem


das competências pedagógicas, falta de insumos e gestão deficiente formam
o conjunto de problemas que não permite melhorias na aprendizagem. Assim,
um sistema de recompensas a professores/as, quando os/as estudantes obtêm
resultados positivos, é considerado uma forma de incentivo para a obtenção
de melhores resultados.
A segunda estratégia, com ênfase das políticas em evidências, propõe utili-
zar os resultados das verificações/avaliações para identificar o que funciona em
cada contexto, a fim de elaborar melhores intervenções centradas no/a discente,
na sala de aula e/ou na escola. O BM propõe para tanto: i) preparar crianças
e jovens para aprender, por meio da garantia do desenvolvimento pleno, isto
é, atendimento de saúde e nutrição para mães e filhos/as nos primeiros anos
de vida; intervenções no lar, a fim de desenvolver desde cedo as habilidades
cognitivas e socioemocionais; promover escolas de educação infantil para
crianças de 3 a 6 anos e programas de proteção para jovens; promover progra-
mas acelerados e flexíveis para que haja maior permanência na escola e maior
66

porcentagem de certificações; ii) aumentar a eficácia do ensino, dependente da


motivação e competência docente; promover ações que recompensem os/as
profissionais por seu bom desempenho; iii) centrar todos os outros âmbitos no
ensino e na aprendizagem – insumos, gestão e governança. Melhor utilização
dos insumos, inclusão de novas tecnologias e reformas centradas na gestão
e governança são consideradas fundamentais para a melhora dos resultados.
A terceira estratégia – construir coalizões e alinhar atores do setor educa-
tivo – propõe que atores internos e externos trabalhem juntos, particularmente
no que diz respeito às avaliações de aprendizagem. Apresentam-se dois exem-
plos de ações que não resultaram na melhora da competência de professores/
as ou mesmo na aprendizagem de estudantes: a redução da razão aluno/a/
professor/a, no Quênia; o salário dobrado dos/as professores/as com maior

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formação, na Indonésia. As dificuldades técnicas e políticas, aspectos da ter-
ceira dimensão da crise de aprendizagem, representam interesses contrários dos
diferentes atores, o que causaria desequilíbrio nos sistemas educacionais, por
isso, a necessidade de criar coalizões e alinhar integrantes do setor educativo.
Na perspectiva do BM, informações concretas e indicadores adequados,
como as avaliações internacionais, podem apontar caminhos para reformas
que proporcionem o alinhamento das políticas. Coalizões, incentivos e boas
informações teriam efeitos positivos e auxiliariam na construção de estratégias
importantes para a realização de reformas que objetivem, inclusive, fortalecer
a responsabilidade de professores/as no processo de verificação da aprendiza-
gem. Inovação e agilidade no planejamento para uma aprendizagem eficaz são
estratégias que focam na adaptação periódica às mudanças circunstanciais nos
sistemas educacionais. Nessa direção, para tornar realidade as promessas da
educação, é necessário acelerar a aprendizagem; logo, para o BM, a superação
da crise é fundamental, pois:

Realizar a promessa de educação significa dar-lhes a oportunidade não


apenas de competir na economia do futuro, mas também de melhorar
suas comunidades, construir países mais fortes e se aproximar do objetivo
de finalmente garantir que não haja mais pobreza no mundo. (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. v).

As observações do BM supõem que o desalinhamento dos sistemas educa-


cionais e a consequente crise de aprendizagem são independentes da estrutura
econômica da sociedade. Postulam os efeitos, as causas e o caminho para a
superação, todavia, é preciso considerar que suas análises se voltam ao elemento
econômico como definidor da funcionalidade humana, sendo a educação, uma
das esferas sociais voltada à formação, reduzida à abstração da realidade social.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 67

Considerações finais

Ao que tudo indica, os argumentos do Banco Mundial sobre a crise da


aprendizagem ressignificam o discurso sobre a ineficiência dos serviços e
recursos públicos, intensificando a lógica gerencialista em curso. Suas orien-
tações e diretrizes apoiam-se nas justificativas dos baixos índices de desem-
penho acadêmico de estudantes, tendendo a avançar na chamada crise de
aprendizagem, decorrente da suposta incompetência do/a professor/a e da
incapacidade de aprender desses/as estudantes.
Acelerar a aprendizagem para a competitividade na economia significa,
sobretudo, que a crise de aprendizagem seria causada por um conjunto de
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fatores e se expressaria por meio dos baixos resultados nas avaliações externas
conduzidas principalmente pelo PISA. No âmbito do indivíduo, correspon-
deriam a estudantes/as provenientes de ambientes carentes e professores/
as desmotivados/as e com má formação. Sobre a sala de aula, a escola e o
sistema educacional, argumenta-se sobre a má gestão de recursos, insumos e
a falta de governabilidade.
A defesa de uma educação para todos/as e de uma aprendizagem para
todos/as tende a enaltecer a lógica do mercado e da economia, sendo as cau-
sas da crise propulsoras da desigualdade social; a educação seria, então, um
mecanismo de obtenção de eficiência para a redução da pobreza e o desenvol-
vimento da capacidade produtiva. Por isso, os investimentos educacionais se
tornariam justificáveis, à medida que se obteria o retorno estabelecido pelos
fins econômicos, mais especificamente, a formação para o capital humano.
A crise estrutural do capital velada pela retórica da crise do Estado, que
seria obsoleto e tecnoburocrata, com serviços públicos onerosos e ineficientes,
serviu de base para a reforma do aparelho do Estado brasileiro nos anos 1990.
Com base em argumentos semelhantes, apontava-se também a necessidade de
modernização da escola pública para acompanhar as novas demandas sociais,
tecnológicas e do mercado de trabalho.
Atualmente, o Banco Mundial lança um conjunto de documentos anun-
ciando a necessidade de novos ajustes na educação no Brasil, uma vez que o
sistema, composto por professores/as supostamente incapacitados, não geraria
capital humano passível de ser aproveitado pela sociedade. Essa argumentação
definiria a crise de aprendizagem. Para o BM, essa crise seria decorrente da
incapacidade de gestão da escola e dos/as professor/as, o que, por sua vez,
geraria falta de governança (desequilíbrio) no sistema educacional. Para cor-
rigir esse descompasso entre aprendizagem e capital humano, novas reformas
educacionais são sugeridas.
68

Nota-se que o Estado brasileiro, a partir de 1990, por meio de orien-


tações e diretrizes de organismos como o Banco Mundial, ressignifica seus
fundamentos para intensificar as constantes reformas da educação. A crise da
aprendizagem depositaria diretamente na escola e no/a docente a responsabi-
lidade pelos resultados dos/as estudantes nas avaliações em larga escala, de
abrangência nacional e internacional. Nesse sentido, para o Banco Mundial,
a crise de aprendizagem pode ser compreendida como a ressignificação e a
intensificação dos princípios da ideologia gerencial e do capital humano, as
mesmas bases que criaram/criam os argumentos da crise do Estado brasileiro
e a consequente ineficiência dos serviços e recursos públicos, dissimulando
a crise estrutural do capital.

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Responsabilizar professores/as pelas condições de não aprendizagem e,
consequentemente, pelos resultados dos/as estudantes nas avaliações em larga
escala, naturaliza as causas dos problemas sociais, tais como desemprego,
fome, entre outros. Com isso, conserva-se a concepção de mundo presente
no projeto de educação apresentado pelos organismos internacionais, com o
apoio do empresariado brasileiro. Os princípios educacionais da década de
1990 são ressignificados e intensificados para alcançar a pretérita ‘educação
de qualidade’ anunciada por meio das constantes reformas educacionais,
como a do ensino médio (Lei nº 13.415/2017), da BNCC (2017 e 2018) e
do novo SAEB.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 69

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A INFLUÊNCIA DO BANCO MUNDIAL
NA POLÍTICA EDUCACIONAL
DO ESTADO DO PARANÁ1
Mayara Haruka Watanabe Iijima
Isaura Monica Souza Zanardini

Introdução
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Este artigo, que tem como objetivo apresentar a influência do Banco


Mundial (BM) no que diz respeito às políticas educacionais implementadas
no estado do Paraná, é resultado de uma pesquisa bibliográfica e documental,
fundamentada em fontes primárias internacionais e nacionais que orientam a
política educacional no Estado. Os documentos analisados são considerados
a partir da dimensão histórica e da compreensão das relações sociais estabe-
lecidas na base material da sociedade.
Em linhas gerais, é possível afirmar que o Grupo BM é formado por cinco
instituições: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD),
Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), Corporação Financeira
Internacional (CFI), Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI)
e Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimentos (CIRDI).
Inicialmente, em 1944, suas ações estavam direcionadas à reconstrução da
infraestrutura dos países pós-Segunda Guerra Mundial. Atualmente, com
expressiva capacidade de atuação, o Banco Mundial atua na implementação
de estratégias para aliviar a pobreza e fomentar a prosperidade compartilhada
dos países considerados em desenvolvimento. Contudo, para que isso ocorra,
exerce influência nas diversas áreas de desenvolvimento, entre elas a educação.
Ressaltamos que a influência desse organismo internacional pode ser
compreendida “[…] por meio do estabelecimento da agenda de questões a
serem consideradas, das prioridades fixadas, das concepções com base nas
quais se definem as políticas públicas e, inclusive, do condicionamento explí-
cito de políticas” (VIOR; CERRUTI, 2014, p. 113). Sendo assim, é possível
afirmar que a implementação de políticas sociais, nas quais se incluem a edu-
cação, não resulta de uma imposição feita por esse organismo internacional,
mas da complexa correlação de forças e de interesses que perpassam um país
e o conjunto de seus estados.

1 Texto publicado originalmente na Revista Linhas Críticas, v. 28, e.42092, 2022.


74

Entendemos que o BM é indutor de políticas, e que suas orientações


não são uma imposição, mas há uma relação de negociação de interesses
internos e externos e, portanto, de intervenção e de consentimento, como
argumenta Silva (2002). Diante disso, objetivamos apresentar a influência
do BM na implementação de políticas voltadas para a área da educação no
estado do Paraná, considerando que as condicionalidades desse organismo
internacional, atendidas pela elite nacional, estão relacionadas ao fomento de
um determinado projeto societário que permanece na orientação das relações
sociais estabelecidas na sociedade capitalista.
Para tratar dessa influência, destacamos algumas das ações desenvolvidas
nos governos de Roberto Requião de Mello e Silva (1991-1994), de Jaime
Lerner (1995-1998) e de Carlos Alberto Richa (2011-2017). Chamamos a

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atenção, sobretudo, para o contrato firmado entre o BIRD e o Governo do
estado do Paraná – Contrato de Garantia para o Projeto Qualidade da Educa-
ção Básica (PQE) no Paraná número 3766/BR –, em 1994, no valor de US$
96 milhões de dólares (SOUSA, 2013), e para o Documento de Avaliação do
Projeto do Empréstimo Proposto, elaborado pelo Banco Mundial (2012), no
Valor de US$350 milhões para o estado do Paraná, com a Garantia da Repú-
blica Federativa do Brasil.
A análise dos documentos produzidos pelo BM, selecionados no site
do próprio Banco para este estudo como fontes primárias, demonstra a pre-
ponderância desse organismo internacional para além do aspecto financeiro,
indicando a sua influência no que diz respeito à disseminação de orientações
para implementação de políticas educacionais, bem como os discursos e as
justificativas que as fundamentam.
A partir de uma abordagem metodológica qualitativa, relacionada ao
levantamento de fontes específicas do estado do Paraná, buscamos, seleti-
vamente, no site do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e
Social (Ipardes), os seguintes documentos como fontes primárias deste artigo:
o Manual Operativo de Projeto (MOP) volume 1 (PARANÁ, 2014a), que
apresenta a descrição do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do
Paraná, atentando-se para os compromissos assumidos no Acordo de Emprés-
timo firmado entre o BM e o estado do Paraná; e o MOP volume 4 (Paraná,
2014b), que trata especificamente dos programas que compõem o setor da
Educação do Projeto no Paraná: Formação em Ação, Renova Escola e Sistema
de Avaliação da Aprendizagem.
Tanto os documentos orientadores do BM como as políticas estaduais
implementadas no Paraná (PQE e Projeto Multissetorial para o Desenvolvi-
mento do Paraná) e apresentadas neste artigo foram analisadas a partir do con-
texto de sua produção. Isso se harmoniza com o pressuposto metodológico de
que, para compreender a influência do BM na política educacional do Paraná,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 75

é preciso considerar o conjunto das relações sociais presentes na sociedade


capitalista e as implicações produzidas sobre as políticas educacionais, na
direção do que orientam Shiroma et al. (2005):

As recomendações presentes nos documentos de política educacional


amplamente divulgados por meios impressos e digitais não são pronta-
mente assimiláveis ou aplicáveis. Sua implementação exige que sejam
traduzidas, interpretadas, adaptadas de acordo com as vicissitudes e
os jogos políticos que configuram o campo da educação em cada país,
região, localidade; tal processo implica, de certo modo, uma reescritura
das prescrições, o que coloca para os estudiosos a tarefa de compreender
a racionalidade que os informa e que, muitas vezes, parece contraditória,
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fomentando medidas que aparentam ir em direção contrária ao que pro-


põem (SHIROMA et al., 2005, p. 430-431).

Para apresentar as reflexões desenvolvidas, estruturamos este artigo


está em duas seções: na primeira, intitulada O Projeto Qualidade do Ensino
Público (PQE) no Paraná financiado pelo Banco Mundial, tratamos de um
projeto específico para a área da educação – o PQE –, demonstrando que o
seu principal objetivo (a melhoria da escolarização dos alunos do Ensino Fun-
damental) baseava-se na gestão compartilhada e fundamentava-se na política
das escolas como centro de excelência; na segunda, denominada A educação
no Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento no Paraná financiado pelo
Banco Mundial, apresentamos os principais objetivos desse projeto no que diz
respeito à área da educação, tais como a melhoria da qualidade do ensino, a
redução da distorção idade/ano e a melhoria do ambiente escolar. Para tanto,
os programas definidos para o alcance desses objetivos foram: o Sistema de
Avaliação de Aprendizagem, Formação em Ação e Renova Escola.

O Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) no Paraná


financiado pelo Banco Mundial

Embora as primeiras negociações do governo do estado do Paraná com


o BM tiveram êxito a partir de 1987, período que corresponde à posse do
governador Álvaro Dias (1987-1991), como afirmam Gonçalves et al. (2003),
neste estudo, consideramos, para a análise das negociações com o BM, a ges-
tão do governador Roberto Requião (1991-1994), do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB), pois foi nesse governo que o PQE no Paraná
começou a ser desenhado.
Durante o Governo Requião, foi possível observar, segundo Gonçalves
et al. (2003), que os projetos voltados para a educação estavam inseridos na
76

lógica do desenvolvimento do Estado e da sua capacidade de competir. Nesse


contexto, as decisões, em grande medida, eram influenciadas pelo Secretário
de Planejamento. Os autores supracitados mencionam:

A opção inicial da Secretaria de Planejamento era por um investimento


focalizado na criação de algumas escolas técnicas (2.o grau), ou melhor,
centros técnicos à semelhança das escolas de Quebec (Canadá), que o
Secretário de Planejamento havia visitado, os quais pudessem formar téc-
nicos de alto nível e prover o Estado de mão-de-obra qualificada em áreas
de ponta, interferindo no ainda predominante perfil agrícola do Estado
(GONÇALVES et al., 2003, p. 87).

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No entanto, ciente das condicionalidades determinadas pelo BM no que
se refere ao retorno que a Educação Básica (principalmente o ensino fun-
damental) poderia oferecer, o estado do Paraná, em um primeiro momento,
buscou, junto ao BM, financiamentos para o ensino de 1º grau. Na visão do
Secretário de Planejamento do estado do Paraná, essa ação foi necessária
para que, mais tarde, fosse possível obter a aprovação de recursos do BM
para financiar as escolas técnicas de 2º grau, objetivo central dessa gestão
(GONÇALVES et al., 2003).
Após negociações iniciadas em 1992, foi aprovado, em 1994, o PQE
para o Ensino Fundamental, em um contrato firmado entre o governo do
estado do Paraná e o BM (GONÇALVES et al., 2003; FIGUEIREDO, 2005;
SOUSA, 2013). Sobre o PQE, Gonçalves et al. (2003) e De Tommasi (2007)
apontam que o projeto do Paraná passou por duas formulações: a primeira
guardava aproximações com o projeto do Estado de São Paulo e a segunda
com o projeto de Minas Gerais, sendo essa a versão final do PQE-PR, que
seria executado somente no governo seguinte.
Com relação aos empréstimos externos concedidos pelo BM para o estado
do Paraná, era necessário que o Estado se adequasse às exigências impostas.
Entre elas, de acordo com De Tommasi (2007), estavam a adoção do pro-
cesso de municipalização do ensino e o apoio à descentralização, resultando
na autonomia das escolas. Além disso, “[...] o Banco requer que os estados
se responsabilizem pelo fornecimento dos livros às escolas, independente do
cumprimento de suas obrigações por parte do Governo Federal” (DE TOM-
MASI, 2007, p. 206). Ainda, na busca pela eficiência, o BM impôs um estado
de competição entre as instituições escolares, pois estabeleceu critérios para
aprovação de financiamento, como a presença do caráter inovador dos proje-
tos apresentados pelas escolas, a fim de reduzir as altas taxas de repetência.
Seguindo essa direção, Sousa (2013, p. 85) ressalta as recomendações
feitas pelo BM para a educação do estado do Paraná:
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 77

No contrato de garantia para o Projeto Qualidade da Educação Básica


(PQE) no Paraná número 3766/BR, firmado em 1994 com o BIRD no
valor de 96 milhões de dólares, o Banco estabelece obrigações ao mutuá-
rio não só no sentido financeiro, quando impõe a contrapartida de 102
milhões de dólares, mas no sentido político também, quando estabelece
os direcionamentos do projeto. Entre as orientações do Banco a gestão
educacional de maneira ampla se apresenta de forma significativa, isto
na mesma lógica de eficiência apresentada na Reforma do Estado. No
referido contrato são explicitados os encaminhamentos acordados com
o Banco para a Educação no Paraná: a descentralização em consonância
com a participação, a autonomia e a responsabilização como mecanismos
essenciais para constituir escolas de excelência.
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Desse modo, é importante assinalar que compreendemos o PQE sob a


dimensão da regulação transnacional de políticas educacionais, bem como
do Estado reformado e do papel que desempenha no contexto de implemen-
tação de projetos educacionais. Em meio a esse contexto, em 1995, houve
mudança na gestão do governo do Estado, que ficou sob responsabilidade de
Jaime Lerner (1995-1998), o qual, por meio da Secretaria da Educação, defi-
niu os Planos de Ação I e II para orientação das atividades educacionais. De
acordo com Figueiredo (2005), os atos previstos nesses Planos fazem parte
dos componentes de ação definidos no PQE.
O PQE tinha como objetivo propalado aumentar a escolarização dos
alunos das redes municipal e estadual, englobando alunos de 1ª a 8ª série.
Em conformidade com a realidade nacional, em um contexto sinalizado pela
Reforma do Estado, o governo de Lerner ressaltava a necessidade da gestão
compartilhada, cuja valorização da escola e dos professores que nela atuavam
era uma característica relevante dessa forma de gestão (FIGUEIREDO, 2005).
Na visão de Sousa (2013, p. 91), a gestão compartilhada traduzia-se em
alguns princípios básicos, tais como:

[...] as escolas como centros de excelência; as parcerias com a comunidade


para obter sucesso no cumprimento das metas de excelência; o fortalecimento
da gestão descentralizada da SEED-PR como apoio no desenvolvimento da
competência do sistema; a valorização do profissional da educação mediante
a ampliação da sua competência; o envolvimento da comunidade externa e
interna à escola tomado como fundamental no processo de avaliação; e a
sistematização e o acesso às informações. Esses princípios seriam a base para
a concretização do processo decisório e de inovações educacionais.

Como observado no excerto, Sousa (2013) ressalta que a proposta da


gestão compartilhada da educação no governo Lerner, o PQE e o Programa
78

Expansão, Melhoria e Inovação no Ensino Médio do Paraná (PROEM) basea-


ram-se na política da escola de excelência, a qual girava em torno de “catego-
rias como competição, responsabilização, avaliação e premiação” (SOUSA,
2013, p. 87), sendo orientada pelas proposições neoliberais de organismos
internacionais. Isso corroborou com os documentos que foram produzidos após
a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien,
em 1990, e com a lógica da eficiência apresentada na Reforma do Estado.
No que se refere ao PQE, para alcançar seus objetivos, esse programa
direcionava suas ações fundamentadas em cinco componentes: materiais peda-
gógicos e equipamentos; capacitação dos recursos humanos da educação;
rede física; desenvolvimento institucional; e estudos, pesquisas e avaliação

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(FIGUEIREDO, 2005).
No conjunto dessas discussões, é preciso desconstruirmos a crença de
que os projetos financiados pelo BM resultam apenas de exigências pron-
tas e acabadas, impostas por esse organismo internacional e que devem ser
colocadas em prática pelos países tomadores de empréstimos. Ao contrário
disso, observamos, de acordo com Nogueira et al. (2003), que houve uma
flexibilização por parte do BM no decorrer da implementação do projeto PQE,
a partir de demandas internas. Os autores apontam:

O que foi possível verificar é que os técnicos do Banco Mundial, em nego-


ciação com os técnicos da SEED-Pr, no processo de aprovação do projeto
PQE, re-alocaram as rubricas de outros programas de ação para o programa
de “Desenvolvimento Institucional” e “Capacitação de Professores”. Estes
dois programas de ação se constituíram efetivamente como os de maior
impacto, seja na perspectiva de reestruturação do aparelho do Estado [...],
seja no impacto ideológico que atingiu o conjunto dos professores, a comu-
nidade escolar em geral, e os pais/APMs (NOGUEIRA et al., 2003, p. 91).

Merece destaque, também, a possibilidade de alterações nos projetos


em andamento, mudanças que ocorreram no componente 1, material pedagó-
gico. O objetivo principal do PQE era promover a universalização do Ensino
Fundamental no Estado, melhorando os índices nacionais. Para alcançar esse
propósito e combater a distorção idade/série, em uma de suas ações, a Secre-
taria da Educação e do Esporte do Paraná (SEED-PR) incluiu, no componente
material pedagógico, a impressão de material didático para o Programa de
Correção de Fluxo (NOGUEIRA et al., 2003).
Portanto, compreendendo que a política do BM para a educação não se
trata de uma imposição, mas é resultado de um jogo de forças e interesses
internacionais e nacionais, Pronko (2014) reforça que
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 79

Essa perspectiva é fundamental para superar o duplo equívoco de pensar


a atuação do BM como uma intervenção de fora para dentro (portanto,
uma sobredeterminação do âmbito internacional sobre o nacional) e como
uma imposição unilateral da qual os governantes locais seriam vítimas
(PRONKO, 2014, p. 90).

No que se refere especificamente à qualidade da educação desejada pelo


PQE, foram adotados mecanismos de avaliação e de controle, como a Avalia-
ção do Rendimento Escolar (AVA), que supostamente forneceria informações
mais precisas sobre a realidade escolar e assim serviria de ferramenta para
nortear o trabalho pedagógico.
O que constatamos é que essa nova forma de gestão escolar, atrelada à
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necessidade de avaliação dos resultados em busca da melhoria da qualidade


educacional, refletia a atualização da ideologia neoliberal que ocorreu na
década de 1990. A esse processo de redefinição das políticas educacionais,
que é conduzido pelos grupos hegemônicos com sustentação em orientações
dos organismos internacionais como o BM, Melo (2005) chamou de mun-
dialização da educação, compondo o processo de mundialização do capital.
Sousa (2013), referindo-se ao governo de Carlos Alberto Richa, no
Paraná, também retoma alguns dos pressupostos do BM, assim como foi
feito no governo Jaime Lerner. A autora assevera:

Na mesma lógica do governo Lerner, o Estado precisa se tornar mais


eficiente de forma a melhorar a gestão pública, com maior ação no setor
público e econômico e ao mesmo tempo reduzir os gastos do Estado. Para
tanto, é fundamental convocar e convencer a sociedade da importância
da sua participação para melhorar o Paraná. A ideia do “empoderamento”
(empowerment), da cooperação, da responsabilização, das parcerias, está
presente como estratégia central desse governo. Nesse sentido, na gestão
educacional as instâncias colegiadas são estimuladas a participar, princi-
palmente como meio de assumir a responsabilidade do estado nas benfei-
torias escolares e na obtenção de mais recursos (SOUSA, 2013, p. 98-99).

Tendo como base os pressupostos do Banco Mundial, que coadunam


à lógica presente na Reforma do Estado brasileiro, o governo de Carlos
Alberto Richa, no Paraná, retoma alguns desses elementos de caráter neo-
liberal, tais como: “[…] corte de gastos públicos, redução da burocracia,
descentralização, maior ênfase no mercado e parcerias público privadas
PPPs” (SOUSA, 2013, p. 99).
A respeito do governo de Carlos Alberto Richa e de suas relações com
os organismos internacionais, em especial o BM, por meio do Projeto Mul-
tissetorial para o Desenvolvimento do Paraná, discorremos a seguir.
80

A educação no Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento


no Paraná financiado pelo Banco Mundial

Falar sobre a atuação do BM no Estado do Paraná, na visão de Sousa


(2013), pressupõe estudar o Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do
Paraná, elaborado pelo governo de Carlos Alberto Richa com a finalidade de
obter empréstimos do Banco Mundial. Nesse documento, é possível identificar
convergências com as recomendações e as orientações desse organismo inter-
nacional. Para tanto, é fundamental a leitura de documentos como o Relatório
nº 67388-BR do Banco Mundial (2012), que trata da avaliação do Projeto do
Empréstimo proposto no valor de US$ 350 milhões de dólares do BM para o

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Estado do Paraná, o Manual Operativo de Projeto (MOP) volumes 1 (PARANÁ,
2014a) e 4 (PARANÁ, 2014b), o Modelo Lógico Formação em Ação (IPAR-
DES, 2012a), o Modelo Lógico Programa Renova Escola (IPARDES, 2012b)
e o Programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem (IPARDES, 2012c).
Em seus estudos, Camargo (2018) examinou as condicionalidades polí-
ticas, ideológicas, financeiras e educacionais para o financiamento da polí-
tica educacional, presente nos documentos do Projeto Multissetorial para o
Desenvolvimento do Paraná, implementado no estado durante a gestão dos
governos de Carlos Alberto Richa (2011-2017).
Para financiá-lo, o Estado do Paraná contraiu diversos empréstimos com
o BM, que foram acompanhados por diversas condicionalidades, sejam elas
políticas, ideológicas e/ou financeiras. Sendo assim, estudar essas condicio-
nalidades “[...] é tentar desvendar quais as intencionalidades por trás do seu
financiamento” (CAMARGO, 2018, p. 54).
O custo total do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná
foi de US$ 713,24 milhões. O BM se responsabilizou por financiar uma parte, que
corresponde ao valor de US$ 350 milhões, e o restante da contrapartida caberia
ao Estado (BANCO MUNDIAL, 2012). De acordo com o MOP, o Projeto Mul-
tissetorial para o Desenvolvimento do Paraná tinha como objetivo tornar mais
justo e sustentável o acesso às oportunidades de desenvolvimento econômico e
humano, com base em um “Novo Jeito de Governar”, caracterizado por uma ges-
tão direcionada aos resultados. O projeto partia da chamada Abordagem Setorial
Ampla (SWAp), com o envolvimento das Secretarias Estaduais de Educação,
de Saúde, de Agricultura, de Meio Ambiente, da Fazenda, da Administração e
da Previdência e Planejamento. De acordo com o primeiro volume do MOP,

A proposta do Projeto está em consonância com a estratégia do governo


para o desenvolvimento do Paraná, que visa à construção de um “Novo
Jeito de Governar”, objetivando a introdução de uma gestão voltada a
resultados. Esta postura, responsável e inovadora, será construída a partir
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 81

do desenvolvimento das competências de gestão, da renovação dos méto-


dos de trabalho e das estruturas de governo, numa verdadeira nova gestão,
focada em resultados efetivos (PARANÁ, 2014a, p. 11).

Como mencionado anteriormente, o Projeto Multissetorial para o Desen-


volvimento do Paraná articula-se às diretrizes e às proposições do BM. É
possível observar essa conexão em um dos seus documentos – Um Brasil mais
justo, sustentável e competitivo: estratégia de assistência ao país 2004 – 2007
(BANCO MUNDIAL, 2003), no qual o BM define elementos da visão do
desenvolvimento de um Brasil mais justo, sustentável e competitivo.
O BM (2003) afirma, ainda, que essas três dimensões de visão para o
Brasil – justo, sustentável e competitivo – estão relacionadas e, portanto, o
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programa de assistência desse organismo internacional é de natureza multis-


setorial. Desse modo, “Privilegia a combinação de atividades de um grupo
de setores para alcançar um objetivo comum (por exemplo, as iniciativas
nos setores de saúde, água e educação para reduzir a mortalidade infantil)”
(BANCO MUNDIAL, 2003, p. 78).
Nessa direção, com vistas a garantir uma estratégia que esteja estruturada
e ajustada em nível estadual, os empréstimos direcionados aos estados reúnem
esse caráter multissetorial. É o que ocorre, por exemplo, na definição do Pro-
jeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná. As ações desse Projeto
foram organizadas em dois componentes: Componente 1 – Promoção Justa
e Ambientalmente Sustentável do Desenvolvimento Econômico e Humano,
que está organizado em quatro subcomponentes (1.1 Desenvolvimento Rural
Sustentável; 1.2 Gestão Ambiental e de Riscos e Desastres; 1.3 Educação; e
1.4 Saúde); e Componente 2 – Assistência Técnica para Gestão Pública Mais
Eficiente e Eficaz, que abarca ações de apoio técnico e financeiro à imple-
mentação do Componente 1 e às atividades de modernização da gestão do
setor público, dividido, por sua vez, em oito subcomponentes (2.1 Qualidade
Fiscal; 2.2 Modernização Institucional; 2.3 Gestão Mais Eficiente de Recursos
Humanos; 2.4 Apoio à Agricultura de Baixo Impacto Ambiental; 2.5 Apoio à
Modernização do Sistema de Gerenciamento Ambiental; 2.6 Apoio à Gestão
de Riscos Naturais e Antrópicos; 2.7 Educação; e 2.8 Saúde).
Neste artigo, de modo específico, discutimos os subcomponentes 1.3 e
2.7, que tratam da educação. De acordo com o MOP, as principais ações para
esses subcomponentes se concentram nos seguintes objetivos: a) melhoria da
qualidade do ensino; b) redução da distorção idade/ano e busca da permanên-
cia e conclusão dos anos escolares do aluno; e c) melhoria do ambiente escolar.
Ainda, no subcomponente da educação, ocorre a implementação do Pro-
grama Sistema de Avaliação da Aprendizagem, um dos Programas de Gastos
Elegíveis (PGEs). Vale destacar que os PGEs são considerados iniciativas
82

orçamentárias no Plano Plurianual 2012-2015 e na Lei nº 17.012, de 14 de


dezembro de 2011, que estimou a receita e fixou as despesas para o exercício
financeiro de 2012 (PARANÁ, 2011), correspondendo às ações do Compo-
nente 1, que visa ao fomento do desenvolvimento econômico e social do
Estado do Paraná (PARANÁ, 2014a). Com o Programa Sistema de Avaliação
da Aprendizagem, o governo estadual busca alcançar as metas estabelecidas
pelo governo federal para o campo educacional. Sendo assim, entende-se que
é necessário medir os resultados da aprendizagem por meio de uma avaliação
padronizada para o Ensino Fundamental (anos finais) e ensino secundário.
Dessa forma, tem-se como objetivo a preparação de relatórios e a divulgação
dos resultados das avaliações, de modo que as escolas façam a comparação
com as demais instituições e possam planejar intervenções que subsidiem a

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prática docente, a fim de melhorar a qualidade de ensino.
Entre 1995 e 2002, a SEED-PR desenvolveu o Programa de Avaliação do
Sistema Educacional do Paraná, que, inicialmente, estava vinculado ao PQE-
-PR, financiado pelo BM, conforme já abordado anteriormente. O Programa
de Avaliação do Sistema Educacional do Paraná deve ser compreendido como
uma política educacional associada ao âmbito federal, como consequência
da Reforma do Estado e da Educação Básica, a qual promovia a cultura das
avaliações em larga escala e que resultou na implementação do Sistema de
Avaliação da Educação Básica (SAEB), em 1991. Dessa forma, assim como
ocorreu nos demais setores, e de modo específico na educação, em conso-
nância com a estratégia de um Novo Jeito de Governar, implementou-se, nas
escolas do Paraná, uma proposta de educação voltada para os resultados.
Além disso, é interessante destacar que o MOP chama a atenção para
a participação da sociedade como um todo na implementação do SAEB do
Paraná. “Para tanto, é fundamental o envolvimento efetivo das instâncias cole-
giadas (Conselho Escolar, Associação de Pais, Mestres e Funcionários – APMF
– e Grêmio Estudantil) no Processo Avaliativo” (PARANÁ, 2014b, p. 27).
Nesse sentido, Camargo (2018) ressalta que

[...] falar em participação da Associação de Pais, Mestres e Funcionários


e Similares (APMF’s), por exemplo, como aparece nos documentos do
Projeto Multissetorial para o desenvolvimento do Paraná, deveria se falar
em participação da comunidade para melhoria na educação por meio de
diálogos produtivos. Chamar a comunidade para a escola apenas para
apresentar resultados das avaliações externas como uma culpabilização,
como uma escola que não está dando conta de formar os alunos, é, no
mínimo, desrespeitoso para com a escola (CAMARGO, 2018, p. 98).

A autora afirma, ainda, que, diante dessa situação, a autonomia conce-


dida às escolas, que estaria disfarçada sob o discurso da defesa em prol da
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 83

participação da comunidade, traduz-se, na realidade, como uma transferência


de responsabilidades do Estado para a comunidade escolar, em que “[...] cul-
pa-se a escola e os profissionais que nela atuam pelo fracasso ou pelo sucesso
da instituição” (CAMARGO, 2018, p. 98).
No entanto, no discurso do BM (1999), o incentivo à participação é
tratado como consequência da necessária “reinvenção do Estado”, que deve
deixar de lado seu aspecto centralizador e burocrático:

Aunque el papel del estado continúa siendo el fomento de la educación


básica para todos, ya no es el único responsable de impartir la educación
propiamente dicha. Los gobiernos locales, comunidades, familias, personas
individuales y el sector privado comparten ahora esa responsabilidad. Los res-
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ponsables de formular las políticas educacionales están redefiniendo las res-


ponsabilidades de los gobiernos locales y centrales y fomentando el desarrollo
de procesos nuevos para la toma de decisiones, tales como descentralización,
autonomía escolar, privatización, y participación y evaluación comunitaria
de las instituciones educacionales (BANCO MUNDIAL, 1999, p. 33).

Portanto, produz-se nesse contexto uma “hegemonia discursiva”, cujas


reformas consideradas exitosas, como aquelas realizadas em países centrais
como Estados Unidos, são disseminadas, sobretudo, em documentos de orga-
nismos internacionais como Banco Mundial para os países periféricos do
capitalismo, como exemplo a ser seguido (SHIROMA et al., 2005).
Outro PGE no subcomponente da Educação refere-se ao Programa de
Desenvolvimento de Professores – o Programa Formação em Ação. “Enten-
de-se que o avanço dos indicadores que medem a qualidade da Educação está
diretamente ligado à efetiva valorização dos professores e técnicos da Educação,
com a difusão das melhores práticas pedagógicas” (PARANÁ, 2014b, p. 39).
O Programa Formação em Ação é constituído pela formação teórico-prá-
tica dos professores e técnicos da Educação, por meio de oficinas, e envolve as
ações do Programa de Desenvolvimento da Educação (PDE). De acordo com
o MOP (PARANÁ, 2014b), as cinco dimensões de impacto dessa política são:

– Desempenho dos alunos em testes padronizados: O objetivo final do


PDE é a melhoria da qualidade do ensino ofertado pela rede. A qualidade
do ensino deve ser comparável entre professores e escolas; desta forma,
deve ser observada por meio de exames padronizados, como a Prova Brasil
ou outro a ser aplicado regionalmente;
– Formação dos professores egressos do PDE: A experiência do PDE
pode servir de estímulo para que o professor continue sua formação, com
vistas a criar novos projetos para a implementação na escola em que atua.
Esses efeitos seriam sentidos posteriormente ao PDE, podendo ser verifi-
cados nos professores após dois anos do término da formação;
84

– Ambiente escolar: Os impactos do PDE podem ir além daqueles atores


diretamente envolvidos, isto é, o corpo docente e o discente. Espera-se que
seus efeitos sejam também sentidos no ambiente escolar, em aspectos como
violência na escola e relacionamento entre os atores. Tais impactos podem
ser verificados por meio de informações levantadas em pesquisas, como o
Censo Escolar e Prova Brasil;
– Estímulo aos professores participantes e não participantes (Qualifica-
ção, frequência e redução do afastamento): Espera-se que a possibilidade e os
mecanismos de seleção para participação no PDE induzam os professores da
rede a uma melhora na sua formação continuada, na assiduidade e também na
redução de afastamento. Essas informações podem ser verificadas nas fichas
funcionais dos docentes no Departamento de Recursos Humanos da SEED;
– Melhora da produção científica e acadêmica das IES parceiras:

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Espera-se que a integração com os professores participantes do PDE tanto
estimule a pesquisa quanto modifique tópicos e abordagens ensinados pelos
orientadores em suas IES de origem. Os impactos neste eixo podem ser
observados em bancos de dados sobre produção científica das IES (quan-
tidade e qualidade das publicações docentes) e também nos resultados de
desempenho dos cursos de Pedagogia e licenciatura no Exame Nacional
de Desempenho de Estudantes (ENADE) (PARANÁ, 2014b, p. 56-57).

Sendo assim, o PDE é uma política educacional inscrita no Programa


Formação em Ação, cujo objetivo é “[...] instituir uma dinâmica permanente
de reflexão, discussão e construção do conhecimento” (PARANÁ, 2014b,
p. 51), amparada pelas Instituições de Ensino Superior (IESs) e implementada
nas escolas de Educação Básica.
Por fim, o Programa Renova Escola, que visa à melhoria das instalações
das escolas, constitui o terceiro PGE no subcomponente da educação. O Pro-
grama Renova Escola foi estruturado em torno de três ações: ampliação e/ou
adequação de ambientes escolares; recuperação e reparos de Prédios Escolares;
e aquisição de equipamentos e mobiliários escolares.
De acordo com o MOP (PARANÁ, 2014b, p. 76), “O ambiente físico escolar
adequado, representado pelo conjunto das instalações físicas e recursos materiais
necessários ao bom funcionamento da escola, é um facilitador para o processo de
aprendizagem e um indicador de qualidade em educação”. Sendo assim, entende-
mos que uma escola que não ofereça infraestrutura adequada tem grande chance
de apresentar resultados insatisfatórios no que se refere à aprendizagem.
Em resumo, com relação aos três programas apresentados, e levando em
consideração que é responsabilidade do Estado assegurar a equidade no acesso
à escola e garantir a permanência e a aprendizagem dos alunos, afirma-se que:

Os três programas do setor Educação contribuem para o cumprimento


desse compromisso. O programa Sistema de Avaliação da Aprendizagem
enfrenta o problema da “insuficiência de informações necessárias para o
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 85

direcionamento pedagógico sobre o desempenho dos alunos”. O programa


Formação em Ação visa à atualização e formação dos profissionais de
educação. O programa Renova Escola objetiva a melhoria do ambiente
escolar com a manutenção e conservação dos prédios escolares e a dis-
ponibilização de equipamentos e mobiliários (PARANÁ, 2014b, p. 27).

Desse modo, para demonstrar a influência do BM no Estado do Paraná, além


do contrato firmado entre o BIRD e o Governo do Estado do Paraná – Contrato de
Garantia para o Projeto Qualidade da Educação Básica (PQE) no Paraná número
3766/BR, em 1994, no valor de 96 milhões de dólares e o Documento de Avalia-
ção do Projeto do Empréstimo Proposto no valor de US$350 milhões de para o
Estado do Paraná com a garantia da República Federativa do Brasil de 2012 –, é
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possível destacar que, tal como o BM recomenda que haja controle dos resultados
associado a conceitos de qualidade e avaliação, as ações desenvolvidas no Paraná,
especialmente no que se refere à educação, incorporam a mesma perspectiva.
Ressaltamos também que a influência dos organismos internacionais,
como o BM, no que diz respeito às políticas dos países periféricos do capita-
lismo, está relacionada ao processo definido por Barroso (2005) como regula-
ção transnacional. Nessa mesma perspectiva, Mello (2014), ao discorrer sobre
a atuação do BM na disseminação de políticas transnacionais, afirmou que:

Ele foi capaz de, ao longo da sua trajetória, alcançar legitimidade suficiente
para que seus dados estatísticos se tornassem referência, seus funcionários
e documentos circulassem nos governos, organizações não governamentais
(ONGs), universidades e jornais de todo o mundo, com influência em
diversas áreas e temáticas ligadas ao debate “guarda-chuva” do desenvol-
vimento que ele ajudou a consolidar (MELLO, 2014, p. 153).

Portanto, é possível afirmar que a regulação transnacional de políticas


pode ser exercida por meio do controle de regras colocadas nos sistemas de
financiamento, as quais afetam, em determinada medida, a execução de polí-
ticas mormente no campo da educação. Ademais, a regulação transnacional
pode ser identificada nos programas de cooperação ofertados pelos países
centrais aos países periféricos, reunindo-se técnicos de diversos países para
supostamente realizarem investigações a fim de apresentarem possíveis solu-
ções para determinados problemas. Para Barroso (2006),

Estes programas sugerem (impõem) diagnósticos, metodologias, técnicas,


soluções (muitas vezes de maneira uniforme) que acabam por constituir
uma espécie de “pronto-a-vestir” a que recorrem os especialistas dos dife-
rentes países sempre que são solicitados (pelas autoridades ou opinião
pública nacionais) a pronunciarem-se sobre os mais diversos problemas
ou a apresentarem soluções (BARROSO, 2006, p. 45).
86

Considerações finais

Nosso objetivo com este artigo foi apresentar a influência do BM no


que se refere às políticas educacionais implementadas no Estado do Paraná,
tais como o Projeto Qualidade do Ensino Público (PQE) e os Programas do
subcomponente educação do Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento
do Paraná. Dentre os três programas desse projeto – Sistema de Avaliação
da Aprendizagem, Formação em Ação e Renova Escola –, enfatizamos o
primeiro a fim de demonstrar a influência do BM principalmente no que diz
respeito ao papel que a avaliação da qualidade da educação desempenha na
continuidade do projeto educacional do capital internacional.
Vale ressaltar que a dimensão histórica e a compreensão das relações

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sociais estabelecidas na sociedade capitalista forma consideradas como aspec-
tos teóricos-metodológicos fundamentais para a compreensão das políticas
educacionais no Estado do Paraná com influência do BM. Desse modo, obser-
vamos que tanto o PQE-PR quanto os programas do Projeto Multissetorial
para o Desenvolvimento do Paraná apresentam como objetivo principal a
melhoria da qualidade da educação ofertada no Estado, sendo que a preocu-
pação reside essencialmente na formação de capital humano. Sendo assim,
o aprimoramento da infraestrutura das escolas, a formação de professores e
o fornecimento de insumos, os quais estão inscritos em ambos os projetos
apresentados, estão relacionados à busca por melhores indicadores de aprendi-
zagem supostamente revelados por meio de avaliações em larga escala. Esses
resultados, por sua vez, representam para o BM a qualidade da educação e,
portanto, a capacidade de um país competir internacionalmente.
É possível constatar que, embora esses projetos não existam integral-
mente no Paraná atualmente, os pressupostos que os sustentavam – a preocu-
pação com uma determinada qualidade da educação, a eficiência, a eficácia, a
preocupação com os resultados, a avaliação externa e as estratégias de gestão
escolar – continuam orientando as estratégias para a educação a partir das
diretrizes de organismos internacionais, como o BM.
Outro aspecto que revela a influência do BM na política educacional
do Paraná refere-se à disseminação da lógica que transfere para os sujeitos a
responsabilidade pela escola e por seus resultados. Isso é feito sob o discurso
que constantemente incentiva a participação e o envolvimento da comuni-
dade e daqueles que atuam no espaço escolar. Portanto, de modo semelhante
às proposições feitas pelo BM, as políticas educacionais aqui apresentadas
demonstram essa convergência, percebida especificamente na proposta de
implementação da chamada gestão compartilhada nas escolas do Paraná.
Diante disso, observamos que a influência do BM nas políticas educacio-
nais do Estado do Paraná nas gestões consideradas neste estudo se manifesta
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 87

principalmente a partir da concepção que esse organismo tem, cujas categorias,


essencialmente do campo empresarial (eficiência, eficácia, qualidade, com-
petitividade, avaliação, prestação de contas) são incorporadas pela educação
pública do Brasil e do Paraná, principalmente a partir da década de 1990,
permanecendo até a atualidade.
Portanto, ressaltamos que, mais do que atuar no financiamento dos proje-
tos como PQE-PR e Projeto Multissetorial para o Desenvolvimento do Paraná,
a participação do BM atinge sobretudo os princípios que fundamentam essas
políticas educacionais. Desse modo, ao incorporarem critérios econômicos do
campo empresarial, suas reais intencionalidades caminham para o desenvol-
vimento do capital internacional e se afastam daquilo que verdadeiramente
consideramos como educação de qualidade.
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É preciso lembrar que,

Na ampla maioria das vezes, quando se fala em educação de qualidade,


tem-se por pressuposto imediato (deixemos de lado, no momento, pres-
supostos mais profundos) que ela implica: uma política educacional que
permitisse boas condições materiais (infraestrutura, instalações, acesso a
tecnologias); suficientes recursos financeiros; boa formação docente; boas
condições de trabalho para técnicos e docentes; valorização da profissão
com salários adequados, horas de trabalho que incluam tempo para estudo
e aperfeiçoamento; adequada organização curricular; determinadas peda-
gogias; formas inovadoras de ensino e avaliação, etc. A boa qualidade da
educação, por sua vez, ficaria comprovada pelo sucesso em processos de
avaliação de caráter nacional e internacional (TONET, 2020, p. 9-10).

Os aspectos mencionados, que dizem respeito às condições de infraestrutura,


de formação, de avaliação etc., constituem parte das políticas educacionais aqui
apresentadas (PQE e programas educacionais do Projeto Multissetorial para o
Desenvolvimento da Educação) e, sem dúvidas, são fundamentais para se atender
às necessidades produzidas pela conquista da expansão da educação. Entretanto,
“Em si mesma, uma educação com todos aqueles requisitos pode perfeitamente
formar para a reprodução da sociedade burguesa” (TONET, 2020, p. 6).
A educação de qualidade, em nossa visão, deve ser compreendida sob
a perspectiva de classe. Como hegemonia dominante, o projeto de educação
disseminado pelo BM e incorporado em determinada medida pelo Estado do
Paraná, no que diz respeito à fundamentação e à justificativa que embasam as
políticas educacionais adotadas, busca a conservação da sociedade vigente.
Sendo assim, a educação, nesse contexto, diferente do que intentam demonstrar
os documentos, assume papel de formar para a reprodução do sistema e não
para a superação da pobreza e das desigualdades sociais.
88

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O OLHAR DO DOCENTE EM TORNO
DO CURRÍCULO INTEGRADO1
Maria Sandreana Salvador da Silva Lizzi
Edaguimar Orquizas Viriato

Introdução

O artigo resulta da dissertação intitulada “O programa nacional de integra-


ção da educação profissional com a educação básica na modalidade de educação
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de jovens e adultos – Proeja: uma investigação acerca da concepção de currículo


integrado”. Apresenta reflexões em torno do currículo integrado, considerando o
trabalho como princípio educativo. Toma como referência a revisão bibliográfica
de autores que discutem a temática e pesquisa empírica com dezessete profes-
sores que ministram aulas nos cursos de Secretariado e Técnico Administrativo
vinculado ao Proeja, no município de Cascavel, Paraná.
No estado do Paraná, o Proeja, implantado a partir de 2007, e sua pro-
posta supõem um modelo de ensino integrado, que presume formação pro-
fissional e formação para a continuidade dos estudos direcionada a alunos
da Educação de Jovens e Adultos, excluídos do processo de ensino regular,
tomando o trabalho como princípio educativo. A concepção de Currículo Inte-
grado é apresentada nos documentos oficiais como possibilidade de romper
com a dicotomia histórica entre trabalho manual e intelectual:

Tomar o trabalho como princípio educativo implica em desenvolver um per-


curso educativo em que estejam presentes e articuladas as duas dimensões,
teórica e prática, em todos os momentos, contemplando ao mesmo tempo
uma sólida formação científica e tecnológica, ambas sustentadas em um
consistente domínio das linguagens e dos conhecimentos sócio-históricos.
Essa política concebe a educação como direito de todos, num processo
contínuo que se desenvolve ao longo da vida. [...] A integração curricular
é, portanto, uma possibilidade de inovar pedagogicamente a concepção
de Ensino Médio, em resposta aos diferentes sujeitos sociais aos quais se
destina, por meio de uma concepção que considera o mundo do trabalho,
levando em conta os mais diversos saberes produzidos em diferentes espa-
ços sociais. Abandona-se, assim, a perspectiva estreita de formação para o
mercado de trabalho, para assumir a formação integral dos sujeitos como
forma de compreender e se compreender no mundo (PARANÁ, 2007, p. 25).

1 Texto publicado originalmente no Boletim Técnico do SENAC, v. 39, p. 72-85, 2013.


92

Partimos do pressuposto de que a implementação de uma política exige


diversos investimentos como a formação continuada de professores e a compreen-
são pelos mesmos da proposta pedagógica que fundamenta o curso que exercem
a docência. Sob esta ótica, entendemos que o artigo fornece subsídios para refletir
sobre a proposta de currículo integrado presente na política educacional inerente
ao ensino médio e educação profissional, particularmente ao Proeja.

Currículo integrado

Conforme Ramos (2008), a integração curricular precisa ser entendida


segundo três sentidos. O primeiro refere-se à formação omnilateral do homem,
compreendendo o trabalho em seus sentidos histórico e ontológico, na rela-

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ção com ciência e cultura, tomando o trabalho como princípio educativo. O
segundo sentido compreende a indissociabilidade entre Educação Profissional
e Educação Básica. E o terceiro apresentado é a integração dos conhecimentos
gerais e específicos como totalidade.

Formação omnilateral

A formação omnilateral é caracterizada por Ramos (2008) como:

Concepção de formação humana, com base na integração de todas as


dimensões da vida no processo formativo. [...] possibilita a formação
omnilateral dos sujeitos, pois implica a integração das dimensões funda-
mentais da vida que estruturam a prática social (RAMOS, 2008, p. 2-3).

Nesse sentido, a autora aponta a necessidade de pensar a formação tendo


a relação intrínseca entre as categorias Trabalho, Ciência e Cultura. Dois pres-
supostos filosóficos fundamentam a organização curricular nessa perspectiva:

O primeiro deles é a concepção de homem como ser histórico-social que


age sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação, pro-
duz conhecimento como síntese da transformação da natureza e de si
(RAMOS, 2005, p. 114).

O trabalho é elemento central para se compreender o homem na produção


da sua existência por meio da transformação da natureza, e ao produzir a sua
existência o homem produz conhecimentos, os quais serão apropriados por
outros homens em locais e tempos distintos. Marx e Engels (1998) destacam
que podemos distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião
ou por vários outros aspectos,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 93

Mas eles próprios começam a se distinguir dos animais logo que come-
çam a produzir seus meios de existência, e esse passo a frente é a própria
consequência de sua organização corporal. Ao produzirem seus meios de
existência, os homens produzem indiretamente sua própria vida material
(MARX; ENGELS, 1998, p. 11, grifos do autor).

O processo de constituição do trabalho no sentido ontológico é descrito


por Marx, o qual caracteriza como um processo de desenvolvimento natural
do ser humano.

O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em


que o homem, por meio da sua própria ação, media, regula e controla o
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seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria


natural como uma força natural. Ele põe em movi- mento as forças naturais
pertencentes a sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de
apropriar-se da matéria natural numa forma útil para a sua própria vida.
Ao atuar, por meio desse movi- mento sobre a natureza externa a ele e
ao modificá-la ele modifica ao mesmo tempo a sua própria natureza. Ele
desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças
ao próprio domínio (MARX; ENGELS, 1998, p. 296).

Ao caracterizar que o trabalho distingue o homem dos animais, que


apenas se adaptam a natureza, Marx e Engels (1998) nos possibilitam o enten-
dimento de que o trabalho tem sentido ontológico ao homem, pois é por meio
do trabalho que se constitui homem, o trabalho é inerente ao ser. Portanto,
não podemos entender o trabalho apenas como prática laboral, mas como
elemento constituinte de todas as dimensões humanas:

Na sua dimensão mais crucial, ele aparece como atividade que responde
a produção dos elementos necessários e imperativos à vida biológica dos
seres humanos enquanto seres ou animais evoluídos da natureza. Con-
comitante, porém, responde às necessidades de sua vida cultural, social,
estética, simbólica, lúdica e afetiva. Trata-se de necessidades, ambas, que,
por serem históricas, assumem especificidades no tempo e no espaço (FRI-
GOTTO, 2005, p. 59).

Temos o entendimento que, historicamente, como prática econômica,


o trabalho assume formas e características diferenciadas conforme tempos e
locais distintos, mas antes de adquirir essas formas ou características:

O trabalho é a ação humana de interação com a realidade para a satisfação


de necessidades e a produção de liberdade. Nesse sentido, o trabalho não é
emprego, não é ação econômica específica. Trabalho é produção, criação,
realização humanas (RAMOS, 2008, p. 3-4).
94

Pensar o currículo integrado a partir desse pressuposto filosófico nos


ajuda a entender o ser humano não simplesmente como mero executor de
ordens e atividades no processo produtivo. Por meio do trabalho, o homem
produz sua existência, se produz e produz conhecimento, superando a pers-
pectiva de “homo economicus”2.
Conforme Ramos (2008), ciência é compreendida como:

Conhecimentos produzidos pela humanidade em processo mediados pelo


trabalho, pela ação humana, que se tornam legitimados socialmente como
conhecimentos válidos porque explicam a realidade e possibilitam a inter-
venção nela. Portanto, trabalho e ciência tornam-se uma unidade, uma vez
que o ser humano foi produzindo conhecimentos à medida que foi intera-

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gindo com a realidade, com a natureza e se apropriando. A ação humana
é então uma ação produtora de conhecimentos (RAMOS, 2008, p. 4).

No conceito de ciência apresentado pela autora, percebemos que há um


aspecto diferente do proposto pela lógica do capitalismo. A ciência, nessa pers-
pectiva, é elemento construído por meio do trabalho, o qual se constitui uma
unidade, produção de conhecimento que possibilitará a intervenção na reali-
dade. Na lógica capitalista, a ciência tem também essa perspectiva, porém,
os conhecimentos produzidos socialmente não são apropriados por todos. O
conhecimento que é elaborado pela ciência é apropriado por uma minoria de
indivíduos, vendida e adquirida por um grupo pequeno de pessoas. A apropriação
por uma grande quantidade de pessoas só é possível quando já está obsoleto.
Nesse sentido, como tudo na sociedade do capital, a ciência, em primeira
instância, tem caráter mercantil, contrapondo-se a sua primazia, que é a pro-
dução de conhecimento para melhorar as condições de vida dos homens por
meio de avanços em medicina, robótica, engenharia química, entre outros.
Em um sentido contrário à perspectiva capitalista, “a ciência e a tecnologia
possibilitam extensões dos sentidos e membros dos seres humanos” (FRI-
GOTTO, 2005, p. 60), ampliando os limites humanos por meio da apreensão
do conhecimento elaborado pelo homem.
A cultura também se torna elemento central na proposta de currículo
integrado, pois se constitui como dimensão inerente aos processos formativos

2 “[...] conceito de homo economicus, isto é, homem econômico, segundo o qual toda pessoa é
profundamente influenciada por recompensas salariais, econômicas e materiais. Assim sendo, este
plano faz o trabalhador desenvolver o máximo de produção que é fisicamente capaz de atingir para obter
um ganho maior. Nessa visão, o operário é um indivíduo limitado e mesquinho, preguiçoso e culpado pela
vadiagem e pelo desperdício das empresas e deveria ser controlado por meio do trabalho racionalizado
e do tempo padrão. Seguindo esse raciocínio, as condições de trabalho passam a ser muito valorizadas,
não porque as pessoas o merecessem, mas porque o conforto do operário e a melhoria do ambiente
físico aumentavam sua eficiência” (COLTRO, 2006, p. 12).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 95

humanos. O conceito de cultura pode ser apreendido como “valores e normas


que nos orientam e nos conformam como um grupo social. Grupos sociais
compartilham valores éticos, morais e simbólicos que organizam a sua ação
e a produção estética, artística etc.” (RAMOS, 2008, p. 4).
Gramsci amplia o entendimento de cultura, diferenciando-a da ideia de
que significa apropriação do conhecimento da classe hegemônica, sendo a
cultura indissociada do trabalho. Para o autor:

É preciso desacostumar-se e parar de conceber a cultura como saber enci-


clopédico, para qual o homem é um recipiente a ser enchido e no qual
devem ser depositado dados empíricos, fatos brutos e desarticulados [...]
Essa forma de cultura é realmente prejudicial, sobretudo para o proleta-
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riado.[...] Essa não é cultura, é pedanteria, não é inteligência, é intelecto;


e contra ela, com razão, se deve reagir. A cultura é algo bem diferente.
É organização, disciplina do próprio eu interior, é tomada de posse da
própria personalidade, é conquistar uma consciência superior, através da
qual consegue-se compreender o próprio valor histórico, a própria função
na vida (GRAMSCI, 1976 apud NOSELLA, 1992, p. 15).

Compreender que existe uma relação indissociável entre trabalho, ciência


e cultura é tomar o trabalho como princípio educativo, que parte do entendi-
mento de que o homem produz sua realidade, se apropria dela e pode trans-
formá-la (RAMOS, 2008). Portanto, o trabalho é “práxis que possibilita criar
e recriar, não apenas no plano econômico, mas no âmbito da arte e da cultura,
linguagens e símbolos [...]” (FRIGOTTO, 2005, p. 60).

Indissociabilidade entre Educação Profissional e Educação Básica

O segundo sentido destacado por Ramos (2008) para pensar o currículo


integrado compreende a indissociabilidade entre Educação Profissional e Edu-
cação Básica. As marcas da dualidade entre as classes sociais são expressivas
na dualidade da educação ao possibilitar formações distintas para classes
sociais distintas, ao aferir na legislação brasileira a possibilidade de os alunos
da classe trabalhadora poderem deixar a posteriori o término da Educação
Básica ou a formação superior.
Na década de 1990, a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para a
Educação nº 9.394/96 prevê a possibilidade da integração da Educação Profis-
sional ao Ensino Médio. Depois de descaminhos e retrocessos com o Decreto
nº 2.208/97, que separa obrigatoriamente a Educação Profissional e o Ensino
Médio, temos, após intensa discussão e luta dos movimentos e intelectuais, a
promulgação do Decreto nº 5.154/04, que prevê a possibilidade de integração
da Educação Básica e da Educação Profissional.
96

A grande maioria dos jovens trabalhadores tem na formação profissio-


nal possibilidade de se inserir na atividade produtiva, garantindo meios para
produzir a sobrevivência. Outros param os estudos e se inserem no mundo
produtivo com formação básica bem incipiente e, muitas vezes, retomam os
estudos várias vezes no período noturno, porém, não concluem devido ao
trabalho que lhes rouba a condição física de frequentar uma sala de aula após
longa jornada laboral.
O segundo sentido da integração curricular anunciada por Ramos (2008)
contempla essa problemática, uma vez que possibilita ao jovem trabalhador
a aquisição dos conhecimentos produzidos socialmente para poder intervir e
compreender a realidade. Longe de significar apenas uma porta para o mercado
de trabalho, a indissociabilidade entre Educação Profissional e Ensino Médio

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tem como objetivo “possibilitar que os sujeitos tenham uma formação que,
conquanto garanta o direito à educação básica, também possibilite a formação
para o exercício profissional” (RAMOS, 2008, p. 12).

Integração dos conhecimentos

O terceiro sentido que Ramos (2008) propõe para a efetivação da inte-


gração curricular é a integração dos conhecimentos gerais e específicos como
totalidade, pois “a realidade concreta é uma totalidade, síntese de múltiplas
relações” (RAMOS, 2005, p. 114).
No contexto escolar, geralmente, há hierarquia de uma disciplina sobre
outra ou de um conhecimento sobre outro. Isso se deve ao fato de que, com a
separação do conhecimento em disciplinas, privilegiou-se o entendimento de
que os saberes são separados por áreas, as quais se ligariam umas às outras
em um processo de interdisciplinaridade. O conceito de interdisciplinaridade
fora tomado como junção dos conteúdos das disciplinas por aproximações
de características.
A integração curricular que entende a relação entre o conhecimento geral
e específico parte da premissa de que “os conteúdos de ensino não têm fim em
si mesmos [...] são conceitos e teorias que constituem sínteses de apropriações
históricas material e social do homem” (RAMOS, 2005, p. 114).
Isso decorre da compreensão de que os conhecimentos produzidos não
são fatos isolados ou descolados da realidade social, mas fazem parte de uma
totalidade histórica, que deve ser compreendida em suas múltiplas relações.
Para a apreensão da categoria totalidade, Kosik anuncia: “A posição da
totalidade, que compreende a realidade nas suas íntimas leis e revela, sob a
superfície e a causalidade dos fenômenos, as conexões internas” (KOSIK,
1976, p. 41). E ainda aponta duas questões centrais para compreender essa
categoria: 1) O que é realidade?; 2) Como conhecer a realidade?
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 97

Ao anunciar que o conceito de totalidade passa a ter ressonante notorie-


dade no século XX, o autor alerta que:

Ao mesmo tempo, se viu continuamente exposta ao perigo de ser entendida


unilateralmente ou de se transformar francamente no seu oposto, isto é,
deixar de ser um conceito dialético. O sentido principal das modificações
introduzidas durante os últimos decênios no conceito de totalidade foi
sua redução a uma exigência metodológica e uma regra metodológica na
investigação da realidade. Essa degeneração do conceito resultava em duas
banalidades: que tudo está em conexão com tudo e que o todo é mais que
as parte (KOSIK, 1976, p. 42, grifos do autor).
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Partindo do pressuposto de que a totalidade não significa todos os fatos


(KOSIK, 1976), o currículo que pensamos deve “possibilitar às pessoas com-
preenderem a realidade para além de sua aparência fenomênica” (RAMOS,
2008, p. 17). Nesse sentido, a perspectiva de formação humana que pressupõe
o currículo integrado, ao propor compreenderem a realidade para além do fenô-
meno, volta à questão central proposta por Kosik (1976): o que é realidade?
A realidade só é possível de ser apreendida em primeira instância por
meio dos fenômenos ou, como o autor denomina, do mundo da pseudocon-
creticidade. Porém, para compreender o fenômeno é necessário atingir sua
essência. No mundo sensível, o fenômeno é apreendido como essência. No
entanto, a essência da coisa é algo diferente do fenômeno. Isso não significa
dizer que fenômeno é contrário de essência, e essência não é algo diverso de
fenômeno. O fenômeno, ao mesmo tempo que esconde, apresenta a essência,
pois realidade é a unidade entre fenômeno e essência. Destruir a pseudocon-
creticidade e atingir a concreticidade não significa negar o fenômeno, mas
destruir sua independência (KOSIK, 1976):

O pensamento que destrói a pseudoconcreticidade e atinge a concreticidade


é, ao mesmo tempo, um processo no curso do qual sob o mundo da aparência
se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do fenômeno se des-
venda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, o movimento real
interno; por trás do fenômeno, a existência. O que confere a esses fenômenos
o caráter da pseudoconcreticidade não é sua existência por si mesma, mas a
independência com que ela se manifesta. A destruição da pseudoconcretici-
dade – que o pensamento dialético tem de efetuar – não nega a existência ou
a objetividade daqueles fenômenos, mas destrói sua pretensa independência,
demonstrando seu caráter mediato, e apresentando, contra sua pretensa inde-
pendência, prova do seu caráter derivado (KOSIK, 1976, p. 20-21).

A análise do fenômeno deverá reconhecer os múltiplos determinantes


que o produziram e que foram produzidos por ele. O entendimento de que o
98

conhecimento é resultado de vários determinantes sociais, políticos, econômicos,


ideológicos, culturais e jurídicos, privilegiando o conhecimento da totalidade
de relações. Portanto, os elementos particulares constitutivos de uma relação
só podem se tornar compreensíveis se analisados dentro de uma totalidade.
A compreensão dessa totalidade, por outro lado, não pode prescindir
da análise de como as partes integram esse todo, mas sim pela análise do
fenômeno e de suas determinações para, a partir dessa análise, recompor o
fenômeno, tendo já descoberto suas determinações:

Essa concepção compreende que as disciplinas escolares são responsáveis


por permitir apreender os conhecimentos já construídos em sua especifici-
dade conceitual e histórica, ou seja, como as determinações mais particu-

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lares dos fenômenos que, relacionadas entre si, permitem compreendê-los.
A interdisciplinaridade, como método, é a reconstituição da totalidade
pela relação entre os conceitos originados a partir de distintos recortes da
realidade, isto é, dos diversos campos da ciência representados em discipli-
nas. Isso tem como objetivo possibilitar a compreensão do significado dos
conceitos, das razões e dos métodos pelos quais se pode conhecer o real e
apropriá-lo em seu potencial para o ser humano (RAMOS, 2008, p. 19).

A superação da fragmentação do conteúdo e da compreensão da realidade


passa pela fundamentação da nossa prática e a concepção de interdisciplinari-
dade. Se tomarmos a interdisciplinaridade sem os pressupostos que embasam
a totalidade por meio do método dialético, estaremos reproduzindo, ainda
mais, apenas o mundo das aparências.
Partindo dessa premissa, compreendemos que a integração curricular
apresentada nos três sentidos anunciados por Ramos pressupõe que a unidade
do conteúdo ocorre apenas na perspectiva do método dialético. Isso decorre,
segundo Kosik (1976), porque a realidade é dialética. Assim, “as tentativas de
criar uma nova ciência unitária tem origem na constatação de que a própria
realidade, na sua estrutura, é dialética” (KOSIK, 1976, p. 45).
A apreensão da realidade só se efetiva ou só será desvelada se com-
preendermos que:

Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético,


do qual ou no qual um fato qualquer (classes de fatos ou conjuntos de
fatos) pode vir a ser relacionalmente compreendido. Acumular todos
os fatos não significa ainda conhecer a realidade; e todos os fatos
(reunidos em seu conjunto) não constituem a totalidade. Os fatos são
conhecimentos da realidade se são compreendidos como fatos de um
todo dialético [...] e são entendidos como partes estruturais do todo
(KOSIK, 1976, p. 44).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 99

Nesse sentido, os fatos devem ser compreendidos como parte do todo


que se integram, não são isolados da realidade concreta, mas se configuram
como elementos essenciais na composição do todo.

Concepção de currículo integrado para os professores

Os dados coletados pela pesquisa empírica revelaram aproximação entre


a discussão teórica apresentada nos documentos oficiais relativos ao Proeja e
a narrativa dos professores. Os professores mostraram a necessidade de articu-
lação entre os conhecimentos gerais e específicos como totalidade do conheci-
mento; a necessidade de que a formação perpasse os conhecimentos gerais e
específicos de forma articulada, ou seja, em uma relação que ultrapassasse a
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visão de que os conhecimentos das disciplinas da base comum são melhores,


piores ou independentes dos conhecimentos das disciplinas específicas.
Provavelmente, essa aproximação seja justificada pelo fato de que os pro-
fessores realizaram no início da implementação do Proeja diversos cursos de
formação. Ademais, alguns professores afirmaram que organizaram grupos de
estudos nas escolas com a finalidade de compreender a proposta de currículo
integrado. No entanto, também é importante destacar que uma pequena minoria
dos professores entrevistados compreende a integração curricular apenas na
relação entre formação para atuação no e para o mercado de trabalho, distan-
ciando-se das orientações que constam nos documentos relativos ao Proeja.
Não ficou evidente nas respostas dos professores como a integração dos
conhecimentos gerais e específicos podem se materializar no processo de
ensino e aprendizagem. A interdisciplinaridade foi a alternativa apresentada
pelos professores, entretanto, sem clareza de como isso poderia ocorrer. Con-
forme Frigotto (2008), a interdisciplinaridade pode caracterizar-se como um
problema ou como necessidade. Se os conhecimentos forem abordados dentro
de uma lógica de fragmentação sem estarem relacionado com a realidade
concreta ou ainda com os conhecimentos das demais disciplinas, intensifica-se
muito mais a fragmentação do conhecimento e de sua apreensão por parte do
aluno. Porém, se abordado compreendendo e evidenciando que existe uma
realidade concreta social, e que os conteúdos são provenientes dessa condição
que é histórica e devem ser compreendidos nessa totalidade, com formulações
teóricas e aplicações práticas no mundo produtivo, independentemente de
serem classificados como gerais ou específicos, e que há uma relação entre
o todo, que é a realidade concreta, e os conteúdos ensinados e aprendidos, a
interdisciplinaridade possibilitaria o desvelamento do real, do que é essência
e da aparência conforme denominação de Kosik (1976).
Outro aspecto importante destacado pelos professores ao discutirem a
integração curricular diz respeito à necessidade de debaterem em planejamento
100

ou na hora-atividade a melhor forma ou como fazer para integrar os eixos


propostos (cultura, ciência, tecnologia e tempo). Isso demonstra que troca
de experiências e planejamento coletivo entre os professores são atividades
necessárias para garantir conhecimento de como fazer ou ainda como viabilizar
a proposta de integração, ao mesmo tempo que demonstra certa fragilidade
ou limite na compreensão e efetivação da proposta de integração curricular.
É de extrema importância destacar que essa fragilidade não decorre da
capacidade intelectual ou muito menos da vontade e dedicação de imple-
mentar a proposta de integração curricular, mas sim pela precária condição
de trabalho que os professores têm, pouca ou nenhuma formação inicial e
continuada oferecida, exaustivas horas de trabalho, hora-atividade insuficiente
para dedicação aos estudos, preparação de aulas e correção de provas.

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Por meio dos dados coletados, é possível entender que os professores per-
cebem a necessidade de garantir que o conhecimento seja apreendido em sua
totalidade, no sentido de que o aluno tenha condições de compreender o con-
teúdo em suas relações na sociedade em que vivem, porém, sentem necessidade
de formação continuada e mais tempo para grupo de estudos e planejamento
coletivo. Percebemos que o problema da evasão ou excessivo número de faltas
dos alunos, que marcam o histórico da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
permaneceu sem discussões e ações efetivas no planejamento e na implemen-
tação do Proeja, tornando-se um grande problema na efetivação do programa.
Outro aspecto muito mencionado nas entrevistas foi a rotatividade dos
professores que ensinavam no programa. Muitos dos que lecionavam no Proeja
não eram professores com carreira efetiva, por isso, a cada ano, estavam em
estabelecimentos de ensinos diferenciados, com turmas diversas ou, outras
vezes, nem conseguiam aula, como é o caso de professores chamados de PSSs,
contratados pelo regime de Processo de Seleção Simplificado.
Com relação aos problemas enfrentados na implementação do programa, os
professores citaram ainda que havia uma lacuna entre os conhecimentos trazidos
pelos alunos e os conhecimentos definidos no currículo do Proeja ou ainda que
os conteúdos não contemplavam as necessidades dos alunos. Compreendemos
por meio dos relatos dos professores que havia uma discrepância entre o que
havia sido definido como conteúdo básico para os cursos do programa e o que os
alunos tinham de conhecimento e, ainda, como utilizá-lo no mercado de trabalho.
Talvez, essa condição ou o limite trazido pelo aluno e a dificuldade de
apreensão do conteúdo ensinado nos cursos sejam fatores que vão gerar outro
problema apontado pelos professores: a desmotivação dos alunos. Sabemos
que, historicamente, esses alunos vivem condições de exclusão decorrentes da
sua origem e dos problemas oriundos de sua situação social. Ainda, depois de
descompassos no processo de sua escolarização, têm dificuldades de inserção
no sistema produtivo por conta da não qualificação profissional exigida hoje
pelo mercado como forma de conter a demanda de mão de obra disponível.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 101

Esses fracassos na trajetória dos sujeitos que buscam a formação exigida


pelo Proeja configuram-se como fator de grande relevância na concretização
de sua baixa-estima. Diante de tantos percalços, a dificuldade de assimilar e
acompanhar os conteúdos torna-se mais um dilema integrado a tantos outros.
Além das dificuldades expostas, a maioria dos alunos que frequentam os cursos
do Proeja são trabalhadores que tiveram uma exaustiva jornada de trabalho
diário, tornando-se a terceira jornada cansativa e maçante, corroborando para
o descrito pelos professores como “desmotivação”.
Observamos ainda angústias e anseios que perfazem a trajetória dos
docentes que trabalham no Proeja, principalmente no que diz respeito à forma-
ção defasada do aluno que ingressa no programa, a necessidade de formação
continuada oferecida e pleiteada pelo Estado e tempo para planejamento e
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estudos coletivos sobre diretrizes legais, teóricas e metodológicas que fun-


damentam a proposta de integração da Educação Profissional e Educação
Básica na modalidade de EJA, a necessidade de garantir condições de trabalho
adequadas aos professores e plano de carreira, garantindo a permanência deles
nos cursos ofertados, e a responsabilidade do poder público em viabilizar os
recursos necessários para a efetivação do programa com qualidade.

Considerações finais
Identificamos em vários momentos que uma das questões que deveriam
ser contempladas para a efetivação do programa era a formação continuada dos
professores. A formação dos professores, neste caso específico, formação con-
tinuada para os professores do Proeja, como qualquer ação de política pública,
configura-se dentro de um contexto maior em que vigoram interesses divergentes
entre Estado e trabalhadores. Como resultado das contradições entre capital e
trabalho, torna-se amarrada a um jogo de interesses e tem como consequência o
pouco ou o não investimento em questões cruciais para a qualidade da educação.
A partir dessa primeira constatação com relação à formação dos profes-
sores, e ao analisarmos os dados referentes aos conceitos que fundamentam
a proposta do programa, constatamos que a compreensão dos docentes a
respeito de Currículo Integrado, bem como demais conceitos e categorias
que fazem parte da discussão teórica do Programa, se aproximam em alguma
medida da concepção apontada pelos teóricos estudados e das diretrizes legais
da proposta, porém, de forma generalista. Percebemos que os apontamentos
e as conceituações feitas pela maioria dos professores partem de conceitos
gerais da educação ou de conhecimento e experiências de sua prática docente.
Questões mais específicas sobre o Currículo Integrado explicitaram-se como
lacunas ou barreiras para a efetivação do trabalho de alguns professores, por
exemplo, ao definirem que integração curricular era relacionar os conteúdos
de determinada disciplina com o mercado de trabalho.
102

É necessário reiterar que durante a realização das entrevistas e com base


nos dados apresentados percebemos um esforço colossal dos professores para
darem conta da efetivação do programa com qualidade e do comprometi-
mento com a formação da classe trabalhadora. Percebemos professores que,
apesar de terem limites em sua formação e fragilidades em prática docente,
buscavam inteirar-se, comunicar-se e estudar, muitas vezes sozinhos, para
suprir defasagens da sua atividade como forma de garantir que a proposta de
Currículo Integrado realmente acontecesse.
Outro aspecto que observamos ao conversar com os professores durante
a aplicação dos questionários é que eles demonstraram ter bom conhecimento
dos problemas sociais, com postura crítica frente à realidade e à condição de
trabalhadores, sendo sua prática docente imbuída de um discurso que procura

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problematizar os dramas da realidade.
Presenciamos a dificuldade que os professores têm para colocar em prá-
tica a proposta do Proeja, dadas as condições de trabalho que se encontram
como trabalhadores pertencentes a um sistema dual de educação. A questão da
evasão dos alunos, que se constituiu como um problema na EJA, permanece
um drama no Proeja. Problemas oriundos do processo de divisão da riqueza
social que exclui a maioria da população da possibilidade de acesso à riqueza
material e intelectual, e insere professores e alunos na condição de trabalhado-
res, sendo a maioria na informalidade, vítimas de um percurso escolar truncado
e um mercado de trabalho perverso. Ao mesmo tempo em que são segregados
e excluídos do processo de formação regular, por necessitarem desde muito
pequenos trabalhar para sobreviver, lhes é cobrada formação profissional para
poderem concorrer a uma vaga no mercado de trabalho.
São esses alunos-trabalhadores que esperam condições melhores de
vida e com esforço imenso dentro dos limites das suas condições reais e de
seu tempo poder concluir um curso que dê a possibilidade de lhes tirar da
condição de marginalizado social e da pobreza cultural e material e do estigma
que carregam por não terem concluído os estudos. Para tanto, percebemos a
necessidade de o Estado garantir que os mestres que estão à frente do processo
de ensino tenham condições de trabalho condizentes com as pretensões do
Proeja, sendo este um dos aspectos essenciais para que a proposta de Currí-
culo Integrado se concretize. Não temos a ingenuidade de pensar que apenas
a formação continuada dos professores garantiria a efetivação da proposta
de currículo integrado, principalmente por que as condições sociais revelam
grandes contradições para sua efetivação desta proposta. Entretanto, deve ser
uma ação estatal, entre tantas outras.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 103

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União, Brasília, DF, 18 abr. 1997.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º


do Art. 36 e os Arts. 39 a 41 da Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 jul. 2004.
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BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes


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A POLÍTICA DA QUALIDADE
EDUCACIONAL PARA O BANCO
MUNDIAL PROPOSTA NO
DOCUMENTO: uma agenda de competências
e empregos para a juventude de 20181
Amanda Melchiotti Gonçalves
Dhyovana Guerra
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Roberto Antonio Deitos

Introdução

O Banco Mundial tem conferido ao Brasil orientações significativas de


como deve ser a educação e, sobretudo, determina os rumos da qualidade no
país. A qualidade é medida pelos parâmetros que se estabelecem no âmbito
das políticas educacionais. Esses, por sua vez, não são dados isolados de seu
contexto histórico, pelo contrário, são constituídos pelo embate econômico,
político e ideológico das circunstâncias sociais.
Nessa conjuntura, recomendações de agências multilaterais, como o
Banco Mundial, tornam-se balizadoras de diagnósticos e análises considera-
dos cabíveis a todos os países da América Latina e Caribe, no que toca tanto
à educação quanto à economia (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA,
2011). Partindo desses pressupostos, o presente artigo busca analisar, ainda
que brevemente, a qualidade na educação a partir da definição de competência
proposta pelo Banco Mundial no documento “Competências e Empregos:
Uma Agenda para a Juventude”, de 2018.
As condições para análise foram dadas pela base concreta de uma socie-
dade, cujo princípio está no reconhecimento de uma classe sobre a outra. Por
essa razão, entende-se que a educação está inserida na relação entre processo
de produção e processo educativo, caracterizando-se por concepções confli-
tantes e, acima de tudo, antagônicas (FRIGOTTO, 2010). Tais compreensões
foram imprescindíveis, na medida em que permitiu analisar o documento do
Banco Mundial – “Competências e Empregos: Uma Agenda para a Juventude”,
de 2018, considerando-o como efeito da realidade, bem como a expressão das
determinações históricas (EVANGELISTA, 2012).

1 Texto publicado originalmente na Revista Germinal: Marxismo e Educação em Debate, v. 12, n. 1, p. 315-324,
abr. 2020.
106

O norte investigativo do artigo, baseou-se no seguinte questionamento:


Como se expressa a qualidade educacional no documento do Banco Mundial
– “Competências e Empregos – Uma Agenda para a Juventude”, de 2018? Na
tentativa de encontrar a resposta, o artigo na primeira parte identifica o contexto
de referência das políticas educacionais, considerando a educação como cons-
tituinte da relação econômica e social. Na segunda seção, tendo como foco o
documento do Banco Mundial (2018), depreende-se sobre a qualidade da edu-
cação, levando em conta que a mesma é um fenômeno complexo, abrangente
e envolve múltiplas determinações, entre elas, a política (SOLIGO, 2013).

O contexto de referência das políticas educacionais

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Para atender ao objetivo proposto do artigo, faz-se necessário retomar o
contexto de referência que dá sustentamento às proposições defendidas pelo
Banco Mundial. O intuito é compreender o movimento histórico, político e eco-
nômico das políticas educacionais, partindo do pressuposto de que as mesmas
são constituintes da política social (DEITOS, 2010). Antes, é fundamental salien-
tar que a educação está inserida nas determinações das relações sociais, logo,
ela apresenta-se como um campo de disputa hegemônica (FRIGOTTO, 2010).
No campo dos interesses antagônicos, a educação, segundo Frigotto
(2010), passa a ter um caráter de subordinação aos interesses do capitalismo
na economia globalizada. Cabe registrar que essa subordinação não ocorre
de forma impositiva, uma vez que há o caráter contraditório das próprias
relações sociais capitalistas.
Por essa razão, ao tratar de políticas educacionais é fundamental ter a
clareza de que essas devem ser analisadas como estratégias de planejamento
e de gestão estabelecidas no plano da economia política global, para além
das demandas internas dos países. Não obstante, os documentos emanados
de agências multilaterais expressam os interesses e as intenções com a mun-
dialização do capital (LIBÂNEO, 2018).
Para entender as finalidades e objetivos explicitados nos documentos
oriundos de agências multilaterais, é preciso, segundo Evangelista (2012),
considerá-los como resultados de práticas sociais, bem como a expressão da
consciência humana. Nesse sentido, as orientações descritas nos documentos
que influenciam as proposições das políticas educacionais nos países, permi-
tem identificar as finalidades e objetivos dos sistemas escolares, ou seja, os

critérios de qualidade da educação escolar e sua ressonância na formulação


de currículos, objetivos da formação escolar, formas de organização e ges-
tão das escolas, ações de ensino aprendizagem incluindo práticas de ava-
liação, políticas de formação de professores, etc. (LIBÂNEO, 2018, p. 45).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 107

As políticas educacionais tornam-se balizadoras, sobretudo, na qualidade


de ensino. As orientações e diretrizes propostas por agências multilaterais
ganham ênfase na década de 1990, uma vez que é o período marcado por
profundas alterações sociais (CARVALHO, 2010). As alterações sociais são
consequências expressivas do campo produtivo, pois em resposta à crise estru-
tural do capital, que se iniciou em 1960, a reestruturação das condições gerais
de produção para uma nova forma de organização produtiva, foi a solução
encontrada. Os conceitos difundidos pela nova ordem econômica estabelecida,
passou a priorizar o lean-production, qualidade total e just-in-time.
Em consonância com os princípios da flexibilidade produtiva, passa-se
a adotar a política ideológica do neoliberalismo. A prioridade do neolibe-
ralismo foi dada pelas intensas reformas, tais como: desregulamentação,
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privatização, Estado mínimo etc. (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA,


2011). As consequências desta política adotada foram correspondentes a um
sistema ideológico de dominação, isto é, seus traços mais evidentes não se
encontram apenas nas políticas econômicas, mas, principalmente, nas polí-
ticas sociais (NOMA, 2017).
Segundo Noma (2017), abordar o neoliberalismo, implica compreendê-lo
como um conjunto de políticas e como um receituário para reformas, o qual
submete as instâncias da vida social à lógica do mercado. É neste contexto que
a educação está inserida, pois não é possível desvencilhá-la das contingên-
cias sociais, políticas, ideológicas e econômicas. Com base nessa conjuntura,
Mészáros (2016), afirma que a educação está em crise, porém, a crise atual
não se dá somente por alguma instituição educacional, mas se trata de uma
crise estrutural de todo o sistema.
Os impactos da ordem econômica mundial estabelecida tem demonstrado
que a educação se estrutura no bojo das definições neoliberais, cujo funda-
mento se baseia nos princípios de eficiência, competitividade e produtividade.
Assim, afirmar que a educação está em crise, inclui defini-la como constituinte
de duas funções principais na sociedade capitalista: “(1) a produção das habi-
lidades necessárias para gerir a economia e (2) a formação dos quadros, bem
como a elaboração dos métodos, do controle político” (MÉSZÁROS, 2016,
p. 277). Ou seja, as práticas educativas têm se destinado a subordinar-se à
sustentabilidade da lógica do mercado (LIBÂNEO, 2018).
A lógica do mercado tem se mostrado pela estandardização de resultados
e tem regulado à escola a busca pelos fatores de rendimento e produtividade.
Esta concepção educacional presente nas políticas educacionais, remete-nos à
Teoria do Capital Humano, pois dispõe da educação como um determinante da
competitividade entre os países. Assim, as agências multilaterais corroboram
profundamente com a disseminação de princípios educativos voltados para a
necessidade imediata da economia, consequentemente, os efeitos disso
108

[...] se traduzem na uniformização das políticas educacionais em escala


mundial por meio de modelos de governança decorrentes de avaliações
externas, conforme pode ser constatado em documentos oficiais do governo
como diretrizes, programas, projetos etc. (LIBÂNEO, 2018, p. 47).

O intuito é demonstrar que as práticas educativas e, de modo específico,


a política educacional, engendra-se nas bases materiais da sociedade, ou seja,
a determinação dessas se dão, em grande medida, pelas instâncias mediadoras
socioeconômicas e ideológicas (ZANARDINI; DEITOS, 2017).
Como um instrumento ideológico, a educação nos diversos documentos
de políticas educacionais, tem a primazia de popularizar formulações como
eficiência, eficácia, performance e resultados. O viés economicista parte do

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entendimento de que educação eficiente é aquela capaz de fazer mais com
menos. Dessa forma, a qualidade na educação tem se dado pelas políticas
avaliativas que dedicam maior atenção às ferramentas para mensurar o ren-
dimento dos alunos (SHIROMA; ZANARDINI, 2019).
De acordo com Zanardini e Deitos (2017), o viés economicista na edu-
cação é compreendido pelo processo social, uma vez que está intrinsecamente
relacionada com o processo de reprodução e a consequente formação da força
de trabalho necessária, mesmo que na forma de excedente, que a sociedade
capitalista exige. É neste cenário que segundo Mészáros (2012), encontramos
o antagonismo inconciliável entre capital e trabalho, pois assume “sempre e
necessariamente a forma de subordinação estrutural e hierárquica do trabalho
ao capital, não importando o grau de elaboração e mistificação das tentativas
de camuflá-la” (MÉSZÁROS, 2012, p. 19, grifo do autor).
Segundo Mészáros (2008), poucos seriam capazes de negar que os pro-
cessos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução
estão intimamente ligados. Por isso, Zanardini e Deitos (2017) analisam que
a política educacional como constituinte do processo social amplo e como
componente determinantemente relativa da estrutura jurídico-estatal e do
poder político do Estado,

[...] produz nos seus limites, como esfera da superestrutura sociopolítica


e educacional, condições relativas e mínimas necessárias para a manu-
tenção da ordem social, ao mesmo tempo em que é espaço de mediações
contraditórias e de disputas políticas, educacionais e ideológicas que
podem gerar enfrentamentos a esta mesma ordem social que a subordina,
gerando processos concebíveis e socialmente viáveis quando articulados
como coletivo de interesses sociais para uma ordem oposta a vigente, em
que a emancipação humana é o ponto de partida para uma nova estrutura
social (ZANARDINI; DEITOS, 2017, p. 96).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 109

Expor esse quadro das políticas educacionais é um movimento profí-


cuo, porque permite a compreensão de que elas se situam nas tensões das
transformações econômicas, políticas, culturais e geográficas. Desse modo,
no plano da ordem global, as políticas educacionais reiteram proposituras de
agências multilaterais, cujo intuito é de levar os países a ancorarem-se nos
ajustes estruturais e setoriais. De acordo com Deitos e Lara (2012), às agências
multilaterais preconizam uma política educacional que confere à educação a
função ideológica de estabilidade política e econômica. Esta concepção está
enraizada nas orientações neoliberais, que “postulam ser o desenvolvimento
econômico, alimentado pelo desenvolvimento científico, o fator de garantia
do desenvolvimento social” (LIBÂNEO, 2012, p. 43).
Com base nessas afirmações, busca-se na próxima seção analisar a qua-
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lidade na educação a partir das competências propostas pelo Banco Mundial


no documento “Competências e Empregos: Uma Agenda para a Juven-
tude”, de 2018.

Qualidade educacional para o Banco Mundial: uma análise do


documento “Competências e Empregos – Uma Agenda para a
Juventude de 2018”

O objetivo desta seção é destacar o balizador de qualidade para o Banco


Mundial. Para tal, utilizaremos o documento do Banco Mundial, denominado
de “Competências e Empregos: Uma Agenda para a Juventude”, de 2018. O
documento mencionado, traz um resumo centrado na avaliação dos princi-
pais desafios que os jovens enfrentam para alcançar a empregabilidade e a
produtividade (BANCO MUNDIAL, 2018).
Neste documento, o Banco Mundial desenvolveu um relatório que enfa-
tiza as competências e empregos necessários para os jovens brasileiros. De
início, enfatiza-se que as competências descritas pelo Banco Mundial, repre-
sentam o status quo da cultura liberal-conservadora do século XXI. Sobre
isso, Mészáros (2014) salienta:

Em nossa cultura liberal-conservadora o sistema ideológico socialmente


estabelecido e dominante funciona de modo a apresentar – ou desvirtuar
– suas próprias regras de seletividade, preconceito, discriminação e até
distorção sistemática como “normalidade”, “objetividade” e “imparciali-
dade científica” (MÉSZÁROS, 2014, p. 57).

As considerações de Mészáros (2014), tornam-se esclarecedoras, na


medida em que o documento do Banco Mundial – Competências e Empre-
gos: Uma agenda para a juventude do ano de 2018, elenca o imperativo da
110

produtividade como um determinante de eficiência. Reforçam a condiciona-


lidade do desenvolvimento econômico de um país, baseando-se no capital
humano: “Um determinante crítico do potencial de produtividade do trabalho
de qualquer país e, em última instância, de seu desenvolvimento econômico,
é o seu capital humano – a força de trabalho e suas competências” (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. 6).
Segundo Altmann (2002), o Banco Mundial defende explicitamente a
relação entre educação e produtividade, por meio de uma visão economicista.
Não por acaso, o documento proposto para análise sustenta a necessidade de
um conjunto de políticas públicas no sistema educacional que ofereça com-
petências necessárias para as demandas de mercado:

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As intervenções por meio de políticas públicas podem melhorar o sistema
educacional e de capacitação para oferecer competências relevantes e com
base na demanda, bem como aumentar a eficiência do mercado de trabalho
em termos de alinhamento entre trabalhadores capacitados e empregadores
(BANCO MUNDIAL, 2018, p. 7).

O Banco Mundial exerce a função de ordenamento ideológico das polí-


ticas educacionais. Segundo Scaff (2013), os projetos desenvolvidos pelo
Banco Mundial para a educação brasileira, cumpre a finalidade de formar
indivíduos para o mercado de trabalho. Entretanto, cabe salientar que “é
impossível impor ao capital uma outra lógica que não seja a da sua própria
reprodução” (TONET, 2016, p. 34).
Nesse sentido, a Agenda para a Juventude coloca o futuro do país nas
mãos dos jovens, pois segundo o Banco Mundial (2018), a produtividade está
nas mãos dos que possuem entre 15 a 29 anos. As instituições responsáveis
pelo processo de aprendizagem dos mesmos, precisam desenvolver compe-
tências, a fim de engajá-los plenamente na economia (BANCO MUNDIAL,
2018). Ainda, de acordo com o Banco Mundial (2018):

Se a educação básica e o sistema de desenvolvimento de competências


estiverem preparados para atender às demandas dos empregadores, os
jovens terão maior chance de acompanhar as mudanças e atendê-las. Assim
como o envelhecimento da população, isso transfere o peso da urgência
da agenda jovem do objetivo de inclusão social para o da produtividade e
do crescimento econômico (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 9).

Para o Banco Mundial (2018), o desenvolvimento de competências para o


emprego e, consequentemente, as capacidades de aprendizagem que ocorrem
no emprego, são dispositivos essenciais para o jovem na faixa etária mais
produtiva (15-29 anos). Assim, especificam três tipos de competências para
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 111

que a agenda da juventude voltada para empregos seja atendida: “cognitivas,


técnicas e socioemocionais” (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 9). No entanto,
engana-se ao pensar que essas competências restringem-se apenas aos jovens
entre 15 a 29 anos, visto que no documento, o Banco Mundial (2018) elucida:
“Esses três tipos de competências podem ser adquiridos durante toda a vida,
mas a primeira infância é o período ideal para aprender a maioria das com-
petências, que podem ser rapidamente acumuladas e dar ao jovem um bom
começo” (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 9, grifo nosso).
Essas competências definidas pelo Banco Mundial (2018), cujo intuito
é compor uma agenda para juventude brasileira, serão delineadoras da quali-
dade de ensino no país. Os processos de avaliação em larga escala, bem como
a elaboração de livros didáticos, respaldar-se-ão nas competências dispostas
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pelo Banco Mundial (2018). Como exemplo, temos a Base Nacional Comum
Curricular (BNCC)2 no país, que já é um fato estabelecido. Seu norte formativo
baseia-se nas “Competências Gerais da BNCC”, sendo: 1 – Conhecimento; 2
– Pensamento científico, crítico e criativo; 3 – Repertório Cultural; 4 – Comu-
nicação; 5 – Cultura digital; 6 – Trabalho e projeto de vida; 7 – Argumentação;
8 – Autoconhecimento e autocuidado; 9 – Empatia e cooperação e 10 – Res-
ponsabilidade e cidadania (MOVIMENTO PELA BASE, 2018, p. 2).
O relatório do Banco Mundial (2018), enfatiza o fator econômico como
um problema a ser superado no país. A solução para o Banco Mundial (2018),
é conferir uma urgência à agenda de políticas de competências e emprego,
“mas com ênfase na produtividade futura dos trabalhadores, e acentua o foco
no engajamento dos jovens na escola e no trabalho” (BANCO MUNDIAL,
2018, p. 12). Por essas definições, é possível depreender, a partir das conside-
rações de Tonet (2016), que a concepção de educação defendida pelo Banco
Mundial (2018), faz a distinta separação entre trabalho intelectual e trabalho
manual, haja vista a explícita noção de elevar a produtividade do país mediante
a empregabilidade dos jovens no mercado de trabalho. Vale dizer que numa
sociedade cujo establishment encontra raízes na desigualdade social, logo,
na luta de classes, a divisão social do trabalho é uma realidade que mantém
a ordem dos dominantes versus dominados. À vista disso,

Esta imposição da divisão social hierárquica do trabalho como a força


cimentadora mais problemática – em última análise, realmente explosiva
– da sociedade é uma necessidade inevitável. Ela vem da condição insu-
perável, sob o domínio do capital, de que a sociedade deva se estruturar de
maneira antagônica e específica, já que as funções de produção e de controle

2 Aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), no dia 15 de dezembro de 2017, a BNCC referente a
Educação Infantil e ao Ensino Fundamental. No dia 4 de dezembro de 2018, aprovou-se pelo CNE a BNCC
do Ensino Médio.
112

do processo de trabalho devem estar radicalmente separadas uma da outra


e atribuídas a diferentes classes de indivíduos (MÉSZÁROS, 2011, p. 99).

A consequência dessa divisão é a incisiva dominação do capital sobre o


trabalho, além do não acesso dos trabalhadores sobre a totalidade do processo
produtivo (TONET, 2016). Nessa lógica, o Banco Mundial (2018), apresenta
que a chave para elevar o potencial de produtividade do país é aumentar o
capital humano. Para conseguir um emprego, na definição encontrada no
documento, o jovem necessita de engajamento. O engajamento é entendido
como a capacidade de contribuir com o desenvolvimento econômico do país.
Assim, para o Banco Mundial (2018):

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A pergunta essencial que essa análise suscita para os formuladores de
políticas é saber se, em condições econômicas menos favoráveis, é pos-
sível manter as conquistas anteriores em termos do engajamento juvenil.
Esta é uma preocupação para um país cujo potencial de produtividade
depende de forma tão crítica do engajamento de seus jovens (BANCO
MUNDIAL, 2018, p. 15).

A questão central reside no fato de impor ao jovem a responsabilidade


de ser o motor da economia. Assim, a qualidade educacional neste contexto
caracteriza-se, apesar do apelo democrático e inclusivo, pela ênfase gerencial,
com forte viés tecnicista e produtivista (DOURADO, 2007).
O que se exige da educação é o retorno à produtividade. Para o Banco
Mundial (2018), há gastos generosos com a Educação no Brasil, todavia, os
jovens não estão adquirindo competências que os fazem tornar trabalhadores
competitivos. Logo, vê-se que o índice de qualidade para o Banco Mundial
(2018), é aquele capaz de garantir a “qualidade econômica”, isto é, o desenvol-
vimento econômico com base nas regras do livre mercado (SOLIGO, 2013).
Os resultados dos índices avaliativos, de acordo com o Banco Mundial
(2018), precisam estar articulados às exigências do mercado. Desse modo,
propor uma educação que tenha uma força de trabalho plenamente equipada
com as competências do século XXI, é a meta a ser alcançada. O objetivo
é conseguir formular políticas que visem a elaboração de uma agenda de
competências e empregos (BANCO MUNDIAL, 2018). A fim de atingir tal
objetivo, o documento descreve:

A criação de um novo currículo baseado em competências e o modelo de


escolaridade em tempo integral são passos importantes [...] Pensar mode-
los alternativos para desenvolver competências socioemocionais dos
adolescentes trará o benefício de melhores comportamentos; assegurar
um ensino técnico mais relevante, por meio de parcerias mais estreitas,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 113

e em diferentes níveis, com o setor privado, desenvolverá competências


técnicas alinhadas com as necessidades das empresas (BANCO MUN-
DIAL, 2018, p. 32, grifo nosso).

As competências socioemocionais são mecanismos para formar indivíduos


resilientes, capazes de suportar a “viabilidade produtiva” de um sistema que
subordina desde as relações humanas até empresas transnacionais ao seu crité-
rio sociometabólico de uma economia de livre mercado (MÉSZÁROS, 2011).
A educação na lógica propagada pelo Banco Mundial (2018), está asso-
ciada ideológica e economicamente ao processo de produção e à competiti-
vidade econômica (DEITOS, LARA, 2019). Nesse sentido, as competências
formativas para o século XXI, proclamadas no documento do Banco Mundial
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de 2018, buscam atender as demandas produtivas socioeconômica, político-


-ideológica da cultura liberal conservadora (MÉSZÁROS, 2014; DEITOS,
LARA, 2019). A qualidade educacional pensada desta maneira, evidencia o
caráter subordinativo dos mais fortes sobre os mais fracos e reforça a estrutura
vigente do sistema dominante.

Considerações finais

Sem a intenção de encerrar as possibilidades de discussão acerca da


análise feita, corrobora-se com o fato de que a educação, sob a perspectiva
expressa pelo Banco Mundial (2018), está imersa na viabilidade imediata,
na busca de capital humano, cuja apropriação de conhecimentos, habilidades
e objetivos, voltam-se a um caráter subordinativo à reprodução da riqueza.
De acordo com Moraes (2009), apreende-se que o mundo é muito mais do
que as impressões e sensações que dele temos, assim, sob esta compreensão, a
crítica teórica e prática, só pode ser efetiva com base na reconstrução de uma
ontologia realista, uma ontologia crítica. Por isso, observa-se que a política
educacional tem evidenciado ditames teóricos e ideológicos da política hege-
mônica. As competências descritas pelo Banco Mundial (2018), evidenciam
os almejos socioeconômicos de uma formação prioritária para o mundo do
trabalho, haja vista que os sujeitos desta formação são meras mercadorias de
ajuste do campo econômico e social.
Pela exposição, entende-se que os princípios educacionais do documento
do Banco Mundial – Competências e Empregos: Uma agenda para a juventude,
de 2018, anunciam a desqualificação do conhecimento, visto que a qualidade
na educação, baliza-se pela formação socioeconômica, isto é, sujeitos com uma
formação restrita, a fim de que contribuam para a permanência do existente
e para a negação de seu próprio processo emancipatório.
114

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AVALIAÇÃO EM LARGA
ESCALA E BNCC: estratégias para
o gerencialismo na educação1
Marijane Zanotto
Simone Sandri

Introdução
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Nesse texto, nosso objetivo principal é analisar a relação entre políticas


de avaliação em larga escala e a Base Nacional Comum Curricular – BNCC,
no sentido de identificar elementos do gerencialismo, nas dimensões de con-
trole e de resultados da educação. Diante dessa finalidade, questionamos:
quais os conteúdos presentes nas políticas de avaliação em larga escala e na
BNCC que se aproximam da perspectiva gerencial, nas dimensões de controle
e resultados da educação?
Para pesquisar esse problema, apontamos o seguinte pressuposto: a
BNCC é uma política curricular que tende a intensificar o gerencialismo na
educação por meio do aprofundamento do controle da gestão escolar, do tra-
balho dos professores e o processo de formação do conhecimento dos alunos.
Portanto, consideramos como categorias de análise o gerencialismo e
como subcategorias o controle e resultados. Para a compreensão de gerencia-
lismo, referenciamos Gaulejac (2007) que define a gestão gerencialista como
“uma ideologia que traduz as atividades humanas em indicadores de desempe-
nho, e esses desempenhos em custos ou benefícios” (GAULEJAC, 2007, p. 37).
Nesse sentido, preservando a lógica da objetividade, racionalidade e prag-
matismo, o gerencialismo se dissemina nas diferentes esferas da vida social.
Com ênfase na administração, seja do setor privado ou público, o controle e
os resultados são priorizados em nome da produtividade. Diante das premissas
que embasam o gerencialismo na educação, tomamos como desafio com-
preender as relações entre às políticas de avaliação em larga escala e a BNCC.
Desenvolvemos nosso estudo a partir da pesquisa qualitativa, com base
bibliográfica e documental, organizada nos seguintes procedimentos meto-
dológicos: a) a partir da bibliografia sobre Estado, avaliação em larga escala
e currículo, levantamos análises de pesquisadores que abordam o gerencia-
lismo como elemento de controle materializado nas políticas educacionais de
avaliação e currículo; b) com base nas bibliografias estudadas, identificamos

1 Texto publicado originalmente na Revista Temas & Matizes, v. 12, n. 23, 2018.
118

e analisamos o conteúdo do documento “Base Nacional Comum Curricular –


Educação é a base” – para Educação Infantil e Ensino Fundamental, publicado
pelo Ministério da Educação – MEC, em 2017. Do estudo do documento,
identificamos as aproximações do seu conteúdo com a perspectiva gerencial.
Para sistematização do nosso estudo, organização esse artigo em duas
seções: na primeira seção, discutimos as políticas públicas de avaliação em
larga escala como condição e consequência da perspectiva gerencial para edu-
cação. Considerando que o modelo gerencial é o fundamento da administração
empresarial e das políticas de avaliação, se aplicado às escolas, submete-as
à mesma lógica, definindo que,

As instituições escolares devem ser pensadas e avaliadas (isto é, devem

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ser julgados seus resultados), como se fossem empresas produtivas. Produ-
zem-se nelas um tipo específico de mercadoria (o conhecimento, o aluno
escolarizado, o currículo) e, consequentemente, suas práticas devem estar
submetidas aos mesmos critérios de avaliação que se aplicam em toda
empresa dinâmica, eficiente e flexível (GENTILI, 2017, s. p.).

Nessas políticas, analisamos os desdobramentos do gerencialismo em


avaliações focadas em resultados que possam potencializar o controle do
Estado nas escolas públicas.
Na segunda seção, indicamos aspectos do gerencialismo no conteúdo do
documento norteador da BNCC e relacionamos esse conteúdo com os funda-
mentos das políticas de avaliação em larga escala, analisadas na primeira seção.
Nas considerações finais, evidenciamos que a “necessidade” da criação
da BNCC, tem a finalidade de ampliar o controle para uma educação por
resultados por meio de um currículo padrão e preparatório para as avaliações
em larga escala.

Políticas públicas educacionais: a avaliação em larga escala como


instrumento para o gerencialismo e controle

No contexto atual, em que as políticas públicas de avaliação são utilizadas


para mensurar e quantificar dados acerca da educação, observamos amplo ques-
tionamentos do Estado e da sociedade sobre a qualidade da educação brasileira,
em geral, atribuindo aos alunos, professores e escolas a responsabilidade por
baixos índices de desempenho. De certo, é necessário questionarmos as razões
de tal fato, se as soluções definidas efetivamente produzirão melhores índices,
ou se expressam a desqualificação da escola pública. Para efeito de exemplifi-
cação de ações do Estado, que são anunciadas como política para a melhoria da
qualidade da educação nacional, elencamos a BNCC como elemento importante
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 119

a ser problematizado. Contudo, para adentar na análise, é imprescindível com-


preendermos a função do Estado capitalista em que se situa tal medida.
O Estado capitalista, ao longo de seu processo de constituição, foi capaz
de reconfigurar uma instituição – a escola – que tem dado conta das suas
necessidades de sociabilidade ao garantir a formação dos trabalhadores para
a exploração e para não questionar a estrutura de classes desta sociedade.
Para fazer com que a escola atenda essa demanda formativa, entre outras
estratégias, os mecanismos de controle do desempenho educacional, via polí-
ticas públicas de avaliação, têm cumprido com a função de assegurar que os
fins da educação burguesa se efetivem. O racionalismo administrativo, tec-
nocrático e disciplinar do Estado exercem funções cruciais, rumo ao modelo
de gerencialismo e controle, pois,
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Práticas de exame, avaliação, novos exercícios e formas de controle


foram invadindo de forma incansável todos os refúgios em que os indi-
víduos “liberais” procuravam se abrigar e, além disso, foram apresen-
tando-se a estes de forma positivamente sedutora, convincente e eficaz
(MANCEBO, 2004, p. 39).

Vislumbramos assim, as imposições de adequação da educação ao pro-


cesso produtivo do capitalismo global para o século XXI, no qual, o conhe-
cimento com ênfase na sua mercantilização, passa a ser formulado por um
modelo gerencial para se rearticular aos ditames do produtivismo.
Nesse panorama, vale questionar e compreender que Estado é esse, para
quem serve e com que finalidade atua. Entre as diversas conceituações da
função do Estado, destacamos que

O Estado não é apenas mediação nas relações de classe e elemento de pre-


servação do predomínio de uma sobre a outra classe. Na época de conversão
da estrutura econômica, como se verifica no Brasil, nas últimas décadas,
o Estado surge como agente do processo produtivo. Ele opera, também e
principalmente, no nível infra-estrutural, diretamente no processo de for-
mação do capital, isto é, de acumulação capitalista. Na medida em que o
processo produtivo, em sentido amplo, exprime a forma pela qual se orga-
niza e cristaliza a práxis coletiva, segundo as determinações do mercado, o
poder público participa intensamente na formulação das possibilidades e na
própria dinamização das forças produtivas. [...] Nesse sentido, o Estado é a
expressão das relações de apropriação e dominação (IANNI, 2004, p. 240).

Em consonância com esta explicitação de Estado, conforme afirma


O’Donnel (1980, p. 11), “enquanto fiador da sociedade capitalista, o Estado
é o articulador e organizador da sociedade [...]”. Sendo assim, para dinamizar
120

este processo, o Estado constitui-se em diversas frentes e instrumentos, entre


eles as instituições estatais, que lhes dão vigor e por consequência viabilizam
os interesses do capital.
Nesse ínterim, a política educacional, direcionada pelos organismos
internacionais e desenvolvida em diferentes países, desencadeou, segundo
Afonso (2009, p. 122), “a emergência do Estado avaliador”. Desse modo,
a avaliação em larga escala, toma proporção crescente como instrumento
auxiliar do Estado. Importa considerarmos que,

[...] os testes têm seu lugar no mundo educacional como uma ferramenta de
pesquisa. O grave problema é que eles foram sequestrados pelo mercado e pelo
mundo dos negócios e nele, as suas naturais limitações são ignoradas. Dentro

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dessa lógica, como medida gerencial e de controle, os testes assumem a função
de medir o papel de controle ideológico dos objetivos da educação – mais
pelo que excluem do que pelo que incluem – e têm o objetivo de controlar os
atores envolvidos no processo educativo. Sem testes, não há responsabilização
e meritocracia – teses fundamentais do mercado (FREITAS, 2013, p. 57).

Na educação, se tomarmos como referência as políticas neoliberais,


implementadas mais incisivamente a partir da década de 1990, muitas estra-
tégias foram utilizadas para dar vigor aos incrementos do gerencialismo e
controle na administração pública. Para potencializar a lógica do mercado
na educação, a avaliação se constitui um importante instrumento. De acordo
com Zanotto (2010, p. 4), “em tempos de neoliberalismo, em que se prima
demasiadamente pela inserção dos indivíduos e instituições no rol da produção
do capital, a avaliação pode ser a mola que impulsiona a adaptação a esse
avassalador modelo”. Através dela, é possível inserir na educação, compo-
nentes que fazem parte do mundo do capital: ranqueamento, competição e
responsabilização. Esses componentes fazem emergir uma relevante categoria
na educação capitalista: o gerencialismo. Nesse sentido,

[...] o Estado, em vez de alargar o fundo público na perspectiva do aten-


dimento a políticas públicas de caráter universal, fragmenta as ações em
políticas focais que amenizam os efeitos sem alterar substancialmente as
suas determinações. E, dentro dessa lógica, é dada ênfase aos processos
de avaliação balizados pelo produtivismo e à sua filosofia mercantil, em
nome da qual os processos pedagógicos são desenvolvidos mediante a
pedagogia das competências (FRIGOTTO, 2012, p. 127-128).

Para isso, a legislação educacional, que em alguns casos, expressa projetos


societários divergentes, normalmente revela-se como instrumento direciona-
dor de políticas do Estado. Com marco datado do neoliberalismo no Brasil,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 121

se define em forma de lei, entre outros aspectos, a relação entre avaliação


e qualidade da educação. Com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB n. 9.394/96 se estabelece que “cabe à União avaliar
o rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior” (BRASIL,
1996, p. 4).
Seguindo essa lógica, o Plano Nacional de Educação – PNE, de 2001,
determinou à União a instituição do Sistema Nacional de Avaliação (BRASIL,
2001, p. 1). E assim, sucessivamente, foi se constituindo o aparato legal para
dar vigor a um modelo de formação humana por intermédio da implantação e
implementação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – SAEB.
Para a mensuração da qualidade de educação nacional em 2005, implantou-se
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEBatravés do qual,
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pode-se calcular, classificar e divulgar dados da educação nacional.


Nesse contexto, observamos que, a

[...] padronização dos programas de ensino e dos currículos escolares


contribuiu para uma diminuição na participação do professor no resultado
do seu trabalho, já que estas regulamentações influenciam no conteúdo
que o professor deve ensinar e em como ele irá ensinar (TUMOLO;
FONTANA, 2008, p. 164).

Então, o que podemos diagnosticar, é que as políticas de avaliação do


desempenho dos estudantes, medidas por instrumento da avaliação em larga
escala, dizem atestar, através dos resultados aferidos, a qualidade da educação
brasileira. No entanto, estes dados, estão servindo muito mais para classifi-
car e fazer comparações entre instituições, do que para agregar esforços na
superação das fragilidades do sistema, fragilidades estas que também são
responsáveis pelos índices de qualidade. Assim, pela avaliação, acaba por
se direcionar os rumos que as práticas escolares vêm tomando no âmbito do
sistema de ensino brasileiro.
A LDB nº 9.394/96, ao permitir que as instituições de ensino deliberem
sobre questões relativas à avaliação, tanto institucional, como do ensino e
aprendizagem, conforme seus projetos políticos-pedagógicos, acaba sendo um
engodo e engessa as possibilidades de avanços qualitativos na educação, visto
que, pela prerrogativa desta mesma lei compete à União, em última instância,
avaliar a educação básica e superior. Diante deste contexto,

A avaliação pode deixar de ser o que é para se transformar em outra moda-


lidade de trabalho institucional, essa transformação só pode ocorrer a nível
da escola; só pode ocorrer caso a escola, cooperativamente, proponha-se a
assumir as questões a serem mudadas. A mudança de perspectiva da avalia-
ção só acontecerá quando os professores de uma coletividade se propuserem,
122

por intencionalidade conjunta, a rever a forma de trabalho atual face a cri-


térios comuns de análise da sociedade e da escola (NAGEL, 1985, p. 28).

Na perspectiva do que a avaliação é, e pode se transformar, mediante


os ditames e interesses do capital, o Estado, por meio da empreendedora
ação política de aplicar à educação pública a lógica do mercado, desenca-
deou medidas gerencialistas e de controle, relacionados com a avaliação
da educação.
Freitas (1995), na década de 1990 já havia alertado que, o Estado pro-
cura manter o controle político sobre a escola através da avaliação externa
e de seu projeto que define “[...] as grandes e mais importantes linhas
políticas para a educação [...] com isso, ‘aumenta-se a governabilidade’

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do mesmo” (FREITAS, 1995, p. 258). A justificativa utilizada e anunciada
para efetivar essas ações foi de melhorar a qualidade da educação. Porém,
problematizamos essa qualidade, pois percebemos que está sustentada sob a
perspectiva do capital: resultados, eficiência, eficácia, controle. Constituído
um sistema avaliativo em larga escala para atestar qualidade e inferindo
que a qualidade é baixa, cria-se elementos para interferir de maneira mais
incisiva na formação humana que a escola deve realizar, visando determi-
nado projeto societário.
Um dos elementos delimitadores da prática pedagógica e da formação, é
o currículo escolar. Sustentados na lógica da relação estratégica entre avalia-
ção, currículo, gerencialismo e financiamento, nasce a Base Nacional Comum
Curricular. A relação da avaliação em larga escala com a BNCC é, segundo
Saviani (2016), assim evidenciada:

Considerando a centralidade que assumiu a questão da avaliação afe-


rida por meio de testes globais padronizados na organização da educação
nacional e tendo em vista a menção a outros países, com destaque para os
Estados Unidos tomados como referência para essa iniciativa de elaborar
a “base comum nacional curricular” no Brasil, tudo indica que a função
dessa nova norma é ajustar o funcionamento da educação brasileira aos
parâmetros das avaliações gerais padronizadas. Essa circunstância coloca
em evidência as limitações dessa tentativa, pois, como já advertimos, essa
subordinação de toda a organização e funcionamento da educação nacional
à referida concepção de avaliação implica numa grande distorção do ponto
de vista pedagógico (SAVIANI, 2016, p. 75).

E assim, justificada pela baixa qualidade da educação nacional e, para


ajustar o funcionamento da educação brasileira aos parâmetros das avaliações
gerais padronizadas mundialmenteemerge a BNCC.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 123

A BNCC como “produto” e “fomento” do gerencialismo: uma


política curricular para o controle e para resultados educacionais

A ideia de criação de uma base comum curricular tem aparecido na


história da educação com diferentes finalidades. No processo de redemocra-
tização do Brasil, nos anos de 1980, a discussão sobre uma base comum para
o currículo estava atrelada aos debates de elaboração da Constituição de 1988
e, posteriormente, a elaboração da LDB nº 9.394/96.
Segundo Saviani (2016), as discussões sobre a base nacional surgiram a
partir dos anos de 1970, com o movimento de reestruturação dos cursos de for-
mação de educadores e, nos anos de 1980, estiveram presentes na I Conferência
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Brasileira de Educação. Naquele momento, surgiu o Comitê Pró Participação na


Reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura, posteriormente, trans-
formado na Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação
de Educadores – CONARCFE. Nos anos de 1990, a CONARCFE originou a
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE.
O autor menciona que esse movimento sobre formação de professores
discutiu a ideia de base comum curricular e assumiu, predominantemente, um
posicionamento de negação dessa possibilidade para o currículo de formação
professores. Pois, fortaleceu-se a compreensão de que o conteúdo de uma
“base comum curricular” não deveria ser determinado pelo governo, nem por
intelectuais ou assembleia de educadores, mas precisava partir das análises,
dos debates e experiências para então se chegar à definição dos elementos
considerados importantes para a formação de professores.
De acordo com o autor, a gênese do debate sobre base comum curricular
tem como norte a definição de conteúdos essenciais para o currículo. Com-
preendemos, que essa ideia de “base comum curricular” destoa da concepção
presente na BNCC, conforme apontaremos no decorrer dessa seção.
Consideramos importante delimitar e diferenciar essas concepções, pois o
documento orientador da BNCC ressalta que a ideia de “base comum curricu-
lar” está prevista na Constituição Federal de 1988, na LDBEN 9.394/96, como
se a BNCC fosse a consolidação do debate traçado na elaboração dessas leis.
A concepção de “base comum curricular” discutida nos anos de 1980 e
no processo de elaboração da LDB 9.394/96 está mais próxima da perspec-
tiva presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais – DCN para as etapas da
Educação Básica, do que para a definição presente na BNCC. Nesse sentido,
endossamos a problematização levantada por Silva (2015, p. 375) “[...] as Dire-
trizes Curriculares Nacionais exaradas pelo Conselho Nacional de Educação,
dado seu caráter norteador e menos prescritivo, já não seriam suficientemente
definidoras e capazes de respeitar as diferenças regionais, culturais etc.?”.
124

De acordo com a autora, a educação brasileira já possui, por intermé-


dio das DCNs, uma orientação comum para organização dos currículos das
etapas da Educação Básica. Nesses termos, podemos indicar que a BNCC
é desnecessária.
No entanto, encontramos alguns sentidos para elaboração e efetivação da
BNCC quando analisamos o avanço do gerencialismo no campo educacional.
No atual momento, vivenciamos um aprofundamento do controle do Estado para
uma educação focada em resultados aferidos nas avaliações em larga escala.
A criação da BNCC, portanto, se justifica pela necessidade de ajustar
ainda mais o currículo escolar aos indicadores cobrados nas avaliações em
larga escala como o PISA e a Prova Brasil. Nessa direção, o documento
orientador da BNCC explicita a necessidade da organização curricular por

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competências, pois estas também são referências adotadas

[...] nas avaliações internacionais da Organização para a Cooperação e


Desenvolvimento Econômico (OCDE) que coordena o Programa Interna-
cional de Avaliação de Alunos (Pisa na sigla em inglês) e da Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (Unesco, na sigla
em inglês), que instituiu o Laboratório Latino-americano de Avaliação
da Qualidade da Educação para a América Latina (LLECE, na sigla em
espanhol) (BRASIL, 2017, p. 13).

Na citação acima, notamos a relação direta entre a BNCC e as avaliações


em larga escala como determinantes da organização curricular. Do ponto de
vista pedagógico, representa um processo inverso, pois, o currículo (suas
concepções filosóficas e pedagógicas) deveria direcionar e articular uma pers-
pectiva de avaliação e não o contrário.
Outro elemento do gerencialismo, que destacamos a partir da BNCC, é
o da organização curricular pautada no modelo de competências. De acordo
com Manfredi (1999, p. 11)

O uso e a difusão de um modelo centrado em saberes e habilidades pos-


suídos pelos trabalhadores foram iniciados nas grandes empresas multi-
nacionais ou transnacionais e vêm sendo acompanhados de um conjunto
de operações e práticas sociais que lhe dão forma e objetividade.

Em especial, a partir do desenvolvimento do toyotismo (após a II


Guerra Mundial), a definição do modelo de competências, intensifica a
divisão técnica do trabalho entre trabalhadores responsáveis pela execução
de tarefas (a maioria deles) e os trabalhadores destinados para o planeja-
mento, ratificando a divisão entre planejar e fazer no processo de trabalho.
Para Silva e Bernardim (2014, p. 27)
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 125

A multiplicidade de origens e significados atribuídos ao termo competên-


cias entre os diferentes dispositivos normativos culminaram em um dis-
curso fragmentado, mas nem por isso desarticulado. A lógica que o articula
está dada pelas mudanças tecnológicas e organizacionais dos processos
produtivos, conforme justificativa encontrada nos textos normativos e
que, no campo da educação, conduziria à homogeneização dos requisitos
de formação, marcados, especialmente, pelo atendimento a demandas
advindas do mercado de trabalho.

O modelo de competências, transposto da fábrica para o currículo escolar,


representou a marca das políticas curriculares dos anos de 1990, no Brasil,
conforme observamos nas DCNs e nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
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Agora, é retomado pela BNCC como possibilidade de reafirmação de uma


concepção de formação humana pragmática.
Para reforçar e controlar essa formação, são intensificadas as avaliações em
larga escala a partir de um conjunto de competências, definidas pelas políticas de
avaliação como descritores, os quais verificam o grau de apreensão cognitivas
dos sujeitos, relativas aos conhecimentos em Língua Portuguesa e Matemática.
Em 2017, a BNCC ajusta a relação entre educação e gerencialismo, por
meio de uma padronização curricular de amplitude nacional. Essa normativa
curricular retoma, portanto, além do modelo de competências, a concepção
de currículo defendida no início do século XX, pelo teórico Bobbitt. Segundo
Silva (2005, p. 23),

[...] Bobbitt queria que o sistema educacional fosse capaz de especifi-


car precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabele-
cer métodos para obtê-los de forma precisa e formas de mensuração que
permitissem saber com precisão se eles foram realmente alcançados. O
sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa
quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez, deveriam se basear
num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência
as ocupações profissionais da vida adulta.

Tal perspectiva anunciada na citação acima, tomou como referência a


teoria da Administração Científica ou Escola Clássica. A ideia de currículo
padronizado para favorecer a mensuração de habilidades (saberes práticos)
nos exames, prioriza “resultados precisos” do processo educacional. Tal ideia
que foi defendida no início do século XX, no Brasil, em 2017, ganhou forças
por meio da aprovação da BNCC.
O documento orientador da BNCC apresenta outros indicativos que o
aproxima da abordagem gerencial. Por exemplo, ao fazer referência ao ensino
e aprendizagem, o documento aponta a necessidade da “[...] competência
126

pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias mais dinâmicas,


interativas e colaborativas em relação à gestão do ensino e da aprendizagem”
(BRASIL, 2017, p. 16).
A BNCC como uma política curricular adequada e voltada para uma educa-
ção por resultados mensuráveis nas avaliações em larga escala, projeta também
o gerenciamento do ensino e da aprendizagem. Com isso, corrobora o controle
sobre os saberes a serem aprendidos pelos estudantes e ensinados pelos professo-
res, assim como é uma medida de controle do trabalho do professor, pois a ideia
de “gestão de ensino” remete à prescrição do trabalho do professor por manuais
didáticos elaborados com a finalidade de aplicar o currículo padronizado o que
compromete a autonomia didático-pedagógica do professor.
Para Dourado e Oliveira (2018, p. 41), entre outros indicativos, a

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BNCC atribui

a) ênfase na regulação e controle do sistema educacional sobre o traba-


lho dos professores e das escolas, contribuindo, paradoxalmente, para
secundarizar e/ou desqualificar o trabalho docente e para responsabilizar
os professores pelo desempenho dos estudantes; b) entendimento restrito
e conteudista da Base Nacional Curricular, visto como currículo único
nacional com relação de conteúdos mínimos prescritivos (competências
e habilidades); c) vinculação estreita entre currículo e avaliação em larga
escala, configurando a centralidade nos resultados obtidos pelos estudan-
tes nas provas nacionais de Português e Matemática, mais do que com os
processos de formação.

Nesse sentido, o trabalho do professor tende a ser formatado e direcio-


nado à preparação dos alunos para as avaliações em larga escala, potenciali-
zando o gerencialismo na promoção da educação por resultados.
Contudo, entendemos que o modelo de competências vinculado às
demandas empresariais, a padronização curricular que retoma a noção de
currículo difundida no início do século XX e o acirramento do controle sobre
o trabalho do professor, explicitam a BNCC como “produto” e “fomento”
do gerencialismo.

Considerações finais

Quando realizamos pesquisas, nos colocamos no desafio de recorrer aos


elementos históricos que o constituíram para fundamentar o que se expressa na
atualidade. No desenvolvimento do processo, são percebidas as contradições
em curso, o que se coloca no plano concreto e, na busca da totalidade, o que
anunciam as perspectivas. Assim, assumimos o entendimento de que “a reflexão
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 127

teórica sobre a realidade não é uma reflexão diletante, mas uma reflexão em
função da ação para transformar” (FRIGOTTO apud FAZENDA, 2001, p. 81).
Diante do nosso problema inicial, que se moveu na direção de elucidar
quais os conteúdos presentes nas políticas de avaliação em larga escala e na
BNCC que se aproximam da perspectiva gerencial, nas dimensões do controle
e resultados da educação, procuramos, por intermédio do resgate histórico da
constituição das políticas públicas de avaliação e da BNCC, abordar elementos
centrais que evidenciam em que perspectiva de formação humana e societária
se inscrevem tais projetos.
Tomadas as referências históricas e o estudo de pesquisadores que tratam
do tema em questão, evidenciamos nas políticas públicas de avaliação e na
BNCC aspectos do gerencialismo, como modelo para processos de controle
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e resultados da educação, visados pelo Estado capitalista.


No cerne da questão gerencialista, encontramos na pauta da política, a
avaliação como estratégia para a definição de objetivos para a educação. No
entanto, o contrário deveria ser realizado, ou seja, “são os objetivos que dão
base para a construção da avaliação” (FREITAS et al., 2014, p. 15).
A política pública de avaliação, apresentada com o mecanismo de avalia-
ção em larga escala, que foi implantada de forma incisiva na década de 1990,
vem sendo implementada com vigor e em ritmo ascendente até o momento.
Ou seja, a avaliação veio para ficar.
Na educação, a avaliação, ora serve como fulcral na desqualificação
da educação como um indicador para dar suporte às reformas econômicas,
ora serve para mobilizar a elaboração de políticas curriculares (BNCC), e
ainda serve para balizar o fracasso da educação pública com anúncios de
parceria público-privado, entre outros desdobramentos. Assim, a avaliação,
da forma como vem sendo utilizada na política educacional, tem a finalidade
de controlar os sujeitos envolvidos no percurso educativo, bem como de atri-
buir-lhes a responsabilização pelos resultados do desempenho escolar, sob
os fundamentos da meritocracia, com isso reforçando as teses do mercado
(FREITAS, 2013).
No tocante ao modelo gerencialista da educação, com vistas no controle
e resultados educacionais, a avaliação em larga escala, por meio do ranquea-
mento do IDEB, ao mensurar dados que aferem ou não qualidade às escolas
e pessoas, desconsidera elementos essenciais que estão expressos nos resul-
tados. No descompasso entre o que as escolas fazem, dadas as suas condições
de infraestrutura física e humana precárias, sem citar outros elementos, e, o
que as escolas poderiam fazer, que fica inviabilizado, pelo descaso com a
educação nacional (congelamento de investimentos financeiros, precarização
da formação inicial e continuada e das condições do trabalho docente, entre
outros aspectos).
128

Podemos afirmar, portanto, que o resultado do IDEB mensura a qualidade


da política pública educacional brasileira. Mesmo que os índices atestem o
fracasso, podemos depreender, que esses, se vistos por outro ângulo, são
os resultados almejados pela política educacional neoliberal. No caso, ao
atestar o fracasso educacional, por meio do IDEB, a política de avaliação
se mostra em escala de ascensão, pois, ao responsabilizar escolas e pessoas
pelos resultados dos testes, secundariza a responsabilidade do Estado sobre
os resultados que apontam a “baixa qualidade” da educação. Tais condições
geram um espaço fértil para reformas ou novas medidas “milagrosas” como
a BNCC. Porém, sem promover as condições para superar as problemáticas
educacionais, a política de financiamento para implementação da BNCC, não
prevê investimentos nas escolas, com isso tal política curricular contribuirá

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para reafirmar as condições do já atestado “fracasso escolar”.
Longe de ser uma reflexão diletante, a pesquisa, se entendida como
anunciamos anteriormente, enquanto “uma reflexão em função da ação para
transformar” na contramão ou na contradição do que se observa em medi-
das eminentemente direcionadas ao fortalecimento do projeto neoliberal em
curso. No entanto, ressaltamos que a avaliação também pode ser um percurso
assumido por professor e aluno em conjunto e um instrumento para promover
o desenvolvimento humano e do sistema educacional (FREITAS, 1995). Se
assumida com esse foco, a avaliação (do ensino e aprendizagem e a avaliação
em larga escala) pode ser um dos instrumentos de emancipação humana e de
democratização da educação.
Com base nessa compreensão de avaliação, a sua relação com o currículo
escolar será no sentido de acompanhar o processo de formação (ensino e apren-
dizagem), considerando, também, os elementos qualitativos desse processo
(condições de trabalho, acesso e permanência dos estudantes, formação de
professores). Nessa direção, currículo e avaliação não se resumem à prescrição
de conteúdos (ou competências) e nem às avaliações pontuais, pois percorrem
uma educação emancipatória e desvinculada das vertentes gerenciais.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 129

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O PROFESSOR E A EDUCAÇÃO
TRANSFORMADORA: contribuições
teóricas de Durkheim, Dewey e Gramsci1
Karina dos Santos de Moura Buzin
Aparecida Favoreto

Introdução
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Entre as inúmeras discussões sobre a atuação do professor, muito se


debate sobre as concepções de ensino-aprendizagem. Neste sentido, os ideais
de formação e especificações de materiais de apoio aparecem explicitados em
modelos de atuações didático-pedagógicas. Porém, em meio a esta discussão,
embora não de forma clara, outra questão está implícita. Trata-se do ideal de
uma educação transformadora que congrega uma teoria da história.
Em meio às diferentes compreensões sobre a atuação dos professores, veri-
ficam-se algumas distinções, não somente na forma de atuação, mas nos desdo-
bramentos sociais, que podem significar transformação da ou na sociedade2.
Diante de tal apontamento, neste artigo, retomam-se as reflexões de Émile
Durkheim (1858-1917), John Dewey (1859-1952) e Antônio Gramsci (1891-
1937), os quais, de forma díspar, foram e ainda são referências na formação
de professores no Brasil. Sobre eles, é importante mencionar que, ao serem
discutidos os problemas educacionais do início do século XX, mesmo que
diversamente, as reflexões desses autores apresentam uma riqueza na interli-
gação entre estruturas sociais, ideias educacionais e perspectivas históricas,
as quais contribuem para pensar a complexidade da atuação do professor, seja
na escola ou na sociedade.
Neste sentido, espera-se que o conjunto das reflexões apresentadas
possam subsidiar as discussões atuais sobre a formação do professor e sua
atuação em sala, bem como possam contribuir para pensar as implicações
da atuação do professor perante as perspectivas de transformação ou con-
servação social. Para isto, por intermédio das obras dos teóricos elencados e
com base em alguns intérpretes de seus pensamentos e da história, aponta-se
como cada um apreendia a educação e a sociedade, dando atenção especial

1 Texto publicado originalmente na Revista Temas & Matizes, v. 16, n. 27, 2022.
2 Segundo Klein, Favoreto e Figueiredo (2013), como transformação da sociedade entende-se a perspectiva
revolucionária, a qual pressupõe um rompimento com as estruturas sociais, implicando em uma mudança
radical. Transformação na sociedade entende-se como reformas e/ou mudanças orientadas para a solução
de alguns problemas pontuais, permanecendo a estrutura social.
134

aos seus argumentos sobre a atuação do professor e perspectivas formadoras


para explicitar suas concepções de história.

Émile Durkheim: a autoridade do professor

No início do século XX, os efeitos contraditórios da democracia bur-


guesa e da industrialização eram perceptíveis, pois, se por um lado a socie-
dade havia aumentado sua capacidade de produção e de circulação, por outro,
expôs um grande contingente de miseráveis nas ruas que, sem trabalho, bus-
cavam novas colocações em meio a um clima de revoltas e de uma Guerra
de proporção mundial3.
Neste contexto, entre a dissolução do que era considerado antigo e a con-

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solidação da sociedade industrializada, segundo Alves (2001), a escola pública
passa a existir como condição material necessária. Para ele, na medida em
que o modelo de produção capitalista se efetivou, criou-se um excedente tanto
de riqueza quanto de força de trabalho que pôde ser empregado em setores
não diretamente vinculados à produção. Seguindo este raciocínio, Favoreto
(2008, p. 36-37) destaca que a escola pública surgiu ante duas necessidades:

[...] a escola para a classe trabalhadora surge como uma necessidade pro-
dutiva, cujo objetivo inicial é qualificar, preparar e disciplinar a mão-de-
-obra para o trabalho, com o menor custo possível de capital e de tempo.
E surge também como necessidade social, já que a revolução industrial,
que representou um grande progresso material e a possibilidade de liber-
tar o homem dos limites locais e do trabalho pesado, também criou uma
massa humana que, expropriada dos bens materiais e valores morais [...]
gostavam de falar da “injustiça eterna” e dos “ricos que sugam o sangue
dos pobres” (grifos do autor).

As mudanças ocorridas nos séculos XIX e XX, tanto no campo político


quanto no econômico, impuseram a necessidade de pensar a escola para além
da transmissão do conhecimento, mas também incorporaram as questões da
qualidade do conhecimento e a educação como instrumento na construção de
oportunidades e de harmonia social.
Diante deste cenário de mudanças de todas as ordens, com base nos
conhecimentos da Sociologia, Durkheim procurou verificar quais eram as
necessidades educacionais a fim de definir o que seria a educação. Para tanto,
apoiando-se nos métodos investigativos das Ciências da Natureza, tratando
3 Logo após a dissolução do Antigo Regime, muitos foram os movimentos contestatórios e levantes da classe
operária, na medida em que, na primeira metade do século XX, em meio a um grande desenvolvimento
tecnológico, ocorreram duas Guerras Mundiais, a Revolução Operária na Rússia (1917), a corrente imigratória
para as Américas e a grande crise de capital de 1929.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 135

a educação como “coisa social”, destacou que seria preciso “levar em consi-
deração os sistemas educativos que existem ou que já existiram, compará-los
e identificar os aspectos em comum” (DURKHEIM, 2012, p. 49). Para ele,
“a ciência que elabora as noções cardeais que dirigem o nosso pensamento”
seria o apoio e o guia (DURKHEIM, 2012, p. 59) que, pelo método científico,
permitiria descobrir as “leis que dominam a evolução” e uma vez desveladas,
buscar-se-ia adequar-se a elas, para estabelecer a harmonia e gerar condições
para o progresso social (DURKHEIM, 2012, p. 82). Então, a educação não
seria compreendida pelo interesse individual ou de um grupo particular, mas
pelas “necessidades sociais que ela satisfaz e ideias e sentimentos coletivos
que ela expressa” (DURKHEIM, 2012, p. 118).
Focando no social, ou seja, na complexa divisão de trabalho e de classes,
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bem como na necessária cooperação no sistema produtivo burguês, Dur-


kheim observou que, se por um lado seria necessário formar os jovens para
as novas funções e diversas especialidades da industrialização, por outro,
deveria manter um sentimento comum e manter a unidade nacional frente
os avanços do sentimento egoísta, diferenças entre as classes e dos perigos
internacionais. Isto implicaria a necessidade de formar diversos profissionais,
os quais teriam conhecimentos científicos e específicos de cada área; mas
também o ser social, com vistas à harmonia e homogeneidade, o qual deveria
ser adequado à moral social.
Diante desta dupla função, Durkheim propôs que a escola precisaria ser
guiada pelos princípios da ciência, os quais, ao seguirem com rigor o método,
seriam neutros perante os interesses individuais4 e atenderiam todas as neces-
sidades da produção e do social. Neste sentido, o autor escreve:

A sociedade só pode viver se existir uma homogeneidade suficiente entre


seus membros; a educação perpetua e fortalece esta homogeneidade gra-
vando previamente na alma da criança as semelhanças essenciais exigidas
pela vida coletiva. No entanto, por outro lado, qualquer cooperação seria
impossível sem certa diversidade; a educação assegura a persistência desta
necessária diversidade diversificando-se e especializando-se a si mesma
(DURKHEIM, 2012, p. 53).

Deste modo, o intelectual assevera que a educação poderia formar um


“novo ser no homem”. No caso, do ser naturalmente individual e egocêntrico,
formar-se-ia um ser social, ou seja, um ser guiado pelos princípios da moral e
da responsabilidade social. Assim, pelo fato de a escola ser um direito e dever

4 Durkheim depositava confiança no método empírico das Ciências Naturais. Para ele, por intermédio da
observação de um fenômeno social e da comparação entre causa e efeito nos diferentes contextos, poder-
se-ia compreender os valores predominantes em todas as esferas sociais.
136

de todos (Estado e cidadãos), ela conseguiria construir a sociedade orgânica,


e, em um espírito de cooperação, seria mais homogênea, harmônica e produ-
tiva. Neste processo, a escola guiada pela ciência garantiria a formação dos
princípios de “respeito da razão, da ciência e das ideias e sentimentos que
sustentam a moral democrática” (DURKHEIM, 2012, p. 64).
Durkheim depositava grande valor na ação do professor, sendo ele um dos
elementos importantes na função de formar física, moral e intelectualmente a
nova geração. Para o autor, o professor teria “primazia sobre o aluno” devido a
sua “superioridade” na “experiência” e na “cultura”, portanto, ele deve conduzir
“sua ação com a eficácia que lhe é necessária” (DURKHEIM, 2012, p. 69).
Em uma perspectiva dual – professor e aluno –, a educação se mostraria
eficiente quando de forma “paciente e contínua” e com um “sentido bem

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determinado”, o professor preparasse a criança para a vida (DURKHEIM,
2012, p. 70). Sem desvios ou se deixar levar por circunstâncias fortuitas, o
professor com autoridade, paulatinamente, levaria o aluno a

[...] aprender a domar seu egoísmo natural, subordinar-se a fins mais ele-
vados, submeter os seus desejos ao império da sua força de vontade e
contê-los dentro de limites sensatos, é preciso que a criança exerça uma
forte repressão sobre si mesma (DURKHEIM, 2012, p. 70-71).

Na atuação do professor sobre o aluno, a autoridade moral seria “a princi-


pal qualidade do educador”, pois, seria através dela que o professor consegui-
ria marcar nos jovens o sentimento de dever (DURKHEIM, 2012, p. 71). Esse
sentimento, ao ser desenvolvido, passaria a ser um estimulante no esforço do
aluno em respeitar o social, assumindo, aos poucos, um caráter espontâneo.
Destaca-se ainda que a autoridade do professor não se constituiria pela
violência nem pela repressão, mas pela confiança e determinação em suas
ações, visto que “a criança não confia em ninguém que hesite, tergiverse e
volte atrás a respeito de suas decisões” (DURKHEIM, 2012, p. 72).
No caso, estando o aluno em fase de maturação, ele acompanharia os
adultos através da linguagem e do comportamento. Uma vez incorporados os
conhecimentos científicos e os sentimentos de respeito e dever com o social,
toda ação do futuro cidadão, por mais específica que fosse, se estabeleceria em
favor do interesse social, criando uma sociedade mais harmônica e homogênea.
Neste sentido, Durkheim (2012, p. 73) ainda argumenta que “a liberdade é filha
da autoridade bem aplicada, pois ser livre não significa fazer o que bem entender,
mas sim ter autocontrole e saber agir guiado pela razão e cumprir o seu dever”.
Durkheim pressupunha uma educação transformadora, entretanto, o ideal
transformador incidira sobre a formação de uma nova moral entre indiví-
duos. Deste modo, a transformação não pressupunha uma “[...] ruptura, mas
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 137

adequação” (NASCIMENTO; FAVORETO, 2018, p. 255)5. A partir desta


compreensão, por intermédio da sua ação na educação escolar, o professor
teria a função de adequar a criança às necessidades da sociedade, e assim
contribuir para com a constituição de uma harmonia social, o que possibilitaria
a contínua evolução da ordem social.

John Dewey: o professor como guia/orientador

Dewey, ao observar o desenvolvimento da sociedade industrial burguesa,


também pensou em uma escola transformadora. No caso, quando o autor entendeu
que a sociedade passava por rápidas mudanças e que a democracia ainda não se
efetivava na prática social, ele idealizou uma escola que pudesse formar o homem
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para o contexto industrial e democrático. Para ele, diante da complexidade da


divisão do trabalho e das relações sociais da sociedade moderna, seria necessário
que todos tivessem acesso ao conhecimento escolar, na medida em que deveriam
ser preparados para a participação em todos os campos sociais e produtivos.
Neste sentido, Dewey (1979b) argumentou que o conhecimento científico
historicamente acumulado deveria estar ao acesso de todos, portanto, deveria
ser ensinado na escola. Porém, o ensino não poderia ser limitado à imitação tal
como nas sociedades primitivas, nem poderia ser por intermédio da repetição
de informações estanques da realidade, tal como no ensino tradicional; ao
contrário, ele deveria se fazer atrelado à vida e com significado para o aluno.
Pensando a educação em um ambiente pedagógico, Dewey (1979b) pontuou
que o ensino deveria considerar o aluno, tanto no seu desenvolvimento como na
sua disposição para aprender. Então, na forma de comunicações6 e pelo método
experimental, o ensino deveria provocar a curiosidade e fazer com que todos
participassem das atividades de pesquisas para formar pessoas com iniciativas
na busca por conhecimentos e na participação de soluções para os problemas
individuais e sociais. Neste sentido, a escola poderia provocar a formação de um
novo hábito a fim de tornar o indivíduo mais reflexivo e participativo. Assim,
poderia não apenas ampliar os conhecimentos, mas também as oportunidades.
Além de poder auxiliar o aluno na superação das limitações do seu grupo social e
integrá-lo à sociedade que passava por mudanças produtivas e sociais constantes.
Neste aspecto, para Dewey (1979b), a escola deveria ser semelhante a uma
sociedade em miniatura, ou seja, um ambiente com meios adequados e neces-
sários para aproximar o máximo possível o aluno à vida em comunidade. No
entanto, deveria ser aplicada uma nova pedagogia, em que o conhecimento seria

5 Sobre esta questão, consultar: Favoreto e Galter (2020).


6 A comunicação para Dewey (1979b) é uma forma de transmissão dos conhecimentos entre as pessoas, que
prescindi de elementos e interesses comuns e se constitui em conhecimento e novos hábitos (pensar, agir).
138

ensinado por intermédio da problematização, gerando dúvidas no aluno e, con-


sequentemente, o interesse e o esforço para seguir continuamente nos estudos.
Noutros termos, Dewey (1978) pressupunha que as experiências educa-
tivas deveriam partir do interesse do aluno, porém, não se tratava do interesse
artificial em coisas e/ou recompensas, mas do interesse indireto e mediato, o
qual teria como princípio atingir um fim. Neste caso, necessitaria do esforço
por parte do aluno em uma interação e continuidade. O esforço intelectual se
constituiria continuamente em um encadeamento das experiências em cada
fase do desenvolvimento da criança, observando a interação entre as condições
objetivas externas e internas dos alunos, bem como entre a matéria de estudo
e as necessidades e capacidades deles.
A partir desses princípios pedagógicos (interesse, esforço, continuidade e

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interação)7, ter-se-iam novas atitudes intelectuais. Para ele, o desenvolvimento
da curiosidade, da reflexão guiada pela ciência (causa e efeito) e da experimen-
tação das probabilidades garantiria a formação de seres autônomos, inteligentes,
responsáveis e preparados para participarem ativamente da sociedade industrial
e democrática. Neste sentido, Dewey (1979c) defendeu que o ensino escolar
deveria incorporar como método de ensino os passos da pesquisa experimental8,
tal como afirmam as autoras Buzin e Favoreto (2021), ao trabalharem com o
conceito de arte e suas relações com a pedagogia de Dewey.
Deste modo, o conhecimento, o método de ensino e a individualidade do
aluno seriam considerados pelo professor na constituição do ambiente peda-
gógico. Neste ambiente, o professor assumiria um importante papel perante o
processo de ensino-aprendizagem, pois, “[...] como membro mais amadurecido
do grupo, cabe-lhe a responsabilidade especial de conduzir as interações e
intercomunicações que constituem a própria vida do grupo, como comuni-
dade” (DEWEY, 1979c, p. 54)9. Para Dewey (1979a, p. 43), “o professor é
um guia, um diretor; pilota a embarcação, mas a energia propulsora deve
partir dos que aprendem”. Noutros termos, o professor seria o propositor do
problema e guia em todo o processo de ensino, mas a energia propulsora da
aprendizagem partiria do aluno, sem ela, o ensino seria inútil. Assim, con-
corda-se com Favoreto (2008, p. 52) quando afirma que

7 Para uma melhor reflexão acerca de tais princípios pedagógicos na teoria deweyana, ver: Buzin (2021) e
Buzin e Favoreto (2022).
8 Segundo Dewey (1979a, p. 17), o método experimental consiste em “[...] conclusões alcançadas como
resultado da atividade mental pessoal, observação, coleta e exame de provas”.
9 Sobre a importância do professor em Dewey, pontua-se que a historiografia brasileira não é unânime nesta
questão. Libâneo (2003, p. 12), por exemplo, afirma que para Dewey e demais teóricos da escola ativa “Não
há lugar privilegiado para o professor; antes, seu papel é auxiliar o desenvolvimento livre e espontâneo
da criança”.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 139

Dewey não subestima o papel do professor no processo de ensino, nem


coloca o aluno como determinante no processo ensino e aprendizagem.
Dewey, em oposição à escola tradicional, convida o professor a considerar
as características pessoais do aluno, do professor e do meio social.

No caso, o professor deveria antecipar mentalmente o processo de ensino,


ter plena consciência dos conteúdos (meios) e dos objetivos (fins) educacio-
nais, bem como da capacidade de cada um e, deste modo, preparar e organizar
o ambiente educacional. Segundo Dewey,

[...] Quanto mais conhecer o professor as experiências passadas dos estu-


dantes, suas esperanças, desejos, principais interesses, melhor compreen-
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derá as forças em ação que lhe cabe dirigir e utilizar, para formar hábitos
de reflexão (DEWEY, 1979a, p. 44).

Para o intelectual estadunidense, “é dever do professor proteger o ser


em desenvolvimento contra as condições que provoquem uma simples série
de excitações, desprovidas de efeito cumulativo, formando assim um ama-
dor de sensações e sensacionalismo [...]” (DEWEY, 1979a, p. 47-48). Nesse
sentido, o professor deveria interferir e direcionar o caminho investigativo
do aluno, para que, com seus erros e acertos, ele se desenvolvesse no hábito
de questionar e investigar.
Dewey (1979a) também afirmou que o professor poderia ensinar pelo
exemplo. Porém, diferentemente de Durkheim que pensa pelo exemplo moral,
Dewey pressupunha o exemplo investigativo, de modo a desenvolver atitudes
intelectuais e práticas no aluno. Segundo o autor, “tudo o que o mestre faz,
bem como o modo por que o faz, incita a criança a reagir de uma ou de outra
forma e cada uma de suas reações tende a determinar uma atitude em certo
sentido” (DEWEY, 1979a, p. 65, grifos do autor).
No caso, Dewey pensa o processo educacional numa junção de atividades
provocadas e guiadas pelo professor, as quais, em uma sequência acumulativa,
interativa e contínua, teria como finalidade, desenvolver o hábito de refletir
a partir do treinamento cognitivo. Desse modo, Dewey, pensando em uma
relação entre professor e aluno firmada em um ambiente pedagógico, pressu-
punha formar indivíduos investigativos, com compreensão e habilidades para
transferir as experiências acumuladas para outras experiências, tornando-se
ativos e responsáveis em uma sociedade em constante mudança. Portanto, não
pensava uma ruptura com o modelo social burguês, mas pelo viés pedagógico,
defendeu uma nova forma de pensar e agir para resolver os problemas indi-
viduais e/ou sociais por meio do treinamento cognitivo. Assim, concorda-se
com Nascimento e Favoreto (2018, p. 261), quando afirmam que Dewey
140

priorizava “[...] o aspecto pedagógico, pressupondo que o desenvolvimento das


capacidades cognitivas individuais poderia contribuir para o progresso social”.
Neste aspecto, pelo desenvolvimento da capacidade reflexiva, todos
seriam integrados à sociedade e, portanto, preparados para viver a democra-
cia, enquanto no futuro, pelo processo de desenvolvimento industrial e da
democracia, todos poderiam usufruir da riqueza social.

Antônio Gramsci: o professor com consciência político-pedagógica

Gramsci foi um leitor das teses marxistas e um ativista político, o qual


contribuiu com a fundação do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921.
Na sua luta política, a questão educacional esteve presente no que se refere à

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ampliação dos direitos educacionais, à reforma curricular e aos fins educacio-
nais. Neste último aspecto, ao discutir o marxismo pelo viés cultural, o autor
trouxe importantes contribuições sobre o papel da educação no processo de
transformação da sociedade e seu caráter político.
A propósito do sistema educacional, Manacorda (1990) destaca que
Gramsci produziu algumas análises em meio à sua luta teórica e impressões
sobre a educação de seus filhos. Sobre o sistema educacional italiano, ao serem
observadas a reestruturação da produção, principalmente com a implantação
do fordismo, a formação exigida aos trabalhadores técnicos, o papel dos
intelectuais na história, as diferenças sociais e as lutas operárias no contexto
do século XX, Gramsci pontuou a necessidade de reformas, porém, criticou
as propostas de Gentile10 e o debate político conduzido por Croce11.
Neste sentido, ao atrelar a educação escolar à luta política, principalmente
no que se refere à formação dos grupos dirigentes e ao desenvolvimento do
senso crítico, Gramsci defendeu que a reforma educacional não fosse apenas
curricular, mas também político-pedagógica. Deste modo, a reforma deveria
também atingir a perspectiva da formação escolar, inclusive na possibilidade
de formar os intelectuais da classe operária, podendo ela ter seus represen-
tantes na luta política das classes no Estado capitalista12.
Sobre o intelectual, Gramsci (2004) partia do pressuposto que todos
eram intelectuais, mas existiam níveis diferentes de atuação na sociedade.
Sendo assim, enquanto alguns executavam atividades mais instrumentais e

10 Sobre a reforma do ensino de Gentile na Itália, Carmo (1999) escreve que ela correspondeu às necessidades
do período pós-guerra com vistas a incorporar um modelo de ensino ‘adequado’ ao regime fascista de
Mussolini. O Ensino Médio foi dividido em humanístico e técnico, sendo o primeiro correspondente à educação
clássica e voltado para a elite; o segundo para a agricultura e o comércio, destinado à classe trabalhadora.
11 Bianchi (2019) destaca que Gramsci foi um crítico de Croce, principalmente por ele não perceber o conteúdo
político que a história e a filosofia podem assumir.
12 Sobre isso, consultar: Manacorda (1990), Nascimento (2019).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 141

com um menor grau de influência social, outros tinham maior capacidade de


teorizar, criar, organizar e influenciar as pessoas. Relacionando a formação
escolar com a formação do intelectual, ele destacou que diante do predomínio
dos modelos educacionais que ensinavam por repetições de abstrações ou
técnicas esvaziadas de sentidos sociais, havia a preponderância da formação
do intelectual tradicional na escola13. Deste modo, independente da especia-
lidade e/ou do grau de instrução, os profissionais formados se traduziam em
executores de tarefas, sem se identificarem com seu lugar na produção e na
distribuição e nem com a história da sua forma de ser social. Neste aspecto,
Gramsci (2004, p. 18) comenta:

O erro metodológico mais difundido, ao que me parece, é ter buscado este


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critério de distinção no que é intrínseco às atividades intelectuais, em vez


de buscá-lo no conjunto do sistema de relações no qual estas atividades (e,
portanto, os grupos que as personificam) se encontram no conjunto geral
das relações sociais. Na verdade, o operário ou o proletário, por exemplo,
não se caracteriza especificamente pelo trabalho manual ou instrumental,
mas por este trabalho em determinadas condições e em determinadas
relações sociais.

Para ele, o distanciamento entre formação, produção e vivência social


produziria, mesmo entre as classes trabalhadoras, uma identidade com a ideo-
logia hegemônica, ou seja, com os valores e interesses da classe burguesa, na
medida em que ocorreria a desvalorização dos interesses, da luta e da cultura
operária. Por fim, a formação escolar não estava contribuindo para formar os
intelectuais orgânicos14 da classe operária.
Quando Gramsci (2004) passa a compreender a sociedade como uma
relação de forças políticas entre classes antagônicas, ele propõe uma escola
que preparasse todos para o trabalho, mas também para compreender e atuar
politicamente na sociedade. No caso, a escola criadora15, a qual se dividiria
em duas fases distintas e complementares. Na primeira, a qual se assemelha
ao ensino fundamental de hoje, “[...] tende-se a disciplinar e, portanto, tam-
bém a nivelar, a obter uma espécie de ‘conformismo’ que pode ser chamado
13 Segundo Nascimento (2019), Gramsci incluía entre os intelectuais tradicionais os literatos, os filósofos, os
artistas etc., os quais se caracterizavam por não unir a teoria com a prática, e, no âmbito político, por se
julgarem não pertencentes a nenhuma classe social, porém, mesmo que inconscientes, serviam aos ideais
da classe dominante.
14 Para Gramsci, o intelectual orgânico possui uma formação integral. Então, mais que um especialista, é capaz
de atrelar a teoria com a prática, inclusive, consegue unir a ciência, à técnica, à história e à política. Assim,
no contexto da divisão do trabalho e da divisão entre as classes, posiciona-se no interesse da classe que
pertence na distribuição dos bens sociais.
15 O termo Escola Criadora, usado por ele, constitui-se no sentido de se diferenciar das escolas libertárias
e/ou da escola ativa que forma “inventores e descobridores” (GRAMSCI, 2004, p. 39).
142

de dinâmico” (GRAMSCI, 2004, p. 39, grifos do autor). Na segunda (Ensino


Médio), “[...] tende a criar os valores fundamentais do ‘humanismo’, a auto-
disciplina intelectual e a autonomia moral, necessários a uma posterior espe-
cialização, seja ela de caráter científico [...], seja de caráter imediatamente
prático-produtivo [...]” (GRAMSCI, 2004, p. 39, grifos do autor).
No primeiro momento, o aluno seria educado a esforçar-se, disciplinar-
-se e a obedecer ao professor. Posteriormente, na escola unitária, estando o
aluno “consciente” de suas obrigações quanto ao estudo, “[...] a aprendizagem
ocorre, sobretudo, graças a um esforço espontâneo e autônomo do discente, e
no qual o professor exerce apenas uma função de guia amigável, como ocorre
ou deveria ocorrer na universidade” (GRAMSCI, 2004, p. 40). Nesta última
fase, seriam iniciados o estudo e o aprendizado dos métodos criativos na ciên-

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cia, contribuindo para coroar a autodisciplina intelectual e a autonomia moral.
No geral, Gramsci (2004) defendeu a construção de um sistema único
de educação, o que ele chamou de Escola Unitária. Neste modelo, sem distin-
ção no que se refere à formação para o trabalho (manual, técnico, industrial)
ou para o trabalho de cunho intelectual, a escola buscaria formar o sujeito
integral16. Deste modo, todos teriam a formação geral científica atrelada ao
trabalho, podendo desenvolver todas as suas potencialidades.

[...] escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre
de modo justo o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente
(tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de
trabalho intelectual. Deste tipo de escola única, através de repetidas experiên-
cias de orientação profissional, passar-se-á a uma das escolas especializadas
ou ao trabalho produtivo (GRAMSCI, 2004, p. 33-34).

Contrapondo-se à formação dividida entre técnicas distintas e/ou livresca


constituída pela memorização de um conteúdo dogmático, Gramsci (2004)
defende a formação por intermédio de um princípio unitário, o qual interligasse
o conhecimento escolar com os diversos aspectos da vida social e produtiva.
No caso, o princípio unitário seria o trabalho17, de modo a compreender como
a atividade humana transforma a natureza e ao transformá-la transforma os
homens e suas relações. Neste mesmo aspecto, complementa que o aluno teria
que conhecer as leis naturais e a ordem legal instituída pelos homens, bem
como conhecer os aspectos contraditórios da ordem, pois, se por um lado ela
16 Lizzi e Favoreto (2018), ao discutirem o termo educação integral, destacam que a concepção gramsciana
remete à perspectiva de formar todas as potencialidades do homem (intelectuais, físicas, políticas, históricas,
sociais e culturais), sendo o conteúdo escolar trabalhado de forma a integrar ciência com política e trabalho,
visando à luta política para a emancipação humana.
17 O trabalho pensado por Gramsci não se limitaria à profissão burguesa, mas o trabalho criativo, por meio do
qual a natureza e os homens são transformados.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 143

regula organicamente a vida e contribui para expandir a produtividade e a


liberdade, por outro, pode também aprisionar e coagir. Neste sentido, Gramsci
propõe que a formação seja realizada em relação à práxis filosófica para uma
atividade política com consciência de posição de classe, ou seja, a relação
teoria/prática/teoria no processo de transformação social e no embate político
entre as classes. Para ele, este seria

[...] o ponto de partida para posterior desenvolvimento de uma concepção


histórica, dialética, do mundo, para a compreensão do movimento e do
devir, para avaliação da soma de esforços e sacrifícios que o presente custou
do passado e que o futuro custa ao presente [...] (GRAMSCI, 2004, p. 43).
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Noutros termos, pelo Princípio Educativo do Trabalho, Gramsci esperava


formar os intelectuais orgânicos para a classe operária, a fim de que esta tivesse
também seus representantes na sociedade civil18. Para ele, esta instrumenta-
lização intelectual das classes populares poderia contribuir para que a classe
operária pudesse se organizar e lutar politicamente para superar a sociedade
capitalista, ou seja, realizar a revolução operária. Deste modo, um novo inte-
lectual seria formado, ou seja, o intelectual orgânico. Conforme suas palavras:

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloquência,


motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas numa inserção
ativa na vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”,
já que não apenas orador puro – mas superior ao espírito matemático abs-
trato; da técnica-trabalho, chega à técnica-ciência e à concepção humanista
histórica, sem a qual permanece “especialista” e não se torna “dirigente”
(especialista + político) (GRAMSCI, 2004, p. 53, grifos do autor).

Para Gramsci, a política estaria implícita em todos os espaços e ações


sociais e, neste aspecto, o ensino escolar também seria um ato político e
poderia contribuir com a política. Então, como a educação é um ato político
em todos os seus aspectos, o professor, como intelectual orgânico da classe
trabalhadora, teria um papel importante na formação política. No caso, junta-
mente com o conhecimento das leis naturais e sociais, deveria levar o estudante
a reconhecer sua posição na sociedade e na história, do mesmo modo que
deveria pensar e planejar possibilidades coletivas de superação da sociedade.
Deste modo, em cada fase da educação básica, o professor exerceria uma
ação específica. Na primeira fase do ensino, a sua autoridade seria fundamen-
tal, isto no sentido de disciplinar e conformar o aluno às exigências de esforços
18 Para Gramsci, na relação estrutural da sociedade, entre a infraestrutura (bases materiais) e a superestrutura
(sociedade política, o Estado e o poder jurídico), encontrava-se a sociedade civil (organismos privados,
partidos políticos, sindicatos, a imprensa e a escola), palco da luta pela hegemonia cultural.
144

físicos e mentais da ciência19. Na segunda fase, o professor assumiria o papel


de “guia amigável”. Para Gramsci, apenas nesta fase, o aluno teria disciplina e
maturidade para o estudo baseado em uma pesquisa metodológica, de modo a
desenvolver a autonomia teórica e crítica. Mas, em todo o processo de ensino,
o professor contribuiria para que o aluno estabelecesse as relações necessárias
entre os conceitos formalizados e o processo histórico da sociedade.
Para Gramsci, educar seria mais que instruir, ou simplesmente transpor
conhecimentos limitados ao sentido prático, mas o professor deveria educar
no sentido político-filosófico. Neste aspecto, diferentemente de Durkheim,
não busca apenas os pontos harmônicos entre causa e efeito, nem se limita a
uma mudança de atitude epistemológica perante os problemas, mas em uma
perspectiva histórica e dialética, Gramsci propunha buscar as relações entre

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os conceitos e também destes, com a totalidade, inclusive na luta de classes
e as possibilidades de transformações.
Deste modo, Gramsci advertiu sobre a perspectiva política da pedagogia
e a disputa gnosiológica presente em toda a filosofia. Nas reflexões grams-
cianas, havia uma relação entre as metodologias do conhecimento, lógica
do conhecimento e perspectiva histórica. Havia também a necessidade de
considerar as relações entre o conteúdo formalizado e a realidade social em
movimento histórico, na medida em que deveria considerar as contradições
entre as classes e as diferentes posições econômica-culturais do aluno e do
professor no processo de ensino.
Sobre o professor no processo de ensino, Gramsci o considerava como
trabalho vivo, ou seja, sua atividade não estava inteiramente objetivada no
sistema, o que exigia domínio dos conhecimentos, bem como dava ao pro-
fessor relativa subjetividade e autonomia na condução pedagógica. Noutras
palavras, ele afirmava que o trabalho vivo do professor seria dado a partir de
sua consciência político-pedagógica sobre o ensino e a aprendizagem. Também
seria a consciência de sua responsabilidade enquanto formador de crianças,
as quais deveriam avançar de uma disciplina e cultura inferior para uma mais
elaborada e situada em uma luta política-ideológica. No caso,

[...] somente pode ser representado pelo trabalho vivo do professor, na


medida em que o professor é consciente dos contrastes entre o tipo de
sociedade e de cultura que ele representa e o tipo de sociedade e cul-
tura representado pelos alunos; e é também consciente de sua tarefa, que
consiste em acelerar e disciplinar a formação da criança conforme o tipo
superior em luta com o tipo inferior (GRAMSCI, 2004, p. 44).

19 Gramsci pontuou algumas críticas ao autoritarismo jesuítico, afirmando ser ultrapassado, mas criticou
também o espontaneísmo rousseauniano, afirmando ser muito puerocêntrica, ou seja, centrada na criança,
transformando-a em um mito (MANACORDA, 1990).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 145

Neste aspecto, semelhante a Dewey, Gramsci entendia que o professor


necessitava dominar diversas áreas do conhecimento, tais como: o conteúdo
de ensino; as metodologias de ensino; a realidade da sociedade e do aluno,
entretanto, Gramsci acrescenta a necessidade de ter também consciência polí-
tica, tanto do conteúdo, como dos objetivos do ensino perante a luta cultural
e ideológica entre as classes. Assim, o trabalho vivo do professor dar-se-ia
pedagogicamente por intermédio dos conteúdos formais mediado pelas rela-
ções sociais, políticas, culturais e históricas do homem. Para tanto, Gramsci
(2004, p. 43) pontua que o professor deveria ter “[...] consciência de seu dever
e do conteúdo filosófico deste dever [...]”. Deste modo, o professor não deveria
apenas instruir os alunos, mas deveria vincular instrução com a educação20.
Nesta forma de atuação, os professores seriam intelectuais orgânicos de
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sua classe, não somente por serem pertencentes a ela, mas por vincularem a
sua ação ao um projeto coletivo de interesse de classe. Assim, política, cul-
tura, pedagogia e ação educativa se complementariam em uma práxis para a
transformação da sociedade. Segundo Nascimento e Favoreto (2018, p. 265),

[...] Escola e política encontram-se no pensamento de Gramsci em perma-


nente relação dialética. A escola é produto da sociedade, mas, a partir da
Escola Criativa, é possível a práxis reflexiva para a transformação social
e o surgimento de uma nova ordem mundial.

Partícipe do ideal revolucionário marxista, Gramsci se distinguia da cor-


rente leninista soviética por considerar que para se efetivar a revolução operária,
antes seria necessária uma revolução cultural. Neste aspecto, acreditava que pelo
Princípio Educativo do Trabalho, a escola poderia desenvolver a consciência
histórica, de classe e crítica, e contribuir para a transformação da sociedade.
Porém, tal como advertem Nascimento e Favoreto (2018), a escola não seria
determinante, mas ofereceria os instrumentos teóricos para que a classe operária
pudesse participar ativamente da luta política na sociedade civil.

Considerações finais

Os três autores estudados são de extrema importância para a formação


dos professores, pois apresentaram reflexões sobre o papel do professor no
processo de ensino-aprendizagem, as quais possibilitam considerar sobre os
objetivos educacionais em relação às perspectivas históricas e sociais.

20 Para Gramsci, a instrução referia-se a um ensino em que o aluno seria um ser passivo, o qual aprenderia
mecanicamente os conteúdos escolares, desinteressantes. A educação, por sua vez, seria o inverso, com
o aluno ativo, participando da aula, um ensino interessante, a partir do sentido filosófico do conhecimento,
e, portanto, não apenas prático.
146

Para Durkheim, em todo o processo de ensino, o professor necessitaria


ter um amplo conhecimento sobre o conteúdo, a história e a sociedade, mas
também precisaria ter autoridade moral e determinação para transmitir com
firmeza a ordem e moral necessárias para formar o ser social.
Dewey pressupunha um professor orientador. Neste caso, com base na
pedagogia experimental, ele planejaria as atividades de ensino, de modo a
despertar o interesse do aluno no ato de conhecer. Para Dewey, neste processo,
o aluno deveria se esforçar continuamente e o professor, como um guia, desen-
volveria nele o hábito reflexivo, bem como sua capacidade de experienciar
de forma inteligente e de participar ativamente na busca por soluções para os
problemas, tornando a sociedade mais rica, confortável e democrática.
Gramsci, ao observar a atuação do professor em uma perspectiva dialé-

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tica, destaca que ele deveria ter consciência da sua práxis político-pedagógica,
de modo a formar a consciência crítica, histórica e de classe nos alunos. Nesta
perspectiva, o professor não seria autoritário como na educação jesuítica e
nem libertário como os rousseaunianos, mas deveria ter rigor teórico-peda-
gógico, auxiliando os alunos a superarem suas dificuldades, até adquirirem
autodisciplina e autonomia intelectual. Deste modo, na primeira fase escolar,
seriam ensinados os conteúdos básicos da ciência, de direitos e de deveres.
Na segunda, depois de adquirir certa maturidade intelectual e disciplinar, em
uma perspectiva filosófica do trabalho criador, o professor tornar-se-ia um
guia no processo de aprendizagem do aluno.
Em comum, Durkheim, Dewey e Gramsci apresentam a educação escolar
como possibilidade de atuar socialmente e assim buscavam solucionar alguns
problemas sociais da época. Neste sentido, reconhecem a escola como lugar
privilegiado na socialização dos conhecimentos científicos e atribuem um
importante papel ao professor no processo de aprendizagem. Contudo, apre-
sentam inúmeras distinções no que se referem aos fundamentos dos problemas
sociais, bem como sobre os objetivos do ensino, da concepção de ciência e
quanto às perspectivas de transformação.
Durkheim, ao perceber as contradições geradas pelo desenvolvimento
da sociedade industrial, pensa uma educação que priorize o conteúdo cien-
tífico, o sentimento nacional e a educação moral e física. Neste aspecto, ele
defendeu uma reforma no sistema educacional, principalmente com a oferta
e fiscalização do Estado, de modo a garantir a neutralidade científica e moral.
Para ele, esses fatores juntos, tendo como prioridade o social, poder-se-iam
trazer maior harmonia e hegemonia para a sociedade capitalista.
Dewey destacou que havia a necessidade de que a educação preparasse
a nova geração para as mudanças constantes geradas pelo desenvolvimento
industrial, bem como defendeu que a escola educasse todos para exercerem
um papel ativo nas decisões sociais, a fim de possibilitar a realização da
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 147

democracia participativa. Deste modo, semelhante a Durkheim, defendeu que


a escola deveria ser universal e laica, porém acrescenta que seria necessária
uma reforma pedagógica.
Para Dewey, a pedagogia experimental poderia desenvolver o pensamento
reflexivo por treinamento cognitivo, de modo a mudar os hábitos, tornando os
jovens mais curiosos, participativos, autônomos e responsáveis. Esta mudança
poderia resultar no desenvolvimento material, bem como poderia diminuir
as diferenças sociais e desenvolver a democracia na sociedade capitalista.
Gramsci, em análise ao sistema educacional de seu período, observou
que a escola constituída pelo antigo modo tradicional de vida e moral se fazia
por uma cultura distante da realidade, formando intelectuais sem consciência
de classe e/ou a serviço dos interesses da classe dominante. Neste aspecto,
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defendeu uma ampla reforma, a qual, mais que mudanças no sistema educa-
cional, pressupunha mudança dos princípios pedagógicos. Para ele, a escola
por intermédio do Princípio Educativo do Trabalho, em suas contradições e
historicidade, poderia desenvolver o conhecimento científico e político. Deste
modo, a escola poderia instrumentalizar os intelectuais orgânicos da classe
operária, de modo que, coletivamente, pudesse atuar para a transformação da
sociedade, e constituir uma nova hegemonia social.
Destaca-se que as reflexões de Durkheim, Dewey e Gramsci, aqui recu-
peradas, não têm como objetivo repassar fórmulas que devem ser seguidas
pelos professores, mas apenas levantar o debate sobre a atuação do professor
em relação às perspectivas sociais. Neste sentido, ao comparar as concep-
ções de conhecimento, de sociedade e as perspectivas históricas implícitas
em suas teorias, buscou-se apontar que a atuação do professor exige um
conjunto de conhecimentos, os quais se interligam, desvelando não apenas
uma postura pedagógica, mas também uma perspectiva de transformação da
ou na sociedade.
Neste aspecto, grifa-se que a formação do professor não pode se limitar
ao ensino e/ou treinamento de determinada forma de atuação, nem se constitui
na soma de conhecimentos de áreas específicas, mas deve se constituir na
relação entre as teorias e a prática, sendo primordial que ele reconheça sua
concepção educacional, inclusive em suas perspectivas sociais.
148

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Acesso em: 7 abr. 2020.
O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO
POPULAR: a influência das agências e
Organizações não Governamentais (ONGs)
internacionais na região Sudoeste do Paraná
João Paulo Danieli
Roberto Antonio Deitos
Luiz Fernando Reis
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Introdução

O presente texto tem como temática o financiamento da Educação Popular


pelas Agências e Organizações (ONGs) internacionais na região Sudoeste do
Paraná. Com o objetivo de compreender historicamente, como aconteceu esse
processo de financiamento a partir dos projetos executados na região investigada.
Vale ressaltar, que desde a década de 1960, o Sudoeste tem buscado apoio e
aporte financeiro internacional a partir de Agências e de ONGs, como exem-
plo, em 1966, quando foi criado na Bélgica uma Organização específica para
a região, chamada DISOP (Desenvolvimento Integral do Sudoeste do Paraná),
para angariar apoio e recurso para o desenvolvimento regional. Esse apoio se
intensificou na década de 1980 até a década de 2010 com vários projetos educa-
cionais e sociais, com a intenção de fortalecer e agregar políticas para a região.
Indicamos que este estudo, é uma reflexão e sistematização realizada para
uma pesquisa científica. Pesquisa, que está sendo viabilizada por esses pesqui-
sadores e que pode despertar o interesse de outros pesquisadores, que buscam
ou que problematizam as mesmas questões levantadas. Por isso, ao longo
do texto, o leitor vai se deparar com muitas questões norteadoras referente a
temática abordada. Temática esta, que nasceu da necessidade de compreender
historicamente que concepções ideológicas, políticas e educacionais estavam
sendo aplicadas nos projetos financiados pelas Agências e Organizações não
Governamentais – ONGs internacionais, na Região Sudoeste do Paraná.
A partir de estudos já levantado, por Danieli (2014)1, desde a década de
1960, muitos projetos foram executados, tendo o apoio e aporte financeiro de
agências e ONGs, oriundo de países da América do Norte: Estados Unidos e
1 Estudos que compõem a pesquisa de mestrado em Educação, defendido em 2014, sob o título de: “Educação
do Campo e Movimentos Sociais no Sudoeste do Paraná: lutas, redes e alguns apontamentos históricos”.
Onde o estudo aprofundou-se o surgimento das Organizações e de Movimentos Sociais, como: os Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais – STRs, as Cooperativas, Grupo de Reflexão, as Associações e, em especial da
152

Canadá; europeus como: Alemanha, França e Bélgica. E algumas indagações


surgiram: que relações tinham as Agências e as ONGs internacionais com a
região? E que com os movimentos sociais? Havia alguma proposta ideológica,
política e educacional, ao financiar a educação popular no Sudoeste do Paraná?
Mediante a esses questionamentos, buscou-se fazer essas reflexões, na
intenção de compreender e analisar esses elementos históricos, políticos e edu-
cacionais, ao financiar a Educação Popular na região investigada. E, para rea-
lizar essa construção teórica, seguimos alguns passos, como: investigação em
fontes primárias (revistas, vídeos, documentos históricos e os próprios projetos
executados), levantamento bibliográfico (de autores regionais e nacionais) e
por fim, alguns relatos orais (de educadores populares). Ainda em tempo, o
texto foi desenvolvido, trazendo em seu percurso teórico, algumas discussões

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e apresentando: breves apontamentos sobre as ONGs; posteriormente, algumas
propostas pedagógicas desenvolvidas na região e que tiveram apoio e aporte
financeiro, e destas, alguns projetos que foram financiados pelas Agências e
ONGs internacionais; por fim, nas considerações realizamos outras reflexões
pertinentes e questionamentos sobre a temática.

Propostas pedagógicas a partir do aporte financeiro das Agências


e ONGs internacionais na região Sudoeste do Paraná

A sigla ONGs (Organizações não-governamentais), começou a ser usado


pós segunda guerra mundial. “O termo “ong” foi cunhado pela ONU, em 1946,
que a definiu como toda organização não estabelecida por acordo intergover-
namental” (TEIXEIRA, 2002, p. 146). Que tinham como objetivo ajudar no
desenvolvimento dos países subdesenvolvidos (terceiro mundo). Segundo
Scherer-Warren (1993, p. 2), essa terminologia tem

[...] origem nos países de 1º Mundo onde frequentemente estas entidades


são incluídas entre as ONGs. Refere-se, geralmente à entidades voltadas
para populações mais carentes ou para situações sociais problemáticas,
intervindo através de projetos de assistência, de desenvolvimento ou de
defesa de direitos humanos.

No Brasil, essas organizações começam a atuar a partir da década de


1950. “Num primeiro momento, o termo foi usado no Brasil apenas para defi-
nir as organizações internacionais que financiavam projetos de organizações
brasileiras” (TEIXEIRA, 2002, p. 150). Na região Sudoeste do Paraná, elas

que pensaram em propostas e projetos para a construção de uma educação popular e de políticas sociais
no Sudoeste do Paraná. Tendo, como aporte financeiro as Agências e ONGs Internacionais.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 153

começam a ser atuante a partir da década de 1960, quando os Missionários do


Sagrado Coração – MSC, buscaram apoio e recurso para o desenvolvimento
regional, junto as Agências e ONGs internacionais.
Segundo Teixeira (2002, p. 158), é preciso destacar a ligação das ONGs
com três setores importantes, na configuração dessas entidades: “as agências
de financiamento internacional, o relacionamento com movimentos sociais a
que estão de alguma forma vinculadas ou com setores sociais com os quais
se relacionam e as relações com o Estado”. No Sudoeste do Paraná, identi-
fica-se a ligação das mesmas com agência de financiamento internacional e
com os movimentos sociais. Desde a criação dos movimentos na região até
os projetos desenvolvidos na área de formação social, técnica, orientação e
educação, houve aporte financeiro dessas ONGs internacionais. Muito do que
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foi desenvolvido na região, através de práticas educativas se deve a elas. É o


que afirma o educador Vanderlei Dambros,

[...] de tudo o que eu conheço, mais de perto, da educação na região, dos


movimentos sociais e populares no Brasil e na América Latina, todos
surgiram e existiram, em grande medida, por conta da cooperação inter-
nacional dessas agências e das ONGs (DAMBROS, 2020).

Vale destacar, que o Sudoeste do Paraná é uma região ocupada recente-


mente, até a década de 1940, existia poucas cidades estruturadas, como o caso
de: Palmas, Clevelândia e Mangueirinha. É a partir dessa década, de 1940, que
temo um grande movimento de ocupação populacional, oriundo da chegada da
Colônia Agrícola General Osório – CANGO, em 1943, uma ação do governo
federal, para ocupar as terras devolutas e por ser uma região fronteiriça.
A realidade da região, nas décadas de 1950 e 1960, se expressava em uma
economia totalmente rural, vivia-se da agricultura e longe dos centros urbanos.
Além de ter vários problemas sociais, como a falta de saneamento, de saúde,
educação, entre outros fatores. Como afirma o missionário/Padre Jef, que contri-
buiu para o crescimento e desenvolvimento da região. “O desprezo total do agri-
cultor. O agricultor sofria, se esborrachava tudo, não tinha condições nenhuma,
de médico, escola e tudo isso era um sofrimento” (ASSESOAR, DVD, 1996).
Essa realidade vai mudar, a partir da década de 1960, quando missioná-
rios (que chegaram para acompanhar o movimento migratório de ocupação
para a região Sudoeste, os padres Belgas) juntamente com profissionais libe-
rais aqui da região, iniciaram um “trabalho de reflexão a respeito da Dou-
trina Social da Igreja e de organização dos pequenos agricultores da região
Sudoeste, visando fortalecer sua capacidade de intervenção junto ao poder
público” (DESER, 1993, p. 10).
154

Os padres movimentaram encontros formativos com grupos de famílias, a


fim de incentivarem as ações pastorais da Igreja. Produziam textos de subsídios
para capacitação e formação de lideranças comunitárias e sobre a importância
de criar organizações sociais para fortalecer a coletividade. Nesse propósito,
os missionários, em especial o Padre Jef, juntamente com um grupo de jovens
ligado a Juventude Agrária Católica – JAC criaram em 1966, a Associação de
Estudos, Orientação e Assistência Rural – ASSESOAR2. Com o objetivo de
orientação, formação, capacitação e assistência, buscando melhorar a quali-
dade de vida das pessoas da região, a partir da educação popular. E a partir
dessa década (1960) e desse movimento, surge uma rede de organizações
populares/movimentos sociais, principalmente a ASSESOAR, a defender e
lutar por melhores condições e pelos direitos sociais dos agricultores e tra-

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balhadores do Sudoeste do Paraná (DANIELI, 2014). Para construção dessa
rede, e, de um projeto educacional, muito se deve ao apoio e aporte financeiro
das Agências e Organizações, principalmente as internacionais.
Isso se confirma, quando em 1966, preocupados com esses proble-
mas enfrentados na região, os padres criaram na Bélgica o DISOP (Desen-
volvimento Integral do Sudoeste do Paraná, ou Dienst voor Internationale
Samenwerking aan Ontwikkelings projecten; traduzindo, Organização para
a Cooperação Internacional a Projetos de Desenvolvimento). Com o objetivo
de contribuir para o desenvolvimento da região Sudoeste e ajudar na busca
de soluções para os problemas sociais. Em entrevista ao Jornal de Beltrão
(abr. 2013), Padre Jef, o idealizador da ASSESOAR, assim definiu o DISOP,

Entidade belga de apoio ao desenvolvimento no terceiro mundo – que


ajudou nas lutas populares capacitou catequistas, organizou grupos de
reflexão em família, preparou líderes, auxiliou na formação de sindicatos,
formou jovens para lideranças políticas e religiosas, enfim, viabilizou o
acesso à educação e à cultura.

Estava muito claro, e os missionários perceberam que havia necessidade


urgente de se pensar em ações práticas, ou melhor, buscar recursos através de
uma organização não-governamental, internacional, para viabilizar os projetos
para a região. Essa primeira ação vai desencadear muitas outras ações, ativi-
dades, propostas educacionais e projetos de ajuda internacional para a região.

2 A ASSESOAR foi criada, em 1966, por jovens agricultores, com o apoio de Padres Belgas, da Congregação
do Sagrado Coração de Jesus, por meio do Pe. José Caekelbergh (Popular Jef), e Profissionais Liberais
de Francisco Beltrão, Paraná, ligados à Juventude Agrária Católica (JAC). É uma Associação constituída e
dirigida por Agricultoras e Agricultores Familiares. Tendo como objetivo a orientação, formação e capacitação
dos pequenos agricultores, na busca de melhorar a qualidade de vida e dos serviços. Além de organizar
e formar movimentos sociais como: os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, as Cooperativas, Grupos de
Reflexão, Movimento Sem Terra, Associações e entre outros (DANIELI, 2014).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 155

Uma das primeiras propostas pedagógicas feitas pelos movimentos com


a contribuição dessas organizações3 foi convidar, em 1972, um casal belga,
Renato e Livie para virem à região, ajudar na construção de uma proposta
educacional. Dessa ajuda foi desenvolvido o projeto Escolas Familiares Rurais
– EFR, que iria trabalhar com jovens do município de Francisco Beltrão
(DANIELI, 2020). Assim foi publicado:

No sentido de preparar os jovens para sua futura profissão, surgiram em


1972, as Escolas Familiares Rurais – EFR. Através do método usado nestas
escolas, existe um contato contínuo dos jovens com os pais e vizinhos
(os alunos fazem as tarefas que recebem da escola com a ajuda dos pais,
irmãs e vizinhos) e os alunos não ficam separados dos seus trabalhos na
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lavoura. Em 1972 e 1973, 150 jovens de várias localidades de Francisco


Beltrão, participaram nas escolas familiares de Água Vermelha, Pedreiro
e km 20 (PRA INÍCIO..., 1973, p. 4).

Por meio dos trabalhos já realizados das EFR, foi pensado em uma
escola específica da realidade local dos agricultores, nascendo a Escola de
Educação Comunitária de Agricultores – EECAs. Segundo Duarte (1997),
essa escola preocupou-se com a educação dos adultos, onde os mesmos se
reuniam para estudar em alternância. A ideia dessa Escola estava centrada
na possibilidade da implantação de uma Escola Familiar Agrícola – EFA ou
uma Casa Familiar Rural – CFR4, mas essa proposta parou em 1975, com a
chegada em intercâmbio de um casal francês5, Geraldo e Catarina, que após
fazerem um diagnóstico sócio organizativo nas escolas, apontaram a falta de
condições organizativas das comunidades. As EECAs, foram sendo interrom-
pidas gradativamente (DANIELI, 2020).
Depois desses trabalhos, foi proposto outras ações, como em 1977 até
1981, a criação de uma Escola de Monitores e Monitoras Agrícolas, com a
intenção capacitar, formação profissional e técnica de jovens agricultores da
região. Além de se preocupar com a forma de apropriação do conhecimento.

3 Em levantamento nos documentos, não se encontrou registro de qual organização eles faziam parte, apenas
sinalizou que eram ligados a ONGs daquele país (DUARTE, 1997).
4 As EFAs surgiram na Itália em 1960, com uma metodologia de alternância, tempo-escola e tempo-comunidade.
Esse projeto pedagógico auxilia na educação formal sem se descuidar da produção agrícola. No Brasil,
surgiram em 1968 no Estado do Espírito Santo. Já as CFRs, surgiram na França, por camponeses na
década de 1930. Como as EFAs, as CFRs, tem o tempo-escola e tempo-comunidade, com a metodologia
da alternância. No Brasil, surgiram na década de 1980, se consolidando em Santa Catarina, a partir de
1991 (DANIELI, 2014).
5 Eram franceses devido à ASSESOAR manter intercâmbio com entidades daquele país. O casal de técnicos
franceses, após a decisão de não desenvolver o trabalho das EECAs, passaram três anos de trabalho na
ASSESOAR atuando junto a grupos de trabalho que manifestavam interesse pelo desenvolvimento de uma
prática agrícola em suas propriedades (DANIELI, 2014, p. 114).
156

“Na propriedade do monitor, ou de outro agricultor, da comunidade, serão rea-


lizadas experiências para unir a teoria a prática” (ATIVIDADES..., 1981, p. 8).
“Esses trabalhos formativos carregavam a certeza de uma proposta
de Educação popular, que beneficiaria a classe dos agricultores da região”
(DANIELI, 2014, p. 147). Para dar continuidade nessa proposta educacional,
as organizações locais, tendo a claro que a educação deveria ser construída
pelos próprios sujeitos sociais, rediscutiram na década de 1990, o projeto
extinto, as EECAs, organizando agora um projeto pedagógico denominada:
Escolas Comunitárias de Agricultores – ECAs. As escolas aconteceram entre
os anos de 1991 a 1995 em alguns municípios da região6.
A proposta das ECAs, não era inventar uma nova proposta de educação,
“mas sim de elaborá-la a partir da realidade concreta. A organização esco-

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lar (educativa), é reflexo da prática que temos no tratamento da realidade”
(EDUCAÇÃO..., 1986, p. 7). Uma escola que levasse em consideração as
especificidades e a realidade dos sujeitos sociais (DANIELI, 2020).
Além da contribuição das organizações e movimentos sociais da região,
destaca-se aqui o apoio e o financiamento das organizações internacionais que
ajudaram na construção desse projeto, como: da Holanda VASTENAKTIE/
CEBEMO (apoio a projetos de emancipação social e progresso econômico
de grupos marginalizados); da Alemanha: EZE (Evangelische Zentralstelle
Für Entwicklungshilfe, instituição criada pelo Governo Alemão, pós segunda
guerra mundial, que financia projetos desenvolvidos por igrejas e ONGs com
o propósito o combate à pobreza), da Pão para o Mundo – PPM (Brot Für Die
Welt, traduzindo, Combate à pobreza e ao subdesenvolvimento) e ELJ (Evange-
lischen Landjugend Bayern, traduzindo, organização Evangélica da Juventude
Rural); além da CCFD (Comité Catholique Contre la Faim et pour le Dévelo-
ppement, traduzindo, Comitê Católico contra a Fome e pelo Desenvolvimento)
da França (ASSESOAR, DVD, 1996). Para Bonetti e Rotta (2014, p. 282),

A parceria instituída com a Entidade Vastenaktie/CEBEMO, que repre-


senta a Igreja Católica da Holanda e financiava a educação para o desen-
volvimento como parte de um processo de formação política, tinha por
finalidade apoiar atividades em países em desenvolvimento destinadas à
emancipação social e ao progresso econômico de grupos marginalizados.

Segundo o relatório do “Resultado dos apoios da VASTENAKTIE/


CEBEMO à Região Sudoeste, realizados pela ASSESOAR”, em 1993, foi
pontuado algumas das atividades, como: formação de lideranças, a criação
movimentos sociais (sindicatos e cooperativas), de capacitação técnica e edu-
cacional. Como pontua o próprio documento,

6 A proposta educacional das ECAs, já foram analisadas em estudos de Danieli (2014 e 2020).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 157

[...] a implantação de duas Escolas Comunitárias de agricultores. A pri-


meira denominada ECASIG [...], com 196 famílias e 784 pessoas atingidas
diretamente. A segunda denominada ECASIB [...], prevê a formação de 40
monitores, representativos de 40 grupos de bases, atingindo 320 famílias
e 1360 agricultores (ASSESOAR, 1993, p. 12).

Ainda segundo o documento, essa parceria entre essa organização e


a ASSESOAR, começou em 1982. E a partir de 1985 com a destinação de
recurso. Desse ano até 1993, foram três projetos: C-212-1479R, C-212-1519A,
C-212-1519B, e no ano de 1993, a aprovação de mais um projeto o C-212-
1519C, até 1995. Desses quatro projetos, a Vastenaktie/CEBEMO, destinou
CR$ 582.470,00 (quinhentos e oitenta e dois mil e quatrocentos e setenta cru-
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zeiros) (ASSESOAR, 1993, p. 2), que foram destinados a aquelas atividades


mencionadas acima. Os dois últimos projetos, conforme o documento, foram
específicos para as ECAs.
Outra ação coletiva financiada pelas ONGs internacionais, é o diagnóstico
do Departamento Sindical de Estudos Rurais – DESER, realizada em 1993.
Esse material foi custeado integralmente pela: EZE do Governo Alemão, da
Pão para o Mundo – PPM, da Organização Intereclesiástica de Cooperação
ao Desenvolvimento – IICO (Que ajuda os países subdesenvolvidos, em áreas
como: educação (formação de jovens e adultos), meio ambiente, cooperação,
etc.); e, Solidariedad Network (organização especializada no desenvolvimento
de cadeias sustentáveis no setor agropecuário) (DESER, 1993).
A DESER ajudou a fazer estudos e diagnósticos no Sudoeste do Paraná,
com a finalidade de fortalecer as organizações e movimentos sociais da região.
Disso, resultou no trabalho: “Movimentos Sociais no Campo na Região
Sudoeste do Paraná: avaliação e perspectivas”. Um trabalho, que pretendia
“analisar a trajetória histórica, a situação recente e o desempenho político dos
diferentes movimentos sociais e organizações populares presentes no campo
nesta região [...]” (DESER, 1993, p. 5).
Apontamos, que a partir desses projetos iniciados na década de 1970 até
o ano 1995, as propostas pedagógicas giravam em torno de uma educação
popular, fora dos muros das instituições escolares oficiais. Trabalhos esses,
desenvolvidos entre jovens e adultos, numa formação social e histórica para
aqueles que o conhecimento fora negado historicamente pelos órgãos oficiais.
Reforçando o que Gramsci (2002) nos propõem, que a formação da classe
dos operários, nesse caso dos agricultores e trabalhadores, vem de ações da
própria sociedade civil organizada. Mais do que isso, ele concebia que igrejas,
sindicatos, cooperativas, escolas, partidos, associações, entre outros, como o
conjunto da sociedade civil, os quais elaboram e difundem as ideologias, os
valores éticos, políticos e culturais.
158

Depois da proposta das ECAs, foi pensado um outro projeto, iniciado


em 1996, o Projeto Vida na Roça – PVR7. Esse projeto, diferentes dos outros,
trabalhou por dentro uma instituição escolar, a municipal. A primeira expe-
riência começou no município de Francisco Beltrão, na Escola Municipal
Parigot de Souza, na comunidade de Jacutinga. Depois se espalhou para mais
treze (13) comunidades do mesmo município, e posteriormente para vários
municípios da região. O projeto começava pela escola, pelos alunos, mas
abrangia toda a comunidade, pais e moradores onde a escola estava inserida.
Os conteúdos trabalhados eram relacionados com a realidade e as vivências
da própria comunidade.
Esse projeto, como os outros também houve apoio e financiamento das
agências e das ONGs internacionais. Inicialmente teve apoio e recurso de

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várias entidades e movimentos sociais, como: a ASSESOAR, do STR, da
Cooperativa Cresol, bem como do executivo municipal, do Governo Estadual
e da Faculdade de Ciências Humanas de Francisco Beltrão – FACIBEL (que
em 1999, foi estadualizada, se tornando parte da Universidade Estadual do
Oeste do Paraná – UNIOESTE) (DANIELI, 2014).
A partir de 1999, com o projeto consolidado e ampliando para outras
comunidades e municípios, buscou-se aporte financeiro nacional e internacio-
nal, aqui evidenciamos o internacional. Segundo o Projeto: “Apoio/coordena-
ção a processos de Desenvolvimento Local – Projeto Vida na Roça”, de 1999,
apresentou quais as atividades seriam desenvolvidas a partir de quatro eixos:
Educação Escolar (nas escolas municipais e atividades extraescolar), Produ-
ção Agropecuária, Saúde e Saneamento, e, Cultura e Lazer. Para realização
do projeto nos próximos três anos, buscou aporte financeiro da Inter-American
Foundation – IAF, Fundação Interamericana, de Washington, D. C., dos Esta-
dos Unidos, criada pelo Congresso e dirigida pelo Presidente, para promover
o desenvolvimento e a autoajuda externa. O apoio da IAF, segundo os dados
do próprio projeto, era de R$ 212.958,16 (duzentos e doze mil, novecentos
e cinquenta e oito reais com dezesseis centavos) (ASSESOAR, 1999, p. 21).
Em 1998, foi executado o projeto “Apoio/coordenação a processos de
Desenvolvimento Regional – Fóruns de Desenvolvimento e cadeias produ-
tivas”, a partir do projeto nº 960.240G, financiado pela EZE (Agência do
Governo Alemão). “O presente Projeto de Cooperação entre a ASSESOAR e
EZE, quer reforçar as ações de desenvolvimento já em andamento na região
Sudoeste do Paraná” (ASSESOAR, 1998, p. 3). Segundo o projeto, o obje-
tivo é apoiar, fortalecer e integrar as ações de desenvolvimento e Direitos
Humanos existentes, ao final do triênio, tendo como meta beneficiar direta-
mente 5.600 famílias ou, aproximadamente, 22.400 pessoas, com os eixos
7 Esse projeto já foi estudado por: Danieli (2014).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 159

de trabalho: Apoio à Organização da Cooperação em Cadeias Produtivas;


Educação Básica para o Desenvolvimento Regional e Fóruns Sub-Regionais
de Desenvolvimento; e Direitos Humanos. O custo do Projeto foi estimado
em R$ 627.672,00, no qual EZE entraria com R$ 412.920,00 e a ASSESOAR
com R$ 214.752,00 (ASSESOAR, 1998, p. 5).
Já em 2000, a partir do relatório das atividades desenvolvidas em 1999 e
2000, do projeto: “Apoio/coordenação a processos de Desenvolvimento Local
– Educação Básica para o Desenvolvimento”, o aporte financeiro para esse
projeto veio CCFD, da França. Como mencionando acima, essa organização
tem ligação com a religião e contribui desde a década de 1970, com projetos
na região investigada. Esse projeto em específico, trata da implantação de um
projeto educacional tendo a parceria com a Universidade Federal do Paraná –
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UFPR, para o ensino médio. Como o próprio projeto diz: “este trabalho está
sendo desenvolvido em Convênio com a Universidade Federal do Paraná. A
meta era elaborar o projeto para a implantação do Ensino Médio (2º grau)
que queremos para a região” (ASSESOAR, 2000, p. 4).
Segundo o relatório, o projeto estava em andamento e foi concretizado
a partir do triênio 2002 – 2004. Como mostra o projeto “Plano de Gera-
ção de Referências para o Desenvolvimento com Cidadania”, de agosto de
2001. Nesse projeto além do apoio e aporte financeiro da CCFD, encontra-
-se também o financiamento da Églises Évangéliquesen Allemagne pour le
Développement – EED8, serviço das Igrejas Evangélicas da Alemanha para
o Desenvolvimento dos países de terceiro mundo. Nesse projeto, o foco foi
a formação educacional, sendo executado em dois caminhos diferentes, ou
dois públicos alvos.
O Primeiro: “Construção de Referências para o Desenvolvimento Local/
Regional, construído a partir da experiência dos projetos ECAs e PVR”
(ASSESOAR, 2001, p. 3). Onde foi trabalhado com jovens, adultos (com
modelos das ECAs), crianças (das escolas municipais em dois municípios, a
partir das experiências do PVR) e educadores escolares.
O segundo: “Reflexão Sistemática sobre o Desenvolvimento do Campo,
busca refletir conceitos e práticas sociais desenvolvidas a partir de cursos de
níveis, médio, pós-médio e especialização” (ASSESOAR, 2001, p. 3). Esse foi
executado por dentro de instituições oficiais, tendo como parceiro a Unioeste
e a UFPR. Segundo o projeto, será implementado o “Curso de Ensino Médio
e de Educação Profissional de Nível Técnico [...] possibilitando o acesso à
escolarização e à formação, vinculada ao projeto de desenvolvimento” (ASSE-
SOAR, 2001, p. 29).

8 A EED ligada a religiosidade protestante, enquanto a CCFD com Igreja Católica. As duas são instituições
que apoiam ações nos países periféricos e apoia serviços como: educação, formação e questões estruturais.
160

Esse posicionamento das organizações locais, em especial da ASSE-


SOAR, é o fortalecimento e a construção de políticas públicas para a educação
no sudoeste do Paraná.

A intenção da Assesoar [...], assumindo para si a tarefa de captar recursos


e administrar instituições educacionais de caráter privado, mas estabelecer
referências para que as lutas possam ter mais elementos para pensar as
políticas públicas em educação. Neste sentido a luta de classe está colo-
cada na disputa e no controle das ações do estado, mas ao estado cabe
garantir os serviços básicos como saúde, educação, segurança alimentar
(ASSESOAR, 2000, p. 5).

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Muito ainda, pode-se ser analisado e refletido desses projetos. Mas encer-
ramos abordando uma questão que foi apresentada até o momento, podendo
ser colocada em análise muitas outras. Como pode-se perceber, a partir da
década de 1990, as organizações mudam de configuração, continuam com o
apoio a uma formação educacional popular, mas, buscam apoiar e fortalecer
uma proposta educacional a partir das instituições oficiais. Como mostra o
Projeto Vida na Roça – PVR, a partir das escolas municipais; nos cursos de
Ensino Médio, Profissionalizante, Técnico e Especialização, a partir de 2002
com a parceria da Unioeste e UFPR; da parceria com a Universidade Tecno-
lógica Federal do Paraná – UTFPR com o curso de licenciatura em Educação
do Campo, entre outras ações. Essa mudança, ocorre porque a própria confi-
guração das Agências e das ONGs internacionais mudaram? Ou por que há
uma mudança na própria estrutura social, econômica e política da sociedade
civil nessa década? Ainda pode-se levantar a ideia de Dale (2004), se não
há uma “Agenda Global Estruturada para a Educação”, onde a mudança,
de natureza da economia capitalista mundial a partir da globalização e seus
efeitos sobre os sistemas educativos.
Segundo Salomón (2006, p. 19), a partir da década de 1990, há discussão
sobre o conceito de sociedade civil. “É um conceito que passou da academia
aos organismos internacionais, e destes aos governos e às diferenças organiza-
ções sociais, particularmente as não-governamentais”. E, como apresentam os
autores Gohn (2000), Montaño (2002), Montaño e Duriguetto (2011), Salomón
(2006), Scherer-Warren (1993), da inclusão, nessa década, do chamado Terceiro
Setor. O primeiro o Estado, o segundo o Mercado e o terceiro a Sociedade
Civil. Esse setor, ganha espaço junto ao Estado e nas políticas educacionais
e sociais. A própria legislação brasileira legitima esse setor a partir da Lei
nº 9.790 de 1999 que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de
direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria (BRASIL, 1999).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 161

Ou ainda, essa mudança de configuração educacional a partir da década


de 1990, não foi um movimento próprio dos sujeitos sociais e das organizações
regionais? Uma exigência social, educacional e política, que se configurou
a partir da própria realidade regional e do próprio momento histórico desse
período? E a partir disso, desencadeou propostas e projetos institucionalizado,
como as parcerias com as universidades e com as escolas municipais.

Considerações finais

Nessas considerações, busca-se problematizar e levantar outras questões


e reflexões a cercam da temática, pois ela não se esgota. Partindo do que foi
apresentado, em primeira leitura, parece contraditório, algumas organizações,
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como a AIF, que é gerenciado pelo governo americano, financiar projetos


educacionais, muitos deles populares, que podem exercer uma posição e uma
formação “contra hegemônica”, como afirmava pensador Italiano Antonio
Gramsci. Tendo como pressuposto esse conceito de Gramsci, Montaño e
Durigueto (2011) afirmam que a ação contra hegemônica, exige como seu
pressuposto material-organizativo, uma práxis política consciente, coletiva
e articulada das classes subalternas. Esses projetos e propostas pedagógicas
desenvolvidos na região investigada, não foram uma ação formativa contra
hegemônica? Que concepção ideológica, política e educacional está atrelado
ao financiar esses projetos? A das ONGs que financiavam? Ou, a construção
de uma proposta educacional consciente da realidade, crítica e libertadora?
Para corroborar com esses questionamentos, cito a discussão de Sche-
rer-Warren (1993), que diferencia as orientações normativas das Agências de
Financiamento e das ONGs, do Norte e do Sul. Segundo a autora, historica-
mente as Agências têm dado seu apoio às ONGs do norte, orientando-se por
princípios de ordem assistencialista, desenvolvimentista, democratizante e
mais recentemente, a ajuda de agências governamentais podem ser a expres-
são de princípios neo-liberais [...]. Enquanto isso, nas ONGs do Sul (em
especial no Brasil), o caráter político-ideológico libertário, seja no sentido
macro, de transformações do Estado e da Sociedade, ou no sentido micro,
de construção de cidadania [...].
Para Dambros (2020), educador social que ajudou a construir esses pro-
jetos e propostas educacionais e, um dos responsáveis por manter o relacio-
namento com as ONGs internacionais, afirmou que: “ninguém financia sem
saber o que está financiando e sem acompanhamento, ninguém recebe sem
saber de onde vem o dinheiro e sem determinar o que pretende fazer”. E
continua, “ninguém sufoca ou apoia ações transformadoras ou mantenedo-
ras, ninguém apoia uma revolução ou uma contrarrevolução se não houver
interesses bilaterais que se encontram e em diálogo”. Por fim, afirmou “que
162

existem diferenças nessas iniciativas de solidariedade internacional. Existem


as que estabelecem um relacionamento unilateral que determinam e ponto”.
Battisti (2020) também aponta que “algumas Agências costumavam visitar o
trabalho no final do projeto para verificar in loco o andamento e os resultados
do mesmo e tratar a continuidade do trabalho e do apoio”. Desses depoi-
mentos, podemos notar que os financiamentos em alguns momentos, havia
um certo interesse coletivo entre ambas as partes, mas também que alguns, o
financiamento era algo determinado, unilateral.
Sabe-se que, esse espaço social é algo em disputa e cada parte envolvida,
tem sua concepção e sua posição. Trazendo as ideias de Gramsci, esse espaço
social é uma “Guerra de Posição” ou “Guerra de Movimento”9 (GRAMSCI,
2002), e ainda, aparelhos “privados” (GRAMSCI, 2000) de hegemonia”. O

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primeiro conceito citamos para “comparar”, mas o segundo podemos trazer
para a discussão, pois o aparelho privado de hegemonia, nada mais é a propa-
gação de ideias com vista à obtenção da hegemonia. Será que não houve uma
propagação de ideias por parte das agências e das ONGs? Pois, a hegemonia
segundo Danieli (2014), não é somente dominação, ela expressa a direção
e o consentimento ideológico (concepção de mundo) que uma classe social
consegue impor sobre a outra.
Outro ponto que precisa ser mencionado, é a importância da propagação
e aplicação desses projetos e de propostas educacionais pelos educadores
populares. Segundo entrevista com Dambros (2020) e Battisti (2020)10, ambos
mencionam a relevância dos educadores populares para a transmissão de um
conhecimento científico, que era negado pelos órgãos oficiais, à classe traba-
lhadora. Também aqui, podemos trazer a discussão de Gramsci, do papel dos
Intelectuais Orgânicos. Que são responsáveis pela transmissão do conheci-
mento para sua classe social. Segundo Gramsci (2002), eles têm a incumbência
de elaboração e difusão de valores e de ideologias de sua classe. Ainda para
o autor todo grupo social, cria para si, organicamente, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função,
não apenas no campo econômico, mas no social e político.
Por fim, reforçamos e identificamos que há muito ainda a ser pesquisado
sobre os projetos educacionais e sociais, executados com financiamento das Agên-
cias e ONGs internacionais no Sudoeste do Paraná. Por isso, pensa-se que é neces-
sário essa discussão, reflexão e problematização dessa temática, para que novas
pesquisas e estudos possam ser levantadas e pesquisadas, pois ela não se esgota.

9 Gramsci chamou de “Guerra de Posição” ou Guerra de Movimento o processo de tomada e de conquista


de uma classe social sobre as outras. Neste momento histórico o conceito de “hegemonia”, de quem tem
o controle, ou melhor o poder, como direção intelectual e moral, ganha relevância para a troca de posição
e espaços entre classes sociais. Aqui, a intenção é só fazer comparação de ideias.
10 Entrevistas realizadas de forma remota e também em forma de escrita, para João Paulo Danieli, em 2020.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 163

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AUTONOMIA E FINANCIAMENTO
DAS UNIVERSIDADES ESTADUAIS
DO PARANÁ: a agenda regressiva
do governo Beto Richa1
Luiz Fernando Reis

Introdução
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Este artigo trata das políticas do governo Estado do Paraná (Beto Richa
– PSDB) para as universidades estaduais no período recente (2015-2017).
Tais políticas se integram ao conjunto das ações do governo, atingem todo o
serviço público e fazem parte de uma agenda regressiva, centrada no ajuste
fiscal, que resulta na restrição dos direitos dos servidores estaduais. No caso
das universidades paranaenses, o estado vem colocando em prática uma série
de ações com vistas a restringir o financiamento de tais instituições, limitar
ainda mais a autonomia universitária, aumentar a carga horária docente em
sala de aula e descaracterizar a dedicação exclusiva como regime de trabalho.
O que ocorre no Estado do Paraná não é um fato isolado e se soma aos
ataques que vêm sendo promovidos às universidades estaduais e ao serviço
público por outros governadores, de diferentes partidos, em outras unidades da
federação. As políticas do governo Beto Richa para as universidades estaduais
do Paraná (2015-2017) não podem ser tratadas como uma particularidade.
Precisam ser compreendidas na sua relação com o contexto nacional. Para
tanto, é necessário compreender os nexos entre o financiamento das políticas
sociais e a política econômica em curso no Brasil, que se constitui numa
resposta, do ponto de vista do capital, à atual crise de acumulação enfrentada
pelo capitalismo mundial. No enfrentamento dessa crise, o fundo público tem
assumido um papel relevante para a acumulação do capital, sobretudo para
garantir a rentabilidade do capital na esfera financeira.
Na atual crise do capitalismo, a dívida pública se converteu no principal
mecanismo de drenagem dos recursos públicos para a valorização do capital,
sobretudo do capital especulativo. No Brasil, a elevada subtração de recursos
da União e dos Estados para o pagamento da dívida pública tem imposto
enormes sacrifícios à população, especialmente à classe trabalhadora, com o

1 Este texto foi publicado em janeiro de 2018 na Revista Universidade e Sociedade, n. 61. Disponível em:
https://www.andes.org.br/img/midias/b2453145c8eb30241febcefe5e2f9729_1548264765.pdf.
168

aumento da carga tributária e a insuficiência dos serviços públicos, agravando


ainda mais situação de pobreza e miséria.
O Ministério da Fazenda tem um papel preponderante na destinação efe-
tiva de recursos orçamentários da União e dos Estados para o financiamento
das ações e serviços públicos, incluindo as universidades federais e estaduais.
Desde a década de 1990, a política econômica adotada pelo Ministério, em
todos os governos, tem priorizado o ajuste das contas públicas para a geração
de superávits primários, necessários ao pagamento da dívida pública.
Desde 2015, quando o país passou a enfrentar de forma mais aguda uma
recessão econômica, os ataques aos direitos e às políticas sociais se intensifi-
caram. Num momento de grave recessão econômica a classe trabalhadora tem
sido pressionada a pagar o preço da crise. Diferentes governos, de colorações

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partidárias diversas, têm adotado iniciativas que aprofundam, ainda mais, o
desmonte do Estado e do sistema de proteção social brasileiro.
A adoção de uma agenda regressiva, focada no ajuste fiscal, para conti-
nuar garantindo que o fundo público viabilize a acumulação do capital tem
promovido significativos prejuízos à sociedade brasileira, especialmente aos
trabalhadores do serviço público e do setor privado. Tal situação decorre da
política econômica em curso que prioriza o pagamento da dívida pública
e absorve recursos que poderiam ser aplicados na necessária expansão do
financiamento público da Saúde e Educação.
Estruturalmente, este texto está organizado em duas seções, além da
introdução e das considerações finais. Na primeira seção, discorremos sobre o
ajuste fiscal, fundo público e o financiamento das políticas sociais, enfatizando
o papel preponderante do Ministério da Fazenda que, por meio da política
econômica adotada, focada no superávit primário, determina as prioridades
para a destinação do fundo público (orçamentos da União e dos Estados). Na
segunda seção, tratamos da agenda regressiva do governo Beto Richa e as
universidades estaduais do Paraná, procurando evidenciar a estreita relação
entre medidas adotadas pelo governo do Paraná e a agenda regressiva adotada
pelo governo federal, desde o início do ano de 2015.

Ajuste fiscal, fundo público e o financiamento das políticas sociais

A política econômica adotada pelo governo federal a partir da década de


1990, deu prioridade ao chamado ajuste fiscal com vistas a gerar superávits
primários, necessários ao pagamento da dívida pública. A dívida pública tem
sido um mecanismo privilegiado para garantir a transferência de riqueza, na
forma de impostos arrecadados pelo Estado, para os circuitos de valorização/
acumulação do capital.
Loureiro e Abrucio (1999, p. 71) afirmam que o Ministério da Fazenda,
após os anos 1980, “[...] se transformou em agência dominante na estrutura
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 169

governamental em razão do imperativo fiscal que guia os governos de prati-


camente todo o mundo”. Na América Latina, a crise da dívida nas décadas de
1980 e 19902 conferiu maior importância ao ministro da Fazenda e a toda a
equipe econômica. Neste texto, partimos do pressuposto que a atual situação
enfrentada pelas universidades públicas de diferentes Estados da federação tem
relação direta com a política econômica implantada pelo Ministério da Fazenda.
O peso da dívida pública sobre os países endividados do capitalismo
periférico e, recentemente, do capitalismo central, tem levado os governos
desses países a adotarem os pacotes de ajuste fiscal de modo a garantir os
privilégios dos grandes grupos detentores dos títulos da dívida pública. A
adoção de pacotes decorre da orientação dos organismos representativos do
capital financeiro mundializado (FMI e Banco Mundial). Na maioria dos casos,
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os governos têm adotado uma postura de subserviência a tais organismos. O


saque dos recursos orçamentários dos Estados nacionais, por meio do meca-
nismo da dívida pública, converteu-se numa das “saídas”, do ponto de vista
do capital, para a atual crise de acumulação.
A prioridade da política econômica adotada, desde o governo Fernando
Henrique Cardoso, tem sido a manutenção do ajuste fiscal. Nesse contexto
o financiamento das universidades federais e da Ciência e Tecnologia, por
exemplo, não foi considerado prioritário. No Quadro 1 apresentamos uma
comparação do percentual médio do orçamento da União destinado à algumas
despesas selecionadas no período de 2003 a 2017.

Quadro 1 – Destinação percentual dos recursos


orçamentários da união: 2003-2017
DESPESAS SELECIONADAS PERCENTUAL MÉDIO (2003-2017)

JUROS, AMORTIZAÇÕES E
46,56%
REFINANCIAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA

JUROS, AMORTIZAÇÕES
19,82%
DA DÍVIDA PÚBLICA

SAÚDE 3,90%

EDUCAÇÃO 2,91%

ASSISTÊNCIA SOCIAL 2,52%


continua...

2 A chamada crise da dívida na América Latina veio à tona a partir da declaração de moratória da dívida externa
pelo governo do México em 1982 e se espraiou pela maioria dos países do continente. No Brasil a moratória
da dívida externa foi decretada em fevereiro de 1987. Tal crise resultou na queda acentuada da renda, no
desemprego, no aumento da inflação e na acentuada queda do crescimento econômico, mensurado pelo
PIB. Para resolver tal crise, do ponto de vista do capital, a maioria dos países latino-americanos, incluindo
o Brasil, adotaram ações preconizadas pelo FMI e pelo Banco Mundial e sintetizadas, especialmente, no
chamado Plano Brady elaborado por tais organismos em 1989.
170

continuação
DESPESAS SELECIONADAS PERCENTUAL MÉDIO (2003-2017)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA 0,34%

SAÚDE
EDUCAÇÃO
9,45%
ASSISTÊNCIA SOCIAL
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Fonte: Senado Federal (2018a; 2018b).

O Quadro 1 revela que os recursos do orçamento da União foram destina-


dos prioritariamente para viabilizar a acumulação do capital por meio, por exem-
plo, do pagamento da dívida pública. No período de 2003 a 2017, os rentistas
receberam, em média, somente na forma de juros e amortizações (excluindo o

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refinanciamento da dívida), 19,82% do orçamento da União. No mesmo período,
o governo federal destinou, em média, apenas 9,45% do orçamento da União
para as áreas de saúde, educação, assistência social, e ciência e tecnologia.
Os números acima revelam que o Estado tem redirecionado majoritaria-
mente os recursos do chamado fundo público para viabilizar a rentabilidade
do capital financeiro em detrimento do financiamento das políticas sociais.
Exemplo disso é a remuneração do capital financeiro, por meio do pagamento
dos exorbitantes juros da dívida pública e o aporte de recursos do orçamento
da União ao ensino superior privado (Fies e Prouni).
De 2003 a 2017, foram destinados mais de R$ 16,552 trilhões para o
pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública (interna
e externa) e, destes, R$ 7,046 trilhões somente para juros e amortizações da
dívida. Nesse mesmo período as universidades federais receberam, cumulati-
vamente, R$ 563,964 bilhões, que representaram apenas 8% das despesas da
União somente com juros e amortizações da dívida. No caso das instituições
de ensino superior privadas, a destinação de recursos públicos, por meio do
Fies e do Prouni, saltou de R$ 1,609 bilhões, em 2003, para R$ 21,820 bilhões,
em 2017, um crescimento de 1.256%.
O ajuste fiscal, focado no superávit primário, procura proteger os inte-
resses dos detentores do capital produtivo e dos títulos da dívida pública. Por
outro lado, resulta na restrição de direitos da classe trabalhadora, no desem-
prego massivo e em perdas salariais para trabalhadores em geral e para os
servidores públicos com medidas que desestruturam as carreiras e intensificam
a precarização das condições de trabalho. Todos esses ataques colocam em
risco o serviço público em todos os Estados da federação.
Com o golpe parlamentar que afastou Dilma da presidência da República,
Temer assumiu o cargo de presidente em 12 de maio/20163. Os golpistas que

3 Temer assumiu a presidência provisoriamente em 12 de maio e definitivamente a partir de 31 de


agosto de 2016.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 171

o conduziram à presidência da República lhe atribuíram como tarefa o apro-


fundamento de uma agenda regressiva: “reforma” da previdência, revogação
das leis trabalhistas, congelamento dos investimentos nas políticas sociais,
privatização do que restou do patrimônio público e redução da carga tributária
para os mais ricos.
Se nos governos Lula e Dilma havia uma preocupação em incorporar
uma agenda social à política econômica neoliberal, Temer se mostra mais
preocupado em atender aos interesses do sistema financeiro mundializado
e dos grandes grupos empresariais nacionais e transnacionais. A aprovação
da Emenda Constitucional nº 95/2016 que congelou por vinte anos os gastos
sociais para garantir a absoluta prioridade ao pagamento da dívida pública, foi
uma demonstração da subserviência completa do governo Temer à coalização
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financeiro-empresarial que o conduziu ilegalmente ao poder. As mobilizações,


paralisações de trabalhadores e ocupações estudantis em todo o país não foram
suficientes para impedir esse grave retrocesso.
Outros pontos dessa agenda regressiva do governo Temer continuam
pendentes. Cabe aos movimentos organizados da classe trabalhadora impe-
dir a concretização das ações destrutivas do governo Temer. Certamente tal
tarefa vai exigir grande esforço de elaboração e unidade política das entidades
representativas da classe trabalhadora e da juventude.

Agenda regressiva do governo Beto Richa (2015-2017) e as


Universidades Estaduais do Paraná

O Estado do Paraná, além das escolas de educação básica, mantém uma


grande rede de instituições estaduais de ensino superior. Atualmente, o sistema
estadual de ensino superior paranaense é composto por sete universidades:
Universidade Estadual de Londrina (UEL); Universidade Estadual de Maringá
(UEM); Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP); Universidade
Estadual de Ponta Grossa (UEPG); Universidade Estadual do Paraná (Unes-
par); Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e Universidade Esta-
dual do Oeste do Paraná (Unioeste). As universidades de Londrina, Maringá,
do Oeste do Paraná e de Ponta Grossa contam com 4 hospitais universitários
com o total de 744 leitos (PARANÁ/SETI, 2018a).
O Censo Acadêmico da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior de 2017 (PARANÁ/SETI, 2018b) registrou 76.039 matrícu-
las nos cursos de graduação (66.579 presenciais e 9.460 à distância) e 8.659
matrículas nos cursos de mestrado e doutorado. No período de 2004 a 2017
ocorreu um grande crescimento da pós-graduação stricto sensu. O número
total de matrículas nos cursos de mestrado e doutorado apresentou um cres-
cimento de 291,99%: de 2.209 em 2004 para 8.659 em 2017. Em relação às
172

matrículas da graduação a evolução foi de 5,24%: de 72.255 em 2004 para


76.039 em 2017.
No período de 2004 a 2017 o número total de docentes (efetivos e
temporários) cresceu 23,97%: de 6.199, em 2004, para 7.685, em 2017. O
número de docentes efetivos evolui 13,24%: de 5.251 para 5.946. O número
de docentes temporários, nesse mesmo período, cresceu 83,44%: de 948
para 1.739. Os docentes temporários representaram, em média, 20,68% do
número total de docentes4.
Além da expansão na pós-graduação stricto sensu verificada nos últi-
mos anos, o número de leitos dos hospitais universitários também tem sido
ampliado: de 649 em 2012 para 744 em 2017, um crescimento de 14,64%. Tal
ampliação deveria ter sido acompanhada da contratação de agentes universitá-

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rios, por meio de concurso público. Entretanto, a contratação não tem ocorrido.
O número de agentes universitários, no período de 2004 a 2017 diminuiu
10,84%: de 8.620, em 2004, para 7.686 em 2017. No caso dos agentes univer-
sitários, já há algum tempo, o governo estadual tem restringido a contratação.
Há uma intensificação do processo de terceirização das atividades técnicas
e, também, a contratação de estagiários para suprir a carência de agentes
universitários efetivos.

As universidades estaduais e o ajuste fiscal do governo Beto


Richa: 2015, o ano que não terminou

Beto Richa foi reeleito governador do Paraná, em outubro de 2014, ainda


no primeiro turno, com 55,67% dos votos válidos, que correspondeu a mais
de 3,301 milhões de votos. Durante o seu primeiro mandato (2011-2014) o
governo Beto Richa não assumiu uma postura de aberto enfrentamento aos
direitos dos servidores estaduais. Respeitou a Lei estadual nº 15.512/20075,
concedeu a revisão anual de salários aos servidores e negociou a revisão de
4 No período de 2004 a 2017, verificamos que em 2004 os docentes temporários representaram 15,29%
do total de docentes: menor participação de temporários em relação ao total. Em 2006 os docentes
temporários representaram 23,08% do total de docentes: maior participação de temporários em relação
ao total. Em 2017 os docentes temporários representaram 22,63% do número total dos docentes das sete
universidades paranaenses.
5 A Lei Estadual nº 15.512, de 31 de maio de 2007, aprovada durante o governo Requião (PMDB) instituiu o
mês de maio como data base para a revisão anual de salários para todas as carreiras estatutárias do Poder
Executivo do Estado do Paraná, para atendimento ao disposto no inciso X do artigo 27 da Constituição
Estadual e 37 da Constituição Federal que asseguram aos servidores públicos o direito à revisão geral anual
de salários, sempre na mesma data e sem distinção de índices. Tal lei contemplava, além dos servidores da
ativa, os aposentados e pensionistas. A Lei nº 15.512/2007 estabeleceu que a revisão geral anual de salários
a ser implantada em maio de cada ano na definição do índice do reajuste a ser concedido deveria considerar
o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, acumulado durante os últimos doze meses: do
mês de maio do ano anterior até o mês de abril do ano da implantação da revisão anual de salários.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 173

carreira de algumas categorias que resultou em ganhos salariais, como é o


caso dos docentes e agentes universitários. Nesse período verificou-se uma
ampliação do orçamento das universidades. Porém, no final do ano de 2014 e
início de 2015, o governo Beto Richa iniciou o ajuste fiscal com vistas a gerar
economia de recursos para o Tesouro do Estado em detrimento dos direitos
legalmente assegurados ao funcionalismo público.
Em dezembro de 2014, o governo Beto Richa propôs um pacote de
medidas para aumentar os a arrecadação tributária. A Assembleia Legislativa
(Alep), por proposição do Executivo, aprovou a majoração de 40% da alíquota
do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) e de 50% da
alíquota do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços). O
aumento do ICMS se deu sobre mais de 95 mil produtos, inclusive de primeira
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necessidade (medicamentos, material escolar, vestuário, dentre outros). Além


do aumento dos impostos, foi aprovada a Lei nº 18.370/2014 que instituiu, a
partir de março de 2015, a cobrança previdenciária dos servidores inativos.
O pacote de medidas, aprovado pela Assembleia Legislativa em 9 de
dezembro de 2014, seguiu as orientações de Mauro Ricardo Machado Costa,
que assumiria em seguida a secretaria de estado da Fazenda. Mauro Ricardo6
é um quadro do PSDB de São Paulo e tem longa ficha de serviços prestados,
especialmente a governos tucanos, desde os anos 1990.
O governo estadual terminou o ano de 2014 promovendo um calote
nos servidores estaduais. Não pagou o terço de férias que deveria ter sido
depositado no último dia útil de dezembro/2014. O terço de férias foi pago
apenas no final de abril/2015.
No segundo mandato do governo Beto Richa, o funcionalismo público
do Estado foi apontado pelo governo como o culpado pela crise financeira.
De acordo com o governo estadual o aumento de despesas do estado ocorreu
especialmente por conta dos valores gastos com o funcionalismo público:
reajustes salariais concedidos nos últimos anos e a contratação de policiais e
professores (CARAZZAI, 2014). O discurso pautado na necessidade do ajuste
fiscal e na contenção das despesas com o funcionalismo público tornou-se
hegemônico dentro do governo.

6 Mauro Ricardo Machado Costa foi Subsecretário de Planejamento e Orçamento, do Ministério do


Planejamento e Orçamento (Gestão José Serra), entre 1995 e 1996; Superintendente da Zona Franca de
Manaus em 1996; Presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), de 1999 a 2002 (Gestão José
Serra); Presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) entre 2003 a 2004 (Gestão
Aécio Neves); Secretário Municipal de Finanças da Prefeitura de São Paulo entre 2005 e 2006 (Gestão José
Serra); Secretário de Estado da Fazenda de São Paulo entre 2007 a 2010 (Gestão José Serra); Secretário
Municipal de Finanças da Prefeitura de São Paulo entre 2011 e 2012 (Gestão Gilberto Kassab); Secretário
Municipal de Fazenda de Salvador entre 2013 e 2014 (Gestão ACM Neto). Em 2015 assumiu a Secretária
de Estado da Fazenda do Estado do Paraná (Gestão Beto Richa).
174

No dia 4 de fevereiro de 2015, o governador enviou à Assembleia


Legislativa, um pacote de medidas com o objetivo de reduzir as despesas
do estado com o funcionalismo. O Projeto de Lei Complementar (PLC)
nº 6/2015, parte do pacote, dentre outras proposições, alterava os Planos de
Carreiras, Cargos e Salários dos Professores e Funcionários das Escolas Esta-
duais de Educação Básica restringindo garantias e direitos. O PLC nº 6/2015
propunha, ainda, a extinção do Adicional Tempo de Serviço (quinquênio)
e da aposentadoria integral para todos os servidores do Estado e, ainda, a
instituição da Previdência Complementar.
Os servidores estaduais do Paraná iniciaram uma série de mobilizações
para reagir à tentativa do governo estadual em restringir seus direitos. Além
disso, a deflagração de greve (marcadamente entre a categoria dos professores)

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foi motivada também pelo não pagamento do terço de férias que deveria ter sido
implantado em 31 de dezembro de 2014. Os servidores estaduais, com o prota-
gonismo dos professores funcionários da rede de educação básica, ocuparam a
Assembleia Legislativa do estado por três dias (de 10 a 13/2/2015). O governo
foi forçado a recuar, retirar o pacote de medidas. Com isso, a greve foi encer-
rada. No caso da Unioeste, a greve perdurou de 14 de fevereiro a 12 de março
de 2015. Na UEPG o movimento foi de 10 de fevereiro a 12 de março de 2015.
Em abril de 2015, o governo estadual voltou ao ataque e apresentou o
Projeto de Lei (PL) 252/2015 que propunha uma reforma da previdência dos
servidores públicos do Paraná. O projeto de lei foi apresentado pelo governo
Beto Richa sem amplo debate com os sindicatos de servidores, conforme fora
previsto no “Termo de Compromisso” que levou ao encerramento da greve
em março. Como forma de resistência à reforma da previdência proposta, os
servidores públicos deflagraram uma segunda greve no ano de 2015.
O PL 252/2015 propunha uma mudança na ParanáPrevidência, que é o
Regime Próprio de Previdência Social do Estado. O regime é composto por
três fundos: o Militar, o Financeiro e o Previdenciário. A proposta, apresentada
pelo governo estadual, determinava que 33.556 beneficiários com 73 anos
ou mais fossem transferidos do Fundo Financeiro, sustentado pelo Tesouro
Estadual, para o Fundo Previdenciário, constituído a partir de contribuições
dos servidores e do poder público. Além disso, o projeto propunha a criação
do Fundo de Previdência Complementar para os novos servidores: a Fundação
PREVCOM Paraná.
Forte aparato policial foi organizado pelo governo Beto Richa para
garantir a aprovação da reforma da previdência. Uma verdadeira “operação
de guerra” foi montada, com a presença ostensiva de mais de 4.500 policiais,
carros blindados, helicópteros e cães.
No dia 29 de abril ocorreu a sessão de votação do PL 252/2015 na Assem-
bleia Legislativa (Alep). De acordo com Valle (2015) os deputados foram
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 175

transportados num camburão para ingressarem no prédio da Alep que estava


cercado por milhares de manifestantes. A grade lateral da Alep precisou ser
serrada para os “deputados do camburão” entrarem e viabilizar a votação do
PL 252/2015. Alheios à manifestação de mais de vinte mil pessoas, a maioria
dos deputados votou favorável à medida que garantia ao governo o saque dos
recursos do Fundo Previdenciário dos servidores.
Os deputados já haviam aprovado em primeira votação o PL 252/2015,
por 31 votos favoráveis contra 21. De acordo com Valle (2015) um pouco antes
das 15h, antes do início da segunda e terceira votações do PL, uma série de
explosões começou a ser ouvida, tinha início o fatídico “Massacre do dia 29
de abril” no Paraná. O Massacre durou por mais de uma hora e meia. O Samu
(Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) atendeu, oficialmente mais de 150
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feridos, 8 deles em estado grave. Levantamentos posteriores indicam que foram


feridas mais de 400 pessoas. Apesar do protesto dos deputados da oposição e da
bancada independente, a sessão da Alep não foi suspensa. A forte repressão por
meio de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral que ocorria do lado de
fora garantia a “tranquilidade” para que os deputados governistas continuassem
votando e fizessem prevalecer a vontade do governo Beto Richa.
A aprovação do PL 252/2015, parte do ajuste fiscal implantado pelo
governo Beto Richa, resultou em economia para o caixa do Estado por meio
da transferência de uma despesa do Tesouro para o Fundo Previdenciário, a
poupança previdenciária dos servidores. Os custos do ajuste fiscal tem sido,
via de regra, transferido aos servidores estaduais do Paraná. Aproximadamente
R$ 7,5 bilhões, de janeiro de 2015 a dezembro de 2018, serão saqueados do
Fundo Previdenciário dos servidores para pagar despesas que deveriam ser
custeadas com recursos do Tesouro Estadual.
Antes mesmo da aprovação da reforma previdenciária (PL 252/2015)
o governo estadual começou a dar indicações que não iria respeitar a Lei
nº 15.512/2007 que garantia ao conjunto dos servidores públicos do Paraná
o direito à revisão anual de salários de 8,17%, a partir de 1º de maio de 2015.
Apesar da aprovação de reforma da previdência, os servidores em greve
resolveram prolongar o movimento com o objetivo de garantir a implantação
da revisão geral anual de salários. Entretanto, em 27 de maio o governo Beto
Richa enviou o PL 421/2015 que propunha o “calote” na revisão anual de
salários prevista para maio de 2015.
O PL 421/2015 propunha a revogação do artigo 7º da Lei nº 15.512/2007
que determinava que o Poder Executivo deveria implantar a partir de 1º de maio
de 2015, a revisão anual de salários de 8,17%, equivalente à inflação de maio
de 2014 a abril de 2015, mensurada pelo IPCA. Em substituição ao dispositivo,
o governo Beto Richa propunha implantar um reajuste de 3,45%, equivalente
à inflação acumulada entre os meses de maio de 2014 a dezembro de 2014.
Tal índice seria pago em três parcelas, não cumulativas e não retroativas, de
176

1,15% em 1º de setembro, de outubro e de novembro de 2015. Além disso, o


PL 421/2015 determinava que data base para a implantação da revisão geral
anual de salários doravante passaria ser 1º de janeiro e não mais 1º de maio.
A proposição do governo Beto Richa dividiu o movimento dos servidores
públicos do Paraná. Na época, as seções sindicais do Andes-SN no Paraná7
não abriram mão de lutar pela manutenção da Lei nº 15.512/2017, ou seja,
não abriram mão do reajuste de 8,17% a ser pago em parcela única retroativa
a 1º de maio de 2015. Outros sindicatos de servidores públicos, organizados
no Fórum das Entidades dos Servidores Estaduais, com o protagonismo da
APP-Sindicato (representante dos professores e funcionários das escolas de
educação básica do Paraná), passaram a negociar uma saída alternativa à
proposta apresentada pelo governo, abrindo mão da luta pela manutenção da

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Lei nº 15.512/2007.
Em 3 de junho de 2015, o governo estadual apresentou uma proposta
alternativa: a implantação de um reajuste de 3,45% (referente à inflação de
maio a dezembro de 2014) em uma única parcela a ser paga em outubro/2015;
reposição da inflação de janeiro a dezembro de 2015 a ser implantada em 1º
de janeiro de 2016; inflação de janeiro a dezembro de 2016 a ser implantada
em 1º de janeiro de 2017 acrescida de 1% de aumento real para compensar
os meses não pagos em 2015; reposição da inflação acumulada de janeiro a
abril de 2017 a ser implantada em 1º de maio de 2017. A partir de 2017, a
data base para a concessão da revisão geral anual de salários voltaria a ser o
dia 1º de maio. Tal proposta foi convertida no PL 421/2015 com nova redação
dada por um substitutivo geral.
Os sindicatos vinculados ao Fórum dos Servidores (FES) aceitaram a
proposta do governo e suspenderam a greve. As seções sindicais do Andes
no Paraná se opuseram à proposta e mantiveram-se em greve reivindicando
a manutenção da Lei nº 15.512/2007 e o reajuste de 8,17% retroativo a 1º de
maio de 2015. Os sindicatos de docente no Paraná, vinculados ao Andes-Sin-
dicato Nacional, passaram então a atuar junto aos deputados para apresentação
de uma emenda ao PL 252/2015 com vistas a garantir o reajuste integral de
8,17% a ser implantado retroativamente a 1º de maio de 2015.
O PL 421/2015 foi à votação no dia 22 de junho. A proposta de emenda
parlamentar defendida pelas seções sindicais do Andes-SN obteve 20 votos de
deputados e não conseguiu o número de votos suficientes para ser aprovada.
Prevaleceu a proposta do governo Beto Richa, construída a partir da negocia-
ção dos deputados com o Fórum dos Servidores. Tal proposta foi convertida
na Lei estadual nº 18.493/2015.

7 O Andes-SN é o Sindicato Docente que atua em âmbito nacional. No Paraná, o Sindicato representa os
docentes em cinco das sete Universidades Estaduais: Unioeste, UEPG, Unespar, Unicentro e UEM.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 177

Com a derrota da emenda apresentada pelas seções sindicais do Andes-


-SN no Paraná os docentes das universidades estaduais do Paraná suspende-
ram a greve. Na UEPG e na Unioeste a greve em defesa da revisão anual de
salários começou em 22 de abril e seguiu até 25 de junho de 2015.
Nos anos de 2015 e 2016 o governo estadual deixou de implantar pro-
gressões e promoções previstas na legislação regulamentadora da carreira dos
servidores estaduais. Porém, cinco das sete universidades não foram atingidas
por tais medidas (UEL, UEM, UEPG, Unicentro, Unioeste). Tais univer-
sidades, até janeiro de 2018, processavam, elas mesmas, as suas folhas de
pagamento. Nas outras duas universidades (UENP e Unespar) os docentes e
agentes universitários não tiveram suas progressões e promoções implantadas.
Em tais universidades as folhas de pagamento já eram processadas, de forma
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centralizada em Curitiba, por meio do Sistema RH Meta 4.

Suspensão do reajuste salarial e outras medidas para conter as


despesas com pessoal (2016-2017)

Nos anos de 2016 e 2017 os ataques do governo Beto Richa aos direitos
dos servidores se agudizaram. No início de 2016, a secretaria da Fazenda
aprofundou o contingenciamento dos recursos de custeio das universidades
estaduais que já vinha ocorrendo desde 2015, conforme veremos adiante.
Em primeiro de julho de 2016, o secretário Chefe da Casa Civil do
governo Beto Richa, Valdir Rossoni, anunciou que o Poder Executivo não
iria pagar a revisão anual de salários, prevista para janeiro e maio de 2017,
conforme determinava a Lei nº 18.493/2015, aprovada por iniciativa do pró-
prio governo.
O governo Beto Richa alegava que a impossibilidade de quitar o paga-
mento da revisão salarial, decorria do agravamento da crise econômica do
país. Aproveitava a gravidade da situação atravessada por outros Estados da
federação para justificar o calote do reajuste salarial: “não queremos o Paraná
na situação dos outros Estados” afirmavam à exaustão os representantes do
governo Beto Richa (GALINDO, 2016).
Os argumentos apresentados à época pelo governo Beto Richa não tinham
sentido, uma vez que a receita corrente do Estado do Paraná apresentara um
crescimento real (acima da inflação) de 20,72% no período de 2011 a 2015.
Além disso, a reforma da previdência, aprovada em 2015 (“Massacre do dia
29 de abril”) permitiu uma economia ao Tesouro do Estado de um montante
de aproximadamente 3,8 bilhões de reais em dois anos, recursos mais do que
suficientes para implantar a revisão salarial em 2017 que teria um custo de R$
2,1 bilhões. O mesmo governo que dizia não ter dinheiro para implantar os rea-
justes em janeiro e maio de 2017 prometia investimentos na ordem de R$ 7,6
178

bilhões para o ano de 2017. Recursos que, em grande medida, iriam privilegiar
as empreiteiras8.
No dia 30 de setembro/2016 o governador Beto Richa remeteu à Assem-
bleia Legislativa (mensagem governamental nº 43/2016) a emenda ao projeto de
Lei nº 153/2016 que dispunha sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
para o exercício financeiro de 2017. A mensagem estava respaldada no Projeto
de Lei Complementar (PLP) nº 257, apresentado pelo governo Dilma em março
de 2016, que propunha o prazo adicional de até 20 anos para o pagamento das
dívidas refinanciadas pelos Estados junto à União e, ao mesmo, tempo, deter-
minava como contrapartida dos Estados a adoção, por dois anos, de medidas
com vistas a reduzir as despesas primárias, especialmente com pessoal.
Antes mesmo da aprovação do PLP 257/2016 e da PEC 241/2016 pelo

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Congresso Nacional, o governo Beto Richa começou a aplicar no Paraná medi-
das de ajuste fiscal previstas nos projetos do governo federal. Isso demonstra
que o ajuste fiscal é o fio condutor das ações dos governos estaduais que,
em íntima conexão com o governo federal, põem em prática um conjunto de
medidas cujo objetivo central é restringir os recursos para as políticas sociais,
desmontar o serviço público e revogar direitos historicamente adquiridos pelo
conjunto dos trabalhadores.
As medidas adotadas pelo governo Beto Richa, de restrição do financia-
mento das universidades estaduais e de supressão dos direitos dos servidores
públicos como, por exemplo, a revisão geral anual de salários não é um fato
isolado. Essas medidas têm fina sintonia com o ajuste que tem sido colocado
em prática desde o início do ano de 2016 pelo governo federal por meio do
PLP 257 (governo Dilma) e da PEC 241 (governo Temer).
Na justificativa do PLP 257/2016, o ministro da Fazenda do governo
Dilma, Nelson Barbosa, esclarecia que caberia aos Estados aplicar medidas
de contenção das despesas com o serviço público:

Propõe-se a concessão de prazo adicional de até 240 meses [20 anos] para
pagamento das dívidas refinanciadas pelos entes estaduais perante a União,
mediante celebração de aditivo contratual [...] Em contrapartida, propõem-
-se [...], que os entes [Estados] sancionem e publiquem leis determinando
a adoção durante os 24 meses subsequentes de medidas para auxiliá-los
a reduzir suas despesas, [...] das quais se destacam: [...] não conceder
aumento de remunerações dos servidores a qualquer título, ressalvadas
as decorrentes de atos derivados de sentença judicial e previstas consti-
tucionalmente, bem como suspender a contratação de pessoal, salvo em

8 A Operação Quadro Negro investiga fraudes em obras de escolas do Estado do Paraná. Estimativas do
Ministério Público do Estado indicam que cerca de R$20 milhões de reais foram desviados dos cofres
públicos. O caso envolve assessores diretos do governador Beto Richa. Um dos envolvidos no esquema é
o secretário-chefe da casa civil do governo, Valdir Rossoni (PSDB).
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 179

casos específicos; limitar o crescimento das outras despesas correntes à


variação da inflação [...] (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016).

No dia 20 de junho de 2016, depois do afastamento da presidente


Dilma, o ministro da Fazenda Henrique Meirelles (governo Temer) promo-
veu uma reunião, na Sala do Conselho Monetário Nacional do Ministério da
Fazenda, com todos os governadores dos Estados brasileiros. De acordo com
o Ministério da Fazenda (2016, p. 1-2) o ministro Meirelles esclareceu que o
objetivo da reunião era “construir um consenso entre a União e os Estados,
com vistas à celebração de um Acordo Federativo” buscando um rearranjo
no sistema de pagamento das dívidas dos Estados junto à União que não
“fossem muito além daquele já constante do Projeto de Lei Complementar
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n. 257, de 2016, atualmente em tramitação no Congresso Nacional” Na


introdução da reunião Meirelles destacou a “necessidade de que a União
e os Estados procedam uma consolidação fiscal das contas públicas,
reafirmando que o ajuste das contas públicas é condição fundamental
para a recuperação da economia brasileira”.
Na reunião realizada no Ministério da Fazenda, no dia 30 de junho/2016,
para alongar por até vinte anos o prazo de pagamento da dívida dos estados
junto à União, os governadores se comprometeram, com base no disposto no
PLP 257/2016, a implantar medidas para a contenção de despesas. Tais medidas
assumidas pelos governadores constam da ata da reunião nos seguintes termos:

[...] são exigidas contrapartidas dos Estados. CONTRAPARTIDAS DE


CURTO PRAZO: no período de 24 meses, contados da data de assinatura
do aditivo que regulamentará a renegociação [da dívida pública] com
cada Estado, cada Estado se compromete a (i) não conceder vantagem,
aumento, reajustes ou adequação de remunerações a qualquer título,
ressalvadas as decorrentes de atos derivados de sentença judicial e a revi-
são prevista no inciso X do art. 37 da Constituição Federal; e (ii) limitar
o crescimento das despesas correntes primárias [não financeiras] à
inflação do ano anterior, medida pelo IPCA. CONTRAPARTIDAS
ESTRUTURAIS: os Estados integrarão Proposta à Emenda Consti-
tucional enviada pelo governo Federal [PEC 241/2016] que estabelece
que o reajuste das despesas primárias da União deve ser vinculado à
variação da inflação do ano anterior, conforme redação acertada conjun-
tamente com os Secretários estaduais da Fazenda em reunião previamente
ocorrida (MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2016, p. 2-3, grifo nosso).

A direção do Andes-SN tem insistido com os dirigentes das seções sindi-


cais das universidades estaduais de todo o Brasil que é preciso nacionalizar a
luta que vem sendo desenvolvida nos Estados. Não podemos tratar a política
180

adotada pelos governadores do Paraná, do Rio Grande do Norte ou do Rio


de Janeiro, por exemplo, como particularidade. As ações dos governadores
têm estreita relação com os pressupostos da política econômica em curso
no Brasil. A política adotada nestes Estados está assentada no ajuste fiscal,
na absoluta prioridade da transferência dos recursos do fundo público para
a remuneração do capital especulativo, por meio do pagamento da dívida
pública. É dentro desse contexto que precisamos compreender o ataque ao
direito dos servidores públicos e a obstinada busca pelos governos estaduais
da redução das despesas com a folha de pagamento do funcionalismo.
As seções sindicais do Andes-SN, por compreenderem as consequências
regressivas da aprovação do PLP 257/2016 e das PEC 241/2016, travaram a
nível estadual a luta contra a aprovação de tais medidas em Brasília. Foram

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organizados muitos seminários e reuniões para debater tais medidas e, espe-
cialmente, para organizar mobilizações e paralisações com vistas a impedir a
aprovação de tais medidas pelo Congresso Nacional. O acompanhamento dos
debates nas reuniões conjuntas do Setor das IEES/IMES e das Federais do
Andes e a implementação do Calendário de mobilizações do Fonasefe (Fórum
Nacional das Entidades do Serviço Público Federal), por parte das seções
sindicais do Andes no Paraná, procurou conjugar a luta que se desenvolvia
no Estado do Paraná com a luta nacional.
Em outubro/2016, o Estado do Paraná ganhou destaque no cenário nacio-
nal por conta da luta dos estudantes secundaristas, especialmente. A Medida
Provisória nº 746/2016 (Reforma do Ensino Médio) desencadeou o movi-
mento das ocupações das escolas. Mais de 1.000 escolas de educação básica
e diversos campi universitários foram ocupados como forma de demonstrar
a indignação da juventude estudantil contra a MP nº 746/2016 e um conjunto
mais amplo de medidas do governo Temer que atingiam o serviço público e a
retirada de direitos sociais e trabalhistas como, por exemplo, a PEC 241/2016
A Mensagem 043/2016, enviada pelo governador Beto Richa à Alep, dia
30 de setembro/2016, que propunha a suspensão da revisão geral anual dos salá-
rios dos servidores estaduais do Paraná, prevista para janeiro e maio de 2017,
era parte do ajuste fiscal pactuado com o governo federal em junho de 2016.
Anunciada oficialmente a suspensão da revisão anual de salários, os
sindicatos de servidores públicos do Paraná, incluindo as seções sindicais do
Andes-SN das universidades estaduais, se mobilizaram com vistas a tentar
reverter o “calote” anunciado pelo governador. Frustradas as tentativas de
negociação, os servidores estaduais deflagraram greve reivindicando o cum-
primento da lei 18.493/2015 que garantia a revisão geral anual de salários
para todos os servidores públicos em janeiro e maio de 2017.
A greve foi construída em condições mais difíceis do que as duas greves
do ano anterior, realizadas no início do ano de 2015. Em muitas universidades,
estudantes, docentes e agentes universitários se organizaram contra a greve,
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 181

acusando um legítimo movimento em defesa do direito à revisão anual de


salários de “partidarizado” e da “esquerda”. O governo estadual reproduziu
muitas vezes tal argumento, além de repetir à exaustão que o Paraná precisava
adotar medidas com vistas a ajustar a despesas com pessoal para não “se tornar
um novo Rio de Janeiro”.
No dia 22 de novembro/2016 o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária
(LDO) para o ano de 2017, prevendo a suspensão da revisão geral anual de
salários por tempo indeterminado, foi aprovado na Alep, em primeira discus-
são por 34 votos a 18 contrários. Aprovada a LDO de 2017, as categorias em
greve suspenderam o movimento.
Em 2017 o governo Beto Richa deu sequência às medidas voltadas ao
ajuste fiscal. Para cumprir o “Acordo para Renegociação da Dívida”, celebrado
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com o governo federal em 30 de junho/2016, o governador Beto Richa enviou


à Alep o PL nº 556/2017 para limitar o crescimento das despesas primárias do
Paraná à variação da inflação (IPCA). Tal projeto foi aprovado pelos deputa-
dos, no dia 9 de outubro/2017, por 30 votos favoráveis e 13 contrários.
O projeto de lei foi sancionado pelo governador, em 18 de outubro, e
converteu-se na Lei estadual nº 19.158/2017. Com a vigência da nova lei,
o crescimento das despesas públicas do Estado em 2018 e 2019 não poderá
ultrapassar a inflação. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o ano
de 2018 prevê uma redução de aproximadamente R$ 3,6 bilhões em relação
à LDO/2017. O corte atinge todas as áreas, incluindo saúde e educação. A
consequência prática da vigência da Lei nº 19.158/2017 será a redução dos
investimentos no Estado do Paraná em educação, saúde, ciência e tecnologia,
por exemplo, com graves prejuízos para a população paranaense.
Os ataques às universidades estaduais, praticados pelo governo Beto Richa
em 2017, podem ser sintetizados em cinco iniciativas: a) restrição da contra-
tação de docentes e agentes universitários; b) a acusação que as universidades
estaduais têm um custo muito elevado; c) a centralização do processamento da
folha de pagamento das universidades em Curitiba, na Secretaria de Estado da
Administração e Previdência; c) a descaracterização do Tide docente (Tempo
Integral e Dedicação Exclusiva) como regime de trabalho; d) a tentativa de
imposição da autonomia financeira em detrimento da autonomia de gestão
financeira e patrimonial. Tais ataques serão detalhados a seguir.

Restrição da contração de docentes e agentes universitários

Em março de 2017 a Comissão de Política Salarial, composta por 6


secretários de Estado, reuniu-se para discutir a liberação e autorização da
contratação de docentes temporários. Tal solicitação foi encaminhada pelas
reitorias das sete universidades estaduais. A decisão da Comissão resultou
na autorização de uma carga horária drasticamente inferior à solicitada pelas
182

universidades. Para exemplificar a gravidade desses cortes: no caso da Unicen-


tro a necessidade de contratação era de 10.770 horas e a Comissão autorizou
apenas 5.946, um corte de 44,79%. Na UEM o corte foi de 39,70%: das 15.840
horas solicitadas foram autorizadas apenas 9.551 horas para contratação.
Após uma reunião dos reitores com o governador do Estado, a carga
horária para contratação de professores temporários foi ampliada. Entretanto,
a carga horária autorizada foi aproximadamente 20% inferior à carga horá-
ria inicialmente solicitada. As reitorias das Universidades estaduais, para se
adequarem ao corte da carga horária de docente temporários, implementaram
medidas que redundaram no aumento da carga horária em sala de aula dos
docentes efetivos. Desta forma, as reitorias atuaram como coadjuvantes do
governo estadual na implantação das políticas de ajuste.

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O ano letivo de 2018 teve início, na maioria das universidades estaduais
do Paraná, em março sem a garantia do governo às reitorias que haveria a con-
tratação de docentes necessários para cobrir todas as disciplinas da graduação e
pós-graduação. Neste ano, a exemplo do que ocorreu no ano passado, o governo
estadual autorizou a contração de carga horária de docentes temporários aquém
da reivindicação das reitorias. Na Unioeste, por exemplo, o período letivo de
2018 teve início com falta de professores para muitos cursos de graduação.
Em 16 de março, o governador Beto Richa publicou o decreto nº 9.026 que
autorizava as universidades estaduais a contratar docentes temporários, por
meio de teste seletivo. Ocorre que tal decreto autorizava uma carga horária
bem aquém da carga horária solicitada pelas reitorias. No caso da Unioeste,
o governo autorizou, inicialmente, a contratação apenas de 4.941 horas, um
corte de quase 50% em relação à demanda inicial levantada, em torno de 10
mil horas. Em função do drástico corte da carga horária autorizada para a con-
tratação de docentes temporários, as reitorias da Unicentro e da UEL suspen-
deram o calendário Acadêmico, a partir de 19 de março. A reitoria da Unespar
também anunciou que iria reunir os Conselhos Superiores e propor a suspensão
do Calendário Acadêmico. No dia 19 de março, o governador publicou novo
decreto ampliando a carga horária autorizada para contratação de temporários.
No caso da Unioeste, foram autorizadas 7.900 horas de docentes temporários.
A reitoria tinha reivindicado em torno de 10 mil horas. Tendo em vista, o corte
realizado pelo governo, a reitoria “resolveu” o problema ampliando, mais uma
vez, a carga horária dos docentes efetivos em sala de aula.
Quanto à contratação de agentes universitários a situação é ainda mais
grave. O governo estadual praticamente não autoriza a realização de concursos.
Quando autoriza, na maioria dos casos, não contrata. Poucos agentes universitá-
rios têm sido contratados. Tais contratações têm ocorrido, na maioria dos casos,
por meio de liminares concedidas pelo Poder Judiciário. Os poucos concursos
realizados e as poucas contratações autorizadas ocorreram majoritariamente nos
hospitais universitários. Nos campi o que se observa é um crescente processo
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 183

de terceirização e a contratação de estagiários para suprir a falta de agentes


universitários efetivos. Entretanto, nos hospitais universitários o processo de
terceirização tem se intensificado, inclusive das atividades relacionadas ao cui-
dado direto com os pacientes (médicos, enfermeiros e técnicos em Enfermagem).

A acusação que as universidades estaduais têm um custo muito


elevado

Representantes do governo e alguns deputados têm afirmado que o estado


do Paraná tem grande dificuldade em manter sete universidades estaduais,
devido ao alto custo do sistema. Um dos deputados, vinculado ao governo
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estadual, durante os debates sobre o Pacote de Ajuste Fiscal do governo Beto


Richa, em março de 2015, afirmou que “Boa parte das dificuldades econômi-
cas que o Estado enfrenta decorrem da necessidade de bancar, com recursos
próprios, uma grande parte do ensino público superior”.
Para quem acompanha o financiamento das universidades estaduais, de
forma mais sistemática, a afirmação que as universidades estaduais contri-
buíram para a eclosão da crise financeira do Estado em 2015 é algo que não
encontra sustentação na realidade concreta.
Na análise da evolução do financiamento das universidades para-
naenses vamos utilizar como parâmetro o percentual da receita corrente
do estado destinado às universidades para o financiamento global de suas
atividades com o ensino e com as clínicas e os hospitais universitários.
Representantes do governo Beto Richa têm afirmado insistentemente
que nos últimos sete anos (2011 a 2017) houve um grande crescimento das
despesas com a educação superior. Para verificar se a afirmação se sustenta,
vamos comparar os recursos destinados ao financiamento das universidades
estaduais no período de 2011 a 2017 com os sete anos anteriores ao governo
Beto Richa (2004 a 2010).
No estado do Paraná, não há uma legislação que garanta uma fonte
específica e permanente, um percentual da receita tributária para o finan-
ciamento das IEES mantidas pelo Estado como ocorre, por exemplo, no
estado de São Paulo e Paraíba. O movimento docente, desde a década de
1990, tem se posicionado contrário à subvinculação do financiamento das
universidades estaduais do Paraná, como veremos adiante.
Apresentamos na Tabela 1 informações a respeito dos recursos desti-
nados à manutenção global das IEES como percentual da receita corrente
do Estado. Consideramos as despesas já liquidadas e realizamos o ajuste
monetário pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)
para janeiro de 2017, conforme metodologia indicada por Amaral (2012).
184

Tabela 1 – Recursos destinados ao financiamento das universidades


estaduais do Paraná como percentual da Receita Corrente: 2004-
2017. Valores (R$ 1,00), a preços de janeiro de 2018 (IPCA)

RECURSOS RECURSOS IEES


RECURSOS
RECEITA IEES INCLUÍDOS EXCLUÍDOS
ANO SOMENTE HOSPITAIS
CORRENTE2 OS HOSPITAIS OS HOSPITAIS
UNIVERSITÁRIOS
UNIVERSITÁRIOS UNIVERSITÁRIOS

20041 22.278.134.714 901.252.370 4,05 761.630.879 3,42 139.621.491 0,63


20051 23.643.128.664 980.863.456 4,15 825.515.283 3,49 155.348.173 0,66
20061
24.561.267.744 1.143.133..933 4,65 943.516.618 3,84 199.617.315 0,81
2007 33.014.843.002 1.250.528.877 3,79 1.011.401.470 3,06 239.127.407 0,72
2008 30.234.118.009 1.378.405.208 4,56 1.120.015.725 3,70 258.389.483 0,85

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2009 30.062.166.906 1.563.606.588 5,20 1.273.245.934 4,24 290.360.654 0,97
2010 32.063.689.631 1.666.883.891 5,20 1.351.160.764 4,21 315.723.127 0,98

∆ 2003-2010
MÉDIA % 43,92% 84,95% 4,51% 77,40% 3,71% 126,13% 0,80%
2003-2010

2011 34.554.980.262 1.717.137.735 4,97% 1.380.008.918 3,99% 337.128.817 0,98%


2012 36.608.495.443 1.820.121.948 4,97% 1.449.928.114 3,96% 370.193.834 1,01%
2013 39.201.703.788 2.101.009.491 5,36% 1.649.847.230 4,21% 451.162.261 1,15%
2014 40.786.568.681 2.244.648.609 5,50% 1.717.252.553 4,21% 527.396.056 1,29%
2015 41.764.242.693 2.449.501.340 5,87% 1.907.286.692 4,57% 542.214.648 1,30%
2016 39.610.313.488 2.692.598.954 6,80% 2.089.101.118 5,28% 603.497.836 1,52%
2017 41.162.286.315 2.640.755.920 6,41% 2.055.883.700 4,99% 584.872.220 1,42%

∆ 2011-2017
MÉDIA % 19,12% 53,79% 5,70% 48,98% 4,46% 73,49% 1,24%
2011-2017

∆ 2003-2017
MÉDIA % 84,77% 193,01% 5,11% 169,93% 4,08% 318,90% 1,02%
2003-2017

Fonte: PARANÁ/SEFA, 2018a; 2018b. PARANÁ/SETI, 2004; 2005.


Notas: 1. Os recursos destinados às universidades nos anos de 2001 e 2005, de acordo
com a fonte consultada (SETT), estão expressos em valores empenhados. Todos os demais
valores constantes da Tabela 1 estão representados em valores liquidados. 2. Dos valores
da Receita Corrente estão excluídas as deduções para o Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

Os números apresentados na Tabela 1 demonstram que os recursos des-


tinados ao financiamento global das universidades, incluindo os hospitais
universitários, quando comparados percentualmente à receita corrente do
estado, apresentam uma evolução de 4,05% em 2004 para 6,41% em 2017.
Entretanto, nesse mesmo período, houve uma redução no ritmo de crescimento
da receita corrente do Estado.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 185

De 2004 a 2010, a receita corrente apresentou um crescimento real (acima


da inflação) de 43,92%. No período de 2011 a 2017 a receita continuou cres-
cendo, mas num ritmo mais lento. O crescimento foi de 19,12%. Com a redu-
ção do crescimento da receita e a expansão das universidades (ampliação do
número de leitos dos hospitais universitários e da pós-graduação stricto sensu)
o percentual da receita corrente destinado às IEES paranaenses foi ampliado.
Porém, como veremos a seguir, do ponto de vista financeiro, a ampliação dos
recursos destinados às universidades foi maior no período de 2004 a 2010.
O governo Requião (2004 a 2010) destinou, em média, 4,51% da receita
corrente para financiamento global das universidades: 0,80% para os hospitais
universitários (atividades na área da saúde) e 3,71% para as demais ativida-
des desenvolvidas nos campi universitários (ensino, pesquisa e extensão).
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O governo Beto Richa (2011 a 2017) destinou, em média, 5,70% da receita


corrente para financiamento global das universidades: 1,24% para os hos-
pitais universitários e 4,46% para as demais atividades desenvolvidas nos
campi universitários.
Entretanto, se compararmos a evolução dos recursos destinados para as
universidades nos dois governos, em termos financeiros, a Tabela 1 demons-
tra que durante o governo Requião (2004-2010) houve um crescimento
superior ao crescimento verificado no governo Beto Richa (2011-2017).
No governo Requião os recursos globais destinados ao financiamento das
universidades (incluindo os HUs) apresentou um crescimento de 84,95%:
de R$ 901,252 milhões para R$ 1,667 bilhões. No governo Beto Richa, o
crescimento foi menor (53,79%): de R$ 1,717 bilhão, em 2011, para R$
2,641 bilhões em 2017.
A análise dos números contidos na Tabela 1 demonstra que os hospitais
universitários têm alavancado o orçamento das universidades. Se comparar-
mos a evolução dos recursos somente para os hospitais universitários com os
recursos destinados para as atividades ensino, pesquisa e extensão (excluindo
as atividades na área da saúde) essa constatação fica evidente. De 2004 a 2017,
em termos financeiros, os recursos para os hospitais universitários apresen-
taram um crescimento de 318,90%: de R$ 139,621 milhões para R$ 584,872
milhões. O orçamento das universidades, excluindo os HUs, apresentou um
crescimento de 169,93%, no período de 2004 a 2017: de R$ 761,631 milhões
para R$ 2,056 bilhões. Tal situação pode ser explicada, dentre outros fatores,
pela ampliação do número de leitos dos hospitais universitários no último
período. Somente no governo Beto Richa, de 2011 a 2017, houve uma amplia-
ção de 21,57% do número de leitos: de 612 em 2011 para 744 em 20179.

9 O governo Beto Richa criou, em junho de 2013, o Hospital Universitário dos Campos Gerais, vinculado à
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Os hospitais universitários estão em fase de expansão.
186

Durante o governo Beto Richa (2011-2017), em termos financeiros, não


houve um crescimento exponencial do orçamento das universidades para-
naenses, como querem fazer acreditar os representantes do governo estadual.
As despesas com pessoal, incluindo os Hospitais Universitários, apresentaram
um crescimento de 56,27%, no período de 2011 a 2017, contra 88,13% no
período de 2004 a 2010 (governo Requião). Em termos globais (pessoal,
custeio e investimentos) o orçamento das universidades, incluindo os HUs,
apresentou um crescimento de 53,79%, no período de 2011 a 2017, contra
84,95% no período de 2004 a 2010.
A Tabela 1 revela que, como resultado da política de ajuste do governo
Beto Richa, em 2017, pela primeira vez no período de 2004 a 2017, ocorreu
uma redução, em termos financeiros dos recursos destinados às universi-

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dades estaduais. Em 2017, as universidades, incluindo os HUs, receberam
um montante menor de recursos (R$ 2,641 bilhões) do que no ano anterior
(R$ 2,693 bilhões). Desde 2015, o governo Beto Richa vinha contingen-
ciando os recursos do custeio das universidades. A partir de 2016, com a
suspensão da revisão geral anual de salários prevista para janeiro e maio
de 2017, o ajuste passou a ser aplicado também na folha de pagamento.
Além da suspensão da revisão anual de salários, o governo Beto Richa não
tem autorizado a contratação de docente e agentes universitários por meio
de concurso público, como forma de conter o crescimento das despesas
com pessoal.
Nas Tabela 2 e 3 apresentamos a redução dos recursos de custeio desti-
nados às universidades estaduais do Paraná.

Tabela 2 – Evolução dos recursos de custeio (Outras Despesas Correntes) das


universidades estaduais do Paraná, incluindo os Hospitais Universitários:
2014-2017. Valores (RS 1,00), a preços de janeiro de 2018 (IPCA)
ANO CUSTEIO (R$) EVOLUÇÃO ANUAL EVOLUÇÃO ACUMULADA

2014 167.475.024 - -

2015 138.836.986 -17,10% -17,10%

2016 128.685.582 -7,31% -23,16%

2017 136.180.895 5,82 -18,69%

Fonte: PARANÁ/SEFA, 2018b.

Em algumas regiões do estado são os únicos hospitais públicos que prestam atendimento gratuito à
população, por meio do Sistema Único de Saúde. Por conta do processo de expansão, os hospitais
universitários estão passando por reformas. No início do ano de 2016, os quatro hospitais tinham 776
leitos e em 2017 o número de leitos foi reduzido, provisoriamente, para 744. Para viabilizar o trabalho
de reforma e ampliação é necessário “fechar” temporariamente alguns leitos. Após as reformas os
leitos são “reabertos”.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 187

Tabela 3 – Evolução dos recursos de custeio (Outras Despesas Correntes) das


universidades estaduais do Paraná, excluindo os Hospitais Universitários:
2014-2017. Valores (RS 1,00), a preços de janeiro de 2018 (IPCA)
ANO CUSTEIO (R$) EVOLUÇÃO ANUAL EVOLUÇÃO ACUMULADA

2014 114.954.850 - -

2015 102.970.820 -10,42% -10,42%

2016 72.304.688 -29,78% -37,10%

2017 70.728.744 - 2,18% -38,47%

Fonte: PARANÁ/SEFA, 2018b.


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De acordo com a Tabela 2, em 2017 as sete universidades estaduais,


incluindo os quatro hospitais universitários, receberam para o custeio de suas
atividades, R$ 136,181 milhões: 18,69% menos em relação ao ano de 2014
(R$ 167,475 milhões). Se tomarmos como referência apenas o custeio das
atividades de ensino (excluindo os HUs) a situação é ainda mais dramática
conforme apresentada na Tabela 3.
Em 2017, de acordo com a Tabela 3, as universidades receberam efetiva-
mente R$ 70,729 milhões para o custeio das atividades de ensino (excluídos os
HUs): 38,47% menos recursos que o montante recebido em 2014 (R$ 114,955).
No Portal Transparência da Secretaria de Estado da Fazenda consta que as
universidades receberam R$ 78,416 milhões para o custeio das atividades de
ensino. Deste montante, R$ 7,687 milhões, apesar de registrado como despesas
na Função Educação, foram destinados ao custeio das atividades dos Hospitais
Universitários10. Em nosso entendimento, as atividades desenvolvidas num
Hospital Universitário não podem ser consideradas despesas com educação. O
governo estadual lançou mão de um artifício para inflar o orçamento de custeio
das atividades de ensino no ano de 2017. Por isso, excluímos tais recursos do
custeio das atividades de ensino, a exemplo do que fizeram as reitorias.
O orçamento global das universidades, incluindo os Hospitais Uni-
versitários, é destinado quase na sua totalidade ao pagamento de pessoal.
No período de 2004 a 2017 foram destinados, em média, 93,01% do orça-
mento para as despesas com pessoal, 6,85% para o custeio e apenas 0,15%
para investimentos.

10 O governo estadual destinou no ano de 2017, diferentemente do ocorria em anos anteriores, recursos
contabilizados na função Educação para o custeio dos hospitais universitários. Para tanto, incluiu, por
exemplo, a ação “Gestão do Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná”, vinculado à UEL, dentro
do Programa “Excelência no Ensino Superior”. Tais recursos destinados aos quatro hospitais universitários
(R$ 7,687 milhões) custearam despesas com a manutenção de instituições de saúde e não podem ser
contabilizados como despesas com ensino.
188

Ataque à autonomia administrativa e de gestão de pessoal das


universidades: a tentativa de o governo centralizar o processamento
da folha de pagamento

Para dar continuidade à política de ajuste, de restrição do financiamento


das universidades estaduais, o governo Beto Richa resolveu aprofundar o
ataque à autonomia administrativa e de gestão de pessoal das universidades.
Até o final de 2017, cinco universidades (UEL, UEM, UEPG, Unicentro e
Unioeste) tinham autonomia para processar suas folhas de pagamento. Cada
uma dessas universidades tinha um sistema próprio de processamento da
folha. No caso das outras duas universidades (UENP e Unespar) suas folhas

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de pagamento já eram processadas de forma centralizada, na capital do Estado,
pela Secretaria de Administração e Previdência (SEAP).
O processamento da folha da UENP e Unespar pela SEAP, em Curitiba,
permite um controle absoluto sobre a folha de tais universidades. Essas uni-
versidades não têm autonomia para implantar, elas mesmas, as progressões e
promoções e para conceder o TIDE (Tempo Integral e Dedicação Exclusiva).
Esta situação permitiu que o governo, nos anos de 2015 e 2016, como medida
de contenção de despesas com pessoal, não implantasse promoções e pro-
gressões, legalmente previstas no Plano de Carreira, aos docentes e agentes
universitários dessas duas universidades. A concessão do TIDE aos docentes
é dificultada. Cabe à SEAP autorizar a concessão do regime de trabalho. No
caso das universidades que processam elas mesmas suas folhas de pagamento,
sem a ingerência do Estado, os docentes e agentes universitários receberam
em dia, sem atraso, suas progressões e promoções. A concessão da dedicação
exclusiva era um processo interno à cada universidade e a sua implantação
ocorria de forma bastante célere.
Na análise do financiamento das universidades que fizemos acima, afir-
mamos no período de 2004 a 2017 foram destinados, em média, praticamente
93% do orçamento das universidades para as despesas com pessoal. Em 2015
e 2016 o governo estadual contingenciou recursos de custeio como forma de
reduzir o investimento do Estado no ensino superior (Tabelas 2 e 3). Tendo
em vista que o custeio é uma fatia muito pequena do orçamento total das uni-
versidades (menos de 7%), a partir de 2017, além de não implantar a revisão
anual de salários, o governo passou a implantar outras medidas para reduzir
as despesas com pessoal nas universidades.
Para reduzir as despesas com pessoal, o governo precisa ter um controle
absoluto sobre a folha de pagamento. Para controlar plenamente a gestão de
pessoal nas universidades, controlar a implantação de promoções, progressões
e a concessão da dedicação exclusiva, por exemplo, o estado centralizou em
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 189

Curitiba, a partir de janeiro de 2018, o processamento da folha de pagamento


das sete universidades, por meio do chamado Sistema RH Meta 4.
Como vimos anteriormente, em janeiro de 2017, o governo Beto Richa
deixou de implantar a revisão geral anual de salários. Tal medida implicou numa
contenção das despesas com a folha de pagamento de todo o funcionalismo
público. No caso das universidades, o secretário de Fazenda, Mauro Ricardo,
em reunião com os reitores no dia 10 de janeiro/2017, afirmou que as univer-
sidades teriam que contribuir ainda mais com a política de ajuste do Estado. O
secretário da Fazenda passou a exigir que as reitorias tomassem medidas com
vistas à redução das despesas com pessoal: a restrição na concessão da dedicação
exclusiva aos docentes, a restrição da concessão de licença e da contratação de
docentes e agentes universitários, dentre outras medidas.
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No dia 27 de abril/2017 o Secretário Chefe da Casa Civil, Valdir Rossoni,


encaminhou ofício aos reitores das universidades estaduais (UEL, UEM,
UEPG, Unicentro e Unioeste) comunicando deliberação da Comissão de Polí-
tica Salarial. Em razão dessa deliberação, o ofício solicitava que as reitorias
deveriam enviar documentação que viabilizasse o processamento das folhas
de pagamento das universidades por meio do Sistema RH Meta 4.
A decisão do governo se sustenta em Acórdão nº 1.525/2017 do Tribunal de
Contas do Estado do Paraná (TCE/PR) exarado em 6 abril de 2017. O Acórdão
concluiu que as universidades estariam cometendo irregularidade porque conti-
nuavam processando suas folhas de pagamento internamente, descumprindo os
Decretos Estaduais nº 10.406/2014, nº 25/2015 e nº 2.879/2015, que tratam do
“dever de processamento das folhas de pagamento [das universidades] mediante
utilização do sistema RH Paraná, META 4”. O Acórdão do TCE/PR demonstra
a fina sintonia entre os poderes instituídos no Paraná na aplicação do ajuste
fiscal. O TCE/PR se baseia em decretos estaduais e desconsidera a autonomia
universitária prevista como princípio constitucional autoaplicável.
O movimento docente denunciou imediatamente a tentativa de enqua-
dramento das universidades no Sistema RH Meta 4 como uma tentativa de
retirar a autonomia administrativa e de gestão de pessoal de tais universida-
des. Denunciou ainda que o governo já vinha utilizando tal Sistema como
forma de restringir direitos dos servidores docentes e agentes universitários
na Unespar e na UENP. A intenção de não pagar as progressões e promoções
por parte do governo chegou a ser expressa publicamente pela Secretária da
Administração e Previdência do governo, Márcia Carla Pereira Ribeiro em
entrevista a um telejornal Estadual11.

11 O vídeo com a declaração da secretária pode ser visto em: https://www.facebook.com/forumads/


videos/1591472207553936/.
190

O ofício enviado pelo governo estadual aos reitores elevou o tom dos
ataques. Além de indicar que as reitorias deveriam implantar medidas de
ajuste, o governo passou a chantagear os reitores. O governo ameaçava que
iria suspender o repasse financeiro da universidade caso o reitor não enviasse
as informações que possibilitariam a implantação do Meta 4. O governo amea-
çava suspender o repasse mensal às universidades como forma de chantagear
os reitores e a comunidade universitária. O governo cumpriu a ameaça e, a
partir do final de maio/2017, bloqueou recursos de custeio, incluindo recursos
próprios, da UEL, UEM e Unioeste dificultando as condições de funciona-
mento de tais universidades.
As cinco universidades, coagidas a aderir ao Sistema RH Meta 4, toma-
ram decisões diferentes em relação à solicitação do governo. Duas delas

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(UEPG e Unicentro) resolveram, em maio/2017, enviar a documentação que
viabilizaria a implantação do Meta 4 em tais instituições. O argumento das
reitorias é que, apesar de serem contra a centralização do processamento da
folha de pagamento, não poderiam deixar de repassar as informações soli-
citadas pelo governo. As outras três universidades (UEL, UEM e Unioeste)
resistiram e, até praticamente o final do ano de 2017 e não repassaram tais
informações. Nessa resistência das reitorias teve papel fundamental o movi-
mento docente e dos agentes universitários que atuaram ativamente nas reu-
niões dos Conselhos Superiores da UEL, UEM e Unioeste na defesa da
autonomia de tais universidades e contrariamente ao envio dos documentos
que viabilizariam a implantação do Meta 4.
No dia 4 de outubro de 2017, um juiz substituto da 3ª Vara da Fazenda
Pública de Curitiba concedeu liminar favorável ao governo Beto Richa, deter-
minando que as cinco universidades estaduais (UEL, UEM, UEPG, Unicentro
e Unioeste) fornecessem ao governo, no prazo de quinze dias, a documentação
necessária para que a folha de pagamento de tais universidades seja processada
de forma centralizada em Curitiba.
Como resultado de tal decisão, o Reitor da Unioeste enviou, em novem-
bro/2017, a documentação solicitada pelo governo e aderiu, desta forma,
ao Meta 4. O reitor argumenta que assim procedeu tendo em vista que não
conseguiu “derrubar” a liminar e foi obrigado a enviar tal documentação sob
pena de pagamento de multa e responsabilização individual. A comunidade
universitária da Unioeste repudiou tal atitude, tendo em vista que os Conselhos
Superiores da Unioeste se reuniram três vezes e se posicionaram contraria-
mente ao envio da documentação. Caberia ao Reitor convocar novamente os
Conselhos Superiores para discutir os encaminhamentos em relação à liminar.
Continuaram resistindo apenas as reitorias da UEL e da UEM.
No final de 2017, o governo estadual informou que as folhas de paga-
mento das universidades, a partir de janeiro/2018, seriam processadas em
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 191

Curitiba. Para tanto, as reitorias da UEL e da UEM deveriam enviar a docu-


mentação solicitada, sob o risco de os docentes e técnicos de tais universidades
não receberem seus salários. A Reitoria da UEL resolveu enviar a documen-
tação, sem consultar seus Conselhos Superiores. A Reitoria alegou que não
poderia colocar em risco os salários dos servidores docentes e técnicos da
UEL. O Reitor da UEM foi o único a continuar publicamente se opondo ao
Meta 4. Entretanto, enviou documentação para viabilizar o pagamento dos
salários dos docentes e técnicos. O Reitor afirma que o envio de tal docu-
mentação não significou a adesão da UEM ao Sistema RH Meta 4 e que a
Reitoria da UEM continuará resistindo à implantação de tal sistema em defesa
da autonomia da universidade. O governo estadual, por sua vez, afirma que
o envio de tais documentos permite que a folha de pagamentos da UEM seja
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processada por meio do Sistema RH Meta 4. Os servidores da Unioeste e


UEL receberam seus salários de janeiro/2018 com um dia de atraso (dia 1º
fevereiro) e os servidores da UEM receberam os seus salários somente no dia
5 de fevereiro12. O salário de fevereiro voltou a ser pago no último dia do mês
em todas as universidades, à exceção da UEM, onde os salários foram pagos
com um dia de atraso: dia 1º de março ao invés de 28 de fevereiro. A partir
de março/2018, o salário dos servidores de todas as universidades voltou a
ser depositado no último dia útil do mês.
O governo Beto Richa fez uso de todas as medidas ao seu alcance para
obrigar as universidades a aderirem forçosamente ao Sistema Meta 4, numa
afronta à autonomia universitária, com o objetivo de estabelecer controle
absoluto sobre a gestão de pessoal de tais instituições. Esse mesmo governo,
em 10 de março de 2015, assinou um acordo ao final da greve das universi-
dades estaduais se comprometendo a retirar a UENP e Unespar do Meta 4 e,
ainda, revogar todos os decretos que ameaçavam a autonomia administrativa
e de gestão de pessoal das demais universidades. Em outubro/2016, durante
a greve, numa das reuniões com as seções sindicais do Andes, o secretário
Chefe da Casa Civil, afirmou que o governo não iria exigir a adesão das uni-
versidades ao Meta 4.

Ataque ao Tide Docente (Tempo Integral e Dedicação Exclusiva)


como regime de trabalho
Outro ataque vem sendo perpetrado pelo governo estadual contra as uni-
versidades é a descaracterização do Tide como Regime de Trabalho. Mais uma

12 Os servidores públicos do Paraná (Poder Executivo) recebem seus salários no último dia útil do mês. Em
janeiro de 2018, os servidores da UEM, UEL e Unioeste deveriam ter recebido o salário de janeiro/2018 no
dia 31 de janeiro/2018.
192

vez o Tribunal de Contas do Estado do Paraná se soma ao Poder Executivo


na tentativa intensificar o ajuste fiscal nas universidades.
Em 23 de junho/2016 o TCE/PR publicou o Acórdão nº 2847/16. Tal
acórdão, de acordo com os conselheiros do TCE-PR, visava uniformizar a
jurisprudência a respeito do pagamento de aposentadoria de docentes que
no final da carreira estivessem vinculados ao regime de trabalho de Tempo
Integral e Dedicação Exclusiva (TIDE).
De acordo com o entendimento dos conselheiros do TCE-PR, o Tide
“possui natureza jurídica de verba transitória e contingente, e deverá ser
incorporada aos proventos de inatividade proporcionalmente ao tempo de
em que sobre ela houve efetiva contribuição” (PARANÁ, 2016, p. 15). Por
conta de tal entendimento, os docentes que ingressarem após a aprovação da

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Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, não teriam direito
a incorporar integralmente o Tide aos proventos da aposentadoria. Entretanto,
de acordo com a Lei Estadual nº 11.713/1997, que instituiu a carreira docente,
não há possibilidade em desmembrar a verba remuneratória do Tide do ven-
cimento básico dos docentes.
Após a publicação do Acórdão nº 2847/16 todos os pedidos de aposentado-
rias dos docentes têm sido devolvidos pelo instituto de previdência às Pró-Rei-
torias de Recursos Humanos das Universidades para que as mesmas informem
discriminadamente o vencimento básico e a verba relativa ao Tide. Tal infor-
mação é necessária, de acordo com os analistas da ParanáPrevidência, para se
calcular os proventos da aposentadoria dos docentes “proporcionalmente ao
tempo em que sobre ele houve efetiva contribuição” (PARANÁ, 2016, p. 15).
Imediatamente após a publicação do Acórdão do TCE/PR os sindicatos
representativos dos docentes passaram a buscar uma solução jurídica e política
para o impasse. Juridicamente, os sindicatos em conjunto com as reitorias
buscaram inicialmente uma solução administrativa. Reuniram-se com o relator
do Acórdão e solicitaram uma revisão de tal entendimento. Entretanto, o TCE/
PR manteve o seu entendimento a respeito do Tide como “verba transitória
e contingente” (gratificação). Esgotados os recursos junto ao Tribunal de
Contas, as Assessorias Jurídicas de todos os sindicatos docentes ingressaram
com mandado de segurança junto ao Tribunal de Justiça do Paraná buscando
a anulação do Acórdão do Tribunal de Contas. No início deste ano, o Tribunal
de Justiça decidiu liminarmente pela suspensão dos efeitos do Acórdão do Tri-
bunal de Contas, bem como determinou à ParanaPrevidência que se abstenha
de aplicar o entendimento firmado pelo referido Tribunal nos processos de
aposentadoria dos docentes substituídos no mandado de segurança. O Tribunal
de Justiça ainda irá se pronunciar sobre o mérito do Acórdão nº 2847/16 do
Tribunal de Contas do Paraná que considera, equivocadamente, que o Tide
“possui natureza jurídica de verba transitória e contingente”.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 193

Do ponto de vista político, os sindicatos buscaram uma solução junto à


Seti. Em reunião realizada em Curitiba, dia 2 de junho/2017, o secretário da
Seti informou aos representantes dos sindicatos que havia encaminhado minuta
de projeto de lei à Casa Civil com o objetivo de resolver definitivamente
tal problema. De acordo com o secretário, a proposta apresentada pretende
alterar a lei que instituiu a carreira docente (Lei Estadual nº 11.713/1997)
com o objetivo de afastar qualquer interpretação dos dispositivos legais que
possa descaracterizar o Tide como regime de trabalho. Entretanto, o secre-
tário esclareceu que a proposta da Seti precisava ser aprovada nas demais
instâncias do governo, antes de ser encaminhada à Assembleia Legislativa
para converter-se em lei.
O governo tem utilizado a minuta para tentar chantagear o movimento
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docente. O projeto de lei, elaborado pela Seti, continua “estacionado” na Casa


Civil. Em reunião realizada com os reitores, dia 6 de junho/2016, o governador
Beto Richa chegou a afirmar que remeteria o PL sobre o Tide Docente à Alep,
desde que a UEL, UEM e Unioeste enviassem ao governo a documentação
que viabilizaria a implantação do Sistema RH Meta 4. Apesar da chantagem
explícita, o movimento docente continuou se posicionando contrariamente
ao Meta 4. Até a presente data (março/2018) o projeto de lei sobre o Tide
docente não foi remetido pelo Poder Executivo à Alep.
O entendimento do TCE/PR, a respeito do Tide docente, é uma interpreta-
ção equivocada da Lei Estadual nº 11.713/1997 e pode trazer sérios prejuízos
para os docentes que estão encaminhando o processo de aposentadoria. Após a
publicação do Acórdão do TCE/PR, até a presente data (março/2018) somente
na UEL, UEM, UEPG e Unioeste há centenas de processos de aposentadoria
docente que deixaram de tramitar por conta do impasse criado pelos Conse-
lheiros do Tribunal de Contas. Além disso, caso a interpretação do TCE/PR
se estenda aos docentes em atividade poderá haver redução salarial.
Setores do movimento docente avaliam que é necessário “colocar a cate-
goria em movimento”, organizando mobilizações, paralisações ou, em última
instância, greve para evitar que a dedicação exclusiva, conquistada em 1997 e
constante da lei que institui a carreira docente, seja descaracterizada pelo governo
com vistas a reduzir as despesas das universidades com o pessoal docente.

A tentativa de imposição da autonomia financeira em detrimento


da autonomia de gestão financeira e patrimonial das universidades

A proposta de regulamentar a “autonomia financeira” das universidades


por meio da subvinculação de parcela da receita do estado para o financia-
mento de tais instituições não é uma novidade apresentada pelo governo Beto
194

Richa. Não foi a primeira vez que o governo do estado apresentou proposta de
“regulamentação da autonomia” com a vinculação de um percentual da receita
orçamentária para o financiamento das IEES. Assim como no passado, atual-
mente o movimento docente tem se posicionado contrariamente a tal proposta.
O governo Lerner (1995-2002) tentou implantar a chamada “autonomia
plena” das universidades desde o início de sua gestão. As IEES do Paraná
chegaram a celebrar com o governo Lerner um “Termo de Autonomia” pro-
visório nos anos de 1999 e 2000. Nesses dois anos observou-se uma drástica
redução dos recursos destinados pelo estado às IEES paranaenses. Em 1997,
as IEES receberam 12,87% do ICMs (parcela estadual) para o financiamento
global de suas atividades e em 2001 receberam apenas 8,15%, uma redução
em termos proporcionais de 36,67%.

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Os “Termos de Autonomia” subsidiaram a formulação da proposta do
governo Lerner de “concessão de autonomia plena” às universidades paranaenses.
Tal proposta foi formalizada, em fevereiro de 2002, por meio do PL nº 032/2002
que previa destinar 9% da receita do ICMS (parcela estadual) para o financia-
mento das universidades e faculdades estaduais paranaenses. Outros dispositivos,
constantes no projeto, privatizavam a gestão das universidades, além de revogar
a lei que havia instituído a carreira dos docentes e técnicos. Os Conselhos Uni-
versitários seriam reformulados, excluindo de sua composição representantes de
estudantes e agentes universitários. Além disso, cada universidade passaria a ser
gerida por um Conselho de Responsabilidade Social, cujos membros, em sua
maioria, seriam vinculados ao setor empresarial e nomeados diretamente pelo
governador do estado. Tal Conselho iria gerir a universidade, determinando os
indicadores de desempenho que deveriam ser atingidos pela universidade e tam-
bém fiscalizando as atividades de docentes e técnicos para atingir tais indicadores.
Diante da drástica redução orçamentária, observada a partir de 1999, os
docentes e técnicos das universidades de Londrina (UEL), Maringá (UEM)
e do Oeste do Paraná (Unioeste), deflagraram greve no ano de 2001. Tal
greve perdurou por praticamente 6 meses: de 17 de setembro de 2001 a 4 de
março de 2002. Como resultado do acordo assinado pelo governo para por
fim à greve, o PL nº 032/2002 que pretendia “regulamentar a autonomia” das
universidades paranaenses foi retirado de pauta13.
No governo Beto Richa a discussão a respeito da “concessão da autono-
mia” por meio da subvinculação do financiamento das universidades estaduais
a um percentual da receita tributária tornou-se pauta de negociação entre os
reitores e o governo no ano de 2013. Diante de decretos do governo Beto

13 Para maiores informações sobre a proposta de “regulamentação da autonomia” durante o governo Lerner
(1995-2002) e o posicionamento do movimento docente e dos servidores técnicos consultar: REIS Luiz
Fernando. A “concessão” governamental de autonomia e financiamento nas universidades estaduais do
Paraná. Revista Universidade e Sociedade, n. 53, p. 74-87, 2014.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 195

Richa que afrontavam a autonomia das universidades, os reitores resolveram


negociar a regulamentação da autonomia universitária.
Os movimentos representativos da comunidade universitária se mobili-
zaram contra as ações do governo que afrontavam a autonomia universitária
e ao mesmo tempo se posicionaram contrariamente a qualquer proposta de
“regulamentação da autonomia universitária” por entender que a autonomia
é um princípio constitucional de eficácia plena e autoaplicável que dispensa
qualquer tipo de regulamentação. Além disso, denunciaram que a proposição
do governo, de subvinculação do financiamento à receita tributária, resultaria
na definição de um teto para o financiamento das universidades obrigando
tais instituições a buscarem fontes alternativas (privadas) de financiamento.
Apesar da promessa do governador Beto Richa, feita aos reitores em
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agosto de 2013, que iria criar um Grupo de Trabalho para discutir a “amplia-
ção da autonomia administrativa e financeira nas sete universidades estaduais
do Paraná”, tal Grupo foi criado oficialmente somente em 24 de fevereiro de
2015, por meio do Decreto nº 546/2015.
Em fevereiro de 2015, os docentes e agentes universitários em greve,
contra o pacote de ajuste do governo Beto Richa, exigiram a revogação do
Decreto nº 546/2015. O governo revogou tal decreto como resultado do acordo
que apresentou ao movimento docente para a suspensão da greve. Desta forma,
a proposta de “regulamentação da autonomia financeira” foi retirada da pauta
de discussões entre o governo, reitorias e os sindicatos.
Em julho/2017, os reitores voltaram a pautar a discussão de um projeto
de lei para “regulamentar da autonomia universitária”. Em comum acordo com
o governo estadual, os reitores instituíram um grupo de trabalho, constituído
somente pelos reitores, para discutir a elaboração de uma proposta que poderia
se converter em projeto de lei com a subvinculação do financiamento das uni-
versidades à um percentual da receita tributária. Entretanto, não há consenso
entre os reitores. Os reitores da UEL e UEM defendem a “regulamentação
imediata da autonomia universitária” com a definição de um percentual da
receita específico para o financiamento de cada uma das sete universidades. Os
outros reitores defendem um período de transição antes da regulamentação. O
secretário da Fazenda é contrário à subvinculação do financiamento das uni-
versidades à receita tributária e defende o enquadramento das mesmas ao Meta
4 como forma de controle das despesas. Até a presente data (março/2018) as
discussões realizadas pelos reitores com o governo estadual, com o objetivo de
“regulamentar a autonomia” e subvincular o financiamento das universidades
a um percentual da receita, não prosperaram. Tudo indica, que a proposta de
“regulamentação da autonomia” das universidades estaduais do Paraná é um
assunto que não será novamente discutido pelo governo estadual até o final
de seu mandato (31 de dezembro de 2018).
196

Entendemos que a proposição governamental de “regulamentação da


autonomia” das IEES paranaenses tem um eixo estruturante comum que é a
tentativa de os governos Lerner (1995-2002) e Beto Richa (2011-2018) de
desobrigarem o Estado do financiamento integral do ensino superior mantido
pelo Estado do Paraná. A concepção de autonomia que embasou tais propostas
é muito semelhante às proposições do Banco Mundial que defende a “conces-
são” da autonomia às universidades públicas como instrumento para que tais
instituições busquem fontes alternativas (privadas) ao financiamento público.

Considerações finais

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Com o aprofundamento da recessão econômica, a partir de 2015, o
governo federal e os governos estaduais, de diferentes colorações partidárias,
têm adotado medidas que aprofundam ainda mais o desmonte do Estado e
do sistema de proteção social brasileiro. Tais medidas resultam numa grave
restrição aos direitos sociais historicamente conquistados pela população
brasileira e pelos servidores públicos.
Em junho de 2016 o governo federal e todos os governadores firmaram
um “Acordo de Renegociação da Dívida dos Estados”, cuja diretriz funda-
mental foi a obrigação dos governos estaduais adotarem medidas para garantir
o pagamento da dívida pública e, como consequência, reduzir as outras des-
pesas públicas. Tal Acordo determinou, como contrapartida, que os Estados
deveriam adotar medidas para a contenção das despesas com o funcionalismo
público e com as políticas sociais. Tais medidas têm sido colocadas em prática
em todos os Estados da federação. A adoção de uma agenda regressiva focada
no ajuste fiscal, na contenção dos gastos sociais, tem sido o fio condutor das
ações de todos os governos estaduais.
Neste momento de grave ataque aos direitos da classe trabalhadora é
necessário construir ampla unidade da entidades representativas da classe tra-
balhadora para lutar contra a agenda regressiva de Temer e de todos os gover-
nos estaduais. O que está em jogo é o nosso futuro, nossos parcos direitos.
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 197

REFERÊNCIAS
AMARAL, Nelson Cardoso. Para compreender o financiamento da
educação básica no Brasil. Brasília: Liber Livro, 2012.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei Complementar (PLP) nº


257/2016. Estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal
e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal; altera a Lei nº 9.496, de 11
de setembro de 1997, a Medida Provisória nº 2.192-70, de 24 de agosto
de 2001, a Lei Complementar nº 148, de 25 de novembro de 2014, e a Lei
Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000; e dá outras providências.
Editora CRV - Proibida a impressão e/ou comercialização

Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichade tramita


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uol.com.br/poder/2014/12/1560174-em-aperto-financeiro-richa-aumenta-
impostos-no-parana.shtml. Acesso em: 25 set. 2017.

GALINDO, Rogério. Governo Richa confirma recuo em pagamento


de reajuste ao funcionalismo: categorias falam em greve. Gazeta do
Povo, 2016. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/
caixa-zero/governo-richa-confirma-recuo-em-pagamento-de-reajuste-ao-
funcionalismo-categorias-falam-em-greve/. Acesso em: 28 set. 2017.

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Consulta detalhada: 2004-2017. Portal Transparência, [20--]. Disponível
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TIDE. Carreira Docente do Magistério do Ensino Superior. Lei Estadual nº
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PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado (TCE). Tribunal de Contas


do Estado do Paraná. Acórdão nº 1525/17. Relator: Conselheiro Ivens
Zschoerper Linhares. Comunicação de Irregularidade. Falta de atendimento
e adequação aos termos dos Decretos Estaduais nº 10.406/2014, nº 25/2015
e nº 2.879/2015, que tratam do dever de processamento das folhas de
pagamento mediante utilização do sistema RH Paraná, META 4. Curitiba,
6 abr. 2017.

SENADO FEDERAL. Demonstrativos da Execução Orçamentária por


Grupo de Natureza da despesa: 2003-2017. Disponível em: https://www12.
senado.leg.br/orcamento/sigabrasil. Acesso em: 10 jan. 2018a.

SENADO FEDERAL. Demonstrativos da Execução Orçamentária por


Órgão e Unidade Orçamentária: 2003-2017. Disponível em: https://www12.
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VALLE, Dimitri. Jornalista de Curitiba revela detalhes do massacre de 29 de


abril. 2015. Pragmatismo Político, abr. 2015. Disponível em: https://www.
pragmatismopolitico.com.br/2015/04/jornalista-de-curitiba-revela-detalhes-
do-massacre-de-29-de-abril.html. Acesso em: 28 set. 2017.
ÍNDICE REMISSIVO
A
Agenda para a juventude 10, 105, 106, 109, 110, 113, 114
Agenda regressiva do governo 11, 167, 168, 171
ASSESOAR 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 163, 165
Atuação do professor 11, 133, 134, 136, 146, 147
Autonomia e financiamento das universidades 11
Avaliação da educação básica 50, 53, 71, 82, 121, 129
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Avaliações em larga escala 10, 11, 39, 54, 61, 62, 68, 82, 86, 111, 117, 118,
120, 121, 122, 124, 125, 126, 127, 128, 206

B
Banco Mundial 9, 10, 13, 20, 26, 30, 51, 52, 53, 54, 56, 57, 58, 59, 60, 61,
62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 73, 74, 75, 78, 79, 80, 81, 83, 88, 89, 90, 105,
106, 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 169, 196

C
Classe trabalhadora 25, 95, 102, 134, 140, 143, 162, 167, 168, 170, 171, 196
Competências 10, 53, 57, 59, 60, 61, 62, 63, 65, 69, 81, 105, 106, 109, 110,
111, 112, 113, 114, 115, 120, 124, 125, 126, 128
Concepção de alfabetização 42, 43, 45, 48, 50
Crise de aprendizagem 9, 10, 51, 53, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 67, 68
Crise estrutural do capital 54, 57, 67, 68, 107

D
Desenvolvimento econômico e social 62, 74, 82, 89
Docentes e agentes universitários 173, 177, 180, 181, 188, 189, 195

E
Educação de jovens e adultos 10, 91, 100, 103, 104
Educação de qualidade 52, 57, 65, 68, 87
Educação transformadora 11, 133, 136, 150
200

F
Financiamento da educação popular 11, 151
Formação de professores 35, 38, 40, 41, 42, 48, 53, 62, 86, 106, 123, 128,
133, 203, 205

G
Governo Beto Richa 11, 167, 168, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178,
181, 183, 185, 186, 188, 189, 190, 191, 194, 195

H
Habilidades de leitura e de escrita 43, 44, 47

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I
Integração da educação profissional 10, 91, 95, 101, 103

L
Leitura e escrita 43, 44, 46, 47, 48

M
Mercado de trabalho 57, 58, 59, 67, 91, 96, 99, 100, 101, 102, 110, 111, 125

O
Organizações não governamentais 11, 14, 19, 26, 85, 151

P
Pacto nacional pela alfabetização na idade certa 9, 33, 49, 50
Pesquisas em política educacional e social 9, 203, 204, 205, 206
Políticas educacionais 3, 4, 9, 10, 26, 28, 30, 33, 36, 39, 53, 56, 62, 69, 73,
74, 75, 77, 79, 80, 82, 84, 86, 87, 88, 90, 92, 105, 106, 107, 108, 109, 110,
113, 114, 115, 116, 117, 120, 127, 128, 131, 149, 160, 203, 204, 205, 206
Políticas públicas 9, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 33, 34, 42, 46, 49, 50, 51,
54, 56, 73, 88, 110, 114, 115, 116, 118, 119, 120, 127, 160, 205, 206
Políticas públicas de alfabetização 9, 33, 34, 46
Processo de ensino 11, 42, 91, 99, 102, 138, 139, 144, 145, 146
Professores alfabetizadores 34, 35, 36, 40, 41, 42, 45, 48
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 201

Projeto multissetorial para o desenvolvimento do Paraná 10, 74, 79, 80, 81,
82, 86, 87

Q
Qualidade da educação 10, 44, 63, 74, 77, 79, 83, 85, 86, 87, 101, 106, 116,
118, 121, 122, 124

R
Região Sudoeste do Paraná 11, 151, 152, 157, 158, 164
Revisão anual de salários 172, 175, 177, 180, 181, 186, 188
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S
Sistema de avaliação da aprendizagem 74, 80, 81, 82, 84, 86, 89

T
Trabalho como princípio educativo 10, 91, 92, 95

U
Universidade Estadual de Maringá 164, 171, 203, 205, 206
Universidade Estadual do Oeste do Paraná 9, 50, 88, 90, 148, 150, 158, 171,
203, 204, 205, 206
Universidade Federal do Paraná 49, 149, 159, 203, 206
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SOBRE OS AUTORES

Amanda Melchiotti Gonçalves


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá
(2017) e Mestrado em Educação pela Universidade do Oeste do Paraná (2020).
Doutoranda em Educação pela mesma instituição e pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social (GEPPES). E-mail:
amandamelchiottigoncalves@gmail.com

Aparecida Favoreto
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Docente Associada da Universidade Estadual do Oeste do Paraná; Professora e


Pesquisadora no Mestrado e Doutorado em Educação e no Colegiado de Peda-
gogia da UNIOESTE – Cascavel, PR. Membro e líder do Grupo de Pesquisa
História e Historiografia na Educação (UNIOESTE/CNPq). Doutorado em
Educação pela Universidade Federal do Paraná; Mestrado em Educação pela
Universidade Estadual de Maringá; Graduada em História pela Universidade
Estadual de Maringá. E-mail: cidafavoreto20@gmail.com

Dhyovana Guerra
Doutoranda em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Unioeste, Campus Cascavel. Graduada em Pedagogia e Mestra em Educação
pela mesma instituição. Pesquisadora no Grupo de Estudos e Pesquisas em Polí-
tica Educacional e Social (GEPPES). E-mail: dhyovanaguerra@hotmail.com

Edaguimar Orquizas Viriato


Possui graduação em Letras pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras
Nossa Senhora Medianeira (1985), graduação em Pedagogia pela Faculdade
de Filosofia Ciências e Letras de São Bernardo do Campo (1988), mestrado
em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1995) e doutorado
em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(2001). Possui experiência na área de Educação, nos seguintes temas: polí-
tica educacional, gestão, currículo, formação de professores, ensino médio e
educação profissional. E-mail: edaguimar@gmail.com

Eneida Oto Shiroma


Doutora em Educação (Unicamp), com pós-doutorado na Universidade de
Oxford, Inglaterra. Professora do Departamento de Estudos Especializados em
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora do
204

Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho (GEPETO). Bolsista


produtividade em pesquisa do CNPq.

Fabíola Elizabete Costa Foletto


Graduada pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná- Foz do Iguaçu.
Possui domínio na Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, tem experiência
como professora de educação infantil e anos iniciais. Atualmente trabalha
na Prefeitura Municipal de Medianeira no cargo de professora e na Amesfi
– Associação Medianeirense de Surdos e Fissurados, como intérprete. Mes-
tra em Educação na Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Cascavel.
Especialização em Alfabetização. E-mail: fabycosta1@hotmail.com

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Ireni Marilene Zago Figueiredo
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Peda-
gogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) – Campus
Cascavel. Pesquisadora no Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Edu-
cacional e Social (GEPPES). E-mail: ireni.figueiredo@unioeste.br

Isaura Monica Souza Zanardini


Doutora em Educação pela Unicamp. Docente do Colegiado de Pedagogia e
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unioeste – Campus Cascavel.
Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unioeste –
Campus Cascavel. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política
Educacional e Social – GEPPES. E-mail: monicazan@uol.com.br

João Paulo Danieli


Doutorando em Educação, pelo PPGE da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste). Professor colaborador do Curso de Pedagogia da Unioeste,
Campus Francisco Beltrão, PR. Membro do Grupo de Pesquisa em Políti-
cas Educacionais e Sociais (GEPPES/Unioeste) e do Grupo de Pesquisa e
Estudos em Formação Humana, Educação e Movimentos Sociais Populares
(GEFHEMP/Unioeste). E-mail: joaopaulojb@gmail.com

Karina dos Santos de Moura Buzin


Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo. Mestra em Educação pela Uni-
versidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Cascavel, PR. Membro do
Grupo de Pesquisa História e Historiografia na Educação (UNIOESTE/CNPq).
E-mail: karina_s_moura@hotmail.com
ESTADO E POLÍTICAS EDUCACIONAIS – Volume 3 205

Luiz Fernando Reis


Doutor em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Professor do curso de graduação em Enfer-
magem e do Programa de Pós-graduação em Educação (Mestrado e Dou-
torado) da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Campus
Cascavel. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional
e Social (Geppes Unioeste/CNPq) e da Rede de Pesquisas Universitas/Br.
E-mail: reisluizfernando@gmail.com

Márcia Cossetin
Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mes-
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tra em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).


Especialista em História da Educação Brasileira pela Unioeste. Graduada em
Pedagogia pela UNIOESTE. Atualmente é Professora Adjunta Instituto Lati-
no-Americano de Arte, Cultura e História (ILAACH) da Universidade Federal
da Integração Latino-Americana (UNILA), Grupo de Estudos e Pesquisas
em Política Educacional e Social (GEPPES) e Grupo de Estudos e Pesquisas
em Políticas Educacionais (GREPPE). E-mail: marcia.cossetin@unila.edu.br

Maria Sandreana Salvador da Silva Lizzi


Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), mestra
em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2013), possui
graduação em História pela Universidade Paranaense (2002) e graduação em
Pedagogia pela Unicesumar (2017). É professora titular do Curso de Pedagogia
do Instituto Federal do Paraná – IFPR Campus Pitanga. Tem experiência na área
de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Teoria Histórico-Cul-
tural, Concepção de Conhecimento e Organização do Ensino, Ensino Médio e
Educação Profissional, e Ensino de História. E-mail: sandreanajp@hotmail.com

Marijane Zanotto
Possui Graduação em Geografia pela Faculdade de Ciências Humanas de
Francisco Beltrão – FACIBEL (1995), Graduação em Pedagogia pela Univer-
sidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste (2000), Mestrado em Educação
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG (2006) e Doutorado
em Políticas Públicas e Formação Humana pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro – UERJ (2014). Atualmente é professora adjunta – nível D,
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE – Campus Cas-
cavel – PR, pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Educação e Formação
de Professores – GPEFOR da Universidade Estadual do Oeste do Paraná –
Unioeste – Campus Cascavel – PR. Tem experiência na área de Educação,
206

atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas educacionais,


educação superior, gestão e planejamento educacional e avaliação em larga
escala. E-mail: marijanezanotto@gmail.com

Mayara Haruka Watanabe Iijima


Professora da rede municipal de Toledo/PR. Graduada em Pedagogia e Mes-
tre em Educação pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional e Social
(GEPPES). E-mail: may_iijima@hotmail.com

Olinda Evangelista

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Doutora em História da Educação (PUC/SP), com pós-doutorado na Univer-
sidade do Minho, Portugal. Professora Aposentada do Centro de Ciências da
Educação, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora do
Grupo de Investigação em Política Educacional (GIPE). E-mail: olindaevan-
gelista35@hotmail.com

Roberto Antonio Deitos


Licenciatura em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
– Unioeste (1992), Mestrado (2000) e Doutorado (2005) em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Pós-Doutorado em Educa-
ção (2012) pela Universidade Estadual de Maringá – UEM – Paraná. Professor
Associado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus Cascavel,
Centro de Educação, Comunicação e Artes, Colegiado do Curso de Pedago-
gia. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional
e Social – GEPPES. E-mail: rdeitos@uol.com.br

Simone Sandri
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná (Unioeste); Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR). Docente do curso de Pedagogia e do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Unioeste, Campus Cascavel.
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacional e Social
(GEPPES), da Unioeste. Pesquisadora da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (UFMS). Atua no campo de pesquisa de Políticas Educacionais
com ênfase em Políticas Curriculares para a Educação Básica: Política Curri-
cular e Gestão Educacional/Escolar; Política Curricular e Avaliação em Larga
Escala; Público-Privado na Educação. E-mail: simone.sandri@unioeste.br
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SOBRE O LIVRO
Tiragem não comercializada
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 10,5/11,5/13/16/18
Arial 8/8,5
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)

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