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VYGOTSKY

UMA SÍNTESE
René van der Veer
Jaan Valsiner

VYGOTSKY
UMA SÍNTESE

TRADUÇÃO:
CECÍLIA C. BARTALOTTI
Título original:
Understanding Vygotsky — a Quest for Synthesis
© René van der Veer and Jaan Valsiner 1991
O direito de René van der Veer e Jaan Valsiner a ser identificados como
autores desta obra foi definido em acordo com o Copyright, Designs and
Patents Act 1988.
ISBN 0-631-16528-2
Basil Blackwell, Inc.
108 Cowley Road
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Edição de Texto
Marcos Marcionilo
Preparação
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permissão escrita da Editora.
ISBN: 85-5-01275-8
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 1996.
Sumário

Prefácio ..................................................................................... 7
Introdução ................................................................................ 13
1 Lev Vygotsky ..................................................................... 17
2 Literatura e arte ............................................................... 31

PARTE I
OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU 1924-1928
Introdução ................................................................................ 51
3 Psicologia pedagógica ........................................................ 61
4 Defectologia ....................................................................... 73
5 O papel da psicanálise ..................................................... 93
6 Konstantin Kornilov e sua reactologia ............................. 127
7 Crise na psicologia ........................................................... 157
8 Vygotsky e a psicologia da Gestalt .................................. 173

PARTE II
A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 1928-1932
Introdução ................................................................................ 203
9 Teoria histórico-cultural ................................................... 207
10 As expedições à Ásia central ............................................ 267
11 O universo das palavras: a visão de Vygotsky sobre a
formação de conceitos ...................................................... 281

PARTE III
MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO 1932-1934
Introdução ................................................................................ 313
12 Vygotsky, o pedólogo ........................................................ 319
13 Educação e desenvolvimento ............................................ 355
14 Emoções: em busca de uma nova abordagem ................. 377
15 Uma palavra final ............................................................. 389
16 A crítica ............................................................................ 403
Epílogo ...................................................................................... 421
Referências bibliográficas ......................................................... 431
Índice de nomes ....................................................................... 469
Índice de assuntos ................................................................... 477
Prefácio

Ao escrever este livro, atingimos um marco no desenvolvimento


de nossa compreensão de como as idéias científicas migram entre
países por meio das pesquisas intelectuais de pessoas isoladas,
envolvidas em seus contextos culturais. O entendimento das princi-
pais idéias de Lev Vygotsky que emerge das páginas deste livro é o
resultado de anos de esforço para compreender a complexa, fasci-
nante e, às vezes, extravagante criatividade desse acadêmico literá-
rio (que se tornou psicólogo) russo-judeu. Para um de nós (René van
der Veer), entender Vygotsky era um projeto antigo que mergulhou
profundamente nas complexidades da língua e literatura russas, a
fim de possibilitar certa compreensão das contribuições de Vygotsky
(Van der Veer, Cultuur en Cognitie, Groningen: Wolters-Noordhoff,
1985). Para o outro autor (Jaan Valsiner), o trabalho neste livro
ajudou a revisar alguns aspectos de sua formação intelectual e social
que (desde 1980) ele vem desenvolvendo. A Introdução, o Epílogo e
os capítulos 2, 6, 8 e 12 foram escritos por Valsiner; o restante do
livro é de Van der Veer. Mas o produto final é mais do que a soma
de nossos esforços individuais. Nossas diferenças pessoais em abor-
dagem e estilo funcionaram bem, complementando-se mutuamente:
enquanto um de nós era quase dominado pela busca de detalhes
microscópicos, a tendência instintiva do outro para a generalização
mantinha a coesão do projeto; e quando um de nós apressava-se
impaciente a fazer declarações generalizantes, o outro o levava de
volta para os detalhes. Essa combinação de perspectivas pessoais
ajudou-nos a escrever um tratado sobre a vida e obra de Vygotsky
que (esperamos) irá revelar as complexidades da história de suas
idéias sem que o leitor deste livro precise adotar uma “perspectiva
vygotskyana” para tentar compreender as nossas análises (às vezes
bastante detalhadas). Em qualquer ciência, geralmente são os segui-
dores ardorosos de algum sistema teórico interessante que transfor-
mam esse sistema numa ortodoxia dogmática. Como resultado, o
vigor das idéias originais pode desaparecer quando a ortodoxia in-
questionável é aceita. Nossa meta neste livro é restaurar o vigor das
idéias da Vygotsky, revelando a maneira pela qual seu pensamento
fez uso de conceitos de seus predecessores e contemporâneos, ana-
lisar essas idéias e sugerir novas soluções para os problemas que ele
8 PREFÁCIO

levanta. Para preservar esta meta (pode-se chamá-la de um trabalho


de arqueologia de idéias), decidimos deliberadamente não tratar da
infinidade de interpretações que a obra de Vygotsky recebeu nas
últimas décadas. Essa tarefa é um desafio diferente, que merece
outro livro.
O trabalho neste livro só foi possível pelo auxílio generoso de
várias pessoas que nos ajudaram a obter diferentes dados originais
sobre Vygotsky e cópias de suas publicações originais. Em primeiro
lugar, prestamos nossos profundos agradecimentos à confiança e
amizade de Gita L’vovna Vygodskaja. Ela (com seus parentes) rece-
beu Van der Veer com toda a gentileza, deu-lhe acesso aos arquivos
da família e esclareceu muitas de nossas dúvidas. Além disso, per-
mitiu que usássemos parte da correspondência de Vygotsky anotada
por A. A. Puzyrej. O próprio Andrej Puzyrej — uma das maiores
autoridades na obra de Vygotsky — foi extremamente prestativo ao
nos deixar disponíveis uma série de publicações raras e documentos
inéditos e ao partilhar conosco suas opiniões. Elena Aleksandrovna
Luria também recebeu Van der Veer com muita simpatia e permitiu
que ele trabalhasse com os arquivos da família. Também I. M.
Arievich, A. G. Asmolov, G. Blanck, V. V. Davydov, N. Elrod, T. M.
Lifanova, L. Mecacci, L. A. Radzikhovsky, A. Stetsenko, P. Tulviste,
Ju. A. Vasil’eva e F. Vidal ajudaram no tedioso processo de localizar
documentos raros, e Nadia Zilper, da Biblioteca da Universidade da
Carolina do Norte, foi prestativa em nos arrumar uma boa lista de
textos de psicologia russa/soviética existentes nos Estados Unidos.
S. Jaeger nos forneceu várias das cartas de Luria para W. Köhler e
S. F. Dobkin, e P. Ja. Gal’perin apresentou suas opiniões pessoais
sobre Vygotsky em conversas com Van der Veer. G. Blanck e G. L.
Vygodskaja forneceram-nos fotografias de Vygotsky. Ao compilar a
lista de referências, fizemos amplo uso da valiosa lista das obras de
Vygotsky preparada por T. M. Lifanova e publicada na edição sovié-
tica de suas obras completas. Kurt Kreppner chamou nossa atenção
para as notáveis semelhanças entre as idéias de Vygotsky e alguns
conceitos importantes de William Stern. O grau dessa ligação ainda
está para ser analisado, e não cabe no âmbito deste livro. Madlena
Maksimova fez comentários úteis sobre um dos primeiros rascunhos
do livro.
Também queremos expressar nossa gratidão à NWO (Nederlandse
Stichting voor Wetenschappelijk Onderzoek) pelo apoio financeiro, que
permitiu que Van der Veer passasse três meses em Chapel Hill, Caro-
lina do Norte, em 1986, e possibilitou que Valsiner visitasse a Univer-
sidade de Leiden no verão de 1988. No entanto, ambos mantivemos
uma busca tenaz de nossa própria síntese de uma compreensão da
vida e da obra de Lev Vygotsky. Assim, ninguém além de nós mesmos
é responsável pelas análises que o leitor encontrará neste livro.
PREFÁCIO 9

A pesquisa para este livro foi um exercício de investigação. Várias


vezes, encontramos alterações na história da obra de Vygotsky em
psicologia — às vezes deliberadas, outras vezes não intencionais. Não
deve surpreender o fato de que tenhamos reagido com veemência a
cada mito infundado, e o leitor perceberá essas reações em vários
pontos deste livro. Ao refletir sobre o assunto, perguntamo-nos por que
ficamos tão inconformados quando descobrimos as maneiras pelas
quais Vygotsky foi pintado como um “guru” da psicologia soviética (e
de parte da psicologia internacional). Afinal, histórias são escritas (e
reescritas) depois do fato para servirem às necessidades do tempo e
lugar presentes. Mesmo assim, a constatação de que uma figura his-
tórica produtiva envolvida na gênese da psicologia é avaliada pelas
gerações seguintes de maneira meramente declaratória é motivo de
preocupação. Essa preocupação é aguçada quando se considera a
infinidade de idéias parcialmente desenvolvidas por Vygotsky que po-
deriam ser altamente produtivas para a psicologia contemporânea se
fossem desenvolvidas em vez de serem aceitas sem questionamento.
Esperamos que este livro estimule os leitores a olhar além da herança
intelectual de Vygotsky e a perceber sua abordagem coerentemente
evolucionária de todos os fenômenos psicológicos.

RENÉ VAN DER VEER


JAAN VALSINER
Leiden e Chapel Hill
10
PREFÁCIO
11

Todo inventor, até mesmo um gênio, sem-


pre é conseqüência de seu tempo e am-
biente. Sua criatividade deriva das ne-
cessidades que foram criadas antes dele
e baseia-se nas possibilidades que, uma
vez mais, existem fora dele. É por isso
que observamos uma continuidade rigo-
rosa no desenvolvimento histórico da tec-
nologia e da ciência. Nenhuma invenção
ou descoberta científica aparece antes de
serem criadas as condições materiais e
psicológicas necessárias para o seu sur-
gimento. A criatividade é um processo
historicamente contínuo em que cada
forma seguinte é determinada pelas pre-
cedentes.
LEV VYGOTSKY, Voobrazhenie i tvorchestvo
v detskom vozraste
12
13

Introdução

Este livro é um estudo de caso da história das idéias científicas


de uma pessoa no contexto de uma sociedade em rápida mutação.
A vida e a obra de Lev Vygotsky tornaram-se cada vez mais um dos
focos do discurso social de psicologia contemporânea — ele constitui
um caso interessante para a análise da interdependência intelectual
(ver Van der Veer e Valsiner, 1988) entre cientistas, por uma série
de razões. Primeiro, nas últimas décadas, fizeram-se inúmeras afir-
mações sobre a natureza “genial” de Vygotsky — um bom meio de
propaganda, mas que talvez não leve a uma compreensão do con-
teúdo e das implicações das idéias do “gênio”. Segundo, com o
florescimento de tendências “neo-vygotskyanas” na psicologia con-
temporânea, a abordagem histórica de Vygotsky e de suas idéias
passou a segundo plano (com algumas exceções notáveis; ver Kozulin,
1990a). Por exemplo, Vygotsky recebe o crédito de “estar cinqüenta
anos à frente de seu tempo” por idéias que ele próprio creditava a
seus predecessores da década de 1890 e do início de 1900. Claro
que esta discrepância não é surpreendente, uma vez que a psicolo-
gia contemporânea da década de 1990 está se tornando cada vez
mais historicamente míope. Ela se parece agora com uma “fábrica
de produção de dados” sob a influência de modas convenientemente
rotuladas de “teorias”, a maioria das quais meramente reitera co-
nhecimentos do senso comum (ver Smedslund, 1978, 1979). O de-
senvolvimento de idéias sobre questões psicológicas ficou obscure-
cido por essa atividade febril e altamente compulsiva, e os impasses
do pensamento psicológico do passado são entusiasticamente repe-
tidos no presente. Afinal, se o consenso social atual dos psicólogos
é usado para determinar o significado do “progresso” nessa discipli-
na, então o que é determinado como sendo “progresso” está sob
controle total das estimativas sociais dos psicólogos atuais, orienta-
dos pelas tendências do momento atual.
Por fim — mas não menos importante —, Vygotsky era único.
Em seu caso, temos de analisar um exemplo de como um “novato”
transformou-se em um “especialista”. Vygotsky não teve nenhuma
educação formal na disciplina nem nenhum “treinamento” na ciên-
cia empírica que domina os departamentos de psicologia da nossa
época. No entanto, sua formação e conhecimentos literários da his-
14 INTRODUÇÃO

tória da filosofia forneceram-lhe os instrumentos necessários para


lidar com novas disciplinas. Claro que sua formação não é suficiente
para explicar seu sucesso — ele teve sorte de entrar na psicologia
em tempo oportuno (e em condições adequadas, como mostramos
neste livro). Suas realizações em psicologia são emolduradas por
mudanças sociais mais amplas nessa disciplina e na sociedade como
um todo. Freqüentemente, é benéfico para uma disciplina “importar”
profissionais de outras áreas para enriquecer seu domínio de idéias
que, de outra forma, ficaria fechado em si mesmo. Com freqüência,
essas contribuições funcionam bem (por exemplo, considere-se a
entrada de vários físicos na área da biologia depois da Segunda
Guerra Mundial; ver Crick, 1988), mas seu impacto real a longo
prazo depende em grande medida dos processos sociais que organi-
zam o progresso científico.
A natureza da formação pessoal de Vygotsky — ele era um
jovem acadêmico literário judeu perturbado por doenças recorren-
tes, uma pessoa com um discurso apaixonado que cultivava um
gosto especial pelas belas-artes e um crítico igualmente apaixonado
do pensamento medíocre dos psicólogos de sua época — incentiva
uma análise em profundidade de suas idéias. Em resumo, este livro
descreve o complexo curso evolutivo das idéias de Vygotsky para
demonstrar as ligações entre essas idéias e a rede de outras idéias
acessíveis a ele. Acompanhamos essas ligações na esperança de que
o conhecimento específico das raízes de idéias específicas ajude-nos
a apreciar a criatividade intelectual de Vygotsky em seu próprio
contexto.
O livro é organizado de uma maneira que preserva a continui-
dade do trabalho de Vygotsky ao longo de sua vida, ao mesmo tempo
que enfatiza diferentes áreas temáticas de suas pesquisas intelec-
tuais em diferentes períodos. Uma vez que seria um tanto artificial
dividir o curso da vida de uma pessoa em estágios, decidimos tra-
balhar com uma estrutura menos rígida: muitos temas de pesquisa
intelectual examinados em um estágio posterior têm suas raízes
mais cedo, e há uma notável (mas não completa) continuidade nas
idéias de Vygotsky, desde a época em que ele era um jovem acadê-
mico literário idealista (ver o capítulo 2) até o período pedológico de
sua vida, no início da década de 30. Além disso, as áreas temáticas
tratadas em capítulos separados em determinado período de sua
vida complementam-se reciprocamente e, às vezes, podem até pare-
cer um pouco redundantes. Claro que a redundância já está presen-
te nos escritos do próprio Vygotsky, de vez que ele abordou questões
de diferentes problemas psicológicos a partir da mesma perspectiva
metateórica. É com essa perspectiva metateórica — uma ênfase
coerente (o que significa redundante) em ver todos os fenômenos
psicológicos como estando em desenvolvimento — que a psicologia
INTRODUÇÃO 15

contemporânea pode aprender. Assim, uma análise da construção


pessoal (mas com base social) de Vygotsky para o paradigma desen-
volvimentista em psicologia tem valor para nossas pesquisas seme-
lhantes na década de 90.
É aqui que podem ser encontradas as razões para a popularidade
atual de Vygotsky — sua busca constante de uma perspectiva de
desenvolvimento é fascinante, especialmente se considerarmos a extin-
ção prática das perspectivas desenvolvimentistas na psicologia pós-
Segunda Guerra Mundial, pelo menos em suas correntes principais
(ver Benigni e Valsiner, 1985; Cairns, 1986). Os esforços atuais dos
desenvolvimentistas para pensar ao longo de linhas de desenvolvimen-
to pode beneficiar-se dos sucessos e fracassos intelectuais de Vygotsky
e de seus contemporâneos. O leitor deste livro talvez queira empreen-
der uma excursão pela história em consideração a nossa pesquisa
atual em psicologia e também ao seu futuro. Ou, para parafrasear a
recorrente reiteração por Vygotsky de uma máxima de Pavel Blonsky,
o estado das coisas na psicologia contemporânea pode ser compreendido
apenas como a história dessa psicologia.
1
Lev Vygotsky

Infância e juventude

Lev Semyonovich Vygodsky1 nasceu em 5 de novembro de 1896


em Orsha, uma cidade provinciana nas proximidades de Minsk.
Pouca coisa foi publicada sobre sua infância e juventude. O pouco
que sabemos foi relatado por seu amigo de infância Dobkin e por
sua filha Gita L’vovna Vygodskaja (a qual está preparando atual-
mente, junto com T. M. Lifanova, uma biografia do pai, que irá
atualizar todo o material biográfico até hoje publicado [cf. Vygodskaja
e Lifanova, 1984; 1988]). Enquanto isso, apresentaremos neste ca-
pítulo e na introdução das diferentes seções do livro o material
biográfico atualmente disponível.
Vygotsky foi o segundo de uma família de oito filhos. Seus pais
eram membros bem instruídos de uma comunidade judaica de Gomel;
seu pai trabalhava como chefe de departamento no Banco Unido e
como representante de uma companhia de seguros. Os Vygodsky
aparentemente tinham condições financeiras para proporcionar a
seus filhos uma excelente educação. A disponibilidade de uma boa
biblioteca, o fato de que a família morava em um apartamento gran-
de e de os filhos terem tido tutores particulares indicam que os
Vygodsky eram uma família relativamente bem de vida.
Embora os Vygodsky não fossem muito religiosos, mantinham
as tradições judaicas. Assim, o jovem Lev Vygotsky recebeu uma
educação judaica tradicional, lendo a Torá em hebraico, fazendo um
discurso em seu Bar Mitsva, e assim por diante. As referências
bastante freqüentes em sua obra à Bíblia podem ser compreendidas
neste contexto. Ele estava interessado na cultura e no folclore judai-
cos e identificava-se em certa medida com a história do povo judeu
(cf. sua análise do anti-semitismo de Belyj; Vygotsky, 1916a), e

1. Lev Vygodsky mudou seu nome para Vygotsky porque acreditava — de-
pois de algumas pesquisas pessoais — que sua família tivesse vindo origina-
riamente de uma aldeia chamada Vygotovo. Os autores não conseguiram esta-
belecer sua localização.
18 LEV VYGOTSKY

circunstâncias externas incentivaram esse interesse e identificação.


Entre outras coisas, sob o governo czarista, os judeus não tinham
permissão para viver fora do Território de Assentamento (Pale), uma
região na Rússia onde, até 1907, massacres eram uma ocorrência
comum. Em sua cidade, Gomel, o próprio Vygotsky deve ter presen-
ciado massacres em 1903 — felizmente repelidos por uma defesa
judaica organizada (Pinkus, 1988, p. 29) — e 1906 (Gilbert, 1979).
Também testemunhou o retorno humilhante dos membros judeus
do exército russo, que haviam sido mandados de volta para casa
depois de ter sido espalhado um boato de que soldados judeus não
eram confiáveis em tempo de guerra.
Apesar dos massacres, da guerra da Rússia contra a Alemanha
e a Áustria, da guerra civil e outros desastres, Vygotsky procurava
levar uma vida normal. Quando jovem, seus passatempos favoritos
eram coleções de selos, xadrez e correspondências em esperanto
(Levitin, 1982, p. 27). Em algum lugar da Islândia, um homem
muito idoso ou, mais provavelmente, seus filhos surpresos talvez
mexam vez por outra em uma coleção de cartas incompreensíveis,
enviadas muitos anos antes por um correspondente russo.
O amigo de Vygotsky, Dobkin (em Levitin, 1982, p. 26), contou
que, quando adolescente, Vygotsky participava ativamente, junto
com um círculo de amigos, de discussões de assuntos altamente
abstratos, como a filosofia da história de Hegel e o papel do indiví-
duo na história. Também parece ter sido um admirador da poesia,
em particular de Pushkin e de Heine (mais tarde, de Gumilyov, de
Mandel’shtam e de Pasternak) e freqüentador das apresentações em
teatros locais. A leitura precoce de “Pensamento e Linguagem” (1922)
de Potebnja pode ter acelerado seu interesse pela psicologia.
Foi David Vygodsky, um primo vários anos mais velho, quem
introduziu Vygotsky no movimento do esperanto. Os primos eram
íntimos e corresponderam-se durante anos depois que David partiu
para Petrogrado, em 1919. Parte dessa correspondência foi preser-
vada nos arquivos da família. David Vygodsky era, ele próprio, um
homem com capacidades acima da média. Tornou-se um poeta com-
petente, exercia a profissão de lingüista e filólogo, e mantinha uma
relação pessoal com Roman Jakobson e Viktor Shklovsky (Levitin,
1982, p. 27). Também conhecia várias línguas estrangeiras e tor-
nou-se bastante conhecido como tradutor de poesia russa para o
espanhol e da literatura hebraica para o russo. Durante a guerra
civil espanhola, serviu como intermediário entre as autoridades
soviéticas e o movimento anti-franquista. Pouco depois da vitória de
Franco, foi preso sob acusações desconhecidas. Como é bem sabido,
naqueles dias sombrios, as indiciações podiam ser baseadas em
quase nada. No caso de David Vygodsky, a acusação de espionagem
parece ter sido a mais provável. Afinal, ele estivera envolvido na
LEV VYGOTSKY 19

guerra civil espanhola — inesperadamente perdida pelos aliados es-


querdistas — e tivera grande participação no suspeito movimento do
esperanto. (Filatelistas e estudiosos de esperanto foram presos em
grande número no final da década de 30. Pressupunha-se que esses
grupos tivessem usado seus contatos aparentemente inocentes com
cidadãos estrangeiros como uma cobertura para práticas mais sinis-
tras. Ver Medvedev, 1974, p. 681). A escritora Marietta Shaginjan
relatou os esforços incomuns e corajosos dos amigos literatos de
David para libertá-lo da prisão. Celebridades como Fedin, Lavrenev,
Shklovsky, Slonimsky, Tynjanov e Zoshchenko escreveram para as
autoridades, declarando a inocência de David Vygodsky e exigindo
sua libertação. Porém, as tentativas desses escritores de Leningrado
falharam (Shaginjan em Medvedev, 1974, p. 806) e David Vygodsky
acabou sendo mandado para um campo de concentração (restaram
algumas cartas de lá), onde morreu em 1942 ou 1943.

Instrução

Vygotsky recebeu sua instrução inicial com professores particula-


res e, mais tarde, freqüentou as duas turmas mais adiantadas do
Gymnasium judeu particular em Gomel, graduando-se com uma me-
dalha de ouro em 1913. Sua instrução posterior foi influenciada pelo
fato de ele ser judeu. Em primeiro lugar, a Rússia czarista decretou
uma cota para admissão de judeus em instituições de ensino superior.
A cota para as universidades de Petersburgo e Moscou era de três por
cento. Na prática, isso significava que os estudantes com medalha de
ouro tinham a admissão garantida. Porém, quando Vygotsky estava
fazendo seus exames, o ministro da educação divulgou uma circular
declarando que estudantes judeus deveriam ser matriculados por sor-
teio. Esse foi um golpe violento para Vygotsky, cuja medalha de ouro
tornara-se praticamente sem valor. Por sorte, ele foi um dos poucos
felizardos e começou a estudar na Universidade de Moscou. A escolha
das disciplinas foi novamente influenciada por sua origem judaica.
História e filologia não eram boas opções, porque geralmente levavam
apenas à posição de professor da escola secundária e, como os judeus
não tinham permissão para ser funcionários públicos, o único emprego
disponível era de professor de um Gymnasium judeu particular. Havia
duas possibilidades mais atraentes: o direito e a medicina. O curso de
direito oferecia a oportunidade de vir a ser um advogado, e advogados
tinham permissão de morar fora do Território de Assentamento. A
medicina garantia um futuro modesto, embora monótono, e seguro.
Por insistência de seus pais, Vygotsky candidatou-se ao departamento
de medicina mas, depois de um mês, mudou para direito. Também
freqüentou outros cursos e graduou-se em história e filosofia na Uni-
versidade do Povo de Shanjavsky, que não era oficialmente reconheci-
20 LEV VYGOTSKY

da. No entanto, era um instituto de certa qualidade, de vez que, depois


de uma greve na Universidade Imperial, muitos cientistas renomados
haviam começado a lecionar lá (Levitin, 1982, pp. 29-30).
Durante seus dois últimos anos na universidade em Moscou, Vygotsky
dividiu um quarto com sua irmã mais nova, Zinaida, que havia entrado
nos Cursos sem Créditos da Universidade Feminina em 1915. Zinaida
Vygodskaja viria a se tornar uma lingüista de destaque e co-autora de
vários dicionários de línguas estrangeiras (p. ex., Achmanova e
Vygodskaja, 1962). Pode ter sido Zinaida — junto com David — quem
mantinha o irmão bem informado sobre todos os desenvolvimentos nas
áreas de lingüística e de filologia. Ela também compartilhava com
Vygotsky o interesse pelos escritos filosóficos de Spinoza.
Durante os anos na universidade, Vygotsky manteve seu interesse
anterior por literatura e arte. Quando adolescente, começara a estudar
Hamlet de Shakespeare e havia escrito vários rascunhos de uma análi-
se da peça (Vygotsky, 1915a), e sua dissertação de mestrado (Vygotsky,
1916d) foi resultado desse antigo interesse (ver capítulo 2). Um traba-
lho posterior, uma análise da obra de Dostoiévski intitutada “Dostoiévski
e o anti-semitismo”, parece ter sido perdido (Radzikhovsky, comunica-
ção pessoal, maio de 1990). Os interesses de Vygotsky ampliaram-se
nesse período, incluindo problemas psicológicos e pedagógicos. Um
curso sobre “A forma interna da palavra” ministrado pelo acadêmi-
co humboldtiano Shpet (Shpet, 1927; cf. Mitjushin, 1988) deve ter incen-
tivado em Vygotsky e sua irmã, que também fez o curso, uma sensi-
bilidade para os aspectos psicológicos internos da linguagem (ver tam-
bém capítulo 15). Por volta dessa época, Vygotsky começou também a
ler a literatura internacional disponível sobre psicologia. Conta-se que
a leitura do notável estudo As variedades de experiência religiosa (1902/
1985) de James e de Zur Psychopathologie des Alltagslebens (1904/
1987) de Freud impressionaram-no de forma particular. Esses livros,
por sinal, formam um par bastante estranho e desigual: primeiro por-
que a sofisticação intelectual do fascinante estudo de James está bem
além da existente na busca direcionada de Freud pelo id no com-
portamento humano cotidiano; segundo porque a crítica devastadora
de James quanto à “explicação” sexual do sentimento religioso aplica-
va-se a parte do pensamento de Freud. Na verdade, a crítica de James
(ver James, 1902, pp. 10-12) ao que ele chamava de “materialismo
médico” antecipava boa parte das críticas futuras da psicologia soviéti-
ca à teoria de Freud (ver capítulo 5).
Pode ser argumentado que o gosto de Vygotsky por esses livros
revelava um interesse pelas camadas extremas da mente e — no
caso do livro de Freud — uma predileção por estudos especulativos.
Também poderia ser dito que isso formaria uma continuação de seu
interesse por Hamlet, cuja “sobrenaturalidade” e motivos subjetivos
ocultos foram particularmente enfatizados pelo jovem Vygotsky (ver
LEV VYGOTSKY 21

capítulo 2). Seja como for, é claro que a perspectiva de Vygotsky na


época ainda estava longe da perspectiva reactológica e objetivista
que ele viria a adotar alguns anos mais tarde (ver capítulos 3 e 6).

Anos de formação

Tendo concluído seus estudos universitários em 1917, Vygotsky


retornou à sua cidade de Gomel, onde, depois da Revolução, teve
permissão para lecionar em escolas estaduais. É esse período da
vida de Vygotsky — de 1917 até sua mudança para Moscou, em
1924 — que causa os maiores problemas para seus biógrafos. O que
sabemos, com base em documentos de arquivos e lembranças de
seus contemporâneos, é que Vygotsky ocupou muitas e várias posi-
ções na vida cultural de Gomel e tornou-se um de seus líderes
culturais mais destacados. Mas sabemos muito pouco sobre o con-
teúdo de seu pensamento na época. Essa falta de conhecimento é
causada por um enorme e intrigante intervalo na lista atualmente
conhecida de obras publicadas de Vygotsky. Com vinte anos de
idade, Vygotsky já havia publicado quatro resenhas literárias em
1916 e aproximadamente o dobro desse número de trabalhos foi
publicado em 1924. No entanto não encontramos praticamente ne-
nhuma publicação nesse período intermediário de sete anos. A lista
mais recente de publicações de Vygotsky (em Vygotsky, 1984b; com-
pilada por T. M. Lifanova) cita apenas duas resenhas literárias e dois
manuscritos não publicados nesse período todo, ao passo que, a
julgar pela produção de Vygotsky em outros anos, esperaríamos pelo
menos uns trinta trabalhos. Embora mais quatro resenhas literárias
tenham sido descobertas recentemente (Vygotsky, 1923a-d), ainda
temos diante de nós um período vazio na história das publicações
de Vygotsky que está para ser explicado. Observando esse mesmo
fenômeno, Joravsky (1989, p. 255) sugeriu que os discípulos de
Vygotsky evitaram descrever esse período de forma adequada e
republicar seus artigos por motivos políticos. Ele sugere que “Vygotsky
pode ter se ligado a não-bolcheviques em 1917, pois escreveu em
um periódico judaico (Novyj Put) e em outro, editado por Gorki (Leto-
pis), que criticava a nova ditadura e que logo foi fechado por ela”.
Embora qualquer coisa seja possível, é claro, esta não parece, para
os autores atuais, ser a explicação mais provável para o intervalo na
história das publicações de Vygotsky. Primeiro, uma série de rese-
nhas literárias publicadas nesses mesmos periódicos foi documen-
tada em Vygotsky (1984b) e, além disso, não está muito claro por
que um antigo periódico judaico não poderia ser mencionado na
década de 80. Em segundo lugar, há uma hipótese mais provável
para a explicação do intervalo: as atrocidades da guerra civil e a
ocupação pelos alemães. Na época, Gomel e seus arredores foram
22 LEV VYGOTSKY

assediados por grupos de soldados Vermelhos e Brancos, pelo exér-


cito alemão e por bandos de malfeitores locais. É bem possível que
uma das lutas tenha causado a destruição de escritórios de jornais
locais e outros arquivos, como de fato já foi afirmado por alunos
soviéticos de Vygotsky. Se esta explicação for a correta, então nossa
única esperança de completar o registro de publicações de Vygotsky
é que os trabalhos sejam encontrados em arquivos particulares ou
em arquivos públicos ainda não examinados.2
Embora a maioria dos trabalhos de Vygotsky nesse período pro-
vavelmente ainda esteja desaparecida, é possível ter uma idéia de sua
vida entre 1917 e 1924 analisando suas atividades organizacionais na
vida cultural de Gomel (cf. Fejgina, 1988). É sabido que Vygotsky le-
cionou em vários institutos; entre eles, estiveram a Escola Trabalhis-
ta Soviética (russo: Sovetskaja Trudovaja Shkola), onde trabalhou
com seu primo David, e o Colégio Pedagógico (Pedagogicheskoe
Uchilishche) de Gomel. Este último instituto viria a desempenhar um
papel importante no desenvolvimento de Vygotsky como cientista,
pois foi aí que ele montou um pequeno laboratório psicológico no
qual os alunos podiam fazer investigações práticas simples. Nesse
laboratório, realizou suas primeiras experiências sobre reações domi-
nantes e respiração, que proporcionaram o material para sua pales-
tra sobre investigação reflexológica e psicológica (Vygotsky, 1926b;
ver introdução à Parte II e o capítulo 2). Enquanto trabalhava no
Colégio Pedagógico de Gomel, também começou a preparar um de
seus primeiros livros importantes: Psicologia pedagógica (ver capítulo
3). O fato de que Vygotsky, nesse período, deu palestras sobre o
ensino da literatura e investigou o efeito de traduções repetidas sobre
o conteúdo de textos também testifica seu interesse pedagógico e
psicológico cada vez maior (Vygotsky, 1922a; 1923e). Outros institu-
tos onde Vygotsky lecionou nesse período incluem a Escola Noturna
para Trabalhadores Adultos, a Rabfak (uma faculdade onde os tra-
balhadores que pretendiam entrar em uma universidade faziam um
curso preparatório) e os Cursos Preparatórios para Pedagogos (Kursy
Podgotovki Pedagogov). Os assuntos das aulas de Vygotsky variavam
de literatura e língua russa a lógica, psicologia e pedagogia.
Vygotsky deu palestras em vários outros institutos sobre estéti-
ca, história da arte e os assuntos mencionados acima, e co-organizou
as chamadas “segundas-feiras literárias”, quando eram apresentadas
e discutidas as obras de poetas e de escritores modernos e clássicos.

2. Essa esperança foi agora concretizada: recentemente, T. M. Lifanova e G.


L. Vygodskaja encontraram cinqüenta artigos em um arquivo em Leningrado.
Todos eles eram resenhas de peças encenadas nos teatros de Gomel durante o
período de 1921-3 e publicadas nos jornais locais Nash Ponedel’nik e Pollesskaja
Pravda (Lifanova, comunicação pessoal, 24 de fevereiro de 1991).
LEV VYGOTSKY 23

Nessas noites, foram discutidas as obras de Shakespeare, Goethe,


Pushkin, Tchekov, Maiakovski e Esenin, além de alguns dos assun-
tos mais polêmicos da época, como a teoria da relatividade de Einstein.
As palestras brilhantes de Vygotsky atraíam grandes platéias (Kolba-
novsky, 1934c, p. 388).
Foi também co-fundador da editora Eras e Dias — com o amigo
Dobkin e o primo David — e da revista literária Urze. Ambos os
empreendimentos, porém, tiveram vida curta: a editora publicou
apenas dois livros, um deles com poemas de Ehrenburg. As empre-
sas tiveram um fim abrupto por causa de um problema que ronda
a União Soviética até os dias atuais: escassez de papel (embora
sempre tenha havido papel suficiente para publicar milhões de có-
pias das obras obtusas dos principais ideólogos).
Vygotsky chefiou a seção de teatro do departamento de Educação
Popular (Narodnoe Obrazovanie) de Gomel, em colaboração com um
de seus organizadores, I. I. Danjushevsky, que mais tarde viria a
convidá-lo para ir a Moscou trabalhar no campo da defectologia.
Vygotsky teve participação ativa na seleção do repertório, na escolha
dos cenários e na direção. Editou a seção de teatro do jornal local,
Polesskaja Pravda, em que as recentemente encontradas resenhas
de literatura da Bielo-Rússia, trabalho de Serafimovich, Os dez dias
que chocaram o mundo de John Reed e uma performance teatral de
Maximov foram publicados. Ele nunca perdeu seu interesse pelo
teatro, encontrava-se regularmente com cenógrafos e diretores (como
Eisenstein) e, perto do fim de sua vida, publicou um trabalho sobre
a psicologia do ator (cf. Vygotsky, 1936d).
Pode-se concluir, então, que Vygotsky foi um membro ativo e des-
tacado da vida cultural de Gomel e que diversas atividades nessa área
levaram-no a conhecer outras figuras culturais tanto em Gomel como
em outras cidades. Sabe-se, por exemplo, que Vygotsky teve algum
contato com o poeta Mandel’shtam no início da década de 20. Em sua
biblioteca, foi encontrada uma cópia da Tristia do poeta, que foi dedi-
cada a Lev Vygotsky (ver também capítulo 15). Como a dedicatória foi
impressa, ela pode ser datada exatamente de 1922, o ano de publicação
da coleção. Claro que Vygotsky pode não ter conhecido Mandel’shtam
muito bem nessa época, mas em anos posteriores viria a ser um hós-
pede regular dos Mandel’shtam por certo período. Nas memórias de
Nadezhda Mandel’shtam (1970, p. 241), temos um vislumbre repentino
da vida pessoal posterior de Vygotsky. Ela menciona que, em 1933, eles
“encontravam-se regularmente... com Vygotsky, um homem de grande
intelecto, um psicólogo, autor do livro Pensamento e linguagem. Vygotsky
estava preso, em alguma medida, ao racionalismo comum a todos os
cientistas daquele período...” Essa observação perspicaz é, em certo
grau, confirmada pela análise da obra de Vygotsky (ver capítulos 3 e 9)
e pelos trechos de suas correspondências citados mais adiante.
24 LEV VYGOTSKY

Enquanto isso, a situação de Vygotsky em Gomel deteriorava-se


gradualmente. Em primeiro lugar, a situação geral na Rússia era quase
irremediável. Por causa da guerra civil, da guerra contra os aliados
ocidentais e das primeiras reformas agrárias (ver capítulo 10), a eco-
nomia do país deteriorara-se rapidamente e era difícil obter comida
suficiente. Além disso, a família Vygodsky foi acometida de tuberculose
(uma doença que, se dizia, era típica das sociedades burguesas ociden-
tais; ver capítulo 5). Para o irmão mais novo de Vygotsky, Dodik, a
doença foi fatal e, em 1920, o próprio Vygotsky — que havia cuidado
do irmão — ficou gravemente doente pela primeira vez e foi mandado
a um sanatório. Sua saúde piorou muito e, achando que iria morrer,
pediu ao crítico literário Yuly Aikhenwald, um de seus ex-professores
na Universidade do Povo Shanjavsky, que publicasse suas obras pos-
tumamente. Afortunadamente, Vygotsky recuperou-se dessa primeira
crise séria de tuberculose, mas a doença viria a atormentá-lo pelo resto
da vida, causando acessos de febre remitente e sua morte em 1934.
Poder-se-ia perguntar por que, nessas circunstâncias desespe-
radas, Vygotsky não tentou partir para Moscou. Moscou era, defini-
tivamente, um centro de importantes atividades culturais e científi-
cas, um fato que deveria ser levado em consideração por um rapaz
tão interessado em teatro, artes e literatura. Além disso, Vygotsky
deve ter feito muitos amigos durante seus anos de universitário na
cidade. A explicação dada por Dobkin provavelmente é a mais cor-
reta (Levitin, 1982, p. 37): Vygotsky não queria abandonar os pais
durante aquele período difícil, e sua relutância em partir para Mos-
cou pode, assim, ter estado ligada à situação política instável na
área de Gomel. Vimos como Gomel estava no fogo cruzado de vários
exércitos e grupos de bandidos que rondavam pelo país. Fora isso,
claro, era difícil obter permissão para morar em Moscou e, por fim,
um caso amoroso pode ter tido sua influência: em 1924, Vygotsky
casou-se com Roza Smekhova, de Gomel, e partiu para Moscou.
Resumindo, pode-se concluir que o período de Gomel marca a
origem do pensamento psicológico de Vygotsky. Foi em Gomel que ele
realizou suas primeiras experiências psicológicas (ver capítulo 2) e deu
suas primeiras palestras sobre assuntos relacionados a educação e
psicologia. Foi também em Gomel que começou a absorver a literatura
disponível sobre psicologia, educação e pedologia. Essas leituras pos-
sibilitaram que ele desse um curso de psicologia para seus alunos e
preparasse grandes partes do manual Psicologia pedagógica (1926i, ver
capítulo 3). A principal parte de sua tese, “A psicologia da arte” (1925j),
também foi escrita em Gomel (ver capítulo 2), e o tópico desse livro
seguia a linha de seu fascínio por arte e teatro.
Pode-se concluir, então, que a mudança de interesse de Vygotsky
para problemas de psicologia, pedologia e educação foi muito gra-
dual, mas já havia se desenvolvido de forma considerável antes de
LEV VYGOTSKY 25

ele começar a trabalhar no Instituto de Psicologia Experimental de


Kornilov, em Moscou. Seria um tanto enganoso, portanto, conside-
rar que ele tenha sido um “professor escolar de uma cidade de
província” que, em 1924, de repente fez seu début em psicologia (ver
Luria, 1979, e muitos outros relatos no estilo Cinderela).

O homem e sua causa

Como vimos, a vida de Vygotsky nem sempre foi fácil e suas


condições de vida nem sempre propícias para o trabalho científico
criativo. Nos últimos anos de sua vida, a situação piorou, tornando-
se quase intolerável. Para exemplificar isso, as condições em que
Vygotsky compôs seus livros são reveladoras. Em primeiro lugar,
ele, sua mulher e duas filhas viviam em um quarto de um aparta-
mento superlotado — condições que ele partilhava com milhões de
seus compatriotas. Em segundo, para ganhar seu sustento, Vygotsky
assumiu uma quantidade enorme de trabalhos editoriais para edi-
toras e uma pesada carga de aulas que envolviam viagens constan-
tes entre Moscou, Leningrado e Kharkov. Em terceiro, Vygotsky sofria
de ataques recorrentes de tuberculose. Várias vezes, os médicos lhe
disseram que ele morreria em questão de meses, e muitas vezes teve
que passar por tratamentos exaustivos e dolorosos. Operações eram
freqüentemente planejadas e depois adiadas, e os períodos regulares
em hospitais e sanatórios superlotados podiam ser intrinsecamente
horríveis. A análise de Vygotsky sobre a crise na psicologia (ver
capítulo 7), por exemplo, foi iniciada nas condições que se seguem.
Já estou aqui há uma semana — em quartos grandes para seis pa-
cientes gravemente doentes, [há] barulho, gritos, nenhuma mesa etc.
As camas são dispostas de maneira a ficarem próximas umas das
outras, sem nenhum espaço entre elas, como em casernas. Além dis-
so, sinto-me fisicamente em agonia, moralmente arrasado e deprimido
(Vygotsky em carta para Sakharov, datada de 15 de fevereiro de 1926).

Recuperando-se em um sanatório um mês depois, ele acrescentou:


à minha volta havia tal situação o tempo todo, que era vergonhoso e
difícil pegar uma caneta nas mãos e impossível pensar com sossego...
Sinto-me fora da vida, mais precisamente: entre a vida e a morte;
ainda não estou desesperado, mas já abandonei toda a esperança
(Vygotsky em carta para Luria, datada de 5 de março de 1926).

Em quarto lugar, por volta de 1931, artigos críticos sobre suas


idéias começaram a ser publicados nas principais revistas de psicologia
e pedologia, no contexto de um ataque cuidadosamente orquestrado
contra sua teoria histórico-cultural. Vygotsky e seus colegas estavam,
é claro, bem conscientes do que acontecia, e o planejamento de pos-
síveis respostas a esses artigos críticos, as conversas com pessoas
26 LEV VYGOTSKY

influentes para avaliar o significado oculto e o perigo de ataques etc.


tomaram imensas quantidades de tempo (ver capítulo 16). Por fim, ele
ficou profundamente magoado com a “deserção” de vários de seus
colaboradores e alunos, que o abandonaram, assim como suas idéias,
para ligarem-se ao chamado grupo de Kharkov (ver introduções às
partes II e III). Desde o início de sua vida profissional, ele havia con-
siderado o desenvolvimento de uma nova ciência do homem como sua
causa, uma causa que levou extremamente a sério e à qual dedicou
toda a sua energia. Lendo suas cartas a seus colaboradores e alunos,
tem-se a impressão de que Vygotsky e seu grupo formavam um mo-
vimento quase religioso, tão profunda era a convicção de que estavam
no caminho certo para o desenvolvimento da nova ciência e tão grande
era o respeito por Vygotsky como líder do grupo. Esse sentimento de
uma causa comum pela qual valia a pena lutar apesar das pressões,
críticas e indiferença do mundo exterior já havia se desenvolvido em
1926, como fica claro em uma das cartas de Vygotsky para Luria.
“Deploro profundamente o fato de que, neste tempo difícil de crise, eu
não esteja com você no instituto... Como temos que pensar a sério em
nosso destino [científico] e no destino da causa que abraçamos, quando
KN [Kornilov] e os outros “patrões” nem querem pensar sobre isso!”
(Vygotsky em carta a Luria, datada de 5 de março de 1926.)
Em uma carta posterior para cinco de seus alunos e colabora-
dores (Bozhovich, Levina, Morozova, Slavina e Zaporozhec), Vygotsky
falou de sua surpresa com o fato de que primeiro Luria, depois
Leontiev, haviam começado a segui-lo naquela estrada difícil rumo
a uma nova ciência:
Tive um sentimento de grande surpresa quando A. R. [Luria] em sua
época foi o primeiro a seguir este caminho e quando A. N. [Leontiev]
o acompanhou. Agora, junta-se alegria à surpresa porque, pelos sinais
detectados, a grande estrada é visível não apenas para mim, não
apenas para nós três, mas para outras cinco pessoas. A sensação da
imensidão e enormidade do trabalho psicológico contemporâneo (vive-
mos em um período de cataclismos geológicos em psicologia) é minha
principal emoção. Mas isto torna a situação desses poucos que se-
guem a nova linha em ciência (e especialmente na ciência do homem)
infinitamente responsável, séria ao mais alto grau, quase trágica (no
melhor e real significado da palavra, e não no significado patético). Mil
vezes, temos que nos colocar em teste, avaliar[-nos], enfrentar a prova
antes de nos decidirmos, pois esta é uma estrada muito difícil que
exige a pessoa inteira (Vygotsky em carta para seus cinco alunos,
datada de 15 de abril de 1929).

Vygotsky repetia com freqüência esse tema de dedicação total à


causa comum e sentia-se irritado e magoado quando colegas, como
Zankov e Solov’ev, hesitavam em embarcar nesse novo caminho em
psicologia (Vygotsky em cartas para Leontiev, datadas de 11 e 23 de
agosto de 1929).
LEV VYGOTSKY 27

Foi seu raro magnetismo e simpatia pessoais que possibilitaram


a Vygotsky fazer outras pessoas juntarem-se ao projeto. Kolbanovsky
(1934c) falou de sua gentileza, atenção, sensibilidade e ternura quan-
do jovem e da modéstia e do tato evidentes em suas relações com ou-
tras pessoas menos talentosas do que ele. Em anos posteriores, fez
palestras fascinantes que atraíam grandes platéias e tinham um
efeito realmente hipnótico sobre a maioria das pessoas.3 Um de seus
alunos descreveu-as da seguinte maneira:
É difícil determinar o que exatamente nos atraía nas conferências de
Lev Semyonovich. Além do conteúdo profundo e interessante, éramos
encantados pela sua genuína sinceridade, pelo esforço contínuo de se
desenvolver, com o qual ele cativava seus ouvintes, [e] pela bela expres-
são literária de seu pensamento. O próprio som de sua voz suave de
barítono, flexível e rica em entonações, produzia uma espécie de prazer
estético. Ficava-se com muita vontade de sentir a influência hipnótica
de seu discurso e era difícil evitar a involuntária sensação de decepção
quando ele terminava (citado por Kolbanovsky, 1934c, p. 388).

Não se deve pensar, porém, que Vygotsky fosse meramente uma


pessoa calorosa, sensível e profundamente séria. Ele tinha também um
aguçado senso de humor, apreciava o lado mais ameno da vida (em
carta para Luria, datada de 26 de julho de 1927, aconselhou-o a beber
bastante o excelente vinho do sul) e, às vezes, sabia ser muito sarcás-
tico e incisivo. Além disso, não era um sonhador, mas uma pessoa per-
feitamente consciente do que se passava na União Soviética e um ob-
servador atento das degradações e dramas pessoais que daí decorriam.
Quando se sentia traído ou tratado com injustiça pelas pessoas —
como no caso de Leontiev e Luria (ver a introdução à parte III) —,
reagia com vigor e decisão, tratando as pessoas envolvidas com seve-
ridade e não aceitando desculpas. Mas, de uma maneira geral, parece
ter tido um talento surpreendente para evitar brigas pessoais, discus-
sões em seu grupo etc. Embora fosse uma pessoa muito sensível4 em

3. Gal’perin (em Haenen, 1989, p. 16) afirmou que o dom de oratória de


Vygotsky beirava a patologia. Explicando: ao ver um quadro, Vygotsky não
conseguia compreendê-lo muito bem. Ele sabia dizer o que estava vendo, mas
o sentido, o significado e a qualidade lhe escapavam. Porém, ao falar sobre esse
mesmo quadro para uma outra pessoa, Vygotsky podia dizer mais do que essa
pessoa veria por si mesma, e só então o quadro começava a se tornar inteligível
para ele também. Gal’perin concluiu que tudo para Vygotsky centrava-se no
discurso, uma conclusão reforçada por palavras do próprio Vygotsky (“Você se
lembra, eu sempre falo... sobre quimeras e idéias”) em carta para Leontiev
datada de 11 de julho de 1929.
4. Kolbanovsky (1934c, pp. 394-5) relatou uma conseqüência um tanto ab-
surda dessa sensibilidade. Embora tivesse um domínio excelente de várias lín-
guas estrangeiras, Vygotsky recusava-se a falá-las e usava intérpretes para
comunicar-se com visitantes estrangeiros. À pergunta de Kolbanovsky sobre o
motivo de abster-se de falar línguas estrangeiras, Vygotsky respondeu: “Mesmo
28 LEV VYGOTSKY

termos de relações interpessoais, ao mesmo tempo parece ter se


distanciado de alguma maneira, como um observador à margem de
uma situação em andamento. De alguma forma, distanciava-se do
turbilhão e observava com grande objetividade o que estava aconte-
cendo, tentando encontrar seu significado oculto.
É tentador explicar seu fascínio por Spinoza por meio desse
traço de personalidade. Uma pessoa racional e culta “não deve se
espantar, nem rir, nem chorar, mas entender”, conforme Vygotsky
parafraseou seu filósofo favorito no prefácio de “A psicologia da Arte”
(Vygotsky, 1925l/1986, p. 18). Deve-se sempre tentar controlar as
emoções e submetê-las ao controle do intelecto (“Mesmo a si mesmo
não se deve julgar de forma subjetiva”, Vygotsky em carta para
Leontiev, datada de 31 de julho de 1930). Jamais deve-se ceder a
paixões inferiores, mas subir a escada racional e ser mais refinado
e distanciado nos julgamentos. Esta atitude de vida também trans-
parece na teoria histórico-cultural (ver capítulo 9) e nas cartas pes-
soais de Vygotsky a seus alunos e colegas. Em uma resposta a
Morozova, por exemplo, que lhe havia escrito a respeito de seu es-
tado deprimido de espírito, afirmou que “contra tais ânimos você
deve lutar, e é possível lidar com eles. O homem domina a natureza
fora de si mesmo, mas também dentro de si, este é — não é? — o
problema central de nossa psicologia e ética” (Vygotsky em carta
para Morozova, datada de 29 de julho de 1930). Em uma segunda
carta, elaborou mais este tema, dizendo a Morozova que não deve-
mos jamais nos tornar vítimas de nossos ânimos e paixões. “A regra
aqui — em um conflito mental e na submissão de oponentes
descontrolados e fortes — é a mesma que em todo tipo de submissão:
divide et impera, ou seja, divide e governa... Você tem que dividi-los
[os sentimentos e ânimos]... Superá-los — esta provavelmente é a
expressão mais correta para o domínio das emoções... encontrar uma
saída é simplesmente uma questão de esforço mental” (Vygotsky em
carta para Morozova, datada de 19 de agosto de 1930).
Aceitando-se a afirmação de Nadezhda Mandel’shtam de que
Vygotsky era um tipo de racionalista, deve ser acrescentado que ele
não era o tipo de racionalista que nega qualquer sentido ou signi-
ficado à vida. Vygotsky parece ter estado convencido de que a luta
criativa, chamada vida (capítulo 3), tinha algum significado interior
e que a aparência da vida e sua essência não coincidem. Uma carta
para seu aluno Levina exemplifica mais essa convicção básica:

um conhecimento excelente de uma língua estrangeira não é garantia contra


um sotaque incorreto. Minha fala, mesmo sendo correta em termos de conteúdo
e forma, irá doer nos ouvidos do estrangeiro que estiver me ouvindo e pode
causar risos ou outras emoções inadequadas. Por educação, meu interlocutor
tentará conter essas emoções. Isto o fará sofrer. Por que eu deveria torturá-lo?”
LEV VYGOTSKY 29

Agora, quanto a um outro tema sobre o qual você escreve. Sobre


desarmonias interiores, a dificuldade de viver. Acabei de ler (quase por
acaso) Três anos, de Tchekov. Talvez você também devesse lê-lo. Isso
é a vida. Ela é mais profunda, mais ampla do que sua expressão
exterior. Tudo nela muda. Tudo torna-se diferente. A principal coisa —
sempre e agora, parece-me — é não identificar a vida com sua expres-
são exterior, e isso é tudo. Depois, escutando a vida (esta é a virtude
mais importante, uma atitude relativamente passiva no começo), você
encontrará em si mesmo, fora de você, em tudo, tanto que nenhum de
nós tem condições de acomodar. Claro que não se pode viver sem dar,
espiritualmente, um sentido à vida. Sem a filosofia (a sua própria
filosofia de vida pessoal), pode haver niilismo, cinismo, suicídio, mas
não vida. Mas todos têm sua filosofia, é claro. Aparentemente, você
tem de amadurecê-la em si mesmo, dar-lhe espaço dentro de você,
porque ela conserva a vida em nós. Depois, há a arte, para mim —
poemas, para outros — música. Depois, há o trabalho. Quantas coisas
podem incitar uma pessoa à procura da verdade! Quanta luz interior,
calor e apoio existe na busca em si! E, então, há o mais importante
— a própria vida —, o céu, o sol, amor, pessoas, sofrimento. Isto não
são simplesmente palavras, isto existe. É real. Está entrelaçado na
vida. As crises não são fenômenos temporários, mas a estrada da vida
interior. Quando passamos de sistemas para destinos (pronunciar esta
palavra é aterrorizante e prazeroso ao mesmo tempo, saber que ama-
nhã iremos investigar o que está escondido atrás dela), para o nasci-
mento e queda de sistemas, vemos isso com nossos próprios olhos.
Estou convencido disso. Particularmente, todos nós, quando olhamos
para nosso passado, vemos que estamos secando. Isto é correto. Isto
é verdadeiro. Desenvolver-se é morrer. Isto é particularmente forte em
épocas críticas — com você, e novamente na minha idade. Dostoiévski
escreveu com horror sobre o ressecamento do coração. Gogol de forma
ainda mais horrorizada. É, na verdade, uma “pequena morte” dentro
de nós. E é assim que temos de aceitar. Mas, por trás de tudo isso,
está a vida, ou seja, movimento, viagem, seu próprio destino (Nietzsche
ensinou o amor fati — o amor por nosso destino). Mas já comecei a
filosofar... (Vygotsky em carta para Levina, datada de 16 de julho de
1931).

Compreender o significado oculto que fundamenta “o céu, o sol,


amor, pessoas, sofrimento”, compreender a viagem em direção à
morte. Esta talvez tenha sido a meta final de Vygotsky ao longo de
sua vida intelectual, desde sua análise de Hamlet até seu desenvol-
vimento da teoria histórico-cultural, e adiante. Em sua teoria histó-
rico-cultural, ele procurou esboçar como o homem cultural tenta
dominar sua “stikhia” (grego: stoicheion), o caos elemental da natu-
reza, por meio da criação de instrumentos culturais. Profundo apre-
ciador dos mais finos artefatos da cultura, Vygotsky persistiu em
acreditar que a “stikhia” seria dominada pela cultura e que uma
nova sociedade humana seria o seu resultado.
30 LEV VYGOTSKY

O fim

Apesar de sua atitude geralmente distanciada e de sua filosofia


spinozista, Vygotsky deve ter sofrido com a crescente pressão ideo-
lógica, a desintegração de seu grupo de colaboradores e as traições
pessoais que ocorreram no final de sua vida. Seu amigo Dobkin se
lembra de ter visitado Vygotsky durante seu último ano de vida.
Aparentemente, Vygotsky estava em más condições físicas, com um
estado de espírito deprimido, e avaliando se deveria aceitar um posto
no centro de primatas de Sukhumi. Um colaborador próximo de
Vygotsky, Zeigarnik (1988, p. 179), em uma entrevista publicada por
Jaroshevsky, confirmou recentemente o relato de Dobkin, afirmando
que Vygotsky “fez de tudo para não viver” nos últimos anos de sua
vida. Ambos os relatos são enfaticamente negados pela filha de
Vygotsky, G. L. Vygodskaja, que se lembra claramente de que seu pai
estava cheio de energia e com novos planos durante sua (aparente)
recuperação no último mês de vida (comunicação pessoal, 1989).
Aparentemente, perto do fim de sua vida, Vygotsky recebeu uma
oferta para instalar e chefiar uma seção dentro do Instituto All-Union
de Medicina Experimental em Moscou. Ele estava muito entusiasma-
do com esse plano, pois lhe oferecia a possibilidade de reunir sua
própria equipe de pesquisa e levar adiante seus novos planos de
investigação. Não há como saber qual dessas versões é a correta,
nem há necessidade disso. Pois pode muito bem ter acontecido que
Vygotsky trabalhasse com extremo empenho em certas ocasiões —
dando a impressão de que não estava preocupado com sua saúde,
mas, talvez, tentando realizar tanto quanto possível antes de sua
morte (esta, afinal, havia sido prenunciada várias vezes) — e, ocasio-
nalmente, ficasse profundamente deprimido mas ainda conseguisse
encontrar energia para fazer novos planos no mês final de sua vida.
Seja como for, depois de repetidas hemorragias — em 9 de maio,
25 de maio e durante a noite de 10-11 de junho —, no início da
manhã de 11 de junho de 1934, Lev Semyonovich Vygotsky morreu
no Sanatório Serebrannyj Bor, de tuberculose, a doença de que sofria
havia catorze anos. Foi enterrado no cemitério Novodevichy, em
Moscou. Vygotsky deixou um punhado de livros, muitos artigos e
gavetas cheias de manuscritos não publicados. Acima de tudo, dei-
xou uma família amorosa e um grupo dedicado de alunos que viriam
a fazer de tudo para proteger a herança de Vygotsky nos anos difíceis
que se seguiriam e promover suas idéias. Agora, mais de cinqüenta
anos depois de sua morte, as idéias de Vygotsky estão se tornando
muito conhecidas no mundo científico — um processo que ainda não
foi compreendido inteiramente.
31

2
Literatura e arte

Como vimos no capítulo anterior, um interesse constante por


assuntos relacionados a literatura, teatro, arte e crítica literária
constituiu o contexto social/pessoal dentro do qual ocorreu a pas-
sagem de Vygotsky para o campo da psicologia. A parte mais bem
conhecida de seus trabalhos na área da análise e da teoria literária
é seu livro A psicologia da arte, que foi terminado em 1925 como sua
tese e publicado apenas mais tarde em diferentes versões em russo
(Vygotsky, 1965, 1968, 1986, 1987) e em outras línguas (Vygotsky,
1971).1 Para completar o quadro da pesquisa literária de Vygotsky,
é preciso considerar uma série de artigos curtos (basicamente rese-
nhas de livros e peças teatrais) que precederam a versão final da
monografia sobre a psicologia da arte (Vygotsky, 1916a-c; 1917a-d;
1923a-d), além de uma coleção de artigos que apareceram mais
tarde (p. ex., Vygotsky, 1928z). Podemos dizer que todo o período da
vida de Vygotsky durante o qual ele foi entrando gradualmente na
psicologia (isto é, os anos 1922 a 1925) foi acompanhado de seu
contínuo interesse por questões de arte e literatura, de onde os
problemas de psicologia foram emergindo pouco a pouco. Os primei-
ros esboços de Vygotsky na área da psicologia estiveram fundados
em seus interesses pela literatura.
Como, então, os problemas de psicologia integraram-se no pen-
samento de Vygotsky sobre literatura e arte? Como a teoria psico-
lógica de Vygotsky emergiu do contexto de sua relação com o mundo
artístico de sua época? E por que, afinal, ele passou para o campo
da psicologia, chegando mesmo a iniciar alguns experimentos
laboratoriais por conta própria? Apesar das evidências geralmente

1. Ao contrário do que foi sugerido por acadêmicos soviéticos nos últimos


anos, Vygotsky queria publicar o livro e, em certa ocasião, chegou a entrar em
acordo com um editor (Vygotsky em carta para Sakharov, datada de 15 de
fevereiro de 1926). O motivo pelo qual o livro não foi publicado permanece
obscuro, mas o fato de que algumas partes do livro estavam muito próximas do
formalismo corrente da crítica literária, que foi atacado pelos principais ideólogos
da época, pode ter tido sua influência (ver também introdução à parte I e
capítulo 15).
32 LITERATURA E ARTE

escassas do trabalho de Vygotsky antes de ele se tornar reconhecido


como psicólogo em fontes soviéticas na história da psicologia, é
possível reconstruir uma parte desse processo de transição. A fina-
lidade deste capítulo é demonstrar como as bases da teorização
posterior de Vygotsky foram lançadas durante seus “anos de forma-
ção”, de 1915 a 1925.

Fontes para a análise: a arquitetura de A psicologia da arte

O primeiro trabalho importante de Vygotsky na área da análise


literária — “A tragédia de Hamlet, príncipe da Dinamarca, de
Shakespeare” — data do período de 5 de agosto a 12 de setembro
de 1915, quando ele escreveu a primeira versão (rascunho), enquan-
to ainda morava em Gomel. A segunda versão desse manuscrito é
datada de 14 de fevereiro a 28 de março de 1916 e foi completada
em Moscou (Ivanov, 1986, p. 500). É essa segunda versão do texto
que aparece como um apêndice à terceira edição russa de A psico-
logia da arte (Vygotsky, 1925l/1986, pp. 336-491), ao passo que um
capítulo individual (8) do texto principal do livro representa uma
versão resumida e reorganizada da análise mais antiga de Hamlet.
Outros capítulos do texto principal do livro são dedicados à avalia-
ção crítica das teorias literárias contemporâneas de Vygotsky (capí-
tulo 2, “Arte como fator cognitivo”; capítulo 3, “Arte como meio”;
capítulo 5, “A análise da fábula”) e a teorias psicológicas que foram
influentes para a crítica literária da época (capítulo 1, “O problema
psicológico da arte”; capítulo 4, “Arte e psicanálise”). Em A psicologia
da arte, dois domínios de conhecimento, crítica literária e psicologia,
ocorrem lado a lado, exemplificando o modo como Vygotsky come-
çou a passar da primeira para a última nos anos de 1923 a 1925.
Além de A psicologia da arte, uma série de resenhas de livros
que apareceram no período de 1916 a 1917 são relevantes. É inte-
ressante notar que os livros que ele resenhou pertenciam todos ao
final simbólico da produção literária russa da segunda década deste
século: Andrej Belyj (Vygotsky, 1916a, 1916b), D. Merezhkovskii
(Vygotsky, 1917a) e V. Ivanov (Vygotsky, 1916c) criaram uma litera-
tura simbolicamente muito complexa que intrigou boa parte dos
leitores da época. Porém, o jovem Vygotsky era bem educado no
contexto intelectual da “Idade de Prata” da literatura russa e desen-
volveu um forte interesse pela complexidade da literatura dessa era
de simbolismo, busca da alma e de um mundo aparentemente re-
gressivo. A posição de Vygotsky no contexto literário de sua época
exemplifica seu esforço ativo para libertar-se dos impasses teóricos
e ideológicos em que ele via emaranhado o mundo literário contem-
porâneo. Claro que oferecer uma visão alternativa do mundo não era
uma tarefa fácil para um rapaz de 20 anos. Mesmo assim, Vygotsky
LITERATURA E ARTE 33

empenhou-se em tentar fazer isso — primeiro no campo da análise


literária, mais tarde em psicologia e defectologia.

O socialite solitário: a análise de Hamlet por Vygotsky

Provavelmente, não é coincidência que, em 1915 e 1916, Vygotsky


tenha feito um esforço ativo para analisar Hamlet, retornando ao
tema no manuscrito de A psicologia da arte no início da década de
20. Em certos sentidos, a persona de Hamlet pode ter tido um forte
apelo intuitivo para o jovem Vygotsky. O jogo simultâneo de distan-
ciamento das outras pessoas, e a ação recíproca com elas, que é
central na tragédia de Shakespeare, foi considerado como sendo
uma característica do próprio Vygotsky (ver capítulo 1). Porém, nossa
meta aqui não é confirmar Vygotsky como uma personagem
hamletiana, mas acompanhar o desenvolvimento de sua própria visão
da psique humana, que pode ser observado desde sua primeira
análise da peça, até seu retorno ao assunto, no livro, nove anos
depois: as duas obras são substancialmente diferentes. Era claro
que a volta de Vygotsky a Hamlet em 1924/25 tinha uma função de
discurso que diferia consideravelmente da de 1916.

“Meu Hamlet” — A análise de Vygotsky em 1916

Em sua análise de 1916, Vygotsky seguiu as linhas da “estética


idealista” (e não da “psicologia semimaterialista”), para usar os termos
aplicados por estudos soviéticos contemporâneos na tentativa de com-
preender o papel de Hamlet no desenvolvimento de Vygotsky (veja
Jaroshevsky, 1987, p. 293). De qualquer forma, a “estética idealista” de
Vygotsky já era dialética em sua abordagem — e isto não é de surpre-
ender, dado que seu interesse pela filosofia hegeliana remontava a seus
dias de Gymnasium (ver capítulo 1). Vygotsky estava descobrindo os
lados opostos no mesmo todo e, nesse raciocínio dialético, sua visão de
mundo desenvolvimentista foi sendo gradualmente estabelecida.
Vygotsky via o “enigma” da natureza de Hamlet em termos da
presença concomitante de duas forças interdependentes — de “noi-
te” e “dia”, de “ação” e “inação”, e dos eventos externos e processos
psicológicos internos. Em termos bastante poéticos, ele descreveu a
transição entre esses estados opostos:
Existe, no círculo de tempo que se completa a cada dia, na cadeia infinita
de horas de luz e de escuro, uma fronteira entre a noite e o dia muito
difícil de perceber. Antes do nascer do sol, há uma hora em que a manhã
já chegou, mas a noite ainda continua a existir. Não há nada mais
misterioso e ininteligível, intrigante e sombrio, do que essa transição da
noite para o dia. A manhã veio — mas ainda é noite; a manhã fica como
que incorporada na noite que ainda está em volta, ela nada nessa noite.
34 LITERATURA E ARTE

Nessa hora, que pode durar apenas uma fração de segundo, tudo, todos
os objetos e pessoas, têm algo como duas existências diferentes ou uma
única existência desunida, noturna e diurna, na manhã e na noite
(Vygotsky, 1925l/1986, pp. 356-7, grifo acrescentado).
A unidade dos opostos — a inação e ação de Hamlet, sua hesita-
ção e impulsividade, “loucura” e “premeditação” etc. — estava muito
presente na mente do jovem Vygotsky quando ele escreveu sua análise
subjetiva da tragédia. A unidade dialética de opostos podia ser encon-
trada entre as formas externa (dialógica) e interna (monológica) do
discurso: “Em paralelo com o drama externo real, um outro drama
interno profundo acontece, que prossegue nos silêncios (o primeiro, o
externo, prossegue em palavras) e para o qual o drama externo serve
de moldura. Por trás do diálogo externo audível, pode-se sentir um
outro, interno e silencioso” (Vygotsky, 1925l/1986, p. 359).
A análise de Vygotsky em 1916 é cheia de exclamações juvenis
de fascínio quanto a diferentes aspectos da tragédia (p. ex., “essa
ligação é tão profunda que nos deixa tontos”; Vygotsky, 1925l/1986,
p. 439). Ao mesmo tempo, o desenvolvimento inevitável da tragédia
para sua conclusão foi analisado por Vygotsky em termos hegelianos
de “restauração da unidade distinta, a disjunção é superada” (Vygots-
ky, 1925l/1986, p. 488) com referência às facetas opostas de vida
e morte, dia e noite, fala e silêncio e ação e inação.
Nessa análise, Vygotsky afirmou explicitamente que estava ten-
tando entender o sentido da tragédia como um mito (Vygotsky,
1925m/1987, p. 347). Desse ponto de vista subjetivo, a compreen-
são de tal mito incluía um momento misterioso que, porém, podia
ser captado pelo receptor humano do mito (p. ex., ver Vygotsky,
1925l/1986, pp. 365-6). Já em 1916, em sua análise de Hamlet, a
ênfase de Vygotsky no aspecto pragmático dos textos literários (a
maneira como esses textos são interpretados pelos receptores) esta-
va presente. Como veremos abaixo, em 1925 essa abordagem tor-
nou-se o centro de sua análise literária, o que o levou à psicologia.
Hamlet, obviamente, é uma tragédia altamente sofisticada que
sempre intrigara os críticos e que continuaria a intrigá-los muito
depois de o jovem Vygotsky ter escrito sua análise apaixonada. Um
dos aspectos míticos da tragédia é o aparecimento do Fantasma.
Vygotsky apreciava a realidade do aparecimento do Fantasma na
tragédia — como o mensageiro do mundo da vida após a morte,
ligando os dois lados opostos do mesmo todo (vida e morte; ver
Vygotsky, 1925l/1986, p. 375). É interessante notar que a idéia da
interdependência de vida e morte como opostos dialéticos, que es-
tava presente em 1916, ressurgiu em sua análise da obra de Freud
em meados da década de 1920. Nessa ocasião, ele afirmou que o
instinto de Tânatos de Freud devia merecer alguma credibilidade,
uma vez que vida e morte deviam ser vistas como lados biologica-
LITERATURA E ARTE 35

mente opostos do mesmo todo (Vygotsky, 1982a, pp. 335-6; ver


também os capítulos 5 e 7).
É óbvio que Vygotsky desenvolveu seu trabalho na atmosfera lite-
rária da época — a busca criativa de escritores e poetas russos pré-
1917, muitos dos quais estavam fascinados por obras de misticismo e
discussões sobre o oculto. Talvez seu envolvimento com uma escola de
pensamento que o encorajava a especular sobre possibilidades tenha
assegurado que Vygotsky não racionalizasse a tragédia de Hamlet,
mas, em vez disso, reconhecesse abertamente que há um momento
místico e religioso nela (p. ex., Vygotsky, 1925l/1986, pp. 424, 480).
Por fim, a estrutura de composição da tragédia permitiu que
Vygotsky analisasse a resolução da batalha de forças opostas em
atividade (e, notavelmente para Hamlet, também ativamente não-
ativas!) durante a maior parte da peça. Vygotsky viu com clareza
como todas as ações e inações no curso da peça levavam para sua
inevitável conclusão:
A peça inteira é cheia de inatividade, a qual é saturada pelo ritmo
místico do movimento interno da tragédia em direção à catástrofe.
Aqui, todos os planos fracassados, coincidências, conversas, fraque-
zas, langor, cegueira, tortura — levam ao minuto que soluciona tudo,
que não emerge dos planos das personas atuantes, de suas ações, mas
captura-os e reina sobre eles. O nó que foi atado antes do início da
tragédia está sendo estendido e retardado, até ser desatado no mo-
mento certo (Vygotsky, 1925l/1986, p. 479; o grifo é nosso).

O momento importante para Vygotsky na análise da resolução


na tragédia é a nova qualidade emergente que não “surge” meramen-
te das linhas ao longo das quais as ações se desenvolvem na peça,
mas “pula” para um nível mais alto: a resolução “captura” as linhas
de ação e “submete-as”, em vez de simplesmente constituir uma
conclusão “lógica” no sentido da lógica formal aristotélica. Essa ên-
fase na nova qualidade que resulta da ação recíproca de opostos é,
evidentemente, parte do esquema hegeliano que é apropriadamente
aplicado à estrutura de composição da peça. Porém, é também o
primeiro aparecimento da “sombra” de uma abordagem
desenvolvimentista que viria a seguir o raciocínio de Vygotsky duran-
te toda a sua transição da crítica literária para a psicologia geral.
Essa transição pode ser acompanhada examinando-se o retorno de
Vygotsky à análise de Hamlet em seu livro sobre a psicologia da arte.

O uso de Hamlet em A psicologia da arte

A volta de Vygotsky a esse assunto foi claramente “apreendida”


pelo desenvolvimento de seu pensamento sobre a estrutura dinâmica
de textos literários e pelo desenvolvimento de seu interesse no modo
36 LITERATURA E ARTE

como “a psicologia da arte” subordina o receptor, força-o a sentir,


respirar e pensar em uma direção predeterminada e leva-o à catarse.
A versão de 1925 da análise de Vygotsky está, conseqüentemente, livre
das declarações exclamativas juvenis e poéticas sobre a força de dife-
rentes episódios da peça, e o reconhecimento do “elemento místico” na
tragédia desapareceu. Porém, as linhas básicas de análise — a inter-
dependência entre as ações e inações de Hamlet, o papel da conclusão
na criação de uma nova qualidade de sensação — continuam lá. A
razão para a unidade de continuidade e descontinuidade entre as
análises de 1916 e 1925 pode ser compreendida como o desenvolvi-
mento do pensamento de Vygotsky para um nível novo e mais geral,
no qual Hamlet tornou-se apenas parte do quadro mais amplo. Vamos
analisar esse quadro mais amplo e sua relevância para a entrada de
Vygotsky na psicologia — uma disciplina que estava em ebulição, re-
fletindo as condições predominantes na União Soviética.

A tarefa de uma psicologia da arte: o estudo da mensagem

Vygotsky seguiu um caminho radical nessa sua obra sobre crítica,


um caminho que definiu sua posição em questões de arte: o foco
central da análise de Vygotsky em A psicologia da arte era a estrutura
psicológica da mensagem (encarada do ponto de vista do receptor). O
receptor na análise de Vygotsky às vezes assumia o papel dele mesmo,
mas outras vezes era apresentado no sentido de um “outro genérico”.
Vygotsky declarou que o estudo dos processos psicológicos que haviam
levado à criação de uma mensagem estética era impossível (uma vez
que isto exige a reconstrução de toda a complexidade dos processos
conscientes e inconscientes do artista e da situação):
enquanto limitarmos nossa análise a processos que ocorrem na cons-
ciência, será improvável que encontremos uma resposta para os pro-
blemas fundamentais da psicologia da arte. Não podemos saber do
poeta, nem do leitor, qual é a essência dessa experiência [perezhivanie]
que os liga à arte. E, como é fácil ver, o aspecto mais relevante da arte
é que ambos os processos de sua criação e de seu uso parecem não-
-compreensíveis, inexplicáveis e escondidos da consciência dos que
têm de lidar com eles (Vygotsky, 1925l/1986, p. 91).

Como fica evidente aqui, Vygotsky também era pessimista quanto


à possibilidade de um entendimento completo da arte pelos receptores
em seus mundos subjetivos. Tendo negado a possibilidade de uma
análise dos processos subjetivos de codificar e decodificar a mensagem,
o que permaneceu possível de ser analisado foi, é claro, a própria men-
sagem. A estrutura da mensagem artística proporcionava a direção para
o desenvolvimento de um (e não outro) tipo de sensação no receptor.
Cada indivíduo, é claro, reagiria à arte de sua maneira particular (sub-
jetivamente idiossincrática), mas todas essas maneiras individuais esta-
LITERATURA E ARTE 37

vam unidas por alguma estrutura fundamental que a própria mensagem


fornecia. Não é difícil discernir a questão da crítica literária por trás
deste ponto de vista contundente de Vygotsky, que, por um lado, sentia-
se descontente com as declarações altamente subjetivas e com freqüên-
cia superficiais dos críticos literários da época e, por outro lado, interes-
sava-se ele mesmo pela crítica literária. Além disso, a importação por
atacado de explicações psicológicas contemporâneas para a crítica lite-
rária (p. ex., o uso “fácil” de explicações freudianas por críticos literários)
levou Vygotsky a tentar compreender como mensagens artísticas podem
ser consideradas influentes na vida de seres humanos como atores sociais:
“a arte jamais pode ser explicada completamente com base no pequeno
círculo da vida pessoal, mas exige de imediato uma explicação do círculo
mais amplo da vida social” (Vygotsky, 1925l/1986, p. 110).
A análise da fábula por Vygotsky (capítulo 5 de A psicologia da
arte) proporcionou uma demonstração empírica de sua rota na di-
reção da nova compreensão “objetiva” da literatura. Sem dúvida,
Vygotsky baseou-se fortemente na “escola formalista” de literatura e
crítica literária. Porém, uma faceta mais relevante de sua análise foi
a ênfase na dinâmica do modo como uma determinada experiência
afetiva é gradualmente gerada pela estrutura da mensagem.

Como estudar a mensagem: a análise da fábula por Vygotsky

A fábula é um gênero literário que se situa entre a prosa e a poesia


e, como tal, sua existência era uma espécie de quebra-cabeça para os
principais teóricos literários do passado. Vygotsky examinou as idéias
de Potebnya e Lessing sobre o assunto; eles viam a fábula como “prosa
imperfeita”. Vygotsky, em contraste, decidiu provar que as fábulas
pertencem ao gênero da poesia (Vygotsky, 1925l/1986, p. 117), o que
explicaria o desenvolvimento, de outra forma aparentemente “desne-
cessário”, de temas subsidiários em fábulas e o contraste freqüente-
mente marcante entre a mensagem moral final e o texto principal.
A idéia principal de Vygotsky na análise da estrutura psicológi-
ca da fábula era bastante simples: o escritor de fábulas constrói uma
história em que dois eventos (ou personagens) opostos (moralmente,
emocionalmente etc.) são mutuamente interdependentes, ou seja, qual-
quer descrição de um alimenta a intensificação do outro na mente
do leitor, e a intensificação desse outro, por sua vez, alimenta a
intensificação do primeiro. A dinâmica dessas duas “linhas” permite
o desenvolvimento das bases para a conclusão (resolução, ou pointe),
que geralmente vai além da imagem anterior, criando assim um
efeito de discrepância. Esse contraste do pointe com a obra prelimi-
nar, que de outra forma seria classificável como “descontinuidade”
entre a “moral” e a “história”, era visto como um elemento que criava
uma nova qualidade psicológica no leitor (genérico).
38 LITERATURA E ARTE

Como mencionamos no capítulo 1, desde seus dias de Gymnasium,


Vygotsky sentia-se fascinado pela filosofia dialética de Hegel. É possível
encontrar o esquema hegeliano de “tese — antítese — síntese” na
análise da fábula feita por Vygotsky. Primeiro, as linhas afetivas sepa-
radas (opostas) incorporadas na fábula podem ser vistas como tese e
antítese (que são dialeticamente relacionadas com o mesmo todo), le-
vando à emergência de uma nova qualidade (síntese) no pointe da
fábula. O pulo dialético na qualidade do significado da história da
fábula é preparado pela interdependência das linhas afetivas opostas:
fica muito claro que, se essas duas linhas da fábula sobre as quais
estamos falando forem desenvolvidas e descritas com a força de todos
os meios poéticos, então existe uma contradição não apenas lógica,
mas, de uma maneira mais geral, afetiva. A experiência do leitor da
fábula é fundamentalmente a experiência de sentimentos contraditó-
rios, que se desenvolvem com igual força, mas são inteiramente liga-
dos um ao outro (Vygotsky, 1925l/1986, p. 176).

Essa “contradição afetiva” desenvolve-se no leitor da fábula, até


atingir um ponto de culminância, ou “catástrofe da fábula” (Vygotsky,
1925l/1986, pp. 180-1):
A parte final da fábula é essa “catástrofe” ou pointe em que ambos os
planos são unidos em um só ato, episódio ou frase, revelando sua
oposição e levando as contradições ao apogeu, e com isso descarregan-
do aquela dualidade de sentimentos que estava se acumulando duran-
te toda a fábula. É como se ocorresse uma espécie de “curto-circuito”
de duas cargas elétricas opostas, em que toda a contradição explode,
se consome e se resolve. Esta é a maneira como contradições afetivas
são resolvidas em nossa reação (Vygotsky, 1925l/1986, p. 181).

Mais adiante no livro, ao analisar os mecanismos psicológicos


da catarse (capítulo 9), Vygotsky elevou esse desenvolvimento afetivo
ao nível da lei geral de reação estética (Vygotsky, 1925l/1986, p.
269). Ele o encontrou também em áreas artísticas fora da literatura:
nas artes visuais, arquitetura etc. Porém, essas extensões foram
extremamente breves em comparação com sua análise da literatura.
Isto parece condizer com a personalidade de Vygotsky — pode-se
imaginar que sua orientação predominante para palavras e seu en-
tendimento limitado da música ou das artes visuais transparece em
seu tratado sobre a “Psicologia da Arte”. Ou, talvez, o título do livro
constituísse uma generalização para a qual o próprio Vygotsky não
estava pronto.
É interessante observar que o entendimento de Vygotsky sobre
a dinâmica dialética dos sentimentos na leitura da fábula contradi-
zem seu próprio princípio proclamado do estudo da mensagem em si.
A mensagem foi analisada pela perspectiva do leitor — um vestígio
claro da posição anterior de Vygotsky (de 1915/16) de que apenas
LITERATURA E ARTE 39

versões individuais da mensagem podem ser experimentadas. Talvez


seja suficiente pensar na ênfase de Vygotsky não em termos da
semântica da mensagem, mas em termos de sua pragmática: o es-
critor escreveu um texto que o leitor lê e tenta compreender. O texto
apresenta certa estrutura criada pelo autor para que o leitor inter-
prete. O modo como o leitor interpreta essa estrutura pode assumir
uma multiplicidade de formas, mas continuam existindo alguns
direcionamentos básicos estruturalmente gerados que guiam as rea-
ções do leitor para algumas (e não para outras) direções.
Houve outras razões bem mais prosaicas para o aumento do interesse
de Vygotsky em compreender a dinâmica dos sentimentos durante
a leitura (e declamação) de literatura e poesia. Desde a época
do retorno a Gomel, depois de 1917, até sua partida para Moscou,
em 1924, Vygotsky lecionou literatura em Gomel (ver capítulo 1) e o
problema de que seus alunos compreendessem a literatura tornou-
-se importante. Ele lidou com essa questão fazendo uma palestra em
uma conferência local sobre os métodos de ensinar literatura
(Vygotsky, 1922a). Foi em 1922/3 que ele estendeu seu interesse ana-
lítico pelo estudo da recepção da literatura para o domínio experi-
mental, organizando algumas experiências psicológicas sobre esse
tópico no Colégio Pedagógico de Gomel. A ligação entre seu trabalho
pragmático-analítico e psicológico experimental pode ser encontrada
em seus esforços para compreender o modo pelo qual o conto de Ivan
Bunin, “Respirar tranqüilo”2 (“Legkoe dykhanie”), evoca uma reação
no receptor — uma reação que é contraditória em relação ao material
descritivo predominante no conto. Talvez no caso de “Respirar tran-
qüilo”, mais ainda do que em suas análises das fábulas, possa ser
percebida a idéia principal de Vygotsky de que forma e conteúdo de
um texto literário estejam em contradição um com o outro.

Complexidade de composição: o “Respirar tranqüilo” no meio


de uma vida cheia de esperanças, drama e tragédia

O conto de Bunin foi publicado em 1916, quatro anos antes de


seu autor não-comunista partir da União Soviética para a França. Era
uma narrativa altamente complicada e densa, em termos da organiza-
ção de acontecimentos descritos, da seleção pelo autor de alguns acon-
tecimentos em vez de outros para serem descritos e, por fim, de um
episódio de conclusão do qual a novela derivou seu nome.

2. Preferimos traduzir legkoe dykhanie como “easy breathing” (respirar tran-


qüilo), ainda que a expressão tenha sido traduzida por Gentle Breath (respira-
ção delicada) na tradução inglesa de Vygotsky (1971, pp. 145-56). A ênfase de
Vygotsky claramente recaía sobre o processo que envolve respirar e não sobre
respiração.
40 LITERATURA E ARTE

O conto de Bunin cobre um conjunto fixo de acontecimentos na


vida de uma jovem, Olya Meshcherskaja, e na vida de uma professora
dela (klassnaya dama) não mencionada pelo nome, cujo irmão (um
amigo do pai de Olya) tirou a virgindade de Olya. A partir de um enredo
secundário, ficamos sabendo que o irmão também sustentou a
klassnaya dama até morrer. Além disso, a klassnaya dama — que fica
sabendo da participação de seu irmão no ato de tornar Olya mulher
no momento em que tentava repreendê-la por seu penteado — fica
fortemente ligada a Olya depois que a moça é baleada por um oficial
com quem prometera se casar, mas a quem dissera depois que, na
verdade, nunca pensara seriamente em se casar com ele, mostrando-
lhe seu diário como prova de sua infidelidade. Depois de ler o diário,
o oficial atira em Olya em uma estação de trem cheia de gente. Se
considerarmos o conto como um mero reflexo da vida, tudo isto poderia
ser visto como uma narrativa bastante comum sobre a queda e morte
trágica de Olya e sobre a seqüência de ligações afetuosas imaginárias
da klassnaya dama. Porém, por meio da narração (através das lem-
branças da klassnaya dama) de um episódio anterior escutado por ela
— de uma conversa de Olya com uma amiga sobre a beleza feminina
—, toda a história adquire um novo significado. Bunin, a partir de uma
descrição juvenil de “como deve ser a beleza de uma mulher” (olhos
escuros, cílios negros, pés pequenos, seios pequenos etc.; Vygotsky,
1925l/1986, p. 335), introduz a idéia de “respirar tranqüilo” (legkoe
dykhanie) por meio de uma descrição breve das palavras infantis de
Olya, seguida pelo pointe final de toda a história:
“Mas a principal coisa, você sabe o que é? — o respirar tranqüilo. Mas
isso eu tenho — escute como eu respiro, é verdade, não é?” Hoje, esse
respirar tranqüilo espalha-se novamente pelo mundo, nesse céu nu-
blado, nesse vento frio de primavera... (Bunin, 1916/1984, p. 265;
citado por Vygotsky, 1925l/1986, p. 335).

Pode ser observado que a ligação das palavras de Olya com esse
“céu nublado” e esse “vento de primavera” cria um salto dialético a
partir do significado da história, da forma como ela havia se desen-
volvido antes, para um estado de complexidade emocional e filosó-
fica que não se rende a uma análise racional. Vygotsky analisou
explicitamente o papel de “essa” ao fazer a generalização:
“Legkoe dykhanie! A ved’ ono u menya est’, — ty poslushai, kak ya
uzdykhaiu — ved’ pravda, est’?” É como se ouvíssemos a própria
inspiração [vzdokh] e, nesta história que parece cômica e que é escrita
em um estilo divertido, de repente descobrimos um sentido muito
diferente quando lemos as palavras catastróficas finais do autor: “Hoje,
esse respirar tranqüilo espalha-se novamente pelo mundo, nesse céu
nublado, nesse vento frio de primavera...” Estas palavras fecham o
círculo, fazem o fim encontrar-se com o começo. Quanto uma pequena
palavra pode significar e que imensa plangência ela pode trazer para
LITERATURA E ARTE 41

uma frase literária! Nesta frase, carregando toda a catástrofe* da his-


tória, o papel-chave é desempenhado pela palavra “esse” respirar tran-
qüilo. “Esse” refere-se ao ar que acabou de ser mencionado, ao respi-
rar tranqüilo que Olya Meshcherskaja pediu que sua amiga escutasse,
e leva ainda às palavras catastróficas “nesse céu nublado, nesse vento
frio de primavera”. Estas três palavras tornam a idéia da história
concreta e unificada. A história começa a partir de uma descrição de
céu nublado e vento frio de primavera. É como se o autor, com as
palavras finais, resumisse toda a história: que tudo o que aconteceu,
tudo isso constituía vida, amor, assassinato, morte de Olya Meshchers-
kaja — tudo isso, em essência, é um único evento — esse respirar
tranqüilo novamente disseminado pelo mundo, nesse céu nublado,
nesse vento frio de primavera. E toda a descrição do túmulo, do clima
de abril, de dias cinzentos e ventos frios que o autor fez anteriormente,
como que concentrados em um único ponto, incluía e introduzia a
história: a história de repente adquire um novo sentido e um novo
significado expressivo... (Vygotsky, 1925l/1986, pp. 200-1).

Essa longa citação exemplifica de que modo Vygotsky analisou


a linguagem usada por Bunin para levar o leitor de “Respirar tran-
qüilo” à formação de um complexo holístico de sentimentos que
abarcam o mundo. Fazendo o conceito de “respirar tranqüilo” passar
do contexto da conversa de uma menina adolescente para o contexto
de um mundo em que as pessoas amam e matam, o autor cria um
efeito poderoso de generalização artística. Esse efeito, conforme foi
mostrado por Vygotsky, era semelhante à síntese emocional criada
pelas fábulas.
Vygotsky procurou analisar a estrutura temporal dos aconteci-
mentos apresentados em “Legkoe dykhanie”. Ele estava obviamente
fascinado pela maneira como Bunin foi capaz de dar à história um
pointe que (como nas fábulas) leva o leitor a uma conclusão efetiva
qualitativamente mais complexa do que os sentimentos
interdependentes que se desenvolvem durante a história, conforme
ela se move para frente e para trás entre o presente e o passado.
O principal problema a ser resolvido por Vygotsky no caso da
história de Olya Meshcherskaja era que, em virtude do breve pointe, o
conto não era mais uma história sobre a vida de Olya e de seu destino
trágico, mas sobre alguma outra coisa. Ela cria uma resolução afetiva
altamente complexa no leitor, que parecia fascinar Vygotsky como um
curioso enigma que, como crítico literário dedicado, ele achava difícil
solucionar. A importância de “Respirar tranqüilo” para Vygotsky pode
ser notada no fato de que ele incluiu o texto completo do conto no

* A palavra “catástrofe” vem do grego katastrofé, que, em seu sentido básico,


significa “reviravolta”, e só posteriormente adquiriu o significado de “ruína”. É
nesse primeiro sentido que Vygotsky emprega a palavra nas citações deste capí-
tulo [n. da T.].
42 LITERATURA E ARTE

apêndice de seu A psicologia da arte. Bunin foi um dos escritores


favoritos de Vygotsky desde sua juventude; portanto, sua concentração
nesse conto não deve ser encarada como um fato episódico.
Além disso, a idéia de “respirar tranqüilo” ligou-se ao curso da
vida de Vygotsky de uma outra maneira significativa: foi a ligação
dessa idéia com a afirmação de Blonsky (1922) de que o texto literário
é emocionalmente recebido pelo leitor com base no ritmo da respiração
durante a leitura que levou Vygotsky a seu primeiro estudo experimen-
tal sobre a recepção da literatura. Blonsky, obviamente, não foi o
primeiro a apresentar a idéia de que “nós sentimos da maneira como
respiramos”: a idéia estava presente em Santayana (1896; ver Ivanov,
1986, p. 516) e cabia bem no ponto de vista da origem somática das
emoções. Porém, o interesse específico de Vygotsky pelos ritmos respi-
ratórios durante a leitura de literatura estava ligado à sua idéia de que
a construção do texto pelo autor leva à necessidade de ler o texto com
determinado ritmo respiratório, o que, por sua vez, leva à produção de
um sentimento correspondente no leitor:
o mecanismo psíquico da poesia pode ser descrito pelos três pontos
seguintes: (1) O ritmo de discurso do texto cria um ritmo e natureza
respiratórios correspondentes. Cada poema ou segmento de prosa tem
seu próprio sistema de respiração por causa da adaptação imediata da
respiração ao discurso. O escritor cria não só o ritmo das palavras,
mas também ritmos de respiração. Quando lemos Dostoiévski, respi-
ramos diferentemente do que quando lemos Tchekov. O tom do nar-
rador é o ritmo de nossa respiração... a pessoa respira da maneira
como lê. (2) Para cada sistema e ritmo respiratório há uma organização
específica de emoções, que cria a base emocional para a percepção da
poesia, específica para cada obra. “A pessoa sente da maneira como
respira” (Blonsky). (3) Essa base emocional da experiência poética é a
mesma que o autor tem no momento da criação, ou pelo menos seme-
lhante, uma vez que na escritura de seu discurso fica fixado o seu
ritmo respiratório. Daí a “natureza contagiosa” da poesia. O leitor sente
como o poeta, uma vez que ele respira da mesma maneira (Vygotsky,
1926e, p. 172-3).

Vygotsky achava que “Respirar tranqüilo” tinha um ritmo res-


piratório fundamental que criaria a base emocional de um respirar
tranqüilo. Foi aqui que Vygotsky apresentou seu principal ponto
geral sobre a relação entre forma e conteúdo em obras literárias: o
estilo de respiração que leva aos sentimentos de “tranqüilidade” está
ligado, no conto de Bunin, aos horrores do assassinato e da morte.
Porém, como Vygotsky ressaltou:
E, em vez de uma tensão tortuosa, experimentamos uma tranqüilidade
quase dolorosa. Esta, de qualquer forma, é a natureza dessa contra-
dição afetiva, desse conflito de dois sentimentos opostos, o que parece
constituir a surpreendente lei psicológica do conto. Digo surpreenden-
te porque, em toda a nossa estética tradicional, estamos preparados
LITERATURA E ARTE 43

para a compreensão exatamente oposta da arte: no curso dos séculos,


os estetas proclamaram a harmonia da forma e do conteúdo, e que a
forma ilustra, complementa e acompanha o conteúdo; e, de repente,
descobrimos que este é o grande mal-entendido. Em vez disso, a forma
está em guerra com o conteúdo, briga com ele, supera-o, e nessa
contradição dialética entre o conteúdo e a forma está escondido o
verdadeiro sentido psicológico de nossas reações estéticas (Vygotsky,
1925l/1986, p. 204, o grifo é nosso).

Vygotsky continuou aqui sua linha de ênfase hegeliana-dialética


na criação de uma nova qualidade emocional como resultado da
dinâmica de relações entre forma (estilo de respiração, estritamente
definido) e conteúdo. Seu uso de argumentação dialética aqui (pode-
mos datar a escritura dessa passagem, pelo menos em sua primeira
versão, de 1922/23 em Gomel, na época em que se iniciaram seus
primeiros trabalhos experimentais) é anterior à “dialetização” da
psicologia soviética que ocorreu mais tarde, e da qual Vygotsky foi
um dos participantes. O fato de sua introspecção quanto à leitura de
“Legkoe dykhanie” gerar uma “tranqüilidade quase dolorosa” mostra
como o intelectual sensível estava lutando com o alto nível de com-
plexidade das construções literárias usadas por autores para desper-
tar sentimentos bastante delicados nos leitores. Porém, em 1922,
Vygotsky já havia passado do papel de crítico literário (que tinha o
“luxo” de basear-se em seus próprios sentimentos no processo de
leitura ou de apreciação de representações teatrais) para o de profes-
sor (que, inevitavelmente, tinha de lidar com as diferenças interindi-
viduais nas maneiras como o mesmo texto literário era compreendi-
do). Seu primeiro estudo experimental envolveu a solicitação de que
determinado número de sujeitos da Escola Pedagógica de Gomel (N
= 9 sujeitos) lesse “Respirar tranqüilo” (com o qual não haviam tido
nenhuma experiência anterior) de diferentes maneiras (em voz alta
ou em silêncio) e escutasse a mesma história lida por uma outra
pessoa. Com a ajuda de um pneumógrafo, foram registrados os
padrões respiratórios dos sujeitos (Vygotsky, 1926e). Os mesmos
sujeitos também foram testados com um outro texto (“Uma vingança
terrível”, de Gogol). Depois de mudar-se para Moscou, em 1924,
Vygotsky conseguiu repetir seus resultados experimentais enquanto
trabalhava no Instituto de Kornilov.
É interessante notar que a publicação empírica de Vygotsky,
que, supostamente, apresentava os “dados” sobre os ritmos respira-
tórios de diferentes sujeitos (Vygotsky, 1926e), não era de forma
nenhuma completa na apresentação dessas descobertas. Nenhuma
das “curvas de respiração” originais é encontrada em seu artigo
(Vygotsky, 1926e). Em vez disso, Vygotsky desculpa-se pela falta de
uma análise detalhada dos dados devido ao pequeno número de
experimentos (ibid., p. 171), afirmando em seguida que os poucos
dados que foram coletados corroboraram a previsão do autor. De
44 LITERATURA E ARTE

alguma maneira (que ele não especifica), ele mediu a correspondên-


cia entre as curvas de respiração e a “estrutura do discurso” (deter-
minada pelo ritmo do texto) e descobriu que 92 por cento das curvas
obtidas apresentavam correspondência com a estrutura do discurso
(Vygotsky, 1926e, p. 171). Afirmava que diferentes textos haviam
levado a diferentes ritmos respiratórios (Bunin versus Gogol) e que
as condições de leitura pessoal (em voz alta ou em silêncio) mostra-
ram-se diferentes das condições durante a audição do texto (ibid.,
171). Era evidente que a transição de Vygotsky do mundo literário
(em que sua análise do texto era sempre feita em profundidade e
com grande vigor) para a (nova para ele) arena da pesquisa empírica
em psicologia (com todas as suas expectativas consensuais quanto
ao número de sujeitos etc.) não foi simples. Vygotsky, ao contrário
do que diz a historiografia oficial soviética, não “chegou e conquis-
tou” a nova disciplina. Ele avançou aos poucos para ela, envolven-
do-se no discurso social de reactologistas no Instituto que havia sido
assumido por Kornilov e desenvolvendo cada vez mais o seu próprio
pensamento, sem seguir ninguém de forma submissa nem descartar
opiniões alheias sem antes analisá-las com atenção. Não queria
tornar-se um psicólogo que elaborasse apenas análises empíricas
meticulosas e cuidadosas de fenômenos experimentais. Continuava
sendo um filósofo/metodologista em seu coração, que gostava de
discutir projetos empíricos e dar opiniões, mas que não despenderia
sua energia em projetos específicos como esses (ver capítulo 1).
Mesmo assim, foi exatamente esse discurso social com uma orien-
tação mais empírica no Instituto de Kornilov que viria a contar com
a participação ativa de Vygotsky (ver também o capítulo 6).

Das características dominantes do texto ao


estudo de reações dominantes

Dado o antigo interesse de Vygotsky pelo tema da catarse nos


contatos com a arte, é compreensível que seu primeiro tópico de
pesquisa em psicologia, em 1924, no Instituto de Kornilov, tenha
sido o de “reações dominantes” (ver capítulo 6). A questão que in-
teressava a Vygotsky — como podem complexos emocionais qualita-
tivamente novos surgir no curso da leitura? — continuou no domí-
nio mais laboratorial das reações dominantes. Como em uma fábula
ou conto (em que um pointe que é disjuntivo em relação às linhas
de sentimentos anteriores pode levar a pessoa “catastroficamente” a
um novo sentimento complexo), o mesmo também se aplicava ao
domínio das reações comuns, em que algumas reações de baixa
intensidade absoluta podiam, de repente, levar a um estado de coisas
no qual todo o complexo de reações fica dominado por elas e adquire
uma nova qualidade como resultado.
LITERATURA E ARTE 45

O trabalho de Vygotsky sobre reações dominantes não se baseava


meramente em uma idéia tirada da análise literária, pois o estudo
havia se tornado um “tópico da moda” no discurso dos psicólogos
russos, devido às publicações de Ukhtomsky (1924; 1927) e outros
fisiologistas e psicólogos que também faziam pesquisas relacionadas
ao assunto. Vygotsky entrou na discussão com sua publicação “O
problema de reações dominantes” (1926d). Para defender sua teoria
da síntese de “todos” emocionais novos enquanto se experiencia a
arte, Vygotsky criticou a redução por Pavlov da complexidade de
processos psicológicos ao acúmulo de reflexos condicionados. A idéia
do dominante de Ukhtomsky — o centro nervoso que, em qualquer
determinado momento, coordena a unidade do comportamento de
um organismo — era muito mais atraente para Vygotsky (ver
Vygotsky, 1926d, p. 103). Isto não é de surpreender, uma vez que
a concepção do “dominante” para Ukhtomsky — de integração do
processo nervoso em um todo que pode ser novo em relação à his-
tória anterior do organismo — tem uma estrutura semelhante à “lei
geral de reação emocional” de Vygotsky. Porém, em seu artigo sobre
o dominante, Vygotsky desenvolveu sua “lei geral” e estruturou o
problema do estudo do dominante de uma maneira que logo o leva-
ria a enfatizar o papel instrumental de processos psicológicos no
desenvolvimento da pessoa. Ele afirmou:
Até agora, a reação geralmente tem sido estudada como uma resposta
a determinado estímulo. Ou, na melhor das hipóteses, foram estuda-
das as condições da dinâmica da reação em relação a duas ou mais
outras reações. Aqui, precisamos considerar a reação de um lado com-
pletamente diferente, estudá-la em um novo aspecto, não no papel de
uma resposta a um estímulo, mas em um novo papel — o de desviar,
inibir, ampliar, direcionar e regular a dinâmica de outras reações
(Vygotsky, 1926d, p. 105, o grifo é nosso).

O “dominante” de Ukhtomsky era interessante para Vygotsky


como um meio de ligar suas próprias teorias de síntese emocional
na recepção da arte ao acionamento de novas unidades funcionais
holísticas na psique humana como um todo. A demonstração por
Ukhtomsky do dominante no nível do funcionamento do sistema
nervoso apoiava a noção teórica da síntese de Vygotsky (na mesma
publicação, ele afirmou que considerava a redução dos fenômenos
psicológicos a processos nervosos como “letal” para a psicologia, e
depois passou a examinar as idéias de Ukhtomsky; Vygotsky, 1926d,
p. 101). Nessa publicação, Vygotsky apresentou dados empíricos (na
forma de tempos e padrões de reação de sujeitos individuais) que
surgiram como resultado de seu envolvimento, junto com outros
jovens colaboradores (G. Gagaeva, L. Zankov, L. Sakharov e I.
Soloviev), no estudo laboratorial de reações (ver também capítulo 6).
O importante tema das conclusões que Vygotsky tirou desses expe-
46 LITERATURA E ARTE

rimentos enfatizava a relevância de processos conscientes no funcio-


namento psicológico humano, seguindo a linha do “dominante”: uma
reação fraca, sob condições de direção consciente, pode tornar-se um
“dominante” na esfera psicológica. Como Vygotsky observou (1926d,
p. 123), “estamos à porta do comportamento consciente” quando nos
deparamos com a maneira como a consciência pode reorganizar o
funcionamento psicológico, “privilegiando” algumas reações para
serem dominantes sobre outras. Ele havia passado efetivamente ao
reino da psicologia, no qual a compreensão da consciência, de suas
relações com a afetividade etc., sempre foram um problema consi-
derável. Para solucioná-lo, estendeu seu esquema, que anteriormen-
te havia sido desenvolvido no domínio das reações emocionais, in-
cluindo nele o tema da interdependência entre ações conscientes e
o domínio afetivo. Neste aspecto, é evidente que os interesses de
Vygotsky no campo das artes serviram como base para seu desen-
volvimento no campo da psicologia.

Resumo: a compreensão de Vygotsky


sobre a dinâmica da reação à literatura

Durante o período de seu vivo interesse ativo por questões da


recepção da arte, Vygotsky passou da posição de crítico literário,
que defenderia a relevância do entendimento subjetivo da mensagem
pelo receptor, para a de cientista, preocupado com a descoberta das
leis gerais pelas quais um ser humano aborda uma invenção cultu-
ral complexa como a literatura. É interessante que, em seus esforços
para conectar a arte com a vida em geral (ver capítulo 11 de A
psicologia da arte), ele tenha dado à arte um papel catártico na vida
das pessoas no mundo cotidiano. A arte poderia proporcionar o
“gatilho” para a síntese da visão de mundo revisada de uma pessoa,
quando a pessoa experimenta a catarse em seu encontro com a arte.
Vygotsky recusou-se a aceitar dois pontos de vista contemporâneos
opostos em relação à arte: o de mera decoração da vida e o de um
“método de construir vida” (Vygotsky, 1925l/1986, p. 328). Em vez
disso, via o papel da arte na construção do “novo homem”.
Em termos de disciplina científica, o trabalho de Vygotsky no
estudo da psicologia da arte foi além do próprio domínio temático.
Como o próprio Vygotsky (1926m/1982) comentou mais tarde, ele
viu sua própria análise da psicologia da arte como um esforço para
descobrir leis de psicologia geral com base na análise da estrutura
de materiais relevantes:
Tentei introduzir... um método na psicologia do consciente, derivar leis
da psicologia da arte com base na análise de uma fábula, um conto
e uma tragédia. Comecei com a idéia de que formas desenvolvidas de
LITERATURA E ARTE 47

arte proporcionam uma chave para [compreender] as não desenvolvi-


das, assim como a anatomia humana faz com a anatomia do macaco.
Assim, a tragédia de Shakespeare explica os enigmas da arte primitiva
para nós, e não vice-versa. Além disso, falo sobre toda a arte e não
testo minhas conclusões na música, pintura etc. Mais ainda: não as
testo com base em todos ou na maioria dos tipos de literatura; pego um
conto, uma tragédia. Com que direito? Não estudei as fábulas, as tra-
gédias, e muito menos aquela fábula ou aquela tragédia. Nestas, estu-
dei aquilo que constitui a base de toda a arte: a natureza e mecanismo
da reação estética... a tarefa da investigação da arte está... na análise
dos processos em sua essência (Vygotsky, 1926m/1982, p. 405).

Vygotsky foi levado, assim, de sua teorização sobre a psicologia


da arte para o estudo de psicologia geral. Sua abordagem hegeliana-
-dialética estava presente desde o início. Porém, condições particu-
lares ou objetos de análise específicos (p. ex., “Respirar tranqüilo”),
assim como mudanças em sua vida pessoal (p. ex., sua mudança
para Moscou e sua imersão no discurso social de reactologistas no
Instituto de Kornilov), tiveram influência no desenvolvimento poste-
rior de suas idéias. A passagem de Vygotsky da análise da catarse
para a análise do dominante teve uma lógica própria de desenvol-
vimento. Ela o preparou para o passo seguinte, a análise do papel
dos processos psicológicos na organização da vida de uma pessoa,
e para a instrução corretiva voltada a crianças com dificuldades de
desenvolvimento (ver também capítulo 4). Ao se mover da arte para
a psicologia, Vygotsky pôde testar suas construções teóricas deriva-
das de um domínio complexo em um outro domínio. Seu trabalho
com a arte capacitou-o a tratar de problemas psicológicos complexos
e — os autores deste livro gostariam de afirmar —, de uma forma
muito mais rigorosa do que investigadores com formação em psico-
logia propriamente dita, na sua época ou na nossa. Foi um mérito
— e não um demérito — para Vygotsky ter passado da crítica lite-
rária e da educação para a psicologia. Sem dúvida é um tributo à
sua formação o fato de que suas idéias eloqüentes, mesmo que às
vezes místicas, continuem a nos fascinar na busca de nossa própria
síntese de idéias.
PARTE I

OS PRIMEIROS ANOS EM
MOSCOU
1924-1928
Introdução

A entrada de Vygotsky na psicologia institucional

A história da entrada de Vygotsky na psicologia institucional foi


contada muitas vezes mas, infelizmente, nenhum dos relatos exis-
tentes dá uma versão precisa dos fatos. A versão padrão é mais ou
menos assim: em 1924, um professor escolar desconhecido de nome
Lev Vygotsky, de uma cidade de província chamada Gomel, deu uma
palestra no Segundo Congresso Psiconeurológico em Leningrado que
deixou a platéia sem fala. Vygotsky, ao que se conta, teria argumen-
tado de forma ousada e persuasiva que os psicólogos deveriam es-
tudar a consciência, uma proposta que estava em total contradição
com as idéias predominantes na época. Kornilov ou Luria (aqui a
história varia: algumas fontes afirmam que Luria assistiu à palestra,
ficou extremamente impressionado e convenceu Kornilov a convidar
Vygotsky para trabalhar em Moscou, ao passo que outras declaram
que o próprio Kornilov tomou a iniciativa) ouviram a palestra e a
decisão de admitir Vygotsky no quadro de funcionários do Instituto
de Psicologia Experimental foi tomada imediatamente. Vygotsky
mudou-se para Moscou e não tardou para que um trio de psicólo-
gos, Vygotsky, Luria e Leontiev, se formasse. Trabalhando no Insti-
tuto de Psicologia Experimental, esse trio desenvolveu a teoria his-
tórico-cultural, que se tornou rapidamente a teoria dominante em
psicologia, fazendo de Vygotsky um dos psicólogos mais conhecidos
de sua época (ver introdução à parte III).
Infelizmente, essa história não é verdadeira (ver também capí-
tulo 6). Primeiro, Vygotsky não era um professor escolar comum.
Como vimos, ele havia montado seu próprio laboratório psicológico,
havia executado experimentos psicológicos, era autor de inúmeros
artigos em vários periódicos e jornais e fora uma figura cultural de
muito destaque em Gomel (uma cidade de província no sentido li-
teral da palavra, mas com uma rica vida cultural). Só isso já torna
improvável que Vygotsky fosse totalmente desconhecido nos círculos
científicos e culturais de Moscou na época. Além disso, Vygotsky
tinha estudado e morado quatro anos em Moscou, o que torna
provável que tivesse amigos e conhecidos lá, tanto dentro como fora
52 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

do mundo científico. Ele também deve ter visitado a capital regular-


mente (lembremos suas relações com Mandel’shtam). Gostaríamos
de sugerir, portanto, que Vygotsky não era totalmente desconhecido
em Moscou, que pode ter conhecido alguns dos psicólogos importan-
tes e que é possível que tenha sido convidado a fazer essa palestra
precisamente por essas razões. Isto explicaria de forma adequada a
presença de um professor de uma cidade de província em uma
conferência dominada por psicólogos, fisiologistas e médicos profis-
sionais de várias orientações (principalmente bekhterevianos), e que
atraía poucos pedagogos ou professores.
Além disso, não foi apenas a defesa do estudo da consciência
por Vygotsky que resultou no convite para que ele trabalhasse no
instituto de Kornilov, mas também o fato de que suas críticas à
reflexologia de Pavlov e Bekhterev demonstravam um espírito
reactológico, korniloviano. Para dar apoio a este argumento (ver
também capítulo 6), vamos examinar as apresentações de Vygotsky
no congresso. (Na versão padrão dos acontecimentos da conferência,
apenas uma de suas apresentações é mencionada — e freqüente-
mente mal identificada —, ao passo que as outras duas são retros-
pectivamente ignoradas.)

Apresentações no congresso de 1924

Talvez por causa da descrição um tanto vaga de Luria (1976,


pp. 38-9) sobre o conteúdo da palestra de Vygotsky, vários investi-
gadores da história psicológica soviética (p. ex., Joravsky, 1989, pp.
258-63) acreditavam que, no Segundo Congresso Neuropsicológico,
Vygotsky havia falado sobre “Consciência como um problema da
psicologia do comportamento” (publicado como Vygotsky, 1925g). Na
verdade, essa palestra foi apresentada mais tarde naquele ano, em
19 de outubro de 1924, em uma “conferência aberta” (otkrytaja
konferencija) no Instituto de Psicologia Experimental em Moscou (ver
Kornilov, 1926a, p. 248). O tópico real da palestra a que Luria
aludia foi “Os métodos [metodika] de investigação reflexológica e
psicológica” (apresentada em 6 de janeiro de 1924 e publicada como
Vygotsky, 1926b). Embora essas palestras tenham tido vários temas
em comum — por exemplo, a defesa de um estudo objetivo da
consciência; as referências à abordagem semelhante do behaviorismo
watsoniano —, elas foram claramente diferentes.1
Além de seu trabalho sobre métodos reflexológicos e psicológi-
cos, Vygotsky apresentou dois outros trabalhos no congresso. Um
deles foi apresentado no mesmo dia (6 de janeiro de 1924) e chama-

1. Wertsch (1985, p. 8, n. 6), portanto, estava incorreto ao identificá-las


como uma mesma palestra.
INTRODUÇÃO 53

va-se “Como temos que ensinar psicologia hoje” e o outro foi apresen-
tado alguns dias depois (10 de janeiro de 1924) como “Os resultados
de um levantamento sobre o estado de espírito dos alunos nas últimas
aulas das escolas de Gomel em 1923” (comunicação pessoal de Gita
Vygodskaja, 5 de abril de 1989). Podemos ver, assim, que dois dos
trabalhos de Vygotsky baseavam-se em suas experiências como profes-
sor em Gomel. Infelizmente, ao que sabemos, não há nenhum registro
impresso dessas apresentações (veja também Dajan, 1924).
A terceira apresentação foi publicada e merece nossa cuidadosa
atenção, já que pode oferecer alguma pista quanto ao motivo de
Vygotsky ter sido convidado para trabalhar no Instituto de Kornilov
(ver capítulo 6). A principal meta estratégica de Vygotsky nesse
trabalho era mostrar que a reflexologia conforme concebida por
Bekhterev e Pavlov não tinha o direito de assumir o status de uma
escola de pensamento independente dentro da psicologia. Ela demons-
trara resultados no estudo de organismos e processos inferiores,
mas falhara em criar qualquer coisa interessante no que se referia
a seres humanos (na conferência, muitos seguidores de Bekhterev e
Pavlov apresentaram suas descobertas e Vygotsky falou polemica-
mente da “pobreza de seus resultados neste congresso”; ver Vygotsky,
1926b, p. 38). Como resultado, as afirmações categóricas da refle-
xologia de que toda a conduta humana podia ser concebida em
termos de combinações de reflexos condicionados permanecia pouco
convincente. Vygotsky argumentou que a principal deficiência da
reflexologia era o fato de que ela fugia do estudo da consciência
devido à sua concepção inadequada de métodos de pesquisa aceitá-
veis. Apresentando citações de vários trabalhos de Bekhterev e Pavlov,
ele mostrou que estes pesquisadores reconheciam o papel importan-
te da “experiência subjetiva” (consciência) na vida diária, mas consi-
deravam que o estudo científico desse papel era impossível. Prosse-
guiu argumentando que os reflexologistas que desejassem ser coeren-
tes deveriam estudar esses processos, mas com um método de pesqui-
sa adaptado. Porém, se decidissem fazer isso, seus métodos refleti-
riam os métodos da psicologia objetiva e, portanto, a necessidade de
uma disciplina reflexológica separada estaria desfeita. Em suma, a
palestra de Vygotsky combinou um ataque incisivo aos reflexologistas
e uma defesa de um estudo objetivo da consciência.
Até o momento, Vygotsky afirmou, os reflexologistas haviam
evitado o estudo da consciência, porque esse estudo implicava que
se confiasse nos relatos introspectivos dos sujeitos a respeito de
suas experiências subjetivas. Em sua visão, porém, esse receio era
infundado: era possível considerar as respostas dos sujeitos às per-
guntas do investigador como reflexos em si mesmas, como expres-
sões verbais objetivas que refletiam outros reflexos não observáveis
(ou seja, o pensamento ou consciência). Afinal, os reflexologistas
54 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

(Sechenov, Bekhterev) haviam afirmado que o pensamento era a fala


inibida. Então, por que não estudar esses reflexos inibidos de forma
indireta, através dos reflexos verbais objetivos que eles provocavam?
Desta maneira, partindo da pressuposição de que a mente humana
fosse um conglomerado de reflexos, Vygotsky argumentou que fazer
entrevistas (opros) com sujeitos seria um método reflexológico adequa-
do. Claro que tal método chegaria perigosamente perto do método de
introspecção usado pela “psicologia subjetiva”. Vygotsky (1926b, pp.
34-5) deixou muito claro, porém, que ele próprio não considerava as
expressões verbais dos sujeitos como registros confiáveis de sua expe-
riência subjetiva, mas como reações objetivas (cf. o “comportamento
verbal” de Watson; a visão de Watson foi discutida por Vygotsky em 17
de novembro de 1924 em uma das conferências fechadas do Instituto;
ver Kornilov, 1926a, p. 249), que deveriam ser estudadas como tais
pelo cientista. Em sua visão, os sujeitos não eram observadores privi-
legiados de algum mundo interior: suas reações verbais eram simples-
mente reações a reflexos internos induzidos pelo pesquisador. Ou, nas
palavras de Vygotsky: os sujeitos não são testemunhas que podem
depor sobre um crime ocorrido anteriormente, mas são os próprios
criminosos no momento em que estão cometendo seu crime. Confiar
nas declarações dos criminosos (suspeitos) seria tolice, mas seria igual-
mente tolice ignorá-las (ibid., p. 45). Foi neste contexto que Vygotsky
referiu-se com aprovação a Watson e Lashley, que chegaram indepen-
dentemente a conclusões semelhantes (Vygotsky, 1926b, p. 43; 1925g,
p. 198). Ao mesmo tempo, sua visão da consciência baseava-se forte-
mente no trabalho de James, “A consciência existe?”. A idéia de que
reações verbais eram aceitáveis como dados científicos baseava-se na
idéia de James de que cada reflexo em si formava o estímulo para um
novo reflexo no mesmo ou em outro sistema. O grau de consciência do
comportamento — e, portanto, a possibilidade de verbalizá-lo — depen-
deria do grau de “traduzibilidade” de reflexos de um sistema para
outro: reflexos inconscientes, nesta visão, eram reflexos não transmi-
tidos para outros sistemas. A consciência, Vygotsky repetiu seguindo
James, é a experiência da experiência, assim como a experiência é a
experiência de objetos.
É interessante ver Vygotsky (1926b, pp. 40-1) ressaltando que
a visão de Watson e Bekhterev levou a uma forma de dualismo: ao
ignorar a natureza reflexa da consciência, eles se tornaram mate-
rialistas no domínio muito restrito dos processos psicofisiológicos
inferiores, mas idealistas no domínio da psique. Este argumento foi
o mesmo que ele viria a usar alguns anos mais tarde em sua análise
da crise na psicologia (ver capítulo 7).
Assim, vimos como Vygotsky, seguindo uma perspectiva
reflexológica consistente (“ser mais reflexologista do que o próprio
Pavlov”), chegou à conclusão de que a consciência podia ser estuda-
INTRODUÇÃO 55

da objetivamente por meio da interrogação do sujeito. Porém, tal


método iria refletir o método de uma psicologia objetiva (do tipo
behaviorista). Conseqüentemente, não havia necessidade de duas
ciências diferentes — reflexologia e psicologia — do comportamento
humano (Vygotsky, 1926b, p. 42; ver também 1925g).
Não é muito difícil perceber por que essa palestra teria agrada-
do a Kornilov, Luria e outros psicólogos que trabalhavam no Insti-
tuto. Primeiro, Vygotsky defendeu um estudo monístico e objetivo da
mente consciente. Esta era claramente a abordagem ideológica
sugerida, que era também adotada por Kornilov e os vários freudo-
-marxistas (p. ex., Luria). Em segundo lugar, o método de Vygotsky
de estudo da consciência estava claramente em harmonia com a
reactologia do próprio Kornilov (ver capítulo 6). Terceiro, Vygotsky
atacou a disciplina concorrente, a reflexologia. Ao fazer isso, mitigou
temporariamente a perigosa possibilidade de que influentes ideólogos
do Partido (p. ex., Bukharin) vissem a reflexologia como a ciência do
comportamento humano (ver Joravsky, 1989, pp. 258-61).
Podemos concluir, portanto, que a história da entrada de Vygotsky
na psicologia é bem mais complexa do que os relatos tradicionais
soviéticos e ocidentais declaram.

O Instituto de Psicologia Experimental

No final de 1924, Vygotsky e sua mulher haviam se mudado


para Moscou, alojando-se temporariamente no porão do Instituto,
porque as acomodações na cidade eram escassas. O Instituto de
Psicologia Experimental de Moscou (anteriormente Instituto Psicoló-
gico) tinha sido fundado por Chelpanov, que o dirigiu até 1923,
quando foi acusado de ser um “idealista”. Como resultado, ele e
outros funcionários foram demitidos e o Instituto foi reorganizado
(ver capítulo 6). O novo diretor, Kornilov, convidou pessoas novas
para virem trabalhar com ele — entre esses, Luria — e desenvolveu
novos planos de pesquisa com base em sua visão de mundo
reactológica. A idéia era estudar objetivamente os sistemas de rea-
ções que constituem o complexo comportamento humano (ver Kor-
nilov, 1925a, p. 244). A primeira tarefa, porém, era colocar alguma
ordem no laboratório, que havia sofrido com os anos de desastres
econômicos. O relato de Luria sobre esses acontecimentos sugere
que eles não devem ser levados tão a sério: “estávamos mudando os
móveis de um laboratório para outro. Lembro muito bem que, en-
quanto carregava mesas para cima e para baixo pelas escadas, tinha
certeza de que aquilo traria uma mudança para nosso trabalho e que
iríamos criar uma nova base para a psicologia soviética (em Levitin,
1982, p. 155). A descrição irônica de Luria para a confusão do Ins-
tituto mostra um lado da situação. O lado mais sombrio foi assina-
56 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

lado por Graham (1987, pp. 8-9), quando observa que as reformas
institucionais com freqüência traziam a demissão trágica de pessoas
que, geralmente, eram substituídas por jovens comunistas ansiosos
por obter progressos pessoais. Além disso, ele sugere que tais subs-
tituições introduziam freqüentemente pessoas com nível intelectual
inferior, escolhidas em função de seu entusiasmo pela reconstrução
social. Claro que é difícil determinar se foi isso que ocorreu no Ins-
tituto. Deve ser dito que parte dos homens relativamente inexperientes
convidados por Kornilov vieram a se tornar membros proeminentes
da psicologia soviética. É difícil determinar também quais pessoas
Kornilov quis convidar por sua própria iniciativa. Luria, por exemplo,
foi convidado no final de 1923, junto com alguns de seus colegas
psicanalistas de Kazan. Na época, ele era basicamente um psicana-
lista com uma orientação para estudos objetivos da mente (ver capí-
tulo 4). Outros podem ter sido convidados porque — como Vygotsky
— pareciam compartilhar a abordagem reactológica de Kornilov.
O programa de pesquisa do Instituto era explicitamente
reactologista e a maioria dos tópicos de pesquisa era expressa em
termos reactológicos. Em anos posteriores, Luria esboçou a ingenui-
dade da abordagem como um todo:
Se a memória não me falha, a percepção era chamada de “recepção de um
sinal para reação”; memória era “retenção com reprodução de reação”;
atenção, “restrição de reação”; emoções, “reações emocionais”; em resumo,
inseríamos a palavra “reação” onde podíamos, acreditando sinceramente
que estávamos fazendo algo importante e sério (Levitin, 1982, p. 154).

Na prática, esta abordagem criou condições para o estudo de


uma ampla gama de assuntos. Assim, os projetos de pesquisa in-
cluíam investigações objetivistas da inibição de reações associativas
(Leontiev, sob a orientação de Luria); as associações de reações
condicionadas; o ritmo de reações em relação à constituição de uma
pessoa; um estudo objetivo da sensibilidade à dor; e uma investiga-
ção da periodicidade das reações femininas. Mas o estudo objetivo
de fenômenos mais subjetivos também era possível: Zalkind, Fridman
e Luria, por exemplo, estavam muito interessados em psicanálise e
faziam estudos sobre sua possível associação com o marxismo, entre
outras coisas (ver capítulos 4 e 6).
O Instituto, sem dúvida, desempenhou um papel importante no
desenvolvimento do pensamento científico de Vygotsky. O trabalho
no Instituto, por exemplo, possibilitou que ele conhecesse vários dos
psicólogos mais destacados da época. Também tinha uma excelente
biblioteca e equipamentos à sua disposição; na verdade, ele estava
quase literalmente morando na biblioteca. Como era difícil encontrar
acomodações em Moscou na época, Vygotsky com sua mulher e filha
estabeleceram-se provisoriamente em uma sala no porão do Institu-
INTRODUÇÃO 57

to, onde por acaso também ficavam guardados os arquivos da seção


filosófica do Instituto (Levitin, 1982, p. 37). Não se deve esquecer,
porém, que a maior parte do pessoal científico do Instituto havia
sido convidada a trabalhar lá antes de sua chegada. Vygotsky era,
portanto, uma espécie de corpo estranho e dirigia a maior parte de
suas atividades fora do Instituto. Essas atividades eram o estudo da
psicologia da arte, problemas de defectologia, psicologia pedagógica
e (mais tarde) pedologia.

Defectologia

A julgar pelo número de publicações e outros critérios, pode-se


dizer que uma das mais importantes áreas de interesse de
Vygotsky durante esse período foi a defectologia (ver capítulo 4). I.
I. Danjushevsky, que agora trabalha no Comissariado de Informa-
ções do Departamento de Proteção Jurídico-Social a Crianças, havia
pedido a Vygotsky que se ocupasse da educação social de crianças
cegas e surdas. Esse trabalho logo levou à publicação de uma série
de artigos sobre defectologia, editada e introduzida por Vygotsky
(1924d-f). Ele também participou da fundação do Instituto de
Defectologia, cujo diretor era Danjushevsky. Vygotsky foi nomeado
“líder científico” desse Instituto e sua tarefa era incentivar os médi-
cos, defectologistas e psicólogos ligados ao Instituto a coordenarem
suas atividades e prestar-lhes aconselhamento teórico. Muitos semi-
nários e congressos informais foram organizados (ver capítulo 4).
Foi com relação a esse seu estudo de defectologia que Vygotsky
fez sua única viagem para fora da União Soviética. Em julho de
1925, viajou para Berlim, Amsterdam, Paris e Londres, e fez uma
palestra em Londres sobre seu trabalho em defectologia (Vygotsky,
1925c; cf. Brill, 1984, pp. 87-9, para um relato dessa palestra). Era
pouco comum receber autorização para viagens ao exterior, embora
bem mais comum do que viria a se tornar anos depois. Vygotsky,
porém, viajou bem preparado. É interessante examinar a extensão
em que o governo desejava controlar as atividades cotidianas dos
cientistas naquela época. Vygotsky recebeu um documento, assina-
do pelo Comissário — um cargo equivalente ao de ministro — de
Educação Lunacharsky e datado de 7 de julho de 1925. O documen-
to (agora nos arquivos da família) continha detalhadas “instruções
para o representante do Comissariado de Educação do Povo, cama-
rada L. S. Vygotsky”. O camarada Vygotsky deveria participar ativa-
mente da conferência e fazer sua palestra “indicando as relações
entre nosso sistema e os princípios gerais da educação social, além
de mencionar os méritos e detalhes metodológicos técnico-científicos
de nosso sistema”. Ele tinha permissão para participar das discus-
sões “para uma melhor exposição dos princípios por ele defendidos
58 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

e para uma crítica objetiva, baseada em princípios, de outros siste-


mas”. Deveria protestar contra o fato de não ter sido convidado para
a conferência da All-German Union de especialistas que trabalhavam
com crianças surdas — no caso de que esta decisão não fosse revista
— e deveria ressaltar as conseqüências danosas que tal decisão teria
para a causa internacional das crianças surdas e cegas e para a pró-
pria conferência. Deveria também declarar que a RSFSR (República
Socialista Federada Soviética Russa) estava disposta a participar da
sociedade internacional de pedagogos para surdos sugerida por psicó-
logos franceses, “se tal sociedade não contrariasse os princípios básicos
do trabalho pedagógico realizado na RSFSR”. Com relação a todas as
outras questões, como a possibilidade de a RSFSR tomar parte em
uma sociedade internacional para os cegos e surdos e a fundação de
uma comissão internacional para a educação dos cegos e surdos,
Vygotsky deveria coletar todas as informações possíveis e declarar que
iria informar seu governo, o qual daria uma resposta brevemente a
qualquer pergunta sobre a possibilidade de a RSFSR participar dessas
instituições. Vygotsky recebeu permissão para datilografar um resumo
da palestra e distribuí-lo entre os psicólogos que comparecessem à
conferência. Por fim, foi solicitado a apresentar um relatório de suas
atividades ao Comissariado de Educação do Povo imediatamente de-
pois do seu retorno à União Soviética.

A Psicologia da Arte

As longas e fatigantes viagens de trem talvez tenham cansado


Vygotsky, pois, logo depois de sua volta à União Soviética, sua saú-
de piorou inesperadamente. No verão do mesmo ano (1925), ele
deveria defender sua tese, A psicologia da arte (ver capítulo 2), mas,
devido ao estado de saúde repentinamente agravado, a defesa foi
adiada e, por fim, teve que ser cancelada. Porém, A psicologia da
arte foi aceita como tese pela comissão científica (protocolo datado
de 5 de outubro de 1925) com as seguintes palavras: “Reconhecendo
o direito de lecionar em institutos de educação superior. Em vista de
problemas de saúde, dispensado de defesa pública da tese”
(Vygodskaja, comunicação pessoal, 19 de dezembro de 1988) e, assim,
Vygotsky tornou-se um dos muito poucos a receber o título de doutor
em psicologia sem ter defendido uma tese.
Por motivos que não estão claros, as cópias pessoais de Vygotsky
de A psicologia da arte foram perdidas — talvez não tenham sido
devolvidas pela editora (ver abaixo). Felizmente, muitos anos depois,
um manuscrito do livro foi encontrado no arquivo particular do
diretor de cinema Eisenstein, amigo pessoal de Luria e de Vygotsky
(ver também capítulo 10), e foi esse manuscrito que serviu de base
para as várias reedições da tese de Vygotsky. Foi sugerido (p. ex.,
INTRODUÇÃO 59

Joravsky, 1989, p. 257) que essas reedições não eram totalmente


confiáveis, e que o original verdadeiro poderia ter contido citações de
Trotsky e de Bukharin que foram suprimidas pelos editores. Isto
parece bastante provável — a lista de erros e falsificações nas
reedições das obras de Vygotsky é extremamente longa e impressio-
nante — e explicaria em parte o fato de o livro não ter sido publi-
cado na época. Até hoje, tem sido repetidamente afirmado por aca-
dêmicos soviéticos (p. ex., Leontiev, 1986, p. 11; Jaroshevsky, 1985,
p. 502) que Vygotsky não queria publicar o livro porque havia alte-
rado de um modo fundamental sua linha de pensamento. Mas essa
história não é verdadeira: a cópia de um contrato com uma editora
foi encontrada no arquivo particular de Vygotsky (Vygodskaja, co-
municação pessoal, maio de 1990) e, pela correspondência relacio-
nada, fica claro que ele contava com sua publicação. É bem mais
provável que a tese de Vygotsky não tenha sido publicada por motivos
ideológicos (ver também capítulo 2).

Outras áreas de interesse

Na primavera de 1926, Vygotsky sofreu outra série crise de


tuberculose. Enquanto se recuperava no hospital e sanatório, con-
seguiu escrever seu outro manuscrito importante desse período, a
análise da crise na psicologia. Esse manuscrito demonstrou um
conhecimento completo da literatura psicológica da época e prepa-
rou o caminho para o desenvolvimento da teoria histórico-cultural
(ver capítulo 7). Aproximadamente na mesma época, foi publicado
seu Psicologia pedagógica, um livro que resumia boa parte de suas
atividades de pesquisa desde o período de Gomel (ver capítulo 3).
Provavelmente foi esse manuscrito que estimulou Kornilov a contra-
tar um professor escolar de província.
Concomitantemente a essas atividades, Vygotsky desenvolveu
seu interesse pela origem da consciência e pelo método instrumental
como um dos principais conceitos para esse estudo. Em 1927, as
primeiras idéias para a posterior teoria histórico-cultural já estavam
aparecendo (p. ex., Vygotsky, 1927f; ver parte II).
3
Psicologia pedagógica

O desenvolvimento de nossas reações é a história de nossa vida. Se


tivéssemos de encontrar a verdade mais importante que a psicologia
moderna pode ensinar ao professor, ela seria simplesmente: o aluno
é um aparato reativo.
Vygotsky, Psicologia pedagógica1

O manual Psicologia pedagógica. Um curso breve (Vygotsky, 1926i)


foi o primeiro dos poucos livros de sua autoria que Vygotsky veria
impresso. Embora o livro tenha sido publicado em 1926, há razões
para acreditar que tenha sido escrito alguns anos antes. Primeiro, a
maneira como Vygotsky analisou várias questões (p. ex., o papel dos
reflexos na conduta humana) e pensadores (p. ex., Pavlov e Freud) não
está de acordo com as visões defendidas em seus artigos e palestras
que sabemos terem sido escritos por volta de 1926. Segundo, quando
Vygotsky começou a trabalhar no Comissariado de Educação Pública
do Povo em julho de 1924, ele preencheu uma ficha e colocou sob o
item publicações “Uma breve descrição da psicologia pedagógica. Atual-
mente na Editora Estatal” (ver Jaroshevsky, 1989, p. 72). É muito
provável que Vygotsky estivesse se referindo a Psicologia pedagógica e
que o livro já estivesse completado de alguma forma em 1924.

A idéia básica do livro

O objetivo de Psicologia pedagógica era apresentar as descober-


tas mais recentes da psicologia a estudantes que quisessem se tor-
nar professores da escola secundária. O livro trata de uma varieda-
de de assuntos considerados relevantes para a profissão de um
professor. Vygotsky informava o leitor sobre assuntos amplamente
diversos como a função da secreção interna; o sistema nervoso;
teoria evolutiva; condicionamento clássico; atenção; memória; a ori-
gem dos instintos; educação moral e estética; as vantagens de esco-

1. Um mote tirado de Psicologia e o professor, de Hugo Münsterberg.


62 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

las mistas; a necessidade de informar as crianças a respeito de


questões sexuais; e a origem da linguagem. Na seleção de assuntos
e no nível do tratamento, o livro não diferia muito dos manuais
modernos usados em cursos introdutórios de psicologia. Como fre-
qüentemente é o caso hoje em dia, o texto tratava de vários assuntos
que parecem de relevância questionável para o trabalho prático
cotidiano dos professores, mas, em geral, Vygotsky deu uma visão
generalizada bem equilibrada das descobertas psicológicas mais re-
centes e seus conselhos práticos parecem bem fundamentados e
concretos. É difícil dizer quais fontes Vygotsky usou para escrever
o livro, uma vez que nele há muito poucas referências. Sem dúvida,
fez grande uso dos escritos pedagógicos de seu professor e, poste-
riormente, colega Pavel Blonsky (p. ex., Blonsky, 1916; 1922). Além
disso, sua visão de mundo reactológica geral harmonizava-se com a
de Kornilov (ver capítulo 6) e fazia grande uso das descobertas de
Pavlov, Sechenov e Ukhtomsky. Por fim, uma fonte de inspiração
ocidental importante, como fica evidente pelas freqüentes citações,
referências e no mote apresentado acima, foi “Psicologia e o Profes-
sor”, de Hugo Münsterberg (1909).
Apesar de Psicologia pedagógica ser um manual, sua aborda-
gem geral, assim como vários dos assuntos tratados, é particular-
mente relevante para um entendimento adequado do desenvolvi-
mento do pensamento de Vygotsky. Abaixo, vamos examinar vários
temas analisados no livro, como o papel da educação, a função da
fala, a psicanálise e a criação do “novo homem” na nova sociedade
soviética. Primeiro, porém, apresentamos a abordagem geral de pro-
blemas psicológicos defendida em Psicologia pedagógica.
Vygotsky começou seu livro afirmando que a psicologia estava em
um estado de confusão, sem uma abordagem unificada e sem concei-
tos comuns. Este era um tema muito popular na época, que Vygotsky
viria a elaborar alguns anos depois (ver capítulo 7). Mesmo reconhe-
cendo o fato da crise da psicologia, Vygotsky disse que, em sua opinião,
uma solução para muitos problemas estava ao alcance: a doutrina dos
reflexos condicionados de Pavlov proporcionaria uma base sólida sobre
a qual uma nova psicologia poderia ser desenvolvida. Ao mesmo tempo,
percebia que muitos problemas ainda precisavam ser resolvidos. Em-
bora a teoria de Pavlov pudesse explicar comportamentos humanos
relativamente simples, Vygotsky argumentava, os processos psicológi-
cos mais complexos eram difíceis de descrever em termos reflexológicos.
Por esta razão, sentia-se obrigado a continuar usando alguns dos
conceitos da psicologia tradicional (Vygotsky, 1926i, pp. 8-9). Fica cla-
ro, porém, que ele via isso como um arranjo apenas temporário: na
época em que escreveu o livro, Vygotsky parecia convencido de que
todo o comportamento humano consistia em (cadeias de) reflexos e que,
um dia, seria possível traduzir os velhos conceitos da psicologia em
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 63

uma terminologia de reflexos. Esta convicção ficava evidente em sua


exposição da origem e desenvolvimento do comportamento humano.

A natureza do comportamento humano

Todo comportamento humano encontra sua origem em reações


a estímulos vindos do mundo exterior, conforme Vygotsky afirmou
claramente (Vygotsky, 1926i, p. 22). Essas reações apresentam três
partes: (1) recepção do estímulo, (2) processamento do estímulo, e
(3) resposta ao estímulo. Embora este esquema fosse semelhante ao
esquema dos reflexos, Vygotsky, seguindo Kornilov, preferia falar em
“reações”. Em sua opinião, reação era o termo mais geral, aplicável
também a animais sem sistema nervoso e a plantas, e devia ser
usado preferencialmente para enfatizar o fato de que seres humanos
partilham a natureza reativa de seu comportamento com formas
mais primitivas de vida (Vygotsky, 1926i, p. 25). Na prática, porém,
Vygotsky freqüentemente referia-se a “reflexos” e fazia amplo uso da
teoria de reflexos condicionados de Pavlov.
Como se pode explicar o comportamento humano por meio do
conceito de “reação”? Para Vygotsky, as crianças eram dotadas de
reações inatas, congênitas. Estas eram: (1) reflexos não-condiciona-
dos (p. ex., o reflexo de sucção) e (2) instintos (p. ex., beber; para
aves, construir ninhos). Estes últimos diferiam dos reflexos não-
condicionados no sentido de que pareciam relativamente “invariá-
veis com o ambiente” e não pareciam requerer um estímulo indutor
para desencadear o comportamento. Eram séries “embutidas” e
intrincadas de comportamentos coordenados e, assim, tinham uma
natureza mais complexa do que reflexos simples (Vygotsky, 1926i, p.
28). Tanto os reflexos não-condicionados como os instintos, Vygotsky
afirmava, haviam evoluído naturalmente. Ele aceitava integralmente
a teoria de Darwin sobre o mecanismo de variação e seleção natural
— acrescentada do fato recém-descoberto das mutações — para
explicar a origem dessas reações inatas.
Partindo das reações inatas, era possível explicar todo o com-
portamento humano. Com os reflexos não-condicionados inatos e os
instintos, a criança recém-nascida tem à sua disposição, em prin-
cípio, todo o material de que necessita para até mesmo as formas
de comportamento mais complexas. Combinações dessas reações
inatas “levaram à detecção da análise espectral, às campanhas de
Napoleão ou à descoberta da América” (Vygotsky, 1926i, pp. 33-4).
Para Vygotsky, foi Pavlov quem nos deu a chave para compreender
como o comportamento adulto desenvolve-se a partir desses modes-
tos inícios inatos, pois a grande obra deste cientista foi perceber que
cada reflexo não-condicionado (reação inata) pode ser ligado a estí-
mulos ambientais, produzindo reflexos condicionados. Muitos anos
64 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

depois, ele voltaria a esta questão afirmando que, “enquanto Darwin


explicou a origem das espécies, Pavlov detectou a origem dos indi-
víduos” (ver capítulo 9). São as reações condicionadas, adquiridas
em experiências pessoais, que dão a nosso comportamento sua
extraordinária flexibilidade. Como as próprias reações inatas foram
determinadas pelas influências ambientais no curso da adaptação
evolutiva, Vygotsky considerava a associação desses comportamen-
tos inatos com fatores ambientais como equivalente a “multiplicar o
ambiente por si mesmo” (Vygotsky, 1926i, p. 33).
Para Vygotsky, todo comportamento humano tinha, em princí-
pio, uma natureza reflexa. Várias vezes em seu livro ele acrescentou
a afirmação de que as reações têm uma natureza motora. A percep-
ção, em sua opinião, estava baseada em movimentos oculares, o
pensamento era fala inibida e as emoções eram mudanças no estado
de órgãos internos (Vygotsky, 1926i, p. 15/39). Tendia a acreditar,
como Sechenov e Watson, que o pensamento era baseado na ativi-
dade muscular, e afirmava que “Imaginando-se uma paralisia com-
pleta de todos os músculos, chega-se à conclusão natural de que
todo o pensamento teria uma parada completa” (Vygotsky, 1926i, p.
169).
Não fica claro, porém, em que medida ele acreditava consistente-
mente na natureza motora de todo o comportamento humano. Em
outras passagens do livro — analisando outros processos mentais —,
Vygotsky referiu-se a processos de secreção interna e a outros pro-
cessos químicos como a base definitiva do comportamento humano
(ibid., pp. 50-5). Tal atitude provavelmente reduz-se à afirmação
mais geral e menos instigante — ou profundamente não-instrutiva,
como diria James (1902/1985, p. 12) — de que todos os processos
mentais têm um substrato material.
Vygotsky estava perfeitamente consciente do teor reducionista
dessas afirmações. Poder-se-ia pensar — escreveu ele — que, ten-
do-se estabelecido a natureza motora e reflexa do pensamento, qual-
quer diferença entre pensamento inteligente e consciente, por um
lado, e reflexos e instintos, por outro, teria desaparecido. Nesta
visão, o ser humano seria um autômato mecanicista, reagindo a
estímulos ambientais (Vygotsky, 1926i, p. 173). Surpreendentemen-
te, ele desejava opor-se a este ponto de vista.
Como, então, Vygotsky reteve a idéia da natureza especial do
pensamento humano e do comportamento em geral? Em nossa
opinião, durante esse período de seu desenvolvimento científico, suas
idéias ainda não estavam completamente claras quanto a essa im-
portante questão. Uma linha de seu raciocínio foi desenvolvida para
mostrar as diferenças entre o comportamento animal e humano. De
acordo com Vygotsky, o comportamento animal podia ser inteira-
mente explicado com referência a (1) reações inatas e (2) reflexos
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 65

condicionados (que eram eles próprios combinações de reações ina-


tas e experiência pessoal) (Vygotsky, 1926i, p. 40). Mas seres huma-
nos — e aqui Vygotsky baseava-se fortemente no pensamento mar-
xista — diferiam dos animais em aspectos fundamentais: eles têm
uma história social coletiva e não se adaptam passivamente à na-
tureza. Além disso, eles mudam ativamente sua natureza de acordo
com sua vontade. Essa transformação da natureza é realizada fa-
zendo-se uso de instrumentos no processo de trabalho. Por meio
deste raciocínio — que iria reaparecer (em forma mais elaborada)
para corroborar seus escritos repetidas vezes (ver capítulo 9) —,
Vygotsky desenvolveu a seguinte explicação para o comportamento
humano: este só pode ser completamente explicado levando-se em
conta (1) reações inatas, (2) reflexos condicionados, (3) experiência
histórica, (4) experiência social, e (5) experiência “duplicada”
(udvoennyj). Este último termo necessita de algum esclarecimento.
Vygotsky citou a passagem da aranha de Marx (em que Marx com-
parou aranhas e abelhas aos seres humanos e concluiu que a ca-
racterística distintiva não era a qualidade de suas construções, mas
a capacidade de prever o resultado; ver Marx, 1890/1981, p. 193)
para exemplificar o conceito de que seres humanos planejam cons-
cientemente suas atividades e prevêem o resultado. Aparentemente,
ele sentiu necessidade de conciliar a idéia de Marx com a abordagem
reflexológica geral e procurou uma base reflexológica para atividades
planejadas e livre arbítrio. O conceito de experiência udvoennyj deveria
servir a esta função. Ele implicava que o organismo reage duas
vezes: a primeira a acontecimentos externos e a segunda a aconte-
cimentos internos. O plano (interno) de construir uma casa seria um
estímulo para o processo efetivo de construção, ao passo que o
plano em si surgia como resultado de alguma reação a um evento
externo. Desta forma, atividades conscientes são (1) na verdade
reações a estímulos internos que (2) surgem como reações a estímu-
los externos. Têm, portanto, uma natureza “dupla” e podem ser
chamadas de “experiência duplicada”.
Ao apresentar uma abordagem reflexológica, Vygotsky sentiu-se
compelido a explicar o fenômeno da unidade no comportamento
humano: seres humanos não parecem estar à mercê de miríades de
estímulos recebidos; ao contrário, demonstram em seu comporta-
mento um grau de coerência e de estabilidade que sugere a ação de
mecanismos seletivos e coordenadores. Para explicar essa aparente
coerência, Vygotsky recorreu ao conceito de reações dominantes de
Ukhtomsky (ver também capítulo 2). Os estímulos ambientais —
comparados por Vygotsky (1926i, p. 45) a uma multidão de pessoas
apavoradas tentando passar pelas portas estreitas de algum prédio
público — competem pelas áreas motoras (dvigatel’noe pole) no cé-
rebro e apenas um estímulo terá sucesso e se tornará o dominante.
66 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Toda a energia das partes circundantes do cérebro irá fluir para


esse campo, fazendo o organismo subordinar todas as outras ativi-
dades a esse estímulo dominante e criando a impressão de uma
atividade coerente e bem organizada.
Apesar do tom geral reflexológico e reactológico da obra de
Vygotsky nessa época, sua importância não deve ser exagerada. Ao
analisar os vários aspectos do ensino, ele raramente referia-se à
estrutura reflexológica subjacente, e tem-se a nítida impressão de
que a seleção de assuntos para o livro e seu tratamento geral foram
pouco influenciados por sua postura metodológica.

Educação

A visão de Vygotsky sobre a relação entre educação e desenvol-


vimento conforme expressa em Psicologia pedagógica não era origi-
nal na época, pois ele fazia referências freqüentes, entre outras, às
obras de Blonsky. Esta visão também era diferente das que ele viria
a adotar na década de 30 e pelas quais se tornaria famoso. Seu
princípio básico em 1924 era que os alunos, de alguma maneira
fundamental, estão na verdade educando a si próprios, já que é a
nova experiência pessoal que leva à formação de novas reações
(Vygotsky, 1926i, p. 336), e nos perguntamos se isso refletia suas
próprias experiências na escola (ver capítulo 1). A única coisa que
preceptores e professores podem fazer é dispor o ambiente em que
as crianças e alunos estão situados de forma a maximizar as pos-
sibilidades de formação de novas reações. Vygotsky enfatizou a
necessidade de que os alunos aprendessem a partir de suas pró-
prias atividades: seu papel não deveria ser reduzido ao de receber
passivamente o conhecimento aceito.
Embora destacasse a importância da experiência pessoal e pri-
vada, Vygotsky opunha-se ao chamado movimento da “educação
livre” que era predominante na União Soviética nessa época (ver
Kozulin, 1984). As crianças não deveriam ser deixadas por sua própria
conta enquanto estivessem adquirindo novo conhecimento e sabedo-
ria, já que isto seria equivalente a não educá-las, deixando seu
desenvolvimento por conta das forças prejudiciais da “rua”. Educar
crianças significa necessariamente restringir sua liberdade de ação,
raciocinou Vygotsky, às vezes no interesse da própria criança, às
vezes no interesse da coletividade (1926i, p. 242). O papel dos pais
e dos professores é e deve ser enorme: ao formar parte do ambiente
das crianças e organizar esse ambiente, eles irão direcionar de
maneira considerável o desenvolvimento mental delas. Essa ênfase
também estava claramente expressa nas definições de educação dadas
por Vygotsky. No começo do livro, ele definiu o processo educacional
(vospitatel’nyj) como o “processo de reforma social [perestrojka] de
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 67

formas biológicas de comportamento” (Vygotsky, 1926i, p. 10). Mais


adiante, preferiu a definição semelhante de Blonsky de educação/
criação como a “influência e interferência planejadas, direcionadas,
intencionais e conscientes nos processos naturais de crescimento da
criança” (1926i, p. 67).
Detecta-se um vislumbre da filosofia pessoal de vida de Vygotsky
quando se lê Psicologia pedagógica. Ele dizia que os professores
deveriam ser profissionais que estimulassem a criança a adotar uma
abordagem ativa em relação à vida, pois a vida é uma luta contínua
e o professor deveria ser um lutador além de um artista. Idealmente,
a vida humana é trabalho criativo, afirmava Vygotsky. A pessoa será
transformada nesse processo de trabalho criativo, atingindo novos
níveis de insight e de compreensão.

A plasticidade do homem

Havia alguma tensão entre o “pathos” revolucionário daqueles


dias a respeito da criação de um “novo homem” e as descobertas
científicas que Vygotsky apresentava. Por um lado, ele afirmava que
o comportamento infantil não é um brinquedo de forças ambientais:
o desenvolvimento da criança, Vygotsky afirmava, é sempre resulta-
do de uma luta dialética entre “o homem e o mundo”, onde o papel
da constituição hereditária não é menor que o do ambiente (1926i,
p. 62). Este comentário e outros semelhantes parecem indicar que
Vygotsky via limites definidos para as possibilidades de transformar
os seres humanos por meio de reformas da sociedade e não era de
forma alguma um ambientalista extremo.
Por outro lado, Psicologia pedagógica foi de longe o livro mais
ideológico de Vygotsky e continha muitas referências às perspectivas
da nova sociedade sem classes e às possibilidades de reforma da
natureza humana. Entre outras coisas, Vygotsky fazia referência à
análise de Marx e Engels das subestruturas econômicas da socieda-
de. Também reiterava a idéia do caráter de classes do ambiente
social e de sua ideologia e falava da natureza classista dos estímulos
que moldam o comportamento de cada criança. Em sua opinião,
portanto, toda educação tinha sua base classista, fato que era cla-
ramente corroborado pelo exame de uma sociedade capitalista, na
qual as crianças aprendiam uma mentalidade e moralidade burgue-
sas. Felizmente, era possível “executar a música da revolução”, crian-
do, assim, uma nova sociedade (Vygotsky, 1926i, p. 215-27).
Tem-se a impressão de que Vygotsky acreditava sinceramente
nas declarações utópicas dos principais ideólogos e políticos sovié-
ticos sobre o futuro Estado comunista (ver também capítulo 4). Ele
repetia, por exemplo, a idéia de que, tendo criado a nova sociedade,
68 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

o homem comunista viveria sem conflitos. Era através das reformas


sociais que a abençoada transformação da humanidade se tornaria
real. “A revolução empreende a reeducação de toda a humanidade”,
afirmou Vygotsky (1926i, p. 345), citando Trotsky no que diz res-
peito às possibilidades de transformação do ser humano. Expres-
sando uma mistura de idéias eugênicas e de pensamento político
progressivo (também defendidos por alguns dos intelectuais esquer-
distas ocidentais da época, entre eles George Bernard Shaw [Gould,
1981; Kevles, 1985, p. 86]), Vygotsky acrescentou que não devemos
“nos curvar às leis sombrias da hereditariedade e da seleção sexual
cega” (1926i, p. 347). A plasticidade ilimitada do material humano
poderia ser explorada organizando-se o ambiente social da maneira
correta. A passagem final de Psicologia pedagógica (pp. 347-8) dá
testemunho de uma fé quase ilimitada na possibilidade de melhoria
do homem e merece ser citada de forma integral.
O homem finalmente levará a sério a idéia de harmonizar-se. Estabe-
lecerá para si a meta de proporcionar ao movimento de seus próprios
órgãos — durante o trabalho, ao caminhar, durante o lazer — a má-
xima precisão, utilidade, economia e, portanto, beleza. Ele deseja
dominar os processos semi-inconscientes e, depois disso, também os
processos inconscientes de seu próprio organismo: respiração, circu-
lação do sangue, digestão, fecundação — e, dentro dos limites neces-
sários, submetê-los ao controle da razão e da vontade. A espécie
humana, que se cristalizou na forma de homo sapiens, será outra vez
radicalmente remoldada e irá dominar o conjunto de complexos méto-
dos de seleção artificial e treinamento físico. Isto está inteiramente de
acordo com o desenvolvimento. O homem primeiramente baniu o ele-
mento escuro [stikhija] da produção e da ideologia, suplantando a
rotina bárbara por meio da técnica científica, e a religião pela ciência.
Depois, baniu a inconsciência da política, derrubando a monarquia e
a sociedade de classes por meio da democracia, do parlamentarismo
racionalista e, depois disso, pela totalmente articulada ditadura sovié-
tica. O elemento escuro [stikhija] estava mais fortemente abrigado nas
relações econômicas, mas também aí o homem irá destruí-lo através
da organização socialista da economia. Por fim, no canto mais profun-
do e mais escuro da inconsciência, estava escondido o incontrolável
[stikhijnyj], o subterrâneo, a natureza do próprio homem. Não está
claro que os maiores esforços do pensamento científico e da iniciativa
criadora serão direcionados para lá? A espécie humana não vai parar
de arrastar-se de quatro diante de Deus, czares e do capital apenas
para curvar-se obedientemente diante das leis sombrias da heredita-
riedade e da seleção sexual cega! O homem libertado vai querer alcan-
çar um maior equilíbrio no funcionamento de seus órgãos, um desen-
volvimento e desgaste mais regular de seus tecidos. Só assim ele trará
o medo da morte para dentro dos limites de uma reação adequada do
organismo ao perigo, pois não há dúvida de que é precisamente a
extrema desarmonia anatômica e fisiológica do homem, a excessiva
irregularidade do desenvolvimento e desgaste de órgãos e tecidos que
dão ao instinto da vida a forma mórbida, frustrada e histérica de medo
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 69

da morte. Ela [a desarmonia] obscurece a razão e nutre fantasias


estúpidas e degradantes sobre a vida do além-túmulo. O homem es-
tabelecerá para si a meta de dominar seus próprios sentimentos, ele-
var os instintos à altura da consciência para torná-los transparentes,
criar pontes entre a vontade e o oculto e o subterrâneo e, assim,
elevar-se a um novo nível — para criar um tipo biológico social “su-
perior” — um super-homem.

Esta citação mostra em que medida Vygotsky estava influenciado


pela ideologia predominante e pelo zelo revolucionário da época. Mostra
também quanto ele havia evoluído desde o rapaz sonhador que anali-
sava os encontros de Hamlet com fantasmas. O trecho citado expressa
um ideal de um homem racional que, provavelmente, foi nutrido pelas
freqüentes leituras de Spinoza (ver capítulos 9 e 14).
O fato de Vygotsky, ao esboçar sua utopia, ter se referido uma vez
a Trotsky e ter utilizado o conceito de Super-homem de Nietzsche —
como o fez Shaw em seu Homem e super-homem (ver Kevles, 1985, pp.
86-91) — para descrever as qualidades do “novo homem” impediram
até agora a reedição desse livro pouco conhecido na União Soviética.

Freud

Como no manuscrito A psicologia da arte (ver capítulo 2), em


Psicologia pedagógica Vygotsky referiu-se com freqüência à teoria
freudiana. A diferença entre eles é que, em Psicologia pedagógica, não
havia nenhuma indicação de uma atitude crítica quanto às idéias do
mágico vienense. Vygotsky parecia aceitar totalmente as idéias de Freud
e, entre outras coisas, sugeriu a futuros professores que Freud havia
descoberto a existência da sexualidade infantil e a origem de neuroses
de base sexual. Também adotou a teoria de mecanismos de defesa de
Freud e dedicou várias páginas a uma discussão do conceito de subli-
mação (1926i, pp. 79-84). Por fim, em uma seção do livro chamada “O
Ego e o Id”, Vygotsky apresentou o modelo de personalidade de Freud
(1926i, pp. 179-80). Tem-se a impressão, portanto, de que Vygotsky,
na época — por volta de 1924 — aceitava de forma não crítica uma
grande parte do pensamento de Freud. Uma outra possibilidade é que
ele simplesmente desejasse apresentar a futuros professores uma visão
geral imparcial das correntes contemporâneas da psicologia e tenha
evitado deliberadamente expressar sua própria avaliação.

Fala

Uma vez que Vygotsky iria se tornar famoso mais tarde por sua
maneira de considerar a fala, entre outras coisas, é de algum inte-
resse examinar o tratamento que ele dá a esse assunto em Psicologia
70 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

pedagógica (pp. 175-9). Vygotsky disse que os filólogos haviam es-


tabelecido três estágios no desenvolvimento de todas as línguas.
Esses três estágios, aparentemente, também estavam presentes no
desenvolvimento da criança. No primeiro estágio, a fala é equivalente
ao grito reflexo, ligado à emoção e aos instintos. No segundo estágio,
as crianças detectam seu próprio grito e seu resultado: o apareci-
mento da mãe. A freqüente combinação de grito e mãe levará a um
reflexo condicionado: o ato do organismo está, agora, ligado ao sig-
nificado que ele tem. Vygotsky afirmou que “O grito da criança já
tem significado, porque expressa algo compreensível para a própria
criança e para a mãe” (1926i, p. 176).
Mas, no segundo estágio, ainda não podemos reconhecer a fala
humana, já que os significados são estritamente individuais ou res-
tritos a umas poucas díades criança-mãe. Vygotsky defendeu a idéia
de que, originariamente em todas as línguas, houve uma relação
lógica clara entre o som de uma palavra e seu significado. Nesse
período (mítico), todos os indivíduos compreendiam por que as coi-
sas eram chamadas pelos nomes que tinham. Aos poucos, essa
compreensão perdeu-se e apenas o som e o significado permanece-
ram. O desaparecimento da ligação lógica foi causado pelo fato de
que muito mais pessoas começaram a usar as palavras: gradual-
mente, as pessoas esqueceram, por exemplo, que tinta era origina-
riamente o preto. O terceiro estágio, então, foi caracterizado pelo
fato de que todos os significados eram compartilhados por todos os
membros de uma comunidade de fala.
A função da linguagem oral, afirmava Vygotsky, é dupla: ela é (1)
um meio de coordenação social das ações de várias pessoas e (2) um
instrumento de pensamento. As duas funções parecem estar ligadas no
pensamento de Vygotsky na época, pois, segundo ele, sempre pensa-
mos verbalmente: pensar é falar consigo mesmo. Falando de uma
maneira geral, organizamos nosso comportamento internamente da
forma como organizamos nosso comportamento externamente em re-
lação aos outros. Nosso pensamento, assim, tem um caráter social, e
nossa personalidade (lichnost’) é organizada como interação social
(obshchenie). Este raciocínio levou Vygotsky a afirmar que:
Desta maneira, a criança primeiro aprende a compreender os outros e só
depois, seguindo o mesmo modelo, aprende a compreender a si mesma.
Seria mais exato dizer que conhecemos (znaem) a nós mesmos na medida
em que conhecemos os outros, ou, mais exato ainda, que estamos cons-
cientes (soznaem) de nós mesmos apenas na medida em que somos outro
para nós mesmos, ou seja, um estranho (postoronnyj) (1926, p. 179).

Esta é a razão, Vygotsky concluiu, pela qual a fala, o instru-


mento de ação recíproca social, é, ao mesmo tempo, o instrumento
de ação recíproca íntima consigo mesmo. Esta idéia geral constituiu
PSICOLOGIA PEDAGÓGICA 71

um tema constante em escritos de Vygotsky e, muito provavelmente,


baseava-se em suas leituras de Janet e, através de Janet, em última
instância, no pensamento de Baldwin (ver Van der Veer e Valsiner,
1988; Valsiner e Van der Veer, 1988).

Testes mentais

Em 1936, Vygotsky seria acusado postumamente de abusar de


testes de inteligência, enviando crianças para escolas especiais com
base no baixo número de pontos obtidos em testes (ver capítulo 16).
Em vários capítulos deste livro, será mostrado que essa acusação era
nitidamente falsa. Na verdade, em Psicologia pedagógica pode-se ver
Vygotsky alertando para um uso cauteloso de testes mentais. Tendo
explicado o princípio fundamental dos testes mentais de Binet-Simon
e Rossolimo, Vygotsky fez imediatamente alguns comentários críticos.
Embora esses testes possam nos proporcionar algumas indicações,
segundo Vygotsky eles têm inconvenientes claros. Em primeiro lugar,
não existe algo como um dom geral: Tchekov pode ter sido um escritor
brilhante, mas era um médico bastante medíocre. Da mesma forma,
algumas crianças são bem dotadas intelectualmente, ao passo que
outras podem tornar-se artistas criativos. Deve-se ter cautela, portan-
to, para não enviar crianças a formas especiais de educação com base
apenas nessas avaliações de capacidade intelectual. Este raciocínio
estava de acordo com a idéia geral de Vygotsky de uma educação
abrangente, incluindo o estímulo do desenvolvimento moral, emocional
e estético. Colocava-se contra um treinamento intelectual unilateral,
afirmando que é possível discernir não só o pensamento talentoso, mas
também o “sentimento talentoso” (1926i, p. 115). Em segundo lugar,
Vygotsky apresentou um argumento ecológico, dizendo que os resulta-
dos de testes mentais são obtidos em uma situação artificial. Portanto,
não há garantia de que serão válidos nas circunstâncias da vida coti-
diana (1926i, p. 331). Esta linha de raciocínio estava de acordo com
sua idéia geral quanto à utilidade de testes e exames nas escolas. Em
geral, ele era contra exames formais, porque estes tendem a nos dar
um quadro distorcido do verdadeiro nível de conhecimento e habilida-
des da criança (1926i, p. 74), por deixarem a criança nervosa e, assim,
levarem-na a apresentar um desempenho abaixo do satisfatório.

Conclusões

Nos parágrafos anteriores, foram apresentados alguns dos te-


mas tratados em Psicologia pedagógica. Fica claro que Vygotsky
estava muito influenciado pelo pensamento de Pavlov nessa época,
mas via nitidamente seus limites. No capítulo 6, veremos que as
72 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

visões de Vygotsky neste período estavam próximas da visão de


mundo reactológica de Kornilov. Suas idéias utópicas sobre o novo
homem na nova sociedade soviética, sua discussão indulgente das
hipóteses de Freud, sua abordagem materialista de questões psico-
lógicas e sua afirmação de que o homem era fundamentalmente
diferente dos animais estavam em completa harmonia com o “ethos”
(caráter) geral da época. O fato de Vygotsky já ter terminado seu
manuscrito de Psicologia pedagógica em 1924 pode, portanto, ter
facilitado bastante sua entrada na psicologia acadêmica (ver capítu-
lo 6). Apenas alguns anos depois — durante o amadurecimento da
teoria histórico-cultural — foi que Vygotsky desenvolveu uma pers-
pectiva distintamente nova em psicologia.
73

4
Defectologia

O termo “defectologia” era tradicionalmente usado para a ciência


que estudava crianças com vários tipos de problemas (“defeitos”) men-
tais e físicos. Entre as crianças estudadas estavam surdos-mudos,
cegos, não-educáveis e deficientes mentais. Idealmente, um diagnóstico
defectológico de determinada criança e um prognóstico para sua recu-
peração (parcial) baseavam-se nas avaliações combinadas de especia-
listas nas áreas de psicologia, pedagogia, psiquiatria infantil e medicina.
O interesse de Vygotsky por problemas de defectologia provavel-
mente surgiu durante seu trabalho como professor em Gomel, mas
só se tornou evidente em 1924, com sua primeira publicação nessa
área. Esses escritos refletem o trabalho que estava realizando no
subdepartamento de educação de crianças defeituosas no Narkompros
(Comissariado de Educação), que ele combinava com suas ativida-
des no Instituto de Psicologia Experimental de Kornilov. Aos poucos,
tornou-se consultor de diversos especialistas que trabalhavam com
“crianças defeituosas” em vários institutos (ver capítulo 1) e come-
çou ele mesmo a estudar as crianças. Luchkov e Pevzner (1981, p.
66) comentaram que, uma vez por semana, os casos clínicos mais
interessantes eram diagnosticados em um reunião coletiva de psi-
quiatras, psicólogos, pedagogos, estudantes e outras pessoas inte-
ressadas. Essas reuniões ocorriam sob o comando de Vygotsky, e
conta-se que atraíam até 250 pessoas. Isso faz pensar que Vygotsky
e seus companheiros de trabalho estavam seguindo a grande tradi-
ção psiquiátrica de diagnosticar e demonstrar pacientes em público.
Os protocolos de diagnóstico dessas sessões clínicas foram guarda-
dos por algum tempo por um colaborador de Vygotsky, L. Geshelina,
mas, infelizmente, parecem ter se perdido durante a guerra e depois
da morte de Geshelina (Luria, 1979, p. 53). Embora, de acordo com
vários contemporâneos (p. ex., Bejn, Vlasova, Levina, Morozova e
Shif, 1983, p. 340), o próprio Vygotsky fosse um clínico muito
talentoso, isto não é mostrado em seus escritos, que, em regra geral,
não trazem detalhes clínicos. Assim, em contraste com outros escri-
tores dessa área (p. ex., Janet, 1926, 1929; e Wallon, 1925), Vygotsky
raramente apresentava histórias de casos para ilustrar seus pontos
74 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

de vista, mas restringia-se a apresentar o que considerava como


lições teóricas importantes aprendidas durante o trabalho prático
nessa área.
Sabemos que Vygotsky incluía invariavelmente entre os sujeitos
que participavam dos muitos experimentos que ele supervisionava certo
número de pessoas “anormais”, como crianças surdas ou cegas, pes-
soas com afasia ou pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas. Crian-
ças com problemas mentais, por exemplo, eram solicitadas a solucio-
nar a tarefa da cor proibida (ver capítulo 9) e um número de crianças
com problemas mentais e esquizofrênicos participaram dos experimen-
tos de formação de conceitos (ver capítulo 11). Mas em nenhum lugar
na obra de Vygotsky encontramos uma análise clara e exaustiva dos
resultados experimentais desses sujeitos “desviantes”. Para um relato
indireto de vários dos experimentos realizados, o leitor deve consultar
Zankov (1935a), que seguiu fielmente a abordagem de Vygotsky e dedicou
seu livro a seu ex-professor.
Podemos concluir, portanto, que os escritos defectológicos de Vygotsky,
embora de importância potencial para o trabalho prático com crianças
“defeituosas”, são de uma natureza bastante geral e teórica.
É importante e interessante estudar os escritos defectológicos
de Vygotsky a partir de vários pontos de vista. Primeiro, eles têm um
valor intrínseco e, supostamente, tiveram grande influência no de-
senvolvimento da defectologia na União Soviética (Bejn, Vlasova,
Levina, Morozova e Shif, 1983, pp. 333-41; Luchkov e Pevzner, 1981,
pp. 64-7). Segundo, estão intimamente ligados ao restante de sua
obra e, às vezes, proporcionam uma pista para uma compreensão do
desenvolvimento de seu pensamento como um todo. Por fim, uma
análise de seu trabalho nesta área irá mostrar as várias fases de sua
obra. A partir de 1924, Vygotsky tentou formular sua própria visão
da criança “defeituosa”, tarefa esta que nunca foi completada e
prosseguiu até sua morte, em 1934.

Primeiros escritos: a importância da educação social

Os primeiros escritos de Vygotsky na área da defectologia


(Vygotsky, 1924f; 1925b-d; 1925i) concentraram-se nos problemas
de crianças surdas-mudas, cegas e deficientes mentais, e culmina-
ram em sua viagem à Alemanha, Holanda, Inglaterra e França no
verão de 1925 (ver introdução à parte I).
Uma característica comum desses primeiros escritos é sua ênfase
na importância da educação social de crianças deficientes e no
potencial da criança para o desenvolvimento normal. Esta ênfase
estava intimamente ligada à análise de Vygotsky do papel de qual-
quer defeito físico na vida da criança. Ele afirmava que todas as
DEFECTOLOGIA 75

deficiências corporais — seja a cegueira, surdo-mudez ou um retar-


do mental congênito — afetavam antes de tudo as relações sociais
das crianças e não suas interações diretas com o ambiente físico. O
defeito orgânico manifesta-se inevitavelmente como uma mudança
na situação social da criança. Assim, pais, parentes e colegas irão
tratar a criança deficiente de uma maneira muito diferente das outras
crianças, de um modo positivo ou negativo.
Para Vygotsky, esse fato social era, por sua vez, uma manifestação
da principal diferença entre seres humanos e animais. Ele raciocinava
que, para os seres humanos, em contraste com os animais, um defeito
físico jamais afetará a personalidade do sujeito diretamente. Porque
entre os seres humanos e seu mundo físico coloca-se seu ambiente
social, o qual refrata e transforma suas ações recíprocas com o mundo
(1924i, p. 63). Portanto, na visão de Vygotsky, era o problema social
resultante de uma deficiência física que deveria ser considerado como
o problema principal. Para dar substância a esta idéia, ele citou uma
declaração de um autor contemporâneo de que crianças cegas não
percebem originalmente sua cegueira como um fato psicológico. Ela é
percebida apenas como um fato social, um resultado secundário e
mediado de sua experiência social (1924i, p. 68; 1925f, p. 52).
A partir dessas premissas, Vygotsky raciocinou que a educação
social, baseada na compensação social dos problemas físicos, era a
única maneira de proporcionar uma vida satisfatória para crianças
“defeituosas”. Em sua opinião, as escolas especiais da época faziam
pouco em termos dessa educação social. Influenciadas por idéias reli-
giosas e filantrópicas, remanescentes de uma mentalidade burguesa
originada no mundo ocidental, enfatizavam a situação infeliz das crian-
ças e a necessidade de que elas carregassem sua cruz com resignação.
Em contraste, Vygotsky defendia uma escola que se abstivesse de
isolar essas crianças e, em vez disso, integrasse-as tanto quanto pos-
sível na sociedade. As crianças deveriam receber a oportunidade de
viver junto com pessoas normais. Para esse objetivo, Vygotsky defendia
a necessidade de realizar um experimento examinando os resultados
da educação conjunta de crianças cegas e normais (1924i, p. 74).
Enfatizando que essas crianças defeituosas eram 95 por cento saudá-
veis e tinham potencial para um desenvolvimento normal, ele reivindi-
cava ardorosamente que os muros das escolas especiais fossem derru-
bados e que essas crianças participassem do komsomol, onde poderiam
ser educadas para tomar parte nas atividades de trabalho normais. Ao
participarem do movimento pioneiro, as crianças surdas-mudas e ce-
gas viveriam e se sentiriam como o resto do país. Seus pulsos “bate-
riam em uníssono com o pulso das enormes massas do povo” (1924i,
pp. 75-6; 1925b, pp. 112-113).
Havia tons utópicos evidentes em seus escritos defectológicos
dessa época. Ecoando a retórica e a emoção gerais da década de 20,
76 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

ele afirmava que “A educação social que surgiu na grande época da


reforma final da humanidade é chamada a realizar aquilo com que
a humanidade sempre sonhou como um milagre religioso: que os
cegos pudessem ver e os surdos pudessem ouvir” (1924i, p. 71).
Participando da vida social em todos os seus aspectos, as crian-
ças iriam, em um sentido metafórico, superar sua cegueira e sua
surdez. Vygotsky não tinha dúvidas de que tal educação social era
urgentemente necessária. Ele afirmava repetidamente que a antiga
idéia de haver alguma compensação biológica automática para cer-
tos defeitos havia se mostrado errada. Assim, estava demonstrado
que nem todos os indivíduos cegos tinham necessariamente uma
audição superior. Quando eles apresentavam um desempenho me-
lhor do que o das pessoas normais, isso era resultado de suas
circunstâncias e treinamentos especiais.
O tom claramente otimista dos escritos de Vygotsky nesses anos
não era excepcional, e nem suas idéias eram muito originais. Os pes-
quisadores presentes no Segundo Encontro sobre Proteção Social-Ju-
rídica de Menores realizado em 1924 aceitaram resoluções que decla-
ravam que a educação de crianças deficientes e normais deveria ser
combinada em grande medida e enfatizaram a idéia de que as crianças
na primeira categoria deveriam ser educadas para se tornarem traba-
lhadores socialmente valorizados (Bejn, Levina, Morozova, 1983, p. 348).
Vygotsky (1925f) foi um dos palestrantes nesse encontro. As novas
idéias na União Soviética em si mesmas refletiam os desenvolvimentos
de pesquisa e as atitudes mudadas em relação a “crianças defeituosas”
que estavam surgindo no Ocidente, sendo que a principal diferença, de
acordo com Vygotsky (1925f, p. 62), era que, no Ocidente, isso era uma
questão de “caridade social”, enquanto na União Soviética era uma
questão de “educação social”.
Ao falar sobre os problemas especiais de crianças cegas e surdas,
Vygotsky fez algumas declarações que foram particularmente relevan-
tes para a compreensão do desenvolvimento de seu pensamento. Várias
vezes, ele argumentou que aprender a escrita Braille não difere, em
princípio, da aprendizagem da escrita normal, uma vez que a apren-
dizagem de ambos os tipos de escrita baseia-se na conjugação múltipla
de dois estímulos. Vista do ponto de vista fisiológico, em ambos os
casos a aprendizagem da escrita estava baseada na formação de refle-
xos condicionados, sendo a única diferença que órgãos receptivos di-
ferentes eram condicionados a estímulos ambientais diferentes. Para
Vygotsky, portanto, a cegueira e a surdez não eram nada mais do que
a falta de uma das possíveis vias para a formação de reflexos condi-
cionados com o ambiente (1924i, p. 66; 1925b, p. 102; 1925f, p. 53).
A solução era simplesmente a substituição da via tradicional por uma
outra e, conseqüentemente, não era necessária nenhuma teoria espe-
cial para o tratamento de crianças surdas ou cegas. Em última instân-
DEFECTOLOGIA 77

cia, Vygotsky pensou, o olho não é nada mais do que um instrumento


servindo a determinada atividade, que pode ser substituído por um
outro instrumento (1924i, p. 73). Aceitando uma idéia apresentada por
Birilev (1924), ele afirmou que, para o cego, a outra pessoa pode atuar
no papel de instrumento, como um microscópio ou telescópio. O passo
na direção da outra pessoa — a cooperação com os outros, transcen-
dendo os limites da pedagogia individualista — era a base vital de
qualquer pedagogia especial.
Segue-se disso que, no caso de crianças cegas, a tarefa do
defectologista consiste em ligar os sistemas e signos simbólicos a
outros órgãos receptivos (p. ex., pele, ouvido). Em princípio, isto não
mudaria nada. O fato de se ler letras góticas, letras romanas ou
escrita Braille não altera a idéia de leitura. Portanto, Vygotsky po-
deria afirmar que “Importante é o significado, não o signo. Mudare-
mos o signo [e] reteremos o significado” (1924i, p. 74). A tarefa das
escolas especiais ou dos professores especiais era o treinamento
desses sistemas especiais de símbolos.
A surdez, Vygotsky declarava, é um defeito menos sério do que
a cegueira. Tem, porém, conseqüências mais sérias: a falta de fala
priva crianças surdas de contatos sociais e experiências sociais. Isto
é muito grave, “Pois a fala é não somente um instrumento de comu-
nicação, mas também um instrumento de pensamento; a consciên-
cia desenvolve-se principalmente com a ajuda da fala e origina-se na
experiência social” (1924i, p. 78).
Referindo-se a Natorp e usando uma idéia formulada pela primei-
ra vez por Baldwin e Janet, Vygotsky enfatizou que um ser humano
tomado isoladamente é apenas uma abstração. Mesmo ao pensar con-
sigo mesmo, o homem mantém a ficção da comunicação. Em outras
palavras, sem a fala não haveria consciência, nem autoconsciência.
Durante esses anos, Vygotsky manteve a opinião de que professo-
res especiais tinham que ensinar às crianças surdas-mudas a lingua-
gem oral, que, para ele, era a única que poderia levar ao desenvol-
vimento de conceitos abstratos. Nem a mímica nem a linguagem dos
sinais deveriam, portanto, ser permitidas pelo professor. A aprendi-
zagem da linguagem oral seria incentivada, tornando-se a tarefa
interessante para as crianças, criando uma atmosfera em que as
crianças sentissem a necessidade de falar (1925f, p. 55). Aconselha-
va, portanto, a integração do ensino da fala ao uso de todo tipo de
jogos e de brincadeiras que induzissem a linguagem oral de uma
maneira natural. Dessa forma, o interesse da criança pelo uso da
fala seria incentivado. Esta posição era uma reação aos métodos
usados na época, que enfatizavam o lado técnico da linguagem oral,
sem levar em conta a idéia de que a fala para crianças surdas-
mudas deveria ser um instrumento de comunicação que elas gostas-
sem de usar. Assim, ensaiando interminavelmente a pronúncia certa
78 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

de palavras específicas, as crianças não aprendiam a usar a fala


como um instrumento de ação mútua social, dando preferência à
mímica ou à linguagem de sinais para comunicar suas idéias. Nas
palavras de Vygotsky, elas aprendiam “pronúncia, e não fala”. Em
uma palestra dada em 25 de maio de 1925, durante um encontro
do Conselho Pedagógico do Conselho Científico Estadual, ele apre-
sentou um plano detalhado para a investigação comparativa de vários
métodos que estavam de acordo com seu modo de pensar (1925c).
Ao adotar a abordagem correta, podemos criar um novo mundo
para nossas crianças deficientes, concluiu Vygotsky. Reiterando sua
idéia de que o defeito em si não passa de uma avaliação social de
alguma variação física, ele pedia ao leitor que imaginasse uma terra
onde a cegueira ou a surdo-mudez fossem altamente valorizadas.
Em tal lugar, essas deficiências não iriam existir como fato social.
De forma semelhante, a introdução de uma educação social que
incentivasse as crianças deficientes a se tornarem trabalhadores
socialmente valorizados eliminaria a idéia de defeito como um fato
social na nova sociedade (1924i, p. 84).
Essas idéias dão uma dica para uma compreensão do desenvol-
vimento do pensamento de Vygotsky. Em primeiro lugar, é evidente que
Vygotsky, nessa época, ainda pensava muito em termos de reflexologia.
Como vimos, ele considerava que aprender a ler não era nada mais do
que o estabelecimento de reflexos condicionados. Segundo, pode ser
observado que várias idéias que se tornariam de importância primária
em anos posteriores já estão sendo defendidas. Por exemplo, Vygotsky
mencionou a idéia do olho e da fala como “instrumentos” para a exe-
cução de alguma atividade (ler e pensar, respectivamente). Em relação
a isso, notamos a primeira formulação da idéia de mediação — seres
humanos sem contato direto com o ambiente físico e tendo que se
apoiar em outros sociais ou em instrumentos sociais. Também era
digna de nota sua distinção implícita entre signos e significados e sua
ênfase neste último conceito. Esta atitude parece contradizer uma afir-
mação constantemente feita de que Vygotsky desenvolveu-se de um
período em que concentrava-se exclusivamente em signos para uma
compreensão mais madura da relevância dos significados das palavras.
Embora de fato exista alguma verdade nessa afirmação, este exame
das primeiras idéias de Vygotsky sobre defectologia mostra que a dis-
tinção era bem nítida para Vygotsky e que ele não hesitava em optar
pelo conceito de significado.

“Flertes” com Adler

Foi em 1927 que os pontos de vista de Vygotsky a respeito de


problemas de defectologia sofreram uma súbita mudança. Sob a influên-
cia da terceira edição de Praxis und Theorie der Individualpsychologie,
DEFECTOLOGIA 79

de Adler (1927), ele começou a enfatizar a possibilidade de compensa-


ção e mesmo supercompensação para defeitos físicos de crianças
(Vygotsky, 1927c; 1928a; 1928u; 1928ab; 1928ae).
Adler (1927) havia observado que não podemos entender de fato
o comportamento de uma pessoa, a menos que conheçamos sua fun-
ção e seu objetivo. Todos os organismos lutam para alcançar determi-
nada meta, e a tarefa do psicólogo é descobrir essa meta. É preciso,
primeiro, encontrar uma linha imaginária que possa ser traçada atra-
vés dos diferentes aspectos do comportamento de um organismo, para
que então esse comportamento comece a se tornar inteligível para o
observador. Essa linha imaginária liga todos os diferentes aspectos do
comportamento, transformando o organismo em um indivíduo, e apon-
ta como uma seta para algum objetivo futuro. Essa idéia de
direcionamento para uma meta, ou de finalidade do comportamento,
foi elaborada por Adler em oposição à idéia de causalidade e cadeias
de reflexos. Argumentando que apenas o conhecimento das causas do
comportamento jamais nos capacitaria a compreender a unidade e o
curso futuro do comportamento, ele defendeu o ponto de vista funcio-
nal, direcionado para uma meta. Sem a orientação da meta direcional,
o organismo não seria capaz de “dominar o caos do futuro”, e toda a
ação seria um “tatear” cego (1927, p. 2). Conhecendo as intenções de
uma pessoa, porém, pode-se prever mais ou menos seu comportamen-
to, raciocinou Adler. Para dar suporte a esta idéia, sugeriu o exemplo
de um homem pensando em suicídio. Conhecendo sua meta, é bastan-
te fácil prever que ele responderia com a palavra “corda” quando so-
licitado a fazer uma associação rápida com a palavra “árvore”. Mas,
sem esse conhecimento de suas intenções, seria praticamente impos-
sível prever a resposta. Todos os fenômenos psicológicos, portanto,
devem ser entendidos como uma preparação para alguma meta futura.
Adler prosseguiu afirmando que a meta, em grande medida inconscien-
te, de todas as pessoas é ser superior aos outros e alcançar uma
posição superior na vida social. Essa luta para ser superior — ou
semelhante a Deus, em termos de Adler — é em si mesma ridícula,
mas capaz de explicar as ações de indivíduos e seu desenvolvimento.
Cada inabilidade ou incapacidade é sentida subjetivamente como um
obstáculo sério na estrada para a perfeição, que deve ser superado a
qualquer custo. Isto é particularmente verdadeiro para crianças, que
estão cercadas de adultos que as superam em quase todas as áreas
possíveis. O sentimento de inferioridade em relação aos adultos é a
mais poderosa motivação de desenvolvimento para a criança, argumen-
tou Adler (1927, p. 9). Mais importante do que suas capacidades reais
— que podem ser relativamente fracas ou excelentes — é a sua ava-
liação subjetiva dessas capacidades, que geralmente resulta em um
sentimento de inferioridade. Tanto crianças deficientes como normais
são motivadas pela meta única de se tornarem semelhantes aos adul-
80 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

tos e, mais tarde — tendo se tornado adultas elas próprias —, de se


tornarem semelhantes a Deus. Elas estão constantemente lutando por
uma perfeição futura, um futuro que irá compensá-las por sua atual
sensação de inferioridade. Todas as possibilidades de educação e
desenvolvimento da criança dependem desse sentimento de inferio-
ridade (1927, p. 9). Era característica de Adler, portanto, a idéia de
uma luta pela perfeição, causada por um sentimento inicial de infe-
rioridade que, por sua vez, era evocado pela diferença muito real ente
crianças e adultos. No capítulo 7 de seu livro, ele resumiu essa idéia
dizendo que se pode deduzir “uma lei psicológica do salto dialético da
inferioridade orgânica, passando pelo sentimento subjetivo de infe-
rioridade, até a luta psicológica pela compensação ou supercompen-
sação” (1927, p. 57). O resultado da luta pela compensação pode ser
um sucesso — um desenvolvimento normal ou mesmo superior — ou
um fracasso. Neste último caso, ocorreria o desenvolvimento de neu-
roses, que Adler considerava como tentativas malsucedidas de com-
pensação pelo sentimento de inferioridade.
Em vários sentidos, esta teoria harmonizava-se com as idéias an-
teriores de Vygotsky sobre os problemas de defectologia. Primeiro, a
visão de Adler era razoavelmente otimista no sentido em que afirmava
que a inferioridade (“defeitos”) podia ser superada e que a luta pela
compensação podia resultar até mesmo em supercompensação. Segun-
do, a ênfase de Adler na luta por uma posição social era pelo menos
compatível com a idéia de que, para crianças “defeituosas”, era de vital
importância alcançar uma posição na “coletividade” ou sociedade como
um todo. Terceiro, e ligado aos dois primeiros pontos, a teoria de Adler
tirava a ênfase da idéia de uma disposição orgânica para a inferiorida-
de, sublinhando a idéia de compensação futura. Elaborando esse tema,
ele chamou sua própria teoria de “posicional”, devido à ênfase na
posição social, em oposição a teorias “disposicionais”, que enfatizavam
disposições orgânicas (Adler, 1927, p. 56). De modo semelhante, a
teoria da orientação para o futuro de Adler apresentava uma alterna-
tiva bem-vinda à ênfase de Freud na relevância da experiência passada
(Vygotsky, 1927c, p. 37; 1928v, p. 161).
Estas e outras idéias foram recebidas com entusiasmo por
Vygotsky. A princípio, ele gostou particularmente da idéia de que as
tendências compensatórias se originariam de forma automática e
natural na criança “defeituosa”. O defeito em si constituía o estímu-
lo primário para o desenvolvimento da personalidade e o processo
educacional poderia fazer uso dessas tendências naturais (Vygotsky,
1927c, pp. 40-1; 1928ae, p. 183).
Que verdade libertadora para o pedagogo: o cego desenvolve uma
superestrutura psicológica com base na função falha, com uma única
tarefa: substituir a visão; o surdo, de todas as maneiras, desenvolve
meios de superar o isolamento e a reclusão da mudez!... Não sabíamos
DEFECTOLOGIA 81

que um defeito não é apenas pobreza psicológica, mas também uma


fonte de riqueza, não só fraqueza, mas também uma fonte de força
(Vygotsky, 1927c, pp. 40-1).

O uso da palavra “superestrutura” não é, obviamente, aciden-


tal. Vygotsky escolheu deliberadamente esse termo para sugerir uma
analogia com os pontos de vista econômicos e sociológicos de Marx.
Não há dúvida de que Vygotsky, a princípio, acreditou plenamente
na existência de (super)compensação e na exatidão da visão de Adler
sobre essas questões. Várias vezes repetiu a exposição da teoria de Adler
dada acima, citou partes dela (usando principalmente os capítulos 1 e
7 do livro de Adler) e analisou sua importância vital. Dando o exemplo
da vacinação e da resultante “supersaúde” da criança, afirmou que a
supercompensação pelo organismo era um fenômeno onipresente na
biologia que havia sido cientificamente estabelecido acima de qualquer
dúvida razoável (Vygotsky, 1927c, p. 34). Ele tinha consciência, nova-
mente seguindo Adler, de que, para crianças “defeituosas”, as tentati-
vas de compensação de um defeito poderiam levar a um fracasso, mas
enfatizava que a possibilidade de supercompensação em si mostrava
“como um farol” a rota educacional que os esforços deveriam seguir
(Vygotsky, 1927c, p. 46).
É interessante observar como Vygotsky tentou integrar a teoria de
Adler a seu próprio pensamento ainda parcialmente reflexológico e à
ideologia marxista. Vimos acima como ele definiu a educação como o
estabelecimento de reflexos condicionados, sem ver distinção, a prin-
cípio, entre a educação de crianças defeituosas e outras crianças neste
aspecto. Em 1927, ele ainda afirmava isso — e, com base nessa idéia,
chegou a postular a “completa reeducabilidade da natureza humana”
(Vygotsky, 1928v, p. 155) — mas, ao mesmo tempo, dizia que este era
apenas um dos lados da questão e começava a enfatizar a natureza
profundamente única de cada criança defeituosa, o que tornava neces-
sário um sistema especial de educação (1927c, p. 43; 1928ae, p. 182).
Vygotsky considerou que a ênfase de Adler na natureza voltada
para objetivos de todo o comportamento estava de acordo com o con-
ceito do reflexo de meta (refleks ! eli) de Pavlov e comentou várias vezes
que Adler se havia apoiado em Pavlov nesse aspecto (Vygotsky, 1927c,
p. 44; 1928a, p. 96; 1928v, p. 158; 1929m, p. 11). Chegou até a
afirmar que sua própria pesquisa anterior dos fenômenos de reações
dominantes (1926d) também poderia ser explicada com a ajuda do
conceito da supercompensação (1927c, p. 45). Sua conclusão foi que,
“se a doutrina de reflexos condicionados esboça o aspecto horizontal da
pessoa, então a teoria da supercompensação dá seu aspecto vertical”
(1927c, p. 49). Aqui, ele estava parafraseando as palavras do filósofo
emigrado Semyon Frank, como observou Jaroshevsky (1989, p. 125).
A possível conciliação entre a psicologia individual de Adler e o
pensamento marxista foi, a princípio, uma questão aberta para

!
82 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Vygotsky. Ele achava que, pelo menos, poderia haver uma integra-
ção. Assim, observou que Adler estava em atividade no movimento
socialista e havia se referido regularmente aos escritos de Marx e
Engels. Repetindo as linhas de Adler citadas acima no breve resumo
de sua teoria, ele argumentou que a psicologia individual era dialé-
tica, por sua afirmação de que os defeitos resultariam em seus
opostos e por sua ênfase no desenvolvimento contínuo na direção de
uma meta futura (Vygotsky, 1928v, p. 157). A teoria de Adler tam-
bém era decididamente social em sua ênfase no sentimento social de
inferioridade e na luta por uma posição social satisfatória. Além
disso, Adler sublinhou uma idéia de luta social que Vygotsky con-
siderou compatível com o pensamento de Darwin e Marx. Ele achou
que a idéia de que um organismo totalmente adaptado a seu am-
biente não teria necessidade de se desenvolver era característica
tanto de Adler como de Darwin. É precisamente a condição de não
estar adaptado que faz com que espécies ou indivíduos desenvol-
vam-se e deixa o potencial para o desenvolvimento e educação (1927c,
p. 37-8; 1928a, p. 96; 1928v, p. 162). Em 1928, porém, a posição
de Vygotsky havia mudado ligeiramente. Embora ainda apresentas-
se a teoria de Adler com entusiasmo, ele agora acrescentava que as
principais posições filosóficas de Adler eram prejudicadas por seus
elementos metafísicos e que apenas a sua prática era interessante
(Vygotsky, 1928v, p. 156). Teoricamente falando, ele agora conside-
rava a psicologia individual de Adler uma curiosa mistura da abor-
dagem natural-científica de um lado e da abordagem idealista de
outro lado (Vygotsky, 1928v, pp. 164-5; ver também capítulo 7).
A aceitação das visões teóricas gerais de Adler não alteraram
todas as visões de Vygotsky sobre problemas defectológicos mais
específicos. Ele continuava a ver a fala como o fator libertador na
vida de crianças cegas, afirmando que “a cegueira seria superada
pela palavra” (1928a, p. 95; 1928ae, p. 184), e ainda insistia que
exercícios de fala deveriam ser tornados interessantes para crianças
surdas, criando assim uma necessidade interior de falar oralmente
(Vygotsky, 1927c, p. 47). Sua retórica também continuava presente
e levou-o a evocar a imagem ligeiramente grotesca do “novo homem
cego” na nova sociedade (1928a, p. 100).
Porém, vários conceitos haviam mudado definitivamente no pen-
samento de Vygotsky. Por exemplo, sua adoção de uma visão mais
estrutural da personalidade. Anteriormente, Vygotsky havia afirmado
que a cegueira não era nada mais do que a perda de um instrumento
que poderia facilmente ser substituído por outro, mas agora percebia
que a essa verdade “horizontal” deveria ser acrescentada uma verdade
“vertical”, e declarou que “a cegueira não é apenas a falta de visão...
ela causa uma profunda reestruturação de todas as forças do organis-
mo e da personalidade” (1928a, p. 86/89). Acreditava agora que uma
DEFECTOLOGIA 83

deficiência como a cegueira causa uma reorganização de toda a mente,


envolvendo o uso de outros meios, instrumentos e maneiras para al-
cançar as mesmas metas (1929m, p. 12). Essas idéias constituíram um
primeiro passo na direção de suas visões estruturais posteriores refe-
rentes às ligações interfuncionais.

A abordagem histórico-cultural

A partir de 1928, a direção geral dos escritos defectológicos de


Vygotsky mudou. Um trabalho publicado no ano seguinte (1929m)
marcava claramente a transição da teoria adleriana para a aborda-
gem histórico-cultural. Combinava a última análise completa de idéias
adlerianas com a apresentação de um conjunto totalmente novo de
idéias, como as de instrumentos, de funções inferiores e superiores,
de primitivismo etc., todas elas características do que viria a ser
chamado de teoria histórico-cultural (ver capítulo 9).
Com isto não estamos dizendo que as idéias de Adler desaparece-
ram dos escritos de Vygotsky sem deixar traços. Elementos da teoria
de Adler continuaram presentes em anos posteriores (ver Vygotsky,
1928ah, pp. 176-9, com uma referência à Sociedade de Psicologia
Individual, 1928ab, p. 172; 1929y, pp. 139-41), mas eram apresenta-
dos sem a ênfase e as citações entusiásticas anteriores e, na verdade,
sem sequer mencionar o nome de Adler. O rompimento definitivo com
as visões de Adler só foi articulado em Vygotsky (1931o, pp. 119-21)
quando ele afirmou que as oportunidades objetivas presentes no cole-
tivo da criança eram mais importantes para a possibilidade de compen-
sação do que seu sentimento subjetivo de inferioridade.
Também não queremos dizer que sinais da abordagem histórico-
-cultural não tivessem aparecido nos escritos de Vygotsky durante seu
“flerte” com Adler ou mesmo antes disso: vários elementos de uma
abordagem histórico-cultural pareciam estar presentes antes de sua
efetiva formulação. Para dar um exemplo, encontramos a idéia de que
as funções psicológicas humanas são “artificiais, sociais, técnicas” já
em 1928 (Vygotsky, 1928c, p. 95). Talvez as origens da teoria histórico-
-cultural de Vygotsky e Luria possam ser encontradas, em grande
medida, no domínio da pesquisa defectológica. Não foram apenas fatos
como a existência da escrita Braille que podem ter levado Vygotsky a
pensar no funcionamento psicológico como um uso de instrumentos,
mas havia também um conjunto de trabalhos nessa área que podem
ter estimulado seu pensamento no sentido da formulação da teoria
histórico-cultural. Um exemplo seriam as obras de Petrova (1925) e
Vnukov (1925) sobre crianças “primitivas” (ver abaixo).
Em um trabalho apresentado em 1929, Vygotsky, depois de
introduzir as idéias de Adler, referiu-se extensamente a Petrova (1925)
84 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

e esboçou uma relação histórico-cultural de questões defectológicas


(Vygotsky, 1929m). Aqui, apresentaremos apenas os contornos des-
sa teoria, na medida necessária para uma compreensão das novas
concepções de Vygotsky quanto a problemas defectológicos, deixan-
do a análise detalhada da teoria histórico-cultural para o capítulo 9.
Vygotsky agora considerava que os problemas de crianças “de-
feituosas” resultavam de falta de adequação entre sua organização
psicofisiológica desviante e os meios culturais disponíveis. Para crian-
ças normais, a assimilação ou “crescimento para dentro” (vrastanie)
em sua cultura não constituiria nenhum problema. Estudando es-
sas crianças, é difícil distinguir entre seu domínio da cultura e os
processos de amadurecimento. Para crianças normais, as esferas
(plany) natural e cultural entrelaçam-se e fundem-se, formando uma
única esfera social-biológica de desenvolvimento.
Vygotsky ponderou que, para a criança modelo, o desenvolvimento
pode ser visto como um processo de armamento e rearmamento (ver
capítulo 9). A criança domina diferentes meios culturais (armas) e
descarta-os mais tarde para dominar outros instrumentos culturais
mais poderosos. Para ele, o desenvolvimento das funções naturais (p.
ex., a memória natural) era insignificante e jamais poderia explicar
inteiramente as grandes diferenças entre um adulto e uma criança.
Esta visão implicava que as crianças em desenvolvimento tornavam-se
não mais desenvolvidas, mas desenvolvidas de um modo diferente,
fazendo uso de um outro conjunto de instrumentos. Vygotsky, conse-
qüentemente, opunha-se a todos os procedimentos diagnósticos que
fossem baseados em uma abordagem puramente quantitativa.
Um exemplo do uso de um instrumento cultural seriam os proce-
dimentos de contagem que usamos. Quando solicitados a dizer qual de
dois grupos contém mais objetos, em vez de avaliar as quantidades
diretamente, nós iniciamos um elaborado procedimento de contagem.
Essa operação intermediária pode assumir várias formas, por exemplo,
pode-se usar os dedos ou contar mentalmente, mas sempre envolve
modos indiretos e culturais de atingir a meta (1928ab, pp. 166-7).
Todos os instrumentos culturais, tanto signos como instrumentos,
são fundamentalmente meios sociais (1928ab, p. 166). Originam-se na
história da humanidade como produto da convivência em grupos e
terão que ser dominados novamente por cada criança em integração
social. De certa maneira, Vygotsky raciocinou, essas técnicas são
direcionadas ao controle de nosso comportamento, como instrumentos
são destinados a controlar a natureza. O mais importante instrumento
cultural é a fala e, portanto, o destino de todo o desenvolvimento
cultural da criança depende de ela conseguir ou não dominar a palavra
como principal instrumento psicológico (1929m, p. 26).
A combinação por Vygotsky da idéia do domínio de instrumentos
com a idéia da origem social de funções psicológicas superiores baseia-
DEFECTOLOGIA 85

se na lei de Janet de que as funções psicológicas aparecem duas vezes


na vida de um sujeito: primeiro, como uma função interpessoal, depois
como uma função intrapessoal (Vygotsky, 1931g, p. 197). Seu exemplo
favorito para exemplificar isto era a fala, que primeiro serve a uma
função de comunicação interpessoal e depois começa a ser usada como
um instrumento de pensamento intrapessoal (1931g, pp. 198-202). Os
instrumentos, portanto, podem ser chamados de sociais em dois sen-
tidos: eles foram desenvolvidos na história da humanidade por grupos
de pessoas em convívio e têm que ser dominados por toda criança
individual novamente, em um processo de interação social. Este racio-
cínio levou Vygotsky a concluir que:
O desenvolvimento de funções psicológicas superiores só é possível ao
longo das vias de seu desenvolvimento cultural, quer prossiga pela
linha do domínio de meios culturais externos (fala, escrita, aritmética) ou
pela linha do aperfeiçoamento interno das próprias funções psicológicas
(elaboração de atenção voluntária, memória lógica, pensamento abstrato,
formação de conceitos, liberdade de vontade etc.) (1928, p. 173).

A distinção entre uma linha natural de desenvolvimento e uma


linha cultural de domínio de instrumentos socialmente originados
pareceu ser confirmada pelos exemplos de crianças que tinham
dificuldade para dominar a cultura. Um dos resultados de não ter
“crescido para dentro” suficientemente na cultura humana era o
caso de “primitivismo infantil”, um conceito que, segundo Vygotsky,
não encontrou nenhuma resistência na época, embora ele próprio o
reconhecesse como um tanto controverso. Para Vygotsky, uma criança
primitiva (rebenok-primitiv) era uma criança que não havia passado
pelo seu desenvolvimento cultural ou, para ser mais preciso, que se
encontrava nos degraus mais baixos do desenvolvimento cultural.
A idéia da criança primitiva foi tirada de vários estudos dessa
época, notadamente um de Petrova (1925). Petrova — que, por sua
vez, inspirou-se nos conhecidos estudos feitos por Lévy-Bruhl e
Thurnwald (veja o capítulo 9) — havia, essencialmente, feito com
crianças o que Luria viria a fazer seis anos mais tarde com campo-
neses de Uzbek. Ela havia apresentado silogismos às crianças, usa-
do o método de associações livres, e havia pedido que as crianças
encontrassem propriedades comuns entre vários objetos, dessem o
nome genérico deles etc. Com base nessa abordagem, fez a distinção
entre crianças primitivas e não primitivas (Petrova, 1925, p. 60). As
crianças primitivas reagiram mais ou menos da mesma maneira que
os sujeitos de Luria, isto é, recusaram-se a tirar conclusões a partir
de premissas que descreviam situações que elas não conheciam
pessoalmente, julgaram a partir de sua própria experiência limitada
e deram definições “pobres” e concretas dos objetos; em geral, sa-
biam muito pouco sobre o mundo. Para Petrova, esse tipo de primi-
tivismo ou nekul’turnost era especialmente predominante entre os
86 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

camponeses que, mais que os outros, haviam sofrido com o sistema


feudal (1925, p. 63). Examinando detalhadamente as respostas de
várias crianças, ela concluiu que o primitivismo em si não estava
necessariamente ligado a um baixo grau de talento — na verdade,
às vezes manifestava-se com inteligência alta — e podia ser supera-
do através do tipo certo de educação (1925, p. 91). A partir desta
descrição, pode ser observado que Petrova usou “primitivo” no sen-
tido de “não educado”. Crianças sem o benefício de uma boa edu-
cação teriam um raciocínio pobre, dariam respostas insuficiente-
mente elaboradas, apresentariam falta de conhecimentos culturais
importantes, em outras palavras, seriam “primitivas”.
Este raciocínio estava de acordo com as idéias de Vygotsky, e
ele elogiou Petrova por seu fascinante estudo. O que lhe agradou
particularmente foi a distinção entre deficiência mental e primitivismo,
tomando-os como reflexos das linhas de desenvolvimento natural e
cultural. A criança primitiva era perfeitamente saudável e, nesse
aspecto, diferia da deficiente mental. Vygotsky considerava a defi-
ciência mental como resultado de um defeito orgânico que pertur-
bava o desenvolvimento intelectual natural e, conseqüentemente,
impedia o desenvolvimento cultural. O desenvolvimento natural da
criança primitiva pode ter sido perfeitamente normal, só que ela
permaneceu fora do desenvolvimento cultural. Aos poucos, ele viria
a elaborar essa concepção, ressaltando a necessidade de distinção
entre os resultados primário (natural) e secundário (cultural) dos
defeitos orgânicos (Vygotsky, 1931f, p. 3).
Se deficiência mental e primitivismo são categorias com prog-
nósticos bastante diferentes, então deveríamos tentar diferenciá-los
usando as técnicas certas de diagnóstico. Pode ser verdade, disse
Vygotsky (1929m, p. 25), que, geralmente, o primitivismo e a defi-
ciência mental caminhem juntos, ou melhor, que a deficiência men-
tal cause o primitivismo. Mesmo assim, eles continuam sendo dois
fenômenos diferentes — o primitivismo pode existir sem defeitos
orgânicos e defeitos não causarão automaticamente o primitivismo
— que devem ser cuidadosamente distinguidos.
Em geral, Vygotsky via o primitivismo como a incapacidade de
usar certos instrumentos culturais. Os sujeitos de Petrova, conse-
qüentemente, constituíam exemplos de desenvolvimento (parcialmen-
te) natural isolado. O sujeito que, ao ser colocado diante de um
silogismo, não se decide por uma resposta com base apenas em
palavras demonstrava que era capaz de usar palavras como meio de
comunicação, mas não como meio de pensamento. Estava, portanto,
bloqueado em seu desenvolvimento cultural e necessitado de educa-
ção especial (Vygotsky, 1929y, p. 147).
As crianças com algum defeito orgânico constituíam um caso muito
mais sério. Para essas crianças, o processo de assimilação na cultura
DEFECTOLOGIA 87

humana era bem diferente, não havia uma fusão fácil das linhas na-
tural e cultural de desenvolvimento. Usando uma idéia de Krünegel
(1926), Vygotsky afirmou que a criança defeituosa não apresentava
uma relação de harmonia com a estrutura das formas culturais exis-
tentes. Isto era compreensível, porque a cultura humana foi criada sob
as condições de um tipo biológico mais ou menos estável e, portanto,
seus instrumentos materiais e ajustamentos, seus aparatos e institu-
tos sociopsicológicos foram adaptados à sua organização psicofisiológica
normal (1928ab, p. 170; 1929m, p. 22). O defeito, exigindo uma reor-
ganização mais ou menos completa da mente da criança, arruinava o
processo de assimilação na cultura humana. Vygotsky raciocinou que
o cego e o surdo-mudo constituíam um experimento da natureza que
mostrava que o desenvolvimento cultural do comportamento não esta-
va necessariamente ligado a uma ou a outra função orgânica (1928ab,
p. 171; 1929j, p. 334). Este experimento natural possibilitou que vís-
semos a convencionalidade e a flexibilidade das formas culturais de
comportamento (1928ab, p. 172).
Se a distinção entre primitivismo como subdesenvolvimento
cultural e disfunção como resultado de um defeito orgânico for váli-
da, então precisamos de instrumentos adaptados para fazer o diagnós-
tico correto. Vygotsky considerava os métodos quantitativos, como o
de Binet, insuficientes (Vygotsky, 1928ah, p. 175; 1929y, pp. 144-8),
mas estava muito interessado em vários estudos dessa época que
investigavam a capacidade de uso de instrumentos pelas crianças.
Mencionou de maneira favorável o trabalho feito por Bacher (1925),
que, usando o método de formação de conceitos de Ach (ver abaixo;
ver capítulo 11), havia investigado a capacidade de crianças usarem
palavras como instrumentos para a elaboração de conceitos (Vygotsky,
1928ah, p. 176), e o trabalho de Lippman e Bogen (1923), que
aplicava o método de Köhler (ver capítulo 9) ao estudo de crianças
retardadas (Vygotsky, 1929y, p. 146).
As conseqüências dessas novas idéias para o tratamento dado
por Vygotsky a questões defectológicas mais específicas foram, na
verdade, bastante modestas. Ele agora afirmava que o potencial de
desenvolvimento para crianças defeituosas deveria ser buscado na
área de funções psicológicas superiores (1931f, pp. 4-6), argumen-
tando que as funções inferiores eram menos educáveis, porque de-
pendiam mais diretamente de fatores orgânicos. Como as funções
superiores desenvolvem-se na ação mútua social por meio do uso de
meios culturais, devemos concentrar nossos esforços em ajustar
esses meios às diferentes necessidades das crianças defeituosas.
Um defeito não leva automaticamente a uma disfunção psicológica
superior, mas isto ocorre através dos intermediários do coletivo (ins-
trumentos) que podemos manipular. O primitivismo pode, portanto,
ser corrigido ensinando-se às crianças o uso de meios especialmente
88 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

projetados, como a escrita Braille e a linguagem de sinais (1928ab,


p. 173; 1929m, pp. 24-9). Referindo-se a Eliasberg, Vygotsky argu-
mentou também que as escolas especiais não deveriam restringir
seus esforços ao ensino de habilidades simples com base no auxílio
de recursos visuais, mas deveriam também tentar ensinar às crian-
ças um princípio de pensamento abstrato (1929m, p. 33; 1929y, p.
149). A compensação de um defeito orgânico deveria ser encontrada
na aprendizagem de conceitos adquiridos no coletivo (1928ah, p.
177; 1931f, p. 11). Claro que essas visões, em grande medida, ape-
nas reiteravam o ponto de vista anterior de Vygotsky de que os
defeitos tinham que ser superados por meio da palavra.
Além disso, a introdução por Vygotsky de vários pontos de vista
histórico-culturais, como as linhas de desenvolvimento natural e cul-
tural e o primitivismo, não estava totalmente clara e mostrou-se con-
troversa. O conceito de primitivismo implicava uma referência a um
ponto de vista evolutivo da cultura humana que nem todos estavam
prontos a aceitar (ver capítulos 9 e 16). Além do mais, não havia ficado
claro qual era o ponto de vista de Vygotsky sobre a relação entre
desenvolvimento natural e cultural e como eles deveriam ser definidos:
em um trabalho, ele afirmou que as crianças surdas deixadas por si
só jamais aprenderiam a falar, mas, no trabalho posterior, disse que a
criança deixada por si só, mesmo sem nenhuma educação, entraria
espontaneamente no caminho para o desenvolvimento cultural (1928ab,
pp. 171-2). Esta última posição parecia estar em clara contradição com
sua nova ênfase em efeitos reestruturantes, de realimentação do domí-
nio de instrumentos culturais. Argumentando em favor dos efeitos
profundos que o domínio de instrumentos culturais teria sobre as
funções naturais da criança, ele afirmou que as antigas maneiras
naturais de pensamento seriam rechaçadas e destruídas. Havia, assim,
um “profundo conflito” e nenhuma transição suave entre as linhas de
desenvolvimento natural e cultural (1928ab, p. 169). Fica claro, por-
tanto, que a visão de Vygotsky nessa época ainda tinha suas pontas
soltas e contradições (ver também capítulo 9).
Havia uma idéia secundária nesse período dos escritos de
Vygotsky que merece alguma atenção: a idéia de grupos de níveis
mistos como uma condição para promover o desenvolvimento
cognitivo. Referindo-se a um estudo de Krasussky que havia mostra-
do que, quando deixadas por si só, crianças retardadas formavam
grupos de inteligência mista, Vygotsky concluiu que os deficientes
mentais encontram sua “fonte viva de desenvolvimento” em ações
recíprocas sociais com outras pessoas que estejam em um nível
superior a eles próprios. “Essa diversidade de níveis intelectuais
constitui uma condição importante da atividade coletiva”, concluiu
(1931f, pp. 7-9). Esta idéia antecipa o conceito de zona de desenvol-
vimento proximal da forma como ele é tradicionalmente compreen-
dido (ver capítulo 13).
DEFECTOLOGIA 89

O período final: a mudança para a psicologia clínica

No período final de sua vida, Vygotsky interessou-se e instruiu-


se cada vez mais no domínio do comportamento desviante de adul-
tos. Fez extensas leituras na área de psiquiatria e psicologia clínica,
e seus tópicos de interesse passaram a incluir, entre outras coisas,
o estudo da afasia, da esquizofrenia, do mal de Alzheimer, da doença
de Parkinson e da doença de Pick. Seus autores preferidos eram,
entre outros, Head, Kretschmer e Lewin. Claro que os escritos de
Vygotsky nessa área não se enquadram sob o título de defectologia.
Mesmo assim, alguns deles serão mencionados aqui. A razão é que
o trabalho de Vygotsky no campo da psicologia clínica estava in-
timamente ligado a seus estudos do desenvolvimento. Vistas neste
pano de fundo, todas as classificações de seu trabalho como
“defectológico”, “pedológico”, “psicológico”, “pedagógico” etc. são rela-
tivas: ele era um pensador sintético que desafiava tais classificações.
A primeira incursão de Vygotsky na disciplina da psicologia clínica
de adultos foi, provavelmente, seu estudo da esquizofrenia, com a
ajuda do método de Ach para a formação de conceitos (este estudo será
avaliado no capítulo 11, em relação à sua pesquisa de formação de
conceitos). É suficiente dizer aqui que Vygotsky discernia semelhanças
dinâmicas entre o pensamento conceitual em desenvolvimento de crian-
ças e o pensamento conceitual em desintegração de esquizofrênicos.
Ele considerava que a chave para a compreensão tanto de crianças
como de pacientes adultos era o estudo do significado de palavras.
O tópico do significado de palavras ocorreu novamente no estudo
da doença de Pick publicado em 1934 (Samukhin, Birenbaum e
Vygotsky, 1934). Esse estudo não era típico de Vygotsky, por causa de
sua riqueza de fatos clínicos: dois pacientes com a doença de Pick
(uma forma de demência) foram descritos em detalhe. O artigo apre-
sentou todo o histórico deles, detalhes da progressão da doença, res-
postas a perguntas de psicólogos e testes etc. Os autores tentaram
encontrar a base lógica por trás de todos os sintomas dos pacientes e,
ao fazer isso, basearam-se em grande escala nas idéias de dependência
de campo de Kurt Lewin, Aufforderungscharacter, e coisas parecidas
(ver capítulo 8). Em geral, neste período de sua vida — entre 1932 e
1934 — Vygotsky referiu-se com muita freqüência ao trabalho de Lewin,
possivelmente por causa de sua íntima colaboração com os ex-alunos
de Lewin, Zeigarnik e Birenbaum (ver introdução à parte III).

Conclusão

Mostrou-se que os escritos defectológicos de Vygotsky forma-


ram uma parte importante e integrante de sua abordagem teórica
geral e, como tal, refletiram as várias mudanças pelas quais passou
90 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

seu pensamento. Claro que muitas das idéias de Vygotsky estavam


longe de ser originais. Além de seguir os passos de especialistas do
passado na área de “defectologia”, ele também era dependente das
visões características de sua época.
Seu otimismo pedagógico com relação ao desenvolvimento de
crianças cegas e surdas pode servir como exemplo. Por um lado,
Vygotsky defendia claramente a visão de que os efeitos possivelmen-
te nocivos de um defeito físico como a cegueira ou a surdez podiam
ser totalmente superados através da criação de vias alternativas
mas equivalentes para o desenvolvimento cultural. Sujeitos cegos e
surdos tinham um potencial para o desenvolvimento mental normal
— eles poderiam, talvez, ser vistos como variações e não como aber-
rações do modelo humano — e era possível para eles tornarem-se
membros valorizados e totalmente integrados em nossa sociedade.
Ao defender essa visão, Vygotsky estava seguindo uma tradição
antiga e respeitada. Platão, depois de observar pessoas surdas, havia
comentado em Crátilo que o significado podia ser transmitido pelas
mãos, pela cabeça e por outras partes do corpo. Diderot (1749/1972),
em sua famosa Carta sobre os cegos, destacou o potencial normal de
desenvolvimento mental de crianças cegas e surdas e sugeriu que devia
ser possível ensinar-lhes a língua “se alguém traçasse em suas mãos
os mesmos caracteres que traçamos no papel”. Contemporâneos de
Diderot, De l’Epeé e o filósofo Condillac convenceram-se de que crian-
ças surdas podiam aprender de forma efetiva a linguagem dos sinais.
No século XIX, essa idéia havia se difundido até se tornar uma con-
vicção geral, e Sicard, o grande reformador da educação dos surdos,
enfatizou que o principal problema de crianças surdas é sua falta de
“símbolos para fixar e combinar idéias... que há um total hiato de
comunicação entre ela e as outras pessoas” (citado por Sacks, 1989,
p. 15). Na visão de Sicard, o ensino da linguagem de sinais iria restau-
rar a comunicação e possibilitar que a criança surda levasse uma vida
completamente normal e satisfatória.
Assim, a possibilidade de desenvolvimento cultural, através da
linguagem de sinais para os surdos e da linguagem tátil para os
cegos, fora prevista por vários pensadores brilhantes do passado e,
agora, é totalmente aceita pela pesquisa moderna. Alguns dos pre-
cursores eminentes de Vygotsky afirmaram também que tais cami-
nhos alternativos eram equivalentes a nossa linguagem falada nor-
mal. Neste sentido, então, Vygotsky estava seguindo os passos de
vários pensadores visionários do passado.
O mesmo é verdadeiro com relação à visão utópica de Vygotsky
de uma sociedade onde pessoas surdas e cegas estariam totalmente
integradas e seu “defeito” não seria visto como tal. Esta visão, an-
tecipada por Sicard, caiu em desagrado no final do século XIX, mas
está voltando a ser apaixonadamente defendida por pesquisadores
DEFECTOLOGIA 91

como Sacks (1989). As palavras do próprio Sicard (citado por Lane,


1984, pp. 89-90) ilustram a continuidade dessa idéia:
Não poderia haver em algum canto do mundo toda uma sociedade de
pessoas surdas? Pois então! Acharíamos que esses indivíduos fossem
inferiores, que não fossem inteligentes ou que lhes faltasse comunica-
ção? Eles certamente teriam uma linguagem de sinais, talvez uma
linguagem ainda mais rica do que a nossa.

Fica claro, portanto, que o otimismo pedagógico de Vygotsky fazia


parte de uma tradição poderosa no pensamento europeu. Essa tradição
podia ser facilmente combinada com a ideologia soviética predominante
da plasticidade dos seres humanos e com a idéia do “novo homem”.
Por outro lado, suas idéias eram, é claro, peculiares a seu próprio
tempo. Por exemplo, embora defendesse a equivalência básica de dife-
rentes caminhos rumo ao desenvolvimento cultural, Vygotsky opunha-
-se a que se ensinasse (apenas) a linguagem de sinais para crianças
surdas e defendia o ensino da linguagem oral, raciocinando que a
linguagem de sinais não permitiria que a criança desenvolvesse formas
conceituais mais elevadas de pensamento. Na época, esta era uma
visão geralmente aceita. Recentemente, pesquisadores modernos afir-
maram que uma linguagem de sinais como a Linguagem Americana de
Sinais (ASL — American Sign Language) tem todas as propriedades da
linguagem oral normal e de forma alguma colocará em desvantagem a
criança que a aprender. Crianças que aprendessem a ASL atingiriam
o mesmo nível de pensamento conceitual que crianças que aprendem
a linguagem oral (Sacks, 1989, p. 20). Isto implicaria que os anos de
treinamento bastante difícil exigidos para uma criança surda aprender
a linguagem oral só serviriam à meta de aumentar as possibilidades
questionáveis de integração na sociedade “normal”.
Concluindo, podemos dizer que o trabalho defectológico de
Vygotsky constituiu uma parte integrante de seu pensamento em
outros domínios e passou pela mesma evolução teórica. Infelizmen-
te, seus escritos defectológicos foram de uma natureza bastante
genérica, impossibilitando a reconstrução de um quadro de Vygotsky
como clínico. Em geral, porém, parece que suas visões teóricas —
como a abordagem histórico-cultural (ver capítulo 9) — não resul-
taram em inovações na prática clínica. No entanto, encorajaram a
visão do desenvolvimento de (crianças) desviantes em determinada
perspectiva — otimista — e, como tal, participaram de uma longa e
similar tradição no pensamento europeu.
5
O papel da psicanálise

Poucos cientistas provocaram tanto a imaginação de cientistas e lei-


gos quanto Freud. Durante algum tempo, o tópico dos complexos de Édipo
e Electra dominou as conversas civilizadas em toda a Europa. A intelli-
gentsia russa não era exceção nisso, e praticamente todos os livros de Freud
foram rapidamente traduzidos para o russo. Porém, depois de 1930, a
psicanálise tornou-se uma scientia non grata na União Soviética e os
livros de Freud transformaram-se em raridades bibliográficas, pelas
quais os intelectuais soviéticos interessados pagavam sem hesitar (mes-
mo em 1990) o equivalente a um mês de salário. O surgimento do
movimento psicanalítico na Rússia, sua morte na década de 1930 e
sua parcial ressurreição na década de 1980 é um dos eventos tragicô-
micos da história intelectual russa (cuja primeira parte foi descrita
recentemente por Miller, 1986, 1990; Kätzel, 1987 e Angelini, 1988).

Psicanálise na União Soviética: os primeiros anos

O interesse russo pela teoria psicanalítica tornou-se evidente


pela primeira vez por volta de 1908, quando vários psiquiatras e
médicos de Moscou e Odessa começaram a estudar e popularizar o
trabalho de Freud. Os pioneiros do movimento psicanalítico foram
N. E. Osipov, M. O. Feltsmann, N. A. Vyborov e M. Wulff (Luria,
1925c). Osipov estivera estudando na Suíça sob a orientação de Carl
Jung, visitara Freud em Viena e manteve correspondência com ele
durante um longo tempo (Miller, 1986, p. 126). Junto com Feltsmann,
publicou uma série de livros em Moscou, com o título “A Biblioteca
Psicoterapêutica”, que incluíram traduções das obras Três ensaios
sobre a teoria da sexualidade, Cinco lições de psicanálise, Sobre os
sonhos e A análise de uma fobia num menino de cinco anos, de
Freud. Wulff, mais tarde presidente da Sociedade Psicanalítica Rus-
sa, retornou à sua cidade natal de Odessa nessa época, depois de
ter terminado seus estudos médicos e uma análise com Karl Abraham
em Berlim (Miller, 1986, p. 126). Ele também publicou uma série de
livros psicanalíticos, incluindo, entre outras coisas, Gradiva, de Freud.
Nos anos seguintes, foram traduzidos vários outros livros de Freud,
94 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

entre eles A interpretação de sonhos, e Vyborov publicou muitas


traduções de artigos de Freud, Jung e Adler em Psicoterapia, o
periódico que ele editava. Outros psicanalistas russos proeminentes
foram mencionados por Miller (1986), entre eles Drosnes, que enca-
minhou um de seus pacientes (mais tarde conhecido na literatura
científica como “o homem lobo”) para Freud, e Sabina Shpil’rejn,
cuja carreira notável vamos resumir abaixo.
Depois da revolução e da guerra civil, o interesse pela teoria
freudiana reviveu e, em várias partes do país, foram fundadas socie-
dades e grupos de discussão psicanalítica. Para a nossa finalidade, a
história da Sociedade Psicanalítica de Moscou e da Sociedade Psicana-
lítica de Kazan são as mais interessantes. Luria teve participação ativa
em ambas essas sociedades e não é exagero dizer que a história ins-
titucional da psicanálise na União Soviética foi determinada em um
grau substancial por seus esforços. A seguir, será dada uma primeira
e ainda incompleta descrição da atividade dessas duas sociedades.

A Sociedade Psicanalítica de Kazan:


a entrada de Luria na psicanálise

A história da Sociedade Psicanalítica de Kazan é, em grande


medida, a história do início do envolvimento de Luria com a teoria
freudiana. Tendo se graduado em 1921 com uma formação voltada
principalmente para as ciências biológicas e sociais, Luria fundou a
Sociedade (ou Círculo) Psicanalítica de Kazan no fim do verão de
1922. Com vinte anos de idade, ele tomou a liberdade de informar
Freud sobre esse evento importante para a história da psicologia e,
para sua grande surpresa, recebeu uma resposta atenciosa (Luria,
1979, p. 24). De 1921 a 1923, Luria completou sua instrução formal
nos Institutos Médico e Pedagógico de Kazan, ao mesmo tempo que
liderava seu grupo de discussões psicanalíticas.
As atividades da Sociedade Psicanalítica de Kazan podem ser
substancialmente reconstruídas. Luria mencionou parte de suas
atividades psicanalíticas em sua autobiografia científica, revelando,
por exemplo, que nesses primeiros anos os membros da Sociedade
analisavam pacientes na clínica psicológica de Kazan, um dos quais
parece ter sido uma neta de Dostoiévski (Luria, 1979, p. 24; 1982,
p. 11). Trabalhando como secretário da Sociedade, Luria fez anota-
ções meticulosas das reuniões, as quais ainda podem ser consulta-
das nos arquivos de sua família. Também começou imediatamente
a enviar artigos curtos sobre as atividades da Sociedade para a
Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse, o periódico fundado e
editado por Freud. Todos os números desse periódico continham
uma seção chamada “Sobre o movimento psicanalítico” (Zur psychoa-
nalytischen Bewegung), que publicava informes breves sobre as ati-
O PAPEL DA PSICANÁLISE 95

vidades de psicanalistas de vários países, escritos pelos represen-


tantes locais do movimento. Em 1922, o periódico recebeu uma nota
informando que havia sido fundada uma sociedade psicanalítica em
Kazan (Luria, 1922a). Seu autor, provavelmente Luria, prometia enviar
um informe sobre as primeiras reuniões da sociedade. Este breve
anúncio significou o início da longa participação de Luria no perió-
dico, primeiro como secretário da Sociedade de Kazan, depois como
secretário da Sociedade Psicanalítica de Moscou.
Consultando seus arquivos, ficamos sabendo que a Sociedade
reuniu-se 17 vezes entre 7 de setembro de 1922 e 4 de setembro de
1923, e que o número de pessoas presentes às reuniões variava entre
seis e doze. A maioria (15) dos 20 membros da Sociedade era composta
de médicos, alguns deles estudantes, sendo o próprio Luria pratica-
mente a única pessoa com alguma formação como cientista social. Um
número significativo dos membros do círculo eram judeus, o que não
é muito surpreendente em vista do fato de que Kazan, na época, era
uma das principais cidades judias fora do Território de Assentamento
(Pale), e que a profissão médica era uma das poucas profissões inte-
lectuais abertas para os judeus. Em geral, Luria era a principal força
impulsionadora da Sociedade, atuando como seu secretário, lendo as
atas durante as reuniões e fazendo exposições. Será de algum interesse
apresentar um resumo curto de algumas das reuniões da sociedade.
Isto demonstrará o grau de envolvimento de Luria no movimento psi-
canalítico de uma maneira mais clara e nos dará uma idéia do tipo de
pesquisa que era praticado.
O primeiro relato de Luria para a Internationale Zeitschrift für Psy-
choanalyse sobre as atividades da Sociedade (Luria, 1922b) foi bastan-
te representativo dos muitos relatos que se seguiriam: informava com
meticulosa atenção a detalhes as datas exatas das apresentações reali-
zadas, seu assunto, o nome dos oradores e dos que participaram da
discussão, o nome das pessoas que haviam comparecido à reunião etc.
Assim, ficamos sabendo que na primeira reunião, em 7 de setembro de
1922, Luria fez uma comunicação sobre o “Estado atual da psicaná-
lise”, afirmando que esta já era uma abordagem clássica para o estudo
da personalidade. Na mesma reunião, R. Averbukh fez uma comunica-
ção bastante questionável sobre o comportamento de um professor
preso, que (obedecendo ao apelo do patriarca Tikhon) havia resistido às
tentativas das autoridades de confiscar as propriedades da Igreja. Sobre
a base frágil de um artigo publicado no Pravda, a defesa do acusado
durante o julgamento foi interpretada como uma revelação velada de
suas preocupações sexuais pessoais.
Durante a segunda reunião, em 21 de outubro de 1922, Luria
falou sobre a psicanálise da maneira de se vestir das pessoas, ar-
gumentando que as roupas femininas representam motivos sexuais
passivos, enquanto os trajes masculinos representam motivos ati-
96 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

vos, assunto este a que ele retornaria em janeiro de 1923, no Congres-


so Russo sobre Psiconeurologia, em Moscou (Luria, 1923c, p. 114).
Mas, antes de o jovem Luria fazer essa viagem para a capital, a Socie-
dade Psicanalítica de Kazan teve várias outras reuniões, em 2 e 23 de
novembro, 10 e 24 de dezembro de 1922 (Luria, 1923c). Durante a
reunião de 10 de dezembro, Luria fez mais uma exposição, desta vez
sobre “as correntes atuais na psicologia russa”. Identificando cinco
escolas diferentes, ele colocou uma ênfase especial nas idéias da escola
reflexológica de Bekhterev, que eram “próximas da psicanálise”. Esta
reunião também foi de interesse por contar com o primeiro apareci-
mento de B. D. Fridman, que viria a desempenhar um papel proemi-
nente tanto na Sociedade de Kazan quanto nas tentativas de fundar
uma psicologia freudo-marxista, tempos depois.
Depois de mais duas reuniões, em 21 de janeiro e 4 de fevereiro
de 1923, Luria fez outras duas exposições durante uma reunião em 18
de fevereiro. Falou primeiro sobre “alguns princípios de psicanálise”,
afirmando que a psicanálise era teleológica e não mecanicista, que
dava uma explicação e não uma descrição do comportamento, e que
estava firmemente baseada em uma explicação biológica e orgânica dos
processos psicológicos. Em sua segunda apresentação, ele fez uma
interpretação psicanalítica da peça Savva, de Leonid Andreev.
A Sociedade Psicanalítica de Kazan agora se reunia praticamen-
te a cada duas semanas (Luria, 1923d). Em 5 de março, Luria fez
uma comunicação intitulada “Psicanálise à luz das principais ten-
dências da psicologia moderna”, dando uma visão geral das corren-
tes psicológicas que apresentavam afinidades com a psicanálise,
como a psicologia funcional, o behaviorismo, o neo-freudismo inglês
e a reflexologia russa. Surpreendentemente, em sua opinião todas
essas tendências procuravam estudar o homem como um todo e
davam atenção a seus impulsos e reflexos. As 50 páginas do texto
dessa comunicação constituíram a primeira publicação da editora
da sociedade; a segunda viria a ser uma tradução autorizada de
Psicologia de massa e análise do ego, de Freud (Luria, 1923e). Em
18 de março, Luria argumentou que as fantasias que se tem logo
antes de adormecer — quando o controle consciente já enfraqueceu,
mas o sono completo e os sonhos ainda não se instalaram — são de
alguma importância. Embora refletindo o mecanismo mental incons-
ciente, essas fantasias podem ser analisadas com sucesso pela pró-
pria pessoa. As reuniões seguintes da sociedade aconteceram em 22
e 29 de abril e em 6 e 31 de maio. Esta última reunião é de algum
interesse, uma vez que foi inteiramente dedicada à discussão das
obras do romancista e filósofo russo V. V. Rozanov, cujas idéias
parecem ter sido bastante próximas das de Freud.
Pelo que sabemos, a décima sétima reunião da Sociedade, em 4
de setembro de 1923, foi a última — é a última a ter sido documen-
O PAPEL DA PSICANÁLISE 97

tada nos arquivos de Luria —, uma vez que no final desse ano Luria
e vários de seus colegas mais ativos haviam se mudado para Moscou.
Isto, porém, não significou o fim das atividades de Luria no movi-
mento psicanalítico. Ele foi trabalhar no Instituto de Psicologia Ex-
perimental de Kornilov e não tardou a ocupar exatamente a mesma
função organizacional na Sociedade Psicanalítica Russa, em Moscou.

A Sociedade Psicanalítica Russa

A Sociedade Psicanalítica Russa havia sido fundada alguns anos


antes, em 1921, por Ermakov e Wulff. A primeira menção à sua
existência foi feita em um informe enviado à Internationale Zeitschrift
für Psychoanalyse (1922, pp. 236-7) por um correspondente sovié-
tico cujo nome não foi mencionado, possivelmente Ermakov. Afirma-
va a intenção de um grupo de cientistas de Moscou de fundar for-
malmente uma sociedade psicanalítica. A Sociedade pretendia ser o
começo de um amplo movimento psicanalítico na União Soviética.
Felizmente para o historiador da ciência, o correspondente anônimo
forneceu a lista das 15 pessoas que já haviam entrado para a so-
ciedade, a qual incluía os nomes de vários cientistas proeminentes,
alguns dos quais viriam a desempenhar um papel importante no
movimento psicanalítico. Assim, encontramos vários dos futuros
colegas de Vygotsky no Instituto de Psicologia Experimental, como
Bernshtein, então professor de psiquiatria e chefe do Instituto Psi-
coneurológico em Moscou, e Blonsky, então professor de psicologia
e pedagogia. Também encontramos Gabrichevsky, professor de his-
tória da arte e estética, Il’yin, professor de filosofia e psicologia, e os
Schmidt. Este último casal viria a ter uma posição de destaque no
movimento psicanalítico soviético. Otto Schmidt era professor de
matemática e, mais importante, chefe da Casa Editorial Estatal. Sua
mulher, Vera, viria a dirigir um jardim da infância psicanalítico (veja
abaixo). Por fim, havia os nomes dos fundadores, Ermakov e Wulff.
Ermakov, professor de psiquiatria, foi o primeiro presidente da So-
ciedade. Moshe Wulff, médico, seria presidente mais tarde e era, ao
mesmo tempo, um prolífico tradutor dos livros de Freud. Em 1927,
emigrou para a Palestina, onde seus arquivos ainda podem ser
encontrados (Miller, 1986, p. 126). O mesmo informe diz que a Casa
Editorial Estatal havia decidido instituir uma seção especial para
literatura psicanalítica, em vista da grande demanda pelas obras de
Freud tanto por parte de especialistas quanto de leigos. Os editores
dessa seção eram Ermakov e Wulff.
A Sociedade aparentemente prosperou e logo foi dividida em
duas seções: uma, liderada por Wulff, tratava de problemas médi-
cos, e a outra, liderada por Shatsky, “um dos mais proeminentes
pedagogos da Rússia”, lidava com problemas pedagógicos (ver Luria,
98 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

1923f). O primeiro volume das lições de Freud, traduzido por Wulff,


havia esgotado suas 2.000 cópias em um mês, um segundo volume
acabara de ser publicado e vários volumes estavam em preparação.
Uma outra indicação da crescente popularidade do pensamento
freudiano é o fato de que, no Congresso Russo de Psiconeurologia,
em Moscou (10-15 de janeiro de 1923), 11 das apresentações basea-
ram-se em pressupostos psicanalíticos. Uma delas foi a exposição de
Luria sobre a psicanálise das roupas, mencionada anteriormente.
No outono de 1923, a Sociedade Psicanalítica Russa passou por
várias modificações importantes, sobre as quais Luria (1924a) — já
o secretário — fez um relato detalhado para a Internationale Zeitschrift
für Psychoanalyse. Primeiro, a Sociedade recebeu vários novos mem-
bros de destaque: três dos mais ativos participantes da Sociedade
Psicanalítica de Kazan mudaram-se para Moscou e entraram na
Sociedade. Estes eram o próprio Luria, R. Averbukh e B. D. Fridman.
Um outro novo membro da sociedade era Sabina Shpil’rejn, ex-mem-
bro da Sociedade Psicanalítica Suíça. Shpil’rejn, que também come-
çou a trabalhar no Instituto de Psicologia Experimental de Kornilov,
era originalmente de Rostov-on-the Don. Foi para Viena em 1911 e
tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica local. Tendo sido anali-
sada por Carl Jung, passou vários anos trabalhando como analista na
Suíça (Miller, 1986, p. 127). Um de seus pacientes foi Jean Piaget, que,
na época, era membro da Sociedade Psicanalítica Suíça (cf. Carotenuto,
1984; Vidal, 1986, 1987, 1988a, 1988b). Esta injeção de sangue novo
deu um impulso mais intenso às atividades da Sociedade.
Em segundo lugar, a sociedade decidiu organizar suas ativida-
des em uma escala mais ampla. Até o momento, ela havia:
(1) organizado reuniões científicas em que os membros faziam
exposições e discutiam tópicos de interesse;
(2) publicado uma série de livros intitulada “A Biblioteca Psico-
lógica e Psicanalítica”. No final de 1923, seis volumes, a maior
parte contendo traduções de obras de Freud, haviam sido
publicados e outros nove estavam programados (cf. Ermakov,
1923);
(3) participado do Instituto Psicanalítico Estatal.
Esse Instituto tinha sido fundado no outono de 1922 e, a prin-
cípio, consistia apenas em um laboratório anexo a um jardim da
infância psicanalítico dirigido por Vera Schmidt, cuja meta era es-
tudar empiricamente o comportamento de crianças a partir de pre-
missas psicanalíticas. A história desse jardim-de-infância é, em si
própria, de algum interesse. Ele havia sido aberto em 19 de agosto
de 1921 e estava localizado no primeiro andar de uma magnífica
construção art nouveau situada na rua Vorovsky, 25, em Moscou.
Esse prédio (projetado por Fjodor Shekhtel) havia sido anteriormen-
O PAPEL DA PSICANÁLISE 99

te propriedade do banqueiro Ryabushinsky e, depois que o jardim-


-de-infância foi fechado (veja abaixo), tornou-se residência (de 1931
a 1936) do escritor soviético Máximo Górki. Como o prédio aloja
atualmente o Museu Górki, suas belas salas e a localização do
jardim-de-infância psicanalítico ainda podem ser vistas.
Inicialmente, o jardim-de-infância abrigava trinta crianças com
idades variando entre um e cinco anos.1 Mas, alguns meses depois de
sua abertura, espalharam-se rumores em Moscou de que seus funcio-
nários estimulavam o desenvolvimento sexual das crianças (Schmidt,
1924, p. 4). Como resultado, as autoridades ordenaram que uma co-
missão científica de inquérito investigasse o caso. Após uma investiga-
ção completa, que durou alguns meses, os votos dos membros da
comissão ficaram igualmente divididos quanto à questão. O Comissariado
do Povo para a Educação (como era chamado na época o Ministério da
Educação) resolveu, então, parar de financiar o projeto do jardim-de-
-infância. Pouco depois, o Instituto Psiconeurológico também ordenou
uma investigação que resultou igualmente em uma avaliação muito
negativa. Assim, o jardim-de-infância perdeu o apoio financeiro do
Instituto Psiconeurológico também, e teria que fechar se não fosse pela
assistência inesperada oferecida por um representante do Sindicato de
Mineradores da Alemanha. Essa pessoa por acaso estava em Moscou
para um congresso e ofereceu ajuda em nome dos Sindicatos de
Mineradores russo e alemão. Desta forma, de abril de 1922 em diante,
os mineradores alemães passaram a fornecer alimentos para o jardim-
-de-infância, enquanto os mineradores russos cuidavam da calefação
do prédio. Esta estranha história explica o nome aparentemente in-
compreensível do jardim-de-infância, “Solidariedade Internacional”. Nessa
nova e financeiramente mais limitada situação, o jardim-de-infância
precisou demitir parte de seus funcionários e só teve condições de
manter 12 crianças entre dois e quatro anos de idade (Schmidt, 1924,
pp. 3-6). O projeto do jardim-de-infância continuou encontrando opo-
sições e, por fim, foi encerrado em 1928 (Miller, 1986, p. 131).
Durante o início da década de 20, o pessoal do laboratório obser-
vou o comportamento das crianças, prestando muita atenção em suas
brincadeiras, expressões vocais e inclinações sexuais. Parte das desco-
bertas foi publicada por Vera Schmidt em Psychoanalytische Erziehung
in Sowjetrussland (1924), mas Luria (1925c) afirmou que a maior parte
delas ainda se encontrava nos arquivos do Instituto. Entre esse mate-
rial, encontravam-se diários com observações sobre cada criança indi-
vidualmente, observando seu desenvolvimento de linguagem, criativi-
dade etc.

1. Jaroshevsky (1989, p. 131) afirmou que o filho de Stalin, Vasily, estava


entre essas crianças. Os autores não tiveram como comprovar essa afirmação
questionável.
100 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Em 1923, foi decidido que o Instituto devia ampliar suas ativi-


dades de forma considerável. Assim, ele começou a funcionar como
um centro educacional, organizando muitos cursos e seminários de
diferentes níveis e para grupos de alunos. Luria, por exemplo, deu
um seminário sobre o estudo dos complexos. Além disso, foi insti-
tuída uma Policlínica Psicanalítica para adultos e crianças, dirigida
por Ermakov (o presidente), Shpil’rejn e Wulff. A administração da
Sociedade e do Instituto ficou na mão dessas três pessoas, junto
com Luria (o secretário da presidência) e Otto Schmidt. Muito pro-
vavelmente, os membros da Sociedade também começaram a se
reunir com mais freqüência.
Nos anos seguintes, seria Luria quem faria a cobertura dessas
reuniões para o Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse. Esses
relatórios (ver também Ermakov, 1924) nos permitem reconstruir de
forma razoavelmente precisa as atividades da Sociedade, como no
caso da Sociedade de Kazan. É interessante observar, por exemplo,
como a Sociedade Psicanalítica Russa aproveitou a oportunidade
para estabelecer e melhorar seus contatos internacionais. Assim, na
reunião de 18 de outubro de 1923, os Schmidt apresentaram as
coisas que haviam aprendido em sua viagem para a Alemanha e
Áustria (Luria, 1924a). Aparentemente, eles haviam se encontrado
com Freud, Otto Rank e Karl Abraham, os quais haviam demonstra-
do um vivo interesse pelo projeto do jardim-de-infância em Moscou
e oferecido conselhos práticos. Os relatórios também mostram o
envolvimento contínuo de Luria: ele não só executava suas funções
como secretário da Sociedade, mas também participava freqüente-
mente das discussões (a Sociedade reunia-se mais ou menos a cada
duas semanas) e apresentou várias exposições. Foi em 29 de maio
de 1924 (ver Luria, 1925a; 1926b), por exemplo, que ele fez uma
comunicação chamada “Psicanálise como um sistema de psicologia
monista”, que mais tarde seria publicada em Kornilov (1925a). Essa
comunicação foi bastante representativa de seu pensamento da época
e, como tal, viria a ser criticada por Bakhtin (ver abaixo).
Assuntos recorrentes da Sociedade foram a psicologia da arte, a
possibilidade de uma educação psicanalítica e problemas de psicote-
rapia (Luria, 1925c, p. 326). Esse interesse pela psicologia da arte —
diretamente inspirado, claro, pelas obras do próprio Freud — ensejou
várias exposições nas reuniões da sociedade e um seminário no Ins-
tituto Psicanalítico, dado por Ermakov. Com este pano de fundo, não
deve causar surpresa o fato de encontrarmos um orador convidado
para falar sobre o tema durante a reunião de 4 de dezembro de 1924.
Foi um colega de Luria no Instituto de Psicologia Experimental, Lev
Vygotsky, quem falou sobre ‘’o uso do método psicanalítico na lite-
ratura” (Luria, 1925b), provavelmente levantando as mesmas ques-
tões que analisou no capítulo 4 de A psicologia da arte. Vygotsky
O PAPEL DA PSICANÁLISE 101

pode ter sido convidado por Luria, que, é claro, estava bem ciente
das idéias de seus colegas, mas isto não é confirmado. Em geral,
deve-se lembrar que havia uma sobreposição considerável entre as
pessoas que trabalhavam no Instituto de Psicologia Experimental de
Kornilov e as que participavam da Sociedade Psicanalítica Russa e
do Instituto Psicanalítico. Examinando os nomes das pessoas que
trabalhavam no Instituto de Kornilov em 1924 (ver Luria em Korni-
lov, 1926a), por exemplo, descobre-se que pelo menos oito deles
haviam sido membros da Sociedade Psicanalítica Russa em algum
momento. É importante notar, porém, que na época de sua primeira
apresentação (ver Luria, 1925d) Vygotsky não era um membro, mas
um convidado.
Em 1925, Luria fez três exposições. Em 26 de março, discutiu
“O afeto como uma reação sem ab-reação”, em 16 de abril falou
sobre o “Estudo experimental das fantasias de um menino” (Luria,
1926b) e, em 12 de novembro, sobre “O uso de experimentos para
alcançar metas psicanalíticas” (Luria, 1926c).
Em 1926, participou ativamente das discussões, executou suas
funções como secretário científico, mas não fez nenhuma exposição.
Foi provavelmente no final desse ano que Lev Vygotsky tornou-se
membro regular da Sociedade Psicanalítica Russa, a julgar pela lista
de membros publicada no Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse
em 1927 (ver Luria, 1927a), que incluía pela primeira vez o nome
Lev Vygotsky, Rua Serpukhovskaya, 17, Moscou.
Em 1927, então, tanto Luria como Vygotsky eram participantes
da Sociedade. A exposição de Luria em 23 de fevereiro de 1927
sobre “O estudo experimental do pensamento primitivo de crianças”
foi seguida pela apresentação de Vygotsky sobre “A psicologia da
arte nos escritos de Freud”, em 10 de março do mesmo ano. Na
semana seguinte, 17 de março, Luria prosseguiu com uma discus-
são do livro de Bykhovsky sobre a metapsicologia de Freud. Um mês
depois, porém, pediu para ser dispensado de sua função de secre-
tário, sendo substituído por Vera Schmidt (Schmidt, 1927). De acor-
do com Cole (em Luria, 1979, pp. 210-11), esta decisão foi resultado
da atitude cada vez mais crítica em relação a Freud em artigos tanto
no Pravda como em periódicos teóricos. Esta interpretação, porém,
é questionável. Em primeiro lugar, Luria continuou a ser um mem-
bro regular da sociedade até 1920 ou 1930. Segundo, as pressões
ideológicas e políticas realmente fortes só começaram por volta de
1930. Artigos e livros com críticas à teoria freudiana publicados
antes desse ano (p. ex., Jurinets, 1925; Sapir, 1926; Bakhtin, 1927/
1983) faziam parte do discurso científico normal. Terceiro, o fato de
Vygotsky ter entrado como membro da sociedade mais ou menos na
mesma época em que Luria afastou-se do cargo de secretário parece
lançar dúvidas sobre a avaliação de Cole a respeito da situação.
102 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Luria, psicanalista: 1920-1930

Já ficou claro que o antigo fascínio de Luria pelas obras de Freud,


Adler e Jung — facilitado pelo fato de ele ser fluente em alemão (Vocate,
1987, p. 5) — levou-o a um período prolongado de intenso envolvimen-
to com a teoria freudiana e o movimento psicanalítico. De fato, não é
exagero dizer que Luria teve um dos papéis mais proeminentes no
crescimento do movimento psicanalítico na União Soviética. Através de
seu trabalho como secretário de ambas as sociedades, das exposições
freqüentes sobre tópicos psicanalíticos e dos relatórios que escreveu
para a Internationale Zeitschrift für Psychoanalyse, ele promoveu as
idéias psicanalíticas em seu país e ajudou a estabelecer importantes
contatos internacionais. Além desses relatórios, também publicou vá-
rias resenhas (Luria, 1923a; 1923b) e, em duas ocasiões, artigos mais
teóricos (Luria, 1925c; 1926a) no mesmo periódico.
O jovem Luria também continuou a se corresponder com Freud
por algum tempo e até conseguiu obter a autorização de Freud para
a tradução de R. A. Averbakh para Psicologia de massa e análise do
ego, em uma carta datada de 6 de outubro de 1922, escrita em
Berggasse 19, Viena. Um ano depois, recebeu mais uma carta (da-
tada de 3 de julho de 1923 e escrita em Badgastein, nos Alpes) do
fundador da psicanálise. Ambas essas cartas manuscritas — não
redigidas em escrita gótica, como Luria recordou meio século depois
(1979, p. 24; 1982, p. 11) — podem ser encontradas nos arquivos
familiares de Luria. Não é inconcebível, portanto, que um leitor
interessado talvez também pudesse encontrar cartas de Luria nos
arquivos de Freud.
Seria errado pensar, porém, que Luria estivesse envolvido na
psicanálise apenas de uma forma teórica e organizacional. Também
havia um lado mais prático em seu interesse. No Hospital Psiquiá-
trico de Kazan, ele começou a analisar pacientes psiquiátricos, e
essa atividade provavelmente não foi interrompida em Moscou. Além
de seu trabalho como terapeuta, ele realizava intrigantes investiga-
ções psicanalíticas empíricas, algumas das quais foram relatadas
em seu A natureza dos conflitos humanos (Luria, 1932c). Um exem-
plo muito curioso foi sua verificação experimental da teoria dos
sonhos de Freud. Luria hipnotizava seus sujeitos, fazia-os passar
em imaginação por um evento traumático e sugeria-lhes que esque-
cessem da hipnose em sua mente consciente. Desta maneira, podia
manipular experimentalmente o conteúdo latente dos sonhos e, ten-
do coletado suas formas manifestas, estabelecer as mudanças pro-
duzidas pelo trabalho onírico. Foi descoberto que, quando se sugere
a sujeitos que sonhem com acontecimentos muito traumáticos (o
conteúdo latente do sonho), eles tendem a alterar a descrição desses
acontecimentos (o conteúdo manifesto) através do uso de simbolis-
O PAPEL DA PSICANÁLISE 103

mo.2 O psicólogo britânico Hans Eysenck (1985, pp. 129-31) tentou


replicar esses experimentos e encontrou exatamente os mesmos
resultados, embora não visse neles nenhuma evidência da validade
da teoria de Freud.
Em retrospectiva, Luria lembrou acima de tudo que a psicanálise
parecia “uma abordagem científica que combinava uma explicação
fortemente determinista de comportamentos individuais concretos com
uma explicação das origens das necessidades humanas complexas em
termos de ciência natural” (1979, pp. 23-4). Porém, ele finalmente teve
que concluir “que foi um erro pressupor que se podia deduzir o com-
portamento humano a partir das ‘profundezas’ biológicas da mente,
excluindo suas ‘altitudes’ sociais”. Agora sabemos que ele levou apro-
ximadamente uma década para chegar a esta conclusão.
Podemos concluir que o envolvimento de Luria com o movimen-
to psicanalítico durou cerca de dez anos e levou-o a analisar pacien-
tes, conduzir pesquisas experimentais, fazer exposições, escrever ar-
tigos e livros e, em geral, desempenhar um papel organizador bas-
tante ativo no movimento psicanalítico. Não se pode dizer, portanto,
que este período do desenvolvimento científico de Luria tenha sido
pouco significativo. Também seria errado supor que o interesse de
Luria pela teoria psicanalítica tenha desaparecido sem deixar traços
depois de 1930. Por exemplo, Mecacci, um estudioso de Luria, afir-
mou que o modo de Luria diagnosticar pacientes individuais foi
fortemente influenciado por sua experiência psicanalítica clínica
(Mecacci, comunicação pessoal, setembro de 1988).

De Luria a Vygotsky e além: a crítica


cada vez maior do freudo-marxismo

Até este ponto, o conteúdo das idéias de Luria e seu desenvol-


vimento durante a década de 1920 não foi discutido. O desenvolvi-
mento de suas idéias não pode ser separado das discussões na
psicologia soviética sobre a base correta para uma psicologia marxista
e o papel que a teoria psicanalítica teria nela. A compatibilidade
potencial entre uma psicologia marxista e a psicanálise não esteve
na agenda até 1924 a 1925, quando este tema começou a despertar
um interesse cada vez maior, até atingir um ápice por volta de 1930.
Kätzel (1987, pp. 108-9) sugeriu várias razões para a crítica cada
vez maior da teoria freudiana e de tentativas de estabelecer um
freudo-marxismo na União Soviética. Primeiro, deve-se compreender
que as primeiras tentativas de formulação de uma teoria mista freudo-

2. Luria parece não ter tomado conhecimento das experiências semelhantes


de Klaus Schrötter, que anteciparam as próprias experiências de Luria em mais
ou menos 20 anos (ver Hobson, 1990, p. 55).
104 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

marxista (por Bykhovsky, 1923; Luria, 1923e; 1925a; e Fridman,


1925) enfatizavam uma firme base fisiológica para a psicanálise e
sua compatibilidade com a psicologia objetiva (p. ex., reflexologia).
Estes psicólogos achavam que a teoria psicanalítica, portanto, pode-
ria ser considerada justificadamente uma teoria materialista. Ao
descrever seus pontos de vista, eles propagaram o que mais tarde
passou a ser conhecido como “materialismo mecânico”, uma ideologia
que sofreu ataques na segunda metade da década de 1920. Segundo,
houve um desenvolvimento na natureza dos próprios escritos de Freud,
o que tornou inevitável um confronto com pensadores de orientação
marxista. Em várias de suas obras mais tardias, por exemplo, Psicolo-
gia de massa e análise do ego, Freud afirmava que o comportamento
social do homem podia ser compreendido com referência a impulsos e
instintos biológicos. Outras obras, como Além do princípio do prazer,
mostravam a influência da filosofia de vida (ver Kätzel, 1987). Tomados
em conjunto, esses livros posteriores afirmavam que os problemas
sociais eram causados pela natureza do homem, o que ia contra as
afirmações otimistas dos principais ideólogos e intelectuais soviéticos
da época sobre o novo homem na nova sociedade. Terceiro, Kätzel
aponta para uma “inflação” de pensamento psicanalítico na década de
1920. Psicanalistas, ou pessoas que afirmavam ter um bom conheci-
mento da teoria psicanalítica, tentavam explicar os fenômenos mais
variados por meio de especulações cada vez mais audaciosas. Ao fazer
isso, exibiam uma abordagem “imperialista” que, naturalmente, provo-
cava reações contrárias em pesquisadores de outras orientações (ver
também a argumentação de Vygotsky que será analisada no capítulo
7). Quarto, várias ideologias do movimento democrático social (ver Kätzel,
1987) haviam adotado a teoria freudiana, o que, no contexto da época,
significava que um comunista de verdade deveria encará-la com certa
desconfiança. Quinto, a popularidade dos psicanalistas não estava
confinada a um pequeno grupo de médicos entusiastas; o pensamento
freudiano influenciou um número cada vez maior de filósofos e psicó-
logos marxistas. Essa influência crescente, ativamente estimulada pela
Sociedade Psicanalítica Russa, tornou a psicanálise mais “visível” como
ciência psicológica que precisava ser investigada em relação à sua
compatibilidade com uma ciência marxista genuína.
Quais, então, eram as idéias teóricas de Luria sobre a teoria
psicanalítica, e como ele tentou combinar a psicanálise com a visão
de mundo geral marxista? Deve ser lembrado, em primeiro lugar, que
não existe uma ciência do marxismo ou da psicanálise no sentido de
um corpo completo de afirmações inquestionáveis. Ao contrário, as
interpretações de vários aspectos de ambas as visões de mundo são
numerosas, e até mesmo interpretações “oficiais” estão sujeitas a
mudanças regulares (há paralelos claros aqui com o estabelecimento
de dogmas religiosos, como foi apontado, entre outros, por Russell,
1946). Desde o início da psicanálise, a psicologia já viu muitas ten-
O PAPEL DA PSICANÁLISE 105

tativas de formulação de teorias freudo-marxistas, e esta situação


perdura até hoje. No Ocidente, houve os escritos brilhantes de Politzer
(1969; 1974) e a obra de Reich (ver abaixo), Fromm e Marcuse. Na
União Soviética, houve as tentativas de Bykhovsky, Zalkind, Luria e
vários de seus colegas no Instituto de Psicologia (p. ex., Fridman).
Cada um desses autores fez sua própria mistura de vários elementos
de ambas as visões de mundo.
Para Luria, como para muitos outros, a psicanálise era uma nova
corrente promissora em oposição à velha psicologia “idealista”. Essa
psicologia idealista (p. ex., as idéias de Wundt, Chelpanov e outros) era
ingenuamente empírica, fazia uso de experimentos preparados e levava
a uma visão atomista e dualista do homem (Luria, 1925a). A psicaná-
lise, porém, era monista, procurava estudar a personalidade como um
todo no palco da vida cotidiana (cf. Politzer), era agradavelmente
antiburguesa em sua ênfase no comportamento sexual e, acima de
tudo, apontava para a base fisiológica de todos os processos psicoló-
gicos. Pois, embora Luria (1925a, p. 50) enfatizasse que qualquer visão
satisfatória do homem deveria basear-se nas descobertas tanto da
biologia como da sociologia, é evidente que, em sua opinião, uma
explicação convincente da natureza supostamente biológica da conduta
humana era o mais importante. Assim, lemos que:
a psicanálise é primariamente uma psicologia orgânica da personali-
dade; e seus principais objetivos são: encontrar os fatores determinan-
tes de todos os aspectos do indivíduo concreto que vive sob condições
socioculturais definidas, e explicar as estruturas mais complexas da
personalidade desse indivíduo em termos dos mais básicos e mais
profundos motivos inconscientes (Luria, 1925a, p. 58).

Luria concordava com a teoria psicanalítica que esses motivos ou


impulsos inconscientes, como todas as outras funções psicológicas,
dependem de estímulos orgânicos. Ele considerava que a força da
teoria psicanalítica era sua ênfase na base biológica de toda a conduta,
seu “caráter orgânico” (Luria, 1925a, p. 68). A teoria psicanalítica in-
dica as “tendências orgânicas mais profundas” que a pessoa tende a
seguir e, ao fazer isso, revela a dinâmica oculta do comportamento
humano. Em certo sentido, portanto, a teoria de Freud transforma
causalidade psicológica em causalidade orgânica (ibid., pp. 70-1). É
verdade que Luria também mencionou que o homem é um ser social
ou de classes e, perto do final de seu artigo, afirmou que a psicanálise
deveria incorporar o sistema de influências sociais, acrescentando em
uma nota de rodapé que apenas então ela daria o passo do materia-
lismo mecânico para o materialismo dialético. Isto apenas mostra, porém,
que ele estava consciente das sutilezas dos debates correntes na União
Soviética quanto à verdadeira natureza do materialismo dialético. Mas
esses comentários não conseguem acabar com a impressão de que o
aspecto “sociológico” dos processos psicológicos estava bem menos
106 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

integrado no pensamento de Luria. Depois de declarar que a natureza


social ou de classes dos indivíduos era importante e de conceber a
sociedade simplesmente como um conglomerado de estímulos exter-
nos, ele seguiu para o estudo da base psicanalítica — para ele bio-
lógica — da conduta humana. Sentia-se justificado em fazer isso, por
causa do caráter supostamente monista da teoria psicanalítica. A
concepção de energia da psicanálise, em que a energia assumia for-
mas ou psíquicas ou somáticas, parecia demonstrar uma unidade
orgânica essencial. O conceito de impulso constituía, na visão de
Luria, “um passo enorme” na direção de uma psicologia monista.
Ao adotar este ponto de vista, Luria não estava sendo original.
Kätzel (1987) apontou que Bykhovsky (1923) também enfatizara a
busca de Freud por uma base orgânica da psique e o monismo de
sua teoria. Ao contrário de Luria, porém, e antecipando Vygotsky,
Bykhovsky afirmava que os processos conscientes deveriam ser
estudados em si mesmos. Como isso deveria ser feito não ficava
claro. Aparentemente, Bykhovsky achava que uma combinação da
teoria freudiana com a reactologia deveria atender o objetivo.
Podemos repetir, então, o que foi dito antes: os primeiros defen-
sores da teoria freudiana na União Soviética (p. ex., Luria, Bykhovsky,
Fridman, Zalkind) consideravam que essa teoria era um antídoto sau-
dável contra a velha psicologia “idealista”, e enfatizavam sua compati-
bilidade com várias linhas de psicologia objetiva, como behaviorismo,
reactologia e reflexologia. Como resultado, seus escritos têm uma clara
atmosfera reducionista: a explicação definitiva do comportamento hu-
mano devia ser procurada nas profundas raízes biológicas da mente.

Crítica do freudo-marxismo: a visão de Jurinets

Um dos primeiros críticos desta concepção freudo-marxista foi


Jurinets (1924), um filósofo que Luria criticou em Internationale
Zeitschrift für Psychoanalyse por não ter, “infelizmente, nenhuma com-
petência no domínio das ciências naturais” (1925c, p. 397). A crítica de
Jurinets à psicanálise no importante periódico teórico Sob a bandeira
do marxismo (Pod Znamenem Marksizma) provocou vários debates
públicos na União Soviética. Na primavera de 1925, durante uma
reunião na “Casa da Imprensa” de Moscou que se estendeu por duas
noites, Jurinets teve discussões acaloradas com muitos defensores da
teoria psicanalítica, em sua maioria membros da Sociedade Psicanalí-
tica Russa (p. ex., Wulff, Zalkind, Fridman, Luria, Rejsner). Um outro
debate foi logo realizado na Academia Comunista, tratando do tópico
da psicanálise e da psicologia da arte (Luria, 1925c, p. 397).
O artigo de Jurinets era uma mistura quase engraçada de críticas
válidas à teoria freudiana, distorções (possivelmente deliberadas) e erros
O PAPEL DA PSICANÁLISE 107

claros. O autor usou vários recursos retóricos — nem todos muito sutis
— para apoiar a sua afirmação de que a origem da psicanálise era mais
um símbolo da contínua desintegração da sociedade burguesa ociden-
tal. Assim, lemos que “Nascida em Viena e Budapeste, em um país...
que está prosperando sem muito esforço à custa dos camponeses
croatas, eslovenos, dálmatas e sérvios, que são sugados até a medula
de seus ossos, a teoria freudiana absorveu muito do espírito desse
capitalismo” (Jurinets, 1924, p. 52). Jurinets observou que essa dou-
trina perniciosa estava se infiltrando no “campo marxista” e suspeitava
que sua cada vez maior popularidade se devesse a uma falta de conhe-
cimento e insuficiente compreensão de suas idéias fundamentais. A
partir desse pressuposto, começou a explicar e criticar os princípios
básicos da teoria freudiana (1924, p. 53).
Em primeiro lugar, Jurinets argumenta, a teoria freudiana não
é materialista. Apesar de suas freqüentes referências ao sistema
nervoso, Freud não dava à matéria o seu devido papel no sistema.
Como exemplo, Jurinets citou a declaração de Freud em Além do
princípio do prazer sobre os resultados psicológicos de experiências
traumáticas graves (por exemplo, concussões mecânicas, guerras).
Na visão de Freud, o estado mental resultante, chamado por ele de
neurose traumática, com freqüência não podia ser atribuído a lesões
orgânicas do sistema nervoso provocadas pela força mecânica (Freud,
1920/1984, pp. 281-3). Para Jurinets, isto significava que Freud via
os processos mentais como independentes das estruturas cerebrais,
o que ele não podia aceitar, uma vez que essa idéia parecia contra-
dizer uma concepção materialista da mente. Além disso, ele tentou
argumentar que a idéia de Freud sobre a psique — uma psique que
existia além do tempo e do espaço — era semelhante à de Bergson,
o que, por associação, tornava Freud culpado de idealismo filosófico.
Jurinets prosseguia afirmando que a teoria de Freud não era
monista. Infelizmente, ele não usou este termo em seu sentido filo-
sófico habitual e, em vez disso, parece ter entendido como “monismo”
algo semelhante a consistência ou coerência. Em conseqüência,
entregou-se à tarefa bastante trivial de apontar inconsistências e
contradições no pensamento freudiano através da comparação de
livros de diferentes períodos e textos escritos por diferentes autores
psicanalíticos. Sem dúvida seria bastante legítimo questionar como
Freud ou freudianos conciliariam pontos de vista anteriores com as
revisões posteriores, e Jurinets levantou algumas boas perguntas,
mas estas eram irrelevantes para a questão do monismo. O mesmo
poderia ser dito da afirmação de Jurinets de que Freud havia pro-
posto uma teoria dualista. Seria possível tentar demonstrar que ele
de fato o fez, mas os argumentos de Jurinets foram, em grande
medida, irrelevantes. Entre outras coisas, ele (Jurinets, 1924, p. 69)
afirmou que Freud distinguia impulsos do ego e impulsos sexuais,
108 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

o que é verdade, claro, mas não constitui um argumento convincen-


te para o dualismo no sentido filosófico normal da palavra.
O ponto mais fraco da teoria freudiana aos olhos de Jurinets
era sua psicologia social ou sociologia. A teoria da origem da socie-
dade primitiva de Freud — a idéia do primeiro patricídio e seus
resultados — foi desprezada como pura fantasia, contraditória com
a doutrina do matriarcado primitivo (aceita pelos marxistas por meio
da leitura que Engels faz de Morgan, ver capítulo 9), e sua sociologia
foi acusada de não trazer em si a idéia de classes, o que a tornava
completamente estéril. Além disso, Jurinets observou que Freud,
seguindo Le Bon, tinha uma opinião bastante depreciativa das
massas, vendo-as como um fenômeno regressivo e potencialmente
perigoso. Isto era, claro, inaceitável para Jurinets, que compartilha-
va, pelo menos retoricamente, a crença no poder de julgamento
sensato das vastas massas de operários carregando bandeiras, em
oposição, por exemplo, à pequena minoria de “intelectuais cultural-
mente refinados” (Jurinets, 1924, p. 63). Jurinets (1924, p. 82),
além disso, observou astutamente que a psicanálise não tinha nada
a dizer no campo da política ou, mais especificamente, das reformas
agrárias, concluindo que, “em conseqüência, a psicanálise não pode
dizer nada dentro dos domínios que os marxistas consideram a
essência da história”.
Jurinets concluiu seu artigo com um feroz ataque ao psicana-
lista Kolnaj (1920), que havia tentado interpretar o comunismo e o
bolchevismo como fenômenos patológicos na história da humanida-
de e que havia descoberto, entre outras coisas, a conclamação ho-
mossexual escondida por trás do famoso slogan comunista “Traba-
lhadores de todo o mundo, uni-vos!”.
O artigo de Jurinets não deve ser descartado como sendo total-
mente sem valor como crítica séria a Freud e seus seguidores. Con-
centrando-se nos livros mais recentes de Freud — Além do princípio
do prazer (1920) e O ego e o id (1923) — Jurinets apontou algumas
inconsistências no pensamento de Freud e ressaltou sua natureza
cada vez mais especulativa. Também foi um dos primeiros a indicar
várias influências no pensamento de Freud do trabalho de filósofos
como Schopenhauer, Nietzsche, Bergson e Simmel. Mas, no total,
Jurinets não consolidou suas críticas e não conseguiu fazer uma
análise justa das idéias de Freud, e sua interpretação incorreta de
termos filosóficos como “monismo” e “dualismo” tornaram seu artigo
inadequado para ser uma demonstração conclusiva da incompatibi-
lidade da teoria freudiana com o marxismo. As influências de Freud
talvez indiquem realmente o gênero a que seus escritos pertencem e
suas idéias podem muito bem ser incompatíveis com o marxismo,
mas Jurinets simplesmente não conseguiu demonstrar isso.
O PAPEL DA PSICANÁLISE 109

Crítica do freudo-marxismo: a visão de Bakhtin

A crítica mais completa e convincente da teoria freudiana do


ponto de vista marxista foi feita, sem dúvida, por Bakhtin (1927/
1983). Seu Teoria freudiana: um ensaio crítico proporcionou uma
visão completa da teoria psicanalítica em seus diferentes estados de
desenvolvimento e apresentou argumentos afirmando sua incompa-
tibilidade essencial com o materialismo dialético. A estrutura do
ensaio de Bakhtin, escrito sob o pseudônimo de V. N. Voloshinov
(ver capítulo 15), foi a seguinte. Em primeiro lugar, a psicanálise foi
situada entre as outras correntes psicológicas da época e provisoria-
mente caracterizada como apenas mais uma variante da psicologia
subjetiva. Em segundo, foi dada uma visão geral dos principais
temas da psicanálise, seus conceitos e métodos. Por fim, foi afirma-
do que uma teoria assim concebida era estranha a um ponto de
vista de princípios marxistas. Essa terceira parte também continha
como último capítulo uma crítica devastadora às tentativas de for-
mulação de uma teoria freudo-marxista por pessoas como Bykhovsky
(1923), Luria (1925a), Fridman (1925) e Zalkind (1924a; 1927b).
Que razões Bakhtin apresentou para sua afirmação de que a
psicanálise era uma abordagem subjetiva? Sua principal crítica era
dirigida ao que ele via como o tema fundamental da psicanálise, ou
seja, a idéia de que o essencial para a explicação do comportamento
humano não é a classe, a nação nem o período histórico em que a
pessoa vive, mas sua idade e sexo. Ele julgava a idéia de que “A
consciência do homem é determinada não por seu ser histórico, mas
por seu ser biológico, cuja parte mais importante é a sexualidade”
(Bakhtin, 1927/1983, p. 13) característica da teoria freudiana.
Esse tema em si, para Bakhtin, não era novo; Freud simples-
mente unira-se ao grupo de diferentes filósofos da vida, como Bergson,
Simmel e Scheler. As concepções desses vários filósofos (e Bakhtin
incluiu entre eles também James) foram resumidas por Bakhtin em
três pontos (1927/1983, p. 17). Eles (1) têm uma concepção bioló-
gica da vida humana e concebem o homem como uma unidade
orgânica isolada; (2) subestimam a consciência e tentam diminuir
seu papel na criação da cultura a um mínimo absoluto; e (3) tentam
substituir todos os fatores sócio-econômicos objetivos por fatores
psicológicos ou biológicos subjetivos. Assim, Bergson enfatizava o
élan vital instintivo para explicar a cultura humana e James procu-
rava reduzir todas as formas de criatividade cultural aos processos
biológicos de adaptação (este mesmo argumento sempre foi usado
por cientistas soviéticos para criticar as idéias de Piaget). Em geral,
portanto, esses pesquisadores iam “além do histórico e social”
(Bakhtin, 1927/1983, p. 21) para procurar os fatores causais orgâ-
nicos subjacentes da conduta humana. Para Bakhtin, as idéias deles
110 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

eram apenas abstrações prejudiciais: concebendo-se o ser humano


isolado de seu meio imediato, seu ambiente, classe e sociedade,
jamais se poderia explicar sua conduta.
A psicanálise, então, deveria ser considerada em relação ao pano
de fundo das várias filosofias de vida existentes. Mas isto não era tudo,
afirmava Bakhtin. Dividindo todas as correntes psicológicas em duas
amplas categorias — psicologia objetiva e subjetiva (ver procedimento
semelhante de Vygotsky no capítulo 7) —, ficava claro para ele que a
psicanálise pertencia à categoria das abordagens subjetivas.
O que Bakhtin tinha em mente quando escreveu sobre psicologia
subjetiva e objetiva? De uma maneira geral, ele afirmava, a psicologia
tem apenas duas fontes de informações sobre o trabalho da mente
humana, quais sejam a introspecção e a observação. Psicólogos sub-
jetivos (ele mencionou Wundt, James e Chelpanov) baseiam-se na pri-
meira fonte, relacionando-as a outras evidências — externas — através
de experimentos. Para Bakhtin, este uso de experimentos não mudava
a idéia fundamental de psicologia subjetiva: a palavra final era dada
pelo sujeito. Em sua opinião, a combinação do relato introspectivo do
sujeito sobre sua experiência interior com as evidências observacionais
obtidas pelo pesquisador resultava em uma mistura curiosa e dualista
de dados incompatíveis. Bakhtin (1927/1983, p. 33) afirmava que era
preciso limitar-se ao estudo dos aspectos materializados do comporta-
mento humano. No caso da experiência interior, isto implicava que ela
só pode ser estudada na medida em que possa ser traduzida para a
linguagem da experiência exterior. A experiência interior do sujeito
materializa-se em suas manifestações verbais, seu relato das coisas
sentidas. Essas reações verbais (o comportamento verbal, como diria
Skinner), seu som, base fisiológica e significado, podem ser estudados
de uma forma objetiva. Bakhtin dizia que até mesmo o discurso inte-
rior do sujeito é material e pode, portanto, ser estudado objetivamente
(cf. capítulo 15). Não é de surpreender que Bakhtin tenha feito referên-
cia a Watson como exemplo de uma visão semelhante sobre o status
da experiência interior. O mais interessante é que ele também se refere
ao trabalho de Vygotsky, “Consciência como um problema da psicolo-
gia do comportamento”, analisado na introdução à parte I. Essas re-
ferências cruzadas confirmam que tanto Vygotsky como Bakhtin esta-
vam próximos de uma visão behaviorista do mundo nessa época, e a
referência de Bakhtin demonstra que ele conhecia pelo menos um dos
trabalhos de Vygotsky. Da mesma forma, foi afirmado (ver Radzikhovsky,
1982, p. 489) que Vygotsky leu pelo menos uma das obras de Bakhtin,
“Marxismo e a Filosofia da Linguagem” (1930/1972), mas, no capítulo
15, sugerimos que isto é questionável.
Portanto, o que Bakhtin propunha era uma mudança conceitual:
o objeto de estudo não é a “experiência interior” do sujeito, mas seu
equivalente verbal na forma de discurso interior ou exterior. Usan-
O PAPEL DA PSICANÁLISE 111

do-se tal abordagem, a unidade conceitual da análise psicológica é


mantida, porque tanto as evidências observacionais como o discurso
interior e exterior pertencem ao reino da realidade material. A posi-
ção dualista da psicologia subjetiva, portanto, pode ser evitada. Porém,
embora defendesse essa posição behaviorista, Bakhtin enfatizou um
grande perigo potencial do behaviorismo e de outras correntes ob-
jetivas de pensamento dominantes em psicologia, ou seja, sua ten-
dência a silenciar-se sobre os aspectos sociais do comportamento.
Foi neste ponto que ele apresentou a idéia de uma análise objetiva
da origem social dos significados das palavras. Para ele, era claro
que “O mais vago pensamento, mesmo que não falado, assim como
o mais complexo movimento filosófico pressupõem ambos a comu-
nicação organizada entre indivíduos” (Bakhtin, 1927/1983, p. 42).
Em última instância, esta posição implicava que todas as ma-
nifestações vocais, teorias etc. são determinadas pela classe a que
pertence seu falante ou autor. Na visão de Bakhtin, portanto, pen-
samentos e palavras são espelhos duplos, que refletem não apenas
o objeto de que se fala, mas também o sujeito ativo e, em última
instância, sua classe, sociedade e período histórico (Bakhtin, 1927/
1983, pp. 44-5). Foi a partir desta posição — elaborada em obras
posteriores de Bakhtin, por exemplo, “Marxismo e a Filosofia da
Linguagem” (1930/1972) — que ele criticava a teoria freudiana.
Bakhtin consolidou essa definição da psicanálise como tendo
uma abordagem essencialmente subjetiva através de vários argu-
mentos adicionais. Entre outras coisas, ele disse que, embora a
psicanálise afirmasse fornecer uma base orgânica para o comporta-
mento, na realidade os processos corporais só eram discutidos na
medida em que apareciam nos relatos dos pacientes. Na opinião de
Bakhtin, Freud nunca apresentou uma explicação convincente do
fundamento biológico e fisiológico de, por exemplo, zonas erógenas
ou impulsos. Esses conceitos baseavam-se inteiramente na areia
movediça das evidências de introspecção, sem nenhuma referência
a dados fisiológicos. Bakhtin afirmou que Freud “psicologizou” a
biologia. Da mesma forma, ele “subjetivou” os importantes fatores
sociológicos que desempenham um papel na origem do comporta-
mento humano. Para consolidar esta última afirmação, Bakhtin ci-
tou a teoria da personalidade de Freud. A subdivisão da mente
humana em ego, superego e id, na visão de Freud, refletia as pro-
fundas forças naturais na mente humana. Mas não era assim para
Bakhtin. Em sua opinião, a luta entre ego, superego e id era a luta
entre diferentes motivos ideológicos, que tinham cada um deles seu
equivalente na realidade de uma determinada sociedade. Mais espe-
cificamente, os pronunciamentos do paciente não refletiam apenas
sua psique individual, mas também uma luta genuína entre as ideo-
logias diferentes do médico e do paciente. A psicodinâmica de Freud,
112 OS

portanto, não refletia uma luta estritamente individual, mas uma


disputa entre duas pessoas. Foi um erro de Freud projetar essa
complexa relação social na mente individual do paciente.
Bakhtin aceitava que Freud estava certo em afirmar que a moti-
vação consciente de nosso pensamento nem sempre merece confiança.
A consciência é o comentário que toda pessoa adulta aplica a cada um
de seus atos (Bakhtin, 1927/1983, p. 171) e, como tal, pode estar
incorreta. Mas o mesmo se aplica, argumentou Bakhtin, a nossos
comentários inconscientes. Pois os chamados motivos inconscientes
também são expressões vocais objetivamente determinadas e refletem
um evento social proximal, o evento da comunicação, de falar com
outra pessoa. As origens dessas expressões vocais nós nunca encon-
traremos dentro dos limites de uma única pessoa individual. “Ao ex-
perimentar [Osoznavaya] a mim mesmo, tento olhar para mim pelos
olhos da outra pessoa, dos outros representantes de meu grupo social,
da minha classe” (Bakhtin, 1927/1983, p. 175).
Se chamarmos o discurso interno e externo que impregna todo o
nosso comportamento de nossa “ideologia cotidiana”, então é verdade
que essa ideologia nem sempre coincide com a ideologia oficial do
grupo — embora em um coletivo saudável ela de fato coincida (1927/
1983, p. 180). Quando há um hiato especialmente grande entre essas
duas ideologias, pode até se tornar muito difícil para o indivíduo
verbalizar sua própria ideologia cotidiana. Esse era o caso da sexuali-
dade, Bakhtin argumentou, na sociedade da época. Isto deu a Freud
a oportunidade de afirmar que as motivações ideológicas cotidianas
eram estritamente reflexões individuais de desejos e impulsos profun-
dos. A partir de relatos de adultos e de sua motivação ideológica atual
de eventos que supostamente haviam ocorrido décadas antes, ele
“sexualizou” a vida familiar. “Tudo isso é uma projeção no passado de
interpretações ideológicas do comportamento que são características
apenas do presente. Freud em lugar nenhum transcende o limite de
uma construção subjetiva” (Bakhtin, 1927/1983, p. 167).
Lendo essas reflexões de Bakhtin, que são em si mesmas aber-
tas a controvérsias, não surpreende que ele condenasse as tentati-
vas de unificação do freudo-marxismo russo. No último capítulo de
seu livro, Bakhtin criticou duramente as poucas tentativas freudo-
marxistas que ele considerava mais ou menos sérias. Aqui, vamos
apenas resumir sua crítica ao artigo de Luria “Psicanálise como um
sistema de psicologia monista” (Luria, 1925a).
Bakhtin considerou o principal argumento de Luria como sendo
que Freud supostamente oferecia uma explicação não atomista da per-
sonalidade como um todo. Ele contrapôs-se a isto afirmando que (1)
Freud manteve as conhecidas faculdades da mente (volição, sentimento
e pensamento racional) que haviam sido postuladas anteriormente pela
psicologia tradicional; e (2) não se pode dar uma explicação da perso-
114 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Luria. Em primeiro lugar, discordava do pressuposto de Luria de que


as teorias de Darwin, Kant, Pavlov, Einstein e Marx fossem semelhantes
aos sistemas que constituíam a base metodológica da ciência moderna.
O papel de cada um desses pensadores era fundamentalmente diferen-
te e colocá-los todos em um mesmo grupo sugeria que o autor acredi-
tava que o fato de eles todos terem feito contribuições fundamentais
para a ciência bastava para se concluir que representavam a mesma
posição teórica. A abordagem científica básica, então, consistiria da soma
de suas contribuições. Vygotsky considerava isto impossível em vista
da natureza filosófica profundamente contraditória de vários sistemas,
e comentou sarcasticamente que “Aqui, isto é, na primeira página, já
poderíamos concluir nosso raciocínio” (Vygotsky, 1926m/1982, p. 330).
Evidentemente, todas as teorias tinham seu valor, mas não podiam ser
facilmente conciliadas sem distorcer sua natureza. Freud ficaria sur-
preso, Vygotsky disse, ao saber que a psicanálise era um sistema
monista e que ele “seguia o materialismo histórico”, como Fridman (em
Kornilov, 1925a, p. 159) havia afirmado. Freud nunca declarou-se
monista, materialista, dialético, nem seguidor do materialismo históri-
co, e Vygotsky propôs-se a provar que ele não era nada disso. Concluiu
que só se podia chegar a essas conclusões considerando superficial-
mente algumas das características da doutrina de Freud, sem analisá-
-la com seriedade. A tentativa de Luria de combinar o marxismo e as
teorias freudianas, envolvendo uma “série de transformações ingênuas
de ambos os sistemas” (Vygotsky, 1926m/1982, p. 330), constituía um
bom exemplo dessa abordagem teoricamente descuidada.
Apesar desse julgamento duro, Vygotsky não afirmou que tudo na
psicanálise contradizia o marxismo — na verdade, nem estava certo
disso (Vygotsky, 1926m/1982, p. 334) —, mas deixou claro que, para
fazer tal asserção, seria preciso proceder a uma extensa e profunda
análise da teoria freudiana. Ainda mais porque, em sua opinião, a
teoria psicanalítica não constituía um sistema terminado a priori, mas
um conglomerado espontaneamente evolutivo de insights e fatos:
como Pavlov, Freud descobriu coisas demais para criar um sistema
abstrato. Mas, da mesma forma como o herói de Molière foi prosa
falante sem suspeitar disso durante toda a sua vida, o investigador
Freud criou um sistema: introduzindo uma nova palavra, fazendo um
termo concordar com outro, descrevendo um novo fato, tirando uma
nova conclusão, em todo lugar, passo a passo, ele criou um novo
sistema. Isto só significa que a estrutura de seu sistema é profunda-
mente original, obscura e complexa, e muito difícil de entender... É por
isso que a psicanálise requer uma análise metodológica extremamente
crítica e cuidadosa e não uma sobreposição ingênua das característi-
cas de dois sistemas diferentes (Vygotsky, 1926m/1982, p. 333).

Nesta passagem, sente-se que Vygotsky estava intrigado com as


idéias originais e freqüentemente especulativas de Freud e achava
O PAPEL DA PSICANÁLISE 115

que suas obras mereciam um estudo crítico e cuidadoso. Ambos os


aspectos — fascínio mais distanciamento crítico — apareciam ainda
mais claramente em referências anteriores de Vygotsky a Freud.
Deixando de lado o livro Psicologia pedagógica, essas referências
podem ser encontradas no prefácio dele e de Luria para Além do
princípio do prazer, de Freud, e em seu A psicologia da arte (Vygotsky
e Luria, 1925a; Vygotsky, 1925j).

As primeiras idéias de Vygotsky sobre


Freud e o freudo-marxismo

A avaliação mais positiva de Freud pode ser encontrada no pre-


fácio de Além do princípio do prazer. Neste prefácio, que precedia um
outro prefácio de Moshe Wulff, Vygotsky elogiava Freud como tendo
“uma das mentes mais corajosas deste século” (Vygotsky e Luria, 1925a,
p. 3). Afirmava que as fantásticas especulações de Freud sobre o im-
pulso da morte, Thanatos, eram especulações baseadas em fatos con-
cretos. As idéias realmente originais de Freud faziam-no comparável a
Colombo: ambos descobriram um novo continente e nenhum deles
forneceu um mapa inteiramente confiável da terra recém-descoberta
(Vygotsky e Luria, 1925a, p. 13). Enfatizando que Freud desejava ser
um pensador materialista, Vygotsky deu as boas-vindas a Além do
princípio do prazer como um passo importante no sentido da criação de
uma psicologia dialética e monista. O fato de que a opinião de Vygotsky
sobre Freud sofreu uma clara evolução pode ser visto em seu julga-
mento sobre a possibilidade de desenvolvimento de uma abordagem
freudo-marxista. Nessa época, ele ainda considerava que a tentativa de
encontrar “uma síntese entre a teoria freudiana e o marxismo, com a
ajuda da doutrina dos reflexos condicionados e de desenvolver um
sistema de ‘teoria freudiana reflexológica” era “nova e original” (Vygotsky
e Luria, 1925a, p. 4).
Em A psicologia da arte, Vygotsky analisou outras partes do
pensamento freudiano. Na procura de uma teoria que desse uma
explicação adequada para a criação e a experiência de criações ar-
tísticas, era impossível evitar uma discussão das idéias de Freud e,
no quarto capítulo do texto, ele tentou chegar a um acordo com elas.
Começou sua análise da teoria psicanalítica postulando imediata-
mente a necessidade de algum conceito do inconsciente para expli-
car as questões fundamentais de uma psicologia da arte. Restringin-
do-nos à análise de processos conscientes, dificilmente encontrare-
mos alguma resposta, porque a experiência mostra que nem o pro-
dutor nem o público de criações artísticas conseguem explicar com-
pletamente os sentimentos estéticos que experimentam. Mas será
que a explicação freudiana de processos inconscientes e do papel
que eles desempenham na criação e recepção da arte satisfaz os
116 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

padrões aceitos de raciocínio científico? Freud afirmava que, na base


da criatividade artística, há um impulso não satisfeito, com freqüência
de natureza sexual. As criações sublimes do artista são, na verdade,
desejos inconscientes disfarçados e o apreciador que admira seu tra-
balho está secretamente satisfazendo suas necessidades básicas e igual-
mente inconscientes. Os psicanalistas, portanto, não traçam uma linha
nítida entre obras de arte, sonhos e neuroses, uma vez que todos eles
representam a atividade das forças inconscientes da mente. A função
da arte é facilmente explicada pelos teóricos freudianos: ela permite
que tanto o artista como o apreciador satisfaçam suas necessidades
primitivas sem violar os padrões da sociedade (ocidental). A arte é a
proteção contra estupros e assassinatos.
Vygotsky (1925l, p. 98) afirmou que o aspecto mais falho de
uma teoria assim concebida é seu entendimento do papel das dife-
rentes formas que as criações artísticas podem assumir. De acordo
com os psicanalistas, o papel da forma é mascarar o conteúdo pri-
mitivo da história, como a forma manifesta dos sonhos mascara seu
conteúdo latente. Ao mesmo tempo, a forma tem que aludir de
maneiras sutis ao prazer real que está por trás do cenário conscien-
te. A função da forma, portanto, é preparar para a satisfação incons-
ciente de necessidades básicas. Vygotsky concluiu que, para a teoria
psicanalítica, a forma é na realidade uma fachada que esconde o
prazer real explicado pelo conteúdo. Isto implica que as diferentes
formas e estilos de arte e seu desenvolvimento histórico ficam, na
verdade, sem explicação (Vygotsky, 1925l, p. 102). Explicar a forma
de sonhos e neuroses fazendo referência a impulsos primordiais
pode fazer sentido, disse Vygotsky, mas a arte e seu desenvolvimen-
to são muito mais determinados por fatores sociais: “a arte nunca
pode ser inteiramente explicada a partir da esfera restrita da vida
pessoal” (1925l, p. 110). Uma coisa é afirmar que produtos de arte
têm uma base inconsciente que é transformada em formas social-
mente aceitas, mas é outra coisa diferente explicar como ocorrem
essas transformações na esfera social. A psicanálise, na opinião de
Vygotsky, não conseguia oferecer esta última explicação, e ele via
duas razões para essa falha. O primeiro erro era tentar reduzir todos
os fenômenos psicológicos a impulsos sexuais. Segundo, ao fazer
isso, os psicanalistas na verdade iam ao extremo de reduzir o papel
dos processos conscientes ao de uma ferramenta cega nas mãos de
impulsos inconscientes, reduzindo efetivamente seu papel a zero
(1925l, p. 104). Usando um catálogo cada vez maior de símbolos
sexuais, eles conseguiam explicar por completo qualquer obra de
arte, quer tivesse sido criada por Michelangelo ou Dostoiévski. Para
Vygotsky, essas “explicações” só mostravam a “extrema pobreza” do
método, sua esterilidade e arbitrariedade. Ele não aceitava que to-
dos os processos criativos pudessem ser explicados pelo complexo
O PAPEL DA PSICANÁLISE 117

de Édipo e que, portanto, o “homem fosse um escravo de sua infân-


cia”. Como se explicariam os diferentes estilos e qualidades de ro-
mances, como se explicariam as diferentes tendências na música? A
implicação dessa teorização psicanalítica era de que qualquer distin-
ção entre a atividade social consciente dos artistas e as atividades
inconscientes de neuróticos desaparecia.
Vygotsky concluiu que a aplicação prática e válida da psicaná-
lise ao domínio da estética ainda aguardava sua concretização. O
conceito de inconsciente era, sem dúvida, de importância funda-
mental, mas não nos devia deixar cegos para o papel ativo dos
processos conscientes: arte como inconsciente é apenas o problema;
arte como a solução social do inconsciente — esta é a resposta mais
provável (Vygotsky, 1925l, p. 110).

Vygotsky sobre Freud: conclusões

Embora tenha ficado cada vez mais crítico quanto a muitos dos
conceitos de Freud, Vygotsky ainda valorizava profundamente seu tra-
balho. Seu antigo interesse por Hamlet, enfatizando os aspectos mís-
ticos e religiosos do drama, seu fascínio por As variedades de experiên-
cia religiosa, de James, suas amplas leituras de pensadores especula-
tivos “não materialistas”, tudo isso mostra que Vygotsky preferia con-
cepções originais (mesmo sendo especulativas) a idéias gastas que se
conformavam à visão de mundo aceita. Seu interesse por Freud enqua-
dra-se nessa característica básica de seu pensamento e os autores
deste livro estão inclinados a ver seu interesse na teoria freudiana
como perfeitamente coerente com seu antigo fascínio pelos motivos
ocultos que explicavam o comportamento de Hamlet (ver capítulo 2).
O fato de que Vygotsky continuava a apreciar o lado original e
especulativo das obras de Freud fica claro em uma passagem curio-
sa de seu estudo da crise da psicologia (Vygotsky, 1926m/1982, pp.
335-6). Referindo-se ao prefácio seu e de Luria para Além do prin-
cípio do prazer, ele repetiu sua opinião de que, embora as teses de
Freud tenham definitivamente uma natureza especulativa e a corro-
boração empírica dos fatos afirmados seja pouco convincente, e
embora suas idéias apresentem surpreendentes contradições e pa-
radoxos, a idéia de impulso da morte (Thanatos) era válida para a
ciência biológica da época. A ciência esclarecia a idéia da vida em
grande medida, Vygotsky acrescentou, mas não pode ainda explicar
o conceito de morte. A morte geralmente é compreendida como a
negação da vida, mas, de acordo com Vygotsky,
a morte é um fato que também tem seu sentido positivo. Ela é um tipo
especial de ser e não apenas um não-ser... é impossível imaginar que
este fenômeno não seja representado de maneira nenhuma no organis-
mo, isto é, nos processos da vida. É difícil acreditar que a morte não
118 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

tenha sentido ou tenha apenas um sentido negativo (Vygotsky, 1926m/


1982, pp. 335-6).

Referindo-se a Engels (1925/1978, p. 554), ele expressou sua


crença de que uma compreensão dialética da vida proporcionaria
uma base para a idéia de que “viver significa morrer” (cf. sua carta
para Levina, citada no capítulo 1).
É difícil entender o que Vygotsky queria dizer exatamente com
essa passagem. Evidentemente, essas palavras foram escritas num
momento em que ele se sentia “entre a vida e a morte; ainda não
estou desesperado, mas já abandonei toda a esperança” (Vygotsky
em carta para Luria, datada de 5 de março de 1926). Mas a referên-
cia à sua saúde delicada e às repetidas crises de tuberculose só
podem explicar em parte por que ele, aparentemente, havia pensado
muito nesse assunto e chegado a essa conclusão. É bastante claro,
porém, que apreciava a contribuição de Freud nesse domínio. To-
mando emprestada uma metáfora de Lev Shestov, ele considerava
que a teoria do Thanatos de Freud “não era uma grande rodovia na
ciência nem uma estrada para todos, mas uma trilha alpina sobre
os abismos para aqueles que não são predispostos a vertigens” (ibid.,
p. 336). A ciência, na opinião de Vygotsky, precisava desses livros:
eles não forneciam a verdade, mas eram úteis para encontrá-la. Não
proporcionavam todas as respostas, mas faziam as perguntas cer-
tas. A formulação dessas perguntas, declarou Vygotsky, requer mais
criatividade do que é necessário para a milionésima observação de
algum fenômeno de acordo com algum clichê aceito:
há problemas que não se pode abordar voando, mas dos quais é preciso
se aproximar a pé, coxeando e... nestes casos não é vergonha coxear. Mas
aquele que só vê a coxeadura é metodologicamente cego. Pois não seria
difícil mostrar que Hegel é um idealista, os corvos proclamam isto do alto
dos telhados; mas seria preciso gênio para ver nesse sistema um idealis-
mo que resistiu diante do materialismo, ou seja, separar a verdade
metodológica (dialética) das mentiras factuais, ver que Hegel, coxeando,
estava se aproximando da verdade (Vygotsky, 1926m/1982, p. 336).

O que Vygotsky queria dizer — tomando emprestada a metáfora


de Freud (1920/1984, p. 338) sobre coxear em direção à verdade — era
que as obras de Freud constituíam um passo importante na direção da
verdade. Por mais especulativas, paradoxais e, com freqüência, sim-
plesmente erradas que elas pudessem ser, levantavam questões impor-
tantes que uma psicologia marxista genuína não poderia evitar.

A morte da psicanálise na União Soviética: o debate Reich-Sapir

Em 1929, o conhecido psicanalista e comunista Wilheim Reich


visitou Moscou para fazer uma palestra na Academia Comunista sobre
O PAPEL DA PSICANÁLISE 119

o problema da fusão entre o marxismo e a teoria freudiana (Miller,


1986, p. 132). Surpreendentemente, Reich teve permissão para publi-
car essa palestra em um artigo em Sob a bandeira do marxismo (Reich,
1929). A publicação, porém, foi parte de um esquema cuidadosamente
orquestrado. O artigo de Reich foi publicado junto com uma nota
editorial declarando que o fato de o artigo ter sido publicado não
implicava que os editores concordavam com as opiniões do autor. Além
disso, I. D. Sapir, funcionário do Partido, recebeu uma cópia do texto
em alemão da palestra de Reich e foi solicitado a escrever uma resposta
a ele. A crítica feroz de Sapir às opiniões de Reich foi publicada na
mesma edição do periódico e praticamente marcou o fim do debate
público sobre psicanálise na União Soviética (Sapir, 1929).

A versão de Reich sobre o freudo-marxismo

O artigo de Reich foi, em parte, uma reação ao ataque de Jurinets


à teoria freudiana (Jurinets, 1924; publicado em Unter dem Banner des
Marxismus — a versão alemã de Sob a bandeira do marxismo — como
Jurinets, 1925). Ele começou distanciando-se de autores como Kolnaj
e aceitando a validade de dois tipos de crítica que vinham sendo repeti-
damente levantados por Jurinets e outros. Primeiro, Reich admitia, a
psicanálise não pode ser uma visão de mundo em um mesmo nível que
o marxismo. Em vez disso, ela devia ser considerada um método psi-
cológico de proporcionar uma descrição e explicação da vida mental em
uma base científica natural. A psicanálise, portanto, era um método
científico específico aplicável a um domínio específico do estudo cientí-
fico. Com esse recuo tático, Reich tentava evitar um conflito com o mar-
xismo como único provedor da visão de mundo correta. Segundo, Reich
acrescentava, o verdadeiro tema da teoria psicanalítica é a vida mental
do homem social. Os problemas de movimentos de massa, política,
reforma agrária, etc. de fato não podem jamais ser estudados através
de seus métodos. O marxismo, portanto, deve estudar os fenômenos
sociais, enquanto a psicanálise deve estudar o homem social. Os dois
métodos científicos poderiam compensar e enriquecer um ao outro.
Reich não aceitava a crítica de que a psicanálise como método
fosse incompatível com o pensamento marxista. Especificamente, ele
contrapunha-se aos argumentos de que (1) a psicanálise era produto
de uma sociedade burguesa em desintegração, o argumento usado
por Jurinets (1924; 1925); e (2) ela era idealista. Quanto ao primeiro
ponto, ele dizia basicamente que a origem de um argumento não diz
nada sobre sua validade, e observava com astúcia que a própria
teoria de Marx havia sido desenvolvida em uma sociedade burguesa.
E a psicanálise, na visão de Reich, também não era idealista, mas
para este ponto ele ainda não apresentava argumentos e apenas
afirmava que os críticos haviam se concentrado de forma injusta
120 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

nas concepções de vários psicanalistas, sem levar em conta que


essas concepções diferiam fundamentalmente da de Freud.
Antes de começar a explicar os principais conceitos da psicanálise
da forma como ele os via, Reich fez um comentário sobre a noção
materialista da psique. Referindo-se a diferentes passagens das obras
de Marx e Engels, ele explicou que a mente é um fenômeno material
e que, no entanto, devia ser estudada em seu próprio nível. Reduzir a
mente a suas propriedades orgânicas não melhoraria nem um pouco
nosso conhecimento, afirmou ele (Reich, 1929, p. 184). Fazer isso seria
cometer a falácia do “materialismo mecanicista”, um ponto de vista que
havia sido condenado por Marx, Engels e Lenin. Reich absteve-se sen-
satamente de dar uma descrição detalhada da natureza exata do ser
material da mente, e também não explicou com clareza por que ela não
podia ser reduzida a fatores orgânicos. Em vez disso, passou à expli-
cação das idéias básicas da teoria psicanalítica e do modo como ele
julgava que fossem compatíveis com a visão de mundo marxista.
A base da teoria psicanalítica, segundo Reich, é a doutrina dos
impulsos (1929, p. 186). Em sua opinião, o impulso sexual (libido) e
o impulso de auto-preservação tinham uma nítida origem orgânica,
mas Reich admitia ter alguns problemas com a detecção posterior por
Freud do impulso da morte (Thanatos). Vendo as tendências destruti-
vas como o resultado secundário da não satisfação da libido, porém,
pode-se conseguir reter a base essencialmente orgânica e material da
teoria dos impulsos de Freud, argumentava Reich. Mas a expressão
desses impulsos orgânicos é fortemente determinada por fatores so-
ciais. A vida no plano dos instintos é regulada pelo princípio da rea-
lidade, que é, em essência, uma função das demandas feitas por uma
determinada sociedade e em última instância, portanto, de suas estru-
turas econômicas. Reich (1929, p. 187) afirmou que “Tudo isto está
arraigado nas condições econômicas; a classe governante afirma um
princípio de realidade, que serve aos interesses de sua preservação de
poder”. Reich arriscou como sua opinião que os impulsos anais, tra-
dicionalmente associados à avareza, seriam mais predominantes nos
círculos burgueses, ao passo que o proletariado estaria mais inclinado
a atividades procriadoras (1929, p. 188). O significado do princípio da
realidade, portanto, era fortemente dependente da sociedade existente
e mudaria com o tempo.
O inconsciente de uma pessoa também seria fortemente influen-
ciado pela sociedade em que ela vivesse, pois apenas as forças consi-
deradas inaceitáveis são suprimidas em determinada sociedade. A
censura exercida sobre a expressão de impulsos inconscientes seria
diferente em diversas culturas e períodos de tempo, assim como o
conteúdo do inconsciente. Para exemplificar esta última afirmação,
Reich lembrou ao leitor a “interessante descoberta clínica” de que,
naquela época, muitas pacientes mulheres haviam começado a sonhar
O PAPEL DA PSICANÁLISE 121

com zepelins gigantes (1929, p. 188). Tanto a supressão quanto a


sublimação de impulsos inconscientes do id estavam intimamente
associadas aos valores e normas da sociedade específica. Reich pôde
concluir, portanto, que “a psicanálise não pode imaginar uma criança
sem uma sociedade; ela conhece a criança apenas como um ser social”
(1929, p. 189). Nem era preciso dizer que o superego era totalmente
determinado pela sociedade: o superego da criança é produto das re-
gras e preceitos dominantes em sua família, família esta que é, por sua
vez, dependente das condições estritamente econômicas de vida. O ego
assume uma posição intermediária e, ao tentar negociar entre as de-
mandas dos impulsos biológicos do id, por um lado, e as demandas
sociais do superego, por outro, é freqüentemente o joguete dessas
outras partes do sistema dinâmico da personalidade. Reich concluiu
que o ego era determinado em parte, e o superego totalmente determi-
nado, pela sociedade em que a pessoa vivia. Não podia haver dúvida,
portanto, de que a psicanálise dava o devido crédito tanto a fatores
sociais como biológicos no desenvolvimento humano. Além disso, a
psicanálise podia completar o marxismo no sentido de proporcionar
uma análise dos modos como a ideologia de uma sociedade específica
podia influenciar uma pessoa individual específica. Através do prisma
da família nuclear, cuja dinâmica foi explicada por Freud por meio de
conceitos como o complexo de Édipo, a criança contemporânea
internalizava a ideologia dominante (1929, p. 191).
Reich prosseguiu listando todas as “leis” da dialética e demonstran-
do sua presença objetiva na prática psicanalítica. Assim, o estímulo
contínuo de zonas erógenas só é agradável até determinado momento,
o que mostra que o aumento quantitativo da energia sexual de repente
faz surgir um sentimento qualitativo diferente (1929, p. 195). Da mes-
ma forma, a prática psicanalítica testemunhara muitos exemplos de
sentimentos que se transformavam em seus opostos — por exemplo, a
criança sádica que se tornava um cirurgião (1929, p. 198) —, demons-
trando assim mais um dos princípios básicos do pensamento dialético.
Além disso, a psicanálise nos dá um insight do fato dialético de que
muitas ações humanas são racionais e irracionais ao mesmo tempo.
Um camponês arando o solo, por exemplo, está ao mesmo tempo, sim-
bolicamente, tendo uma relação incestuosa com a mãe terra. Reich,
porém, estava convencido de que, no fim, muitos atos aparentemente
irracionais poderiam ser interpretados de uma maneira racional.
Reich questionou também se o complexo de Édipo como tal
também é dependente do tipo de sociedade em que é manifestado.
Fazendo referência a Jones, que havia argumentado que o complexo
de Édipo sempre havia existido da mesma forma na história huma-
na, e a seu oponente Malinowski, Reich optou pelo ponto de vista
deste último. Em sua opinião, o complexo de Édipo como um todo
era, em última instância, determinado por estruturas econômicas e
122 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

desapareceria em uma sociedade socialista (Reich, 1929, pp. 201-2).


É verdade, Reich admitia, que Freud, em Totem e tabu, considerou
o complexo de Édipo a causa da repressão sexual. Isto se devia
provavelmente ao fato de Freud não haver levado em conta a orga-
nização matriarcal original da sociedade humana, baseando-se na
explicação darwiniana da sociedade primitiva. Agora sabemos, po-
rém, seguindo Bachofen, Morgan e Engels (ver Kuper, 1988; ver
capítulo 9), que é possível interpretar o complexo de Édipo como um
resultado da repressão sexual social, raciocinou Reich. Isto signifi-
caria que o complexo de Édipo, ou ao menos sua expressão, estava
ligado a sociedades específicas (Reich, 1929, p. 202). Assim, pode-
mos perceber Reich corrigindo Freud, a fim de fazer sua teoria da
tribo original ficar de acordo com os cânones marxistas.
Por fim, Reich discutiu o fenômeno da psicanálise de um ponto de
vista sociológico. Em sua opinião, o surgimento de uma mentalidade
burguesa levou à repressão de instintos sexuais, o que, por sua vez,
levou a um aumento alarmante no número de doenças mentais. Todo
mundo negava a natureza sexual dessas doenças, até que Freud er-
gueu sua voz e, difamado e ridicularizado, teve que lutar contra a
mentalidade burguesa dominante no mundo científico. Porém, o fato de
Freud trazer às claras a repressão sexual foi fundamental: o fenômeno
da repressão sexual era mais persistente do que o da exploração de
uma classe pela outra. Além disso, a repressão sexual não estava
limitada a uma classe específica, embora assumisse diferentes formas
em diferentes classes. Reich era pessimista quanto ao futuro da teoria
freudiana: a mentalidade burguesa dominante não conseguia aceitar
as idéias chocantes sobre o papel da libido e a conveniência da liber-
dade sexual, e tanto os especialistas quanto os leigos faziam de tudo
para negar ou distorcer a teoria. Antigos aliados como Jung, Adler e
Rank já haviam se tornado dissidentes e, para Reich, isso demonstrava
que, em uma sociedade burguesa, a morte da psicanálise era inevitá-
vel. Seu futuro estaria em uma sociedade socialista: as reformas mar-
xistas ocasionariam a revolução social necessária, a qual iria eliminar
os fatores que impediam a livre expressão dos impulsos sexuais. Nessa
nova sociedade, a tarefa do psicanalista seria tripla: (1) elucidar a
história da humanidade através da análise dos mitos, (2) cuidar da
saúde mental e sexual, e (3) colaborar para a educação saudável da
nova geração (Reich, 1929, p. 206).

A resposta de Sapir

A idéia utópica de Reich não era partilhada por Sapir, que negava
categoricamente a validade científica da teoria psicanalítica como um
todo e sua compatibilidade com a visão de mundo marxista. Para
começar, Sapir não aceitava a afirmação conciliadora do “camarada
Reich” de que a psicanálise não era nada mais do que um método
psicológico para a descrição e explicação do homem social individual,
O PAPEL DA PSICANÁLISE 123

e que não era aplicável no domínio dos movimentos de massa, da


política etc. Para Sapir, as afirmações da psicanálise eram muito mais
pretensiosas. Fazendo referência às obras de Freud Psicologia de mas-
sa e análise do ego, Totem e tabu e O futuro de uma ilusão, ele observou
que Freud definitivamente havia passeado pelo reino da sociologia.
Como instrumento para uma explicação sociológica ou psicológica social,
porém, o valor da psicanálise era quase zero. Baseando-se fortemente
em Marx, Engels e Plekhanov, Sapir apresentou a seguinte análise da
relação entre sociedade, psicologia social e psicologia individual.
A tarefa da psicologia social era estudar a psique ou ideologia
social que forma a ligação intermediária entre a psique individual e os
vários fenômenos sócio-econômicos. Sendo parte de um coletivo, a
pessoa recebe a ideologia aceita desse coletivo. Embora a pessoa não
seja passiva nesse aspecto — ela também é uma co-criadora da ideo-
logia —, os atributos individuais da pessoa são relevantes para o so-
ciólogo apenas na medida em que têm uma relação objetiva com a luta
de classes em todas as suas formas. Pois, embora as leis da psique
individual possam estar em conflito com as tarefas do coletivo ou com
sua psique, no fim elas podem sempre ser explicadas por meio de
forças sociais. Portanto, as leis psicológicas que se aplicam ao indiví-
duo são sempre “suplantadas” no sistema do todo social. É verdade,
raciocinou Sapir, que essas leis individuais desempenham um pequeno
papel, como no caso dos atributos pessoais de uma figura política
importante — Lenin? —, mas “dificilmente alguém irá negar que isto
não passa de uma ondulação no mar do desenvolvimento sócio-econô-
mico” (Sapir, 1929, p. 217). O que Sapir estava apresentando, portanto,
era um modelo “de cima para baixo”, em que os fatores sócio-econô-
micos determinam os fenômenos psicológicos sociais, os quais, por sua
vez, determinam os processos psicológicos do indivíduo. Forma e con-
teúdo de atos individuais são, assim, determinados em última instân-
cia por fatores sócio-econômicos. Deste ponto de vista, é inútil expli-
citar a base biológica da motivação humana, pois essa base sempre
existiu e, desta forma, não pode explicar as diferenças específicas entre
os diferentes sistemas e épocas sociais (1929, p. 218). Portanto, os
métodos da psicanálise, que apontam para impulsos biológicos, e do
marxismo, que apontam para leis sócio-econômicas, simplesmente não
são do mesmo nível e não devem ser justapostos.
Na opinião de Sapir, Reich não podia rebater as idéias expostas
acima. Reich poderia explicar em parte a maneira pela qual um indi-
víduo vinha a acreditar em determinada ideologia, mas não totalmente.
Sentimentos religiosos, por exemplo, não precisam ter sua origem em
impulsos sexuais, raciocinou Sapir. Ele sugeriu que as crenças de um
teólogo racional ou de um crente tradicional têm bases diferentes.
Sapir concluiu que (1) mesmo no nível do indivíduo, a psicanálise
ignora a rica variedade de motivos internos; (2) o comportamento é
muito mais determinado por fatores sociais do que por fatores bioló-
gicos; (3) o biológico retrocede completamente nos atos conscientes; e
(4) quaisquer que sejam os motivos internos, eles fazem parte de um
124 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

processo social objetivo que os explica. “Que as pessoas acreditem


tendo fundamentos diferentes — sociologicamente falando, o que im-
porta é o fato de que esta religião específica com seu conteúdo espe-
cífico é determinada por certas forças sociais” (1929, p. 220).
Para fortalecer este argumento a favor da importância de uma
abordagem sócio-econômica, em oposição a uma abordagem pura-
mente biológica, Sapir mencionou o efeito benéfico da participação
no movimento revolucionário sobre a saúde de uma pessoa. A situa-
ção era diferente nos estratos inferiores da sociedade burguesa, em
que as condições, como o desemprego em massa, para a propagação
de várias doenças eram excelentes. Isto explicava o fato de que
doenças como a tuberculose e a arteriosclerose eram especialmente
difundidas na Europa ocidental e nos Estados Unidos. Sapir con-
cluiu justificadamente que, mesmo na área da medicina, uma abor-
dagem puramente biológica é mal orientada. Ele não deu crédito à
explicação de Reich para a prevalência de desordens mentais na
sociedade burguesa. Do ponto de vista psicanalítico, uma repressão
maciça de impulsos sexuais poderia ter levado igualmente ao
florescimento da cultura burguesa através do mecanismo de subli-
mação, o que, na opinião de Sapir, demonstrava uma vez mais a
total vacuidade das explicações psicanalíticas de fenômenos sociais.
Sapir tinha uma opinião mais positiva sobre a psicanálise como
teoria da psicologia individual, embora também neste caso expressasse
algumas críticas sérias. Ele aprovava a explicação da mente pela psi-
canálise como um sistema dinâmico que consistia em diferentes
subsistemas, um dos quais é o inconsciente. Argumentando que muito
provavelmente esses processos psicológicos formavam a expressão de
vários processos psicológicos, mesmo assim afirmou que eles não po-
diam ser reduzidos a processos neurodinâmicos elementares. Sapir
apresentou claramente as limitações do trabalho de Pavlov com refle-
xos condicionados. Em sua opinião, esses processos inibidores e
excitadores ocorriam na estrutura “morfo-funcional” do cérebro, que se
desenvolvia durante a história da vida do indivíduo. O fato de um
estímulo levar ou não a uma reação específica, como uma neurose,
dependeria, portanto, da estrutura cerebral que tivesse se desenvolvido
durante a vida desse indivíduo. Sem levar em conta essa estrutura
morfo-funcional, a conversa sobre reflexos condicionados seria vazia
(1929, p. 228). Sapir concluiu esse curioso raciocínio com a sugestão
de que as estruturas cerebrais diferem para as partes consciente e
inconsciente do sistema dinâmico de personalidade e que os processos
neurodinâmicos elementares são determinados por elas. Podemos ver,
portanto, que Sapir opta por um materialismo dialético não mecanicis-
ta, no qual as propriedades fisiológicas elementares vão se tornando
“suplantadas” no processo de desenvolvimento. Esta visão também fica
evidente em seus comentários sobre a idéia do inconsciente. Ele reco-
nhecia que, com freqüência, as pessoas têm motivos para seus atos
que não desejam admitir. Porém, na opinião de Sapir, esses motivos
profundos eram (1) nem sempre inconscientes; (2) nem sempre muito
O PAPEL DA PSICANÁLISE 125

poderosos; (3) raramente de base biológica; e (4) perdiam todo o seu


poder em circunstâncias favoráveis. Para Sapir, a psicanálise exagerava
demais o papel da libido no desenvolvimento humano, por não ver que
há motivos sociais secundários, que podem ter evoluído geneticamente
dos motivos sexuais primários, mas que acabaram adquirindo inde-
pendência. Os motivos sexuais de fato têm seu papel, mas são com-
pletamente controlados pelos motivos sociais superiores que se origi-
naram deles. É somente quando estes últimos são enfraquecidos (por
exemplo, no caso do abuso do álcool) que os motivos primários podem
entrar em cena. Seu papel, porém, é muito limitado, e em geral as
forças biológicas apenas indicam possibilidades para o desenvolvimen-
to, enquanto os fatores econômicos determinam sua direção (1929, p.
233). Podemos concluir, então, que também no domínio da psicologia
individual a teoria psicanalítica era acusada de enfatizar excessivamen-
te o papel de fatores biológicos, em detrimento dos fatores sociais.
Resumindo a crítica de Sapir à visão de Reich, podemos dizer
que ela foi uma reafirmação de vários temas muito conhecidos. Em
primeiro lugar, nenhuma teoria científica, quer a psicanálise ou
qualquer outra, podia competir com o pensamento marxista quando
se tratava de lidar com problemas que tinham um claro impacto
psicológico social ou sociológico. As incursões de diferentes autores
psicanalíticos nessa área irritavam fortemente os guardiães ideoló-
gicos do materialismo histórico e dialético. Segundo, qualquer teoria
que colocasse em dúvida, direta ou indiretamente, as possibilidades
de reforma ou progresso social — apontando, por exemplo, os fato-
res biológicos que limitavam essas possibilidades — provava pela
mesma razão sua abordagem não científica. Os impulsos suposta-
mente gerais do comportamento humano defendidos pela teoria
psicanalítica não tinham nenhuma relevância para sua explicação.
As explicações reais deviam ser procuradas nos fatores sócio-econô-
micos descritos pelos teóricos do marxismo.
O debate sobre a psicanálise na União Soviética agora havia
praticamente chegado ao fim. Ex-psicanalistas haviam mudado de
ponto de vista (por exemplo, Zalkind e Luria; embora este último
ainda tenha mencionado a obra de Vera Schmidt em Vygotsky e
Luria, 1930a, pp. 135-43) ou deixado o país (como Wulff). Contra
todas as esperanças, a Sociedade Psicanalítica tentou continuar seu
trabalho, agora com Kannabikh como presidente. Vera Schmidt (1928a;
1929b) continuou a cobrir as reuniões da sociedade para o Internationale
Zeitschrift für Psychoanalyse, mas não por muito tempo. Seu último
relatório apareceu em 1930 e cobria o período de 7 de janeiro a 27 de
março de 1930. Depois disso, mais nenhum informe foi recebido e as
listas de membros publicadas no periódico até 1935 parecem não ter
sido atualizadas. Miller (1986, p. 131) conta que a escola de Schmidt
para tratamento psicanalítico de crianças com perturbações foi fechada
em 1928 (veja também Kozulin, 1984, p. 94) e que a Sociedade Psica-
nalítica foi oficialmente fechada em 1933.
126 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Conclusões gerais

Como todos os psicólogos do início deste século, Vygotsky e


Luria desenvolveram um grande interesse pela teoria psicanalítica.
O papel de Luria na psicanálise na União Soviética foi muito mais
destacado do que o de Vygotsky, que foi, no máximo, um adepto
fascinado. De fato, o desenvolvimento do pensamento de Luria não
pode ser compreendido sem um estudo completo dos debates sovié-
ticos internos sobre Freud e seus seguidores. Parte desse contexto
histórico, com todos os seus aspectos cômicos e tragicômicos, foi
reconstruído neste capítulo. A história da origem, florescimento e
morte da psicanálise na União Soviética constitui um exemplo ins-
trutivo da maneira como o novo Estado soviético acabava resolvendo
seus debates intelectuais: determinando de cima quais eram as vi-
sões de mundo corretas. Como tal, a história do movimento psica-
nalítico na União Soviética não foi de forma alguma excepcional.
Conforme comentou Kozulin (1984, p. 94): “A psicanálise simples-
mente compartilhou o destino comum de todos os movimentos psi-
cológicos independentes. Depois das discussões ‘metodológicas’ e
‘ideológicas’ apropriadas, todos os principais grupos de psicólogos
soviéticos — reflexologistas, reactologistas, personalistas e pedólogos
— foram silenciados, seus periódicos pararam de ser publicados e
todas as traduções de psicólogos ‘burgueses’ foram banidas”.
Neste meio tempo, é interessante observar as diferenças entre
as atitudes de Vygotsky e de Luria em relação à psicanálise. De uma
maneira geral, poderia-se dizer que Vygotsky — que sempre foi muito
crítico em relação ao pensamento freudiano — nunca condenou o
sistema como um todo, mas, ao contrário, enfatizou suas contribui-
ções fundamentais para a ciência psicológica. Luria, por outro lado,
foi um seguidor ardoroso das idéias de Freud até o final da década
de 1920, quando abandonou a psicanálise e, em anos posteriores,
passou a ridicularizar seu entusiasmo anterior pela teoria psicana-
lítica. A abordagem de Vygotsky parece ter sido, ao mesmo tempo,
intelectualmente mais exigente e ideologicamente mais perigosa, uma
vez que, depois que as obras de Freud caíram em desgraça, as
críticas duras a seu pensamento passaram a ser acolhidas como
uma marca da visão de mundo correta. Tais condenações incondi-
cionais, porém, não são encontradas nos escritos de Vygotsky. A
indiferença de Vygotsky em relação à atmosfera ideológica geral pode
refletir uma vez mais uma das dialéticas básicas de sua vida pes-
soal: uma relativa independência ideológica baseada em uma condi-
ção física essencialmente sem grandes expectativas.
127

6
Konstantin Kornilov
e sua reactologia

Enquanto Vygotsky analisava e escrevia sobre os processos psico-


lógicos da reação a textos literários em 1922-23, um outro intelectual
envolvia-se em processos um pouco diferentes de reação. Esse homem
era Konstantin Kornilov, um professor recentemente promovido no
Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de Moscou. Nas-
cido em 1879, Kornilov participava do Instituto desde 1907, primeiro
como assistente do diretor, Georgi Chelpanov (até 1915), depois como
Privatdozent (até sua promoção a professor em 1921; ver Murchison,
1929, p. 557). Durante toda a sua carreira, desde 1910, Kornilov havia
sido um experimentador meticuloso e ativo no laboratório, estudando
os diferentes tipos de reações e sujeitos adultos e publicando alguns
artigos (Kornilov, 1913a, 1913b, 1914; Korniloff, 1922), além do livro
A teoria das reações do homem (Uchenie o reaktsiakh cheloveka) (Kor-
nilov, 1922a). Nos anos 1922-24, Kornilov estendeu suas atividades
para experimentos com reações diferentes daquelas de seus sujeitos de
laboratório, que eram colegas do Instituto e funcionários do Estado,
avançando para “estímulos” que envolviam a filosofia dialética marxista
em conjunto com a psicologia. Como resultado, preparou-se o campo
para a entrada de uma série de representantes da “nova geração” da
psicologia. Vygotsky estava entre os que foram trazidos para a psico-
logia por meio da seqüência de ações e reações sociais desencadeadas
por Kornilov.

A psicologia das reações: desenvolvimento das idéias de Kornilov

Como ocorreu com muitos psicólogos da década de 1920, as


idéias de Kornilov desenvolveram-se no curso da década de 1910.
Como ele próprio diz (Kornilov, 1922a, p. 7), suas idéias adquiriram
independência em 1913, quando começou a estudar a natureza
dinâmica das reações, concentrando-se particularmente no “gasto
de energia” durante diferentes tipos de reações em ambiente de
laboratório. Ele afirmava ter completado doze investigações experi-
mentais distintas na década de 1910-20.
128 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

O significado de “reação”

Com base em estudos de tempo de reação em psicologia, Kor-


nilov conceitualizou “reações” de uma maneira que era única em dois
aspectos. Primeiro, ele estava interessado no processo da forma de
reação (em vez do mero registro de tempos de reação). Esse interesse
na reação como um processo era, ele afirmava, resultado do estudo da
“psicodinâmica” do psicofisiologista dinamarquês Alfred Georg Ludwig
Lehmann (1858-1921), particularmente seu Elementos de psicodinâmica
(Elemente der Psychodynamik) (Lehmann, 1905). O interesse de Kor-
nilov pela forma da reação enfatizava o caráter de inteireza do pro-
cesso de reação: “A reação, como uma dada experiência [perezhivanie]
primária no curso da experiência imediata, é um certo todo completo,
do qual extraímos momentos distintos através de análise e abstra-
ção, dando-lhes nomes específicos” (Kornilov, 1922a, p. 13).
A vida, de acordo com Kornilov, é constituída de um grande
número de reações, cada uma das quais envolve ação recíproca
entre o organismo vivo e seu ambiente. Cada reação, além do tempo
mensurável de latência (tempo de reação = tempo desde o estímulo
até o início da reação), tem uma forma (o comportamento do sujeito
no curso da reação) e uma intensidade especificáveis. Voltando-se
para os fenômenos da vida real, Kornilov exemplificou a relevância
da dinâmica da reação por meio de diferenças entre pessoas em
termos de comportamento:

alguns, ao nos cumprimentarem, dão um aperto de mão rápido e


fraco, ao passo que outros, ao contrário, fazem-no sem pressa e com
vigor. Quando chegam à porta esperando para serem atendidas, algu-
mas pessoas dão um toque abrupto e penetrante na campainha, aper-
tando o botão com rapidez e decisão, ao passo que outras produzem
um som fraco e hesitante, com um toque lento e suave do botão —
depois de algum tempo, já se pode adivinhar corretamente quem está
vindo nos visitar. Porém, onde essa velocidade e potência de movimen-
tos do sujeito é caracterizada com maior clareza é no estilo de tocar
piano. Enquanto é característico de alguns a pressão rápida e vigorosa
das teclas, outros, em contraste, produzem o som através de um toque
lento e delicado do instrumento, e esse padrão diferencial dos movi-
mentos temporais e dinâmicos cria a marca característica do estilo de
diferentes músicos (Kornilov, 1922a, p. 20).

Em segundo lugar, por meio da idéia de ação recíproca organis-


mo-ambiente, Kornilov associou seu conceito de reação ao conceito
de energia. A reação era considerada “nada mais do que a transfor-
mação de energia e violação constante do equilíbrio energético entre
o indivíduo e o meio circundante” (1922a, p. 13). Além disso, esses
processos energéticos eram vistos como produtores do lado subjetivo
dos processos psicológicos (1922a, p. 14). Kornilov jogava com a
KORNILOV E REACTOLOGIA 129

idéia de um tipo especial de energia — energia psíquica — que seria


tão real quanto sua equivalente física (1922a, p. 141),1 uma vez que
é baseada no tempo, intensidade e forma das descargas de células
cerebrais em resposta a estímulos externos. A ênfase de Kornilov no
lado dinâmico do processo de reação, evidente em sua ênfase na
intensidade e na forma da reação em oposição à mera velocidade de
reação, tornou possível que uma série de seus colaboradores na
década de 1920 encaixassem suas abordagens psicodinâmicas (p.
ex., freudo-marxistas, ver capítulo 5) ou sociodinâmicas (p. ex.,
Vygotsky, Reisner, Beliaev) nessa mesma estrutura geral. Além dis-
so, a conhecida teoria de N. A. Bernshtein (fiziologia aktivnosti: fisio-
logia da atividade) também esteve ligada à teorização da dinâmica de
reações de Kornilov na década de 1920.

Variedade de reações: do simples ao complexo

O programa experimental de Kornilov (realizado em 1910-21)


incluiu o estudo de sete tipos de reações, que compuseram um perfil
de medidas para sua análise do comportamento (1922a, pp. 22-3):
1. a reação natural foi descrita como a colocação do sujeito em con-
dições nas quais ele possa reagir ao estímulo da maneira mais
confortável;
2. a reação muscular: o sujeito deve fazer um movimento assim que
o estímulo é sentido, e a atenção é concentrada primariamente no
movimento;
3. a reação sensorial: o sujeito deve fazer um movimento só depois da
percepção clara do estímulo. A atenção, assim, é concentrada ba-
sicamente no estímulo;
4. a reação diferencial (reaktsia razlichenia): são apresentados ao sujeito
dois (diferenciação simples) ou mais (diferenciação complexa) estí-
mulos previamente conhecidos. O movimento ocorre apenas depois
de sua clara diferenciação;
5. a reação de escolha: o sujeito recebe dois estímulos previamente
conhecidos e tem que reagir a um deles e não ao outro (escolha
entre movimento e não movimento). Alternativamente, o sujeito
pode receber mais de dois estímulos e, a cada um deles, deve
responder com um movimento específico (escolha entre vários mo-
vimentos);

1. Kornilov certamente não foi original ao basear-se na noção de energia.


Essa idéia foi amplamente alimentada entre cientistas europeus na virada do
século e, na psicologia russa, já havia sido usada por Bekhterev (1904; ver
também Bekhterev, 1921/1922).
130 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

6. a reação de reconhecimento: o sujeito deve reagir apenas a um


determinado estímulo no conjunto de muitos;
7. a reação associativa: o movimento deve ocorrer só depois que o
estímulo tiver desencadeado uma primeira associação na mente
(associação livre) ou depois que o estímulo tiver evocado uma ima-
gem que tenha uma conexão lógica específica com o estímulo (as-
sociação lógica).

Estes sete tipos de reação cobrem toda a gama, desde o mais sim-
ples (1) até o altamente complexo (7). Por meio desta gama de reações
estudada por Kornilov, fica evidente como o behaviorismo orientado
para a consciência — o que a “reactologia” de Kornilov na década de
20 era, em contraste com o reducionismo reflexológico de Pavlov e
Bekhterev — pôde emergir sob sua liderança. Os tipos de reação
podem ser vistos como qualitativamente diferentes uns dos outros e,
assim, Kornilov não teve que fazer acomodações em seu pensamento
para incorporar o marxismo dialético nele em 1922-23, quando
começou sua briga feroz para que a “psicologia marxista” fosse acei-
ta. A gama de tipos de reações era considerada como um perfil das
reações do sujeito, o que levou Kornilov à formulação da “lei geral”
do comportamento humano: o “princípio do gasto monofásico de
energia” (printsip odnopoliusnyi traty energii). Por outro lado, os perfis
de reação de diferentes sujeitos associaram-se à especulação de
Kornilov sobre a natureza dos hábitos de trabalho, os quais, por sua
vez, foram usados na crítica violenta a suas idéias pelos críticos
ideológicos do início da década de 1930 (ver abaixo).

O princípio do gasto monofásico de energia

Kornilov definiu este princípio básico de sua teoria da seguinte


maneira: “a atividade de raciocínio e a expressão externa de movi-
mentos estão em relação inversa uma com a outra: quanto mais
complexo e intenso se torna o processo do pensamento, menos in-
tensa é a expressão externa do movimento” (1922a, p. 122).
Assim, a lei básica de reação de Kornilov é bastante simples: a “ener-
gia” torna-se “gasta” externamente (no comportamento observável) ou
internamente (em reações mentais). Além disso, o princípio de Kornilov
envolve um processo de desenvolvimento por natureza. A ênfase em “tor-
nar-se” nesta formulação não pode ser interpretada meramente como um
modo de exemplificar uma relação correlacional formal. Em vez disso,
o princípio de Kornilov definia o desenvolvimento da seqüência de rea-
ções como algo que seguia do externo para o interno (em certo sentido,
essa ênfase constituía um contexto bastante adequado para a ênfase
posterior de Vygotsky na internalização de funções externas). Kornilov
destacou a primazia do lado externo das reações sobre o lado interno:
KORNILOV E REACTOLOGIA 131

estar vivo, possuir psique, isto significa em primeiro lugar expressar-


-se em ação. Se seres vivos só possuíssem intelecto e emoções, mas
não se expressassem em ações, não haveria vida no mundo e, conse-
qüentemente, não haveria psique... Só a aparência externa cria vida,
só através dessas expressões podemos tirar conclusões sobre a pre-
sença do intelecto e das emoções (1922a, p. 127).

O argumento de Kornilov em favor do organismo ativo como a


condição para o surgimento das funções psicológicas foi formulado
para contrapor-se à forte ênfase de Meumann (1908) no papel do
intelecto na psicologia humana. Este argumento também antecipa o
principal ponto de vista da chamada “teoria da atividade” (p. ex., Leontiev,
1975), que se tornou um lema na psicologia soviética muito mais tarde.

As raízes do intelecto no processo da história

Kornilov via o desenvolvimento do intelecto como “um processo de


vontade inibido que não é transformado em ação” (1922a, p. 128, grifo
acrescentado). Uma vez mais, contrapondo-se à “primazia cognitiva”
que as idéias de Meumann incluíam, Kornilov enfatizava a natureza de
desenvolvimento de todos os processos intelectuais. Assim, a capacida-
de de definir metas e torná-las conscientes (predstavlenie c! li) não
podia ser vista como um ponto inicial para processos intelectuais, mas
sim como um estado final de desenvolvimento psicológico (1922a, p.
127) que possibilita ao organismo relacionar-se com seu ambiente de
maneiras qualitativamente novas. A idéia de que a natureza inibida da
vontade leva ao desenvolvimento de funções cognitivas harmoniza a
teorização de Kornilov com a ênfase de Freud na sublimação, prepa-
rando o caminho para o surgimento do “freudo-marxismo” no Instituto
de Kornilov em meados da década de 1920 (ver capítulo 5).
O argumento de Kornilov contra Meumann no campo da prima-
zia da atividade sobre o intelecto (e a vontade) assumiu uma inte-
ressante configuração historicista. Kornilov argumentou primeiro que,
se a posição de Meumann fosse correta, então toda a vida humana
iria desenvolver-se historicamente na direção do mínimo de ativida-
de externa e do máximo de esforço intelectual (o que não é obser-
vado). Isto seria igual à “fusão com Deus” como a última e mais
elevada meta do “processo do mundo inteiro”. Declarando esta visão
da história como “anti-histórica” (1922a, p. 133), Kornilov argumen-
ta que a história humana reflete uma tendência para a superação
da desarmonia entre intelecto e vontade, tanto na mente de indiví-
duos como na psicologia de classes sociais inteiras. Ele vê essa
síntese (equilíbrio) de vontade e intelecto na obtenção de uma “von-
tade sensatamente transformável em ação” (razumno deitsvuiushchaia
volia), que é considerada como a meta futura histórica (e desejada)
tanto para indivíduos como para sociedades inteiras (cf. 1922a, p.
132 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

134). No caso de indivíduos, a “vontade sensatamente transformável


em ação” permitiria que a pessoa se beneficiasse de funções cognitivas
novas (superiores) na área da ação intencional, e novas ações inten-
cionais podem “alimentar” os processos intelectuais. Em termos de
pensamento dialético, Kornilov concluiu que o “salto qualitativo” do
“sistema intelecto —> vontade” pertencia a um nível superior de
interdependência. Foi a aplicação dessa síntese de vontade e intelec-
to no plano das sociedades que permitiu a Kornilov admitir a pos-
sibilidade de uma utopia social — o novo Estado soviético, que
proclamava a construção de uma nova sociedade justa e qualitati-
vamente incomparável de igualdade, liberdade e trabalho.

Implicações aplicadas: para processos de trabalho e educação

A proclamação por Kornilov de sua “reactologia” como a direção


que a psicologia deveria tomar na década de 1920 estava explicita-
mente ligada a questões de aplicação dessa reactologia na práxis
social da sociedade em mutação. Ele via duas áreas principais de
aplicabilidade de sua teoria e técnicas experimentais: na otimização
do trabalho (no contexto de uma subdisciplina que foi chamada de
“psicotécnica” na década de 1920) e no estudo complexo do desen-
volvimento infantil no contexto da “pedologia”.
Em sua análise do processo do trabalho (1922a, pp. 143-52;
1922b), Kornilov procurou caracterizar sete diferentes tipos de tra-
balho de acordo com os tipos de reações que estão necessariamente
envolvidos no processo e dão ao processo sua ênfase principal. Por
exemplo, o tipo natural de processos de trabalho (baseado em gran-
de medida no tipo de reação (1) é o caso do trabalho em que:
a pessoa no processo de trabalho encontra-se em um estado mais ou
menos sem pressão e cumpre a tarefa sem nenhuma tensão especial,
uma vez que esta se adapta à sua natureza. Ela concentra sua atenção
de forma mais ou menos eqüitativa entre o objeto do trabalho e seus
movimentos. As profissões que pertencem a este tipo não exigem nem
uma intensa atividade de raciocínio nem uma atividade muscular inten-
sa. Encontram-se aqui a maior parte dos pequenos trabalhos de admi-
nistração doméstica, o trabalho de pessoal não especializado em institui-
ções: porteiro, vigia, mensageiro, servente, zelador, etc. (1922a, p. 145).

Em contraste, o tipo de trabalho mais complexo — processos de


trabalho do tipo associativo — incluía todas as profissões intelectuais.
Em casos deste tipo, quanto mais a tarefa exige em termos das asso-
ciações necessárias para ligá-la a outros conhecimentos, maior o tem-
po que ela leva para ser realizada e menor o gasto de energia no “órgão
de trabalho” periférico (1922a, p. 149). Seguindo esse princípio de
gasto monofásico de energia, Kornilov argumentou que:
KORNILOV E REACTOLOGIA 133

a transição do gasto de energia periférico para o gasto de energia


central é mais complicada que o processo inverso. Isto é equivalente
ao fato de que a transição do trabalho mental para o físico sempre
ocorre mais facilmente do que o processo inverso de mudança de
trabalho físico para mental. Em seu significado aplicado, isto implica
que criar um representante do trabalho físico a partir de uma pessoa
intelectual é uma tarefa mais fácil do que criar uma pessoa intelectual
a partir de um profissional do trabalho físico (1922a, p. 151).

Este contraste entre duas direções de mudança em profissões


acabou se mostrando profético em dois sentidos. Em primeiro lugar, a
idéia da dificuldade de se transformar trabalhadores físicos em intelec-
tuais foi corporificada no destino do próprio Kornilov, quando (por volta
da época da entrada forçada dos “intelectuais proletários” em posições
acadêmicas) seus críticos fizeram um uso ativo dessa sua “superstição
burguesa”. A tarefa do Partido era criar acadêmicos confiáveis a partir
de pessoas de passado proletário e instrução duvidosa — exatamente
a transição que Kornilov havia declarado difícil. Em segundo, a expli-
cação de Kornilov para a transferência fácil do trabalho intelectual
para uma “reeducação” através do trabalho manual tornou-se uma
prática difundida quando um número cada vez maior de “antigos in-
telectuais” foi submetido pelo Estado a tal mudança forçada em seu
tipo de trabalho, na forma de campos de trabalho.
A aplicação pedológica da reactologia conforme foi vista por
Kornilov estende o discurso da “reactologia do trabalho” para o
processo de desenvolvimento de crianças no contexto da educação.
Ele evocou o slogan do Estado soviético — síntese de trabalho físico
e mental (conforme era amplamente propagado no contexto da “es-
cola do trabalho” (trudovaia shkola) — e defendeu o estudo exato de
“reações pedagógicas” em crianças (1922a, p. 157). A síntese de
trabalho físico e mental foi proclamada como o critério para a “edu-
cação harmoniosa”, a qual, porém, foi declarada impossível na so-
ciedade de classes capitalista (1929, p. 1958). A implementação do
princípio de síntese do trabalho físico e mental no desenvolvimento
infantil supostamente levaria a uma nova forma de relação entre o
gasto de energia central e periférico: a passagem do gasto monofásico
para o gasto bifásico (central-periférico) (1922a, p. 159). Esta síntese
ligava a psico-reactologia dinâmica de Kornilov à sua aceitação do
materialismo dialético, que se tornou o tema comum de discurso
social das ciências soviéticas no início da década de 1920.

Kornilov e o materialismo dialético: o passo seguinte

O trabalho de Kornilov na área da dinâmica das reações propor-


cionou uma base sólida para que fossem construídas ligações com o
sistema de pensamento dialético que se tornou difundido na União
134 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Soviética no início da década de 1920. Porém, idéias normalmente não


existem separadas de ações (afirmação do próprio Kornilov!), e a mu-
dança de Kornilov para a filosofia dialética refletiu-se em suas ações no
contexto do estabelecimento da psicologia. Ele começou tomando o
cargo de seu mentor Georgi Chelpanov (o fundador e diretor do Insti-
tuto de Psicologia na Universidade de Moscou) e forçando-o à aposen-
tadoria (o que não era uma tarefa impossível, visto que Chelpanov
tinha 60 anos em 1922). Indo além do contexto provinciano de Moscou,
Kornilov incentivou a auto-atualização da instituição, o que o levou a
assumir um papel de liderança na recém-iniciada “luta pela psicologia
marxista”. Claro que Kornilov teve que aceitar os princípios do pensa-
mento dialético e a terminologia de Marx com relativa rapidez, a fim de
satisfazer essa ambição maior.
O papel recém-adotado de Kornilov como “ativista por uma psicolo-
gia marxista” veio à tona pela primeira vez em sua apresentação, em
14 de janeiro de 1923, no Primeiro Congresso Russo de Psiconeurologia
(Kornilov, 1923a). Ansioso para desenvolver uma psicologia marxista (e
para tornar-se diretor do Instituto onde estava trabalhando), Kornilov
fez uma vigorosa defesa de suas teorias de reactologia, em oposição à
“psicologia idealista” de Chelpanov. Não hesitou em usar meios retóricos
com a intenção de desacreditar o pensamento de Chelpanov do ponto
de vista da nova ideologia social dominante no Estado soviético. As-
sim, a escola de pensamento de Chelpanov foi declarada “um servo”
da filosofia idealista que, por sua vez, era vista como “um servo
da religião” (Kornilov, 1923b, p. 86). Em outras ocasiões (por exem-
plo, em sua violenta controvérsia com Struminsky (1926), um mar-
xista especulativo de esquerda), Kornilov, então já diretor do Institu-
to, defendeu sua própria posição, indicando a postura semelhante
adotada por outros psicólogos do Instituto e, desta forma, apresen-
tando um “front” unificado. Seus detratores foram acusados de “anti-
dialéticos” e “revisionistas” em suas concepções (Kornilov, 1926c, p.
186). Assim, tendo participado do princípio da institucionalização da
psicologia soviética, Kornilov logo tornou-se um político hábil, cujas
manobras no Instituto envolviam o uso de ideologia para promover o
desenvolvimento de sua própria pesquisa e ciência.
Em seus esforços de “luta” contra a “psicologia especulativa”
(umozakliuchitel’naia psikhologia) de Chelpanov, Kornilov tentou alis-
tar aliados potenciais dos diferentes lados da psicologia que se
antagonizassem com a psicologia orientada para a introspecção de
Chelpanov. Primeiramente, as tradições psicanalíticas foram lem-
bradas como úteis para construir uma “nova psicologia”. A
metodologia psicanalítica do estudo de processos psicológicos ocul-
tos por meio de reações externas (Kornilov usou explicitamente a
metáfora de um iceberg — o estudo de nove décimos dele por meio
de sinais externos, ou do um décimo restante; 1923a, p. 45) era
KORNILOV E REACTOLOGIA 135

similar em sua estrutura à reactologia de Kornilov. Como os méto-


dos reactológicos, considerava-se que a metodologia psicanalítica
reduzia o papel dominante da metodologia introspectiva. Em um
estranho casamento, a psicanálise tornou-se parceira das aborda-
gens behavioristas russas do comportamento (ver capítulo 5). Estas
tornaram-se um tópico de discurso em 1923, quando Fundamentos
gerais de reflexologia, de Bekhterev, e a coleção de artigos Vinte anos
de experiência no estudo da atividade nervosa superior, de Pavlov,
foram publicados nesse ano. Porém, a ênfase fisiológica altamente
“materialista” de Bekhterev e Pavlov não era interessante para as
metas de Kornilov. Ele atacou o uso do conceito de energia por
Bekhterev, afirmando que, pelo papel central desse conceito, Bekh-
terev havia deixado o “materialismo” para trás (Kornilov, 1923b, p.
90). Para destacar as diferenças entre seu próprio uso do conceito
de energia e o de Bekhterev, ele alegou concordância com a máxima
de Lenin de que os processos psíquicos são aspectos da matéria.
A ênfase de Pavlov na redução de todos os processos psicológicos a
“reflexos condicionados” foi criticada por Kornilov em um contexto dife-
rente. A oposição de Pavlov ao novo regime da Rússia, que havia surgido
como resultado de uma guerra, revolução e fome, era clara (ver Joravsky,
1985, 1989, capítulo 7). Em seu texto de 1923, Pavlov fez um comen-
tário revelador sobre a época em que vivia, atentando para a necessi-
dade de explicar a complexidade da psique humana, que, sendo “con-
duzida por forças obscuras”, inflige a si mesma “misérias inexprimíveis
através de guerras e revoluções”, cujos horrores replicam “relações
interanimais”. Pavlov defendeu o estabelecimento de uma ciência ob-
jetiva da natureza humana, que pudesse “tirá-la das trevas atuais no
campo das relações interpessoais” (Pavlov, 1923, p. 128). Kornilov não
hesitou em ressaltar as opiniões de Pavlov sobre as mudanças sociais
na Rússia e reproduziu várias vezes a frase de Pavlov em seu próprio
trabalho (Kornilov, 1924b, pp. 93, 94-5). Deve ser lembrado, porém,
que nesses esforços para desacreditar a reputação de Pavlov, Kornilov
estava meramente alinhando-se com Bukharin (1924a) e Zinoviev (1923),
que haviam iniciado a campanha no ano anterior.
Na década de 1920, as brigas ideológicas internas lentamente se
tornaram a característica da maior parte da psicologia russa e pas-
saram a ser o meio dominante de discurso psicológico soviético na
década de 1930. Ainda assim, à parte os esforços para desacreditar
seus oponentes, a aceitação por Kornilov da nova ideologia popular
do “materialismo dialético” estava fundamentada em seu pensamen-
to anterior sobre a dinâmica das reações. Foi a dialética natural-
filosófica de Friedrich Engels (que se tornou cada vez mais difundida
na filosofia marxista soviética por volta de meados da década de
1920) que serviu a Kornilov como ponto de partida para uma fusão
de sua “reactologia” com a filosofia marxista. O ponto de vista natu-
136 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

ral-filosófico de Engels era caracterizado pela aceitação do princípio


de desenvolvimento como o cerne de todo o entendimento do mundo.
Em sua apresentação no Segundo Congresso Psiconeurológico, em
janeiro de 1924 (isto é, pouco depois de assumir a diretoria do Instituto
Psicológico de Moscou, no lugar de Chelpanov), Kornilov propôs-se a
descrever uma aplicação do ponto de vista dialético-marxista à psico-
logia. Ele o fez enfatizando a relevância da “lei do desenvolvimento da
natureza, história e pensamento” e mostrando para sua platéia que
exatamente a ênfase neste último é uma “categoria do tipo puramente
psicológico” (1924a, p. 107). Em sua caracterização do mais importante
“princípio do método dialético”, o da “variação contínua”, Kornilov ar-
gumentou que “o mundo deve ser compreendido não como um com-
plexo de coisas completas, mas como um complexo de processos em
que as coisas que para nós parecem constantes, assim como as ima-
gens de pensamento (isto é, os conceitos) em nossa cabeça, passam
pelo processo contínuo de emergência e extinção” (1924a, pp. 107-8).
Além disso, o princípio do “salto” de transição do desenvolvi-
mento quantitativo para qualitativo (e vice-versa) era importante e
tinha suas raízes na metodologia dialética hegeliana, que foi o ponto
de partida para toda a filosofia marxista. A aplicação da idéia de
transformação qualitativa de fenômenos em seus opostos não era
difícil no domínio da psicologia:
É fato geralmente conhecido que uma emoção definida qualitativamen-
te, quando atinge um certo limite em seu desenvolvimento, transforma-
se em uma emoção que é qualitativamente diferente. Na verdade, não
estou falando dos estados elementares de satisfação e insatisfação, que,
em certa duração e intensidade, transformam-se no sentimento oposto.
Se pegarmos emoções mais complexas, podemos observar, por exemplo,
que o sentimento de [auto]-elogio, quando atinge um determinado pon-
to chave, transforma-se no sentimento de auto-admiração; o sentimen-
to de valor próprio em um sentimento de orgulho, economia torna-se
avareza, coragem torna-se imprudência, etc. (1924a, pp. 110-11).

A “tríade” dialética (tese — antítese — síntese) enquadrava-se bem


na perspectiva dinâmica dos fenômenos psicológicos postulada por
Kornilov. Além disso, Kornilov inseriu o papel das contradições no
processo de desenvolvimento como seu principal “motor”. Todo proces-
so de desenvolvimento ocorre como resultado de contradições, a nega-
ção da “tese” por sua “antítese”, que leva a uma “síntese” na emergên-
cia de uma nova forma naquele determinado desenvolvimento. Kornilov
via explicitamente os processos conscientes e inconscientes como “tese”
e “antítese” um do outro e, assim, considerava que novos fenômenos
psicológicos emergiam como uma síntese dessas duas esferas:
Aqui, em uma série de formas concretas vemos que o que era cons-
ciente torna-se incorporado na esfera do inconsciente, a fim de emer-
gir novamente mais tarde em uma forma consciente, mais rica em
KORNILOV E REACTOLOGIA 137

conteúdo. Assim são os processos da lembrança, que são seguidos por


um processamento inconsciente e uma nova reprodução no ato da
imaginação. Assim é, por sua natureza, o ato da criação, onde, a partir
de formulação consciente e, com freqüência, trabalho intenso em de-
terminado problema, quando não alcançamos uma solução iremos
recebê-la consideravelmente mais tarde como resultado de um traba-
lho intenso na esfera inconsciente (1924a, p. 111).

O interesse de Kornilov pela relação dinâmica entre processos


conscientes e inconscientes baseava-se em sua dedicação ao estudo da
dinâmica dos parâmetros de reação sob condições de dificuldade cres-
cente da tarefa. A visão dinâmica do “princípio de gasto monofásico de
energia” que Kornilov defendia seguia um padrão semelhante:
a pessoa que está envolvida em determinado tipo de trabalho mental (a
descarga central) irá gastar menos energia nos movimentos de seus
órgãos — olhos, membros (descarga periférica) — quanto mais complexo
for o trabalho mental. Mas, se tornarmos o trabalho mental excessiva-
mente difícil, ele inevitavelmente leva, mais cedo ou mais tarde, a uma
expressão afetiva explosiva de atividade periférica inibida (1927, p. 203).

Assim, Kornilov considerava que a unidade dialética dos processos


cognitivo e afetivo no contexto da resolução de problemas (“tarefas de
reação”) gerava resultados qualitativamente diferentes, dependendo da
complexidade da tarefa. Isto coloca-se em paralelo com a ênfase na
interação entre os processos consciente e inconsciente no pensamento
psicanalítico. Ele via o “ato psicanalítico” como uma síntese que acar-
reta a reorganização dialética do “gasto de energia” entre as esferas
mental e corporal (ver 1924a, p. 112). Dado este paralelo, não foi de
forma alguma surpreendente que Kornilov tenha tornado possível para
vários jovens investigadores de orientação psicanalítica (p. ex., Averbukh,
Luria e Fridman; ver capítulo 5) continuar seus estudos psicanalíticos
como parte das atividades do Instituto Psicológico. A visão holística de
Kornilov sobre os processos de reação possibilitou que ele apreciasse
a complexidade das funções psicológicas e sua interdependência dos
ambientes sociais (1925b, p. 22).
Sem dúvida um dos mal-entendidos mais difundidos sobre o
credo psicológico de Kornilov que as fontes oficiais soviéticas poste-
riores promoveram foi o da similaridade essencial entre sua
“reactologia” e a “reflexologia” de Bekhterev e o behaviorismo norte-
-americano. Ironicamente, as raízes deste mito podem ser localizadas
no trabalho de seu ex-professor e posterior adversário Georgi Chel-
panov, que declarou que existia uma congruência entre o “reducio-
nismo” de todos os processos psicológicos subjetivos a um sistema
de reflexos feito por Kornilov e por Bekhterev (Chelpanov, 1924).
Kornilov rebateu vigorosamente a acusação, apontando a aplicação
da síntese dialética no estudo de aspectos comportamentais e psi-
cológicos da atividade humana como a diferença básica entre a sua
138 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

metodologia e a de Bekhterev (Kornilov, 1925c). Sua perspectiva


quanto ao problema mente-corpo era interacionista — a mente (pro-
cessos psicológicos subjetivos) é interdependente do corpo (proces-
sos fisiológicos e comportamentais). Os processos psicológicos são
funcionalmente dependentes (funktsional’naia zavisimost; Kornilov,
1925b, p. 20) dos processos fisiológicos e comportamentais, mas
não redutíveis a estes últimos, nem separáveis deles. Além disso, o
comportamento em si não pode ser estudado sem levar em conta o
lado psicológico subjetivo:
se quisermos estudar o verdadeiro comportamento de uma personali-
dade concreta e holística, precisamos levar em conta ambos os lados,
objetivo e subjetivo, uma vez que em cada reação do organismo vivo
ambos estes lados são inseparáveis um do outro. A esse estudo bilate-
ral do comportamento humano fundido em uma unidade inseparável
dou o nome de investigação reactológica, já que o conceito de reação,
diferente de reflexo, inclui ambos esses lados. E, assim, exatamente essa
fusão inseparável e orgânica entre os lados subjetivo e objetivo nos dá a
síntese que deve estar na base da psicologia marxista (1925b, p. 19).

Por fim, Kornilov via o uso da dialética na psicologia em uma


escala ampla, não a limitando apenas ao lado explicativo de
constructos psicológicos, mas defendendo sua introdução como
método de investigação. Nesta última aplicação, ele enfatizava a
relevância do “salto dialético” como o princípio básico pelo qual
ocorre o desenvolvimento psicológico. Por isso, a metodologia usada
para estudar o desenvolvimento tem que estar de acordo com essa
natureza dos fenômenos — acima de tudo no estudo do desenvolvi-
mento infantil e da mudança qualitativa na psicologia de pessoas
em casos patológicos (1924a, p. 113).
Em suma, as idéias (em desenvolvimento) de Kornilov para uma
“psicologia marxista” nos anos 1923-7 prepararam o caminho, em
todos os seus aspectos, para a entrada de Vygotsky no campo da
psicologia. Ambos estavam interessados na síntese hegeliana como
fundamental: Kornilov usou isso em sua luta pela reconstrução da
psicologia, enquanto Vygotsky movia-se em uma direção paralela em
seus esforços para compreender como os receptores de mensagens
artísticas chegam a novos sentimentos. Ambos trabalhavam ativa-
mente para tentar compreender a dinâmica de processos complexos:
para Kornilov, estes eram as reações de sujeitos sob diferentes con-
dições de tarefas; para Vygotsky, eram as diferentes recepções de
expressões literárias e teatrais complexas. Além disso, as afirmações
de Kornilov (freqüentemente retóricas) sobre o tipo de psicologia que
ele queria construir abordavam temas que, mais tarde, seriam de-
senvolvidos na obra de Vygotsky (e de seus colegas). Assim, a defesa
da dialética como um método de investigação foi elaborada em for-
ma concreta no “método da dupla estimulação” (1927-9) (ver capí-
KORNILOV E REACTOLOGIA 139

tulo 9), e a unidade de processos de desenvolvimento em ontogenia


e patologia pode ser observada no início da década de 1930, quando
Vygotsky e Luria envolveram-se intensamente com a medicina. Sob
a nova diretoria de Kornilov, o Instituto de Psicologia Experimental
em meados da década de 1920 era um ambiente que (com sua “luta”
pela “psicologia marxista”) constituiu um terreno fértil para o desen-
volvimento de Vygotsky. Claro que a vinda de Vygotsky para o Ins-
tituto foi parte de uma grande mudança organizacional naquela
instituição, sob o comando de Kornilov.

O “caminho para o poder” de Kornilov


no Instituto Psicológico de Moscou

Kornilov estivera associado a Chelpanov desde a época em que


este começara a trabalhar na Universidade de Moscou (em 1907, de-
pois de lecionar na Universidade de Kiev em 1892-1907). Foi um par-
ticipante ativo do trabalho do Seminário Psicológico, que atuava (antes
do estabelecimento do Instituto Psicológico) como o principal centro de
educação superior para psicólogos russos e estava ligado à Faculdade
de Filosofia da Universidade de Moscou. Entre os membros do Semi-
nário, Kornilov parece ter sido um dos mais ativos, assim como Nikolai
Rybnikov (um psicólogo infantil que continuou seu trabalho paralela-
mente a Kornilov ao longo da década de 1920) e Pavel Blonsky. A partir
do outono de 1909, Kornilov foi líder de um dos seis grupos de alunos
que estudavam tipos de reações dentro do laboratório prático de psi-
cologia experimental, e esse grupo continuou a realizar pesquisas sob
sua liderança durante anos (ver “Otchet o deiatel’nosti”, 1914).
Como um dos primeiros assistentes juniores de Chelpanov, Kor-
nilov participou do estabelecimento do Instituto Psicológico em 1912
(ver Chelpanov, 1914, para um histórico detalhado do Instituto) e tra-
balhou nele desde seu início. Em sua visão de mundo sócio-política,
Kornilov afirmava ter estado próximo do movimento social democrático
na Rússia desde 1905 (ver Petrovsky, 1967, p. 56), e isto pode tê-lo
encorajado a participar da construção de uma nova ciência no contexto
de uma “nova ordem social” no início da década de 1920. Teplov
comentou com clareza a rapidez da conversão de Kornilov em um “novo
psicólogo”: enquanto em 1921 Kornilov ainda era a favor da separação
entre a psicologia e a filosofia, em janeiro de 1923 já defendia o uso
do marxismo para reorganizar a psicologia (Teplov, 1960, p. 11).
Que eventos ocorreram no Instituto Psicológico e em seu am-
biente social nesse curto espaço de tempo? Os eventos do início da
década de 1920 parecem indicar uma inquietude intelectual e polí-
tica local. É interessante que, entre os intelectuais russos que ha-
viam estado ligados ao Instituto Psicológico nos anos anteriores a
1917, não tenha sido Kornilov, mas Blonsky, quem primeiro levan-
140 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

tou a questão da “reforma marxista” da psicologia (Blonsky, 1920,


1921; ver também Joravsky, 1985, 1989). Mais ou menos na mesma
época, em novembro de 1921, Chelpanov foi indicado novamente
para a diretoria do Instituto Psicológico (Petrovsky, 1967, p. 59). Em
março de 1922, o artigo de Lenin, “Sobre o significado do materialismo
militante”, foi publicado no periódico Pod znamenem marksizma (Lenin,
1922), levando ao irrompimento de uma “luta” ativa (na verdade mili-
tante) pelo marxismo na esfera intelectual da sociedade. Isto tomou a
forma do estabelecimento de novos redutos institucionais para um
desenvolvimento da ciência “marxista”. Além disso, em 1921-22 houve
uma onda de reações contra intelectuais e cientistas “burgueses”, muitos
dos quais foram mandados para o exílio no Ocidente em 1922 (161
cientistas importantes em filosofia, sociologia e outras áreas) (Joravsky,
1985). O exílio desses especialistas foi publicamente explicado pela
necessidade de educar a “intelligentsia proletária”, que seria ideologica-
mente devotada por inteiro ao novo regime e, ao mesmo tempo, com-
parável em conhecimentos aos especialistas com “histórico burguês”.
Estes “não eram ideologicamente dignos de confiança” e foram denun-
ciados como “conspiradores” anti-soviéticos, em uma acusação reforça-
da por declarações de que eles haviam escondido sua “conspiração” por
meio da posse de conhecimentos não disponíveis para o proletariado
(ver Pervoe predosterzhenie, 1922, p. 1). A desconfiança na “intelligentsia”
era expressa em termos semelhantes às justificativas para a expropria-
ção de propriedades das classes “burguesas” como resultado da revolu-
ção: o proletariado já havia tomado as propriedades, e agora chegara
o momento de tomar também o conhecimento privilegiado da
intelligentsia burguesa que o detinha. Claro que o conhecimento não
podia ser simples e diretamente expropriado, mas apenas gradualmente
aprendido da “velha geração”, que, depois, seria substituída pelos novos
“quadros” recém-instruídos e ideologicamente leais. Provavelmente é
um mito considerar a década de 1920 na União Soviética como uma
época de muita liberdade na inovação intelectual (cf. Jakhot, 1981).
Essa liberdade de facto pode ter sido resultado da assincronia entre a
“tomada” do “poder” político e intelectual pelo novo regime. Tendo
tomado o poder político e o consolidado gradualmente, o regime podia
dar-se o luxo de permitir um discurso social que parecia ser livre e
ilimitado. A prova desses limites pode ser observada no destino da
intelligentsia em agosto de 1922, quando alguns foram exilados para o
Ocidente, mas de outros se diz que foram “enviados para as províncias
do norte da Rússia” (Pervoe predosterezhenie, 1922, p. 1), algo que
antecipa os mais amplos “programas de remanejamento” de pessoas
soviéticas selecionadas na década de 1930.
Assim, o começo da luta pela psicologia marxista no início da
década de 1920 estava intimamente ligado aos esforços graduais do
regime soviético para anexar os domínios do conhecimento científico
KORNILOV E REACTOLOGIA 141

e humanístico e exilar os especialistas com históricos de classe não


confiáveis. Claro que isso definia duas condições axiomáticas para
a “nova” psicologia: ela devia declarar de forma indiscutível sua
lealdade ao marxismo e a questão do determinismo classista dos
fenômenos psicológicos tinha que aparecer nela de alguma forma.
De fato, a sociedade soviética do começo da década de 1920 encheu-
-se de sugestões e expectativas sociais para a conversão a uma linha
marxista e seu desenvolvimento posterior. Claro que a forma que
essa “linha” deveria assumir não tinha sido (ainda) estritamente
determinada, uma vez que foi possível que muitas versões diferentes
de “psicologia marxista” aparecessem e competissem pelo domínio
nas discussões psicológicas e filosóficas da década de 1920.
Como um pensador sério de sua época, Chelpanov, como Pavlov,
não poderia (e não iria) permanecer em silêncio diante do
irrompimento da agitação militante ideológica, tendo-a chamado
abertamente de “ditadura ideológica do marxismo” em 1922. O
momento desse desabafo parece ter coincidido com o destino de
seus colegas acadêmicos que foram exilados da União Soviética
naquele ano. Chelpanov era presidente da Sociedade Psicológica de
Moscou desde sua reabertura em 1920 (depois de um intervalo de
dois anos, devido à guerra e à morte de seu primeiro presidente, L.
M. Lopatin). A Sociedade encerrou suas atividades em 1922, “em
conjunção com o exílio dos mais ativos reacionários” (!), de acordo
com uma descrição soviética (Chagin e Klushin, 1975, p. 44).
As declarações públicas de Chelpanov sobre a “ditadura ideológica”
provocaram reações defensivas e desconfiadas dos fomentadores da
nova “ciência marxista” (ver Bukharin, 1924b, p. 133; Frankfurt, 1925).
A crítica de Kornilov a Chelpanov apenas refletia o cisma ideológico
cada vez maior entre o novo regime político e Chelpanov. Em seu primeiro
anúncio de uma “psicologia marxista”, em janeiro de 1923, Kornilov
dedicou apenas um parágrafo a um ataque a Chelpanov, comentando
(1923a, p. 43) a posição deste com referência à “alma” (dusha) como um
antídoto para a “ênfase materialista” de Lenin em relação à psique. No final
desse ano, seus ataques a Chelpanov haviam se tornado cada vez mais
violentos no conteúdo (por exemplo, a afirmação de que a “escola” de
Chelpanov — da qual o próprio Kornilov havia se originado — vinha
“minando toda a confiança na psicologia”; 1923b, p. 86), mas perma-
neciam relativamente curtos, especialmente em comparação com suas
longas críticas a Pavlov e Bekhterev. (Parece que a intensidade da
“malhação de Chelpanov” nas publicações de Kornilov só aumentou
depois de ele ter tomado a direção do Instituto Psicológico.) O último
grande ataque público contra Chelpanov ocorreu em 24 de outubro de
1923, no Pravda. Cerca de três semanas depois, em 15 de novembro
de 1923, “foi sugerido a Chelpanov que ele entregasse a direção do
Instituto Psicológico para o Professor Kornilov” (Petrovsky, 1967, p. 59).
142 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

A transição do poder fora administrativamente arranjada, e Kornilov


apressou-se em reorganizar o Instituto segundo as linhas da nova
“psicologia marxista” que ele vinha proclamando ao longo do ano an-
terior.
Os efeitos imediatos da posse de Kornilov na direção do Insti-
tuto Psicológico foram lembrados por um “observador participante”
ativo desse processo, Alexander Luria (décadas depois, em março de
1974). Ele entrou para o Instituto no outono de 1923 e foi nomeado
seu Secretário Acadêmico com a idade de 21 anos:
Fui imediatamente envolvido nos acontecimentos. Nosso Instituto ti-
nha a intenção de reformar toda a ciência psicológica, abandonando
a teoria idealista de Chelpanov e criando uma nova teoria materialista.
Kornilov falava de uma psicologia marxista. Ele acreditava que se
deveria abandonar os experimentos subjetivos e fazer um estudo ob-
jetivo do comportamento, notadamente das reações motoras, fazendo
uso de um dinamômetro. Enquanto isso, a reforma da psicologia es-
tava acontecendo de duas formas: primeiro, dando-se novos nomes às
coisas, e segundo, mudando a mobília de lugar. Se a memória não me
falha, a percepção era chamada de recepção de um sinal para reação;
memória era retenção com reprodução de reação; atenção, restrição de
reação; emoções, reações emocionais; em resumo, inseríamos a pala-
vra “reação” onde podíamos, acreditando sinceramente que estávamos
fazendo algo importante e sério. Ao mesmo tempo, estávamos mudan-
do os móveis de um laboratório para outro. Lembro muito bem que,
enquanto carregava mesas para cima e para baixo pelas escadas,
tinha certeza de que aquilo traria uma mudança para nosso trabalho
e que iríamos criar uma nova base para a psicologia soviética. Esse
período foi notável por nossa ingenuidade e entusiasmo, mas, previ-
sivelmente, não tardou em chegar a uma situação de impasse. As
diferenças com Kornilov começaram quase desde o início, porque não
gostávamos de sua abordagem... (Levitin, 1982, p. 154-5).

A reconstrução feita por Luria da desvalorização entusiasmada


da “velha” psicologia dentro do Instituto Psicológico não deve, é
claro, ser tomada ao pé da letra. Afinal, suas lembranças do Institu-
to são pessoais e, além disso, ao escrever estes comentários ele já
tinha a perspectiva histórica de quando Kornilov “caiu em desgra-
ça”, no início da década de 1930. O esforço de renomear todos os
aspectos da psicologia de acordo com o entusiasmo pela “reactologia”
era, é claro, previsível. Criações semelhantes de novas terminologias
ocorreram também em outros períodos da psicologia soviética (por
exemplo, a tendência a encontrar “reflexos” em todos os fenômenos
psicológicos no início da década de 1950, ou a inserção do termo
“atividade” em toda parte no contexto social da Faculdade de Psico-
logia da Universidade de Moscou na década de 1970). As “modas”
psicológicas internacionais também não são muito diferentes. Fala-
mos muito da “revolução cognitiva” em todas as áreas da psicologia,
KORNILOV E REACTOLOGIA 143

ao mesmo tempo que continuamos a estudar o comportamento de


uma maneira que, para o observador externo, faz lembrar um
behaviorismo um pouco mais brando. Além disso, a lembrança de
Luria sobre o interesse de Kornilov no estudo do comportamento de
uma forma objetiva reflete a associação historiográfica oficial da
“reactologia” com a “reflexologia” e condena ambas por seus “erros”
ou por “ficar para trás em relação ao progresso da ciência” (ver, p.
ex., Petrovsky, 1967; Smirnov, 1975).
Em muitos relatos, Luria enfatizou que o novo pessoal trazido
por Kornilov era muito jovem (ver Luria, 1979, p. 31; 1982, p. 18).
Porém, um bom número de psicólogos que haviam trabalhado com
o Instituto Psicológico antes da guerra civil continuavam lá. Uma
breve visão geral da estrutura e atividades do Instituto em 1924
ilustra a amplitude de áreas cobertas e a composição de idade dos
pesquisadores das diferentes seções. A visão geral baseia-se em grande
medida no relatório da Secretaria Acadêmica do Instituto (Luria,
1926g), com material adicional de várias outras fontes.
O Instituto (a partir de 1924, seu nome oficial passou a ser
“Instituto de Psicologia Experimental de Moscou”) era constituído de
seis seções:

(1) Psicologia geral e experimental. Esta seção era liderada pelo


próprio Kornilov (que tinha 45 anos em 1924) e incluía uma lista
variada de membros. Em primeiro lugar, Pavel Blonsky (40 anos) e
Nikolai Bernshtein (28 anos) estavam listados como colaboradores desta
seção. Ambos tinham a ordem mais alta dentro do Instituto — “mem-
bro efetivo” (deistvitel’nyi chlen) — mas apenas Bernshtein aparecia
citado como envolvido em um tópico de pesquisa (“A camada de reação
na forma de movimento”). O status formal relativamente alto de
Bernshtein pode ter se devido à sua conexão com o Instituto Central
do Trabalho, cujo diretor, Aleksei Gastev, fez desse Instituto uma ins-
tituição bastante importante no contexto social da década de 1920.
Blonsky, na época, estava mais envolvido nas atividades da Academia
de Educação Comunista, que ele ajudara a fundar em 1919, junto com
Nadezhda Krupskaia (Sergeeva, 1974), e seu trabalho no Instituto em
1924 parece ter sido limitado a uma conferência pública e uma con-
tribuição para a primeira coleção de artigos (Blonsky, 1925a). O tópico
de pesquisa do próprio Kornilov era citado como “O problema da rea-
ção de inibição máxima”. Alexander Luria (22 anos) vinha listado nesta
seção como “colaborador científico de primeira ordem”, junto com vá-
rios outros classificados como “segunda ordem”: V. A. Artemov (27
anos), Lev Vygotsky (28 anos), G. M. Gagaeva, S. I. Ginzburg, N. F.
Dobrynin (34 anos) e Ju. V. Frankfurt. Luria era mencionado como
pessoa muito empenhada na organização de pesquisas e coordenação
de trabalhos de pesquisa de estudantes e colaboradores externos sobre
144 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

os tópicos “sintomas objetivos da reação complexa”, “estudo de comple-


xos hipnogênicos”, “inibição de reações associativas” (com A. N. Leontiev,
que pertencia à categoria de “colaboradores externos” em 1924) e “sin-
tomas objetivos de reações complexas de eritrofóbicos”. Vygotsky, se-
gundo o relatório, também desempenhava um papel ativo de modo
semelhante. Ele estava envolvido em um projeto coletivo (com L. S.
Sakharov, L. V. Zankov, 22 anos, e I. M. Soloviev, todos estes “exter-
nos”) para estudar reações dominantes, e estava listado como orientador
de I. M. Soloviev em um estudo sobre a influência de estímulos
subdominantes no trabalho rítmico. Outros colaboradores desta seção
desenvolviam seus tópicos individuais: Artemov estava estudando a
ligação entre reações condicionadas; Gagaeva estudava a correlação
entre tipo sangüíneo e tipo de reação e Dobrynin, os processos de
atenção. Ginzburg e Frankfurt não estavam listados como participan-
tes de nenhum trabalho experimental específico. Este último, claro,
tinha papel de destaque em sua luta ativa como “marxista militante”
por uma nova psicologia (p. ex., Frankfurt, 1925). Ao mesmo tempo,
descrevia-se que uma série de colaboradores externos da Seção esta-
vam trabalhando em seus próprios tópicos específicos no Instituto. R.
V. Volevich tinha o tema “estudo objetivo da dor”; D. I. Ravkin inves-
tigava “o ritmo da reação em conexão com a constituição humana”; T.
D. Faddeev estava interessado na “relação entre velocidade e sensibi-
lidade de reação e eletricidade galvânica”; A. D. Miller (com Kornilov)
estudava “o lado dinâmico da reação a estímulos visuais e acústicos”;
T. Frenkel estudava “limiares de movimento”; e E. I. Rubinstein e D.
N. Bogojavlensky (com Luria), “reações verbais em cadeia”. Evidente-
mente, esta Seção era a mais numerosa e ativa dentro do Instituto,
onde as atividades de Luria e Vygotsky desenvolviam-se em paralelo
com o direcionamento experimental e filosófico de Kornilov.

(2) Psicologia social. Esta seção era dirigida pelo “membro efe-
tivo do Instituto”, Professor Mikhail A. Reisner (nascido em 1868,
morto em 1928; 56 anos em 1924). Reisner, que tinha sido professor
de direito em São Petersburgo nos anos anteriores a 1917 (foi um
dos primeiros professores indicados para o Instituto Psiconeurológi-
co de Bekhterev, onde lecionou direito governamental desde 1907;
Gerver, 1912), havia declarado seu apoio ao regime bolchevique no
final de 1917 (Fitzpatrick, 1970, p. 318), fora um dos fundadores da
Academia Socialista em outubro de 1918 (Chagin e Klushin, 1975,
p. 50) e trabalhou no Narkompros (Comissariado de Educação) de
Lunacharsky nos anos seguintes. Sua seção não incluía nenhum
colaborador designado como de primeira ordem e apenas dois de
segunda ordem (M. I. Ginzburg-Dajan e Sudeikin). Não havia ne-
nhum tópico experimental em andamento listado para esta Seção;
portanto, pode-se pressupor que a maioria de suas atividades em
1924 foram de natureza teórica, e alinhadas com o trabalho publica-
KORNILOV E REACTOLOGIA 145

do de Reisner nessa época, que ligava as idéias freudianas e mar-


xistas na psicologia (Reisner, 1925).

(3) A Seção de psicologia aplicada (Psychotechnique) era conduzida


pelo Professor Isaak Shpil’rejn (33 anos), doutor pela Universidade de
Leipiz em 1912, que havia se transferido do Instituto Central do Tra-
balho de Gastev (onde tinha estado desde seu começo, em 1921) para
o Instituto Psicológico em 1923 (mantendo ao mesmo tempo sua liga-
ção com o Comissariado do Trabalho e a Academia Comunista). Estava
listado como colaborador de primeira ordem e membro do Colégio do
Instituto. Sua seção possuía apenas mais um colega de primeira or-
dem, S. G. Gellershtein (28 anos), e dez colaboradores externos. Os
tópicos de pesquisa desta seção incluíam o tema da treinabilidade no
estudo de profissões, métodos de estudos psicotécnicos para grupos
grandes, os efeitos de exposições sobre os visitantes e o uso da lingua-
gem entre os soldados do Exército Vermelho.
(4) A Seção de psicopatologia era liderada pelo membro do Ins-
tituto Aaron B. Zalkind (35 anos), um médico (que estudou na
Universidade de Moscou em 1906-11 e recebeu seu diploma de
médico em 1918, depois de praticar em um hospital militar durante
a guerra) que, no início da década de 1920, era um marxista lutan-
do pela reorganização da psicologia (Dajan, 1924), psico-higiene
(Zalkind, 1924b, 1930c) e pedagogia. Zalkind era vinculado à orga-
nização do Partido Bolchevique e à Academia Comunista. Sua seção
no Instituto incluía A. I. Zalmanzon (colaborador de primeira ordem)
e B. D. Fridman (colaborador de segunda ordem), com apenas um
colaborador externo listado (alguém chamado Dr. Khachiturjan).
Apenas um tema de investigação empírica (desenvolvido em conjun-
to por Zalmanzon e Fridman) — a constituição e reações humanas
em conexão com o ritmo de reação no caso de diferentes doenças —
estava listado para 1924. Os colaboradores desta seção exerceram
outras atividades ao longo de 1924: Fridman analisou o pensamento
psicanalítico (Fridman, 1925; veja o capítulo 5) e discutiu questões
de psicoterapia e marxismo nos colóquios internos do Instituto e no
Segundo Congresso Psiconeurológico, em janeiro. Parece que Zalkind
era a principal ligação entre Kornilov e a liderança ideológica da
intelligentsia soviética. Tanto ele quanto o principal filósofo da épo-
ca, A. M. Deborin, eram membros do Colégio do Instituto.
(5) A Seção de psicologia infantil era dirigida pelo colega de
Kornilov nos anos de estudo e trabalho conjunto no Instituto de
Chelpanov (desde 1970), Nikolay Rybnikov. Como Blonsky (que havia
seguido Chelpanov no trajeto de Kiev para Moscou em 1907; veja
Kozulin, 1984, capítulo 6), Rybnikov tinha a posição de membro
efetivo do Instituto, mas sua Seção não incluía nenhum colaborador
listado em tempo integral ou meio período, e o único tópico de
146 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

pesquisa empírica mencionado foi desenvolvido pelo próprio Rybnikov


(“Biogênese das reações de fala da criança”). Sobre esse tópico, Rybni-
kov fez apenas uma apresentação na série de colóquios do Instituto
em 1924. Ele havia sido um investigador dedicado na época de
Chelpanov (Rybnikov, 1916) e continuou a sê-lo depois que Kornilov
assumiu a diretoria do Instituto (Rybnikov, 1925, 1926, 1928), mas,
evidentemente, estava muito na periferia do “panorama intelectual”
que dominava o Instituto em 1924. Participou ativamente do movi-
mento da pedologia na última metade da década de 1920, mas
parece que nunca implementou nenhuma das filosofias reactológicas
promovidas e vigorosamente defendidas por Kornilov.

(6) A Seção de comportamento animal era dirigida por Vladimir M.


Borovsky (42 anos), que, depois de obter seu doutorado pela Universi-
dade de Heidelberg, em 1910, havia trabalhado na Universidade Saratov
(1918-20) e mudara-se para Moscou como docente em 1920 para tra-
balhar na Primeira Universidade de Moscou. No Instituto, tinha a posição
mais baixa entre os chefes de seções em 1924 (colaborador de primeira
ordem) e sua seção contava apenas com mais um colega de primeira or-
dem (o preparador do laboratório, V. V. Troitsky) e um colaborador
externo (B. N. Beliaev). Dois tópicos de trabalho empírico estavam
listados para esta seção em 1924, ambos desenvolvidos por Borovsky:
reações a estímulos monocromáticos em invertebrados e o estudo de rea-
ções retardadas. Apesar do pequeno tamanho da seção, Borovsky parece
ter estado às voltas com muitas atividades em 1924: ele apresentou
um colóquio geral (sobre a “teoria mecanicista do comportamento
animal”) e cinco colóquios internos no Instituto. Mais tarde, suas ati-
vidades levaram à propagação da psicologia materialista (Borovsky,
1929a) e a uma visão geral da psicologia soviética na perspectiva de
Kornilov (Borovsky, 1929b). Uma década depois, foi comparado a Kor-
nilov em uma tentativa de atribuir características negativas diferentes
a ambos (Georgiev, 1937).
Este esquema geral detalhado da estrutura do Instituto em 1924
leva-nos a pensar que ele não era de fato a fortaleza monolítica da
nova psicologia marxista que o próprio Kornilov repetidamente apre-
sentava (Kornilov, 1926c, 1927). Na verdade, a seção mais concor-
rida, de Psicologia geral e experimental, era dedicada a outros estu-
dos além daqueles ligados à “reactologia”: das atividades filosóficas
e ideológicas de Kornilov e Frankfurt, a vários outros estudos
laboratoriais de aparência bastante tradicional de colaboradores mais
jovens, aos estudos de orientação claramente psicodinâmica de “com-
plexos”, incentivados por Luria. Ao mesmo tempo, outras seções
parecem ter sido muito pouco tocadas pela nova tendência da
“reactologia” (p. ex., a de Rybnikov), ou ter levado suas atividades
em outras direções apenas remotamente ligadas aos esforços teóri-
cos de Kornilov (a psicopatologia de Zalkind, a psicotécnica de
KORNILOV E REACTOLOGIA 147

Shpil’rejn, a psicologia social de Reisner). Embora permanecessem


distantes das teorias “reactológicas” de Kornilov, essas três seções
e seus líderes parecem ter feito bem a ligação entre Kornilov e
outras instituições que estavam envolvidas na promoção da ciência
marxista e em sua administração, ou seja, a Academia Comunista
e Narkompros (Reisner), o Comitê Central do Partido Comunista e
seu departamento Agitprop (Zalkind) e o Comissariado do Trabalho
e o Instituto Central do Trabalho (Shpil’rejn). A este respeito, não
admira que o relato testemunhal de Luria sobre a vida no Instituto
tenha abordado basicamente a seção de Kornilov, que era a parte
mais numerosa e mais dinâmica do Instituto reorganizado.
Uma pluralidade de perspectivas não é algo facilmente tolerado em
instituições acadêmicas russas, cuja organização hierárquica baseia-se
em grande escala nas tradições acadêmicas alemãs. Além disso, na
agitação social da “nova sociedade” e sua transição do comunismo de
guerra para a Nova Política Econômica, seria de esperar que uma
instituição científica russa fosse um sistema social bastante complexo.
Não é de surpreender que, nas condições da glasnost revolucionária da
década de 1920, o Instituto estivesse carregado de atritos interpes-
soais. Nas discussões do Comitê Executivo (Presidium) de RANION
(VseRossiiskaia Assotsiasia Nauchno-Issledovatel’skikh Institutov Obsh-
chestvennykh Nauk — Associação Russa dos Institutos de Pesquisa de
Ciências Sociais), foi observado que o Instituto Psicológico (que perten-
cia à RANION) abrigou uma série de “grupos antagônicos” de pesqui-
sadores de 1926 em diante (Petrovsky, 1967, p. 68). Portanto, prova-
velmente é correto dizer que (como lembrou Luria) divergências dentro
do Instituto tenham começado quase imediatamente depois de sua
reorganização. A definição de quais eram as facções que se disputavam
entre si permanece em grande medida imersa no folclore dos psicólogos
soviéticos, mas não fica claro, com base nos materiais históricos pu-
blicados, que tenha havido alguma dissensão pública séria entre Kor-
nilov e as linhas de trabalho de Luria (ou de Vygotsky). Tanto Luria
quanto Vygotsky eram recém-chegados à psicologia, cujo débito para
com Kornilov envolvia, mais do que mera gratidão (por transferi-los
para Moscou), um reconhecimento de suas influências nos aspectos
essenciais de seus trabalhos; dificilmente, portanto, eles teriam inte-
resse em iniciar algum cisma.

Convergência de linhas de desenvolvimento:


Vygotsky no Instituto de Kornilov

A concepção de “reação” de Kornilov retinha a especificidade


qualitativa de fenômenos intrapsicológicos, ao mesmo tempo que
afirmava que seu estudo deveria ocorrer por meio de suas indica-
ções externas (reações). O pensamento de Vygotsky em 1924-6 era
148 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

claramente interdependente da reactologia de Kornilov, como tenta-


remos demonstrar abaixo.
Vamos analisar primeiro o projeto que levou Vygotsky a ser
convidado para trabalhar no Instituto, ou seja, a apresentação no
Segundo Congresso Psiconeurológico em Leningrado. A apresenta-
ção de Vygotsky, sobre o tópico da investigação reflexológica, acon-
teceu em 6 de janeiro de 1924 e mereceu uma reação moderada-
mente entusiástica de Dajan (1924), que a destacou como um exem-
plo notável de psicólogos do “ponto de vista intermediário”, que já
“se iniciaram na estrada do objetivismo científico, mas ainda não
deram o passo decisivo para o materialismo dialético” (Dajan, 1924,
p. 164). O comentário de Dajan leva-nos a acreditar que o convite
para que Vygotsky fosse trabalhar em Moscou foi motivado pura-
mente por necessidades ideológicas de pessoal por parte de Korni-
lov, e não por um “reconhecimento objetivo” de Vygotsky como um
“gênio vivo” (ver introdução à parte II).
Depois de mudar-se para Moscou, Vygotsky publicou um artigo
baseado na apresentação que havia feito em Leningrado (Vygotsky,
1926b). Na versão publicada, é afirmado que o reducionismo
reflexológico de Protopopov, Pavlov e Bekhterev negligencia a ques-
tão básica da psicologia, ou seja, a organização do sistema de refle-
xos na qual alguns deles obtêm uma importância maior do que
outros quando se tornam seus reguladores:
Reflexos não existem separadamente, não agem de maneira aleatória,
mas unem-se em complexos, sistemas, grupos e formações complexas
que determinam o comportamento humano. As leis de integração de
reflexos em complexos, os tipos dessas formações, tipos e formas de
interação dentro desses sistemas e entre sistemas inteiros, todas estas
questões têm uma relevância de primeira ordem para os problemas de
psicologia científica do comportamento. O estudo de reflexos está só
começando, e todas essas áreas ainda permanecem inexploradas. Po-
rém, agora já é possível falar, como um fato, da inquestionável ação
mútua de diferentes sistemas de reflexos, de reflexão de alguns siste-
mas em outros, e mesmo descrever aproximadamente o princípio des-
sa reflexão... Algum reflexo, em sua parte de resposta (movimento, se-
creção), torna-se ele mesmo um estímulo para um novo reflexo do mes-
mo ou de outro sistema (Vygotsky, 1926b, p. 32).

Assim, a idéia de regulação psicológica do comportamento e da


cognição foi expressa por Vygotsky na época de seus primeiros passos
no Instituto. O lado instrumental da regulação — a construção de
meios de regulação — ainda não estava evidente nesse artigo, mas
a idéia de uma organização hierárquica de sistemas de reflexos e da
presença de diferentes características qualitativas em diferentes níveis
da hierarquia estava colocada na versão escrita de sua apresentação
no Congresso. Vygotsky prosseguia defendendo o uso de versões se-
KORNILOV E REACTOLOGIA 149

lecionadas de introspecção, numa contraposição aos ataques de


reflexologistas ciosos de objetividade, que, na época, estavam difun-
dindo experimentos humanos sem o fornecimento de nenhuma ins-
trução aos sujeitos e descartavam todas as experiências subjetivas
como materiais de pesquisa inviáveis. Embora rejeitasse a aceitação
de autodescrições de sujeitos como uma fonte de dados objetivos (a
prática da escola Würzburg), Vygotsky insistia em que se aceitassem
dados de relatos pessoais com a finalidade de estudo de reações
escondidas (1926b, p. 45). Aqui, as idéias de Vygotsky e Kornilov
coincidem: a investigação psicológica preserva sua especificidade
qualitativa no domínio da pesquisa de reações retardadas complexas
que, em princípio, não podem ser estudadas por meio de respostas
comportamentais imediatas.
Em seus esforços convergentes para superar o reducionismo de
tendências behavioristas na psicologia russa e internacional, Korni-
lov e Vygotsky puseram-se a atrair para o seu lado o trabalho de
psicólogos da Gestalt. O curto prefácio introdutório de Vygotsky
para a publicação russa do artigo de Kurt Koffka sobre a introspec-
ção (Koffka, 1924) no volume de publicações do Instituto (Vygotsky,
1926f) é estilisticamente interessante. Aqui, em um contraste
marcante com outros artigos seus nesse mesmo volume (Vygotsky,
1926b, 1926d, 1926e), Vygotsky usou uma terminologia quase mi-
litar para descrever o curso histórico do desenvolvimento da psico-
logia marxista. Por exemplo, ele enfatizou a tática necessária para
“separar-se dos companheiros de viagem” em um momento especí-
fico da história, na “guerra conjunta contra o subjetivismo e o
empirismo” (de Chelpanov) e para “libertar a psicologia humana do
aprisionamento biológico” (Vygotsky, 1926f, p. 176). Além disso,
Vygotsky declarou que “a luta torna-se mais profunda e entra em
uma nova fase” (p. 177). Essas expressões de estilo militar, usando
a terminologia das lutas marxistas dentro do Instituto e ao redor
dele, não são de forma alguma características do restante dos escri-
tos de Vygotsky (os quais, com freqüência, são fortemente polêmi-
cos, mas não utilizam terminologia ideológica). Estes traços estão
mais próximos do estilo de argumentação de Kornilov na década de
1920 e podem indicar o flerte relativamente fácil (mas passageiro) de
Vygotsky com o discurso de Kornilov no início de seu trabalho no
Instituto.
É claro que o trabalho inicial de Vygotsky no Instituto apresentava
uma interdependência maior em relação à reactologia do que excessos
estilísticos na apresentação de traduções ou o uso do termo “reação”
em oposição ao reducionismo da reflexologia podem demonstrar.
Vygotsky participou de pesquisas empíricas sobre a interdependência
de reações com um grupo de colegas (Gagaeva, Zankov, Sakharov e
Soloiev) e sob a supervisão reconhecida de Kornilov. Os resultados
150 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

desse projeto, apresentados por Vygotsky (1926d), revelam o modo


como ele integrou na prática a noção de reações em seu raciocínio. Os
experimentos foram devotados à análise do “princípio do dominante”
em sistemas de reações de sujeitos. Sob condições especificáveis, uma
dada reação pode começar a desempenhar um papel integrador em
relação a outras reações no dado sistema (daí ela se torna dominante),
e sob outras condições uma outra reação pode dominar esse dado
sistema. Argumentando contra o mecanismo atomista de Pavlov em
sua explicação da soma de reflexos, Vygotsky baseou-se na filosofia da
psicologia da Gestalt para explicar essa soma: “Reflexo mais reflexo não
é igual a dois reflexos, mas a alguma nova forma de comportamento”
(1926d, p. 102).
Em seus estudos experimentais do princípio do dominante na
esfera das reações, Vygotsky e seus colegas colocaram em prática a
primeira versão da idéia de que, em um sistema complexo de reações
(que inclui uma parte interna, escondida da observação externa), algu-
mas reações emergem como reguladoras de outras no quadro do sis-
tema total. O trabalho empírico sobre o princípio dominante corrobo-
rou o argumento de Vygotsky em favor de uma análise do consciente.
Um dos primeiros projetos teóricos (polêmicos) próprios que
Vygotsky desenvolveu depois de chegar a Moscou e começar a traba-
lhar no Instituto foi a preparação e redação do artigo sobre consciência
(Vygotsky, 1925g). O trabalho nesse artigo deve tê-lo mantido ocupado:
sobre esse tópico, ele apresentou um breve colóquio interno para o
Instituto em 24 de março de 1924, que foi seguido pelo muito mais
amplo colóquio aberto do Instituto alguns meses depois (19 de outubro
de 1924; Luria, 1926g, p. 248). As publicações que saíram desses
colóquios mostram sinais claros de uma íntima interdependência inte-
lectual com o ambiente social do Instituto ao longo de 1924. Primeiro,
a seleção da epígrafe de Karl Marx — a referência à diferença entre
atividades arquitetônicas de aranhas e abelhas de um lado e de seres
humanos do outro — parece ser uma conseqüência do uso dessa
citação na ação recíproca profissional cotidiana entre os jovens psicó-
logos marxistas no Instituto. Como resultado, a mesma citação aparece
na conclusão do artigo do psicofisiologista ucraniano Z. Chuchmarev,
publicado no mesmo volume que o artigo de Vygotsky sobre a cons-
ciência (veja Chuchmarev, 1925, p. 220). Segundo, o caráter polêmico
do artigo de Vygotsky adapta-se bem às metas de Kornilov na época.
Vygotsky começou com uma crítica de conteúdo às idéias de Bekhterev
e Pavlov, por sua extensão das explicações baseadas em reflexos para
todos os fenômenos psicológicos, fosse na forma de “princípios
energéticos” (Bekhterev) ou rotulando os fenômenos complexos como
“reflexos” (Pavlov; ver Vygotsky, 1925g, pp. 176, 179, 183). Fazendo
referência às críticas de Vagner quanto à extensão excessiva do prin-
cípio dos reflexos, Vygotsky advertiu contra a transposição simples de
KORNILOV E REACTOLOGIA 151

conceitos explicativos de fenômenos psicológicos simples para os comple-


xos. Reflexos são a fundação, mas a partir da fundação não se pode
dizer nada de específico sobre o prédio que será erguido sobre ela
(Vygotsky, 1925g, p. 181; a mesma idéia também ficou evidente em
Psicologia pedagógica, comentada no capítulo 3). É neste aspecto que
a ênfase de Kornilov nas formas organizacionais qualitativamente dife-
rentes das reações estava em harmonia com a posição de Vygotsky.
Além disso, dessa harmonia segue-se de maneira bastante previsível
que Vygotsky viria a ser atraído para abordagens estruturalistas dos
fenômenos psicológicos:
a consciência não deve ser vista biológica, fisiológica e psicologicamen-
te como uma segunda linha de fenômenos. Um lugar e uma interpre-
tação devem ser encontrados para ela na linha única de fenômenos
[junto] com todas as reações do organismo. Este é o primeiro requisito
para nossa hipótese de trabalho. A consciência é problema da estru-
tura do comportamento (1925g, p. 181).

O argumento de Vygotsky se enquadrava bem na intenção de


Kornilov de estabelecer uma psicologia dialética em termos de trans-
formação qualitativa e “centralização” e retardo de reações quando
estas se tornam mais complexas. De uma certa maneira, a aceitação
por Vygotsky da reactologia de Kornilov pode ser vista como um degrau
para seus estudos posteriores da internalização de experiências que
ocorrem na esfera interpessoal. No artigo de 1925, a ligação entre
fenômenos psicológicos interindividuais e intra-individuais é moldada
com a ajuda de uma citação de Pedagogia social, de Paul Natorp, que
afirma que não há auto-entendimento possível sem sua base, ou seja,
o entendimento dos outros (Vygotsky, 1925g, p. 196). É interessante
que a referência a Natorp, um filósofo idealista (assim como uma outra
referência a Theodor Lipps; 1925g, p. 195), não apareça na recente
republicação russa do artigo nas obras selecionadas (ver Vygotsky,
1925h/1982). A consciência pode ser vista como a “ficção da interação”
(veja também Van der Veer e Valsiner, 1988, e Valsiner e Van der Veer,
1988, sobre idéias similares na obra de Baldwin e Janet e sua influên-
cia sobre Vygotsky), ou seja, uma transformação da experiência interativa
no reino da estrutura das reações retardadas internas.
Vygotsky prosseguiu ligando a ênfase reactológica à visão evolutiva
sobre o comportamento animal e afirmou a necessidade de compreen-
der a exclusividade das relações humanas com o mundo através do
trabalho. Além disso, Vygotsky recuperou a idéia de reação circular
(derivada da obra de James M. Baldwin na década de 1890) no estudo
da consciência (Vygotsky, 1925g, pp. 187-8). A idéia de reações circu-
lares oferecia certa ordem dinâmica para a conceitualização da cons-
ciência como um processo. Uma abordagem semelhante é evidente no
prefácio da edição revisada de Psicologia geral e experimental, de A.
Lazursky (Vygotsky, 1924b). O conceito da combinação de reflexos em
152 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

unidades holísticas (reações complexas) com novas características


qualitativas foi apresentado por Vygotsky como o objeto de investigação
da psicologia que a reflexologia de Bekhterev e Pavlov negligenciavam.
Em A psicologia da arte, concluída enquanto ele trabalhava no
Instituto, Vygotsky adotou publicamente a mesma posição que Korni-
lov e descartou a afirmação de Chelpanov de que a psicologia experi-
mental não pode ser construída em torno de idéias marxistas, uma vez
que estas só se prestam à psicologia social (Vygotsky, 1925l/1986, p.
26). A influência intelectual de Kornilov é sentida na terminologia; por
exemplo, a insistência no termo “reações estéticas” (p. 111 e outras).
Ele aplicou a “lei do gasto monofásico de energia” de Kornilov à dinâ-
mica de “reações estéticas” (p. 263), enfatizando a natureza retardada
e modificada (transformada) de reações emocionais:
Uma imaginação muito viva aumenta nossa excitação amorosa mas,
neste caso, a fantasia não é a expressão da emoção que ela aumenta,
mas a descarga da emoção precedente. Sempre que uma emoção
encontra sua solução em imagens de fantasia, esse “sonhar” enfraque-
ce a verdadeira manifestação da emoção; se expressamos nossas dú-
vidas em nossa fantasia, sua manifestação externa será bastante fra-
ca. Julgamos que, com referência a respostas emocionais, todas as leis
psicológicas gerais estabelecidas em relação a qualquer resposta sen-
sório-motora simples permanecem válidas. É fato irrefutável que nos-
sas reações ficam mais lentas e perdem intensidade assim que o ele-
mento central da emoção torna-se mais complicado. Descobrimos que,
conforme a imaginação (o elemento central da reação emocional) au-
menta, seu componente periférico perde intensidade (Vygotsky, 1971,
p. 210; em russo: Vygotsky, 1925l/1986, pp. 262-3).

A relação entre essa idéia e a ênfase de Kornilov na transfor-


mação dialética das emoções (ver acima) sob as condições de gasto
monofásico de energia, e com o ethos do pensamento psicodinâmico,
é evidente. Além disso, Vygotsky ligou a idéia reactológica de Kor-
nilov à visão de Karl Groos sobre o jogo, já que no jogo, e da mesma
maneira na atividade estética, lidamos com o retardo mas não su-
pressão da reação. A reação emocional retardada desenvolve diale-
ticamente — a emoção desenvolve em duas direções contraditórias
que se tornam negadas (superadas) no final, dando origem a uma
nova emoção — o efeito de catarse (Vygotsky, 1925l/1986, p. 269;
ver também capítulo 2).
Vygotsky chegou no ponto de questionar as idéias reactológicas
de Kornilov em 1926. Isto se reflete de maneira muito interessante
em seu manuscrito sobre a crise na psicologia (Vygotsky, 1926m/
1982; ver também capítulo 7). Depois de uma referência positiva ao
livro de reactologia de Kornilov (p. 346) e da apresentação da clas-
sificação das reações emocionais dada por ele, ao lado dos tipos de
reflexos de Bekhterev e Pavlov (p. 350), Vygotsky começa a criticar
KORNILOV E REACTOLOGIA 153

Chelpanov (p. 358) e a concordar com Kornilov quanto a questões


terminológicas (pp. 360-1). Os primeiros sinais de rupturas nessa
concordância aparecem quando ele começa a questionar a adequa-
ção da afirmação de Kornilov de que a psique é função do cérebro
(p. 368). Vygotsky está à beira de aceitar a crítica de Chelpanov
quanto à maneira “um tanto mecanicista” de Kornilov conceitualizar
o problema mente-corpo, detectando nela a preservação de uma
perspectiva dualista. Além disso, ele avança para uma crítica filosó-
fica devastadora da solução de Kornilov:
A nova teoria aceita, seguindo Plekhanov, a doutrina do paralelismo
psicológico e do completo não-reducionismo do psicológico para o fí-
sico, considerando este último como um materialismo bruto e vulgar...
Kornilov vê uma relação funcional entre eles [mente e corpo], mas com
isso qualquer completude é imediatamente eliminada: duas variáveis
diferentes podem estar em uma relação funcional. Não é possível es-
tudar a psicologia em termos de reações, já que dentro das reações
estão incorporados dois elementos funcionais não redutíveis à unida-
de. O problema psicofísico não é solucionado desta maneira, mas
transposto para o interior de cada elemento... (Vygotsky, 1925m/1982,
pp. 398-9).

Vygotsky declarou que o problema do dualismo mente-corpo


permanecia sem solução nas mãos de Kornilov, mas não se demo-
rou em críticas a ele. Em vez disso, prosseguiu para uma crítica
elaborada da análise de Frankfurt quanto ao tratamento dado por
Plekhanov ao problema mente-corpo (Frankfurt, 1926). Irrita-se com
a “mistura” de controvérsias de Frankfurt sobre a questão de a
psique ser material ou imaterial e afirma que este chega a conclu-
sões “horrorizantes” para a ciência da psicologia. A questão das
relações entre raciocínio indutivo e dedutivo na ciência é explicada
no contra-argumento de Vygotsky (1926m/1982, pp. 399-407). Ele
enfatiza a necessidade de estudar processos em sua essência gené-
rica, usando o estudo de casos individuais como o componente
empírico (indutivo) de uma abordagem teórica. Em contraste com a
retórica filosófica de Frankfurt, Vygotsky cita a investigação rigorosa
de Pavlov sobre os reflexos em cães como um exemplo da unidade
dos lados indutivo e dedutivo do processo científico (p. 407). Talvez
isto indique a insatisfação cada vez maior de Vygotsky com a retó-
rica ideológico-filosófica em que a escola de pensamento de Kornilov
e outros psicólogos marxistas estavam cada vez mais envolvidos.
Evidências disto aparecem algumas páginas à frente:
muitos “marxistas” não sabem apontar uma diferença entre a sua
teoria e a teoria idealista do conhecimento psicológico, de vez que ela
não existe. Depois de Spinoza, pegamos nossa ciência em um estado
mortalmente enfermo, em busca de remédios sem esperança; agora,
vemos que apenas a faca do cirurgião pode salvar a situação. Uma
154 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

cirurgia sangrenta deve acontecer; muitos manuais têm que ser ras-
gados ao meio... muitas frases irão perder a cabeça ou os pés, outras
teorias sofrerão um corte bem no estômago. Só estaremos garantidos
pelo corte, a linha de ruptura, a linha desenhada pela faca do futuro
(1926m/1982, p. 411).

Este chamado quase surrealista pelo progresso futuro na psicolo-


gia marxista não parece estar de acordo com o discurso social da época
em que foi feito. De uma forma curiosa, essa metáfora de massacre
previa os eventos do início da década de 1930, embora não como parte
do progresso da psicologia. Vygotsky, libertando-se da carga de toda a
retórica marxista da época, (re)afirmava o caminho de saída da crise
— a síntese dialética do problema mente-corpo —, mas sem a aplicação
imediata do materialismo dialético aos problemas de ciências naturais
e psicologia (p. 419). Este último ponto contradizia a posição de Kor-
nilov quanto à aplicabilidade da dialética como um método em psico-
logia (Vygotsky expressou isto de forma bastante direta em sua crítica
ao manual de Kornilov; Vygotsky, 1926m/1982, p. 421) e assemelha-
va-se ao argumento de Chelpanov pelo menos em sua forma externa.
Além disso, Vygotsky recusava-se a aplicar a teoria sociológica marxis-
ta existente (materialismo histórico) à história ou à sociologia, defen-
dendo o desenvolvimento de uma teoria especial de materialismo his-
tórico que ligasse as leis abstratas da dialética às questões concretas
da época (em oposição a uma mistura retórica de conceitos marxistas
com questões sócio-políticas da época). Ao mesmo tempo, Vygotsky não
esqueceu sua dívida histórica com Kornilov (p. 423), embora reprovas-
se o uso do rótulo “marxista” em vinculação a qualquer ponto de vista
específico em psicologia:
a dificuldade específica da aplicação do marxismo a novas áreas: o
estado particular atual dessa teoria; a imensa responsabilidade do uso
desse termo; a especulação política e ideológica em sua base; tudo
isso não permite que uma pessoa de bom gosto diga “psicologia mar-
xista” atualmente. É melhor deixar que outros digam que nossa psi-
cologia é marxista do que rotulá-la assim nós mesmos; vamos usá-lo
[marxismo] com realidade e ter calma com as palavras. Afinal, a psi-
cologia marxista não existe ainda, ela tem que ser compreendida como
uma tarefa histórica, não como algo concretizado. Na situação atual,
é difícil eliminar a impressão de falta de seriedade e irresponsabilidade
científica do [uso desse] rótulo (Vygotsky, 1926m/1982, p. 433).

Houve, portanto, uma mudança sensível na atitude de Vygotsky:


de sua concordância entusiasmada com as vozes que pediam uma
psicologia marxista em 1924 à denúncia da cacofonia (cada vez maior)
desse coro em 1926. A crise em que ele via a psicologia era mais do
que uma crise da “velha psicologia” ou da reflexologia no estudo de
processos psicológicos superiores. Era uma crise da nova psicologia
que estava sendo cada vez mais arrastada para a obscuridade do jogo
KORNILOV E REACTOLOGIA 155

acadêmico com terminologias emprestadas dos clássicos e brigas inter-


nas nas instituições sociais. Nesse aspecto, a reactologia de Kornilov
desempenhou um papel definitivo, embora contraditório.

Conclusões: Vygotsky e a reactologia (1924-1926)

Tentamos demonstrar neste capítulo como as idéias reactológicas


de Kornilov serviram para preparar a entrada de Vygotsky na psi-
cologia na época de um crescente e freqüentemente abrasivo discur-
so social sobre a construção de uma psicologia marxista. Tendo sido
trazido para o estabelecimento da nova psicologia emergente, o pen-
samento de Vygotsky nesses anos desenvolveu-se com base em sua
participação na oposição de Kornilov às reflexologias de Bekhterev
e Pavlov e à psicologia experimental de Chelpanov. Em seu estilo
usual, Vygotsky nunca declarou uma lealdade entusiasmada a Kor-
nilov, em contraste com muitos outros colaboradores do Instituto (p.
ex., Borovsky e Frankfurt). Em sua análise e síntese de idéias, porém,
Vygotsky partiu de uma base semelhante à de Kornilov (com exceção
da retórica ideológica deste último). Suas idéias desenvolveram-se
ao longo dos anos em um diálogo com outros intelectuais da época,
de modos que indicaram o alinhamento de facto das idéias de
Vygotsky com as de Kornilov e o impacto que estas tiveram sobre a
sua própria síntese. Por fim, Vygotsky enxergou além das limitações
da visão de mundo reactológica e começou a construir o sistema
teórico histórico-cultural (ver capítulo 9). É bastante possível que,
no trabalho cotidiano, os contatos de Vygotsky com Kornilov não
tenham sido muito intensos; afinal, Kornilov estava envolvido com
a administração do Instituto e com a supervisão de seus seguidores
em projetos de pesquisa puramente reactológicos. Mesmo assim, o
apoio ativo de Kornilov ao trabalho de Vygotsky parece ter continua-
do. Por exemplo, Vygotsky é um dos autores mais freqüentemente
recomendados no manual de psicologia de Kornilov (Kornilov, 1928b)
para leituras adicionais. Em seu panorama geral da psicologia da
URSS em 1927, Kornilov escreveu sobre o trabalho de Vygotsky em
associação com o seu (Kornilov, 1927, p. 211). Pode ser que a saúde
de Vygotsky e a extensão de suas atividades de pesquisa do Insti-
tuto para outras bases institucionais (especialmente o Laboratório
Psicológico da Academia de Educação Comunista) tenham diminuí-
do o contato entre Vygotsky e Kornilov. De qualquer forma, as idéias
de Kornilov serviram como importantes catalisadores para o desen-
volvimento do pensamento de Vygotsky ao longo desses anos.
7
Crise na psicologia

Para mim, a questão primária é a questão do método, esta é para mim


a questão da verdade...
Vygotsky em carta a Luria, datada de 5 de março de 1926

A insatisfação com os resultados da pesquisa psicológica assumiu


formas em diferentes períodos, mas os psicólogos freqüentemente ex-
pressaram a opinião de que a psicologia está em um estado de crise.
O resultado de uma comparação com as ciências naturais pode con-
tribuir para esse sentimento, porque as ciências eram falsamente pin-
tadas como um todo monolítico sem escolas e correntes de pensamento
em competição. As muitas abordagens diferentes na ciência psicológica
pareciam, então, um sinal certo de sua condição inferior em compara-
ção com as ciências naturais. A qualidade das descobertas de pesqui-
sa, que quase nunca possibilitavam ao pesquisador formular leis gerais
da mente ou de seu desenvolvimento, também tinham sua parte de
responsabilidade, o que mais uma vez era visto como uma indicação
de que a psicologia ficava longe de ser uma ciência real.
É claro que houve causas muito reais para os problemas que a
psicologia experimentou, causas que estiveram presentes desde o seu
início (Kendler, 1981). Uma delas é o problema do dualismo mente-
corpo, com o qual Vygotsky esteve trabalhando durante anos (ver ca-
pítulo 14). Foi Spranger (1923) quem primeiro esboçou de forma clara
como esse dualismo mente-corpo havia resultado em uma bifurcação
da psicologia como ciência. Em sua opinião, a unidade da psicologia
havia sido perdida porque um grupo de pesquisadores estava orientado
para as ciências naturais e para seus métodos, ao passo que outros
grupos recorriam a métodos hermenêuticos interpretativos. Embora
Spranger tenha sublinhado as grandes diferenças entre essas duas
abordagens (ver também Bühler, 1927/1978, pp. 68-82), ele nutria
algumas esperanças de que os aspectos fortes da psicologia fisiológica
científica natural e da psicologia interpretativa da alma e espírito
(Psychologie des Seelisch-Geistigen) pudessem ser combinados em uma
“biopsicologia” futura (ver Scheerer, 1985, p. 18).
A análise de Spranger sobre as causas da falta de unidade da
psicologia trouxeram alguma ordem para uma discussão que vinha
158 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

se desenrolando havia muito tempo na psicologia alemã e iria con-


tinuar até os dias atuais. Binswanger (1922), Driesch (1926), Jaensch
(1923), Münsterberg (1922), Koffka (1924; 1926a), entre outros,
haviam escrito análises teóricas dos problemas da psicologia. Um
dos psicólogos mais importantes a reagir à análise de Spranger foi
Karl Bühler, que, em 1927, publicou sua análise clássica A crise na
psicologia. Esse livro, cujo conteúdo não poderá ser analisado aqui,
foi uma das tentativas mais profundas já empreendidas para diag-
nosticar os problemas da psicologia. Concordando em parte com a
análise de Spranger, Bühler desenvolveu sua doutrina dos três as-
pectos que qualquer psicologia deve levar em conta.
É óbvio, a partir de muitas referências em “A Significância Histó-
rica da Crise na Psicologia”, que Vygotsky estava bastante familiarizado
com muitos desses escritos e que suas análises devem muito à litera-
tura alemã da época.1 Como sempre, seu ponto de vista evoluiu por
meio de concordância e discordância parcial com as teorias de outros
pesquisadores e uso seletivo delas. Tendo isto em mente, o leitor pode
fazer sua própria avaliação do mérito da análise de Vygotsky. É pro-
vável, porém, que Vygotsky tenha contribuído com a primeira tentativa
coerente de explicar a crise na psicologia de um ponto de vista mar-
xista (Jaroshevsky e Gurgenidze, 1982, p. 449).

A crise

Vygotsky concordava com muitos de seus colegas estrangeiros e


soviéticos que a psicologia na década de 1920 estava passando por um
período de confusão. Já em seu Psicologia pedagógica (ver capítulo 3),
ele havia mencionado a crise da psicologia, mas, na época, não tentou
analisar sua origem. Foi uma de suas recorrentes crises de tuberculose
que, ao confiná-lo à cama, deu-lhe a oportunidade de começar a ana-
lisar as razões da crise (ver introdução à parte I). Essa análise resultou
no manuscrito “A Significância Histórica da Crise na Psicologia”. Não
está claro se este estudo foi escrito para publicação — ele continha
ataques bastante incisivos contra alguns de seus colegas no Instituto
(ver crítica a Luria, no capítulo 5) —, mas, na verdade, só foi publicado
em 1982 (Vygotsky, 1926m/1982). Aparentemente, Luria tentou publicá-
-lo em meados da década de 1930, uma vez que se refere ao artigo
como “no prelo” (1935b, p. 226), mas essa tentativa falhou e, entre
1934 e 1982 e durante toda a vida de Vygotsky, o manuscrito em sua
forma integral foi conhecido por poucas pessoas.

1. Na edição soviética das Obras reunidas de Vygotsky, 1927 é dado como


o ano em que foi completado o manuscrito da “Crise” (Vygotsky, 1982a, p. 469).
Porém, como já foi indicado em Vygotsky (1934a, pp. 321-3) e como ficou claro
na introdução à parte I, o manuscrito foi escrito e completado no verão de 1926.
CRISE NA PSICOLOGIA 159

Nesse trabalho de aproximadamente 140 páginas, Vygotsky ana-


lisou as correntes psicológicas de sua época, identificou a extensão em
que elas eram compatíveis ou incompatíveis com as metas da psicolo-
gia como ele a via e tentou encontrar materiais para uma futura
metodologia. Quando se lê o manuscrito, os contornos da posição de
Vygotsky em relação a problemas filosóficos e epistemológicos vão fi-
cando progressivamente mais claros. Porém, esta não é a única razão
pela qual o ensaio é de interesse. Ficará claro nos capítulos posteriores
que a análise de Vygotsky sobre o “estado da arte” na psicologia pode
ser visto como um prelúdio da teoria histórico-cultural que seria pos-
teriormente desenvolvida por ele e Luria (ver capítulo 9).

O argumento a favor de uma psicologia geral

Tanto as análises de Vygotsky como as conclusões a que ele


chegou foram muito diferentes das de Bühler (1927). Ele começou
o ensaio observando a falta de unidade e coerência nas descobertas
de pesquisas em psicologia. Pesquisadores de diferentes escolas
haviam chegado a fatos que pareciam ter pouco em comum. Era
difícil ver, por exemplo, como conciliar a imagem psicanalítica do
homem com a teoria da atividade nervosa superior de Pavlov. Pare-
cia impossível combinar as idéias da psicologia da Gestalt com as do
behaviorismo de Watson. Em resumo, para Vygotsky, a psicologia
parecia uma mistura confusa de descobertas de pesquisa não rela-
cionadas ou contraditórias sem nenhuma idéia unificadora. Vygotsky
deplorava esse estado de coisas, afirmando, ao contrário de alguns
pesquisadores contemporâneos, que a psicologia deveria ser uma
ciência unificada, com um único conjunto de conceitos teóricos e
princípios explicativos. Como a maioria dos pesquisadores empíricos
estava trabalhando dentro do quadro de uma abordagem teórica
aceita, tentando elaborar os detalhes de sua visão de mundo, a
psicologia deveria iniciar uma subdisciplina separada para estudar
o problema de sua unidade teórica. Vygotsky chamou essa subdis-
ciplina de “psicologia geral” e dedicou a maior parte de seu estudo
à argumentação a favor da necessidade de tal subdisciplina, esbo-
çando suas tarefas e delineando seu plano de trabalho.
Na visão de Vygotsky, seria tarefa da psicologia geral avaliar as
descobertas encontradas nos diferentes domínios de pesquisa, analisar
se elas poderiam ser conciliadas e projetar uma estrutura teórica con-
sistente. A psicologia não está em falta de novas descobertas de dados,
argumentou Vygotsky, mas de conceitos ou modos compartilhados
para interpretar os fatos coletados. Para ele, a psicologia não possuía
um quadro de referência comum ou, em outras palavras, um conjunto
de conceitos e princípios explicativos comuns. Vygotsky afirmou que a
psicologia precisava, conseqüentemente, de uma “metodologia”, referin-
160 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

do-se com isso a um conjunto geral de pressupostos sobre o que


constitui métodos de pesquisa aceitáveis e uma definição do objeto de
estudo da psicologia. A necessidade da psicologia geral e de uma
metodologia compartilhada podia ser demonstrada pelo estudo da his-
tória da psicologia, e o estudo da descoberta científica e de sua difusão
seria particularmente elucidativo.

Da descoberta científica à visão de mundo

A necessidade urgente enfrentada pela psicologia de conceitos


teóricos gerais que expliquem e unifiquem sua estrutura podia ser
percebida no fato de que cada descoberta científica importante era
logo elevada ao status de um conceito desse tipo. O desenvolvimento
de descobertas científicas em conceitos teóricos gerais pode ser
descrito esquematicamente, disse Vygotsky, embora a dinâmica da
ciência seja determinada por um conjunto complexo de fatores tanto
externos como internos à ciência como tal. Vygotsky fez a distinção
entre (1) a atmosfera social geral da época; (2) as leis gerais do
conhecimento científico; e (3) as exigências da realidade objetiva.
Sua visão dos determinantes da dinâmica da ciência é, portanto,
uma mistura de internalista e externalista.
Como, então, as descobertas científicas desenvolvem-se até
conceitos teóricos gerais? Vygotsky deu a seguinte explicação das
vicissitudes de uma descoberta científica. Cada descoberta passa
por cinco fases. Na primeira fase, vemos a descoberta factual em um
campo de ciência estreitamente definido. Pavlov, por exemplo, de-
monstrou o reflexo condicionado em relação à resposta salivar de
cachorros; a noção de Gestalt, por outro lado, surgiu na psicologia
da percepção. Na segunda fase, a influência da descoberta é esten-
dida para as áreas de pesquisa adjacentes e a idéia da descoberta
é formulada de uma forma um pouco mais abstrata. O procedimen-
to de Pavlov, por exemplo, agora é considerado relevante para outros
reflexos além do salivar e para outros animais além de cachorros. A
terceira fase é caracterizada pelo domínio de toda uma subdisciplina
da psicologia pela nova descoberta, que agora já é considerada um
princípio ou idéia de relevância mais geral. A influência da nova
idéia é sentida gradualmente em outras subdisciplinas da psicologia
e ela é formulada de uma maneira ainda mais abstrata. Ao mesmo
tempo, sua ligação com a base factual empírica original torna-se
muito frouxa. A idéia de condicionamento de Pavlov deixou a área
circunscrita da psicologia animal e desenvolveu-se em um princípio
mais geral aplicável tanto a seres humanos como a animais. Na
quarta fase, a idéia já cresceu ao plano de um princípio universal
que pode ser usado para analisar os resultados de outras disciplinas
científicas, como sociologia e antropologia. A idéia agora tornou-se
CRISE NA PSICOLOGIA 161

um sistema filosófico ou Weltanschauung e, no fim, o trabalho, a


criatividade, a arte e a luta de classes acabam todos podendo ser
explicados por referência ao reflexo condicionado. Isto marca a tran-
sição para a quinta e última fase, em que a idéia explode como uma
bolha de sabão, pois, como Weltanschauung, ela irá encontrar fortes
resistências: “É só agora, quando a idéia está completamente sepa-
rada dos fatos que lhe deram nascimento, desenvolvida até seus
limites lógicos, levada às últimas conseqüências, tão generalizada
quanto possível, que ela finalmente mostra sua natureza real, revela
sua verdadeira face” (Vygotsky, 1926m/1982, p. 304).
O aspecto ideológico e social da descoberta tornou-se aos poucos
mais claro e está, agora, em seu ponto mais vulnerável aos ataques de
críticos. Esses críticos irão referir a idéia à sua base factual original e,
além disso, acabarão tentando interpretar esses mesmos fatos à luz de
uma outra nova idéia que, por sua vez, irá crescer até uma nova visão
de mundo e, assim, repetir o ciclo de desenvolvimento. Vygotsky des-
creve o ponto de transição como se segue:
A idéia manifesta sua natureza social muito mais facilmente como um
fato filosófico do que como um fato científico; e este é o fim de sua
trajetória: [a idéia] é revelada como um agente estranho com a roupa-
gem de um fato científico, e [agora] começa sua vida como um elemen-
to de uma luta de classes de idéias geral e aberta. Mas, exatamente
aqui, como uma minúscula parte de um enorme todo, ela irá perecer
como um pingo de chuva no oceano, e deixará de ter uma vida inde-
pendente (1926m/1982, p. 305).

Esta descrição da expansão de descobertas científicas — em


que alguns viram uma antecipação das idéias de Thomas Kuhn —
é típica da psicologia, afirmou Vygotsky. Ele mostrou a extensão em
que a psicologia da década de 1920 estava necessitada de idéias
gerais: literalmente qualquer descoberta científica importante feita
em qualquer momento era considerada como o princípio geral sal-
vador para a psicologia. Prosseguiu demonstrando sua afirmação
com relação a quatro abordagens psicológicas: o personalismo de
Stern, a psicanálise de Freud, a teoria do condicionamento de Pavlov
e a psicologia da Gestalt. A teorização de cada uma dessas escolas
foi originalmente cheia de conteúdo e significativa para o domínio
original dos fatos. Elevadas ao status de visão de mundo, porém,
“elas são absolutamente idênticas, como zeros redondos e vazios”. A
extensão da idéia para além de seu domínio original trazia consigo
uma proporcional perda de significado, concluiu Vygotsky.
Depois de argumentar a favor da necessidade de conceitos ge-
rais e princípios esclarecedores — e indiretamente, portanto, da
necessidade de uma psicologia geral —, Vygotsky prosseguiu exami-
nando a forma que a psicologia geral idealmente deveria assumir.
162 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

A natureza de uma psicologia geral

Vygotsky começou analisando a afirmação de Binswanger (1922)


de que a psicologia geral tinha que ser uma disciplina lógica devo-
tada à análise de conceitos abstratos, desprovidos de qualquer con-
teúdo. A necessidade de formular idéias e princípios psicológicos
gerais, Binswanger declarou, levaria a disciplina geral para o campo
da lógica pura. Vygotsky discordava da alegação de Binswanger e
argumentava que isto não implicaria um rompimento brusco entre
a psicologia geral e as subdisciplinas que forneciam as descobertas
empíricas. Para ele, deveria haver necessariamente uma transição
gradual. Na visão de Vygotsky, todos os conceitos, por mais abstra-
tos que fossem, referiam-se em última instância à realidade e, por-
tanto, a psicologia geral nunca poderia ser uma disciplina puramen-
te lógica. A idéia de que todos os conceitos — fossem eles conceitos
psicológicos, filosóficos ou mesmo matemáticos — referiam-se em
última instância à realidade empírica concreta estava baseada em
Dialética da natureza, de Engels (1925). Vygotsky concordava com
Engels que todas as “criações e imaginações livres da mente huma-
na” (“freien Schöpfungen und Imaginationen des Menschengeistes”)
são uma completa impossibilidade (Engels, 1925/1978, p. 530).
A relação entre conceitos e teorias abstratos e fatos (realidade)
tem, no entanto, uma natureza dialética. Embora até os conceitos
mais abstratos acabem sendo baseados em (afirmações factuais a
respeito da) realidade objetiva, também é verdade que todo fato
científico já implica uma primeira abstração. Não há nenhuma idéia
perfeitamente abstrata sem uma base material, assim como não há
nenhum fato perfeitamente concreto sem o início de abstração, afir-
mou Vygotsky. Em sua opinião, este estado de coisas havia sido
freqüentemente negligenciado pelos psicólogos que queriam seguir o
modelo das ciências naturais. Esses psicólogos pressupuseram fal-
samente que a ciência natural orientava-se por um registro pura-
mente objetivo e direto dos fatos. Na opinião de Vygotsky, esta era
uma visão distorcida dos procedimentos da ciência natural. Ele ten-
tou demonstrar isto de várias maneiras.
Deve ser compreendido, disse Vygotsky, que até mesmo os fatos
que na aparência são puramente empíricos implicam abstração, por-
que (1) nós fazemos uma seleção entre o conjunto de experiências e (2)
fatos científicos são apresentados em forma verbal ou simbólica. Com
relação ao primeiro ponto, Vygotsky afirmou que a percepção humana
é necessariamente seletiva: um olho que visse tudo não veria nada. O
equipamento científico que usamos na pesquisa não muda essa situa-
ção: ele também só pode registrar parte da realidade, e de uma manei-
ra específica. “É por isso que há uma analogia completa entre a seleção
do olho e a seleção posterior do instrumento: tanto o primeiro como o
segundo são órgãos seletivos” (1926m/1982, p. 348).
CRISE NA PSICOLOGIA 163

Com relação ao segundo ponto, Vygotsky observou o seguinte.


As descobertas científicas são sempre expressas em sistemas simbó-
licos ou linguagem. Ao usar a linguagem, porém, não podemos evi-
tar a introdução de abstrações e generalizações. Vygotsky afirmou
que todos os conceitos vão “além das informações imediatas” e que
seu uso na descrição de descobertas científicas implica, portanto,
uma aceitação de várias (proto)teorias (1926m/1982, pp. 316 e 358).
Vygotsky questionou também o valor do pensamento teórico, dis-
cutindo os méritos relativos da indução e da análise teórica. Era sua
convicção que “o domínio da indução e do tratamento matemático e o
subdesenvolvimento da análise arruinaram de forma considerável... a
psicologia experimental” (1926m/1982, p. 402). Também neste caso, a
ênfase exagerada na indução e no tratamento matemático — que havia
sido observada por vários críticos (ver Bühler, 1927, p. 11) — baseava-
-se em uma compreensão inadequada da maneira como funcionavam
as ciências naturais. Nas ciências naturais e na pesquisa psicológica
séria, a análise teórica desempenha um papel proeminente e direciona
a indução. Como um exemplo de análise teórica, Vygotsky mencionou
a pesquisa de Pavlov sobre reflexos condicionados. Ao estudar a salivação
de um determinado cachorro, Pavlov estudou, na verdade, o condicio-
namento de reflexos em animais em geral. Esta é a característica geral
da análise: ao estudar um representante de uma classe, não estuda-
mos o indivíduo como tal, mas as propriedades gerais de todos os
membros da classe. A partir desse estudo de um indivíduo particular,
generalizamos para todos os outros. Depois, claro, temos que encontrar
os limites do princípio geral. Vygotsky afirmou que o mesmo se apli-
cava a seu estudo das reações estéticas (ver o capítulo 2). Analisando
apenas uma fábula, um conto e uma tragédia, ele estudou a base de
toda a arte, ou seja, a natureza das reações estéticas. “Não estudei a
fábula, a tragédia, e muito menos a fábula em questão e a tragédia em
questão. Estudei nelas aquilo que constitui a base de toda a arte: a
natureza e o mecanismo da reação estética” (1926m/1982, p. 405).
O que Vygotsky está afirmando aqui é que a natureza genérica
do objeto de estudo pode ser inferida do estudo de um caso parti-
cular. Por meio da abstração a partir de determinadas característi-
cas do objeto em estudo, pode-se propor que certas propriedades
aplicam-se para o caso geral. Vygotsky via uma analogia aqui com
o caso de experimentos. Nesse caso também é criada uma combina-
ção artificial de condições para revelar a ação de alguma lei espe-
cificada em sua forma mais clara. A análise teórica é, portanto,
executar experimentos planejados e abstrair a partir de determina-
das características para identificar uma das leis da natureza em sua
forma mais clara (1926m/1982, p. 406). É interessante notar que
Vygotsky não compartilhava a preocupação de muitos pesquisado-
res contemporâneos de que a abordagem experimental fornecesse
164 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

uma imagem distorcida dos eventos da forma como eles ocorriam na


realidade:
Pode parecer que a análise, como o experimento, distorce a realidade,
cria condições artificiais para a observação. Daí a demanda de proxi-
midade da vida e naturalidade nos experimentos. Se esta idéia for
levada para além de uma exigência técnica — para não afugentar
aquilo que estamos procurando —, ela conduz ao absurdo. A força da
análise está na abstração, como a força do experimento está na
artificialidade (Vygotsky, 1926m/1982, pp. 406-7).

No capítulo 9, será visto que este entendimento do valor da


abordagem experimental compôs parte da abordagem metodológica
geral de Vygotsky e acabou levando-o a elaborar a idéia de experi-
mentos formativos.
Desta forma, Vygotsky criticou a idéia então dominante de que as
ciências naturais (e a ciência em geral) procedia por meio do registro
direto, não distorcido e ateórico de fatos. Sua posição teórica baseava-
se em parte no pensamento marxista. A força da análise em compara-
ção com a indução havia sido enfatizada por Marx e Engels, e a idéia
de analisar a reação estética em sua forma abstrata está claramente
relacionada à idéia de Marx de estudar o valor de mercadoria como a
“célula germinal” da sociedade capitalista. Além disso, a idéia da base
material/realista de qualquer conceito remonta às afirmações de Engels
em Dialética da natureza (Engels, 1925/1978, ver pp. 346, 475, 506).
Um outro aspecto do pensamento de Vygotsky, a idéia de todos os
conceitos/palavras como (proto)teorias, pode ser claramente ligado a
seus estudos lingüísticos anteriores, particularmente a suas leituras
do trabalho de Potebnya (ver capítulo 1).
A implicação de seu raciocínio era que a psicologia geral que ele
procurava não poderia ser completamente separada das descobertas
científicas encontradas nas várias escolas psicológicas. A idéia de
Binswanger de uma psicologia teórica livre de conteúdo era, portan-
to, mal fundamentada.

Contra o ecletismo

A necessidade de uma análise fundamentada dos conceitos básicos


da psicologia por uma subdisciplina de psicologia geral foi demonstrada
por Vygotsky de várias maneiras. As combinações ecléticas de princípios
e idéias vindas de diferentes escolas (p. ex., freudo-marxismo) não teria
sido possível se os pesquisadores tivessem percebido a relação dialética
entre teoria e fatos. Foi no contexto da discussão desses sistemas ecléticos
que Vygotsky expressou sua crítica incisiva ao rótulo de freudo-marxis-
mo usado por Luria (ver capítulo 5). Ao fazer isso, delineou de forma
mais completa sua visão do processo científico esboçada acima.
CRISE NA PSICOLOGIA 165

O que os pensadores ecléticos não compreendem, afirmou Vygotsky,


é que, ao fazer empréstimos de outras escolas de pensamento ou outras
ciências, também importamos suas idéias fundamentais. Esses pensa-
dores concebem a ciência como um processo de coleta e classificação
de dados factuais obtidos por meio de experiência direta. Fica claro que
Vygotsky não aprovava a idéia de ciência como o registro diligente de
fatos objetivos. Ele também criticava a idéia de que a experiência direta
é importante na pesquisa científica. Em sua opinião, a ciência estava
baseada na reconstrução e interpretação de fenômenos indiretos e,
nesse aspecto, não via nenhuma diferença fundamental entre as ciên-
cias naturais e sociais e o estudo da história. Referindo-se a Max
Planck e Engels, Vygotsky afirmou que todas essas ciências transcen-
dem o diretamente visível, utilizando instrumentos e fazendo inferências
sobre o desconhecido. Ele considerava a idéia de que a experiência
direta de fenômenos é o único ponto de partida para a ciência um
preconceito sensorial. Para conhecer alguma coisa, não precisamos de
nossos órgãos dos sentidos, pois estes instrumentos não são meras
extensões dos sentidos, mas nos libertam deles. É por isso que pessoas
cegas ou surdas podem ser excelentes cientistas, afirmava Vygotsky,
em uma referência a seu trabalho defectológico (analisado no capítulo
4). O uso de experiências diretas estava presente tanto nas abordagens
psicológicas subjetivas quanto objetivas. Na psicologia subjetiva, a
experiência direta do pensamento consciente do sujeito em introspecção
era tomada como o ponto de partida da teorização. Os introspeccionis-
tas acreditavam que os dados da introspecção eram os únicos dados
válidos. Os behavioristas, por outro lado, restringiam-se ao registro
direto de fatos externos observáveis. Em ambos os casos, os pesquisa-
dores não iam além do dado imediato, acreditando que conclusões
válidas deviam basear-se em experiência direta. Vygotsky argumentava
que essa crença era baseada em um erro de entendimento; pois em
toda investigação científica interessante nós vamos além da informação
dada — na verdade, não temos como evitar isso. O conceito de Vygotsky
sobre palavras como (proto)teorias, quer o assunto seja a pesquisa
psicológica ou as ciências naturais, dá apoio a isto. Em nenhum desses
ramos da ciência os pesquisadores baseiam-se unicamente em fatos
diretos, mas todos eles interpretam e extrapolam para o passado e o
futuro (1926m/1982, p. 344).
É claro que o método indireto interpretativo, como o método da
experiência direta, pode distorcer os fatos objetivos, mas, na opinião de
Vygotsky, a psicologia não tinha outra escolha a não ser transcender
as limitações dos sentidos humanos. Fazendo uma referência a Engels
(1925, p. 506), Vygotsky observou que, embora nunca possamos ver o
mundo pelos olhos de uma formiga, podemos reconstruir sua visão de
mundo. A psicologia, como as ciências naturais, tem que se basear no
método indireto de interpretação. O tema geral por trás deste ponto de
166 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

vista é a idéia de que o papel do observador humano na pesquisa


científica deve ser minimizado. A emancipação em relação a nossos
órgãos sensoriais não só é um pré-requisito para o estudo da psicolo-
gia, mas será também a libertação da psicologia e seu salto vitale
(1926m/1982, p. 349).
Depois de declarar que os psicólogos não têm como deixar de
fazer inferências sobre fenômenos que não foram diretamente obser-
vados em suas investigações, e, depois de mostrar que (proto)teorias
estão sempre presentes para direcionar nosso pensamento, Vygotsky
alertou novamente contra a aceitação não crítica de idéias tiradas de
outras subdisciplinas ou ciências. Sua avaliação da importação não
crítica de alguns métodos para a psicologia, depois de mais de meio
século, ainda merece ser ouvida: “Esse transporte cego... do experi-
mento, o método matemático das ciências naturais criou na psico-
logia a aparência externa de ciência, sob a qual, na realidade, estava
escondida uma completa impotência diante dos fenômenos em estu-
do” (1926m/1982, p. 354).

O papel da práxis

Depois de analisar os perigos do ecletismo e a necessidade de


uma análise completa da abordagem metodológica da psicologia,
Vygotsky voltou a seu tema original: a crise na psicologia. Ele já
havia, agora, revelado algumas de suas causas fundamentais. A
falta de uma psicologia geral, a falta de entendimento metodológico
dos psicólogos e a atitude eclética resultante haviam contribuído
para a coleção aleatória de fatos aparentemente não relacionados
que impedia o desenvolvimento da psicologia.
Mas o que havia feito com que a crise da psicologia passasse a
ser repentinamente sentida de forma tão intensa? A razão mais
premente para a crise da psicologia, Vygotsky achava, era o rápido
desenvolvimento da psicologia aplicada. A psicologia aplicada — ou
prática — fora o ponto fundamental ignorado pelos construtores da
psicologia. Ele procurou esclarecer essa afirmação de três maneiras:
(1) A prática (práxis) é o teste mais rígido para qualquer teoria:
ela com freqüência força o pesquisador a reconsiderar suas opiniões,
e isto é exatamente o que constitui seu valor para o progresso cien-
tífico. Em tempos passados, afirmou Vygotsky, a psicologia acadêmi-
ca costumava olhar com um certo desprezo para a psicologia aplica-
da. A aplicação do conhecimento na prática era vista como uma
atividade pós-científica — ou seja, fora do domínio da ciência real —
que não precisava ter repercussões para a teoria como tal (Vygotsky,
1926m/1982, p. 387). Na década de 1920, Vygotsky via uma mu-
dança radical nessa situação. O crescimento de ramificações da
CRISE NA PSICOLOGIA 167

psicologia aplicada, como a psicoterapia, pedologia (incluindo os tes-


tes de inteligência) e o aconselhamento educacional, obrigou os pes-
quisadores a serem explícitos em seus pressupostos e reexaminarem
seus conceitos teóricos. Foi nesse pano de fundo de rápidas reformas
sociais e da necessidade de que os cientistas contribuíssem para
essas reformas que Vygotsky colocou-se de acordo com os que con-
sideravam a prática como a corte suprema da ciência, o juiz defini-
tivo da verdade. Ao mesmo tempo, seu pensamento a esse respeito
poderia ser interpretado como tendo alguma afinidade com o de
Lenin em seu Materialismo e empirocriticismo (1909). O problema
aqui era que, como explicou Boeselager (1975, p. 37), o conceito de
prática e de sua relação com a teoria de Lenin pode ser interpretado
de muitas maneiras e, “através de suas declarações contraditórias,
deixava em aberto e encorajava muitas possibilidades de desenvolvi-
mentos futuros”. É claro, porém, que Vygotsky dava um grande valor
à influência reformadora da prática:
Por mais insignificante que seja o valor prático e teórico da escala de
Binet ou de outros testes psicológicos, por pior que o teste em si possa
ser, como uma idéia, como um princípio metodológico, como uma
tarefa, como uma perspectiva ele é muito [valioso]. As contradições
mais complexas da metodologia da psicologia são trazidas para o cam-
po da prática e só podem ser resolvidas aí. Aqui, a disputa deixa de
ser estéril, ela chega a um fim... É por isso que a prática transforma
a metodologia científica como um todo (1926m/1982, p. 388).

(2) A ênfase na psicologia aplicada não levava Vygotsky a adotar


uma abordagem não teórica. Ele considerava da maior importância
o desenvolvimento de uma metodologia para a ciência aplicada. A
psicologia, em sua opinião, necessitava de uma filosofia da prática
que orientasse as investigações aplicadas. Era a combinação da
pesquisa aplicada com uma boa metodologia que, segundo Vygotsky,
poderia nos capacitar a resolver a crise na psicologia. Ele tomou o
cuidado, assim, de enfatizar o papel da teoria na pesquisa aplicada,
colocando-se, evidentemente, em uma posição muito crítica em rela-
ção ao então amplamente difundido praticismo: “apesar do fato de
ele ter se colocado em uma posição comprometedora mais de uma
vez, de seu significado prático ser muito próximo de zero e de a teoria
ser freqüentemente ridícula, seu significado metodológico é enorme”
(1926m/1982, p. 388).
(3) Era convicção de Vygotsky que a prática, sendo um árbitro
imparcial, não permitiria que houvesse mais de um vencedor em
debates científicos. Além disso, ele estava convencido de que a psi-
cologia aplicada favoreceria uma determinada abordagem na psico-
logia e mostraria a inutilidade de outras. A psicologia aplicada
(psicotécnica), portanto, acabaria por reformar a psicologia. “Não
tem sentido usar a psicologia eidética de Husserl para a seleção de
168 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

motorneiros”, afirmou Vygotsky (1926m/1982, p. 389). Assim, o


desenvolvimento da psicologia aplicada acabaria levando ao triunfo
da psicologia objetiva causal: “A psicotécnica concentra-se em ações,
em prática... ela tem a ver unicamente com a psicologia causal, com
a psicologia objetiva; a psicologia não-causal não tem nenhuma função
na psicotécnica” (1926m/1982, p. 390).
Esta afirmação fazia referência a um dos principais temas do
estudo de Vygotsky: a bifurcação da psicologia em psicologia obje-
tiva causal de um lado e psicologia subjetiva hermenêutica do outro.

A bifurcação da psicologia

Referimo-nos anteriormente às muitas diferentes correntes e escolas


de pensamento existentes na psicologia. Na década de 1920, a psico-
logia estava dividida, entre outras coisas, em reflexologia, reactologia,
psicanálise, psicologia da Gestalt, personalismo e behaviorismo. Se-
guindo outros pesquisadores (p. ex., Dilthey, Wulff, Münsterberg, Kor-
nilov e, acima de tudo, Spranger), Vygotsky afirmou que a enorme
diversidade na psicologia poderia ser reduzida a uma dicotomia. A
psicologia poderia ser concebida em termos de dois tipos básicos, cada
um com sua própria concepção do que constituía a ciência e com sua
própria abordagem metodológica.
Esses dois tipos de psicologia eram a psicologia causal explicativa,
em oposição à psicologia intencional descritiva. Os psicólogos perten-
centes ao primeiro grupo consideravam a psicologia uma ciência natu-
ral (Naturwissenschaft), enfatizando a abordagem experimental e a
explicação e previsão do comportamento humano. O segundo tipo de
psicólogos via a psicologia como a “ciência da alma” (Geisteswissenschaft)
e tentava compreender ou descrever os processos psicológicos huma-
nos. Eles negavam a possibilidade da abordagem da ciência natural
para os processos psicológicos superiores, afirmando que estes proces-
sos só podem ser compreendidos de maneira empática. Alguns repre-
sentantes da psicologia descritiva, porém, admitiam a possibilidade de
uma explicação causal para processos psicológicos inferiores relativa-
mente simples, no estilo de uma ciência natural. Ao mesmo tempo,
muitos defensores da abordagem da ciência natural relutavam em
estudar os processos psicológicos superiores. Estes eram, em sua
opinião, difíceis de investigar ou, para alguns deles, até mesmo inexis-
tentes. Desta maneira, criou-se a seguinte situação: a psicologia causal
da ciência natural estudava os processos inferiores (p. ex., o tempo de
reação), e a psicologia descritiva estudava os processos superiores (p.
ex., a resolução de problemas). Fica claro no estudo de Vygotsky que
ele não estava satisfeito com essa divisão de trabalho. Em sua opinião,
a psicologia materialista objetiva não deveria abandonar os processos
superiores para a psicologia descritiva. Conseqüentemente, ele optava
CRISE NA PSICOLOGIA 169

por uma psicologia inspirada pelas ciências naturais que também es-
tudasse os processos superiores (1926m/1982, p. 417). A escolha de
Vygotsky foi feita segundo bases metodológicas: ele preferia a psicolo-
gia objetiva causal por causa de seus métodos melhores, ao mesmo
tempo que reconhecia a preocupação dos psicólogos descritivos com os
processos psicológicos superiores. Concomitantemente, fazia uma liga-
ção com a noção de partijnost’ (partidarismo) de Lenin (1909). Uma
conseqüência da idéia de partijnost’ era que, em última instância, na
filosofia da ciência apenas duas posições eram possíveis: a escolha, no
fim, era entre ser um materialista ou um idealista (Boeselager, 1975,
p. 30). Todas as posições intermediárias poderiam ser reduzidas a um
desses dois extremos, de acordo com Lenin. Na época, porém, não
estava claro o que representaria essa abordagem científica natural dos
processos psicológicos superiores. Na verdade, Vygotsky expressou
algumas dúvidas quanto ao fato de a psicologia poder ser uma ciência
natural no sentido estrito da palavra:
deixamos também uma outra questão em aberto — se a psicologia real-
mente é uma ciência natural no sentido estrito... Mas isto é um problema
particular e muito profundo — mostrar que a psicologia é possível como
uma ciência materialista — que não faz parte do problema da significância
da crise psicológica como um todo (1926m/1982, p. 384).

A teoria histórico-cultural e os métodos de pesquisa que ela ado-


tava visaram a esclarecer este ponto (ver capítulo 9). Uma outra ques-
tão que Vygotsky deixou sem resposta na época foi a questão da origem
da bifurcação da psicologia. No capítulo 14, veremos que ele identificou
as raízes desse dualismo nos escritos de Descartes e que estudou a
obra de Spinoza em profundidade para encontrar meios de erradicá-lo.
Até aqui, ao analisar “A significância histórica da crise na psi-
cologia”, concentramo-nos em suas implicações teóricas. Não deve
ser esquecido, porém, que o trabalho também era, em parte, uma
análise das teorias psicológicas da época e, como tal, refletia as
mudanças nas idéias de Vygotsky a esse respeito. Muitos psicólogos
foram alvo da caneta às vezes cáustica de Vygotsky. Duas vezes em
“A significância histórica da crise na psicologia” ele tratou das ten-
tativas de cientistas contemporâneos de construir uma psicologia
marxista por meio da identificação das citações certas na obra dos
clássicos marxistas.2 Em sua opinião, os escritos desses cientistas
eram, em sua maior parte, de valor bastante questionável: eles ser-

2. Vygotsky achava que a psicologia soviética era “profundamente provincia-


na... Quem nos lê aqui? Chelpanov, para contar os erros e depois dar garga-
lhadas de prazer; Frankfurt, para conferir se mantemos a lealdade... Ainda
tenho a esperança de poder obrigar minha filha (dos cinco anos em diante!) a
ler meus artigos, mas você não tem filhos! (De uma carta para Luria, datada
de 5 de março de 1926.)
170 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

viam basicamente a uma meta polêmica e partiam de premissas


erradas. Esses pesquisadores, Vygotsky sugeriu, estavam procuran-
do (1) no lugar errado; (2) a coisa errada; e (3) da maneira errada
(1926m/1982, p. 397). Eles estavam procurando no lugar errado,
porque os pensadores marxistas simplesmente não haviam tratado
de questões psicológicas e, mesmo que tivessem, não poderiam tê-
-las solucionado prontamente. Nem Marx, Engels, nem Plekhanov
solucionaram o problema da natureza da mente humana, Vygotsky
escreveu (1926m/1982, p. 421). Estavam procurando a coisa erra-
da, porque buscavam respostas definidas para questões psicológicas
ou filosóficas, e não uma abordagem metodológica. Seria um mila-
gre, Vygotsky afirmou, encontrar um sistema acabado de pensa-
mento psicológico nas idéias marxistas. Na verdade, seria como
encontrar uma ciência antes de iniciá-la. Por fim, os chamados
psicólogos marxistas estavam procurando da maneira errada, por-
que eram tolhidos por seu medo das autoridades marxistas. Em sua
busca de dogmas, não avaliavam criticamente os escassos comentá-
rios feitos por pensadores marxistas a respeito de problemas psico-
lógicos. Vygotsky não acreditava que se devesse procurar respostas,
nem hipóteses definidas, nos escritos de pensadores marxistas: “Não
quero descobrir [a natureza da] a psique de graça, recolhendo algu-
mas citações. Quero aprender a partir do conjunto do método de
Marx como construir uma ciência, como abordar a investigação da
psique” (Vygotsky, 1926m/1982, p. 421).
Em lugar disso, Vygotsky defendia a criação de uma nova
metodologia — ou psicologia geral — suficientemente desenvolvida
para lidar com os fenômenos estudados. Para a criação de tal abor-
dagem, era “necessário descobrir a essência de determinado domínio
de fenômenos, as leis de sua mudança, as características qualitati-
vas e quantitativas, sua causalidade, para criar as categorias e
conceitos adequados a eles ou, em uma só palavra, para criar seu
próprio Capital” (1926m/1982, p. 420).

Conclusões

Tanto o esboço de Vygotsky da crise da psicologia como sua


análise das causas geram uma impressão surpreendentemente mo-
derna. Seus argumentos contra uma abordagem empírica na psico-
logia e sua defesa de uma ciência psicológica unificada continuam
a ecoar na época atual (Staats, 1983). Sua descrição da dinâmica da
ciência e a ênfase na teoria adaptam-se bem à imagem da ciência
delineada por filósofos da ciência pós-positivistas. Muitos dos argu-
mentos propostos por Vygotsky entraram até mesmo em manuais
introdutórios sobre a filosofia da ciência (p. ex., Chalmers, 1982).
Atualmente, é considerado um fato de conhecimento comum na
CRISE NA PSICOLOGIA 171

ciência ocidental que o positivismo — empirismo — estava errado e


que “declarações de observações têm que ser feitas na linguagem de
alguma teoria” (Chalmers, 1982, p. 28). A acusação de que pesqui-
sadores fazem uma seleção entre a multitude de fenômenos antes de
conduzir seus experimentos ainda é escutada. Muitos filósofos da
ciência concordariam com a afirmação de que “observações e expe-
rimentos são executados para testar ou esclarecer alguma teoria, e
apenas as observações consideradas relevantes para essa tarefa devem
ser registradas” (ibid., p. 33). De uma maneira geral, pode ser dito
que filósofos da ciência como Popper, Kuhn, Lakatos, Hanson e
Feyerabend atacaram as bases do modelo positivista de registro-
indução. O fato notável é que o argumento de Vygotsky foi muito
semelhante e antecipou as idéias desses filósofos da ciência pós-
positivista em uma série de aspectos. Ao mesmo tempo que Carnap
estava desenvolvendo os princípios do positivismo lógico, teóricos
soviéticos começaram a desenvolver uma visão fundamentalmente
diferente da dinâmica do empreendimento científico. As bases his-
tóricas desses desenvolvimentos divergentes na filosofia da ciência
foram analisadas por Boeselager (1975).
Podemos concluir, portanto, que em “A significância histórica
da crise na psicologia” Vygotsky estava tentando integrar as idéias
de Marx, Engels e Lenin em seu pensamento, ao mesmo tempo que
se apoiava nos escritos de importantes psicólogos ocidentais (prin-
cipalmente alemães) e soviéticos. Os tópicos de suas idéias sobre a
filosofia da ciência (p. ex., a ênfase na teoria) têm sua origem na
curiosa história do pensamento filosófico.
8
Vygotsky e a psicologia
da Gestalt

Quando Vygotsky foi indicado para o Instituto de Moscou, em


1924, ele começou seus estudos seguindo uma base claramente
axiomática, o que incentivou seu interesse pelos desenvolvimentos
ocorridos na psicologia da Gestalt. Como já vimos (ver capítulos 1
e 2), o credo de Vygotsky na vida intelectual — o entendimento da
síntese como o resultado das oposições dialéticas — já estava bem
desenvolvido antes desta etapa. Enquanto trabalhava no Instituto,
ele enfatizava a importância do estudo da consciência, definindo-a
como “o problema da estrutura do comportamento” (Vygotsky, 1925g,
p. 181). Assim, a ênfase na estrutura foi o primeiro ponto de encon-
tro essencial entre Vygotsky e as idéias da psicologia da Gestalt.
Se o interesse de Vygotsky pela psicologia da Gestalt foi resultado
da evolução gradual de suas idéias, o interesse cada vez maior pela
psicologia da Gestalt no Instituto foi uma coincidência do tipo no qual
a história social é rica. A psicologia marxista que Kornilov promovia na
época estava ativamente envolvida na busca de alternativas à psicolo-
gia tradicional, tradição esta que era exemplificada na mente dos jo-
vens marxistas pela imagem profissional de Chelpanov (ver capítulo 6).
A oposição da psicologia da Gestalt à velha psicologia associacionista
alemã tornava-a, portanto, uma companheira bastante adequada para
a borbulhante e loquaz psicologia marxista na União Soviética.
De qualquer forma, embora o ambiente em que Vygotsky desen-
volveu seu interesse pela psicologia da Gestalt fosse ideologicamente
agitado, ele conseguiu realizar uma análise abrangente e relativa-
mente não-ideológica da “nova psicologia alemã” e utilizou-a para
chegar a uma síntese de importância fundamental para a metodologia
psicológica: o método da dupla estimulação. Esta análise e esta
síntese ocorreram num período facilmente definível que começou em
1924 e que terminou no meio do advento da luta contra o idealismo
menchevista, por volta de 1931. Embora Vygotsky tenha continuado
a falar (e a escrever) sobre a psicologia da Gestalt até sua morte, a
importância dela como um instrumento para a síntese diminuiu.
174 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

O contato de Vygotsky com a psicologia da Gestalt começou


num período em que ele editava traduções russas de obras alemãs,
reiterava as mensagens básicas da nova psicologia e encontrava-se
com alguns dos psicólogos da Gestalt durante as visitas destes à
União Soviética (p. ex., Gottschaldt, Koffka, Lewin). Esses contatos
pessoais, porém, não influenciaram o nascimento de seu interesse.
Ele só conheceu Lewin e Koffka, por exemplo, em novembro de 1931
e maio de 1932, respectivamente. Foram, de fato, as novas publica-
ções alemãs (ver Scheerer, 1980) que proporcionaram material espe-
culativo para Vygotsky e seus colegas.

O desenvolvimento da psicologia da Gestalt e sua presença na Rússia

O surgimento da psicologia da Gestalt como uma das escolas de


pensamento da ciência alemã na segunda década deste século e seu
estabelecimento institucional no início da década de 1920 (por meio
da criação do periódico Psychologische Forschung, em 1922) foram
uma fonte natural de estímulo para psicólogos da União Soviética.
Historicamente, a vida intelectual russa esteve muito ligado à da
Alemanha (ver Joravsky, 1989; Valsiner, 1988). No período anterior
a 1917, muitos cientistas russos estudavam na Alemanha e publi-
cavam em periódicos de língua alemã. Esta tendência continuou na
década de 1920, mas foi encerrada no início da década de 1930 pela
subida ao poder de tendências radicais tanto na União Soviética
quanto na Alemanha. A maior parte dos psicólogos na década de
1920 era fluente em alemão, capaz de ler e escrever nessa língua.
Vygotsky estava na linha de frente da tarefa de edição e de tra-
dução de novos textos de psicologia alemães para o russo. Ele escreveu
o prefácio (Vygotsky, 1926f) para a primeira tradução russa de uma
obra da psicologia da Gestalt, a de Koffka (1924, 1926b). Em 1930,
editou a tradução de Abriss der geistigen Entwicklung des Kindes, de
Bühler, e escreveu um prefácio para a obra (Vygotsky, 1930ac), assim
como para a tradução de Intelligenzprüfungen an Menschenaffen, de
Köhler (Vygotsky, 1930s). Em 1934, publicou seu prefácio para a edi-
ção russa de Grundlagen der psychischen Entwicklung, de Kurt Koffka
(Vygotsky, 1934k). Praticamente todas as traduções para o russo das
principais obras de psicólogos da Gestalt alemães nesta época estive-
ram ligadas, de alguma forma, ao trabalho de organização e análise de
Vygotsky (também: Vygotsky, 1930d; Vygotsky e Luria, 1930a). Junto
com Vygotsky, Alexander Luria (Luria, 1926f) e V. Artemov (1928), do
Instituto de Kornilov, trabalhavam ativamente na explicação e na apli-
cação da psicologia da Gestalt. Além do Instituto de Kornilov, outros
círculos institucionais demonstravam interesse pela psicologia da Gestalt,
particularmente a reflexologia (Mjasishchev, 1930) e a pedologia
(Abel’skaja e Neopikhanova, 1929, 1932).
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 175

Além de editar traduções e de escrever prefácios, Vygotsky man-


tinha vivo seu interesse pelos desenvolvimentos contemporâneos na
psicologia da Gestalt, comentando debates atuais em suas publica-
ções (por exemplo, o debate Rignano-Köhler [ver Köhler, 1928 e
Rignano, 1928] foi analisado em Vygotsky, 1930d, p. 123; as diver-
gências Köhler-Bühler também foram usadas de maneira produtiva
por Vygotsky). Por fim (mas não menos importante), Vygotsky escre-
veu uma série de panoramas descritivos dos principais experimentos
da psicologia da Gestalt (Vygotsky, 1930d; Vygotsky e Luria, 1930a).
Em contraste com o estilo usual de Vygotsky, que omitia em grande
medida detalhes experimentais e empíricos na maior parte de seus
outros escritos, suas descrições dos experimentos da psicologia da
Gestalt são ricos em detalhes.
Qual, portanto, foi a base do grande interesse e do fascínio de
Vygotsky pela psicologia da Gestalt (e a razão para suas críticas)?
De um modo geral, a atitude de Vygotsky para com a psicologia da
Gestalt como uma escola de pensamento mudou entre 1924 e 1934,
seguindo coerentemente o desenvolvimento de suas idéias.

A análise crítica de Vygotsky sobre a psicologia da Gestalt

Vygotsky aplicou à análise da psicologia da Gestalt seu esquema


composicional característico tese-antítese-síntese. Em diferentes pro-
nunciamentos escritos ou orais, e dependendo da função da mensagem
(informativa, polêmica ou uma declaração de posição), a importância
relativa de cada um desses componentes composicionais variava. As-
sim, em textos destinados ao público em geral e/ou a estudantes (p.
ex., Vygotsky, 1930d; Vygotsky e Luria, 1930a), a descrição das idéias
e dos experimentos dos psicólogos da Gestalt é relativamente longa e
detalhada, ao passo que o elemento de crítica (antítese) é bastante
limitado, com algumas explicações de síntese. Em textos que poderiam
ser classificados como declarações de posição (p. ex., Vygotsky, 1926f),
os elementos de crítica e síntese predominam, e o lado descritivo é
mínimo. E, é claro, em textos polêmicos, os elementos de antítese e
síntese são extensos, ao passo que a descrição das idéias da psicologia
da Gestalt permanece fragmentária. Tal diferenciação entre textos es-
critos para diferentes finalidades não é surpreendente e pode ser vista
como uma organização funcional geral das mensagens comunicativas.
Esta distinção, no caso de Vygotsky, não pode ser esquecida, de vez
que, em nossos esforços retrospectivos contemporâneos para compreen-
der seu raciocínio, as funções específicas dos textos não são claramen-
te discerníveis (p. ex., na série publicada de seis volumes).
O fato de que a primeira ligação de Vygotsky com a psicologia
da Gestalt esteve profundamente incorporada ao discurso ideológico
vigente no Instituto de Kornilov pode ser deduzido do estilo de suas
176 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

primeiras discussões sobre o assunto. Em sua introdução à tradu-


ção russa (Koffka, 1926b) do artigo clássico de Koffka sobre o papel
da introspecção na psicologia (Koffka, 1924), Vygotsky esquematizou
uma perspectiva programática que a psicologia marxista nascente
poderia adotar em relação à um pouco mais velha psicologia da
Gestalt (Vygotsky, 1926f). Essa perspectiva aparecia também em
outros textos escritos (e expostos) por Vygotsky (1926b, 1926d) em
seu primeiro ano no Instituto (1924-5).
A primeira menção à relevância da psicologia da Gestalt na obra
de Vygotsky parece ter ocorrido na versão publicada de sua apresen-
tação oral na Conferência Psiconeurológica Russa, em Leningrado, em
6 de janeiro de 1924. Este texto parece ter sido retrabalhado para
publicação, particularmente com referência à parte (final) separada que
trata diretamente da relevância da psicologia da Gestalt (Vygotsky,
1926b, pp. 43-6). Indicações disto aparecem em diferentes fontes. Em
primeiro lugar, um comentário contemporâneo das apresentações da
Conferência de Leningrado (Dajan, 1924) examina os principais pontos
da apresentação de Vygotsky sobre reflexologia, mas não menciona
nada sobre os comentários de Vygotsky a respeito da psicologia da
Gestalt nessa ocasião. Em segundo, a seção final (que é textualmente
separada das partes precedentes na publicação original) faz uso do
artigo clássico de Koffka sobre introspecção que foi, originalmente,
uma apresentação oral de Koffka em 23 de fevereiro de 1924, na
reunião conjunta das Associações Psicológicas Britânica e de Cambridge,
e que apareceu em versão escrita apenas em outubro de 1924 (Koffka,
1924). Os comentários de Vygotsky no final da versão publicada de sua
palestra em Leningrado são claramente uma antítese e uma síntese
integradora em diálogo com Koffka (especialmente em sua resposta à
questão de como o método introspectivo pode ser usado; Vygotsky,
1926b, p. 45). Além disso, Vygotsky retorna à questão da psicologia da
Gestalt em uma terceira publicação na mesma coleção, sobre reações
dominantes (Vygotsky, 1926d, pp. 100-4), que tinha como enfoque
principal a apresentação de resultados experimentais obtidos em um
trabalho com colaboradores no Instituto de Moscou em 1924-5.
O interesse inicial pela psicologia da Gestalt demonstrado no Ins-
tituto foi claramente esquematizado por Vygotsky (e seus colegas) em
termos de uma antítese aos diferentes campos da psicologia da forma
como estes eram percebidos: os da psicologia empírica (da tradição de
Chelpanov, seguindo a tradição alemã do raciocínio introspectivo) por
um lado, e o behaviorismo por outro lado. Este contraste pode explicar
o motivo pelo qual a breve seção sobre psicologia da Gestalt foi acres-
centada à apresentação de Vygotsky em Leningrado para publicação.
Lembremos que a crítica de Vygotsky em 1924 era dirigida ao ethos
(“caráter”) reducionista da obra reflexológica (pavloviana e bekhtereviana),
que negligenciava a natureza dialética da mudança qualitativa. Ao mesmo
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 177

tempo, Vygotsky nos lembra que a psicologia da Gestalt é um novo (e,


em sua perspectiva, revolucionário) desenvolvimento da psicologia
introspectiva alemã. Na sua maneira caracteristicamente cosmopolita,
Vygotsky lembrou à platéia:
Não pode haver nada mais falso do que o desejo de descrever a crise
que divide a ciência russa em dois campos como uma crise russa
local. A crise está acontecendo na ciência psicológica do mundo intei-
ro. O surgimento da escola psicológica da teoria da Gestalt, que se
desenvolve a partir da psicologia empírica, dá uma evidência viva disso
(1926b, p. 44).

Esta idéia — da natureza mais ampla do que local (russa) da crise


na psicologia — é repetida por Vygotsky no mesmo volume (1926f, pp.
176, 177). É uma referência ao contra-argumento de Chelpanov ao
trabalho de Kornilov, mas também poderia ser vista como seu desagra-
do pessoal com a natureza patriota da luta ideológica pela psicologia
marxista que estava acontecendo no Instituto naquela época (ver capí-
tulo 6). A mesma idéia foi predominante em seu manuscrito sobre a
crise na psicologia, onde o desconforto com o “marxismo declaratório
e belicoso” foi expresso mais intensamente (ver capítulo 7).
É interessante que a “grande visão” de Vygotsky para o papel da
psicologia da Gestalt (em Vygotsky, 1926f) no desenvolvimento poste-
rior da psicologia como ciência tenha sido enunciada em termos
atipicamente ideológicos, que fazem o leitor se lembrar de uma descri-
ção bolchevique/leninista de táticas de revolução. Vygotsky narra, por
exemplo, que, no início da crise da psicologia “russa”, a orientação no
sentido de um “behaviorismo norte-americano militante (vointsvuiushchii:
ou seja, o mesmo termo que Lenin usou em 1922 no artigo sobre
materialismo militante; Lenin, 1922)” era a “correta”, uma vez que era
importante “conquistar posições objetivas na psicologia” (zavoevat’
ob’ektivnyie pozitsii v psikhologii) e “fugir da prisão” do “subjetivismo
espiritualista e idealista”. Porém, era afirmado também que a psicolo-
gia marxista pode seguir junto com o behaviorismo norte-americano e
com a reflexologia russa “apenas até um certo ponto”, no qual sentirá
uma necessidade histórica de separar-se dos “colegas de viagem” e
partir em sua própria direção (Vygotsky, 1926f, p. 176). O futuro para
o aperfeiçoamento da psicologia era descrito como vulnerável a “atolar-
se no pântano idealista” (zaviaznet v idealisticheskom bolote, 1926f, p.
177). O uso de terminologia militante bolchevique ficava ainda mais
evidente em uma descrição geral da situação:
Os aliados de ontem na guerra conjunta contra o subjetivismo e o
empirismo podem tornar-se nossos inimigos de amanhã na luta para
o estabelecimento das fundações principais da psicologia social do ser
humano social, para a libertação da psicologia do aprisionamento bio-
lógico e seu retorno à condição de ciência independente, e não uma
178 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

ramificação da psicologia comparativa. Em outras palavras, quando


começamos o processo de construir a psicologia como uma ciência do
comportamento do ser humano social, e não de um mamífero superior,
a linha de separação em relação aos aliados de ontem torna-se clara-
mente demarcada (1926f, p. 176; o grifo é nosso).

Assim, a psicologia da Gestalt, de acordo com Vygotsky (conforme


ele a via em 1926), possivelmente seria um desses “companheiros de
viagem” da psicologia marxista, uma abordagem que compartilhava a
metodologia mas, no fim, não conseguia competir com a nova psicolo-
gia que a filosofia marxista prometia proporcionar na nova sociedade
(soviética). Retrospectivamente, sabemos que a promessa era utópica:
nem a psicologia marxista nem a sociedade soviética provocaram algu-
ma revolução qualitativa em nossa compreensão da psicologia humana
ou nos modos de organização da vida social. A psicologia da Gestalt,
que teve alguma influência sobre as psicologias de diferentes países
depois do êxodo de seus principais representantes da Alemanha na
década de 1930, também foi, em grande medida, esquecida.
Ainda assim, quando vista pelos olhos de Vygotsky em meados da
década de 1920, a psicologia da Gestalt parecia estar de acordo em
dois aspectos com os interesses da psicologia marxista que se desen-
volvia. Primeiramente, ela era percebida como um sistema psicológico
monista, que tentava unir os lados interno e externo (comportamental)
dos fenômenos psicológicos (a máxima de Köhler de que “o que é
interno é também externo”), e interdisciplinar em sua perspectiva da
Gestalt, atravessando os limites da física, fisiologia e psicologia. Con-
siderava-se que a psicologia da Gestalt aceitava a lei dialética da trans-
formação de quantidade em qualidade, o que, então, se adaptava bem
ao fundamento da psicologia dialética marxista (e à visão de mundo
hegeliana que Vygotsky já havia adotado muito tempo antes). Em segun-
do lugar, a psicologia da Gestalt satisfazia o interesse ativo de Vygotsky
pela síntese, proporcionando as bases para novos métodos de investi-
gação nas quais os lados psicológicos externo (comportamental) e in-
terno estavam ligados, mas não reduzidos um ao outro, o que era um
erro que tanto a psicologia behaviorista como a psicologia empírica
cometiam. Não é de surpreender que a ênfase metodológica da psico-
logia da Gestalt fosse descrita por Vygotsky em termos de reactologia
korniloviana: “A nova metodologia tenta criar uma base para o método
funcional subjetivo-objetivo, que incluiria os pontos de vista descritivo
(descritivo-introspectivo) e funcional (objetivo-reactológico)” (Vygotsky,
1926f, p. 178, o grifo é nosso).
Esta previsão de uma metodologia foi sustentada por Vygotsky
e seus colegas em maior grau do que por outros no Instituto de
Moscou (ver capítulo 6). Tanto o método da dupla estimulação de
Vygotsky como o Methode der abbilden Motorik de Luria desenvolve-
ram-se como descendentes da psicologia da Gestalt.
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 179

Entre as áreas de divergência de Vygotsky com a psicologia da


Gestalt estavam seu receio de que a psicologia da Gestalt retornasse
a explicações vitalistas e mecanicistas, a “similaridade excessiva” de
problemas dessa psicologia com a física contemporânea, a ausência da
perspectiva social em questões psicológicas e a “teoria intuitiva da
mente” (Vygotsky, 1926f, p. 178). Ele encarou o surgimento e desen-
volvimento da psicologia da Gestalt como uma prova da correção his-
tórica da direção que a psicologia marxista estava tomando na época,
ao mesmo tempo que lembrava os leitores de que não se devia esperar
que um sistema de psicologia marxista pudesse emergir na “ciência
ocidental”. Aparentemente, Vygotsky havia interiorizado os valores do
pensamento utópico soviético que o cercavam na época de sua transi-
ção para a psicologia (ver também capítulo 3).
Dado o interesse de Vygotsky pela psicologia da Gestalt, é sur-
preendente que, no seguinte texto teórico importante de sua autoria,
sobre a crise na psicologia (Vygotsky, 1926m/1982, ver também
capítulo 7), ele mal tenha chegado a comentar a relevância do pen-
samento da Gestalt. Das 144 páginas impressas desse texto, Vygotsky
dedica apenas uma página a uma descrição do papel da psicologia
da Gestalt nos esforços para superar a crise (1926m/1982, pp. 395-
6). Sua abordagem aqui está livre da terminologia militar que podia
ser observada nos textos publicados em 1926. Ele simplesmente
esquematiza os princípios básicos da posição da Gestalt, reiterando
a primazia e a generalidade da organização estrutural do todo sobre
suas partes, e prossegue levantando uma questão breve e pouco
enfatizada quanto a se esse sistema de pensamento poderia combi-
nar com sucesso a psicologia materialista e a fenomenologia do
comportamento. Em um comentário de passagem, Vygotsky duvida
que a psicologia da Gestalt possa vir a ser uma “terceira via” de
saída da crise (1926m/1982, p. 396), mas, em vez de elaborar esta
dúvida, ele passa para a discussão do personalismo de William Stern.
A análise de Vygotsky sobre a psicologia da Gestalt serviu como
uma das bases da teoria histórico-cultural. As dúvidas que ele havia
começado a expressar quanto ao papel da nova psicologia alemã au-
mentaram, conforme sua própria síntese da visão de mundo estrutural
e da dinâmica do estudo dialético do desenvolvimento avançavam.
Nesse processo, Vygotsky às vezes contrastava a psicologia da Gestalt
com outras tendências na psicologia (colocando a ênfase nas “inova-
ções positivas” da psicologia da Gestalt em relação a essas outras), mas
outras vezes mostrava-se cada vez mais crítico quanto à incapacidade
dos psicólogos da Gestalt de solucionar o problema da síntese dialética.
Um bom exemplo dessa atitude de dupla perspectiva é revelada
na análise de Vygotsky sobre as idéias de Köhler a respeito da
inteligência de macacos antropóides (Vygotsky, 1929h). Os editores
de Estestvoznanie i marksizm, o periódico marxista que defendia o
180 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

amálgama das ciências naturais com o materialismo dialético, acha-


ram necessário acrescentar uma nota de rodapé à discussão de
Vygotsky sobre Köhler, explicando que apenas questões ligadas aos
experimentos de Köhler e não à “análise marxista” da teoria de Köhler
estavam representadas no artigo. Isto parece ter sido uma maneira de
agradar aos leitores marxistas mais militantes, dado o estilo de discus-
são de Vygotsky, em que os filósofos marxistas apareciam apenas
quando isto fazia sentido para o conteúdo da discussão.
Vygotsky (1929h) contrastou o pensamento e as evidências em-
píricas de Köhler com as de seus críticos (Bühler, Lindworsky) e ana-
lisou a conexão entre as idéias de Köhler e as de Vagner. Uma vez mais,
vemos Vygotsky criticando ambos os extremos: a redução das funções
do intelecto a uma soma de elementos comportamentais e a separação
entre o comportamento e o “reino das idéias”. Ele ainda tem muita
esperança nas promessas metodológicas da psicologia estrutural:
O princípio da estrutura preenche uma dupla função metodológica... e
isto comporta seu verdadeiro significado dialético. Por um lado, esse
princípio unifica todos os níveis do desenvolvimento do comportamento,
elimina o rompimento de que escreve Bühler, mostra a continuidade no
desenvolvimento do superior a partir do inferior e revela que as carac-
terísticas estruturais estão presentes já em instintos e hábitos. Por
outro lado, esse princípio também possibilita o estabelecimento de toda
a diferença profunda, essencial e qualitativa entre os níveis; a novidade
que cada novo estágio traz para o desenvolvimento do comportamento
e que o distingue do estágio anterior (Vygotsky, 1929h, pp. 147-8).

Assim, a psicologia estrutural é vista como algo que capta a dia-


lética do desenvolvimento, por unir os opostos (níveis “inferior” e “su-
perior”) através da ênfase na unidade, e por distingui-los pela oposição
da singularidade qualitativa dos níveis. Isto pode ser interpretado mais
como um uso instrumental por Vygotsky da psicologia da Gestalt em
seu próprio pensamento do que como uma declaração objetiva sobre
essa psicologia. O próprio Vygotsky parece ter reconhecido isso, ao
concordar com a descrição de Bühler da psicologia estrutural como
ligada à filosofia de Spinoza (Vygotsky, 1929h, p. 153).
A visão multifacetada de Vygotsky quanto à psicologia estrutural
tornou-se, subseqüentemente, mais crítica em relação às esperanças
dessa tendência. Em um capítulo de um livro que apresentava uma
visão geral das direções contemporâneas na psicologia (Vygotsky,
Gellershtejn, Fingert e Shirvindt, 1930), ele foi além da função primária
de explicar o movimento da psicologia da Gestalt e declarou que “a
psicologia estrutural envolve a reorganização radical de todas as teorias
psicológicas do aprendizado e do desenvolvimento infantil” (Vygotsky,
1930d, p. 105). Ao mesmo tempo, aponta uma vez mais o perigo
inerente ao pensamento da Gestalt: a redução de todos os fenômenos
unicamente à noção de estrutura. Para Vygotsky, “apenas uma noção
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 181

dialeticamente reconstruída de estrutura pode tornar-se a principal


ferramenta para a investigação psicológica” (1930d, p. 119). Nessa
reconstrução dialética da noção de estrutura, a ênfase na formação de
formas estruturais novas e no funcionamento dessas formas na síntese
posterior de formas ainda mais novas torna-se crucial. De acordo com
Vygotsky (1930d, p. 124), essa perspectiva dialética da transformação
estrutural precisa basear-se em um entendimento claro dos fatores
sociais que levam à reorganização de estruturas. Claro que, a partir
desta perspectiva desejada, a ênfase de Köhler na universalidade de
Gestalts nos mundos físico e psicológico não poderia mais ser satisfa-
tória para Vygotsky. As afirmações de interdisciplinaridade dos psicó-
logos da Gestalt que, anteriormente, eram recebidas de forma bastante
favorável por Vygotsky (1926d, 1926f) haviam perdido agora boa parte
de seu atrativo original. Nesta época, suas esperanças de que uma
síntese de conhecimento ocorresse na comunicação entre as ciências
haviam sido transferidas para a pedologia (ver capítulo 12).
Em Estudos sobre a história do comportamento, a crítica de
Vygotsky à abrangência da idéia de síntese apareceu de forma mais
clara (Vygotsky e Luria, 1930a). No capítulo 1, Vygotsky fez uma
retomada detalhada das experiências de Köhler com animais. No
corpo de escritos de Vygotsky como um todo, é bastante raro que
seja dada uma atenção aos detalhes empíricos de investigação. Cla-
ro que, aqui, Vygotsky usou os detalhes para possibilitar que o leitor
entendesse os princípios básicos da psicologia estrutural, portanto
a natureza única desse texto pode ser explicada por suas funções
dialéticas. As idéias particularmente enfatizadas nesse texto incluí-
ram a organização estrutural do campo (pp. 26-7), a plasticidade de
ligações meios-fins no comportamento animal (e humano) (p. 23), e
a natureza qualitativamente nova do comportamento intelectual (em
contraste com instintos e reflexos condicionados). Vygotsky levou o
leitor, ao longo desse capítulo, do ponto de vista dialético de pulos
qualitativos no processo de evolução à emergência de novas formas
estruturais por meio da reorganização dialética. Nisto, utilizou sua
metáfora favorita de korotkoe zamykanie (pp. 34, 39, 41; ver também
capítulo 2). Concluiu afirmando que a principal diferença entre o
funcionamento intelectual dos macacos e o dos humanos é a dife-
rença qualitativa entre a capacidade de construir mecanismos de
mediação (em humanos) na forma de signos (p. 47) e a limitação dos
chimpanzés no nível de uso de instrumentos sem a presença para-
lela do trabalho (p. 50; ver também capítulo 9). Vygotsky demons-
trou seu entendimento totalmente marxista dialético das questões
desse capítulo, criticando, desta forma, Köhler e o resto da psicolo-
gia da Gestalt por não aceitarem a idéia da transformação dialética.
Em suas palestras sobre a infância, Vygotsky (1932o/1984, p.
312) afirmou que a teoria da psicologia estrutural pode captar os
182 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

fundamentos a partir dos quais o desenvolvimento avança, mas não


pode explicar o processo de desenvolvimento na direção orientada
para o futuro. A mesma crítica é repetida quando Vygotsky trata da
“crise do primeiro ano de vida”. A criança descobre a estrutura do
mundo existente como ela é, e não está aberta a novos desenvolvi-
mentos (Vygotsky, 1933h/1984, p. 324). Uma análise mais completa
e fundamentada das premissas teóricas da psicologia da Gestalt foi
apresentada em sua palestra na Academia de Educação Comunista
em 26 de junho de 1932, quando Vygotsky delineou a estrutura que
fundamenta as afirmações da psicologia da Gestalt de que ela se
opunha às perspectivas “mecanicista” e “vitalista” na psicologia (Vy-
gotsky, 1932e/1960). Voltando às proposições anteriores de Köhler e
a argumentações mais recentes de Wertheimer e Koffka, Vygotsky
mostrou que a redução de toda a fenomenologia pela psicologia da
Gestalt constitui uma outra abordagem “mecanicista” (em um senti-
do mais amplo) que negligencia o desenvolvimento de novas estrutu-
ras. Para ele, a ênfase da psicologia da Gestalt na mudança dinâmica
refletia o “princípio de equilíbrio”, de cuja base nenhum novo estado
estrutural (mas apenas o reestabelecimento da “boa forma”) pode ser
derivado (Vygotsky, 1932e/1960, p. 477).
Assim, em 1932-3, Vygotsky havia começado a considerar a
psicologia da Gestalt uma “psicologia naturalista” que, em seu nú-
cleo teórico, não diferia da reflexologia, uma vez que reduzia signi-
ficado a estrutura (Vygotsky, 1933g/1982, p. 159). A base para essa
crítica foi a teoria histórico-cultural do próprio Vygotsky, que come-
çara a enfatizar o papel dos significados na reorganização da estru-
tura de fenômenos psicológicos. A partir dessa perspectiva, a sepa-
ração estrita a que Vygotsky havia chegado entre o homo sapiens e
outros primatas contradizia a ênfase que os psicólogos da Gestalt
colocavam na diminuição das diferenças interespécies e na
concretização do papel causal dominante da Gestalten (ver Vygotsky,
1934l/1982). Assim, a grande esperança de 1926 de que a psicologia
da Gestalt libertasse a psicologia “de seu aprisionamento biológico”
falhou, no julgamento de Vygotsky. De qualquer forma, ele conti-
nuou a fazer uso ativo de argumentos específicos de psicólogos da
Gestalt sobre questões particulares (ver abaixo), mas o entusiasmo
por essa escola de pensamento como um todo já não era o mesmo
que em anos anteriores. Em certo sentido, Vygotsky (1926f) cumpriu
sua previsão de que a ligação com a psicologia da Gestalt seria
temporária e episódica. Em seu próprio desenvolvimento, a ênfase
cada vez maior de Vygotsky no significado afastou-o da ênfase exces-
siva na estrutura, embora esta última tenha permanecido um ponto
de partida inquestionável para toda a sua obra psicológica (ver
Vygotsky, 1934o/1982; 1935m/1983).
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 183

A análise de Vygotsky sobre facetas específicas da psicologia da Gestalt

A relação de Vygotsky com a psicologia da Gestalt foi de impor-


tância crucial para o desenvolvimento de sua própria teoria e
metodologia histórico-culturais (ver capítulo 9). Sendo assim, vale a
pena estudar quais foram os aspectos específicos do trabalho dos
psicólogos da Gestalt que chamaram a atenção de Vygotsky e a
maneira como ele transformou idéias da psicologia da Gestalt em
novas idéias dentro de seu próprio quadro de referência teórico.

A primazia da organização estrutural: unidades de análise

Desde que começou a se interessar pela psicologia da Gestalt,


Vygotsky esteve atento à estrutura dos processos psicológicos. Não é de
surpreender, portanto, que ele tenha utilizado, a princípio, as posições
anti-associacionistas e antielementaristas ativamente ideológicas dos
psicólogos da Gestalt em seus próprios debates com seus oponentes.
A ênfase da Gestalt na unidade estrutural coincidia com a obra do
primeiro ano de Vygotsky sobre reações dominantes (ver capítulo 6).
Na introdução a seu primeiro (e único) trabalho empírico sobre
reações dominantes, Vygotsky utilizou o princípio da Gestalt contra o
elementarismo militante de Pavlov, ao reduzir todos os fenômenos a
reflexos e seus agregados (Vygotsky, 1926d). A idéia de Ukhtomsky
sobre “o dominante” (1924; 1927) (um aspecto secundário de um pro-
cesso fisiologicamente complexo que, em determinado momento, come-
ça a governar todo o processo) estava próxima da idéia do próprio
Vygotsky (ver capítulo 2). O holismo estrutural da psicologia da Gestalt,
que se recusava a usar qualquer idéia aditiva de agregação, também
se adequava muito bem ao pensamento intelectual de Vygotsky. Assim,
para exemplificar o problema da estrutura de comportamento, ele
polemiza contra Pavlov, apresentando uma visão integradora-holística,
e não atomística (aditiva), das ações reflexas:
Já nos experimentos do acadêmico Pavlov, os investigadores tiveram de
se defrontar com determinadas formas de comportamento em que um
reflexo entra em conflito com outro e o comportamento do animal já
não é mais determinado pela soma dos estímulos ativos e seus reflexos
correspondentes, mas por alguns fatos que emergem do choque entre
os dois reflexos. Reflexo mais reflexo acaba resultando não em dois
reflexos, mas em alguma nova forma de comportamento. É verdade que
os atos mais simples são facilmente interpretados como processos de
interação simples, quase mecânica. “Dois reflexos”, diz o acadêmico
Pavlov, “são literalmente o equivalente aos dois lados da balança”. Mas
a noção de balança já é um todo complexo e dinâmico, que se encontra
mais próximo do comportamento do que a noção de uma corrente, isto
é, de uma simples conexão mecânica (Vygotsky, 1926d, p. 102).
184 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Aqui, o interesse de Vygotsky por decifrar o “todo complexo dinâmi-


co” que está por trás dos fenômenos comportamentais cria uma ligação
direta com a abordagem da psicologia da Gestalt. Essa ênfase levou-
-o a tratar (ocasionalmente e nem sempre sucintamente) da questão
das “unidades de análise” na pesquisa psicológica (ver Valsiner, 1988,
p. 173-9). Esta preocupação com unidades pode ser encontrada já na
abordagem que Wolfgang Köhler faz de questões similares, e é refletida
no discurso sobre propriedades de átomos e moléculas em uma subs-
tância química. Sucintamente, em uma substância química complexa
(como água, H2O), os elementos constituintes (átomos) não possuem as
mesmas propriedades que a estrutura holística a que pertencem. As-
sim, usar oxigênio e hidrogênio separadamente para extinguir um in-
cêndio é impossível, mas sua síntese (água) é bem conhecida como a
principal auxiliar dos bombeiros.
O tema de uma organização holística de sistemas naturais era
um tópico difundido de discussão nas ciências naturais e na filosofia
na época de Vygotsky. O discurso intelectual russo do começo do
século XX deu ao mundo o princípio da teoria geral dos sistemas, na
forma da tektology de Bogdanov (Bogdanov, 1922). A avaliação posi-
tiva da ênfase da psicologia da Gestalt no holismo estrutural foi
ecoada em diferentes contextos (p. ex., Agol, 1928, p. 214) e ligou-
-se explicitamente às tradições da metodologia experimental de A.
Lazurskii (Luria, 1926f). O contraste entre as propriedades da estru-
tura de moléculas químicas e as de seus constituintes era freqüen-
temente mencionado nessas discussões.
Em seus escritos, Vygotsky usou várias vezes o exemplo da
molécula de água em comparação com os átomos de oxigênio e hi-
drogênio para explicar sua idéia da divisão dos processos psicológi-
cos em unidades, e não em elementos (Vygotsky, 1926d, p. 104;
1934l/1982, p. 288; 1934o/1982, p. 173; 1935m/1983, p. 248; 1960,
p. 129; e outras fontes). Esta analogia era amplamente usada em
argumentos de psicólogos da Gestalt contra perspectivas associacio-
nistas da época. O raciocínio de Vygotsky sobre a questão das uni-
dades era interessantemente sintomático: ele enfatizava de forma
veemente a necessidade de se estudar as unidades apropriadas como
Gestalts mínimas (estruturas do fenômeno que preservam a essência
do fenômeno) e recusava-se a entrar na análise da fragmentação das
unidades (ver Valsiner, 1988, capítulo 5, para uma análise mais
detalhada sobre este tópico). Era como se Vygotsky, por alguma
razão, tivesse receio de perder o fenômeno caso fossem feitos esfor-
ços para estudar sua transformação tanto durante seu desenvolvi-
mento (de estados inferiores para uma forma superior) como numa
possível decomposição desta última estrutura (movimento de uma
forma superior para uma outra forma inferior). Em outros termos,
Vygotsky insistia no princípio da síntese dialética, mas não no estudo
de seus mecanismos processuais.
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 185

É claro que o próprio desenvolvimento de Vygotsky levou-o a


ver diferentes tipos de unidades nos fenômenos em que estava in-
teressado. Se, em meados da década de 1920, a unidade seria uma
estrutura de reações unidas por um dominante, mais no final de
sua vida ele começou a ver o significado das palavras como a uni-
dade relevante de análise (Vygotsky, 1934a, p. 9). Talvez a discussão
bastante ocasional e vaga de Vygotsky sobre a “análise em unida-
des” que ressurgia em seus escritos e palestras de tempos em tem-
pos seja mais bem compreendida como um recurso retórico, ou seja,
um meio para atingir o fim de defender uma posição teórica dinâ-
mica estruturalmente orientada contra os esforços para analisá-la
em elementos. Assim fica mais claro o motivo pelo qual Vygotsky
não prosseguiu para algum estudo produtivo dessas unidades, mas
apenas enfatizou a necessidade desse estudo.

Rumo a um novo método: dos experimentos


köhlerianos ao método da dupla estimulação

O papel dos experimentos de Köhler com primatas no desenvol-


vimento da teoria histórico-cultural de Vygotsky é analisado em um
outro capítulo (ver capítulo 9). Aqui, será interessante delinear os
aspectos em que a inovação metodológica específica de Vygotsky —
chamada por ele (de uma maneira um pouco inadequada) de “mé-
todo funcional da dupla estimulação” (Vygotsky, 1929s, p. 430) —
foi baseada no trabalho de Köhler. Nos experimentos de Köhler, o
sujeito era situado em uma condição estruturada com diferentes
objetos possíveis disponíveis para serem usados a fim de atingir
uma meta, cujo acesso era bloqueado pela estrutura física do am-
biente. O sujeito podia inventar uma maneira de solucionar o proble-
ma, contornando ou superando o bloqueio da meta (por exemplo,
abordando a meta por rotas alternativas), ou fazendo uso dos obje-
tos disponíveis na dada situação para alcançar a meta (uso de ins-
trumentos). Os colaboradores de Mikhail Basov, S. Shapiro e E.
Gerke (1930), estenderam a idéia metodológica de Köhler ao estudo
de resolução de problemas em crianças, com base no conhecimento
de seu ambiente social. A criança que encontra uma situação do tipo
köhleriano traz para ela um conjunto de “roteiros” que foram estabe-
lecidos no curso da experiência social anterior, com a ajuda da fala.
Vygotsky acompanhou o trabalho realizado em Leningrado pelo grupo
de pesquisa de Basov (comparar Shapiro e Gerke, 1930, pp. 80-6 e
Vygotsky, 1931h, pp. 387-92). Ele também enriqueceu a situação expe-
rimental köhleriana, apontando que as crianças usam seu “nível de
comportamento” qualitativamente superior (em comparação com os
primatas) em tais situações, ou seja, elas fazem uso de signos (Vygotsky,
1931o/1983, p. 123). Falando metaforicamente, Vygotsky acrescentou
186 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

assim uma “quinta dimensão” à “estrutura de campo” köhleriana. Além


das três dimensões espaciais e da quarta dimensão temporal, Vygotsky
inseriu no esquema psicológico-estrutural a noção de significado (ver
Vygotsky e Luria, 1930d/1984, p. 48). O significado é gerado pelo
sujeito por meio da construção de um signo (ou do uso de um signo
previamente construído e internalizado), e pelo uso de signos na comu-
nicação (fala). O uso desse signo no sistema psicológico da pessoa,
desta forma, reorganiza toda a estrutura da situação. Neste aspecto, a
construção de significados através do uso de signos em uma situação
experimental proporciona a síntese. A pessoa reorganiza a compreen-
são da situação e age (ou pode agir) de acordo com esse novo enten-
dimento. Por outro lado, quando a abertura para o surgimento de tal
síntese não está presente, o sujeito pode ficar “preso” na situação
experimental em que o experimentador espera que ele construa o sig-
nificado proposto pelo experimento. Assim, Vygotsky afirmou que a
diferença entre tarefas de “ação prática” e “intelectuais-cognitivas” dadas
a crianças mentalmente retardadas pode revelar a acessibilidade à
resolução de problemas nas primeiras, mas não nas últimas (Vygotsky,
1929y/1983, p. 146). Vygotsky exemplificou isto com um exemplo de
um estudo de Petrova (1925) na clínica de M. Gurevich, em Moscou (o
fenômeno da “criança primitiva”, conforme era chamado na época):

Uma criança profundamente retardada em suas reações adaptativas


está sendo estudada. Ela passou por muitas instituições infantis e,
depois, foi enviada ao hospital psiquiátrico com a suspeita de patologia
psicológica. No hospital, nenhuma doença psicológica foi encontrada, e
a criança foi transferida para ser examinada na clínica de Gurevich. A
menina é uma tártara que, na primeira infância, trocou uma língua não
consolidada por outra e aprendeu a falar nesta última. Ela não teve
nenhum aprendizado de como pensar na nova língua. A menina não
estava familiarizada com a idéia de que, com base em algumas poucas
palavras, é possível tirar conclusões. O psicólogo apresentou a ela uma
série de tarefas de raciocínio, em alguns casos em uma forma prática,
em outros em uma forma verbal. Deparando com tarefas práticas, ela
dava respostas positivas. Mas ela respondia com uma total falta de
compreensão e incapacidade de raciocínio quando recebia tarefas ver-
bais. Por exemplo, diz-se à criança: “Minha tia é mais alta do que eu
e meu tio é mais alto ainda do que minha tia. O meu tio é mais alto
do que eu?” A menina responde: “Não sei. Como posso saber se o tio
é mais alto se nunca o vi?”... A criança está atrasada em seu desen-
volvimento cultural, no desenvolvimento do pensamento verbal, mas
não é mentalmente retardada [debil]... (Vygotsky, 1929y/1983, p. 147).

A tarefa verbal experimental dada a esta criança pressupõe que


a criança seja capaz de compreender a tarefa e, em seguida, solucioná-
la. Porém, a criança não tem a “base de conhecimento” para lidar
com tais tarefas de raciocínio dedutivo e recusa-se a resolver o pro-
blema. A criança, como os adultos não alfabetizados em “experimen-
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 187

tos histórico-culturais” posteriores na Ásia central (Luria, 1974),


constrói o significado de uma dada situação de uma forma diferente
da maneira como o experimentador a interpreta. Para Vygotsky, o
contraste em um mesmo sujeito entre sucesso no raciocínio prático
e falta de sucesso no raciocínio verbal era uma indicação do nível
atual de desenvolvimento intelectual do sujeito. Porém, mesmo esse
contraste por si só não satisfazia a preocupação de Vygotsky com o
estudo dos processos de desenvolvimento por meio dos quais surgem
as formas novas e superiores de funcionamento intelectual. Assim,
o papel do experimentador em sua nova metodologia não era mera-
mente chegar a um “perfil diagnóstico” das funções psicológicas
superiores e inferiores, mas promover ativamente a transição do estado
de coisas atual para o estado novo (ainda não existente). Todos os
experimentos dentro da teoria histórico-cultural (ver capítulo 9) e
referentes à formação de conceitos (ver capítulo 11) são semelhantes
neste aspecto: o sujeito é colocado em uma situação estruturada em
que há um problema (até aqui, isto segue as linhas da psicologia da
Gestalt) e recebe uma orientação ativa no sentido da construção de
um novo meio para chegar ao fim da solução do problema. Daqui
segue-se o fascínio de Vygotsky com “experimentos de ensino”, sua
crítica da incapacidade da psicologia da Gestalt para estudar o de-
senvolvimento e sua defesa constante do estudo de funções psicoló-
gicas que ainda não foram desenvolvidas mas emergirão em breve
(ver capítulo 13). Não deve ser esquecido que Vygotsky lutou em
defesa das crianças deficientes e por seu direito a uma educação
social, uma crença que ele já mantinha muito antes de chegar ao
“método da dupla estimulação” (Vygotsky, 1925c).
Para essa nova tarefa de estudo experimental do surgimento de
funções psicológicas superiores, as velhas maneiras de olhar os ex-
perimentos psicológicos precisavam ser reconsideradas. Esta inova-
ção na metodologia psicológica — o reconhecimento do papel da
construção de significado dos sujeitos humanos nas situações expe-
rimentais — surgiu em uma intersecção do desenvolvimento por
Vygotsky de sua teoria histórico-cultural: sua base experimental (ver
capítulo 9) por um lado, e seus interesses no desenvolvimento de
conceitos por outro (ver capítulo 11).

Relações dinâmicas das partes dentro do todo: Lewin

O uso que Vygotsky fez das idéias psicológicas estruturais em sua


própria teorização está de acordo com sua ênfase funcionalista. O “pa-
norama” diferenciado do movimento da Gestalt fez com que fosse possí-
vel tratar de questões psicológicas relevantes usando pontos de vista de
diferentes autores da Gestalt como meios para atingir um fim. Assim,
como Vygotsky sempre esteve interessado na unidade dinâmica de
188 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

afeto e raciocínio (ver capítulo 2), o trabalho de Kurt Lewin na década


de 1920 e início da década de 1930 foi de relevância para ele.
Uma série de questões que se refletiam no trabalho de Lewin
interessavam a Vygotsky. Primeiramente, a crítica de Lewin às pers-
pectivas estáticas tradicionais na ciência (Lewin, 1931/1982) seguia
linhas semelhantes à crítica apresentada por Vygotsky. Assim, podia-
-se dizer que a ciência precisava transcender o ponto de vista “feno-
menológico” (ênfase estática em formas existentes) para adotar a
perspectiva “genética condicional” de Lewin (Vygotsky, 1930d, pp.
112-13). Sem dúvida, o uso da terminologia de Lewin foi uma versão
modificada da máxima anterior de Blonsky: “o comportamento só
pode ser entendido como a história do comportamento”. O modo
como essa história poderia ser estudada foi revelado em maior grau
pela análise por Vygotsky das necessidades e interesses de adoles-
centes (Vygotsky, 1931h, pp. 185-95).
A ênfase de Lewin na organização holística e estrutural das
necessidades infantis (em contraste com as conexões e hábitos
associativos estabelecidos) era, claro, uma das idéias favoritas de
Vygotsky, que nunca cansou de lutar contra o reducionismo não
dialético da psicologia da época. Em seu comentário sobre a teoria
de interesses de Lewin, Vygotsky afirmou:
A atividade humana não é uma soma mecânica de capacidades não
organizadas, mas é estruturalmente capturada e organizada por esfor-
ços e interesses holísticos dinâmicos. Junto com o estabelecimento da
relação estrutural entre interesse e capacidade, a nova teoria chega
com rigor lógico a uma perspectiva totalmente nova em relação a um
velho problema de interesses inatos e adquiridos; ela coloca a questão
de maneiras que não foram examinadas antes... Interesses não são
adquiridos, mas se desenvolvem — nesta introdução da idéia de desen-
volvimento no estudo dos interesses está a palavra mais importante que
a nova teoria pronunciou sobre todo o problema dos interesses (1931h,
p. 187).

O tema favorito de Vygotsky, o desenvolvimento dinâmico de fenô-


menos de nível superior, fica evidente aqui. O núcleo da crítica de
Vygotsky a Lewin neste aspecto também está incluído aqui: o tema do
não reconhecimento de interesses superiores (historicamente desenvol-
vidos e mediados por signos) e a falta de aceitação da idéia hegeliana
de síntese dialética no trabalho de Lewin (1931h, pp. 191-3).
De qualquer forma, a ênfase de Lewin no estudo do lado dinâmico
dos processos psicológicos foi um forte aliado na busca de Vygotsky
pelo estudo da síntese dialética, e ele destacou a relevância da pers-
pectiva metodológica genética condicional de Lewin para o estudo de
fenômenos em desenvolvimento (ver Lewin, 1926a, 1931/1981). Essa
posição metodológica exigia o estudo dos processos que ocorrem (e as
condições que são necessárias) quando uma nova estrutura emerge de
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 189

uma estrutura antiga. No ambiente da psicologia das décadas de 1920


e 1930, isto representava um contraste marcante em relação à tendên-
cia de estudar os resultados (aparências fenotípicas) e de fazer atribui-
ções causais entificadas para explicar o desenvolvimento (ver Vygotsky,
1931m/1983, pp. 96-7). Todos os processos mentais humanos (in-
cluindo o uso da linguagem) visam à estabilização temporária do fluxo
de experiências, traduzindo esse fluxo em constructos estáticos (enti-
dades), daí o processo dessa tradução poder ser chamado de “entifica-
ção”; e seus produtos são atribuições, idéias e outros fenômenos estáti-
cos mentais “entificados”. Este contraste entre orientações de pesquisa
desenvolvimentistas e não-desenvolvimentistas é ainda mais nítido hoje
em dia, por isso a aliança de Vygotsky com Lewin quanto a este tópico
continua mais atual do que nunca. Da ênfase no estudo genético
condicional segue-se a impossibilidade de estudar o desenvolvimento
através de seus produtos estáticos. Nestes últimos, as condições que
forjaram sua emergência costumam ser inadvertidamente perdidas,
portanto o desenvolvimento não pode ser estudado por meio de seus
produtos. Os produtos do desenvolvimento comportamental refletem os
resultados da automatização de funções recém-desenvolvidas (“compor-
tamento fossilizado”; okamenelost’ povedenia; ver Vygotsky, 1931m/
1983, p. 99), e um estudo desses fósseis comportamentais nos produ-
tos não pode substituir o estudo prospectivo do processo de desenvolvi-
mento em si. Claro que Vygotsky aceitava o pensamento de Lewin ape-
nas com relação ao ponto de vista dinâmico e desenvolvimentista, ao passo
que criticava sua perspectiva pela falta de ênfase na síntese dialética.
Por fim, os esforços de Lewin (p. ex., Lewin, 1926a, 1926b, 1926c)
para (re)unir afeto e cognição foram relevantes para Vygotsky, que
descobriu em uma série de experimentos de Lewin um apoio para sua
própria posição:
K. Lewin demonstrou as maneiras como um estado emocional é trans-
formado em outro, e como o deslocamento de experiências emocionais
ocorre quando uma emoção não resolvida e incompleta continua a
existir, com freqüência em uma forma escondida. Ele mostrou como o
afeto entra em qualquer estrutura com a qual esteja conectado. A
principal idéia de Lewin é que não é possível encontrar reações emo-
cionais afetivas em um estado isolado (como elementos da vida psíqui-
ca que apenas posteriormente associam-se a outros elementos). A reação
emocional é um resultado distintivo da dada estrutura do processo
psíquico. Lewin mostrou que as reações emocionais desencadeantes
podem emergir em atividades esportivas tanto em movimentos exter-
nos como em atividade mental (p. ex., o jogo de xadrez). Ele demons-
trou que, nestes casos, diferentes conteúdos emergem em coordenação
com diferentes reações, mas o lugar estrutural dos processos emocio-
nais continua sendo o mesmo (Vygotsky, 1932i/1982, pp. 433-4).

Vygotsky mostrava-se particularmente entusiasmado com os ex-


perimentos de Lewin em que os sujeitos eram colocados em um
190 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

ambiente sem sentido e deixados em estado de espera. Em tais


ambientes, observou-se que eles acumulavam uma “potência” emo-
ciogênica que levava à reorganização cognitiva da situação subjetiva
por meio da construção de algum significado subjetivo para ela.
Observou-se também que os sujeitos inventavam planos de ação em
tais situações emociogênicas, que, subseqüentemente, seriam coloca-
dos em funcionamento de uma maneira automática (Vygotsky, 1932i/
1983, pp. 461-3). Esta ligação entre estresse emocional e reconstru-
ção cognitiva do significado da situação, e também com a construção
do plano de ação, estava de acordo com a teorização histórico-cultu-
ral de Vygotsky em 1930 a 1932. Nos experimentos de Lewin, ele
pôde ver a unificação de processos afetivos (o aumento da agitação
emocional) com a cognição (construção de novos significados) e a
ação (desenvolvimento de planos de ação mental que controlam a
ação subseqüente). A aceitação do trabalho de Lewin estava intima-
mente ligada no pensamento de Vygotsky a seu constante interesse
pela filosofia de Spinoza (Vygotsky, 1932i/1983, p. 387; p. ex., a
ligação íntima entre os experimentos de Zeigarnik e as idéias de
Spinoza; também em Vygotsky, 1935m/1983, p. 249).
A perspectiva teórica de campo de Lewin também agradava a
Vygotsky, por causa de sua ênfase na unidade da fenomenologia psi-
cológica com a estrutura do ambiente (subjetivamente temperado) em
que a pessoa é envolvida. A idéia de Aufforderungscharakter de Lewin
(Lewin, 1926a, 1926b) foi ativamente usada por Vygotsky (1932p/
1984, p. 341) e, em suas palestras, ele falou do famoso filme de Lewin
que mostrava uma criança tentando sentar-se em uma pedra.
No entanto, Vygotsky expressou claramente suas discordâncias
com o sistema teórico de Lewin; essas discordâncias centravam-se
na questão de como os seres humanos controlam suas ações por
meio de processos psicológicos. A resposta de Vygotsky a essa ques-
tão era clara: agindo sobre o mundo e controlando seus estímulos
(o processo de mediação), uma pessoa controla suas próprias ações.
O papel dos signos nesse processo foi de importância central para
Vygotsky nessa época (Vygotsky, 1931m/1983, p. 120).
Vygotsky também considerava o pensamento de Lewin compatível
com o seu na área do entendimento do retardo mental, particularmen-
te o esforço de Lewin para encontrar as raízes do retardo mental nos
processos afetivos-volitivos e não nos processos cognitivos (ver Vygotsky,
1935m/1983, pp. 234-6; ver também capítulo 4). Mas, também neste
caso, Lewin é criticado por sua relação “antidialética” entre o afeto e a
cognição (Vygotsky, 1935m/1983, p. 242-3). Além disso, Vygotsky via
uma falta de ênfase no desenvolvimento na análise de Lewin sobre o
complexo cognitivo/afetivo na criança mentalmente retardada:
Ele [Lewin] não conhece a regra dialética de que, no curso do desen-
volvimento, a causa e a conseqüência trocam de lugar; de que funções
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 191

psicológicas superiores que tenham emergido com base em certas con-


dições dinâmicas têm uma influência de realimentação sobre os proces-
sos que as geraram, de que, no desenvolvimento, os [processos] inferio-
res são substituídos pelos superiores; de que, no desenvolvimento, as
funções psicológicas mudam por si só, mas, antes de tudo, são muda-
das as ligações interfuncionais, relações entre diferentes processos (em
particular entre intelecto e afeto). Lewin vê o afeto fora do desenvolvi-
mento e sem ligações com o resto da vida psíquica. Ele defende que o
papel do afeto na vida psíquica permanece inalterado e constante no
curso de todo o desenvolvimento e assim, conseqüentemente, a relação
entre intelecto e afeto permanece constante (Vygotsky, 1935m/1983,
pp. 244-5).

Assim, uma vez mais, a crítica de Vygotsky à psicologia da Gestalt


concentrou-se nas questões do desenvolvimento como emergência de
características qualitativamente novas. De todos os psicólogos da Gestalt
entre os contemporâneos de Vygotsky, foi Kurt Koffka quem procurou
mais explicitamente lidar com as questões do desenvolvimento.

Processos em desenvolvimento: Vygotsky sobre Koffka

Foi o trabalho de Koffka na década de 1920 que serviu como


uma introdução à psicologia para Vygotsky (veja acima). Primeira-
mente, foi relevante para Vygotsky que Koffka tenha enfatizado a
natureza estrutural da aprendizagem e do desenvolvimento (Vygotsky,
1930d, p. 105). Além disso, a aceitação por Koffka da inclusão de
palavras na estrutura de um ambiente experimental — em conjun-
ção com os instrumentos — foi uma idéia importante do ponto de
vista de Vygotsky (1930d, p. 111). Porém, como ele próprio havia
previsto em 1926, a relação com o trabalho de Koffka em particular
e com a psicologia da Gestalt em geral teve seus limites para Vygotsky.
Ele tornou-se um crítico da pressuposição axiomática do equilíbrio
inerente na psicologia da Gestalt em geral e em Koffka e Wertheimer
em particular. “[A psicologia da Gestalt considera] típico para qual-
quer movimento, para qualquer mudança da estrutura física, que
ela se move de um estado de repouso por meio da violação do
equilíbrio para um outro estado de repouso. Daí segue-se que a
estrutura psíquica é vista em primeiro lugar como algo que perma-
nece em um estado de equilíbrio” (Vygotsky, 1932e/1960, p. 477).
Em seu longo prefácio à tradução russa de Die Grundlagen der
psychischen Entwicklung, de Koffka, Vygotsky apresentou o que talvez
seja a mais direta e sistemática análise crítica da psicologia da Gestalt
disponível em sua obra (Vygotsky, 1934k/1982). Vygotsky examina
primeiro o esforço de Koffka para aplicar o princípio da estrutura aos
fenômenos do desenvolvimento. Em contraste, Vygotsky aplicaria o
princípio do desenvolvimento aos fenômenos que a psicologia da
192 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

Gestalt caracterizava por meio da explicação estrutural (e com isso


Vygotsky concordava sem hesitação). A estrutura do processo de
desenvolvimento inclui o contato relevante entre ensino e aprendiza-
do (obuchenie), mas como as primeiras ações novas no organismo em
desenvolvimento aparecem (Vygotsky, 1924l/1982, p. 242)? A res-
posta de Koffka a essa pergunta — uma explicação pela referência à
formação de novas estruturas — não satisfez Vygotsky, de vez que
não diferenciava os processos psicológicos inferiores e superiores
(1934l/1982, p. 246). Esta, evidentemente, era uma crítica que, uma
vez mais, originava-se na perspectiva dialética do desenvolvimento;
por não reconhecer os pulos qualitativos nos processos de desenvol-
vimento (tanto ontogênicos como filogênicos), Koffka estaria esten-
dendo excessivamente os princípios estruturalistas a fenômenos que
Vygotsky considerava qualitativamente diferentes uns dos outros.
Vygotsky critica Koffka particularmente (seguindo a linha de sua
própria ênfase no significado) por este não reconhecer a relevância
da atividade semiótica como uma característica humana qualitativa-
mente diferente (1934l/1982, pp. 272-5). Esta crítica permanece
bastante válida, especialmente porque agora conhecemos a íntima
continuidade entre o trabalho de Koffka e a teorização dos Gibsons
e seus seguidores. O exemplo de Vygotsky sobre como diferentes
pessoas com bases de conhecimento diversas vêem o mesmo objeto
exemplifica bem isso:
Vamos comparar como um tabuleiro de xadrez (com peças de xadrez
sobre ele) é percebido por diferentes pessoas: uma pessoa que não sabe
jogar xadrez; uma pessoa que começou a aprender o jogo; um jogador
de nível médio; e um jogador excelente de xadrez. Certamente se pode
dizer que cada uma das quatro pessoas vê o tabuleiro de xadrez de
forma diferente. A que não sabe jogar xadrez percebe a estrutura das
peças pela perspectiva de suas características externas. O significado
das peças e sua posição no tabuleiro ficam de todo fora de sua pers-
pectiva. Esse mesmo tabuleiro de xadrez oferece uma estrutura diferen-
te para a pessoa que conhece o significado das peças e os movimentos.
Para esta pessoa, algumas partes do tabuleiro ficam em segundo plano
e outras tornam-se o ponto central. Será diferente ainda a maneira
como o jogador de nível médio e o jogador excelente vêem o tabuleiro.
Algo parecido acontece no desenvolvimento da percepção da criança. O
significado leva ao surgimento de um quadro significativo do mundo...
(Vygotsky, 1934l/1982, pp. 277-8).

Portanto, enquanto os animais têm apenas percepção do mundo,


seres humanos formam um quadro significativo. Esta idéia, que Vigotsky
toma de empréstimo a Gelb (1934l/1982, p. 280), reflete sua crítica
central ao reducionismo estruturalista da psicologia da Gestalt. Vygotsky
ressaltou que a perspectiva estruturalista de Koffka não possibilita o
surgimento de novas formas. Sua análise do entendimento de Koffka
sobre o desenvolvimento serviu em grande medida como um meio para
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 193

alcançar o fim da elaboração das idéias da zona de desenvolvimento


proximal (ver capítulo 13). A saber, Vygotsky aponta a similaridade entre
a visão de desenvolvimento de Koffka e a de Thorndike (o processo
ensino-aprendizagem = desenvolvimento; 1934l/1982, pp. 285-6), ao
mesmo tempo que reduz a complexidade desse processo a diferentes
unidades (habilidades elementares versus estruturas). Em uma passa-
gem retrospectiva perspicaz, Vygotsky fez um resumo da estrada que
a psicologia da Gestalt havia percorrido. Caracterizando a perspectiva
de Koffka sobre o desenvolvimento, ele observou que a visão estrutu-
ralista de Koffka assemelhava-se a um “mosaico” de estruturas que se
desenvolviam em paralelo e tornavam-se associadas umas às outras:
A princípio, existem estruturas moleculares individuais, separadas e
independentes umas das outras. Seu desenvolvimento envolve a mu-
dança das medidas e tamanho dessas estruturas. Assim, uma vez mais
no início do desenvolvimento há um caos de moléculas não organiza-
das, do qual, por meio de unificação, emerge uma orientação holística
da realidade (Vygotsky, 1934l/1982, p. 288).

Esta descrição do desenvolvimento não diferia da de Thorndike


apenas quanto ao tamanho das unidades envolvidas (em vez de ações
elementares, Koffka vê estruturas). Assim, a psicologia da Gestalt
substituía o desenvolvimento visto como uma formação de associa-
ção entre elementos por uma formação de associação entre estrutu-
ras e, desta forma, não superava a dificuldade básica da visão de
mundo associacionista. A incapacidade de Koffka de explicar o de-
senvolvimento era considerada por Vygotsky como um indicador do
impasse teórico da psicologia da Gestalt como um todo.

Sistemas funcionais: o desenvolvimento e colapso da


organização estrutural dos processos psicológicos

No final da década de 1920 e, particularmente, no início da déca-


da de 1930, Vygotsky desenvolveu um interesse pelos princípios do
funcionamento do cérebro humano, interesse despertado possivelmen-
te por ele ter começado alguma forma de estudos médicos mais ou
menos por essa época (ver capítulo 1). A continuidade da linha de
raciocínio é bastante clara: o dominante na estrutura de reações é um
fenômeno sistêmico e, portanto, é qualquer fenômeno neurofísico no
cérebro humano. No cérebro, a organização funcional do dominante
pode ser encontrada nas conexões entre diferentes partes do cérebro
de uma maneira semelhante ao rastreamento da organização sistêmica
de processos psicológicos superiores e inferiores na estrutura psicoló-
gica holística de um indivíduo. Daí o interesse de Vygotsky pelos sis-
temas funcionais (cuja denominação reflete sua ênfase na natureza
dinâmica e instrumental dessas unidades estruturadas):
194 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

No processo do desenvolvimento psíquico de uma criança... não ocor-


rem apenas a reorganização e aperfeiçoamento internos de funções
separadas, mas também uma modificação qualitativa das ligações e
relações interfuncionais. Como resultado, surgem novos sistemas psi-
cológicos que unem em coordenação complexa uma série de funções
elementares. Para essas unidades de um tipo superior, que passam a
substituir funções elementares homogêneas, sugerimos o nome de fun-
ções psíquicas superiores (Vygotsky e Luria, 1930d/1984, p. 81).

Os sistema funcionais no cérebro, que a perspectiva holística de


Kurt Goldstein havia esquematizado em sua neurologia, proporcio-
naram a Vygotsky um bom material para reflexão. Em contraste
com seus esforços anteriores (experimentais) para estudar o domi-
nante em reações, o estudo da organização funcional holística do
cérebro levou Vygotsky a usar materiais de casos neurológicos (e
psiquiátricos) que haviam sido coletados na literatura científica.
A pesquisa sobre o cérebro humano e seu funcionamento é uma
área curiosa de estudo, pois em nenhum outro campo que envolva
sujeitos humanos é a pesquisa tão dependente dos avanços e do uso
da tecnologia, tanto militar como científica. O interesse de Vygotsky no
funcionamento do cérebro beneficiou-se de facto com os resultados da
Primeira Guerra Mundial, que chamou a atenção de cientistas médicos
e comportamentais para a questão de danos cerebrais e suas compen-
sações. É claro que a fenomenologia empírica, por si só, é cega para
o novo entendimento dos princípios gerais do funcionamento cerebral.
Felizmente, alguns dos pesquisadores que estavam trabalhando com
pacientes feridos de guerra baseavam sua pesquisa em uma visão de
mundo estruturalista (Goldstein e Gelb, 1920; Gelb e Goldstein, 1925).
Informações sobre casos de neuropsicologia possibilitaram que
Vygotsky encontrasse evidências para corroborar suas idéias. Como
exemplo, o citado de Goldstein de um paciente encefalítico cuja per-
turbação havia bloqueado a capacidade de seguir instruções abstra-
tas (por exemplo, “feche os olhos”; o paciente não conseguia fazer
isso), mas que podia executar essa ação quando ela era colocada em
um contexto (por exemplo, “mostre como você dorme”; Vygotsky,
1932i/1982, pp. 463-4). De maneira semelhante, os efeitos de danos
cerebrais no colapso da cognição categórica (Gelb e Goldstein, 1925)
corroboraram as idéias de Vygotsky sobre o papel de conceitos na
organização e reorganização dos processos psicológicos de uma pes-
soa (p. ex., Vygotsky, 1931h, pp. 408ss.; 1934h, p. 1072). Ele afir-
mava explicitamente que casos de afasia de cores de nomes demons-
tram um rebaixamento do raciocínio da pessoa do nível de processos
superiores (capacidade de raciocinar por meio de conceitos) para o
nível inferior do raciocínio nos complexos (Vygotsky, 1931h, p. 412).
A questão da regressão leva-nos a um tópico complicado no pen-
samento de Vygotsky, onde podem ser encontradas inconsistências.
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 195

Por um lado, Vygotsky ocasionalmente parecia usar “regressão” em


termos de seu significado comum (especialmente quando se referia ao
trabalho de outros autores), ou seja, retorno a um nível anterior em
uma hierarquia de níveis ou estágios. Ao mesmo tempo, este uso do
termo seria contraditório com sua perspectiva dialética orientada para
a síntese. Se Vygotsky enfatizava a reestruturação dialética de organis-
mos na fase progressiva de desenvolvimento, então deveria-se aceitar
que estivesse ocorrendo uma reestruturação qualitativamente nova
semelhante nas fases regressivas do processo. Em outras palavras, se
a idéia de Vygotsky de síntese dialética do desenvolvimento for seguida
com rigor, não é possível para nenhum organismo regredir a um está-
gio/estado de desenvolvimento anterior. O organismo pode sofrer uma
transformação de um estado ou estágio superior para um inferior, mas
isto não constituiria uma retomada de um caminho já anteriormente
percorrido no desenvolvimento. Vygotsky não se expressou com clareza
quanto a esta questão (ver também Kozulin, 1990b), mas podemos
ressaltar algumas de suas idéias que são coerentes com esta interpre-
tação mais rigorosa de regressão.
O interesse de Vygotsky pela colapso das funções psicológicas
tomou duas direções paralelas no início da década de 1930: a psi-
quiátrica e a neuropsicológica. No domínio psiquiátrico, ele se inte-
ressou pelo colapso das funções psicológicas superiores em adultos
esquizofrênicos (Vygotsky, 1932b/1956; ver também a tradução para
o inglês ligeiramente modificada em Vygotsky, 1934h). Este interesse
estava claramente coordenado em sua mente ao interesse ontogênico
desenvolvimentista na passagem do pensamento por complexos para
o pensamento em conceitos na adolescência. Enquanto o adolescente
passa do uso de complexos para o uso de conceitos, o paciente
esquizofrênico apresenta um movimento para baixo, do raciocínio
baseado em conceitos para o raciocínio baseado em complexos (que,
nesse movimento para baixo, às vezes são mascarados como
“pseudoconceitos”: palavras que parecem conceitos, mas podem ser
demonstradas como sendo meras coberturas para complexos). O
processo esquizofrênico, de acordo com Vygotsky, começa pelas al-
terações ocultas no significado das palavras (Vygotsky, 1932b/1956,
p. 486), seguido pelo desenvolvimento para baixo do pensamento,
com a ajuda de pseudoconceitos. A queda do pensamento conceitual
é caracterizada por desacoplamento (rascheplenie), decomposição
(raspad) e destruição das funções psicológicas superiores. Estes três
sintomas usados para descrever a transformação para baixo são
contrastados com crescimento (rost), desenvolvimento e construção
de níveis superiores na ontogenia (Vygotsky, 1932b/1956, p. 482).
Em uma palestra realizada um mês e meio antes de sua morte
(em 28 de abril de 1934) no Instituto de Medicina Experimental de
Moscou, Vygotsky tratou diretamente da questão do desenvolvimen-
196 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

to e decomposição de funções psicológicas superiores (Vygotsky,


1934j/1960). Primeiramente, ele (re)enfatizou a construção de estru-
turas psicológicas qualitativamente novas em ontogenia, sob condi-
ções de interações sociais (“desenvolvimento de interação e genera-
lização andam lado a lado”; 1934j/1960, p. 373). O problema de
situar no cérebro as diferentes funções psicológicas em desenvolvi-
mento e em decomposição começaram a dominar Vygotsky neste
(seu último) texto. Porém, em vez de analisar explicitamente como
funções cerebrais superiores se decompõem, ele reiterou a necessi-
dade de analisar a organização estrutural dos processos superiores.
No trabalho conjunto sobre descrição de casos empíricos de colapso
psicológico em pacientes com Pick e Alzheimer (Samukhin, Birenbaum
e Vygotsky, 1934), os dados clínicos sobre o colapso foram explica-
dos com referência à consideração da demência como uma reorga-
nização estrutural, de acordo com os princípios psicológicos gerais.
Em um texto preparado para uma apresentação (feita por uma
outra pessoa em junho de 1934) no Primeiro Congresso Ucraniano de
Neuropatologia e Psiquiatria, que se realizou em Kharkov, Vygotsky
tratou da localização de funções psicológicas no cérebro (Vygotsky,
1934o/1982; ver também Vygotsky, 1965). Nesse texto, Vygotsky reco-
nhecia claramente as diferenças entre o desenvolvimento das relações
cérebro <—> funções psíquicas em crianças com defeitos cerebrais e
em adultos com danos cerebrais (Vygotsky, 1934o/1982, p. 172). Não
há uma maneira única de ligação entre as funções psicológicas e o
funcionamento de diferentes partes do cérebro em crianças e adultos:
danos cerebrais semelhantes (de crianças e adultos) podem produzir
sintomas muito diferentes nas esferas psicológicas, ao passo que qua-
dros sintomáticos diferentes podem refletir um dano cerebral funda-
mental semelhante. Vygotsky, é claro, usou isto como um forte argu-
mento contra os esforços voltados para a simples atribuição de funções
psicológicas (como entidades elementares) a diferentes partes do cére-
bro (ele alertou os ouvintes para que não se esquecessem de que essas
diferentes partes estão sistematicamente ligadas). Ele defendeu a exis-
tência de efeitos quantitativos diferenciais de danos cerebrais em dife-
rentes centros do cérebro na forma de uma lei geral: para crianças com
danos cerebrais, o centro cerebral superior mais próximo (em relação
à parte danificada do cérebro) é mais afetado pelo dano no sentido
funcional do que os centros cerebrais localizados em posição inferior à
da área danificada. Em contraste, os efeitos de danos cerebrais em
adultos levaria ao efeito inverso: o(s) centro(s) mais baixo(s) (em relação
à área danificada) são mais afetados pelo dano do que o centro superior
mais próximo (1934o/1982, p. 173). É interessante que, aqui, Vygotsky
tenha trabalhado apenas com relações ordinais quantificadas (mais
efeitos funcionais em X do que em Y) e não tenha tentado aplicar seu
onipresente esquema dialético. É claro que, por trás desta lei quanti-
tativa geral, sua ênfase na emergência e nova qualidade de funções
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 197

psicológicas superiores é discernível. No desenvolvimento de crianças


com danos cerebrais, o dano bloqueia o surgimento de novas funções
em centros superiores, ao mesmo tempo que força os centros inferiores
a desenvolver funções de compensação (isto é, os centros superiores
são mais danificados do que os inferiores). Quando o cérebro de uma
pessoa é danificado em seu estado adulto (o que significa que os cen-
tros superiores já passaram a funcionar de maneiras novas e geral-
mente controladoras sobre os centros inferiores), os centros imediata-
mente inferiores (aqueles que são controlados pela área danificada) são
mais prejudicados do que os centros (superiores) relativamente mais
flexíveis, que podem desenvolver compensações ligando-se a outras
ligações neurais centrífugas (não danificadas).
Vygotsky não especificou os aspectos específicos do colapso
estrutural-funcional das funções cerebrais. Em vez disso, chamou a
atenção para a necessidade do estudo de relações interfuncionais,
deixando aberto a debates o que isto implicava (algo que fosse dife-
rente de um princípio geral de Gestalts dinâmicas de ativação cere-
bral) e como os cientistas do cérebro poderiam prosseguir com este
estudo. O trabalho subseqüente de Luria ao longo dessa linha de
raciocínio elaborou um pouco mais nessa direção, e o relato de Luria
sobre o papel de Vygotsky na formulação de uma série de experimen-
tos clínicos (ver Luria, 1982, capítulo 7) mostra como a questão dos
defeitos cerebrais era tratada dentro de um ponto de vista do desen-
volvimento. De fato, muitas das idéias de reabilitação para pacientes
com danos cerebrais que foram postas em prática por Luria nas
décadas seguintes têm sua origem nas concepções de Vygotsky sobre
o método da dupla estimulação aplicadas aos processos de reapren-
dizagem em pacientes neurologicamente disfuncionais.

Kurt Goldstein e as raízes das idéias de Vygotsky sobre a fala interior

Uma das teorias pelas quais Vygotsky ficou famoso é seu tra-
tamento da “fala interior”, suas funções no pensamento e suas ori-
gens sociais, colocando essas funções em contraste com a noção de
“fala egocêntrica” de Piaget (Vygotsky, 1934a, capítulo 7). A questão
da fala interior remonta à filosofia da linguagem de Wilhelm von
Humboldt (ver também capítulo 15) e foi bastante discutida por uma
série de neurologistas alemães interessados na fala (Wernicke, Storch)
na virada do século. O tratamento dado por Vygotsky à questão da
fala interior como uma forma transformada especial da fala exterior
seguiu a tradição de Kurt Goldstein (1933) ao ver paralelos entre o
colapso da fala interior em pacientes afásicos e o desenvolvimento
da fala em crianças. Goldstein, um neurologista, proporcionou evi-
dências relevantes do colapso de funções superiores (na afasia),
porém a relação que ele fez entre os casos neurológicos e o desenvol-
198 OS PRIMEIROS ANOS EM MOSCOU

vimento da fala interior em crianças permaneceu não-empírica.


Vygotsky segue explicitamente Goldstein em sua concepção da fala
interior: “Em essência, se formos coerentes e adotarmos o ponto de
vista de Goldstein até o fim, devemos concordar que a fala interior
não é fala de fato, mas uma atividade de pensamento e afetivo-
-volitiva, uma vez que inclui em si própria motivos da fala e o
pensamento expresso em palavras” (Vygotsky, 1934a, p. 278).
Vygotsky desenvolveu sua teoria para além da perspectiva de
Goldstein, enriquecendo-a com a noção da transformação dialética
da fala quando ela é transformada da forma exterior para a interior.
Esta transformação é, evidentemente, organizada socialmente (a idéia
de internalização que Vygotsky adotou de Janet; ver Van der Veer e
Valsiner, 1988). A semelhança entre a elaboração da questão da fala
interior por Vygotsky e por Goldstein pode ser observada também no
fascínio deste último (ver Goldstein, 1948, pp. 94-8; ver também
capítulo 11) pelas idéias de Vygotsky (depois de tomar conhecimento
delas através da publicação em língua inglesa do capítulo 7 de
Myshlenie i rech; Vygotsky, 1939).

Conclusões: as oposições dialéticas de Vygotsky com a


psicologia da Gestalt

Neste capítulo, demonstramos a proximidade intelectual entre


os psicólogos da Gestalt e Vygotsky. Não é de surpreender que os
esforços dos psicólogos da Gestalt para defender a organização es-
trutural dos fenômenos estivesse próxima da convicção anti-redu-
cionista de Vygotsky. Vygotsky usou amplamente o trabalho de vários
de seus colegas da Gestalt (Köhler, Koffka, Lewin, Goldstein), ao
mesmo tempo, porém, que os criticava por sua posição não-dialética
(não-desenvolvimentista). Em seu empenho para unir o princípio da
Gestalt e o princípio do desenvolvimento, Vygotsky fez com que ou-
tros se dessem conta da existência de uma direção possível de pen-
samento teórico, que ainda se encontra em grande medida inexplorada
na psicologia contemporânea — apesar da moda que se criou de
mencionar o nome de Vygotsky em muitas das publicações atuais.
A ênfase de Vygotsky na dinâmica estrutural dos fenômenos
psicológicos avançou além da perspectiva de Lewin e atingiu o do-
mínio já conhecido da “síntese qualitativa”. Ele deveu ao movimento
da Gestalt sua metodologia experimental e seu tratamento das uni-
dades de análise. Suas idéias sobre aprendizagem formaram-se
durante um diálogo com Koffka e, por fim, a questão teórica pela
qual ele viria subseqüentemente a se tornar famoso — a teoria da
fala interior — foi uma elaboração baseada em pensamentos seme-
lhantes de Goldstein, alinhados com a tradição alemã de uma filo-
sofia da linguagem, de Wilhelm von Humboldt em diante. O princí-
VYGOTSKY E A PSICOLOGIA DA GESTALT 199

pio da estrutura tornou-se o da transformação dialética e integração


hierárquica de estruturas no pensamento de Vygotsky, e a questão
tradicional da regressão adquiriu novas características nesse con-
texto. Porém, Vygotsky nunca especificou as estruturas dialetica-
mente transformáveis com nenhum detalhe concreto, e ainda esta-
mos tão longe quanto antes da realização de um trabalho metodo-
lógico adequado e elaborado que traga o estruturalismo de Vygotsky
para o conjunto de instrumentos dos psicólogos atuais.
200
201

PARTE II

A TEORIA HISTÓRICO-
CULTURAL
1928-1932
Introdução

A carreira científica de Vygotsky chegou a um ápice no final da


década de 1920 e no começo da década de 1930. Ele estava lecionando
pedologia e psicologia em uma série de institutos e fazendo trabalhos
editoriais para várias editoras. Como membro das mesas editoriais de
Psikhologija, Pedologija, Pediatrija e Psikhotekhnika i Psikhofiziologija
Truda, revisou inúmeros manuscritos. Além disso, de 1931 em diante,
foi presidente da organização coletiva de VARNITSO1 do Instituto Peda-
gógico Estadual Bubnov, em Moscou. Por fim, trabalhou como depu-
tado na seção de educação popular do Frunze Soviético (Frunze era um
dos distritos de Moscou) depois de ter sido eleito pelos estudantes
proletários (Kolbanovsky, 1934c, p. 394). Em vista de todas essas
ocupações, é notável que Vygotsky tenha conseguido conduzir traba-
lhos científicos criativos nesses anos, mas o fato é que eles estiveram
entre os mais produtivos de sua vida.
Por volta de 1928, Vygotsky começou a desenvolver os esboços de
sua teoria histórico-cultural (ver capítulo 9). Seu pensamento, agora,
havia adquirido um caráter diferente e mais original, embora perma-
necesse bastante ligado às teorias de pensadores europeus proeminen-
tes da época. Sem dúvida, vários conceitos essenciais foram empres-
tados da escola da Gestalt dentro da psicologia (ver capítulo 8) e, no
capítulo 11, será visto que a pesquisa de formação de conceitos de
Vygotsky desenvolveu-se em diálogo com o trabalho de Ach e Piaget.
Costuma-se considerar que a teoria histórico-cultural tenha sido
a realização da troika formada por Vygotsky, Leontiev e Luria. Devemos
ser cautelosos neste ponto para não projetar nossas avaliações atuais
da teoria histórico-cultural, de seus autores e de seu valor na tela da
vida cultural e científica confusa e diversa da época. Historicamente
falando, a princípio não havia nenhuma troika. Existiam grandes dife-
renças de opinião e atitude entre Vygotsky e Luria e, a partir de 1924,
levou quatro ou cinco anos até que eles realmente começassem a
trabalhar em cooperação e co-autoria de uma maneira produtiva. Como

1. Estas letras significam Vsesojuznaja Associacija Rabotnikov Nauki i Tekhniki


dlja Sodejstvija Socialisticheskomu Stroitelstvu v SSSR (Associação Sindical de
Trabalhadores da Ciência e Técnica para a Promoção da Edificação Socialista
na URSS).
204 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

ficou claro no capítulo 4, até 1930 Luria foi profundamente influencia-


do pela teoria freudiana — uma teoria que foi avaliada por Vygotsky de
modo muito mais crítico. Em geral, pode ser dito que Vygotsky e Luria
eram pensadores muito diferentes — fato este que é bastante evidente
também no pequeno número de publicações que eles escreveram em
co-autoria. Luria representava o cientista típico, que expunha suas
idéias de forma clara e didática, fazendo referência fiel e meticulosa a
suas fontes, enquanto Vygotsky era o humanista brilhante que sugeria
mudanças radicais em várias áreas e que, tipicamente, não fazia refe-
rência a suas fontes ou o fazia com suprema despreocupação. Portan-
to, embora tenha levado algum tempo para que Luria decidisse juntar
forças com Vygotsky (ver capítulo 1), levou mais tempo ainda para que
Leontiev resolvesse entrar para o grupo. Além disso, o papel deste
último viria a ser bem mais modesto. Embora tenha feito um bom
trabalho no campo da confirmação experimental das idéias vygotskyanas
(ver, por exemplo, a descrição de sua pesquisa sobre memória no
capítulo 9), ele nunca escreveu nenhum livro ou artigo em colaboração
com Vygotsky e não apareceu muito como co-fundador da teoria his-
tórico-cultural na época. De fato, quando os críticos atacaram as idéias
básicas da teoria histórico-cultural nas décadas de 1920 e 1930, sem-
pre falavam da teoria desenvolvida por Vygotsky e Luria (capítulo 16),
sem mencionar Leontiev. A idéia dos três mosqueteiros heróicos e
inseparáveis lutando contra a psicologia tradicional é, portanto, uma
reconstrução romântica promovida por Leontiev e Luria. Como vere-
mos, o mito da troika serviu à função de obscurecer as diferenças de
opinião e os conflitos pessoais bastante reais que viriam a se desenvol-
ver entre Vygotsky e Leontiev (e, em certo grau, com Luria) em um
estágio posterior (ver introdução à parte III).
Também é uma distorção considerar que a teoria histórico-cultu-
ral tenha sido uma das mais proeminentes teorias da época, ou que
Vygotsky — e muito menos Luria e Leontiev — fosse considerado um
psicólogo de destaque por seus contemporâneos. Muitos outros psicó-
logos, alguns deles totalmente esquecidos agora, eram mais famosos
na época e considerados mais eminentes do que o fundador da teoria
histórico-cultural. Estes incluíam Basov, Zalkind, Kornilov, Blonsky e
outros (ver, por exemplo, capítulo 12). Além disso, a teoria histórico-
cultural como tal não foi aceita por muitos cientistas quando começou
a ser desenvolvida e enfrentou críticas desde o princípio. Na verdade,
a crescente oposição (ideológica) provocou uma situação em que Vygotsky
acabou ficando com muito poucos colegas simpáticos à sua teoria e
teve que contar em grande escala com o trabalho feito por um pequeno
círculo de jovens alunos devotados.
A maior parte dos experimentos que forneceram evidências
empíricas para a teoria histórico-cultural foi executada na Academia de
Educação Comunista, de vez que uma cadeira e um laboratório espe-
INTRODUÇÃO 205

ciais de psicologia haviam sido criados nesse local em 1928. Luria


tornou-se o chefe da cadeira de psicologia, enquanto Vygotsky era o
chefe do Laboratório Psicológico. Durante o período em que Vygotsky
estava desenvolvendo a teoria histórico-cultural, sua atividade como
professor foi se concentrando aos poucos na pedologia (ver capítulo
12). O resultado dessa atividade discente foi uma série de manuais
sobre pedologia (Vygotsky, 1928t, 1929n, 1929p, 1930p, 1931h).

A origem da Academia de Kharkov

Quando o Laboratório Psicológico da Academia de Educação


Comunista foi fechado, em 1932, Vygotsky e seus colaboradores
perderam um importante lugar de encontro, onde planejavam e exe-
cutavam experimentos, realizavam conferências internas etc. Na at-
mosfera intelectual cada vez mais intolerante de Moscou, a fundação
da Academia Psiconeurológica Ucraniana em Kharkov, em 1930, foi
um evento dos mais bem-vindos. Os fundadores da Academia em
Kharkov convidaram pesquisadores de todo o país para trabalhar lá.
Entre estes estavam o psiquiatra Judin, de Kazan’, o neurologista
Sukhareva, de Moscou, e Vygotsky, Luria, Leontiev, Zaporozhec e
Boshovic. Esta, portanto, parecia uma oportunidade de realizar os
trabalhos experimentais necessários para dar suporte à teoria histó-
rico-cultural. Uma vez mais, porém, foi muito difícil encontrar aco-
modações. A Academia Ucraniana podia arrumar apenas um quarto
em um apartamento comunitário para cada cientista e sua família.
Vygotsky preferiu ficar em Moscou, enquanto Luria e Leontiev come-
çaram a passar vinte dias por mês em Kharkov e o resto do mês com
a família, em Moscou.
Foi em Kharkov que a escola histórico-cultural começou a se
desintegrar. Primeiramente, a concepção de pedologia de Vygotsky
enfrentou resistência de pessoas como Gal’perin desde o início.
Vygotsky concebia a pedologia como uma ciência abrangente da
criança, sintetizando as descobertas da fisiologia, defectologia, psico-
logia e pedagogia em torno dos conceitos essenciais de desenvolvi-
mento e períodos etários. Gal’perin (ver Haenen, 1989, pp. 13-14)
havia afirmado que se opunha a essa idéia, argumentando que o
progresso na ciência é feito através da especialização e não da com-
binação de vários ramos do conhecimento. O perigo fundamental
para o pedólogo, dizia ele, era que não se podia ser um especialista
em todos esses campos. Como resultado de tais argumentações, a
nova associação científica permaneceu distante da pedologia e das
dificuldades ideológicas cada vez maiores que ela envolvia. Segundo,
Leontiev começou aos poucos a desenvolver sua abordagem de ação,
que estava em contradição fundamental com várias das idéias mais
caras a Vygotsky (ver introdução à parte III).
206 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

As diferenças de opinião que se seguiram não resultaram ime-


diatamente em conflitos. Durante algum tempo, Vygotsky viajou
regularmente para Kharkov, fazendo palestras na Academia e pres-
tando exames de nível universitário no Instituto Médico. Porém, foi
transferindo gradualmente suas principais atividades para Lenin-
grado e começou a colaborar com um novo grupo científico no Ins-
tituto de Educação Herzen. A Academia Psiconeurológica não durou
muito tempo, enfrentando o problema de nunca ter sido formalmen-
te fundada. Os pesquisadores receberam auxílio financeiro, mas
quando, em 1935, Kiev tornou-se a capital da Ucrânia em vez de
Kharkov, a Academia perdeu seus contatos diretos com os círculos
governamentais e, depois de algum tempo, deixou de existir (Haenen,
1989, p. 11).
207

9
Teoria histórico-cultural

As principais fontes da teoria

Entre 1928 e 1931, Vygotsky e Luria escreveram várias exposi-


ções da teoria histórico-cultural. A primeira, e surpreendentemente
completa, versão da teoria foi apresentada em um artigo conciso
publicado em Pedologija (Vygotsky, 1928p). O artigo introduzia muitos
dos temas que serão tratados neste capítulo (por exemplo, o método
instrumental, mediação, primitivismo, diferentes linhas de desenvolvi-
mento), mas discutia-os basicamente no contexto do desenvolvimento
infantil. Parte do artigo (traduzido para o inglês como Vygotsky, 1929s)
foi dedicada a uma discussão das muitas investigações experimentais
que Vygotsky, Luria, Leontiev e seus alunos executaram na Academia
Krupskaja de Educação Comunista entre 1925 e 1928.
Depois de 1928, Vygotsky publicou diversos artigos sobre a re-
lação entre o comportamento animal e o comportamento humano, e
sobre as idéias referentes ao conceito de primitivismo (um tema que
foi examinado no capítulo 4; por exemplo, Vygotsky, 1929e; 1929f;
1929h; 1929i). O resultado de seu pensamento nesta área foi apre-
sentado também em O comportamento de animais e do homem
(Vygotsky, 1930q/1960), o primeiro trabalho com a extensão de um
livro tratando de diversos dos temas histórico-culturais. Escrito nos
anos 1929-30 por solicitação da editora Rabotnik Prosveshchenija, foi
uma tentativa de escrever um manual para o público em geral a res-
peito da relação entre o comportamento animal e o humano à luz da
teoria evolutiva e do pensamento marxista. Embora o texto fosse bem
escrito e acessível para leigos instruídos, não foi publicado na época.
A seguinte obra histórico-cultural importante foi Estudos sobre
a história do comportamento. Primata. Primitivo. Criança (Vygotsky e
Luria, 1930a). Este livro foi publicado em 19301 e seria o ponto focal

1. Os primeiros planos para este livro datam do início de 1927. Nele, Vygotsky
pretendia elaborar suas idéias sobre o desenvolvimento do homem desde o
macaco até o super-homem (cf. capítulo 3). Depois de completá-lo, ele receberia
208 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

de muitas das críticas que Vygotsky e Luria receberam no início da


década de 1930. Na década de 1990, estudantes soviéticos de
Vygotsky tendem a se manter em silêncio a respeito deste livro, e os
compiladores das obras completas de Vygotsky excluíram-no, dando
preferência a seus muitos escritos não publicados. A razão para
essa reserva provavelmente pode ser encontrada no conteúdo alta-
mente controverso do livro. No primeiro capítulo, Vygotsky discutiu
os experimentos de Köhler com chimpanzés, no segundo apresentou
as descobertas etnográficas disponíveis (baseando-se principalmente
em Thurnwald e Lévy-Bruhl) sobre povos “primitivos” não ociden-
tais, e no capítulo final Luria fez uma exposição sobre o desenvol-
vimento infantil. A pergunta chave, evidentemente, é se fazia sentido
apresentar as descobertas dessas diferentes áreas no contexto de
um único livro. Não ficava evidente o que se poderia ganhar compa-
rando as descobertas de campos científicos tão diversos, e muitos
cientistas opuseram-se a essa abordagem. Esta foi uma das ques-
tões essenciais da psicologia nas décadas de 1920 e 1930 — pergun-
tas similares estão sendo feitas no debate contemporâneo sobre a
aplicação de descobertas etológicas e sociobiológicas aos seres hu-
manos — e ela é de uma importância fundamental para se julgar a
teoria histórico-cultural como um todo.
A seqüência de Estudos sobre a história do comportamento foi um
outro livro em co-autoria com Luria, chamado Instrumento e signo
(Vygotsky e Luria, 1930d/1984). A história desse livro é interessante
em si própria. Escrito por Vygotsky e Luria em 1930, ele foi imediata-
mente traduzido para o inglês e apresentado para publicação no
Handbook of Child Psychology (Manual de psicologia infantil) de
Murchison. No entanto, por razões desconhecidas, o manuscrito não
foi aceito para publicação e nem a versão russa nem a versão em inglês
do estudo foram publicadas durante a vida de Vygotsky. A história foi
retomada na década de 1960, quando os editores soviéticos das obras
completas de Vygotsky descobriram que a versão russa havia sido
perdida e fizeram o texto ser traduzido de volta para o russo.
Por fim, agora temos disponível a mais completa análise da teoria
histórico-cultural, chamada A história do desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Vygotsky começou a escrever este livro por
volta de 1929, reescreveu-o várias vezes (Puzyrej, 1986b) e, finalmente,
completou-o em 1931 (Vygotsky, 1931n/1983). Essencialmente, ele

175 rublos da Casa Editorial Estatal. Mais tarde, Luria entrou no projeto. Uma
das razões de a publicação ter sido postergada foi que Vygotsky estava muito
insatisfeito com as primeiras versões do capítulo de seu co-autor sobre desen-
volvimento infantil. Elas continham um número demasiado grande para o seu
gosto de referências (não críticas) ao trabalho feito por psicanalistas como Vera
Schmidt, Melanie Klein e outros (Vygotsky em cartas para Luria, datada de 26
de julho de 1927, e Leontiev, datada de 23 de julho de 1929).
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 209

constituiu uma outra tentativa de formular a perspectiva já descrita


em O comportamento de animais e do homem, Estudos sobre a história
do comportamento, Instrumento e signo e no artigo original (Vygotsky,
1928p). Vygotsky usou até mesmo os títulos de seções deste último
artigo, que agora serviam como os títulos dos cinco primeiros capítulos
de seu novo estudo. A história do desenvolvimento das funções psico-
lógicas superiores, porém, não foi simplesmente uma reafirmação de
um velho tema. Nele foram apresentados novos argumentos teóricos e
muito mais material empírico. Esta descrição bastante completa da
teoria histórico-cultural (com mais de 300 páginas) partilhou o triste
destino de seus precursores imediatos e de muitos outros escritos de
Vygotsky: não foi publicada enquanto ele ainda era vivo.
Podemos concluir, portanto, que o leitor atual provavelmente está
em uma posição muito melhor para julgar o complexo conjunto de
idéias que constituiu a teoria histórico-cultural do que os contemporâ-
neos de Vygotsky. Pois, a menos que comparecessem a algumas das
muitas palestras de Vygotsky, ou que tivessem uma relação pessoal
com o autor, eles tinham muito pouco em que basear seu julgamento.
Seja como for, o fato é que eles não conheceram a mais detalhada
exposição dos temas principais da teoria, apresentada em A história.

A teoria

Para compreender qualquer fenômeno humano complexo, temos


que reconstruir suas formas mais primitivas e simples e acompanhar
seu desenvolvimento até seu estado atual — em outras palavras, es-
tudar-lhe a história. Esta visão — tirada aqui de Durkheim (1985, pp.
4-5) — era muito comum por volta da virada do século e levou a muitos
estudos etnográficos, sociológicos e psicológicos fascinantes. Basica-
mente, claro, tirou boa parte de sua inspiração das idéias formuladas
por Lamarck, Spencer e, acima de tudo, Darwin.
Na psicologia, o ponto de vista evolutivo levou ao estudo de dife-
rentes campos do desenvolvimento com relação à sua relevância para
os processos mentais. Era muito comum, por exemplo, especular sobre
a relevância do desenvolvimento filogenético para o desenvolvimento
infantil e relacionar diferentes estruturas cerebrais a períodos da
filogênese. Era igualmente comum sugerir que, em casos de patologia
— digamos, uma lesão cerebral ou um caso de histeria —, uma pessoa
poderia regredir a tipos de comportamento filogeneticamente mais
antigos, porque as partes filogeneticamente mais novas do cérebro
haviam sido danificadas. Por fim, era muito popular especular sobre o
desenvolvimento evolutivo na cultura humana, sugerindo que a cultura
humana passava por uma longa série de desenvolvimentos desde a
cultura primitiva até a forma mais suprema de civilização, ou seja, a
cultura européia do século XX.
210 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Seria quase impossível arrolar e discutir os muitos psicólogos


desde o início deste século que trataram destas questões. É suficiente
dizer que Stern (p. ex., 1927) especulou sobre os paralelos entre a
filogenia e a ontogenia humanas; que Werner (1925) dedicou todo um
livro às comparações dos diferentes domínios de desenvolvimento listados
acima; que Bühler (1918) comparou desenhos de crianças com dese-
nhos de adultos pertencentes a culturas “primitivas”; que Freud, em
seu Totem e tabu (1913), afirmou que tribos primitivas formavam um
“estágio preliminar bem preservado de nosso próprio desenvolvimento”;
que Kretschmer (1916/1950) dispensou muita atenção à estrutura
“geológica” do cérebro; e que Koffka (1925) examinou explicitamente se
as comparações entre diferentes áreas de desenvolvimento eram ou
não relevantes e úteis. É interessante acompanhar o raciocínio de
Koffka por um momento, uma vez que ele é tão típico da época em
questão. “Não devemos nunca esquecer”, disse Koffka (1925, p. 1-2),
“que o sujeito que normalmente investigamos em pesquisas psicológi-
cas é o adulto ‘educado’ europeu ocidental, um ser que, biologicamente
falando, coloca-se no último degrau.” Ele esclareceu esta declaração
afirmando que, para a psicologia, era importante comparar (1) homem
e animal; (2) cultura desenvolvida ocidental e cultura “primitiva” não
ocidental (“Para nós, o mundo tem uma aparência diferente do que tem
para um negro da África Central, do que tinha para Homero também,
falamos uma língua diferente... uma tradução efetiva é impossível...”);
e (3) adulto e criança.
Todos esses autores lidaram com a questão de essas comparações
poderem ser enganosas e inadmissíveis, se elas eram de pouca relevân-
cia mas inocentes, ou se proporcionavam insights novos e importantes.
Embora a maioria dos autores negassem que o desenvolvimento em
um domínio simplesmente repetisse o desenvolvimento em outros do-
mínios, considerava-se de uma maneira geral que essas comparações
cruzadas eram relevantes e poderiam proporcionar insights sobre as
leis gerais do desenvolvimento como tal. De fato, uma das principais
tarefas da nova ciência da pedologia era estudar as leis do desenvol-
vimento geral, tomando os fenômenos estabelecidos nos diferentes
domínios como seu ponto de partida (ver capítulo 12).
Para o leitor atual, os escritos psicológicos do começo deste século
são, ao mesmo tempo, fascinantes e perturbadores. Fascinantes, por-
que esses autores perceberam tão claramente que boa parte da teori-
zação psicológica estava baseada em experimentos realizados com a
população européia ocidental (e apenas uma amostragem limitada dela).
Ao descrever a mentalidade de diferentes culturas, eles mostraram os
limites da psicologia européia e norte-americana e proporcionaram a
base para a teoria intercultural — por mais erradas que possam ter
sido suas tentativas de sistematização das descobertas. Perturbadoras,
pelo fato de em tantos escritos — apesar das muitas observações de
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 211

advertência feitas pelos autores — a idéia da superioridade da cultura


ocidental ser tão evidente.
Ficará claro, portanto, que a teoria histórico-cultural de Vygotsky
foi uma das muitas teorias que tentaram dar uma explicação da origem
e desenvolvimento dos processos mentais de adultos ocidentais educa-
dos. Também Vygotsky, em sua teoria histórico-cultural, comparou (1)
a psicologia de animais e de seres humanos; (2) a psicologia do homem
“primitivo” e do homem ocidental; (3) a psicologia de crianças e adultos;
e (4) a psicologia de sujeitos patológicos e saudáveis. Ao fazer isso,
apoiou-se fortemente nos escritos de Darwin, Engels, Bühler, Koffka,
Köhler, Thurnwald, Lévy-Bruhl, Durkheim e Kretschmer, para mencio-
nar apenas alguns autores. Isto não quer dizer que a teoria de Vygotsky
seja simplesmente um amálgama das idéias formuladas por esses di-
ferentes autores. Vygotsky, essencialmente, apresentou uma teoria do
homem, sua origem e formação, seu estado atual entre outras espécies
e um esquema para seu futuro. A imagem do homem que deriva dessa
teoria é a do homem como um ser racional que assume o controle de
seu próprio destino e emancipa-se para além dos limites restritivos da
natureza. É uma imagem do homem parcialmente baseada no pensa-
mento marxista e parcialmente nas idéias de vários filósofos, como
Bacon e Spinoza. Mas, acima de tudo, é claro, é uma imagem do
homem em que Vygotsky acreditava, e essa crença era muito comum
entre as pessoas de seu tempo e no país onde ele vivia.

Diferentes influências das idéias evolutivas sobre Vygotsky

Para compreender a teoria histórico-cultural, deve-se conhecer


primeiro a visão de Vygotsky sobre a origem do homem contempo-
râneo — Homo sapiens — e sua posição relativa em comparação aos
animais. Para compreender essa posição, é essencial saber que
Vygotsky, seguindo o pensamento marxista, distinguia dois períodos
na filogenia humana. A primeira parte, a evolução biológica, havia
sido descrita e explicada por Charles Darwin em sua teoria da evo-
lução. A segunda parte, a história humana, fora esboçada por Marx
e, de forma mais completa, por Engels. Para Vygotsky, a maior parte
da filogênese humana havia sido explicada por Charles Darwin. Ele
conhecia bem os escritos de Darwin e elogiava-o repetidamente por
sua teoria da evolução, que proporcionava a chave para nosso en-
tendimento do comportamento animal. Não há dúvida de que Vygotsky
ficou muito impressionado com a organização feita por Darwin de
evidências aparentemente desconexas em uma explicação genética
coerente da evolução. Muitas vezes em sua vida ele afirmaria que tal
tipo de classificação, baseado em uma origem comum, era muito
superior a outros tipos de classificação, baseados basicamente em
similaridades fenomenais superficiais. Darwin era, para Vygotsky, o
fundador de uma abordagem genético-causal na ciência.
212 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Ao aceitar os conceitos darwinianos de “variação” e “seleção natu-


ral” e toda a explicação da evolução, Vygotsky era forçado, portanto, a
aceitar várias de suas implicações. Assim, pareceria lógico, por exem-
plo, aceitar a base hereditária da anatomia, fisiologia e (talvez) compor-
tamento humanos, aceitar a idéia de que temos muitas coisas em
comum com os animais (por exemplo, várias estruturas cerebrais) e,
em geral, aceitar uma continuidade no desenvolvimento dos animais
para o homem. À primeira vista, Vygotsky não parecia ter nenhum
problema aqui. De fato, ele aceitava inteiramente a base genética de
muitos processos fisiológicos e psicológicos humanos. Em Vygotsky
(1929p), por exemplo, ele arrolou as leis mendelianas da genética (se-
guindo Bühler, 1918) — que ainda eram desconhecidas para o próprio
Darwin — e explicou sua importância. Além disso, nessa época, ele não
se opunha fundamentalmente a todas as formas de eugenia (ver tam-
bém capítulo 3). Ao contrário, afirmava que, vista “Pelo lado teórico e
de princípios, a eugenia como uma ciência preocupada com a melhoria
da raça humana por meio do domínio do mecanismo da genética re-
presenta uma conquista do pensamento científico moderno que é com-
pletamente fora de dúvida...” (Vygotsky, 1929p, p. 11).
Deve ser observado, porém, que ele se opunha à forma que a
eugenia havia assumido nos Estados Unidos e em outros países capi-
talistas. Suas razões eram claras: (1) o conhecimento da genética ainda
era insuficiente; e (2) traços “herdados” em sociedades capitalistas não
refletiam de fato uma base genética. O raciocínio de Vygotsky parece
ter sido que, em uma sociedade sem classes, na qual as pessoas têm
as mesmas chances e oportunidades, as diferenças interindividuais
provavelmente refletem diferenças genéticas, ao passo que em uma
sociedade como os Estados Unidos isto era extremamente improvável.
Com base nisso, Vygotsky alertou contra as conclusões apressadas
tiradas por Pearson e Galton, afirmando que as altas correlações que
eles encontraram refletiam um ambiente comum e não genes compar-
tilhados (uma crítica que foi confirmada por Gould, 1981).
Vygotsky também conhecia bem e estava de acordo com as aná-
lises da anatomia do cérebro humano feitas, por exemplo, por Edinger
(1911) e Kretschmer (1916/1950). Ele atribuía um grande valor aos
princípios de desenvolvimento que este último autor havia descrito em
seu Psicologia médica. Esses princípios eram (1) o princípio de que as
estruturas inferiores do cérebro não desaparecem simplesmente quan-
do outras estruturas se desenvolvem, mas continuam funcionando em
uma posição subordinada; (2) o princípio de que, durante esse desen-
volvimento, as funções inferiores perdem parte de sua função para as
superiores; e (3) o princípio de que as funções inferiores podem recu-
perar a autonomia no caso de as funções superiores serem danificadas
ou enfraquecidas (Kretschmer, 1916/1950, pp. 46-7). Este último prin-
cípio era considerado particularmente relevante na discussão de vários
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 213

casos de patologia. Um estudo cuidadoso de diferentes pacientes pode-


ria desvendar as mais antigas camadas filogenéticas da mente huma-
na. É claro que Vygotsky foi muito influenciado por estas e outras
discussões similares (p. ex., Werner, 1925) sobre as camadas “geológi-
cas” da mente humana, e que essas idéias foram formadas como re-
sultado direto da aceitação do ponto de vista evolutivo.
De uma maneira geral, Vygotsky também não tinha problemas
com a idéia de que a evolução do homem a partir dos animais era um
processo contínuo. Mas ele não aceitava que esta fosse a história
inteira e resistia à afirmação de Darwin de que “as faculdades mentais
do homem e dos animais inferiores não diferem em tipo, embora difi-
ram imensamente em grau” (Darwin, 1871/1981, p. 186). Vygotsky
afirmava que havia diferenças fundamentais entre animais e seres
humanos, diferenças que se originaram com o início da cultura huma-
na. Enquanto animais são quase totalmente dependentes da herança
de traços de base genética, seres humanos podem transmitir e dominar
os produtos da cultura. Dominando o conhecimento e a sabedoria
incorporados na cultura humana, eles podem dar um passo decisivo
no sentido da emancipação em relação à natureza. Os traços especi-
ficamente humanos, portanto, são adquiridos no domínio da cultura
por meio da interação social com os outros. Argumentando desta
maneira, Vygotsky impunha um papel limitado à evolução biológica e
à base genética do comportamento humano. O comportamento, em
sua opinião, de fato possuía uma base genética, e essa base tinha sua
origem na evolução biológica, mas ela estava restrita aos processos
inferiores. Os processos superiores especificamente humanos desenvol-
viam-se na história humana e tinham que ser dominados de novo por
cada criança humana em um processo de interação social.
É importante observar que não foi somente a versão darwiniana
do pensamento evolutivo que se tornou relevante para a síntese de
idéias de desenvolvimento de Vygotsky. Igualmente digno de nota foi
seu apoio ao pensamento evolutivo da década de 1890, que estava
associado ao trabalho de C. Lloyd Morgan, H. Osborne e J. M. Baldwin.
Acima de tudo, é a ligação direta com o pensamento evolutivo de
Baldwin que se torna evidente em uma série de textos de Vygotsky. A
idéia de Baldwin de “reação circular” foi descrita em Vygotsky (1925d,
p. 188) e pode, assim, ser considerada como uma das raízes da
metodologia histórico-cultural (ver também Vygotsky, 1931h/1983, p.
320). Alusões a Baldwin aparecem com freqüência em todo o discurso
de Vygotsky, até sua morte (ver, p. ex., Vygotsky, 1934d, pp. 53, 61).
Basicamente, as questões da origem sociogenética de processos
cognitivos (isto é, o pensamento das crianças emerge no contexto da
disputa: Vygotsky, 1931h/1983, p. 141; 1931o; 1935d, p. 16) e a
ênfase baldwiniana na unidade de evolução e involução (Vygotsky,
1929m, p. 7; 1931h/1983, p. 178; 1932e/1984, p. 253; 1935d, p. 75)
214 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

são o que se encontra consistentemente refletido no pensamento de


Vygotsky. Além disso, a idéia de Baldwin sobre a personalidade emer-
gindo na transição do entendimento dos outros para o entendimento
de si próprio foi reconhecida por Vygotsky (1931h/1983, p. 324). A
íntima conexão de Baldwin com as idéias sociogenéticas de Janet foi,
claro, um fator adicional que tornou Baldwin relevante para Vygotsky.
É interessante que Vygotsky nunca tenha feito nenhuma análise deta-
lhada das idéias de Baldwin, o que sugere que, em seus próprios
debates com seus contemporâneos, o pensamento de Baldwin não
tinha uma maior relevância na época. Havia pouco para Vygotsky
criticar em Baldwin, de vez que as idéias deste último foram usadas no
pensamento produtivo de Vygotsky como fundações para a ciência do
desenvolvimento, e não como áreas de controvérsia.
O apoio de Vygotsky nas diferentes teorias evolutivas estava cla-
ramente ligado a seu interesse no surgimento das funções psicológicas
superiores na filogenia. Este interesse levou-o não só aos experimentos
primatológicos clássicos de Wolfgang Köhler, mas também a reparar em
uma disciplina que havia surgido na intersecção do pensamento evo-
lutivo e dos estudos do comportamento animal: a zoopsicologia.

A zoopsicologia de Vladimir Vagner como


uma base para a teoria de Vygotsky

Vladimir Aleksandrovich Vagner (Wagner) (1849-1934) foi o funda-


dor das tradições da psicologia comparativa russa. Suas principais
observações empíricas foram feitas em espécies de insetos e aves. Apesar
de seu interesse empírico pela construção comportamental (por exem-
plo, construção de ninhos ou teias) entre espécies que se encontravam
“mais abaixo” na escada de classificação evolutiva, suas contribuições
teóricas trataram de questões de desenvolvimento de comportamento
inteligente (em oposição a instintos). Essa separação entre “instinto” e
“intelecto” (“razum”) era relevante para Vygotsky, cuja dívida para com
Vagner é digna de nota. Vagner foi um dos membros ativos do Instituto
Psiconeurológico de São Petersburgo desde seu início e, assim, teve
uma influência formativa sobre muitos dos contemporâneos de Vygotsky.
Vagner enfatizava o uso da perspectiva ontogênica ao lado das
comparações filogenéticas entre as espécies em sua versão da
zoopsicologia (Vagner, 1901, Parte III). Embora se distanciasse das
tendências “antropomorfizantes” que estavam presentes na psicologia
animal da virada do século, Vagner não passou para o outro extremo
behaviorista de negar diferenças qualitativas nas funções psicológicas
entre as espécies. Porém, Vagner considerava o desenvolvimento do
“instinto” como altamente diferente do desenvolvimento do “intelecto”.
Enquanto na ontogenia deste último novas formações podiam evoluir
de formações anteriores, no caso dos “instintos” a novidade aparecia
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 215

em cena por meio da substituição de um instinto por outro. No caso


dos “instintos”, Vagner aceitava a idéia de uma “lei biogenética”:
cada estágio em determinada mudança cronológica de um instinto por outros
em um indivíduo constitui um estágio na história do desenvolvimento dos
instintos dessa espécie; em outras palavras, a ontogênese do determina-
do instinto no determinado indivíduo representa, ao mesmo tempo, a
filogênese do instinto dessa determinada espécie (Vagner, 1901, p. 61).
Em outras palavras, a experiência não muda o instinto, mas
meramente regula sua presença ou ausência, ou sua substituição
por um outro instinto (Vagner, 1910, p. 343). O conceito de instintos
de Vagner incluía a noção de possíveis substituições entre partes do
instinto (ver Vagner, 1910, p. 268), o que a tornava diferente de
nosso interesse etológico contemporâneo em cadeias instintivas de
comportamento. Porém, o programa de instintos de espécies inver-
tebradas como um todo era visto como um âmbito fechado, prede-
terminado hereditariamente e baseado na espécie. Em contraste, no
nível das espécies vertebradas, Vagner aceitava a idéia da ocorrência
da aprendizagem pela experiência, o que levava ao desenvolvimento
do “intelecto” (razum). Além disso, ele postulava o desenvolvimento
de “instintos” e “intelecto” a partir da base dos reflexos, seguindo
linhas paralelas na filogênese (Vagner, 1913, p. 282):

Reflexo

Instinto Intelecto

Enquanto o desenvolvimento dos instintos ocorre através de


uma linha “pura” (isto é, os instintos anteriormente presentes não
são transformados em novos instintos), o intelecto progride sobre a
base das estruturas anteriores (uma linha “combinada”). As relações
entre “instinto” e “intelecto” eram consideradas por Vagner como
uma subordinação gradual do outro pelo “intelecto” no curso da
filogênese. Em vários aspectos, a adaptação de Vygotsky (e Luria) da
idéia marxista de controle dos processos psicológicos inferiores pelos
processos psicológicos superiores (voluntários) do próprio indivíduo
segue por essa mesma linha. Vagner enfatizou explicitamente a falta
de harmonia entre os “instintos” e o “intelecto” na espécie humana,
em que a supressão dos instintos é uma meta importante (alcança-
da apenas por uns poucos: Vagner, 1913, pp. 412, 427-8). Vagner
rejeitava os esforços de Pavlov para reduzir todos os instintos a
reflexos e eliminar da ciência a subdisciplina da zoopsicologia (Vagner,
1925, pp. 3-9). Em lugar disso, ele continuava a enfatizar a distin-
ção qualitativa entre funções psicológicas de espécies diferentes que
216 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

se encontrem em diferentes níveis evolutivos e afirmava que, no


caso dos seres humanos, os mecanismos de regulação especifica-
mente novos — “psicologia coletiva” — partem dos mecanismos da
seleção natural, que governa a filogênese pré-humana (Vagner, 1929).
Como zoólogo, Vagner estava interessado nas relações entre
características morfológicas e psicológicas. Ele via o processo de
desenvolvimento das funções psicológicas como estando frouxamen-
te acoplado entre a morfologia e a organização comportamental: daí
a idéia de linhas paralelas no desenvolvimento que, mais tarde, foi
central para o pensamento de Vygotsky sobre o desenvolvimento:
a mudança de características morfológicas e psicológicas pode ocorrer
independentemente uma da outra em duas linhas paralelas: no sentido
de que as mudanças nessas linhas podem coincidir, mas não precisam
coincidir uma com a outra; novas características podem aparecer sepa-
radamente, isto é, a [linha] morfológica permanece inalterada, mas a
psicológica muda, e vice-versa: as [características] psicológicas mudam
e as morfológicas permanecem inalteradas (Vagner, 1913, p. 235).

As idéias de Vagner referentes ao desenvolvimento chamavam cla-


ramente a atenção de qualquer pessoa que estivesse interessada em
construir uma teoria não-reducionista do desenvolvimento psicológico.
A discordância de Vagner com Pavlov baseava-se em argumentos seme-
lhantes aos usados por Vygotsky contra a reflexologia de Pavlov e
Bekhterev. Além disso, a distinção que Vagner fazia entre “instinto” e
“intelecto” tinha um paralelo com a distinção entre as funções psico-
lógicas “inferiores” e “superiores” que aparecia no discurso de Vygotsky,
e a combinação das metodologias de pesquisa ontogênica e filogênica
estava de acordo com a linha histórico-cultural de Vygotsky.
Vygotsky vinha refletindo sobre as idéias de Vagner desde o início
de sua entrada na psicologia. Em seu Psicologia pedagógica, a teoria
de Vagner sobre a separação entre instintos e reflexos já havia sido
explicitamente examinada (Vygotsky, 1926g, pp. 70-4). E ele fez uso da
crítica de Vagner a Pavlov como uma fonte de apoio para suas próprias
críticas (ver Vygotsky, 1925d, p. 181). Vygotsky também usou Vagner
em sua análise da crise na psicologia (ver Vygotsky, 1927a/1982, pp.
308, 375-7, 418), criticando o modo como este unificava a psicologia.
O confronto mais interessante que Vygotsky teve com as idéias
de Vagner foi associado à análise do trabalho de Wolfgang Köhler. A
interpretação de Vagner para as experiências de Köhler com chim-
panzés foi caracteristicamente minimalista (isto é, atribuindo o com-
portamento dos primatas a mecanismos instintivos). Vygotsky afir-
mou que Vagner não havia compreendido a relevância da estrutura
da operação (executada pelo macaco) e sua coordenação com a es-
trutura da tarefa (Vygotsky, 1930i, p. xxi). Para Vygotsky, a orien-
tação gestaltiana de Köhler era um aspecto relevante que merecia
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 217

ser defendido contra o ceticismo de Vagner. É interessante que,


quatro anos mais tarde (e em conjunção com sua insatisfação cada
vez maior com a psicologia da Gestalt), Vygotsky não tenha tido
dificuldade para aceitar a avaliação conservadora dos estudos de
Köhler numa maneira semelhante à que Vagner havia feito — os
chimpanzés cujo intelecto havia se tornado semelhante ao humano
continuavam, mesmo assim, desenvolvendo-se ao longo da linha
“pura” de desenvolvimento, onde a nova função permanecia disjuntiva
em relação às anteriores (“... nos experimentos de Köhler, temos
diante de nós —, operações intelectuais dentro do sistema de cons-
ciência instintiva”; Vygotsky, 1934c/1982, p. 258).
Em contraste, a teorização do desenvolvimento de Vygotsky era
construída sobre a idéia da linha “combinada” de desenvolvimento
de Vagner — sobre a base das estruturas anteriores, aparecem es-
truturas qualitativamente novas conforme o organismo se envolve
ativamente com seu ambiente. Filogeneticamente, isto significava a
transição da observação dos processos de evolução para a conside-
ração da história cultural humana. No contexto social do próprio
Vygotsky, isto envolvia a síntese das idéias evolutivas e zoopsicológicas
com as noções de história hegelianas-engelsianas-marxistas.

Marx e Engels: história humana e evolução biológica

A distinção que Vygotsky fazia entre evolução biológica e história


humana baseava-se nos escritos de Marx e, mais intensamente,
Engels. Marx (1890, p. 194) — seguindo Benjamin Franklin — havia
definido o homem como “um animal que fabrica instrumentos”, e
Engels, em seu estudo “O papel desempenhado pelo trabalho na
transição do macaco para o homem” (1925/1978), havia elaborado
essa concepção. Vygotsky conhecia bem essa obra de Engels —
publicada pela primeira vez na União Soviética em Dialética da
natureza (1925/1978) — e referiu-se várias vezes a ela para explicar
a diferença entre animais e o homem.
A explicação de Engels para a origem do Homo sapiens era
bastante tosca, mas não implausível em vista das evidências dispo-
níveis (Engels, 1925, pp. 444-5). De acordo com ele, a história da
humanidade havia começado quando o precursor do homem deixou
as árvores e desenvolveu uma postura ereta. Este foi um passo
decisivo na transição do animal para o homem (1925, p. 444). A
postura ereta liberou as mãos para a manipulação de objetos e pos-
sibilitou o desenvolvimento de ações motoras mais precisas e da ca-
pacidade visual. O resultado foi uma coordenação olho-mão aos pou-
cos aperfeiçoada e o desenvolvimento das partes correspondentes do
cérebro. As mãos, os órgãos sensoriais e o cérebro desenvolveram-
se em uma interação complexa. Os homens começaram a trabalhar
218 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

em cooperação, o que criou a necessidade de um meio de comuni-


cação. Isto, concluiu Engels, resultou no desenvolvimento da fala. O
trabalho, portanto, veio primeiro, e criou a necessidade da fala (1925,
p. 447). O trabalho, segundo Engels, era a característica que definia
os seres humanos. A origem do trabalho foi a fabricação dos primei-
ros instrumentos primitivos de pedra por nossos predecessores. A
cooperação em grupos, fabricação de instrumentos e comunicação
através da fala levaram gradualmente à transformação planejada e
deliberada da natureza. Engels reconhecia que os animais apresenta-
vam os rudimentos da ação consciente planejada (aceitando, como o
fizera Marx, um uso simples de instrumentos entre os animais), mas
afirmava uma diferença básica entre animais e homens: animais usam
a natureza, enquanto seres humanos controlam a natureza.
Em suma, Engels enfatizava a fabricação e uso de instrumentos
na história da humanidade e afirmava que os seres humanos exibiam
uma relação essencialmente diferente com o meio ambiente: em vez
de usar passivamente seus recursos, seres humanos transformavam
ativamente a natureza (freqüentemente com resultados imprevistos
e negativos, como Engels bem observou muito à frente de seu tem-
po). Vygotsky aceitou tal explicação — na verdade, talvez nem hou-
vesse muita base para controvérsias sobre esta questão na década
de 1920 — e tentou integrá-la em sua teoria do homem. É interes-
sante que tenha escolhido ignorar algumas das declarações mais
extravagantes de Engels, como a afirmação de que os papagaios
compreendem o que dizem, a proposição de que a ingestão de carne
havia influenciado positivamente o desenvolvimento do cérebro hu-
mano e a adoção de uma forma da tese da recapitulação.
Não é fácil julgar a teoria de Engels sobre o trabalho (ver
Woolfson, 1982, para uma análise positiva). Concentrando-se na
idéia da fabricação de instrumentos e em seu papel na antropogênese,
e aceitando-se a idéia de que uma única característica possa servir
como fator de discriminação entre animais e seres humanos, é pos-
sível concordar com essa explicação. Certamente, a invenção e uso
de instrumentos desempenhou um papel importante na história
humana, como concordam muitos especialistas contemporâneos (p.
ex., Richards, 1987; Leakey, 1981). Mas deve ser observado que a
distinção entre uso de instrumentos e trabalho é muito vaga, assim
como a explicação da origem da fala, que parece incorporar traços
lamarckistas. Seja como for, a adoção por Vygotsky da teoria de
Engels implicava a aceitação de uma distinção entre evolução bio-
lógica e história humana e da importância do papel dos instrumen-
tos e do trabalho na origem da cultura humana. Um dos principais
desafios para a psicologia marxista seria demonstrar como o uso de
instrumentos e o trabalho haviam influenciado os processos mentais
humanos. Alguns autores argumentaram que a teoria do trabalho
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 219

de Engels era apenas mais uma tentativa de afirmar a superioridade


do homem sobre o mundo animal e, ao reintroduzir o hiato original,
não passava de uma regressão a tempos pré-darwinianos. Esta é a
opinião, por exemplo, de Walker (1983, pp. 54-5), que afirmou que
a teoria de Engels dava origem a “uma divisão de proporções quase
cartesianas entre os atributos mentais do macaco e os do homem”
e que “a aceitação do determinismo econômico marxista tende a
resultar em uma espécie teológica de divisão entre a consciência
animal e humana”. Se isso foi ou não uma avaliação justa ficará
claro apenas depois de se examinar o quadro histórico-cultural como
um todo, mas deve ser enfatizado aqui que um retorno a uma noção
cartesiana de animais e homens não era intenção nem de Engels
nem de Vygotsky, pois ambos aceitavam inteiramente a idéia da
continuidade darwiniana animal-homem, interpretando essa conti-
nuidade, porém, de uma maneira dialética. Talvez se pudesse resu-
mir a visão de Vygotsky sobre a relação entre o comportamento
animal e humano parafraseando Darwin: para Vygotsky, a diferença
mental entre o homem e os animais superiores era, ao mesmo tem-
po, uma questão de grau e de espécie. Para o lógico ingênuo, isto
pode parecer um ponto de vista estranho, mas, como veremos, para
a visão de Vygotsky sobre a psicologia de animais versus a do ho-
mem, a lógica dialética procurava proporcionar uma solução.
Enquanto isso, o casamento da teoria evolutiva com o pensamento
marxista de fato exigia algum auxílio dialético. A primeira coisa que
poderia ser perguntada é se a caracterização do homem como um
animal que faz uso de instrumentos era feliz. Afinal, Darwin (p. ex.,
1871/1981, pp. 51-3) já não havia ressaltado que a fabricação e uso
de instrumentos não eram de forma alguma raros entre animais? Como,
então, caracterizaríamos a diferença essencial entre animais e homens?
E que nova luz havia sido lançada sobre essa questão pelas investiga-
ções recentes de Yerkes (1916), de Köhler (1921), de Guillaume e de
Meyerson (1930; 1931), e de outros? Estas eram perguntas que Vygotsky
e outros psicólogos marxistas não podiam evitar, e elas não eram de
forma alguma fáceis de responder, levando em consideração o fato de
que os escritos de Marx e Engels tinham que ser aceitos como artigos
de fé. Também eram perguntas de genuíno interesse para qualquer
psicólogo, e é bastante fácil entender por que Vygotsky dedicou tanto
tempo e energia a essa discussão.
Um segundo problema deixado sem solução por Engels foi o da
natureza exata do período histórico. Podemos reconstruir a história
do Homo sapiens desde as culturas primitivas até o homem atual?
Seria permitido usar evidências interculturais neste aspecto, pres-
supondo que o povo não-ocidental atual fosse, de alguma forma,
idêntico ou semelhante ao homem histórico primitivo? Estas eram
perguntas que fascinavam Vygotsky e seus contemporâneos, muitos
220 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

dos quais viam um desenvolvimento direto e sem desvios do macaco


até o selvagem, e que não podiam ser evitadas na grande teoria que
Vygotsky prefigurava. Para respondê-las, ele voltou-se para as evi-
dências etnográficas disponíveis fornecidas por Durkheim, Lévy-Bruhl
e Thurnwald.
Por fim, poderia ser perguntado se a evolução biológica e a
história humana deveriam ser vistas como dois períodos distintos na
filogênese, ou se elas se sobrepunham no tempo. Esta última per-
gunta nós tentaremos responder imediatamente, deixando a respos-
ta das duas primeiras para as seções seguintes deste capítulo. Dizer
que a evolução biológica e a história humana não se sobrepõem
seria equivalente a formular a chamada teoria do “ponto crítico”, ou
seja, uma teoria que afirma que o desenvolvimento da capacidade de
adquirir cultura foi uma ocorrência súbita na filogenia dos primatas.
A aceitação disso (uma visão atualmente desacreditada [Geertz, 1973,
pp. 62-9]) envolve, em essência, ver o desenvolvimento biológico
como o precursor do desenvolvimento cultural. Não parece que as
teorias de Engels e Vygotsky implicassem tal ponto de vista. Engels,
em seu texto bastante crítico, parece evitar uma teoria do ponto
crítico, afirmando que há uma interação complexa entre o desenvol-
vimento da mão, dos órgãos sensoriais e do cérebro, e declarando
que “a mão foi não só o instrumento do trabalho, mas também seu
produto” (Engels, 1925, p. 445). Se lida de uma maneira simpática,
esta visão implica que a cultura e a biologia humanas, pelo menos
por um período indefinido de sobreposição, desenvolveram-se em
um processo completo de interação. É bastante provável que Vygotsky
tivesse a mesma opinião, embora ele às vezes formulasse concep-
ções muito semelhantes à visão do ponto crítico. Assim, algumas
vezes ele escreveu que “aparentemente, a evolução biológica termi-
nou muito antes de começar o desenvolvimento histórico do homem”
(Vygotsky, 1930q/1960, p. 447), mas, outras vezes, ele explicou que:
O desenvolvimento do homem, como um tipo biológico, aparentemente
já estava basicamente terminado no momento em que a história hu-
mana começou. Isto, é claro, não significa que a biologia humana
tenha estacionado desde o momento em que começou o desenvolvi-
mento histórico da sociedade humana... Mas essa mudança biológica
da natureza havia se tornado uma unidade dependente e subordinada
ao desenvolvimento histórico da sociedade humana (Vygotsky e Luria,
1930a, p. 54, p. 70).

Em geral, os escritos de Vygotsky refletem a convicção de que


mudanças biológicas desempenham um papel muito secundário no
período relativamente curto que se seguiu ao início da cultura hu-
mana. Como veremos ao examinar o uso que Vygotsky faz da lite-
ratura etnográfica, essa concepção foi confirmada pelas descobertas
de Thurnwald (1922). Claro que parte do problema da teoria do
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 221

ponto crítico é o fato de que ela deriva de uma escolha inadequada


da escala de tempo (Geertz, 1973, p. 65). Um outro problema pode-
ria ser se faz algum sentido usar “biologia” e “cultura” como termos
opostos ou exclusivos.
Podemos concluir que Wertsch (1985, p. 29) não estava total-
mente correto ao atribuir uma teoria do ponto crítico a Vygotsky. Na
medida em que ele sugeriu este ponto de vista, isto foi resultado de
sua convicção de que a “tartaruga” da evolução biológica foi eclip-
sada pela “lebre” da revolução cultural (Barash, 1986).

Animal e homem: dois pontos de vista

A combinação das teorias de Darwin e Engels proporcionava


um quadro geral para se pensar na origem do ser humano, mas esse
quadro não conseguia dar as respostas para todas as perguntas
colocadas pelas novas investigações. Um dos principais problemas
era o da relação entre a inteligência animal e a inteligência humana.
Poderiam Darwin e Engels esclarecer as descobertas recentes nessa
área? E poderiam estas perspectivas ser combinadas sem atrito?
Para responder estas perguntas e outras relacionadas, Vygotsky
investigou minuciosamente as descobertas disponíveis na psicologia
animal e analisou os principais pontos de vista.
Uma visão clássica da diferença entre animais e seres humanos
havia sido formulada por Descartes. Vygotsky criticava em vários
aspectos a idéia cartesiana de que os animais não passavam de
máquinas vivas e a dicotomia animal-homem resultante. Primeira-
mente, as descobertas de Darwin e sua explicação delas parecia
desmentir qualquer dicotomia. Em segundo lugar, a aceitação com
Descartes de uma forma mecanicista rígida de materialismo como a
maneira apropriada de descrever o comportamento animal pratica-
mente forçava a introdução de fatores idealistas para a explicação
dos seres humanos. Pois, a menos que se aceitasse a idéia de La
Mettrie (1748/1981) de que todos os seres vivos são autômatos, a
visão de Descartes leva à introdução de fatores espirituais, não
materiais — e, portanto, idealistas — para explicar especificamente
o comportamento humano. A introdução da idéia de alma é, portan-
to, a contrapartida lógica do materialismo mecanicista aplicado aos
animais, raciocinou Vygotsky. Para ele, a dicotomia infeliz animal-
homem de Descartes era o resultado quase inevitável de sua abor-
dagem não-genética e não-revolucionária. “A negação da psique aos
animais”, afirmou Vygotsky, “proíbe qualquer possibilidade de uma
explicação genética, ou seja, uma explicação do desenvolvimento da
psique humana do ponto de vista evolutivo” (1930q/1960, p. 404).
Terceiro, a concepção de Descartes contradizia várias outras desco-
bertas empíricas. Vygotsky afirmou, sem apresentar outros argu-
222 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

mentos, (1) que era bem sabido que a “irritabilidade” constituía o


início de toda a psique, e (2) que a psique era uma função do
cérebro (1930q/1960, p. 405). Este último ponto de vista baseava-
-se, provavelmente, em Edinger (1911), que havia mostrado que o
desenvolvimento de novas estruturas cerebrais estava intimamente
ligado ao desenvolvimento de novos processos mentais. Para Vygotsky,
esta descoberta parecia incompatível com a noção cartesiana de
uma psique ou alma independente.
Depois de examinar esta concepção inadequada sobre a relação
entre a inteligência humana e animal, é interessante o fato de Vygotsky
ter afirmado que o behaviorismo norte-americano, em certo sentido,
havia herdado o legado cartesiano. O exemplo mais importante de
pesquisa psicológica animal behaviorista foram os experimentos de
Thorndike com gatos e sua explicação do comportamento deles em
termos de tentativa e erro. Vygotsky concordava com as análises bas-
tante críticas sobre esses experimentos na literatura psicológica alemã
(p. ex., Koffka, 1925, pp. 116-32), análises essas que anteciparam boa
parte das críticas atuais (p. ex., Walker, 1983, pp. 61-5), e afirmava que
Thorndike havia subestimado grosseiramente as capacidades dos ani-
mais. Seguindo o cânon de Lloyd Morgan, que dizia que “em nenhum
caso podemos interpretar uma ação como o resultado do exercício de
uma faculdade psíquica superior, se ele puder ser interpretado como
o exercício de uma faculdade que se localize mais abaixo na escala
psicológica”, os behavioristas excluíram de forma efetiva a possibilida-
de de uma explicação verdadeiramente genética (ver Walker, 1983, pp.
56-8, para uma crítica recente desse cânon).
O oponente natural de qualquer concepção dicotômica era a
teoria da evolução de Darwin. Este foi o segundo ponto de vista
sobre a questão da inteligência animal versus a inteligência humana
discutido por Vygotsky. É interessante — e concordante com os
comentários feitos acima sobre o difícil casamento entre as teorias
de Darwin e Engels — que ele tenha se colocado do lado de Darwin
contra o ponto de vista cartesiano, embora sem aceitar totalmente
as idéias daquele. Eram as análises antropomórficas de Darwin sobre
o comportamento animal que Vygotsky considerado difíceis de engo-
lir. Em várias passagens, Darwin (1871/1981, pp. 62-9; cf. Graham,
1987; Walker, 1983) havia atribuído capacidades mentais a animais,
como senso de humor e crença em agentes sobrenaturais, que pa-
reciam difíceis de defender com base nas evidências disponíveis.
Vygotsky afirmou que Darwin e seu contemporâneo Romanes ten-
diam a exagerar as capacidades dos animais, fazendo uso de evidên-
cias anedóticas freqüentemente divertidas (ver Walker, 1983, pp. 46-
51, para uma confirmação desta crítica). Para Vygotsky, esta acei-
tação não crítica de evidências anedóticas era simplesmente incon-
sistente: ao atribuir a animais faculdades mentais superiores que
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 223

eles não possuíam, Darwin solapava a idéia da evolução da inteli-


gência. Assim, vemos a repetição de um tema: embora a teoria de
Darwin tenha realizado o feito formidável de fechar o hiato cartesia-
no entre o comportamento animal e humano, ao aceitar a credibi-
lidade de histórias contadas sobre a inteligência animal Darwin
subestimou a singularidade qualitativa dos seres humanos.
Vygotsky concluiu que havia dois pontos de vista opostos sobre
a psicologia animal: (1) a idéia de que os animais são totalmente
diferentes dos seres humanos, defendida por Descartes e pelo
behaviorismo; e (2) a idéia de que os animais não são basicamente
diferentes dos seres humanos. Vygotsky acreditava que Darwin (um
tanto injustamente, ver Walker, 1983, pp. 39-51) e Romanes perten-
ciam a esta segunda posição. Nenhum destes pontos de vista era
aceitável para Vygotsky, que imaginava uma explicação evolutiva
que não perdesse de vista as diferenças qualitativas entre animais
e seres humanos que surgem no curso dessa evolução. Esta concep-
ção tornou-se particularmente clara em sua análise das mais recen-
tes descobertas trazidas à luz por Köhler e Yerkes.

Animal e homem: avaliação das novas evidências

O fato de que Vygotsky dava um grande valor aos experimentos


de Köhler com chimpanzés fica evidente por ele ter examinado exten-
samente as investigações do psicólogo alemão e suas melhores inter-
pretações (p. ex., Vygotsky, 1929h; 1930s; Vygotsky e Luria, 1930a) e
ter incentivado ativamente a tradução do livro de Köhler para o russo
(Köhler, 1930; traduzido por colaboradores de Vygotsky no Instituto de
Psicologia Experimental, L. V. Zankov e I. M. Solov’ev). A discussão
mais detalhada do trabalho de Köhler pode ser encontrada no pri-
meiro capítulo de Estudos sobre a história do comportamento. Primata.
Primitivo. Criança. Na verdade, pode ser dito que esse capítulo se
resume a um longo comentário sobre os experimentos de Köhler
(fortemente influenciado por Bühler [1918] e Koffka [1925]) e uma
tentativa de interpretá-los em termos histórico-culturais.
De uma maneira geral, pode ser dito que Vygotsky concordava
inteiramente com a interpretação de Köhler (1921) e de Koffka (1925)
para as descobertas do primeiro. Ao examinar a solução dos chimpan-
zés para contornar problemas e sua fabricação e uso de instrumentos,
ele concordava com esses autores que a Gestalt, ou estrutura do cam-
po visual, era de importância fundamental. Os instrumentos só foram
levados em conta por Sultão2 e seus colegas quando eles se encontra-
vam na proximidade da meta desejada e as caixas não podiam ser

2. Sultão era o nome de um dos sujeitos-chimpanzés de Köhler.


224 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

vistas como escada, uma vez que um outro chimpanzé estava usando
uma delas como cadeira. Tal uso impróprio das caixas aparentemente
alterou toda a Gestalt das caixas, tornando, assim, impossível seu uso
como instrumento. É bastante claro que Vygotsky ficou muito impres-
sionado com as demonstrações experimentais das leis da Gestalt por
Köhler. Ele relatou de forma entusiástica os experimentos com gali-
nhas (Köhler, 1921, p. 10), mostrando que esses animais podem apren-
der a escolher o tom mais claro em qualquer conjunto de duas tona-
lidades de cinza. Em sua opinião, esta era “uma prova experimental
magnífica” do papel da Gestalt no comportamento animal (Vygotsky e
Luria, 1930a, pp. 27-8).
Vygotsky também aceitava a conclusão de Köhler de que os
chimpanzés exibiam um insight genuíno. Como se sabe, Köhler (1921,
pp. 133-62) empenhou-se para rebater a idéia de que o comporta-
mento de Sultão especificamente resultasse da lenta formação de
associações, apontando, entre outras coisas, a súbita solução de um
problema pelos chimpanzés depois de muitas tentativas infrutíferas.
Vygotsky concordava com esta análise e tendia a concordar com
Bühler que os chimpanzés são confrontados com novas situações e
experimentam uma espécie de “Aha Erlebnis”.
Por fim, Vygotsky aceitava as evidências (Köhler, 1921, p. 26) de
que as soluções encontradas pelos chimpanzés não são dependentes
da situação concreta específica e, assim, podem ser generalizadas
para outras situações. Diferentes objetos adquirem o valor funcional
(Funktionswert) de um instrumento (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 43).
Chimpanzés, portanto, pareciam demonstrar um comportamen-
to surpreendentemente inteligente, e nenhuma diferença qualitativa
entre animal e homem havia sido comprovada. Porém, Köhler e
Bühler já haviam destacado várias limitações nos desempenhos dos
chimpanzés. Assim, Köhler (1921, p. 192), nos últimos parágrafos
de seu livro, havia afirmado que, aos chimpanzés, “falta o inestimá-
vel instrumento técnico” da fala, e que eles são muito limitados em
seu “mais importante material da inteligência, as chamadas repre-
sentações”. Estes fatores confinavam os chimpanzés à situação
imediata e impediam “mesmo o mais tênue início de desenvolvimen-
to cultural”. Chimpanzés não criam instrumentos para o amanhã,
porque não possuem a linguagem, e têm um poder imaginativo li-
mitado quanto ao tempo, conclui Köhler.
Este raciocínio deu a Vygotsky a primeira pista empírica sobre a
distinção qualitativa entre chimpanzés e seres humanos: os chimpan-
zés não dispunham do “inestimável instrumento técnico” da fala. Será
visto que Vygotsky considerava da maior importância o papel da fala
no comportamento inteligente. As descobertas de Köhler também de-
monstravam que, filogeneticamente falando, fala e intelecto eram fenô-
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 225

menos inicialmente independentes, o que Vygotsky considerou de fun-


damental importância e discutiu com freqüência (p. ex., 1929e; 1929f).
Mas, e quanto ao hábil uso de instrumentos pelos chimpanzés?
Isto não contradizia o pensamento marxista? Também neste ponto
Vygotsky pôde utilizar uma das observações de Köhler. Este havia
notado que os instrumentos não desempenham um papel significa-
tivo na vida dos chimpanzés ou outros animais, pois eles podem
passar facilmente sem artefatos, e, de fato, como Köhler observou,
assim que os chimpanzés entram em um conflito sério, eles largam
suas varas e decidem lutar sem nenhum meio auxiliar. Assim, os
animais realmente apresentam os rudimentos da fabricação e uso
de instrumentos, mas os instrumentos não desempenham um papel
importante em sua adaptação ao meio ambiente. O que Vygotsky
tentou interpretar nisso é que há uma diferença qualitativa entre o
uso de instrumentos pelos animais e pelo homem. Citando Plekhanov,
ele observou que “o que existe em forma embrionária em uma es-
pécie pode tornar-se a característica definidora de uma outra espé-
cie” (Vygotsky, 1930q/1960, p. 422).
Em outra passagem (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 49), ele afir-
mou que os animais demonstram que usam instrumentos, mas não
trabalho. Recebemos, então, a seguinte explicação: animais fabricam
e usam instrumentos, mas esse uso de instrumentos nunca se de-
senvolve em trabalho. Como os animais não desenvolvem o trabalho,
eles não podem desenvolver a fala e, de uma maneira geral, uma
cultura. A situação é completamente diferente para os seres huma-
nos, que são totalmente dependentes em sua vida diária do uso de
vários instrumentos. Em um exemplo típico para a época, Vygotsky
afirmou: “Toda a existência de um selvagem australiano depende de
seu bumerangue, como toda a existência da Inglaterra contemporâ-
nea depende de suas máquinas” (Vygotsky, 1930s, p. viii).
A história dos seres humanos era, para Vygotsky, a história de
artefatos, de órgãos artificiais. Esses artefatos permitiram que os seres
humanos dominassem a natureza, assim como o instrumento técnico
da fala permitiu-lhes dominar seus próprios processos mentais.
Para alguns leitores, esta pode parecer uma solução pobre para
o problema da relação entre a inteligência animal e humana. A so-
lução está na idéia de que, em algum ponto, o uso de instrumentos
é transformado em trabalho, de acordo com a lei dialética que diz
que muitas mudanças quantitativas podem resultar em um pulo
qualitativo (ver Engels, 1925). Assim, uma vez mais, Vygotsky (1930q/
1960, p. 420) — que afirmou que “as investigações de Köhler levam
pela primeira vez à base factual do darwinismo na psicologia em seu
ponto mais crítico, importante e difícil” — optou pela solução dialé-
tica de que a diferença entre animais e seres humanos é tanto uma
questão de grau como de espécie.
226 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Vygotsky não se ocupou muito dos experimentos de Yerkes (1916)


e Yerkes e Yerkes (1928) com macacos e chimpanzés, mas, em relação
a essa pesquisa, fez um comentário que é de interesse para as questões
discutidas neste capítulo. Vygotsky propôs-se a replicar a tentativa de
Yerkes e Learned (1925) de ensinar a linguagem aos chimpanzés, se o
centro de primatas de Sukhumi permitisse, mas sugeriu o uso de um
método diferente: “Talvez possamos ensinar o chimpanzé a usar seus
dedos, como surdos-cegos fazem, ou seja, ensinar-lhes a linguagem
dos sinais” (Vygotsky, 1930q/1960, p. 426). Esta abordagem adotada
por Vygotsky desde seu trabalho defectológico antecipou a idéia do
experimento dos Gardners com Washoe em cerca de 40 anos.

A história do homem: uso das descobertas etnográficas

As afirmações de que aborígenes australianos são muito seme-


lhantes a crianças européias ou de que esquizofrênicos regridem para
um estado similar ao de primatas não seriam levadas muito a sério
pelos especialistas da década de 1990, mas, na virada do século, eram
tão comuns quanto, digamos, a idéia de que os homens eram superio-
res às mulheres. A maioria dos investigadores comparava livremente as
descobertas da antropologia com as da patologia e investigava os pa-
ralelos entre a filogenia e a ontogenia humanas. Lendo a literatura
dessa época, encontra-se com freqüência a idéia implícita ou explícita
de que os desenvolvimentos nesses campos podem ser resumidos sob
o título de “progresso”, um conceito que permitia que se compreendes-
se as descobertas mais ou menos como uma única série contínua de
desenvolvimento. Assim, os animais inferiores haviam progredido, pas-
sando pelos primatas, até o homem primitivo pré-histórico. O homem
pré-histórico, por sua vez, era surpreendentemente semelhante ou até
mesmo idêntico a pessoas não-ocidentais contemporâneas, cujo desen-
volvimento cultural e mental havia se entrincheirado em um dos está-
gios que o homem ocidental já deixara para trás havia muito tempo.
As crianças ocidentais, de alguma maneira, repetiam esse desenvolvi-
mento histórico-cultural, o que as tornava, inicialmente, muito seme-
lhantes a adultos não-ocidentais. Da mesma forma, pessoas adultas
ocidentais podiam regredir a estados do tipo infantil ou não-ocidental
em casos de patologias graves. Esta concepção de progresso contínuo
e regressão acidental era freqüentemente combinada a idéias quanto à
superioridade biológica da raça branca sobre as outras raças e à idéia
de que a cultura de pessoas ocidentais educadas era muito superior à
do homem ocidental comum. É em relação a esse pano de fundo de
idéias atualmente inaceitáveis — embora muitas delas estejam, é claro,
ainda muito vivas no discurso cultural ocidental — que se deve ana-
lisar a teoria histórico-cultural de Vygotsky e, em particular, seus
comentários sobre as mais recentes descobertas etnográficas.
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 227

Durkheim

O entendimento de Vygotsky a respeito de outras culturas e da


relação entre cultura e processos mentais baseava-se em suas leituras
de Durkheim, Lévy-Bruhl e, acima de tudo, Thurnwald. Embora ele às
vezes se referisse a Durkheim de forma bastante crítica (Vygotsky,
1934a, p. 59), pode-se compreender por que as idéias da escola socio-
lógica francesa atrairiam sua atenção. Em primeiro lugar, Durkheim,
com seu contemporâneo Janet, adotava um ponto de vista explicita-
mente genético. Como já foi mencionado, Durkheim (1985, p. 5) defen-
dia a idéia de que qualquer explicação real dos complexos fenômenos
sociais situava-se na reconstrução de seu desenvolvimento. Em segun-
do, Durkheim resistia à idéia de que fosse possível chegar a um esboço
do complexo funcionamento mental por meio de um estudo do indiví-
duo. Em sua opinião, cada sociedade compartilhava um conjunto de
representações coletivas que se impunham (mais ou menos como as
categorias kantianas) ao indivíduo. Essas representações coletivas eram
as portadoras da experiência acumulada de gerações de pessoas e
podiam ser comparadas a instrumentos. Para Durkheim, elas eram
“instrumentos inteligentes de pensamento, que os grupos humanos...
forjaram ao longo dos séculos e onde acumularam seu capital intelec-
tual” (Durkheim, 1985, pp. 23-7). Em sua opinião, as representações
coletivas eram semelhantes a instrumentos, porque estes também re-
presentavam capital — neste caso material — acumulado (1985, p. 27).
Durkheim concluiu que “Para saber do que são feitas concepções que
não foram criadas por nós mesmos, não seria suficiente questionar
nossa consciência: é para fora de nós que temos que olhar, é a história
que temos que observar” (1985, pp. 27-8).
Não é difícil ver como esta concepção influenciou Vygotsky. Subs-
tituindo-se “representações coletivas” por “processos mentais superio-
res”, chega-se a idéias — como ficará claro no restante deste capítulo
— que foram formuladas por Vygotsky em muitas ocasiões. Isto não
quer dizer, é claro, que a teoria histórico-cultural seja equivalente à
abordagem de Durkheim. Para Vygotsky e seus seguidores, Durkheim
não proporcionava uma explicação adequada para a origem das repre-
sentações coletivas e não dava um relato psicológico adequado da
maneira como pessoas individuais as adquiriam. Porém, pode ser visto
que Vygotsky, direta ou indiretamente, através de Lévy-Bruhl, adotou
boa parte da abordagem global de Durkheim, fato este que viria a ser
explorado por seus críticos posteriores (ver capítulo 16).

Lévy-Bruhl

Parte da influência que Lévy-Bruhl exerceu sobre Vygotsky deve


ser atribuída indiretamente a Durkheim. Lévy-Bruhl (1910/1922,
228 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

pp. 1-4) partilhava a concepção de Durkheim sobre as representações


coletivas e afirmava que as funções mentais superiores eram ininteligíveis
enquanto se estudasse o indivíduo (uma idéia derivada de Comte).
Lévy-Bruhl, porém, também proporcionou a Vygotsky descrições mui-
to detalhadas do pensamento primitivo, que Vygotsky usou em suas
caracterizações de culturas primitivas e em suas muitas compara-
ções de crianças com povos primitivos.
A influência de Lévy-Bruhl é mais evidente em Estudos sobre a
história do comportamento. Primata. Primitivo. Criança (Vygotsky e
Luria, 1930a). No segundo capítulo desse livro, Vygotsky relatou
muitas das descobertas de Lévy-Bruhl e seguiu de perto a organi-
zação que este último havia dado ao material. De fato, os títulos e
conteúdo das seções quatro, cinco e seis de Vygotsky foram clara-
mente emprestados dos capítulos três, quatro e cinco de Les fonctions
mentales dans les sociétés inférieures, de Lévy-Bruhl (1910/1922).
Na segunda seção, Vygotsky relatou a controvérsia de Lévy-Bruhl
com a Escola Inglesa de antropologia. Lévy-Bruhl havia criticado
Tylor e Frazer por sua pressuposição de que o funcionamento da
mente humana é idêntico em todas as culturas (1910/1922, pp. 6-
20). Ele, ao menos, deixaria aberta a possibilidade de que a impres-
sionante variedade cultural de representações coletivas correspon-
desse a diferentes funções mentais. Vygotsky concordava inteira-
mente com esse raciocínio: a aceitação do ponto de vista inglês
implicaria que a mente humana não se havia desenvolvido de forma
nenhuma durante a história humana. As únicas diferenças entre as
culturas estariam no conteúdo da experiência, mas os mecanismos
da mente seriam idênticos em todas as épocas e culturas (Vygotsky
e Luria, 1939a, p. 60). Vygotsky reconheceu que Lévy-Bruhl foi o
primeiro a afirmar que os mecanismos do pensamento primitivo não
coincidiam com os do “homem cultural”. Apesar de algumas impre-
cisões, era necessário dar a Lévy-Bruhl o crédito de que
ele foi o primeiro a levantar o problema do desenvolvimento histórico
do pensamento. Mostrou que, por si só, o tipo de pensamento não é
uma unidade constante, mas algo que muda e se desenvolve histori-
camente. Os investigadores que seguiram a estrada indicada por ele
tentaram formular de maneira mais precisa os fatores de que depende
a diferença entre os tipos históricos de pensamento do homem cultu-
ral e do homem primitivo, aquilo em que reside a peculiaridade do
desenvolvimento histórico da psicologia humana (Vygotsky e Luria,
1930a, p. 64).

Podemos ver, portanto, que a idéia fundamental da teoria históri-


co-cultural, qual seja, a idéia de que pessoas de diferentes culturas e
épocas têm processos mentais superiores diferentes, estava presente
no trabalho de Lévy-Bruhl. Foi essa idéia que Luria tentaria corroborar
em suas expedições ao Usbequistão (ver capítulo 10). O fato de Vygotsky
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 229

ter usado as idéias de Lévy-Bruhl não significa que ele tenha aceitado
sua teoria como um todo. Fazendo referência a vários críticos, ele
sugeriu que a caracterização de Lévy-Bruhl para as representações
coletivas primitivas como pré-lógicas havia sido infeliz: vista do ângulo
subjetivo dessas representações, elas eram completamente lógicas.
Vygotsky acrescentou como um ponto crítico adicional que as ações do
homem primitivo em sua vida cotidiana tinham que ser lógicas no
sentido objetivo da palavra: caso contrário, elas simplesmente não
sobreviveriam. Esta crítica, repetida por Luria (1976, p. 8), não foi,
porém, muito convincente, de vez que o próprio Lévy-Bruhl (1922/
1976, p. 141) reconhecia esse ponto e fazia uma distinção explícita
entre o pensamento prático na vida cotidiana e o pensamento místico
sobre parentesco, história etc.
A idéia fundamental de Durkheim e Lévy-Bruhl de que as dife-
renças de mentalidade entre pessoas que viviam em diferentes cul-
turas não era atribuível a suas capacidades individuais tinha um
outro lado. Ela implicava que pessoas que viviam em culturas pri-
mitivas ou “inferiores” não eram, necessariamente, intelectualmente
inferiores a pessoas do mundo ocidental. Lévy-Bruhl, em particular,
enfatizou várias vezes que os primitivos não sofriam de indolência
intelectual (torpeur intellectuelle) ou de fraqueza de espírito (faiblesse
d’esprit) (Lévy-Bruhl, 1922/1976, p. 67). Se eles às vezes pareciam
estúpidos, essa era uma “estupidez aparente”, arraigada no fato de
que nossas perguntas simplesmente não faziam sentido para eles
(Lévy-Bruhl, 1922/1976, p. 39). Uma vez que as representações
coletivas constituíam o mundo dos primitivos, eles estavam, por
assim dizer, vivendo em um outro mundo, um mundo que, em vá-
rios sentidos, não coincidia com o nosso. Como conseqüência, muitas
das questões que o homem ocidental colocava para si próprio sim-
plesmente não se aplicavam a eles (Lévy-Bruhl, 1922/1976, p. 67).
A implicação deste ponto de vista era que não se devia confrontar
pessoas de outras culturas com tarefas tiradas de nossa própria
cultura e, depois, tirar conclusões a partir de seu desempenho pos-
sivelmente fraco. Pois isto seria julgá-los por nossos padrões ociden-
tais e ver seu pensamento como uma forma rudimentar do nosso,
abordagem esta explicitamente condenada por Lévy-Bruhl. Pode-se
notar, portanto, que a abordagem de Lévy-Bruhl, apesar de certas
deficiências (Bunzel, 1966; Thomas, 1976), levava a conclusões que
eram muito valiosas para Vygotsky. Na verdade, dizer que pessoas
de diversas culturas têm diferentes capacidades mentais superiores
mas não diferem essencialmente quanto às suas capacidades bási-
cas está a apenas um passo da declaração de Vygotsky de que seus
processos mentais superiores diferem, mas os processos inferiores
são idênticos. Este era, a propósito, um ponto de vista que contra-
dizia muitos dos contemporâneos de Lévy-Bruhl, que se inclinavam
freqüentemente a atribuir diferenças mentais a capacidades inatas.
230 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Pode-se concluir que Lévy-Bruhl proporcionou a Vygotsky uma


maneira útil de pensar sobre a relação entre cultura e processos
mentais. Além disso, ele forneceu a Vygotsky muitas observações
sobre a maneira como povos primitivos pensavam, e essas observa-
ções etnográficas foram usadas por Vygotsky para reconstruir o
desenvolvimento histórico do pensamento humano e para fazer com-
parações com a ontogenia humana.
Vygotsky aceitava, por exemplo, as descobertas apresentadas por
Lévy-Bruhl (1922/1976, pp. 124-30), que, supostamente, mostravam
que o pensamento de povos primitivos basicamente não trabalhava com
conceitos, mas tinha um caráter muito concreto. O pensamento primi-
tivo não levava à formação de conceitos e conhecimento científico (Lévy-
Bruhl, 1922/1976, p. 203), o que era refletido em sua linguagem, que
era menos desenvolvida do que a nossa e que possuía muito poucos
termos genéricos. Porém, ela possuía uma riqueza de nomes concretos
para todo tipo de objetos (Lévy-Bruhl, 1910/1922, pp. 117-24; 151-
203). Quando povos primitivos usavam termos genéricos, estes geral-
mente eram do tipo inadequado de família de conceitos (descrito por
Wittgenstein), ou seja, várias ocorrências do conceito sobrepunham-se,
mas não havia uma característica única que todas elas compartilhas-
sem (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 98). Vygotsky especulou que essa
característica do pensamento primitivo pudesse explicar o fenômeno de
participação descrito por Lévy-Bruhl. Em muitos casos, em que usaría-
mos conceitos abstratos ou a razão, povos primitivos utilizavam sua
memória prodigiosa (Lévy-Bruhl, 1910/1922, pp. 117-24; 1922/1976,
pp. 35-7), um fenômeno que lembrava a Vygotsky o comportamento de
crianças ocidentais. Em suma, Lévy-Bruhl e Vygotsky concordavam
que o pensamento primitivo era muito concreto e, portanto, refletia
apenas a situação imediata. Ele também estava mais amalgamado com
emoções e impressões visuais. Vygotsky provavelmente não teria obje-
tado se um contemporâneo houvesse dito que essas características do
pensamento primitivo davam-lhe uma posição intermediária entre a
total dependência do campo visual dos primatas e o pensamento abs-
trato ocidental adulto. Ele de fato comparou, seguindo Jaensch (1923;
1925), a memória de povos primitivos com a de uma criança ocidental.
De qualquer forma, as descobertas de Lévy-Bruhl também in-
dicavam que povos primitivos em culturas atrasadas (Vygotsky,
1931n/1983, pp. 67-8) recorriam a estímulos artificialmente criados
para controlar seu próprio comportamento. Como exemplos, Vygotsky
mencionou em várias ocasiões o caso do chefe magololo, que resol-
via um problema sonhando com ele (Lévy-Bruhl, 1922/1976, p.
172); o ato de atirar longe os ossos como procedimento para tomada
de decisões (1922/1976, p. 192-5); e o uso de partes do corpo para
contagem (Lévy-Bruhl, 1910/1922, pp. 204-57). Todos esses exem-
plos de vários métodos cognitivos em culturas não-ocidentais con-
temporâneas eram aceitos por Vygotsky como indicações de que,
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 231

historicamente, o pensamento ocidental havia passado por estágios


em que esses métodos haviam sido predominantes. Ao visitar os
aborígenes australianos, o etnógrafo ocidental, provavelmente um
missionário, estava visitando o passado de sua própria cultura. Esta
conclusão nos coloca de novo diante da questão de Vygotsky ter ou
não, afinal, adotado um esquema evolutivo simples, e se sua teoria
histórico-cultural estava ou não livre de idéias etnocêntricas. Para
resolver essa questão, vamos nos voltar para outra de suas fontes
importantes de informação sobre o funcionamento mental do ho-
mem primitivo: “Psychologie des primitiven Menschen” (“Psicologia
do Homem Primitivo”), de Thurnwald (1922). O livro de Thurnwald
foi publicado com um dos três volumes de uma série editada por
Kafka. O primeiro volume tinha sido escrito pelo próprio Kafka e
tratava de psicologia animal. O segundo era o de Thurnwald, sobre
o homem primitivo. O terceiro volume havia sido escrito por Giese
e dava uma visão geral da psicologia infantil. Assim, os três volumes
cobriam as três principais questões do desenvolvimento, também
reconhecidas por Vygotsky.

Thurnwald

A afirmação básica de Thurnwald era que a mente moderna é


superior à mente pré-histórica. Essa superioridade não podia ser ex-
plicada por diferenças nas características biológicas, mas tinha origens
culturais. A superioridade mental das pessoas atuais devia-se à inven-
ção e acúmulo de meios e processos culturais. Infelizmente, havia muito
pouco conhecimento confiável disponível sobre a cultura e a mente do
homem pré-histórico; portanto, para exemplificar seu ponto de vista,
Thurnwald propôs-se a examinar várias culturas não-ocidentais.
Tal abordagem levantava várias questões, como Thurnwald
percebeu muito bem. Pode-se recorrer ao estudo de pessoas atuais
se o objetivo é estudar o homem pré-histórico? O estudo da cultura
— ou vestígios culturais — de pessoas permitem que se tire conclu-
sões sobre a maneira como essas pessoas pensam (pensavam)? A
cultura do homem ocidental é superior à do homem não-ocidental
“natural” ou “primitivo”? Estas são algumas das perguntas que,
idealmente, teriam que ser respondidas.
Thurnwald não foi muito claro quanto a essas questões, mas
fez quatro afirmações que lançaram alguma luz sobre elas, pelo
menos implicitamente. As afirmações foram que (1) o homem pré-
histórico foi o precursor de todos os seres humanos atuais, (2) a
cultura e a mente do homem pré-histórico eram semelhantes às do
homem “natural” atual, (3) não havia diferença em constituição bio-
lógica entre o homem ocidental e o homem não-ocidental, ou “natu-
ral”, e (4) a cultura e a mente do homem ocidental eram superiores
232 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

às do homem não-ocidental. A primeira afirmação dispensa comen-


tários e não será discutida aqui. Com relação à segunda afirmação,
Thurnwald defendia um ponto de vista cauteloso, dizendo que seme-
lhanças em uma característica cultural (p. ex., tecnologia) não po-
dem nos levar simplesmente a conclusões sobre similaridades em
constituição mental, mas, caso se encontrasse muitas dessas seme-
lhanças ao se estudar uma ampla variedade de costumes e produtos
culturais, então tais conclusões pareciam-lhe justificadas (1922, p.
150). Entre os tópicos analisados por Thurnwald estavam os diferentes
tipos de comunidades em que as pessoas viviam, o papel das mulheres
nessas comunidades, os vários tipos de tecnologias em uso, diferentes
tipos de economia, leis, pensamento moral, música, arte, escrita e
linguagem, sistemas de contagem, pensamento mítico e religião. Sua
pressuposição, que Vygotsky transformaria em uma das bases de sua
teoria, era que a cultura, como meio de controle e conhecimento do
ambiente, não implica meramente perfeição tecnológica, mas também
as capacidades cognitivas que coincidem com ela (1922, p. 154). É
claro que Thurnwald tocou aqui em um problema que ainda está muito
vivo na psicologia intercultural atual (p. ex., Cole e Scribner, 1974;
Berry e Dasen, 1974; Scribner e Cole, 1981). Enfim, Thurnwald de fato
achava que era justificado, após a consideração cuidadosa de muitos
fenômenos culturais, tirar conclusões sobre a cultura e o pensamento
pré-históricos com base no estudo de povos naturais atuais. A terceira
afirmação de Thurnwald era relevante para a concepção dos processos
psicológicos inferiores de Vygotsky. A questão era se as diferentes
culturas de povos primitivos não poderiam ser explicadas por sua
diferente constituição biológica. Várias descobertas, como o início pre-
coce da puberdade entre nativos, pareciam indicar que esses povos de
fato pertenciam a um tipo biológico diferente. Ao contrário de muitos
de seus contemporâneos, porém, Thurnwald achou que as evidências
quanto a esse aspecto não eram conclusivas. Ele não excluía a possi-
bilidade de que tais fenômenos fossem causados por diferentes costu-
mes culturais (p. ex., hábitos alimentares) e concluiu que a existência
de diferentes tipos biológicos entre os povos atuais não havia sido
comprovada. Com relação à quarta afirmação, Thurnwald admitia que,
evidentemente, havia uma enorme variedade de povos “primitivos” ou
“naturais” nos dias atuais. Além disso, esses povos não eram de forma
alguma primitivos no sentido de não terem nenhuma cultura: eles
tinham sua própria, embora pobre, cultura. Neste aspecto, eles esta-
vam muito mais próximos do homem europeu do que dos primatas
(1922, p. 152). Mesmo assim, Thurnwald afirmava, com base no nosso
desempenho tecnológico-cultural e no deles, tendemos a pensar que
somos culturalmente “mais desenvolvidos” do que eles. Somos inclina-
dos a chamar certas culturas de “inferiores”, outras de “superiores”, e
a discernir certos desenvolvimentos “progressivos”. A pressuposição,
evidentemente, é que nossa mente depende historicamente da deles e
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 233

que nossa cultura desenvolveu-se a partir da deles. Isto implicaria que


a cultura de povos não-ocidentais havia atingido um ponto de imobi-
lização no último milênio. Estudando os povos não-ocidentais estaría-
mos, na verdade, estudando nosso próprio passado.
Thurnwald mencionou a idéia de que diferentes culturas pode-
riam, na verdade, ser incomparáveis em uma escala linear. Surpre-
endentemente, ele tendia a concordar com este ponto de vista. Teo-
ricamente falando, Thurnwald afirmou (1922, p. 157) que só se pode
dizer que a cultura humana se ramificou em diferentes direções de
desenvolvimento, mas o “acúmulo” de conhecimento e capacidades
é sentido subjetivamente pelos povos ocidentais — em seu ponto de
vista egocêntrico — como progresso. Na prática, o próprio Thurnwald
mostrava-se mais inclinado para o ponto de vista egocêntrico e, no
seu livro, usa livremente termos como “pobre” e “inferior” para ca-
racterizar as culturas de povos não-ocidentais.
Em suma, provavelmente é justo dizer que Thurnwald era um
etnocêntrico moderado. Ele notadamente achava que as culturas oci-
dentais eram superiores a todas as outras culturas e que estas últimas
culturas representavam um estágio de desenvolvimento mental que os
povos ocidentais já tinham deixado para trás havia muito. Por outro
lado, ele admitia que, em algum ponto de vista objetivo, praticamente
inatingível, esses diferentes níveis de cultura poderiam ser vistos como
variantes culturais equivalentes. Evidentemente, Thurnwald não era,
de forma alguma, o único a pensar desta maneira. Gould (1981), em
um estudo fascinante, mostrou quantos dos grandes homens da his-
tória da psicologia tenderam ao raciocínio etnocêntrico e mesmo racis-
ta. Além disso, posições similares à de Thurnwald estão sendo defen-
didas mesmo hoje. Barash (1986, p. 36), por exemplo, afirmou recen-
temente que “Um aborígene trazido do centro da Austrália para a
Europa ocidental pode pular centenas, se não milhares de gerações de
evolução cultural em poucos anos”.
É muito interessante observar quais elementos do pensamento de
Thurnwald Vygotsky aceitou e quais ele simplesmente ignorou. A pri-
meira coisa a ser notada é que a posição etnocêntrica defendida por
Thurnwald era totalmente partilhada por Vygotsky. Ele concordava
com a idéia de que se pode discernir diferentes níveis de cultura e via
o estudo de pessoas que viviam no “mundo não civilizado” como um
meio legítimo de obter dados sobre a mente primitiva do homem pré-
-histórico (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 58). Vygotsky aceitava também
o ponto de vista de Thurnwald de que a inferioridade cultural desses
povos não era necessariamente causada por fatores biológicos: sua
anatomia e fisiologia não eram muito diferentes das nossas. Na verda-
de, embora Thurnwald tenha escrito que as evidências não eram con-
clusivas, Vygotsky interpretou-o como tendo afirmado que não existia
nenhuma diferença biológica. Este fato é de alguma importância, por
234 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

ter sido a única evidência dada por Vygotsky de sua afirmação de que
os processos psicológicos inferiores — presumivelmente ligados de for-
ma íntima à constituição biológica — eram idênticos para todos os
seres humanos em diferentes culturas e épocas.
Foi muito diferente da de Thurnwald, porém, a seleção que Vygotsky
fez dos fenômenos culturais ao discutir as diferenças entre as várias
culturas. Ele abordou significativamente o conceito de cultura de
Thurnwald, concentrando-se nos fenômenos da linguagem, sistemas
de contagem e escrita, ignorando seus outros assuntos, como os dife-
rentes sistemas de leis, pensamento moral, arte, religião, etc. Pode ter
havido três razões relacionadas entre si para esta seleção específica de
fenômenos culturais relevantes. Em primeiro lugar, pode-se fazer uma
distinção entre evolução cultural social (“soft”) — e tecnológica (“hard”)
(Barash, 1986, p. 41). A evolução social inclui as mudanças em formas
de leis e governo, economia, família, música, arte e religião. A tecno-
logia é a descoberta e implementação de métodos por meio dos quais
os seres humanos podem atuar sobre seu ambiente. Ela descobre as
leis da natureza e tenta manipulá-las. Tendo-se esta distinção em
vista, percebe-se imediatamente que Vygotsky ignorou todos os fenô-
menos pertencentes à evolução social. A razão para esta seleção parece
clara: há muito pouca evidência de progresso neste domínio da cultura
(Barash, 1986, p. 42). Baghwan claramente não é um homem mais
sábio do que foi Cristo, e as criações de Homero evidentemente não são
inferiores às de Kundera, Nabokov ou Frisch. O caso parece diferente
para os tópicos que Vygotsky selecionou: sistemas de escrita, sistemas
de contagem e linguagem. Pelo menos para Vygotsky e seus contem-
porâneos parecia óbvio que, por exemplo, contar usando partes do
corpo era mais limitado do que contar com o uso de números escritos.
Além disso, evidências reunidas por Lévy-Bruhl e outros antropólogos
pareciam indicar que as linguagens dos nativos eram definitivamente
inferiores com relação à formação e uso de conceitos abstratos. Assim,
Vygotsky selecionou os aspectos de cultura que eram marcos na his-
tória humana e em relação aos quais a idéia de progresso cultural era,
intuitivamente, mais plausível. Em segundo lugar, os sistemas de fala
e escrita e os sistemas de contagem podiam ser considerados como
sistemas de signos que serviam a uma dupla função. Sistemas de
contagem e a linguagem escrita e falada não serviam apenas a uma
função definida no mundo exterior — digamos, a preservação da tra-
dição em textos escritos —, mas serviam também como instrumentos
para o crescente controle do comportamento humano. Eram sistemas
de signos que transformavam nosso funcionamento mental, como ins-
trumentos transformavam o universo inanimado (Vygotsky e Luria,
1930a, p. 54). Esta dupla função dos sistemas de signos e a compa-
ração com instrumentos serão discutidas abaixo. Em terceiro, a sele-
ção de procedimentos culturais que poderiam ser considerados como
instrumentos foi, naturalmente, muito afetada pela explicação de Marx
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 235

e Engels para a história do homem. O uso de instrumentos e a lingua-


gem eram considerados, como vimos, características definidoras do
homem (ver Bloch, 1983, para uma crítica inteligente do pensamento
antropomórfico de Marx e Engels).
Assim, Vygotsky selecionou aspectos da cultura relacionados à tecno-
logia para a comparação de culturas, pois a tecnologia havia mudado
radicalmente a aparência das culturas ocidentais, ao passo que ne-
nhum progresso era evidente em outros aspectos da cultura. A escolha
desses aspectos conformava-se com a antropologia marxista e também
era coerente com o fascínio de Vygotsky pelos escritos de Bacon. Bacon
foi chamado de “mestre filósofo” da tecnologia (Von Wright, 1988). As
palavras de Bacon foram usadas várias vezes por Vygotsky (1928p, p.
76; 1929s, p. 418; Vygotsky e Luria, 1930a, p. 7) para ilustrar esta
idéia: “Nem a mão nua nem o entendimento, deixados por si só, podem
realizar muita coisa. É por meio de instrumentos e auxílios que o
trabalho é feito...” (Bacon, 1620/1960, p. 39).
Esta seleção específica de fenômenos culturais tornou Vygotsky
particularmente vulnerável à tendência, já presente no pensamento de
Thurnwald, de comparar diferentes culturas em uma escala linear. E,
de fato, foi isso que ele fez em várias publicações, e essa abordagem
lhe traria muitas críticas (ver capítulo 16). Em Vygotsky (1929i), por
exemplo, ele afirmou que o nível de desenvolvimento social e cultural
das minorias nacionais — tendo em mente, por exemplo, a cultura
islâmica no Usbequistão — era “baixo”. Dentro dos cinco anos seguin-
tes — era a época do Primeiro Plano Qüinqüenal — essas culturas
tinham que “dar um pulo grandioso na escada de seu desenvolvimento
cultural, saltando sobre toda uma série de níveis históricos”. Vygotsky
caracterizou as minorias nacionais como “atrasadas” e julgou que um
“desenvolvimento cultural forçado” era essencial para se atingir “uma
cultura socialista unificada” (Vygotsky, 1929i, p. 367).
Porém, enfatizar a cultura em si como a causa fundamental das
diferenças mentais entre pessoas pertencentes a diferentes culturas
teve seus aspectos positivos. Com base nos escritos de Lévy-Bruhl e
Thurnwald, Vygotsky rejeitou a idéia, defendida por contemporâneos
como Burt, Terman e Yerkes, de que diferentes desempenhos mentais
podiam ser inteiramente explicados por fatores biológicos. Ele viu cla-
ramente que testes mentais nunca poderiam ser justos em termos
culturais e criticou seu uso no julgamento das capacidades mentais de
povos não-ocidentais, enfatizando que o funcionamento mental das
pessoas sempre deveria ser julgado em relação ao pano de fundo de
sua cultura e circunstâncias pessoais (p. ex., Vygotsky, 1929i, p. 369).
Resumindo, pode-se dizer que Vygotsky estava totalmente de acordo
com muitos de seus contemporâneos ao caracterizar diferentes cultu-
ras como “superiores” ou “inferiores”. A posição etnocêntrica que ele
defendia e sua discussão de descobertas culturais relevantes foram
236 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

grandemente influenciadas por Thurnwald (1922). Vygotsky evitou, ao


contrário de muitos de seus colegas, o erro de explicar diferenças
culturais e mentais por referência a diferenças biológicas ou mesmo
raciais, também inspirado por Thurnwald. Neste aspecto, sua teoria
histórico-cultural representou um indiscutível passo à frente em nosso
entendimento de povos de diferentes ambientes culturais. As declara-
ções atualmente inaceitáveis sobre culturas “inferiores” devem ser con-
sideradas em relação ao pano de fundo do desejo sincero de Vygotsky
— um desejo que havia se tornado um slogan na sociedade soviética
da década de 1920 — de emancipar todos os cidadãos e libertá-los do
jugo do sistema “feudal” pré-revolucionário.
O estudo de Thurnwald não proporcionou a Vygotsky apenas
uma maneira de pensar sobre a cultura e sua relação com o pen-
samento: como no caso dos escritos de Lévy-Bruhl, ele serviu tam-
bém como uma fonte de conhecimento sobre outras culturas. Mais
importante ainda, Thurnwald discutiu várias descobertas que
Vygotsky pôde utilizar para sua teoria de que os sistemas de signos
serviam a uma dupla função e que eram semelhantes, em certo
sentido, a instrumentos.
De maior interesse foram as análises de Thurnwald sobre recur-
sos mnemônicos, sistemas de contagem e sistemas de escrita primiti-
vos. Com relação aos sistemas de contagem, ele observou (1922, p.
273-5) que a contagem primitiva estava muito ligada a imagens con-
cretas e que os numerais eram vistos freqüentemente como nomes
para um conjunto concreto de objetos: numerais eram representados
com freqüência por meio de objetos concretos ou animais (como um
crocodilo, por causa do seu número de dentes) e, em muitas culturas,
os procedimentos de contagem faziam uso de partes do corpo. Em
geral, portanto, os sistemas de contagem eram tão pouco abstratos e
descontextualizados quanto, supostamente, a linguagem primitiva (1922,
p. 269). Thurnwald observou também que povos primitivos não com-
pletavam tarefas que estivessem muito distantes de suas experiências
concretas da vida cotidiana. Por exemplo, um sujeito a quem Thurnwald
pediu que contasse até o mais longe que pudesse usando porcos ima-
ginários como unidades recusou-se a contar acima de 60, uma vez que
um número maior de porcos estava simplesmente fora da realidade
(1922, p. 274). Thurnwald concluiu que os povos primitivos estavam
muito ligados à sua realidade concreta e recusavam-se a realizar tare-
fas abstratas. Luria viria a observar esse fenômeno novamente no
Usbequistão (ver capítulo 10) e Petrova reconheceu-o em “crianças
primitivas” (ver capítulo 4).
Diferentes sistemas de recursos mnemônicos foram analisados
por Thurnwald (1922, pp. 243-65) de forma detalhada e considerados
por ele como a origem de nossos sistemas de escrita atuais. Para
Thurnwald, os recursos mnemônicos originaram-se como meios indivi-
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 237

duais para superar o tempo que mais tarde tornaram-se convenciona-


lizados e começaram a servir como um meio de comunicação dentro de
uma comunidade (1922, pp. 243-4). Ele analisou vários sistemas,
mencionando de passagem o exemplo favorito de Vygotsky de um nó
feito em um lenço. Quatro dos exemplos de Thurnwald para demons-
trar vários dos sistemas de códigos mais primitivos — como o sistema
Quippu peruano de atar nós em cordas (um sistema de origem inca
atualmente chamado “quipo”; cf. Alcina Franch e Palop Martínez, 1988,
pp. 116-19) — foram reproduzidos por Vygotsky (ver figuras 31, 32 [p.
244], 33 [p. 245] e 35 [p. 247] em Thurnwald, 1922; e as figuras 14,
15 [p. 81], 16 [p. 82] e 19 [p. 86] em Vygotsky e Luria, 1930a). A
análise de Thurnwald sobre vários sistemas de escrita e o desenvolvi-
mento de sistemas pictográficos para ideográficos foi retomada por
Vygotsky e influenciou claramente sua pesquisa e a de Luria. O estudo
de Luria (1929d/1978) sobre o desenvolvimento da escrita na criança,
por exemplo, foi uma tentativa de mostrar que as crianças também
passam por uma fase pictográfica e ideográfica em sua atividade sim-
bólica.
É interessante notar que Vygotsky, de uma maneira geral, in-
clinava-se um pouco mais a interpretar as descobertas etnográficas
de Thurnwald de uma maneira evolutiva desenvolvimentista do que
o próprio Thurnwald. Um exemplo pode ilustrar melhor o raciocínio
de Vygotsky a esse respeito. Tendo discutido o “hábito africano” de
transmitir mensagens importantes por meio de um mensageiro que
reproduz a mensagem palavra por palavra, Vygotsky comparou esse
sistema ao sistema quipo peruano e concluiu: “Basta comparar a
memória do mensageiro africano que... faz uso exclusivo de sua
memória eidética natural com a memória do “oficial de nós” perua-
no, cuja tarefa era amarrar e ler o Quippu para ver em que direção
segue o desenvolvimento da memória humana conforme a cultura se
desenvolve” (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 85).
O que Vygotsky quer dizer aqui é que povos muito primitivos
lembravam as coisas retendo a experiência vívida e concreta do acon-
tecimento — a mneme (Semon, 1920) —, ao passo que povos cultural-
mente mais avançados desenvolveram meios técnicos para fazer a mesma
coisa. Ao fazer isso, eles desenvolveram uma memoria technica (cf.
Yates, 1984), que substituiu a memória eidética natural e acabaria por
causar seu definhamento. É claro, a sugestão era de que um desen-
volvimento similar seria discernível no desenvolvimento infantil.
Uma outra diferença entre a interpretação de Thurnwald e a de
Vygotsky para as descobertas etnográficas surge em sua análise da
origem dos auxílios mnemônicos. Enquanto Thurnwald sugeriu que
esses métodos originavam-se como meios individuais de reter informa-
ções que, mais tarde, tornavam-se convencionalizados e começavam a
servir à função social de comunicação, Vygotsky escreveu que os sig-
238 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

nos iniciais “eram usados não tanto para si próprio quanto para os
outros, com metas sociais... só mais tarde tornaram-se também signos
privativos” (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 86). Esta direção de processos
externos para internos estava fortemente conectada com a crescente
convicção de Vygotsky de que muitos procedimentos culturais podiam
ser vistos como análogos a instrumentos.

Instrumento e signo

Ao analisar o desempenho de Sultão e outros chimpanzés, Köhler


(1921, p. 192) conclui que lhes faltava “o inestimável instrumento
técnico” da fala. Desprovidos da fala e de representações duradou-
ras, eles só eram capazes de solucionar problemas quando o instru-
mento necessário era introduzido em seu campo visual, alterando,
desta forma, toda a Gestalt. Alguns anos depois, Koffka (1925) sugeriu
que, talvez, pudéssemos ver a fala humana como análoga ao uso de
instrumentos por chimpanzés. As palavras usadas por crianças
poderiam ser consideradas, em certo sentido, semelhantes à vara
dada aos chimpanzés: sua introdução alterava a Gestalt e possibi-
litava a solução da tarefa (Koffka, 1925, p. 243). É claro que Koffka
foi apenas um em uma longa série de pensadores (p. ex., Dewey,
1910, pp. 314-18) que sugeriram que a fala poderia ser vista como
um instrumento ou ferramenta do pensamento, mas sua observação
foi particularmente importante para Vygotsky, porque foi feita em
um contexto filogenético e ligada a vários campos do desenvolvimen-
to que eram de relevância vital para a antropologia marxista. Além
disso, as descobertas etnográficas relatadas por Lévy-Bruhl e
Thurnwald — por exemplo, o lançamento de ossos como um proce-
dimento de tomada de decisões, o uso de partes do corpo em pro-
cedimentos de contagem e o uso de vários recursos mnemônicos e
sistemas de escrita — sugeriam que, historicamente, os seres huma-
nos haviam desenvolvido vários instrumentos culturais para auxiliar
seu desempenho mental. Combinando essas idéias com várias su-
gestões feitas por Ribot, Binet, Claparède, Durkheim e outros,
Vygotsky tentou elaborar a idéia de que recursos culturais, princi-
palmente a fala, eram, em vários sentidos, semelhantes a instru-
mentos. Naturalmente, uma demonstração convincente da seme-
lhança entre instrumentos e o recurso exclusivamente humano da
fala seria mais uma prova maravilhosa da validade do pensamento
marxista.
O comportamento humano, Vygotsky (1930z/1960) raciocinou,
consiste em dois tipos de processos: (1) atos inferiores naturais que
se desenvolveram no curso da evolução e são compartilhados com
animais (superiores), e (2) atos instrumentais artificiais que evoluí-
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 239

ram na história humana e são, portanto, especificamente humanos.


A relação entre atos naturais e artificiais foi resumida por Vygotsky
(1928p, p. 63; 1929s, p. 420; 1930z/1960, p. 104; 1931n/1983, p.
111) em sua conhecida figura do triângulo.

A B

FIGURA 9.1. A relação entre memória natural e memória artificial

A figura mostra a relação entre processos naturais e artificiais


para o caso da memória. Na memória natural, a ligação entre dois
estímulos A e B é estabelecida através do processo direto de formação
de reflexo condicionado: A e B são associados uma ou mais vezes,
depois do que a apresentação de A irá levar à expectativa de B. Esta,
presumivelmente, é a maneira pela qual os animais lembram-se de
informações. Na memória artificial, ou instrumental, é utilizado um
auxílio mnemotécnico intermediário X, por exemplo, um nó em um
lenço. Assim, para lembrar que, em um dia específico (A), tem-se que
telefonar para uma pessoa específica (B), pode-se simplesmente repetir
muitas vezes para si mesmo: “No dia A, tenho que ligar para B”. Isto
estabeleceria uma ligação associativa direta entre A e B. Porém, tam-
bém se poderia introduzir um terceiro elemento X na situação, fazendo
uso de um nó em um lenço, ou algum outro auxílio mnemônico (X). A
ligação entre A e B, então, é estabelecida de uma maneira menos
direta, ou mediada. Pois A (o fato de que este é o dia específico) levará
a X (o nó amarrado), e X, por sua vez (perceber o nó em algum
momento durante o dia) irá produzir o ato de telefonar para B. Este
tipo de lembrança de informações que faz uso de um instrumento
intermediário X é, presumivelmente, especificamente humano.
Vygotsky destacou várias vezes que não havia nada de extraordi-
nário ou sobrenatural nesses atos instrumentais: todo ato instrumen-
tal, artificial ou cultural — ele inicialmente usava o termo priem (mé-
todo, recurso, truque), um termo muito usado por seu contemporâneo,
o formalista Shklovsky — pode ser totalmente decomposto nos atos
naturais componentes. Pois o ato artificial complexo (A–X–B), é com-
posto de dois reflexos condicionados comuns (A–X e X–B) e nada mais.
Para Vygotsky (1928p, pp. 61-2), a singularidade dos atos instrumen-
tais, portanto, residia inteiramente em sua estrutura: eles estavam tão
sujeitos às leis de associação quanto qualquer outro ato mais simples.
240 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Em sua opinião, “A cultura em geral não cria nada novo acima do que
é dado pela natureza, mas transforma a natureza de acordo com os
objetivos do homem” (1928p, p. 61), e os atos instrumentais envolviam
o “uso ativo de propriedades naturais do tecido cerebral” (1930aa/
1982, p. 104). Este ponto de vista viu-se confirmado no trabalho do
psicólogo dinamarquês Høffding (1892, p. 198), cuja declaração, “o
pensamento, no sentido real da palavra, não pode libertar-se dessas
leis [de associação], assim como é impossível tornar inoperantes as leis
da natureza externa por meio de qualquer máquina artificial; mas,
como acontece com as leis físicas, podemos direcionar as leis psicoló-
gicas para servirem aos nossos objetivos”, Vygotsky citou de forma
aprovadora.
Ao enfatizar a natureza reflexa dos componentes dos atos instru-
mentais, Vygotsky tentava dar uma base científica natural sólida para
as funções superiores. Fica claro que, desde o começo, ele procurou
oferecer uma explicação dos processos culturais que estivesse de acor-
do com uma abordagem científico-natural (na verdade, em alguns
aspectos, praticamente behaviorista) e tentou evitar construções espi-
ritualistas pouco fundamentadas. Esta atitude permaneceu a mesma
ao longo de suas várias análises da teoria histórico-cultural, como
torna-se evidente na citação a seguir, da última versão dessa teoria.
Como é bem sabido, a lei fundamental de nosso comportamento diz que
o comportamento é determinado por situações, que a reação é induzida
por estímulos e, portanto, que a chave para a domínio do comporta-
mento está no domínio dos estímulos. Não podemos dominar nosso
comportamento de outra maneira a não ser por meio dos estímulos
correspondentes... Neste aspecto, o comportamento do homem não
constitui uma exceção às leis gerais da natureza... (Vygotsky, 1931n/
1983, p. 278)

A abordagem de Vygotsky levou a uma visão dialética do compor-


tamento humano em que podiam ser discernidos vários níveis, mas
evitou a postulação de qualquer intervalo entre eles. Em anos poste-
riores, seguindo Bühler (p. ex., 1919, pp. 7-23, pp. 45-51), ele distin-
guiu com freqüência três desses níveis comportamentais. Em primeiro
lugar, temos o nível comportamental das reações inatas, ou reflexos
não-condicionados. Para Vygotsky, estas se desenvolveram na evolução
biológica conforme exposta por Darwin, e ele freqüentemente as apro-
ximava do termo “instinto” usado por Bühler. Em segundo lugar, temos
o nível comportamento dos reflexos condicionados, conforme foram
analisados pela primeira vez por Pavlov. Este nível do comportamento
era equivalente ao nível chamado “treinamento” (Dressur) por Bühler.
Vygotsky raciocinou que, uma vez que a formação de reflexos condicio-
nados baseia-se na associação de reflexos não-condicionados com os
estímulos ambientais e, como estes últimos diferem para cada indiví-
duo, Pavlov, em certo sentido, havia dado uma explicação da origem de
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 241

organismos individuais. Em muitas ocasiões, ele resumiu a contribui-


ção de Darwin e Pavlov neste contexto com as seguintes palavras:
“Enquanto Darwin explicou a origem das espécies, Pavlov explicou a
origem dos indivíduos” (p. ex., Vygotsky e Luria, 1939a, p. 11). Em
terceiro lugar, temos o nível comportamental dos processos intelec-
tuais, equivalente ao “intelecto” (Intellekt) de Bühler, que envolve o uso
de instrumentos culturais. Como vimos, esses atos instrumentais po-
dem ser considerados como combinações de reflexos condicionados.
Embora não tenha ficado totalmente claro como Vygotsky pode-
ria combinar sua própria teoria de dois níveis (atos naturais e cul-
turais) com o modelo de três níveis de Bühler, pode-se compreender
seus motivos para fazer isso. É possível concluir que, para ele, cada
nível superior de comportamento podia ser analisado em suas par-
tes componentes inferiores. O aspecto diferente de cada novo nível
residia unicamente na combinação estrutural desses elementos
(Vygotsky, 1928p, p. 64; 1930aa/1982, p. 106). Combinando Darwin,
Pavlov e Bühler, Vygotsky tentava ligar os atos culturais instrumen-
tais aos processos naturais, incluindo-os, assim, em um quadro de
referência científico natural.
Os recursos mnemotécnicos e outros usados por seres humanos para
melhorar seu desempenho têm o caráter de signos, afirmou Vygotsky.
São artefatos sociais projetados para dominar e, portanto, melhorar
nossos processos psicológicos naturais. Como exemplos de signos, ele citou
palavras, números, recursos mnemotécnicos, símbolos algébricos, obras
de arte, sistemas de escrita, esquemas, diagramas, mapas, plantas etc.
(Vygotsky, 1930aa/1982, p. 103). A partir dessa lista, é óbvio que qualquer
estímulo que possa representar um outro estímulo pode ser visto e usado
como um instrumento ou signo psicológico. Este era, de fato, o ponto de
vista de Vygotsky. É o ser humano quem decide que alguns estímulos
podem servir como meios de operar sobre outros estímulos, criando,
assim, duas classes de estímulos: (1) estímulos-meios (stimuly-sredstvy),
ou signos, e (2) estímulos-objetos (stimuly-ob’ekty) (Vygotsky, 1930aa/
1982, p. 105). Quando estímulos-meios e estímulos-objetos eram com-
binados em um só ato, Vygotsky falava de atos instrumentais.
Para Vygotsky, a inclusão de signos no ato psicológico levava a
importantes mudanças estruturais. Seu uso implicava que (1) novas
funções psicológicas ficavam envolvidas, (2) vários processos naturais
acabariam por declinar, e (3) propriedades do ato como um todo, como
sua intensidade e duração, iriam mudar (1930aa/1982, p. 105). Ele
concluiu que “A inclusão de um signo em um ou outro processo com-
portamental... reforma toda a estrutura da operação psicológica, assim
como a inclusão de um instrumento reforma toda a estrutura de uma
operação de trabalho” (Vygotsky, 1928p, p. 64; 1930aa/1982, p. 103).
Vygotsky argumentou que a maneira como a introdução de sig-
nos, ou estímulos-meios, mudava toda a estrutura psicológica asseme-
242 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

lhava-se à maneira como instrumentos mudam operações de trabalho.


Tanto o instrumento como o signo formam uma ligação intermediária
entre objeto e operação, entre objeto e sujeito. Tanto operações de
trabalho quanto atos instrumentais são atos mediados, ou seja, envol-
vem um terceiro elemento que se coloca entre os seres humanos e a
natureza. A diferença essencial entre atos psicológicos instrumentais e
operações de trabalho é que os signos visam a controlar a psique e o
comportamento de outros e do próprio indivíduo, enquanto os instru-
mentos são empregados para dominar a natureza ou objetos materiais.
Uma outra diferença é que os estímulos, distintamente dos instrumen-
tos (que são selecionados por causa de suas características materiais,
como flexibilidade ou dureza), não se tornam signos por causa de suas
propriedades intrínsecas: qualquer estímulo pode representar qualquer
outro estímulo (Vygotsky, 1930aa/1982, pp. 103-6).
Pode-se concluir que Vygotsky deu a seguinte explicação peculiar
do uso e significado dos instrumentos culturais na história humana.
Os seres humanos inventaram, na história humana, um conjunto de
instrumentos culturais, como o sistema quipo inca, que podem ser
considerados como estímulos-meios, ou signos. Com a ajuda desses
signos, eles dominaram seus próprios processos psicológicos, melho-
rando imensamente, assim, o seu desempenho. Tal uso de signos ex-
ternos para dominar processos psicológicos internos significa que o
homem domina a si próprio assim como dominou a natureza — ou
seja, de fora. A história humana, então, é, por um lado, a história do
domínio cada vez maior do homem sobre a natureza através da inven-
ção de instrumentos e do aperfeiçoamento da tecnologia e, por outro
lado, é a história do gradual controle do homem sobre si mesmo atra-
vés da invenção da “técnica cultural dos signos” (Vygotsky, 1928p, p.
76). A conclusão otimista a ser tirada da explicação de Vygotsky para
a história humana é que se poderia ver um progresso definido em dois
aspectos: o homem moderno suplantou seus precursores por meio de
(1) seu domínio superior sobre a natureza através da tecnologia, e (2)
seu controle aperfeiçoado sobre si mesmo através da “psicotecnologia”.
Seria preciso a Segunda Guerra Mundial e a poluição ambiental gene-
ralizada dos últimos tempos para fazer as pessoas começarem a ques-
tionar seriamente essas afirmações.

Evolução e história: conclusões

O problema fundamental para Vygotsky e outros marxistas era


conciliar a explicação darwiniana da evolução humana com a ima-
gem do homem como o criador consciente de seu próprio destino e
da nova sociedade de prosperidade e alegria eterna. Naturalmente,
então, o problema era apresentar uma explicação da origem da
humanidade que reconhecesse as teorias de Darwin mas, ao mesmo
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 243

tempo, destacasse os seres humanos como algo muito especial no


reino animal.
Estamos, agora, em condições de resumir a maneira como Vygotsky
lidou com esse problema em sua teoria histórico-cultural. Para ele, a
antropogenia podia ser dividida em dois períodos de tempo que se
sobrepunham: o período muito longo da filogênese e o período relati-
vamente curto da história humana. Em sua opinião, durante a filogênese
a evolução biológica havia levado ao desenvolvimento da espécie Homo
sapiens, que, conseqüentemente, tinha muitas características em co-
mum com os animais superiores. Estas características comuns inclu-
íam semelhanças não só na anatomia e fisiologia, mas também em
processos comportamentais. Estes últimos baseavam-se no que Vygotsky
denominou como processos psicológicos “naturais” ou “inferiores”.
A invenção de instrumentos primitivos marcou o início da his-
tória humana e desencadeou todo um conjunto de desenvolvimentos
biológicos e psicológicos, como o desenvolvimento da mão com um
domínio maior do polegar e a expansão do cérebro humano a seu
tamanho atual. Estes desenvolvimentos foram concomitantes ao
desenvolvimento de sistemas de signos externos, como recursos
mnemotécnicos e a fala. O uso de vários sistemas de signos possi-
bilitou o aumento do controle sobre a psique humana, e todas as
pessoas contemporâneas fazem uso de muitos desses sistemas cul-
turais em seu funcionamento mental. Quando os sistemas de signos
eram incluídos no funcionamento mental, Vygotsky falava de pro-
cessos psicológicos “instrumentais”, “culturais” ou “superiores”.
Assim, embora algumas pequenas mudanças evolutivas sem
dúvida tenham ocorrido durante a história humana, para Vygotsky
todas as pessoas contemporâneas faziam parte de uma única espé-
cie e, como tal, variavam anatomicamente, fisiologicamente e, em
certa medida, psicologicamente dentro de uma faixa muito estreita.
Eram os processos psicológicos “naturais” ou “inferiores” que todas
elas tinham em comum. Porém, seu funcionamento mental variava
de forma marcante, dependendo dos vários sistemas de símbolos
usados dentro das diferentes culturas. Embora tendo cérebros idên-
ticos e processos psicológicos inferiores idênticos, pessoas de dife-
rentes substratos culturais podiam apresentar processos psicológi-
cos superiores (p. ex., pensamento) profundamente diferentes.
Vygotsky afirmava que o cérebro humano tinha condições de pro-
cessar diferentes sistemas de signos, cada um deles levando a proces-
sos psicológicos superiores diversos. Os sistemas de signos em si cons-
tituíam a herança de cada cultura e tinham que ser dominados por
cada membro da cultura. Este processo de domínio dos recursos cul-
turais será descrito em detalhes nas seções dedicadas à ontogênese
humana, mas algumas características dele podem ser mencionadas
aqui. Era específica do pensamento de Vygotsky a afirmação de que os
244 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

recursos culturais eram acessíveis para cada novo membro potencial


da cultura na forma de sistemas públicos de signos (ou símbolos) que
precisam ser dominados primeiramente através de um ato manifesto.
Assim, as crianças primeiro aprendem a ler em voz alta e só depois
começam a ler para si mesmas (um hábito que, pelo menos na Europa
ocidental, iniciou-se apenas na Idade Média; ver Geertz, 1973, pp. 76-
7). Além disso, elas começam a contar nos dedos e só depois “na
cabeça”. Elas primeiro usam recursos mnemônicos externos, como nós
em lenços, e só mais tarde passam aos recursos internos, como pala-
vras ou orações. Portanto, Vygotsky afirmava em geral que os sistemas
de signos culturais são primeiramente dominados em um ato manifes-
to e só mais tarde podem começar a funcionar internamente, após um
processo complexo de internalização.
Esta idéia implicava que o pensamento humano, e processos psi-
cológicos superiores em geral, são primariamente atos manifestos con-
duzidos em termos dos materiais objetivos da cultura comum, e ape-
nas secundariamente uma questão privativa (cf. Geertz, 1973, p. 83).
A origem de todos os processos psicológicos superiores, especificamen-
te os humanos, não pode, portanto, ser encontrada na mente ou no
cérebro de uma pessoa individual, mas deve ser procurada nos siste-
mas de signos sociais “extracerebrais” que uma cultura proporciona.
Assim, a concepção de Vygotsky quanto às diferenças intercul-
turais entre o funcionamento mental de pessoas diferia de várias
outras posições bem conhecidas. Ao contrário de seus predecessores
Spencer e Stanley Hall, ele negava a existência de qualquer diferen-
ça genética entre os membros de diferentes culturas. Ao contrário de
antropólogos como Bastian, Tylor e Frazer (ver Klausen, 1984) — e
de pensadores estruturalistas contemporâneos como Lévi-Strauss
(cf. Tulviste, 1988a) —, ele achava que o pensamento de pessoas
pertencentes a diferentes culturas diferia de maneira fundamental.
Em sua opinião, tanto o conteúdo como a forma do pensamento
humano baseavam-se nos sistemas simbólicos disponíveis.
Na medida em que Vygotsky classificava as pessoas pertencen-
tes a diferentes culturas em uma escada evolutiva imaginária, essa
era uma classificação baseada não em diferenças genéticas ou ra-
ciais, mas em supostas diferenças qualitativas das respectivas cul-
turas. Ele achava, como muitos de seus contemporâneos, que era
possível comparar culturas de uma maneira global e ordená-las em
uma espécie de escada evolutiva. Por mais controversa que essa
concepção possa ser, ela harmonizava-se com o clima otimista geral
da época: as pessoas pertencentes às várias culturas “atrasadas” da
União Soviética poderiam ser (re)educadas em um período de tempo
relativamente curto, talvez uns poucos anos.
Até aqui, ainda não foi analisado de que modo as pessoas in-
dividuais pertencentes a uma cultura específica dominam os siste-
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 245

mas de signos correspondentes e como esses sistemas tornam-se


internalizados. Também não analisamos como esse processo afeta a
mente humana e se é possível distinguir diferentes graus ou fases
no “controle dos signos” sobre a mente. Estas e outras questões
serão tratadas quando examinarmos a explicação que Vygotsky dá
para o desenvolvimento infantil.

Desenvolvimento infantil: duas linhas

A afirmação básica de Vygotsky, apresentada em Vygotsky,


1928p, era que no desenvolvimento de cada criança pode-se distin-
guir duas linhas: a linha do desenvolvimento natural, ou seja, os
processos de crescimento e maturação, e a linha do desenvolvimento
cultural, ou o domínio de vários meios ou instrumentos culturais.
Como foi indicado acima, esta distinção apoiava-se fortemente na
teoria zoopsicológica de Vagner. Embora essa bifurcação do desen-
volvimento infantil nos faça lembrar imediatamente dos períodos
biológico e histórico de desenvolvimento na filogenia humana,
Vygotsky negava que o desenvolvimento infantil refletisse estrita-
mente essa filogenia, enfatizando o caráter profundamente particu-
lar de cada um desses domínios do desenvolvimento. Um dos aspec-
tos em que os dois obviamente diferiam era o fato de que crianças
nascem em uma cultura já pronta, que elas têm que aceitar da
maneira como a encontram (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 157).
Na prática, era muito difícil distinguir entre a linha de desenvol-
vimento natural e cultural, afirmou Vygotsky, mas felizmente o pesqui-
sador tinha alguns métodos à sua disposição. Primeiramente, ele podia
estudar o caso especial de crianças “defeituosas”. No caso dessas crian-
ças, podemos ver a diferença entre os desenvolvimento cultural e na-
tural com mais clareza, de vez que os instrumentos culturais normais
não estão ajustados à sua constituição fisiológica anormal e, conse-
qüentemente, os desenvolvimentos natural e cultural irão divergir (ver
capítulo 4). Em segundo lugar, era possível reconstruir a maneira como
os processos naturais e culturais se entrelaçam em um ambiente ex-
perimental. A partir do método especialmente projetado da dupla
estimulação, obtinha-se desenvolvimentos que constituíam um modelo
excelente do desenvolvimento da criança normal (ver abaixo).
Para Vygotsky, a fala era de longe o instrumento cultural mais
importante, e ele devotou uma grande quantidade de energia ao
estudo da integração da fala a outros processos mentais, entre eles
principalmente a resolução de problemas, ou ao pensamento. Mas,
como foi observado acima, os instrumentos culturais também po-
diam ser mapas, diagramas, símbolos abstratos, etc. Ele acreditava
que o desenvolvimento infantil era, em grande medida, equivalente
ao domínio desses vários instrumentos culturais. À luz desta idéia,
246 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

não admira que Vygotsky e Luria viessem a afirmar com freqüência


que o desenvolvimento cultural da criança era precedido por um
período de desenvolvimento “natural” ou “primitivo”. Aparentemente,
por volta de 1930, ambos ainda achavam que o primeiro período da
vida da criança podia ser explicado em grande medida pela linha
natural de desenvolvimento. Recém-nascidos e bebês, segundo esta
concepção, ainda não possuíam meios culturais apropriados sufi-
cientes, portanto levavam uma vida de taciturnidade “primitiva”,
não-social. O domínio de cada novo instrumento cultural era prece-
dido de um período de desenvolvimento cultural. Como alguns ins-
trumentos culturais são dominados relativamente tarde na infância,
isto levou Vygotsky e Luria a caracterizar os desempenhos de crian-
ças de, às vezes, sete ou oito anos de idade como demonstrações de
seu desenvolvimento “natural”.
Esta concepção ficou particularmente clara no capítulo de Luria
de Estudos sobre a história do comportamento (Vygotsky e Luria, 1930a).
Referindo-se às descobertas de Freud, Piaget e sua velha amiga Vera
Schmidt (ver capítulo 5), Luria descreveu as crianças como, inicialmen-
te, “seres orgânicos”, que mantinham sua taciturnidade por um longo
tempo e que precisavam de uma pressão cultural prolongada para
fortalecer sua ligação com o mundo e substituir seu pensamento na-
tural primitivo pelo pensamento cultural. Em suas próprias palavras:
Mas a questão é que ela [a criança] nasce isolada (otorvannym) de [sua
cultura] e não é imediatamente integrada nela. Esta integração nas
condições culturais não é tão simples quanto vestir roupas novas: ela
é acompanhada por transformações profundas no comportamento, pela
formação de seus mecanismos novos, fundamentais e específicos. Por
isso é muito natural que cada criança tenha, necessariamente, seu
período primitivo pré-cultural (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 157).

É evidente que Luria estava usando um conceito de cultura muito


semelhante ao que foi apresentado na análise sobre a história humana
acima. No contexto do desenvolvimento intelectual da criança, a cultu-
ra era concebida como um arsenal de instrumentos, artifícios e dispo-
sitivos que ampliavam o nível de desempenho. Neste sentido, era jus-
tificável que Vygotsky e Luria apresentassem a criança pequena como
pré-cultural: de fato, crianças muito pequenas não conhecem os arti-
fícios culturais sofisticados que Vygotsky e Luria tinham em mente.
Mas, em um sentido mais amplo da palavra, essas crianças eram,
claro, seres “culturais”. Elas viviam em ambientes culturalmente
estruturados, experimentavam as relações pessoais, religião, arte etc.,
características de sua própria cultura específica.
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 247

Rearmamento

Na citação reproduzida acima, Luria afirmou que o domínio dos


meios culturais não era equivalente à colocação de roupas novas.
Esta foi uma observação importante, pois os exemplos que ele for-
neceu poderiam levar a pensar que as únicas diferenças entre crian-
ças pertencentes a culturas diferentes, e entre crianças e adultos,
encontravam-se nos diferentes instrumentos possuídos por elas. Esta
impressão era fortalecida pelas metáforas utilizadas por Luria. Em
Estudos sobre a história do comportamento, ele falou sobre o proces-
so de aquisição de meios culturais como um processo de “rearma-
mento”. No seu ponto de vista, as crianças dominavam certos meios
culturais, para descartá-los depois, quando aprendiam meios novos
e mais poderosos (a analogia com a corrida armamentista é, de fato,
clara). Mas, a despeito dessas metáforas, Luria e Vygotsky também
queriam dizer mais uma coisa: as pessoas não apenas possuem
instrumentos mentais, elas também são possuídas por eles. Os meios
culturais, a fala em particular, não são externos à nossa mente, mas
crescem dentro dela, criando, assim, uma “segunda natureza”. O
que Luria e Vygotsky pretendiam dizer é que o domínio dos meios
culturais irá transformar nossa mente: uma criança que tenha do-
minado o instrumento cultural da linguagem nunca mais será a
mesma criança outra vez (a menos que um dano cerebral reduza-a
a um estado pré-cultural; ver abaixo). Assim, pessoas pertencentes
a culturas variadas pensariam, literalmente, de maneiras diferentes,
e a diferença não estava confinada ao conteúdo do pensamento, mas
incluía também as maneiras de pensar.
Não estava realmente claro como esta concepção relacionava-se
com as afirmações otimistas sobre a reeducação dos povos primitivos
a um nível de cultura semelhante ao nosso, pois esses povos
presumivelmente haviam aprendido a pensar de maneiras definidas
dentro dos parâmetros de sua própria cultura e não poderiam aban-
donar prontamente esses modos de pensar. Se pudessem, então a
cultura seria de fato equivalente a roupas e seria possível desfazer sua
influência com facilidade. Talvez também neste caso esteja oculto um
conceito de desenvolvimento ou progresso que implique que, embora
não se possa desfazer a influência de meios culturais superiores, é
possível livrar facilmente as pessoas de inclinações e artifícios primiti-
vos. Assim, pode haver alguma tensão entre as afirmações otimistas
sobre a possibilidade de uma reeducação rápida de pessoas pertencen-
tes a (sub)culturas diferentes e a idéia de que a apropriação de meios
culturais tem conseqüências profundas para o funcionamento da mente.
Ao descrever o desenvolvimento cultural da criança como um
processo de armamento e rearmamento, Luria afirmava que o grau em
que a criança dominou os instrumentos culturais (armas, em sua
248 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

metáfora) indicava seu talento ou atraso intelectual. Referindo-se à


pesquisa de Lipmann e Bogen (1923), analisada abaixo, Luria declarou
que crianças mentalmente retardadas não faziam uso de instrumentos
e eram, neste sentido, seres primitivos. O desenvolvimento de proces-
sos psicológicos superiores e, portanto, de um intelecto superior basea-
va-se em um domínio superior dos instrumentos culturais. Esta con-
cepção tinha implicações otimistas: se o retardo mental fosse causado
por um uso insuficiente de instrumentos, então seria possível treinar
essas crianças para que usassem meios culturais de forma mais efe-
tiva, melhorando, assim, seu desempenho (aparentemente, a incapaci-
dade de fazer uso de meios culturais em si não era considerada como
estando baseada em alguma deficiência profunda “orgânica”). Uma
pressuposição implícita também parece ter sido que comportamentos
“culturais”, “cultos”, eram mais facilmente alteráveis do que comporta-
mentos inatos ou de base genética. Ambas as pressuposições podem
ser questionadas, é claro. A abordagem de Vygotsky e Luria sugeria
também uma crítica bastante original das práticas de teste existentes.
Se o talento intelectual era, essencialmente, a capacidade de fazer uso
dos vários instrumentos culturais, então muitos dos testes de inteli-
gência existentes erravam o alvo (Vygotsky e Luria, 1930a, pp. 226-31).
Medindo processos psicológicos inferiores, como o tempo de reação e
o conhecimento adquirido na escola, os pesquisadores não estabele-
ciam a extensão em que as crianças eram capazes de fazer uso dos
meios culturais.
Resumindo a visão global de Vygotsky e Luria sobre o desenvolvi-
mento infantil (em 1930a), pode-se concluir que, na opinião deles,
todas as crianças passavam por um estágio de desenvolvimento “natu-
ral”, caracterizado pela incapacidade da criança para fazer uso dos meios
culturais disponíveis. Como as crianças dessa idade não usam esses
instrumentos, elas poderiam ser chamadas de “primitivas”, no sentido
de pré-culturais. Em determinado ponto do desenvolvimento, os adul-
tos começarão a dar a elas a instrução cultural — é surpreendente que
Vygotsky e Luria tenham usado a metáfora do “andaime” neste contex-
to (1930a, p. 202), antecipando em várias décadas o trabalho posterior
de Bruner — que levará a um modo radicalmente novo de funciona-
mento mental. Os meios culturais seriam incorporados à constituição
da mente das crianças e os adultos, então, interromperiam sua assis-
tência. A criança, agora, saiu do estágio “natural”, pré-cultural, e tor-
nou-se um membro habilitado da sociedade: um ser cultural.
Esta teoria de duas linhas no desenvolvimento infantil foi ins-
pirada em parte pela visão marxista da antropogenia descrita acima
e em parte pelas descobertas da pesquisa psicológica. Particular-
mente importantes foram as descobertas da psicologia do desenvol-
vimento, que pareciam indicar que o traço distintivo entre primatas
e crianças humanas era a fala.
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 249

Criança e primata: o papel da fala

As investigações de Köhler sobre o uso de instrumentos por


chimpanzés havia dado início a uma tradição totalmente nova de
pesquisa em psicologia infantil. Suas próprias comparações prelimi-
nares do pensamento das crianças com o de primatas foram logo
seguidas por investigações de, entre outros, Bühler (1918), Lipmann
e Bogen (1923), Brainard (1930) e Guillaume e Meyerson (1930;
1931). Estas investigações foram de suma importância para Vygotsky,
uma vez que proporcionaram sugestões de respostas sobre as dife-
renças cruciais entre o pensamento animal e humano.
Bühler (1918, pp. 285-7) foi um dos primeiros a testar uma crian-
ça com uma tarefa tomada de empréstimo a Köhler. Uma menina de
nove meses, que ele e sua mulher Charlotte Bühler estudaram, foi
incentivada a pegar um pedaço de biscoito puxando um barbante
amarrado a ele, mas não fez nenhum progresso durante um mês de
teste. A despeito de alguns sucessos acidentais, a criança claramente
não entendia a situação. Novas investigações de Bühler (1919, p. 51)
levaram-no a propor uma “idade de chimpanzé” no início da infância.
Ele afirmou que as soluções de problemas práticos por crianças de
aproximadamente 12 meses de idade eram muito similares às dos
chimpanzés de Köhler. Vygotsky e Luria (1930d/1984, p. 8) conside-
raram essas investigações muito importantes, uma vez que pareciam
demonstrar a existência de inteligência prática instrumental no período
pré-verbal do desenvolvimento infantil. O pensamento prático instru-
mental da criança claramente precedia seu desenvolvimento da fala: o
ato precede a palavra (cf. Wallon, 1942/1970).
As investigações realizadas por Guillaume e Meyerson (1930;
1931) foram versões cuidadosamente replicadas e estendidas da
pesquisa original de Köhler e, portanto, não foram executadas espe-
cificamente com a intenção de comparar o pensamento de animais
e de crianças. Ao longo de um período de quatro anos, esses inves-
tigadores apresentaram tarefas do tipo usado por Köhler para mui-
tas espécies diferentes de macacos e chimpanzés, chegando aproxi-
madamente aos mesmos resultados que Köhler. Ao resumir os resul-
tados de uma primeira série de experimentos sobre problemas de
rotas alternativas, porém, os autores, surpreendentemente, compa-
raram o desempenho dos primatas com o de alguns pacientes com
afasia descritos por Head. Este havia pedido aos pacientes que jo-
gassem bilhar e notara que muitos deles eram capazes de dar uma
tacada simples, mas falhavam em tacadas complicadas que envol-
vessem muitas bolas ou tabelas. Guillaume e Meyerson concluíram:
Na verdade, os movimentos do bilhar são, em vários aspectos, mais
complexos do que a busca de rotas alternativas que descrevemos e
analisamos no caso de nossos macacos. Mas a natureza dos problemas
250 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

que impediam o sujeito de perceber claramente a estrutura da situação


parece bastante análoga. Em ambos os casos, é a visão do todo que
está faltando ou encontra-se deturpada, é a significação do todo que
não apareceu. Já foi dito de certos pacientes com afasia, apraxia ou
agnosia que eles não conseguiam ler formas no espaço e que apenas as
soletravam. Parece que se observa algo análogo em nossos animais
(Guillaume e Meyerson, 1930, pp. 235-6).

Esta conclusão — que, infelizmente, parecia não ter nenhuma


relação com o bom trabalho experimental que os pesquisadores haviam
feito — foi citada com entusiasmo por Vygotsky. O fato de que as
pessoas que perdiam a fala regrediam a um nível análogo ao dos
chimpanzés pareceu-lhe muito significativo. Isto constituía uma prova
indireta de que a fala desempenhava um papel organizacional impor-
tante nos processos psicológicos superiores dos seres humanos. Quan-
do a capacidade da fala era, de alguma maneira, perdida, um indivíduo
voltava a um estado pré-verbal, ou “de chimpanzé”, do funcionamento
mental. O desempenho intelectual de primatas era, assim, comparável
ao de crianças pré-verbais ou de afásicos (Vygotsky, 1930q/1960, pp.
426-7; Vygotsky e Luria, 1930d/1984, p. 13, p. 25).
Ao contrário da pesquisa feita por Guillaume e Meyerson, a
investigação de Brainard (1930) foi elaborada especificamente para
comparar a “mentalidade de uma criança com a de macacos
antropóides”. A criança em questão era a filha de três anos do autor,
Ruth (QI Stanford-Binet de 141), que, recompensada por pedaços de
goma de mascar que seu pai prendia a tetos e paredes do modo
como os chimpanzés de Köhler eram recompensados com bananas,
tinha que resolver muitas das tarefas que Köhler havia apresentado
a seus chimpanzés. Brainard concluiu, entre outras coisas, que:

uma criança de três anos tem aproximadamente as mesmas dificulda-


des que os chimpanzés de Köhler para resolver os problemas. A criança
tem a vantagem da fala e da compreensão de instruções, ao passo que
os chimpanzés têm a vantagem de possuir braços mais longos, de ter
mais força e mais experiência em trepar e lidar com materiais rústicos
(Brainard, 1930, p. 289).

Como seria de se esperar, Vygotsky não concordou com essa


conclusão. Ele considerou que Brainard via a fala como um fator
secundário e não-essencial, colocando-a em um mesmo nível que
fatores como o comprimento dos braços. Vygotsky e Luria (1930d/
1984, p. 11) argumentaram que o autor não havia percebido que a
inclusão da fala no ambiente do problema era de suma importância
e mudava toda a sua estrutura psicológica.
Os experimentos mais elaborados com crianças — usando as
tarefas de Köhler — foram realizados por Bogen (veja Lipmann e
Bogen, 1923). Este autor apresentou às crianças uma série de ta-
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 251

refas práticas, procurando estabelecer a existência da “inteligência


prática” além da “inteligência gnóstica” racional. A solução dos pro-
blemas práticos exigia uma compreensão da estrutura física da si-
tuação e de seu próprio corpo, e não necessariamente um conheci-
mento teórico explícito (Lipmann e Bogen, 1923, p. 37). Neste sen-
tido, o conhecimento dos sujeitos sobre as propriedades físicas
envolvidas era “ingênuo”, segundo os autores.
Lipmann e Bogen observaram repetidamente que o desempenho
das crianças não era determinado pelas características ópticas da
situação, como era o caso para os chimpanzés de Köhler, mas por
seu insight quanto a suas propriedades físicas, e essa “física ingê-
nua” assumia a prioridade para as crianças. Portanto, em essência,
a diferença entre chimpanzés e crianças poderia ser resumida dizen-
do-se que o comportamento dos chimpanzés era fortemente determi-
nado pelo campo visual, ao passo que o comportamento das crian-
ças era determinado por sua percepção da física da situação e dos
instrumentos usados (Lipmann e Bogen, 1923, pp. 87-9). De qual-
quer forma, Lipmann e Bogen (1923, p. 100) concluíram que nenhu-
ma diferença qualitativa entre o comportamento de crianças e chim-
panzés havia sido demonstrado em seus experimentos.
É interessante que os autores também tenham investigado algu-
mas crianças com uma inteligência racional inferior. Embora o de-
sempenho delas, aos olhos de Lipmann e Bogen, tenha sido algumas
vezes comparável ao dos chimpanzés de Köhler, a descoberta geral foi
que crianças com QI baixo podiam executar adequadamente tarefas
práticas. Para os autores, isto constituía mais uma evidência para a
sugestão de que inteligência teórica e prática eram habilidades inte-
lectuais relativamente independentes (Lipmann e Bogen, 1923, pp.
86-7). É difícil entender, portanto, como Luria pôde referir-se a estes
experimentos (nos quais, repetimos, crianças retardadas consegui-
ram algumas vezes usar os instrumentos disponíveis de forma bas-
tante eficiente) para corroborar sua afirmação de que a capacidade
de usar instrumentos ou sinais culturais é indicativa do talento
intelectual geral da criança.
O livro de Lipmann e Bogen foi importante para Vygotsky em
vários sentidos. Em primeiro lugar, constituiu um exemplo de pes-
quisa que chegara a conclusões com as quais ele não podia concor-
dar. Afirmar que, no domínio da inteligência prática, a única dife-
rença entre chimpanzés e crianças era o fato de o comportamento
ser determinado pelo campo visual ou pela “física ingênua” era algo
inaceitável para Vygotsky. Isto implicava que os autores não viam
um papel essencial para a fala na resolução de problemas práticos.
Para Vygotsky, a solução desses problemas por crianças de aproxi-
madamente oito a doze anos tinha que ser associada a seu desen-
volvimento da fala. Em sua opinião, a verdade de Lipmann e Bogen
252 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

não poderia ser a verdade completa, de vez que a fala e o pensamen-


to (prático) tornam-se entrelaçados em uma idade muito tenra e,
portanto, o papel da fala na resolução de problemas é de suma
importância. Em segundo, o trabalho de Lipmann e Bogen propor-
cionou a Vygotsky a idéia de uma compreensão “ingênua” de algum
processo mental pelos sujeitos. Como será visto abaixo, nos anos
seguintes Vygotsky viria a distinguir vários estágios na interioriza-
ção de signos. O segundo desses estágios, a psicologia ingênua, foi
diretamente inspirado pelo livro de Lipmann e Bogen.
Podemos concluir, então, que, para Vygotsky, a diferença fun-
damental entre o desempenho intelectual do chimpanzé e da criança
era causada pela introdução da fala e a decorrente “intelectualização”
da inteligência prática. Em anos posteriores (Vygotsky, 1934l/1982,
pp. 264-5), ele iria dizer que a criança não opera nem em um campo
visual nem em um campo físico, mas em um “campo semântico”.
Era “a palavra [que] liberava a criança da dependência escravizante
que Köhler havia observado em animais”.
Até aqui, porém, não examinamos nenhuma investigação que
pudesse apoiar experimentalmente o ponto de vista de Vygotsky sobre
o papel da fala — ou dos signos em geral — nos processos de
pensamento das crianças. É para alguns desses experimentos no
domínio da psicologia do desenvolvimento que nos voltaremos agora.

Mediação: o caso da memória

Um dos exemplos favoritos de Vygotsky para demonstrar a exis-


tência separada de duas linhas no desenvolvimento infantil era o da
memória. A linha natural de desenvolvimento da memória estava
ligada a vários processos de crescimento e de amadurecimento — o
substrato material deste processo havia sido descrito por Semon
(1920) como a mneme —, ao passo que a linha cultural de desenvol-
vimento estava ligada ao domínio de vários instrumentos culturais.
Sua fonte imediata de inspiração neste caso foi o estudo de Binet
(1894) sobre a memória de gênios aritméticos e de mestres de xadrez.
Binet havia descoberto que algumas das pessoas que ganhavam a
vida fazendo cálculos aritméticos em demonstrações públicas usa-
vam truques mnemotécnicos simples, como a substituição de núme-
ros por letras. Ele levantou a hipótese de que a maioria das opera-
ções psicológicas pudesse ser simulada desta maneira, ou seja, subs-
tituída por outras que fossem apenas superficialmente similares (Binet,
1894, p. 155). Esta observação levou Binet a distinguir entre memó-
ria natural e memória artificial. Esta última forma de memória foi
caracterizada por ele como a simulação da memória natural e seu
desenvolvimento foi chamado de “fictício”, já que nenhuma memória
natural “real” se desenvolvia.
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 253

Vygotsky não considerava a escolha de terminologia de Binet


muito feliz. Em primeiro lugar, ele discordava do uso do termo “si-
mulação”, já que isto sugeria que a memória cultural fosse alguma
espécie de impostura. Esta objeção pode parecer estranha nesta época
de simulações computadorizadas do pensamento humano, mas não
era na década de 1930: de fato, Binet havia introduzido o conceito
de mnemotécnica no contexto de fraude (1894, pp. 155-8). Vygotsky
afirmou que o desenvolvimento cultural não era uma simples impos-
tura, e sugeriu que Binet teria concordado com ele, de vez que o
próprio Binet havia proposto o ensino de mnemotécnica na escola
(1894, p. 164). Em segundo lugar, Vygotsky discordava da idéia de
que o desenvolvimento cultural artificial da memória fosse um desen-
volvimento “fictício”. Em sua opinião, ele era um desenvolvimento
bastante real, embora de um tipo especial.
Deve ser observado aqui que a distinção de Binet entre memória
natural “real” e memória simulada “artificial” e sua “condenação”
desta última tem alguma semelhança com as análises contemporâ-
neas sobre a validade de simulações computadorizadas do pensa-
mento humano. Em ambos os casos, é obtido um resultado fenome-
nalmente semelhante através de vários meios internos, e os especia-
listas discutem quanto à aceitabilidade desses resultados semelhan-
tes como provas adequadas de identidade ontológica.
A confirmação experimental da existência de duas linhas de
desenvolvimento da memória foi dada por Leontiev e Luria em uma
série de investigações realizadas na Academia Krupskaja de Educa-
ção Comunista (ver Leontiev, 1931; Luria, 1979, pp. 85-6; Vygotsky,
1931n/1983, pp. 239-54). A estrutura básica dos experimentos de
Leontiev foi a seguinte. Na série A, os sujeitos ouviam dez sílabas
sem sentido que deveriam ser reproduzidas logo em seguida. Na série
B, os sujeitos ouviam 15 palavras que também deviam ser repetidas
por eles logo depois. Na série C, seguia-se o mesmo procedimento,
com a única diferença de que os sujeitos recebiam 30 figuras de
objetos ou cenas, com a sugestão de usá-los de forma a facilitar o
processo de reprodução. As figuras não representavam diretamente
as palavras, mas ligações entre as figuras e as palavras eram esta-
belecidas com relativa facilidade. (Na terminologia já usada, as pa-
lavras a serem lembradas eram os estímulos-objetos, ao passo que
as figuras constituíam os estímulos-meios.) A série D era equivalente
à série C, com a diferença de que era um pouco mais difícil encontrar
ou construir uma relação entre as palavras e as figuras. Leontiev
(1931/1983) afirmou que ele e seus associados haviam testado pelo
menos 1.200 sujeitos, mas os resultados apresentados na tabela 9.1
basearam-se no desempenho de “apenas” 410 sujeitos (ver tabela 9.1).
Se quisermos examinar as diferenças entre memória direta “natu-
ral” e memória mediada ou “artificial”, podemos comparar o número
254 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

TABELA 9.1 Número médio de palavras


lembradas nos diferentes grupos etários
(de Leontiev, 1931/1983, p. 54)

Séries
Idade A B C D
4-5 0,2 2,2 2,9 1,7
5-7 1,5 4,7 8,1 5,8
7-12 1,8 6,3 11,4 8,5
10-14 1,9 7,3 11,4 10,7
12-16 3,2 7,9 13,1 11,9
22-28 4,4 10,1 14,3 13,5

de palavras lembradas nas séries B e C, o que leva aos seguintes


resultados (ver figura 9.2).
Pode ser observado que a diferença entre o número de palavras
lembradas nas séries B e C por crianças pequenas (pré-escolares) é
muito pouca. Essa diferença aumenta nas crianças em idade escolar
e, por fim, diminui um pouco em adultos. De acordo com Vygotsky e
seus colegas, essas curvas poderiam ser explicadas da seguinte manei-
ra. Crianças pré-escolares ainda não eram capazes de usar as figuras,
e portanto, para essas crianças, ambas as pontuações refletiam a
memória direta ou natural. À proporção que as crianças crescem, elas
adquirem a capacidade de usar os meios externos e o número de
palavras lembradas cresce de forma correspondente. Por fim, as curvas
das séries B e C aproximam-se uma da outra no caso de sujeitos
adultos. Isto significava, na opinião de Vygotsky e seus associados, que
ambas as curvas, para os adultos, refletiam a lembrança mediada, com
a diferença de que o resultado da série B refletia a lembrança mediada
internamente e a série C mostrava a lembrança mediada externamen-
te. Em essência, portanto, Vygotsky afirmava que os resultados de
ambas as séries B (sem figuras) e C (com figuras) refletiam a lembrança
não mediada para crianças pequenas e lembrança mediada para adul-
tos. Esta explicação é engenhosa, mas requer argumentações adicio-
nais. Vygotsky declarou que as observações corroboravam as seguintes
afirmações: (1) à medida que os sujeitos crescem, eles demonstram
uma preferência cada vez maior por meios mnemotécnicos, (2) em
particular adolescentes e adultos preferem cada vez mais a mediação
interna por meio de palavras, e (3) esse desenvolvimento, porém, pode
ser incentivado ao se submeter crianças pequenas a um treinamento
prolongado com este tipo de tarefas de memorização. Presumivelmente,
todos os sujeitos eram questionados sobre os meios internos que ha-
viam utilizado, mas, infelizmente, esses dados não foram fornecidos.
Ficamos, então, com uma explicação que pode ser plausível, mas pre-
cisa de outras confirmações.
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 255

15

14 x

13 x

12

11 x x

10
Número médio de acertos

09 •
8 xx

7

6 •
5 •
4 •
3 x

2

1 x = série C (com figuras)

0
• = série B (sem figuras)
4-5 5-7 7-12 10- 14 12- 16 22 - 28
Idade
FIGURA 9.2 Memória direta e mediada nos diferentes grupos etários
(de Leontiev, 1931/1983, p. 55)
256 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Além disso, pode-se levantar várias objeções metodológicas à


maneira como Leontiev dirigiu e interpretou os experimentos. Uma
das afirmações cruciais para todo o raciocínio é que as curvas das
séries B e C voltam a aproximar-se uma da outra na adolescência
e na vida adulta. Esta tendência em si não estava presente de forma
muito clara nas descobertas de Leontiev. Mas, mesmo que a afirma-
ção seja aceita, poderia-se procurar outras explicações, das quais a
mais óbvia seria um “efeito de teto” para a série C. Pois o desem-
penho na série C não tinha muito o que melhorar, uma vez que a
moda estatística para adultos foi 15, ao passo que havia uma mar-
gem nítida para melhoria na série B. Leontiev (1931/1983, p. 60)
reconheceu esta possível explicação alternativa e tentou refutá-la,
mas sem sucesso na opinião dos autores deste livro. Em essência,
seu raciocínio foi o seguinte: poderia ser sugerido que a ampliação
da série C talvez produzisse uma melhoria do desempenho médio ou
modal. Mas ampliar uma série é, em certo sentido, equivalente a
aumentar seu nível de dificuldade. Para avaliar a possibilidade de
um “efeito de teto”, portanto, podemos analisar uma série mais
difícil. Felizmente, esta série está presente na forma da série D.
Como a moda da série D para adultos é de apenas 14, pode-se
concluir que o aumento do nível de dificuldade, ou a ampliação da
série, não influencia o desempenho modal. Portanto, a possibilidade
de um “efeito de teto” está eliminada. Na opinião de Leontiev, este
raciocínio solucionava esta questão “estritamente metodológica”.
Um outro problema com o experimento de Leontiev, e com outros
experimentos histórico-culturais desse período, é que o salto da me-
diação externa para a mediação interna não foi demonstrado como
tal. O uso hipotético de meios internos por sujeitos mais velhos não
é tornado mais plausível através, por exemplo, da análise de dados
introspectivos ou protocolos de expressões verbais dos sujeitos. Por
fim, o exame que Leontiev fez das descobertas apresentou um pro-
blema que também foi típico da pesquisa de Vygotsky e Luria nesse
período: ao descrever os processos mentais de crianças de quatro a
cinco anos de idade — e às vezes mesmo de sete a oito anos — como
“não-culturais” ou “naturais”, eles usaram a palavra “cultural” em
um sentido muito restrito. Pode ser verdade que crianças pequenas
não são versáteis ao ponto de fazer uso de recursos mnemotécnicos
sofisticados, mas elas certamente não são “naturais” no sentido de
não-culturais. Para começar, seu desenvolvimento da linguagem já
atingiu um estágio considerável nessa idade. Como afirmamos an-
tes, Vygotsky e seus associados usaram a palavra “cultural” onde o
termo “instruído” parece mais apropriado para descrever as desco-
bertas que eles de fato observaram.
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 257

Mediação: o caso da atenção

A concepção de Vygotsky sobre os processos da atenção huma-


na coincidiam em certa medida com o ponto de vista de Ribot (1988).
Ele concordava com Ribot que os processos de atenção do homem
primitivo eram muito pouco desenvolvidos, ao passo que, no homem cul-
to moderno, eles haviam atingido um grau considerável de perfeição
(Leontiev, 1932, p. 60). Nas palavras de Leontiev (cuja visão na
época coincidia inteiramente com a de Vygotsky e Luria): “a transi-
ção do selvagem de uma dissipação caprichosa e inconstante de
energia para o trabalho específico, sistemático e organizado do ho-
mem significa... a transição para uma forma superior de atividade
da atenção” (Leontiev, 1932, p. 61).
Os seres humanos haviam aprendido gradualmente a controlar
sua atenção, através da invenção de meios culturais — ou sinais, ou
instrumentos — para fazer isso. Cada criança tem que dominar
esses instrumentos culturais desde o começo, em um processo que
pode levar um tempo considerável. Na opinião de Leontiev:
Só em um estágio avançado do desenvolvimento da psicologia indivi-
dual a atenção voluntária começa a assumir a importância central que
possui no sistema geral de comportamento do adulto culto. Esta função
psicológica importantíssima do homem moderno é produto de seu de-
senvolvimento social e histórico. Ela nasceu no selvagem primitivo a
partir do processo de sua socialização; sendo um produto da atividade
do trabalho, ela é, ao mesmo tempo, uma condição indispensável para
ele. Neste sentido, esta função desenvolveu-se historicamente, e não
biologicamente. “Cada geração subseqüente”, diz Ribot, “aprende a aten-
ção voluntária da geração anterior.” Assim, o desenvolvimento da aten-
ção voluntária significa, em primeiro lugar, que a criança adquire uma
série de hábitos de comportamento (Leontiev, 1932, p. 63).

Esta longa citação demonstra bem o raciocínio histórico-cultu-


ral já conhecido em relação ao processo da atenção. A confirmação
experimental dessa concepção com respeito à ontogênese foi encon-
trada em várias séries de experimentos conduzidos por Leontiev e,
talvez, pelo próprio Vygotsky (ver Vygotsky, 1931n/1983, pp. 205-
38; Leontiev, 1932). Restringiremos nossa análise desses experimen-
tos a uma discussão do chamado “jogo das cores proibidas”.
Leontiev (1932) introduziu o método da dupla estimulação em um
conhecido jogo infantil europeu. Na forma popular original deste jogo,
uma criança fazia a outra uma série de perguntas para tentar fazê-la
responder com “sim”, “não”, “preto” ou “branco”, que eram as “respos-
tas proibidas”. O jogo termina (existem variantes locais) assim que a
pessoa interrogada usa sem querer uma dessas palavras, e o tempo
transcorrido ou o número de perguntas respondidas corretamente
servem como medidas objetivas do desempenho. Na versão de Leontiev,
258 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

as regras do jogo eram as seguintes: a criança (1) não devia mencionar


duas cores específicas (definidas para cada série de perguntas) e (2)
não devia mencionar a mesma cor duas vezes. Cada série de perguntas
consistia em 18 questões deste tipo: De que cor é a grama? Você já
esteve na floresta? Você gosta de ir para a escola? De que cor é a
bandeira? A criança tem que responder a essas perguntas o mais
rapidamente possível. Na prática, esta é uma tarefa bastante difícil
para crianças, e o desempenho perfeito não é garantido nem mesmo no
caso de adultos (cf. Adams, Sciortino-Brudzynski, Bjorn e Tharp, 1987;
Van der Veer, 1991). Fazendo a cada sujeito quatro séries de 18 per-
guntas com diferentes pares de cores proibidas, Leontiev (1932) esta-
beleceu o número médio de erros para quatro grupos etários. Depois,
ele introduziu um conjunto de meios, ou instrumentos, auxiliares na
situação e repetiu todo o procedimento, estabelecendo assim um nível
de desempenho natural, “sem ajuda” (a primeira série de quatro), e um
nível de desempenho instrumental, com ajuda (a segunda série de
quatro). Os instrumentos em questão eram um conjunto de cartões
coloridos entregues à criança com a instrução de que ela poderia usá-
-los para executar a tarefa. Na análise de Vygotsky (1931n/1983, pp.
208-11; 1931xx, pp. 375-81), na segunda parte do experimento a criança
enfrentava a seguinte situação. As perguntas do experimentador cons-
tituíam uma primeira série de estímulos (os estímulos-objetos; ver aci-
ma) e os cartões coloridos compunham uma segunda série (os estímu-
los-meios; ver acima). Ao fazer uso desta segunda série, a criança
aprendia a dominar a tarefa e o número de erros diminuía rapidamen-
te, afirmou Vygotsky. Considerando o desempenho de sujeitos de vá-
rios grupos etários que não fizeram uso de cartões coloridos como o
desempenho “natural” e o daqueles com cartões coloridos como o de-
sempenho mediado, “instrumental” ou “artificial”, Leontiev e Vygotsky
encontraram curvas diferentes para o desenvolvimento de ambos os
tipos de atenção. Na verdade, eles afirmaram que as duas curvas de
desenvolvimento formavam novamente o “paralelograma” estabelecido
em suas investigações da memória (ver figura 9.2). Naturalmente,
Vygotsky explicou as descobertas seguindo as mesmas linhas. Os
desempenhos “natural” e “mediado” de crianças pré-escolares são pra-
ticamente idênticos, porque estas crianças simplesmente não usam os
cartões coloridos. Neste grupo etário, tanto a pontuação natural como
a mediada representam um processo natural de atenção. Crianças em
idade escolar começam a fazer uso dos cartões coloridos, portanto sua
operação interna da atenção torna-se externalizada e, gradualmente, o
procedimento de mediação vai se sofisticando. Crianças pequenas em
idade escolar, por exemplo, recorrerão freqüentemente aos cartões
coloridos de uma forma mecânica, virando para baixo cada cartão
colorido que tiver sido usado e dando respostas de cores sem relação
com a pergunta feita. Assim, elas não hesitarão em responder “preto”
para a pergunta “De que cor é a grama?”, se “preto” for o seguinte
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 259

cartão colorido a ser virado. Vygotsky reconheceu que esse tipo de


mediação diminuía enormemente o número de erros, mas comentou
que isto combinava-se a uma qualidade mais baixa das respostas. A
razão era, em sua opinião, que crianças pequenas em idade escolar
ainda eram dominadas pelos instrumentos que usavam. Eram só as
crianças mais velhas em idade escolar que começavam a usar os car-
tões coloridos de uma maneira mais independente, demonstrando, assim,
um completo domínio dos instrumentos culturais. Esta compreensão
dos meios culturais refletia-se, além disso, em um número médio de
erros ainda menor.
Por fim, o desempenho de adultos merece atenção. Pois, embora
o desempenho mediado de crianças em idade escolar fosse muito
melhor do que o desempenho não mediado, essa diferença não foi
observada para adultos. Os desempenhos “natural” não mediado e
“artificial” mediado de adultos praticamente coincidiram. Para
Vygotsky, isto indicava que ambos os desempenhos refletiam o mesmo
processo, ou seja, atenção mediada. A única diferença em sua opi-
nião era que os adultos que faziam uso dos cartões coloridos exibiam
uma mediação externa, enquanto os adultos que não tinham cartões
coloridos à disposição exibiam uma mediação interna. Esta explica-
ção ecoava sua explicação do desempenho de crianças pré-escola-
res. Enquanto para crianças pré-escolares a contagem de pontos
semelhante em ambas as condições (com cartões coloridos e sem
cartões coloridos) refletia o mesmo processo interno, ou seja, a aten-
ção não mediada, para os adultos ela refletia a atenção mediada.
A idéia resultante sobre o desenvolvimento da atenção foi a
seguinte. Crianças pequenas não são capazes de direcionar sua
atenção para o uso de meios externos, de vez que não dominaram
ainda seus processos de atenção e são escravas de fatores externos.
À medida que elas crescem, aprendem a fazer uso de meios externos
para direcionar sua atenção. A princípio, este uso é imperfeito e as
crianças são dominadas pelos meios culturais disponíveis, mas, aos
poucos, elas aprendem a usá-los segundo sua própria vontade. Por
fim, os instrumentos culturais se internalizam. O uso de meios
externos diminui e os sujeitos começam a contar com seus proce-
dimentos internalizados. Superficialmente, seu desempenho agora é
semelhante ao de crianças pré-escolares, mas os processos que estão
por trás do desempenho são fundamentalmente diferentes.
É crucial para esta explicação a idéia de internalização dos meios
culturais. De que evidências Vygotsky dispunha para esta hipótese, se
é que dispunha de alguma? O projeto de seção transversal dos expe-
rimentos de Leontiev permite que digamos alguma coisa sobre o desen-
volvimento longitudinal dos processos de atenção? Com relação a esta
última questão, Vygotsky afirmou que estudos de casos individuais
haviam estabelecido basicamente a mesma ordem de desenvolvimento
260 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

encontrada no arranjo amostral transversal. Ou seja, ele afirmou que,


se alguém fizesse experimentos repetidos com uma criança pré-escolar,
observaria essencialmente as mesmas mudanças em uma única crian-
ça ao longo do período de tempo de um único experimento prolongado
— como no caso da memória. A criança (1) a princípio demonstraria
um uso incompleto e ineficiente dos cartões coloridos, (2) continuaria
a usá-los e se tornaria completamente dominada por eles, (3) domina-
ria o uso eficiente dos cartões coloridos, e (4) começaria a ignorar os
cartões coloridos e passaria a se basear em procedimentos internos
(Vygotsky, 1931n/1983, p. 210). Ele concluiu que essas mudanças de
desenvolvimento refletiam um processo de “crescimento para dentro”
(vrashchivanie), ou internalização. Ao mesmo tempo, porém, ele postu-
lou que os meios internos de mediação mais efetivos e usuais eram as
palavras. Adultos provavelmente controlariam seu processo de atenção
no jogo das cores proibidas ensaiando mentalmente os nomes das
cores proibidas. Isto significava que o processo de atenção internamen-
te mediado não era uma simples cópia do processo externamente
mediado transposto para um plano interno. Na realidade, os sujeitos
aprendiam a descartar os meios externos artificiais (os cartões colori-
dos) e começavam a fazer uso de meios internos completamente dife-
rentes (palavras não pronunciadas). Em certo sentido, portanto, era
um pouco enganoso falar de uma internalização, ou um processo de
“crescimento interno”, já que no caso da atenção não havia um único
meio de mediação que era internalizado. Em anos posteriores, Vygotsky
tentaria mostrar que, mesmo no caso onde os meios de mediação
permaneciam os mesmos, digamos, no caso da fala externa e interna,
o fato de sua internalização causaria transformações significativas de
sua estrutura (ver capítulo 11).

Estágios no domínio da mente

Nos anos em que desenvolveu sua teoria histórico-cultural,


Vygotsky afirmou que o desenvolvimento cultural da criança passa-
va por quatro estágios (1928p, pp. 68-71; 1929s, pp. 424-8; 1931n/
1983, pp. 250-1; Vygotsky e Luria, 1930a, pp. 200-9).
O primeiro estágio foi denominado estágio natural, ou comporta-
mento primitivo. Neste estágio, característico de crianças pré-escola-
res, os sujeitos baseiam-se apenas em seus processos mentais na-
turais e não utilizam os meios culturais disponíveis. No segundo
estágio, as crianças usam os meios culturais que lhes são apresen-
tados, mas não compreendem totalmente sua função. Assim, em
experimentos sobre a memória, descritos acima, crianças pequenas
em idade escolar podem fazer uso das figuras disponíveis, desde que
haja uma ligação simples entre a figura e a palavra a ser lembrada.
Olhando para as figuras à sua frente, elas reproduzem as palavras
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 261

corretamente. Porém, no momento em que não há mais essa ligação


simples, essas crianças ficam sem ação. Sem entender o que está
errado, elas simplesmente lêem em voz alta o que compreendem
como sendo o conteúdo da figura e pressupõem que isso irá coin-
cidir com a palavra a ser lembrada. Com estas crianças, nunca
houve de fato um entendimento de que as figuras poderiam ser
usadas ativamente, ou seja, pela introdução de ligações novas e não
evidentes, para ajudar a lembrar das palavras. Este estágio foi cha-
mado por Vygotsky de estágio de psicologia ingênua, por analogia
com a idéia de física ingênua de Lipmann e Bogen (1923; ver acima).
Em sua concepção, esta era uma fase transitória, logo seguida pelo
estágio de uso externo de meios culturais. Neste estágio, a criança
compreende a possibilidade de um uso instrumental ativo dos meios
culturais e, no caso do experimento da memória, irá inventar liga-
ções entre figuras e palavras, ou selecionar as figuras apropriadas
dentro de um conjunto mais amplo. De acordo com Vygotsky, este
estágio logo dava lugar para o quarto e último estágio do desenvol-
vimento cultural, ou seja, o estágio do uso interno de meios culturais.
Neste quarto estágio, o uso externo de instrumentos é substituído
pela atividade mental interna. Assim, nos casos dos experimentos de
memória de Vygotsky e Leontiev, as crianças usariam primeiro as
figuras para reproduzir uma série de palavras, mas, quando eram
solicitadas a reproduzir essa mesma série repetidamente, acabavam
parando de consultar as figuras. Na opinião de Vygotsky, toda a
série de figuras havia sido internalizada e, agora, formava um recur-
so interno de memorização da série de palavras, da mesma forma
como, para bons memorizadores, uma lista de palavras bem apren-
dida ou uma planta de algum prédio conhecido podem servir como
veículo para a lembrança de outros materiais.3
Porém, este tipo de internalização, onde o conjunto de meios
externos é internalizado como um todo, constituía apenas um dos
muitos tipos, segundo Vygotsky (1928p, pp. 70-1). Em muitas capa-
cidades motoras, podemos observar um outro tipo de internalização:
o chamado tipo de “pontos”. Em experimentos de escolha-tempo de
reação, por exemplo, nos quais os sujeitos têm que pressionar dife-
rentes botões correspondentes a diferentes estímulos, pode-se ob-
servar este tipo de “crescimento para dentro”. A princípio, os sujei-
tos irão falar palavras apropriadas entre o estímulo e a resposta
para facilitar a escolha certa. Depois de um exercício prolongado,
essas ligações intermediárias desaparecem e a reação torna-se au-
tomática. Assim, na análise de Vygotsky, as palavras intermediárias,

3. É possível perceber que o próprio Vygotsky usou estas técnicas com


sucesso e exibiu suas capacidades durante palestras a seus alunos, memori-
zando rapidamente longas listas de números (ver Puzyrej, 1986a, p. 77).
262 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

ou meios culturais externos irão desaparecer quando o processo de


tempo de reação tornar-se automático e internalizado, assim como
pontos podem ser removidos depois que as duas partes de tecido
tiverem se emendado.
Em sua opinião (Vygotsky, 1928p, p. 71), a postulação destas
e de outras formas possíveis de internalização, ou crescimento para
dentro, e a descrição dos quatro estágios de desenvolvimento cultu-
ral tinham apenas um caráter bastante provisório. Mas ele afirmava
que, como regra geral, o desenvolvimento cultural da criança pros-
seguiria da ausência de uso, passando pelo uso externo, até o uso
interno dos meios culturais. Seria um outro psicólogo soviético,
Gal’perin, quem dedicaria sua longa carreira à investigação desta
afirmação.

O controle da mente e o homem racional

Com a pesquisa do desenvolvimento da memória e da atenção


mediadas, Vygotsky tentou demonstrar um dos princípios básicos da
teoria histórico-cultural: o homem domina seus próprios processos
mentais introduzindo elementos novos e artificiais em uma situação. A
estrutura básica desse procedimento foi esclarecida por Vygotsky vá-
rias vezes (p. ex., Vygotsky, 1931n/1983, p. 67), por meio da história
do asno de Buridan. Supostamente teria sido o filósofo holandês Buridan
(1295-1358) o primeiro a descrever a triste situação de um asno colo-
cado entre dois fardos iguais de feno: sem saber qual fardo escolher,
o pobre animal acabou morrendo de fome. Porém, como Vygotsky bem
ressaltou, esta vinheta não é encontrada nos escritos de Buridan. Há
a história de um cachorro faminto e sedento que não sabe o que fazer
primeiro: beber ou comer. Esta situação, por sua vez, provavelmente foi
tirada de Aristóteles, que descreveu um homem que se encontrava na
mesma posição incômoda (Krop, 1988, p. 39).
Vygotsky pode ter tomado conhecimento do asno de Buridan quan-
do lia seu filósofo favorito, Spinoza, que se referiu a este problema em
sua Ética (1677/1955, p. 123). Para ele, o interesse desse problema
bastante artificial de se fazer uma escolha racional entre duas alternati-
vas idênticas (um problema que também foi analisado por Schopenhauer
e expresso em termos poéticos por Dante em sua Divina comédia)
estava na maneira como um ser humano o solucionaria. As abordagens
psicológicas contemporâneas pouco haviam feito para resolver esse
problema teórico. Pavlov restringira sua pesquisa a animais, demons-
trando experimentalmente que cães em uma situação semelhante en-
tram em um estado de neurose ou apatia. Os behavioristas, segundo
Vygotsky, preveriam a morte por inanição para os seres humanos
também, já que o comportamento, na visão deles, era totalmente deter-
minado por estímulos externos, e estes eram de igual força em uma
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 263

situação como a de Buridan.4 Vygotsky encontrou a primeira indicação


de como seres humanos realmente solucionam esses problemas na
literatura: Tolstoi, ao representar a indecisão de Pierre Bezukhov quan-
to a entrar ou não para o exército, colocou-o diante de um jogo de
paciência, cujo resultado iria decidir o futuro do herói. Para Vygotsky
(1931n/1983, p. 67), este era um exemplo excelente de tomada de
decisão humana: seres humanos recorrem a estímulos artificialmente
criados. É a introdução de algum estímulo artificial, ou signo, na situa-
ção que faz a balança pender a favor de uma ou da outra decisão. Com
relação a isto, Vygotsky analisou várias descobertas de Thurnwald e
Lévy-Bruhl mencionadas acima (por exemplo, sistemas de contagem e
recursos mnemônicos primitivos) para mostrar que essa tendência teve
seus precursores na história da humanidade.
Como seria de se esperar, Vygotsky tentou criar um análogo expe-
rimental do problema da escolha racional entre duas alternativas equi-
valentes e, também previsivelmente, a descrição desses experimentos
foi bastante vaga (ver Vygotsky, 1931n/1983, pp. 274-8), e só se pode
fazer suposições quanto ao que elas realmente envolveram. Aparente-
mente, crianças foram incentivadas a fazer uma escolha entre duas
séries de ações igualmente atraentes ou sem atrativos. Então, foi-lhes
sugerido que podiam tirar a sorte para decidir qual série de ações iriam
escolher. Às vezes, também, Vygotsky esperava que os dados fossem
lançados de forma espontânea, ou, alternativamente, instruía as crianças
a fazerem isso. Em todos os casos, ele estava interessado nas diferenças
psicológicas que a introdução dos dados ocasionaria. Vygotsky afirmou
que os dados experimentais confirmaram sua expectativa teórica, ou seja,
a introdução de elementos artificiais, os dados, transformou radicalmente
a natureza psicológica do processo de escolha. Surpreendentemente,
desta vez ele não apresentou nenhuma descrição de possíveis seqüên-
cias de desenvolvimento na capacidade de fazer uso desses elementos
artificiais.
Não é difícil ver que o tratamento dado por Vygotsky ao desen-
volvimento de processos psicológicos superiores e sua ênfase no
controle cada vez maior da mente humana foram bastante influen-
ciados por Spinoza. Ambos os pensadores exibiam certo grau de
racionalismo, ou intelectualismo, ou seja, ambos compartilhavam a
idéia do homem racional cujas funções intelectuais (fala, pensamen-
to) controlavam em grande medida a personalidade como um todo.
Spinoza, em sua Ética, opôs-se particularmente à concepção do homem

4. É interessante observar que o asno de Buridan já havia aparecido em


escritos anteriores de Vygotsky (Vygotsky, 1926i, pp. 174-5; Varshava e Vygotsky,
1931, p. 35). Nesses livros, porém, o problema é apenas mencionado e nenhu-
ma possível solução para os seres humanos é apresentada, uma vez que Vygotsky
ainda não havia desenvolvido a abordagem instrumental.
264 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

como um escravo de seus afetos, ou paixões. Buscando uma maneira


para que o homem controlasse suas paixões, ele enfatizou a capaci-
dade de compreensão da mente, pois, quando o intelecto tivesse um
conhecimento claro e distinto dessas paixões, ele aprenderia gra-
dualmente a controlá-las. As paixões, inicialmente bastante vagas e
primitivas, acabariam sendo compreendidas pelo intelecto e subme-
tidas a seu controle. Spinoza afirmou que agir, no verdadeiro sentido
da palavra, implicava compreender intelectualmente o que se está
fazendo. Essa idéia de controle cada vez maior do intelecto sobre as
emoções e o resultante domínio de nosso comportamento também
estava claramente presente na teoria histórico-cultural de Vygotsky.
Claro, Vygotsky estendeu a idéia do controle intelectual a todos os
outros processos psicológicos inicialmente primitivos. Mas sua
asserção de que deveríamos lutar para a “intelectualização de todas
as funções psicológicas” (Vygotsky, 1932i/1982, p. 415) estava es-
sencialmente em harmonia com o pensamento de Spinoza. As pala-
vras de Leontiev citadas acima foram uma bela ilustração desse
pensamento: a dissipação “caprichosa” e “inconstante” de energia por
“selvagens” opunha-se ao trabalho “organizado” e “sistemático” do
homem moderno racional. O homem racional adquiriu o domínio
sobre seu processo mental primitivo ao fazer uso de vários instru-
mentos culturais.
A analogia entre a concepção de homem de Spinoza e Vygotsky
pode ser estendida ainda mais (ver Van der Veer, 1984), apontando-
-se que eles partilhavam uma noção do papel dos instrumentos no
domínio cada vez maior sobre a natureza e a mente primitiva. Con-
sidere-se, por exemplo, as seguintes palavras de Spinoza:

Mas, assim como os homens a princípio fizeram uso dos instrumentos


fornecidos pela natureza para realizar atividades bastante fáceis, de
forma laboriosa e imperfeita, e depois, quando estas foram terminadas,
forjaram outras coisas mais difíceis com menos trabalho e maior per-
feição; e assim, aos poucos, avançaram das operações mais simples
para a fabricação de instrumentos, e da fabricação de instrumentos
para a fabricação de instrumentos mais complexos, e novas obras de
engenho humano, até chegarem à fabricação, com pouco gasto de tra-
balho, do vasto número de mecanismos complicados que hoje possuí-
mos. Assim, de maneira semelhante, o intelecto, por meio de sua força
inata, fabrica para si próprio instrumentos intelectuais, pelos quais
adquire força para executar outras operações intelectuais e, dessas
operações, obtém novos instrumentos, ou o poder de avançar ainda
mais em suas investigações, e assim prossegue gradualmente até atin-
gir o ápice da sabedoria (Spinoza, 1677/1955, p. 12).

Assim, Spinoza combinou seu ideal do homem racional com uma


noção de instrumentos intelectuais que não era distinta da de Vygotsky.
O que se apresentou como verdadeiramente original nas investigações
TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL 265

de Vygotsky foi, é claro, o fato de ele ter tentado demonstrar


empiricamente como cada criança individual dominaria este processo
da crescente intelectualização de seu comportamento primitivo.
Podemos concluir, portanto, que Vygotsky defendeu uma ima-
gem do homem racional que havia aprendido a submeter seus impul-
sos e emoções ao controle do intelecto. Ao contrário do homem pré-
-histórico, dos “selvagens” contemporâneos e das crianças ociden-
tais, o adulto culto moderno havia dominado completamente seu
comportamento, fazendo uso dos meios que sua cultura lhe propor-
cionava. No capítulo 14, veremos como Vygotsky, em anos posterio-
res, tentou elaborar esta idéia para o caso do desenvolvimento emo-
cional, apoiando-se fortemente em Spinoza e opondo-se às idéias do
contemporâneo deste último, Descartes.
266
267

10
As expedições à Ásia central

O amplo uso por Vygotsky e Luria do trabalho de etnógrafos


estrangeiros para desenvolver sua teoria histórico-cultural foi des-
crito no capítulo 9. A idéia central de que os processos psicológicos
inferiores seriam os mesmos para todas as pessoas vivas, ao passo
que os processos psicológicos superiores difeririam entre pessoas
pertencentes a diferentes culturas, baseava-se nas evidências reco-
lhidas por Thurnwald, Werner, Lévy-Bruhl, Durkheim e outros
(Vygotsky e Luria, 1930a). É natural, em vista da natureza às vezes
duvidosa das evidências etnográficas, que Vygotsky e Luria tenham
sentido a necessidade de testemunhar eles próprios essas seme-
lhanças e diferenças cognitivas em um estudo psicológico cuidado-
samente projetado. Foi daí que nasceu a idéia de uma expedição
psicológica para alguma região “primitiva” da União Soviética. De
acordo com Luria (1971, p. 266; 1974, p. 3; 1976, p. v), a iniciativa
dessa expedição foi tomada por Vygotsky.1
Vygotsky foi informado dos resultados das expedições através
de relatórios detalhados (cinco no caso da primeira expedição) e de
protocolos que Luria enviava para Moscou. Não há dúvida de que ele
ficou extremamente satisfeito com os resultados que Luria obteve
durante a primeira expedição, em 1931. Ele expressou seu grande
entusiasmo em várias cartas para Luria, exclamando que os resul-
tados eram “maravilhosos” e “infinitamente importantes”. Vygotsky
acreditava que a nova teoria havia sido comprovada, agora, na prá-
tica experimental (Vygotsky em cartas para Luria, datadas de 10 de
junho e 11 de julho de 1931). Para transmitir ao leitor os sentimen-
tos de alegria e triunfo de Vygotsky, nada melhor do que citar um
fragmento de uma de suas cartas para Luria.
Já escrevi a você em Samarkand e Fergana sobre a enorme e incompa-
rável impressão que seus relatórios e protocolos me causaram. Em nossa
investigação, este é um passo enorme e decisivo, uma guinada decisiva

1. Esta afirmação não é realmente confirmada pela correspondência pessoal


entre eles. Vygotsky, por exemplo, escreveu para Luria: “Considero seu tema
extremamente interessante e acho que ele pode ser realizado e irá ajudar muito
a nossa causa” (Vygotsky em carta para Luria, datada de 12 de junho de 1931;
o grifo é nosso).
268 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

na direção de um novo ponto de vista. Mas, em qualquer contexto de


investigações européias, esta expedição seria um evento (Vygotsky em
carta para Luria, datada de 1 de agosto de 1931; os grifos são do autor).

O próprio Vygotsky, talvez por causa de sua saúde frágil, não


participou de nenhuma das expedições e o trabalho de sua organi-
zação ficou inteiramente a cargo de Luria.
Foi decidido (possivelmente Vygotsky tenha feito alguns contatos
úteis durante sua estada anterior em Tashkent em 1929; ver introdu-
ção à parte II) que seriam visitadas várias aldeias (kishlaks) remotas na
república soviética do Usbequistão, e as expedições ocorreram durante
os verões de 1931 e 1932, após a realização de longos seminários
(Luria, 1931b; 1931c; 1932b; 1932d; 1933b; 1934; 1935c). Luria con-
siderou que tanto a escolha das localidades (pequenas aldeias que
permaneciam “primitivas” e “subdesenvolvidas sob a influência da re-
ligião islâmica”) como o momento (o período de coletivização da agricul-
tura soviética) eram particularmente adequados para a condução de
uma pesquisa etnográfica. Uma vez que Luria enfatizou estes aspectos
do projeto (1974, pp. 3-4; 1976, pp. v-vi), vale a pena refletirmos por
um momento sobre a situação histórica política da época.

O ambiente histórico e político

De 1929 a 1932, as autoridades soviéticas conduziram duas ope-


rações concomitantes que foram chamadas de “coletivização da agricul-
tura” e “eliminação dos kulaks como classe”. A idéia era que a “agri-
cultura individual atrasada” seria substituída pela agricultura em fa-
zendas coletivas (kolkhozes) e que as propriedades de fazendeiros in-
dependentes “prósperos” (kulaks), que supostamente exploravam seus
colegas fazendeiros menos prósperos, seriam confiscadas pelo Estado.
O fato de que os kulaks existiam e precisavam ser eliminados
como classe havia sido um artigo de fé no Estado soviético desde o seu
estabelecimento. A teoria marxista parecia exigir a crença de que, dentro
do campesinato, várias classes antagônicas estavam explorando umas
às outras das maneiras mais desumanas. Infelizmente, nem mesmo o
grande Lenin conseguiu oferecer uma definição sequer superficial da
natureza de um kulak (Conquest, 1988, p. 44) e Stalin, que intensifi-
cou toda a monstruosa operação de “deskulakização”, não avançou
muito neste aspecto. Assim, permaneceu muito pouco claro quem
pertencia à perigosa classe dos kulaks. O conceito incluía, por exemplo,
qualquer pessoa que empregasse mão-de-obra contratada, mas tam-
bém pessoas que possuíssem alguma propriedade, como alguns cava-
los, ou vacas, ou uma casa. Para simplificar as coisas, as autoridades
introduziram o conceito de comparsas de kulak (podkulachniki) para os
que possuíssem menos do que seria esperado para um kulak inveterado
(Heller e Nekrich, 1986, pp. 234-5). Usando esses novos conceitos
AS EXPEDIÇÕES À ÁSIA CENTRAL 269

gêmeos, praticamente todo mundo que pertencesse à atividade agrícola


podia, então, ser acusado de kulak ou de comparsa de kulak. Depois
de ter solucionado desta maneira todas as dificuldades conceituais
referentes à definição, as autoridades, sob a liderança firme de Lenin
e Stalin (a partir de 1924), não hesitaram quanto à política certa a ser
seguida: os kulaks eram um tipo de capitalistas e tinham que ser
exterminados até o último homem (e mulher e criança). Esse extermí-
nio assumiu várias formas: muitos foram deportados e morreram no
caminho ou nos lugares inabitáveis para onde foram mandados; outros
foram mortos imediatamente ou morreram de fome; outros ainda fu-
giram e foram presos e mortos ou sentenciados a trabalhos forçados
em campos de concentração; e, por fim, muitos camponeses resistiram
ativamente à política do governo e morreram em conflitos armados com
os militares (Heller e Nekrich, 1986, pp. 222-44). O resultado foi um
genocídio de grandes proporções, comparável apenas ao dos judeus e
armênios, que apenas recentemente foi descrito em todos os seus
monstruosos detalhes (Conquest, 1988). Estima-se hoje que a operação
tenha resultado na morte de cerca de 14 milhões de pessoas (Conquest,
1988, pp. 444-6) no país como um todo, e a população soviética da
Ásia central sofreu uma perda desproporcionalmente alta, porque muitos
foram forçados a deixar sua vida nômade de criadores de gado para
plantar grãos em um solo totalmente inadequado para essa finalidade.
Foi o brilhante escritor proletário e supremo humanista Górki
quem encontrou as palavras para justificar esse assassinato em
massa na época: “Se o inimigo não se render, ele deve ser destruído”
(Heller e Nekrich, 1986, p. 236). A reação de um de seus colegas
menos dotados de ânimo, o vencedor do prêmio Nobel Pasternak, foi
bem diferente: tendo testemunhado a desolação nos kolkhozes, ficou
doente e não conseguiu escrever durante um ano (Conquest, 1988,
p. 21). A coletivização e deskulakização resultou não só na morte de
milhões de pessoas, mas também teve uma desastrosa influência
sobre a agricultura, e não é exagero dizer que o país ainda não se
recuperou desse processo de coletivização como um todo. Conquest
menciona que, na Ásia central, um terço dos cavalos, metade do
gado e dois terços dos carneiros e cabras morreram como resultado
da campanha de coletivização e a fome que se seguiu (1988, p. 284).
Tendo em vista este pano de fundo, a descrição feita por Luria
das circunstâncias sob as quais ele conduziu sua pesquisa intercul-
tural parece bastante insensível, para dizer o mínimo. Seguindo a
versão oficial dos eventos históricos, ele afirmou:
Antes da revolução, as pessoas do Usbequistão viviam em uma economia
atrasada... Quando a revolução socialista eliminou o domínio e a submis-
são como relações de classe, as pessoas que eram oprimidas num dia
passaram a desfrutar uma existência livre no outro... O Usbequistão
tornou-se uma república, com uma produção agrícola coletiva... O perío-
do que observamos incluiu o início da coletivização... Como o período
270 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

estudado foi de transição, pudemos fazer com que nosso estudo fosse, em
certa medida, comparativo (Luria, 1976, pp. 13-14).

“Um período de transição”! Nós nos perguntamos o que Luria estava


pensando quando escreveu essas linhas. Certamente, quando ele pu-
blicou pela primeira vez seus resultados das expedições à Ásia central
em forma de livro (Luria, 1974; 1976), ainda não era possível para os
cidadãos soviéticos divulgar descrições realistas dos acontecimentos
que ocorreram entre 1929 e 1932 (ou mesmo em qualquer outro pe-
ríodo da história soviética). Mas, se ele realmente condenasse a
coletivização e/ou a campanha de deskulakização, poderia ter se abs-
tido de publicar seu texto — a publicação já havia sido retardada em
mais de 40 anos! (ver abaixo) — ou ter tentado encontrar uma maneira
mais sensível de mencionar o assunto. (Parece, porém, que Luria não
era propriamente um homem sensível: anos antes, ele havia desenvol-
vido um detector de mentiras [Luria, 1928c; 1928e] e, com Leontiev,
testou-o durante o expurgo de estudantes e funcionários na Universi-
dade de Moscou [Luria, 1979, pp. 35-36/201-202]; também preservou
em seu gabinete, durante muitos anos, o cérebro de um antigo amigo
íntimo [em um vidro de álcool] por causa de sua forma interessante).
Também pode ser que Luria, até 1974, realmente acreditasse —
como provavelmente acreditava no início da década de 1930 (ver
relato de Koffka abaixo) — na justiça e funcionalidade da coletivização
e da deskulakização e, portanto, constituísse um exemplo caracte-
rístico da mistura de fé cega em seus próprios dogmas acalentados
e insensibilidade moral para com os não-crentes que é típica de
tantas pessoas religiosas em muitos, muitos períodos históricos.

A participação de Koffka e o grande muro

Através de Luria, ficamos sabendo que as seguintes pessoas


acompanharam-no em ambas as expedições ao Usbequistão: Profes-
sor P. I. Leventuev, de Samarkand; E. N. Mordkovich e F. N. Shemya-
kin, de Moscou; e Kh. Ashrafi e A. A. Usmanov, da Academia Esta-
dual de Educação Usbeque (1931b, p. 383; 1934, p. 255). Pesqui-
sadores diferentes completaram esse grupo nas duas expedições,
para formar grupos de pesquisa de 10 a 15 pessoas.
Luria queria muito fazer da segunda expedição ao Usbequistão
um empreendimento internacional, e escreveu aos psicólogos da
Gestalt Köhler, Lewin e Koffka, convidando-os para participar. Tam-
bém pensou em convidar o etnógrafo Thurnwald (Luria em carta
para Köhler, datada de 3 de dezembro de 1931). Como Köhler não
podia participar em 1932, Luria decidiu organizar mais uma grande
expedição no verão de 1933, considerando a expedição de 1932
como uma oportunidade para replicar os resultados da primeira
expedição e uma preparação para a terceira (Luria em carta para
AS EXPEDIÇÕES À ÁSIA CENTRAL 271

Köhler, datada de 6 de março de 1932), mas essa terceira expedição


nunca veio a se realizar (ver capítulo 16), e Köhler, Lewin e Thurnwald
não participaram da segunda expedição.
Koffka, porém, aceitou o convite, e seu relato da expedição
complementa muito bem o de Luria. Koffka viajou de Northampton,
em Massachusetts, para a Europa e aguardou em Berlim os docu-
mentos necessários, tendo chegado a Moscou no final de maio de
1932, onde conheceu Kolbanovsky, Luria, Eisenstein e Vygotsky.
Este último serviu como seu intérprete quando, em 29 de maio,
Koffka apresentou sua palestra “A superação do mecanicismo na
psicologia moderna” (publicada em Psikhologija; ver Koffka, 1932). O
relato de Koffka desse acontecimento, que foi assistido por cerca de
300 pessoas, é bastante bem-humorado:
A maioria das pessoas entendia alemão, mas, como havia algumas que
não compreendiam, o Professor Vygotsky, um homem extremamente
carismático, serviu como meu intérprete. Eu falava de 5 a 10 minutos
e, em seguida, ele apresentava a mais fluente tradução que se pode
imaginar. Ele falou muito mais fluentemente do que eu e, ao que me
pareceu, por muito mais tempo (Harrower, 1983, p. 145).

Alguns dias depois, Koffka e os participantes moscovitas da


expedição partiram de trem para o Usbequistão e, no final de junho,
o trabalho se iniciou. Infelizmente, depois de algumas semanas de
pesquisa, Koffka começou a sofrer sérios ataques de febre (ele pró-
prio desconfiou a princípio que estivesse com malária) e teve que
retornar a Moscou. Só no começo de agosto sentiu-se suficientemen-
te recuperado para prosseguir sua viagem para Berlim.
Rememorando sua aventura na União Soviética anos depois,
Koffka mostrou-se surpreso, acima de tudo, com a visão de mundo
uniforme de seus colegas pesquisadores soviéticos:
A impressão mais forte que tive em meu convívio com essas diferentes
pessoas no trem foi a surpreendente uniformidade de sua aparência. Foi
como se todos eles, incluindo meus colegas, tivessem passado pela mes-
ma escola, onde haviam aprendido as mesmas lições, em história, eco-
nomia, política e filosofia. A convicção fundamental coloria suas concep-
ções sobre todos os assuntos, e essa convicção tinha todo o poder, mas
também a rigidez, de uma fé dogmática. Era deles o Estado proletário que
anunciava o alvorecer da verdadeira cultura, ao passo que, além das
fronteiras soviéticas, a civilização burguesa continuava voltando todos os
seus esforços, mesmo na ciência e na arte, para o lucro do capitalismo
e, desta forma, pervertendo-os... A uniformidade da aparência intelectual
e emocional é uma das lembranças mais fortes... Ela tem seu lado inte-
ressante; dá às pessoas um entusiasmo fantástico, deixando-as sempre
dispostas a fazer qualquer sacrifício pessoal. Mas, para uma mente como
a minha, criada na tradição do Ocidente, isso era não só totalmente
estranho, mas, de fato, opressivo. Não era que eu tivesse que conter
minha língua; pelo contrário, tive a nítida impressão de que as pessoas
272 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

com quem conversei gostavam de receber minha reação espontânea.


Também não acredito que essas pessoas dissessem o que “deviam” dizer.
Acho que eu não teria sentido tanto a opressão, e certamente não da
mesma forma, caso fosse assim. O que me surpreendeu foi o fato de eles
serem todos sinceros e, no entanto, uniformes. Falar com eles era como
colidir com um muro de pedra. Ter construído esse muro em um período
de tempo relativamente curto talvez seja uma das maiores realizações do
governo soviético — por mais negativa que possamos considerá-la (Koffka,
em Harrower, 1983, pp. 159-60).

Os tópicos de pesquisa e alguns resultados

O objetivo de ambas as expedições era estudar os processos mentais


da população nativa durante o período de “transição” descrito acima.
A idéia era de que os processos mentais superiores mudariam sob a
influência das reformas sociais realizadas, sobretudo sob a influência
da escolarização, enquanto os processos inferiores permaneceriam os
mesmos. Para testar esta idéia, Luria e seus colegas investigaram,
entre outros tópicos, a percepção, a formação de conceitos, o pensa-
mento causal, o pensamento religioso e a capacidade de realizar ope-
rações numéricas. A primeira expedição concentrou-se em sujeitos
adultos, e a segunda incluiu também crianças entre os sujeitos.
É impossível resumir os dados coletados pelos investigadores nesta
seção, uma vez que só a primeira expedição resultou em 600 protoco-
los de experimentos individuais, e, na verdade, é evidente que até
mesmo a monografia do próprio Luria (1974; 1976) dedicada às duas
expedições apresenta apenas uma fração dos dados. Nesse livro ele não
faz referência, por exemplo, ao estudo do pensamento religioso que foi
realizado. Iremos, portanto, limitar-nos a uma análise concisa de ape-
nas dois tópicos: a percepção de ilusões e a classificação de objetos.

Ilusões ópticas

O estudo de Luria sobre ilusões visuais foi diretamente in-


fluenciado pela psicologia da Gestalt. Os psicólogos da Gestalt
haviam afirmado que os princípios perceptivos da Gestalt eram
resultado de características permanentes do cérebro e não estavam
ligados a significados de objetos transmitidos culturalmente. Po-
rém, Vygotsky e Luria, seguindo Rivers (1901), pressupuseram que
pelo menos alguns desses processos visuais estivessem parcial-
mente baseados em processos interpretativos semânticos e, por-
tanto, pudessem diferir entre sujeitos pertencentes a diferentes
culturas. Cole relatou que Luria, em um de seus primeiros expe-
rimentos, demonstrou a ausência virtual de ilusões visuais clássi-
cas, um resultado que ele parece ter transmitido com admiração
para Vygotsky (“Os habitantes do Usbequistão não têm ilusões!”;
AS EXPEDIÇÕES À ÁSIA CENTRAL 273

Cole em Luria, 1979, p. 213)2 e reportado a seus colegas de Gestalt.


A realidade, porém, foi um pouco mais complexa do que esta história
sugere. Primeiramente, os resultados dos primeiros experimentos
foram bastante desiguais e as cartas de Luria para seus colegas
alemães demonstravam uma razoável cautela. Em segundo lugar, os
experimentos de Koffka na segunda expedição discordaram em parte
dos resultados encontrados na primeira expedição. Levanta-se a ques-
tão, portanto, de quais evidências relativas a ilusões ópticas Luria e
seus colegas realmente encontraram nas duas expedições.
Em uma carta para Köhler (datada de 3 de dezembro de 1931),
Luria mencionou que um grupo de ilusões visuais (por exemplo, a
ilusão de Müller-Lyer) estava presente em praticamente todos os
sujeitos testados, ao passo que outras ilusões, que Luria desconfiava
que dependessem da interpretação da perspectiva nas figuras
bidimensionais, eram bem menos freqüentes. A ausência destas últi-
mas ilusões foi explicada por Luria com referência ao fato de que essas
pessoas não estavam familiarizadas com a perspectiva em desenhos.
Por fim, Luria mencionou que algumas outras ilusões visuais, como a
ilusão de Poggendorf, “estão praticamente ausentes em sujeitos mais
primitivos”. Ele produziu uma tabela (também presente em Luria, 1976,
p. 44, embora com alguns números alterados) que mostrava que a
tendência de sucumbir a uma série de ilusões ópticas diminuía con-
forme o grau de “primitivismo” dos sujeitos se alterava, ou seja, as
pessoas menos “primitivas” eram mais propensas a ter essas ilusões
ópticas. A tabela provava, em sua opinião, que algumas ilusões (por
exemplo, a ilusão de Müller-Lyer) provavelmente têm uma base psico-
lógica, enquanto outras dependem do grau de educação cultural do
sujeito. Em sua carta para Köhler, ele acrescentou que estes resultados
ainda não estavam suficientemente claros para ele, uma vez que vários
estudos de outros pesquisadores haviam demonstrado essas ilusões
“em crianças pequenas e mesmo em animais”.
É interessante comparar essas conclusões iniciais e bastante
cautelosas com relação à base cultural de ilusões ópticas com o
relatório posterior de Koffka (em Luria, 1934/1935, p. 257) e a
monografia do próprio Luria publicada quatro décadas depois. A
monografia repete essencialmente as conclusões a que ele havia
chegado 40 anos antes (omitindo as dúvidas que ele tinha anterior-
mente com relação aos dados), afirmando que pode ser considerado
comprovado que “mesmo processos relativamente simples envolvi-
dos na percepção de cores e formas geométricas dependem em um

2. A partir da correspondência de Vygotsky, ficamos sabendo que ele tomou


conhecimento dos resultados das experiências sobre ilusão virtual através de
uma das cartas de Luria (Vygotsky em carta para Luria, datada de 20 de junho
de 1932).
274 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

grau considerável da experiência prática dos sujeitos e de seu meio


cultural” (Luria, 1976, p. 45). Koffka, porém, durante sua breve
participação na segunda expedição ao Usbequistão, chegou a uma
conclusão bem diferente. Em suas próprias palavras:
Os resultados a seguir podem ser considerados comprovados: com muito
poucas exceções, os homens e mulheres examinados por nós perceberam
as ilusões ópticas — das quais foi mostrada uma grande variedade — da
mesma maneira que nós. Medições quantitativas dos padrões Müller-
Lyer e Poggendorf produziram uma quantidade ligeiramente menor des-
sas ilusões do que os experimentos de controle feitos com psicólogos
europeus. As exceções, que foram muito raras nesta expedição, porém
muito mais freqüentes na primeira, são facilmente explicadas pela atitu-
de dos testados em relação ao experimentador. Sujeitos sociais ingênuos
que trataram o experimentador em um pé de igualdade e não viram o
experimento como um teste de sua capacidade tiveram a ilusão, sem
exceção. Apenas quando os sujeitos ficavam desconfiados, olhando um
longo tempo para os padrões antes de fazer seu julgamento, as ilusões
deixaram de aparecer com alguns, porém de forma alguma com todos os
padrões, em concordância com fatos bem conhecidos. Similarmente, pôde
ser provado com várias figuras muito simples, como o livro de Mach, o
cubo de Necker, a escada de Schröder, que desenhos planos em perspec-
tiva podem levar à percepção de um objeto tridimensional. Se o padrão
for mais complexo e tiver um maior valor representativo, o efeito
tridimensional pretendido, via de regra, não aparece, embora nós vejamos
essas figuras como tridimensionais. Assim, pode-se explicar o relatório
oposto de investigadores anteriores, de acordo com o qual os habitantes
do Usbequistão, não alcançados pela cultura moderna, não conseguem
perceber a perspectiva (Koffka, em Luria, 1934, p. 257).
Vemos, assim, que Koffka, com base em seus dados, negou cla-
ramente as conclusões iniciais de Luria: os usbeques “primitivos” per-
ceberam ilusões ópticas como a ilusão de Poggendorf e conseguiram
ver perspectiva em desenhos. É uma pena — apesar do valor das
conclusões tanto de Luria quanto de Koffka sobre a base cultural e
fisiológica das ilusões — que Luria (1974; 1976) tenha ignorado estas
interpretações conflitantes em sua monografia. A discussão do fato de
Koffka não ter conseguido replicar seus resultados iniciais poderia ter
dado início a um debate interessante sobre as várias maneiras de se
conduzir este tipo de pesquisa etnográfica — o comentário de Koffka
sobre o papel da atitude dos sujeitos em relação ao experimentador,
por exemplo, foi bastante relevante (ver Kloos, 1991) — e teria rebatido
os efeitos da bela mas excessivamente simplificada história sobre os
usbeques não terem ilusões, e coisas parecidas.

A classificação de objetos

Para investigar os modos “primitivos” de classificação de objetos,


Luria seguiu essencialmente o mesmo procedimento que no estudo da
AS EXPEDIÇÕES À ÁSIA CENTRAL 275

percepção. Os sujeitos foram divididos em quatro grupos de “nível


educacional” ou “grau de primitivismo” diferentes e a estes grupos
foram apresentadas várias tarefas. Em seguida, foi medido o desempe-
nho como função da adesão ao grupo. Luria distinguiu os seguintes
grupos de sujeitos (1976; a designação destes mesmos grupos dada em
sua carta para Köhler em 1931 estão entre parênteses): (1) mulheres
ichkari de aldeias remotas, que eram analfabetas e não participavam
de atividades sociais modernas (“muito atrasadas”); (2) camponeses de
aldeias remotas, que continuavam a manter uma economia individua-
lista [sic], permaneciam analfabetos e não tinham nenhuma participa-
ção em trabalho socializado [sic] (“camponeses de aldeias muito primi-
tivas”); (3) mulheres que freqüentaram cursos breves, sem nenhuma
educação formal e quase nenhuma alfabetização (“mulheres de analfa-
betos... culturalmente atrasadas”); (4) trabalhadores ativos do kolkhoz
(“ativamente envolvidos na sociedade; basicamente de aldeias
coletivizadas”); e (5) mulheres estudantes matriculadas em um colégio
de treinamento para professoras.
Esta lista de grupos de sujeitos é muito interessante. Pode-se
perceber como, na década de 1970, Luria evitou cuidadosamente o
uso dos termos “primitivo” e “atrasado”, os quais ele utilizava livre-
mente em suas cartas para Köhler e em outras publicações do início
da década de 30, como em seu capítulo de Estudos sobre a história
do comportamento (Vygotsky e Luria, 1930a, p. 123; p. 154), em que
disse que as mulheres usbeques “encontravam-se em um nível baixo
de desenvolvimento cultural”, ou seja, um “nível muito primitivo”.
A lista dos grupos de sujeitos e o procedimento seguido também
levantam algumas questões. Em primeiro lugar, seria interessante
saber como Luria de fato classificava seus sujeitos em uma “escada
de desenvolvimento cultural” ou “primitivismo”. Em nenhum ponto
de seu livro encontramos um esclarecimento quanto às suas pres-
suposições ao classificar esses grupos — embora ele mencione es-
colaridade e participação no kolkhoz como fatores relevantes — e só
se pode esperar que ele não tenha deduzido essa classificação a
partir dos desempenhos nas várias tarefas medidas. Mas, mesmo
supondo que a distinção e a classificação de vários grupos de sujei-
tos não tenha sido problemática, permanece uma série de questões
metodológicas. Não está claro, por exemplo, se os grupos foram
comparados em relação a variáveis intervenientes possivelmente
relevantes, como a idade dos sujeitos. Também podemos pressupor
com segurança que os investigadores não puderam seguir um pro-
cedimento duplo cego, ou seja, eles certamente sabiam a que grupo
pertenciam os sujeitos que estavam interrogando. Por fim, não ficou
totalmente clara a extensão em que os investigadores procuraram
levar em conta fatores sociais como o mencionado por Koffka na
seção anterior. Em vista desses fatores possivelmente complicadores,
276 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

os resultados de Luria, na melhor das hipóteses, constituíram um


ponto de partida interessante para novas pesquisas.
O que Luria e seus colaboradores encontraram com relação à
classificação de objetos? Foram apresentadas aos sujeitos 19 figuras
geométricas de formas variáveis. Sua primeira tarefa era nomear
essas figuras. Luria distinguiu entre nomes concretos orientados
para o objeto e nomes categóricos, e descobriu que apenas o grupo
de sujeitos “mais culturalmente avançados” nomeava as figuras
geométricas por nomes de categorias, como círculo, triângulo, etc.
(1976, p. 32). Os sujeitos mais “primitivos” designavam todas as
figuras com nomes de objetos: um círculo, por exemplo, era chama-
do de prato, relógio, lua etc. (ver tabela 10.1).

TABELA 10.1 Porcentagem e tipo de nomeação de figuras


geométricas (segundo Luria, 1976, p. 34)

Número Porcentagem de nomes


Grupo de sujeitos ligados a objetos

Mulheres ichkari 18 100,0


Mulheres em cursos pré-escolares 35 85,3
Ativistas de fazendas coletivas 24 59,0
Mulheres em colégios de
treinamento de professoras 12 15,2

Provavelmente como resultado dessas diferentes atitudes de


nomeação, Luria encontrou resultados bastante variados quando
pediu aos sujeitos que combinassem figuras semelhantes em gru-
pos. Os sujeitos mais “primitivos” não combinaram figuras perten-
centes à mesma categoria geométrica em um mesmo grupo, vendo-
as como objetos muito concretos que não tinham nada que ver uns
com os outros. Sujeitos culturalmente mais “avançados” não tive-
ram nenhum problema com esta tarefas (ver tabela 10.2).
Luria concluiu que esses resultados mostram
a extensão em que a percepção de sujeitos que freqüentaram escola, onde
empregam conceitos geométricos abstratos, difere da de sujeitos que
cresceram sob a influência apenas de atividades práticas orientadas para
objetos... Os dados mostram como o princípio de classificação de figuras
geométricas varia com a mudança de nível cultural (1976, p. 39).

Era aceito, evidentemente, que a classificação abstrata categó-


rica era superior e devia substituir a classificação concreta orienta-
da para objetos. Esta pressuposição era muito comum na década de
1930, mas é criticada por alguns pesquisadores atualmente (p. ex.,
Sacks, 1989, pp. 121-2).
TABELA 10.2 Classificação de figuras geométricas (porcentagens) (segundo Luria, 1976, p. 40)

Classificação

Em termos de
características Em termos de
Número de Falha de Nomes gráficas categorias
Grupo indivíduos classificação objeto-orientado individuais geométricas

Mulheres ichkari 10 21.8 20.4 57.8 0


Mulheres em cursos pré-escolares 35 18.3 8.4 55.0 18.3
Ativistas de fazendas coletivas 24 12.8 11.6 30.8 44.8
Mulheres em colégios de
treinamento de professoras 10 0 0 0 100
277
278 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Os resultados encontrados por Luria e seus colegas foram repli-


cados pela pesquisa moderna, mas foram interpretados por vários
pesquisadores de maneiras diversas (Berry e Dasen, 1974; Cole e
Scribner, 1974). Cole (em Luria, 1976, p. xv), por exemplo, não acredita
que os usbeques da investigação de Luria realmente adquiriram novos
modos de pensamento, mas, em vez disso, mostra-se inclinado a inter-
pretar os dados como resultado de “mudanças na aplicação de modos
anteriormente disponíveis aos problemas e contextos específicos repre-
sentados pelo ambiente experimental”. Esta parece uma visão bem
menos radical que a de Vygotsky e Luria, que de fato sugeriam que
mudanças culturais levariam a transformações tanto no conteúdo quanto
na forma do pensamento (ver capítulos 9 e 11). A base da interpretação
de Cole é que ele é cético quanto à aplicação de teorias de desenvol-
vimento interculturalmente. Parece, porém, que se pode afirmar que
práticas culturais diferentes levam a diferentes modos de pensar —
alguns dos quais são, em certo ponto de vista, mais poderosos do que
outros — sem sucumbir a uma visão “etnocêntrica” como a defendida
por Vygotsky e Luria (ver também capítulo 9). Tal ponto de vista, em
que a existência de “universais” nos domínios superiores da mente
humana é desenfatizada, foi defendida recentemente em um livro no-
tável do psicólogo estoniano Tulviste (1988a).

Por que os resultados não foram publicados na época

Luria e seus colegas pesquisadores realizaram sua pesquisa


nos verões de 1931 e 1932 e Luria completou sua monografia sobre
os resultados da expedição no final de 1933 ou início de 1934 (ver
Luria, 1974, p. 4, onde ele menciona que Vygotsky morreu logo
depois de ela ter sido completada), mas essa monografia permane-
ceu sem publicação por quarenta anos. Na época, Luria só publicou
alguns resumos breves em periódicos estrangeiros, e a publicação
na União Soviética provavelmente restringiu-se aos arranjos da ex-
pedição (Luria, 1931b, p. 383). Mas por que a publicação dos resul-
tados foi retardada por um período tão longo?
Uma das principais razões deve ter sido o artigo de Razmyslov
(1934) — analisado com mais detalhes no capítulo 16 —, em que as
conclusões tiradas com base nas expedições no Usbequistão foram
objeto de um violento ataque. Embora Razmyslov tenha feito algu-
mas observações críticas sobre as idéias de Vygotsky a esse respeito
— dizendo que Vygotsky não entendia, ou não queria entender, que
não se pode encontrar o pensamento por complexos, estabelecido
por Lévy-Bruhl em povos primitivos, em usbeques contemporâneos,
e que, em sua palestra intitulada “Sobre as bases metódicas do
estudo de povos culturalmente singulares”, ele tentou erroneamente
provar a existência de formas de pensamento primitivo entre as
AS EXPEDIÇÕES À ÁSIA CENTRAL 279

nacionalidades anteriormente suprimidas (Razmyslov, 1934, p. 82 —,


ele direcionou suas principais críticas contra Luria, afirmando que
Vygotsky não tomou parte na expedição e não esteve diretamente
envolvido no trabalho realizado (Razmyslov, 1934, p. 84).
A principal crítica de Razmyslov foi que Luria não descreveu ade-
quadamente o enorme progresso que havia sido feito no Usbequistão
através da introdução das reformas sociais. Em vez de enfatizar a
criação do “novo homem” com sua nova atitude em relação ao trabalho
e sua nova consciência comunista, Luria tentou mostrar que os mem-
bros dos kolkhozes não eram capazes de pensamento conceitual e não
conseguiam diferenciar situações abstratas de situações concretas
(Razmyslov, 1934, pp. 82-3). Esta acusação tinha alguma base factual.
De fato, como vimos (tabelas 10.1 e 10.2), Luria havia apresentado
dados que pareciam provar que mesmos ativistas do kolkhoz ainda
designavam freqüentemente figuras geométricas como objetos e nem
sempre combinavam essas figuras em categorias abstratas. Para
Razmyslov, isto era um insulto para os politicamente conscientizados
ativistas de kolkhoz. Para piorar as coisas, ele conseguiu apresentar
alguns protocolos3 que, supostamente, mostravam que Luria e seus
colaboradores haviam ignorado deliberadamente respostas politicamente
inteligentes, considerando-as inferiores. Assim, de acordo com um dos
protocolos reproduzidos em Razmyslov (1934, p. 83), um sujeito usbeque
— e, mais importante, o presidente analfabeto de um kolkhoz — foi
incentivado a imaginar um baj (plantador rico) com um gado miserável.
O sujeito recusou-se a imaginar essa situação, afirmando que bajs
sempre tinham um gado excelente e que, se não o tivessem, então isto
significava que teriam sido deskulakizados pelas autoridades soviéticas
e, conseqüentemente, já não eram bajs. De acordo com Razmyslov,
Luria concluiu que esse sujeito recusava-se a aceitar premissas hipoté-
ticas e pensava concretamente (ver também capítulo 4). Um outro
protocolo apresentado por Razmyslov, embora menos político, mostra-
va o mesmo problema: pessoas eram designadas como pensadores
“situacionais” ou “concretos” assim que se recusavam a falar sobre
situações hipotéticas sugeridas pelos experimentadores. Em si, tais
resultados realmente colocavam um problema sério — essas recusas
traíam uma incapacidade (de base cultural) ou uma relutância (igual-
mente de base cultural) em pensar hipoteticamente? Mas o que torna-
va o artigo de Razmyslov muito perigoso politicamente foi o fato de ele
ter conseguido mostrar como um presidente honesto de kolkhoz, que
raciocinava de maneira perfeitamente lógica sobre a (não) existência de
bajs depois da campanha de ‘’deskulakização”, pôde ser apresentado
como um pensador concreto limitado. Parece que o conceito de avanço

3. Fornecidos a ele pelo participante moscovita das expedições, F. N. Shemyakin,


que, desta forma, “traiu” seus colegas.
280 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

cultural de Razmyslov (e do Partido Comunista), baseado na criação de


consciência política, e o conceito de desenvolvimento cultural de Luria,
baseado na substituição do pensamento situacional concreto pelo pen-
samento abstrato, estavam em desacordo. Não será surpresa, portanto,
que Razmyslov (1934, pp. 83-4) tenha concluído dizendo que a pesqui-
sa de Luria havia sido pseudocientífica, reacionária e anti-marxista.
Em nossa interpretação, assim, o ponto básico do artigo de
Razmyslov não foi tanto o fato de Luria ter insultado os usbeques ou
tocado na questão sensível das minorias nacionais (Cole em Luria,
1976, p. xiv) — na verdade, os oficiais do partido sempre haviam
defendido uma forma direta de chauvinismo russo —, mas o fato de ele
ter abalado a idéia sagrada de coletivização, apontando que ativistas de
kolkhoz ainda não eram capazes de pensamento abstrato. É irônico
que Luria, que mesmo quarenta anos depois continuava elogiando a
coletivização, tenha se tornado vítima de uma crítica desse tipo.
O ataque de Razmyslov foi suficientemente forte para fazer com
que a publicação imediata dos resultados das expedições à Ásia
central fosse imprudente e, talvez, impossível. Eventos posteriores
na ciência psicológica soviética — o Decreto da Pedologia de 1936
(ver capítulo 12) — viriam a impedir a publicação por várias outras
décadas.
281

11
O universo das palavras:
a visão de Vygotsky sobre
a formação de conceitos

O interesse de Vygotsky pelos processos de formação de conceitos


e desenvolvimento de conceitos tornou-se evidente por volta de 1927 e
prosseguiu até sua morte, em 1934. Pode-se distinguir várias fases em
seu pensamento sobre este assunto, notadamente uma primeira fase
relacionada a replicações e desdobramentos de trabalhos feitos por Ach
e seus seguidores e uma segunda fase ligada à replicação e desdobra-
mento do trabalho de Piaget. Os escritos de Vygotsky sobre a formação
de conceitos pertencem à parte mais conhecida de seu trabalho (p. ex.,
Brushlinsky, 1968; Berg, 1970; Rissom, 1985), mas raramente são
compreendidos em um contexto histórico adequado e vistos como a
replicação heterogênea de experimentos que realmente são.
Um problema é que os pesquisadores ocidentais atuais conhecem
a pesquisa sobre formação de conceitos de Vygotsky por meio de tra-
duções de Pensamento e fala (traduzido como Pensamento e linguagem;
Thought and Language nas traduções para o inglês). Deixando de lado
os constantes problemas de tradução das edições norte-americanas
existentes (Vygotsky, 1962, 1986, 1987; para alguns exemplos, ver Van
der Veer, 1987, e o capítulo 13), pode-se dizer que, pela leitura de
Pensamento e linguagem, não é possível reconstruir prontamente a
ordem cronológica em que os vários manuscritos de Vygotsky sobre
formação de conceitos foram escritos. Assim, é dito na edição russa de
1982 (copiada fielmente na edição norte-americana de 1987) que o
capítulo 5 de Pensamento e linguagem, o capítulo que trata de desdo-
bramentos da abordagem de Ach, é semelhante em conteúdo ao de
uma palestra sobre “O desenvolvimento de conceitos cotidianos e cien-
tíficos na idade escolar”, que Vygotsky apresentou em 20 de maio de
1933 (publicada em Vygotsky, 1935h). Isto sugeriria que os trabalhos
de Vygotsky sobre as vantagens e desvantagens da abordagem de Ach
e sua análise de suas próprias replicações de experimentos haviam
sido escritos durante a época em que ele discutia idéias como a “zona
de desenvolvimento proximal” e “zonas sensíveis” e repensava a relação
282 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

entre educação e desenvolvimento em geral. Nada poderia estar mais


longe da verdade. Na realidade, o capítulo 5 foi escrito por volta de
1930 (com base em uma pesquisa feita nos anos anteriores por
Sakharov, Kotelova, Pashkovskaya e o próprio Vygotsky) e publicado
em A pedologia do adolescente (Vygotsky, 1931h; ver seções 5-24 do
capítulo 10, nas páginas 229-89). Nessa época, Vygotsky trabalhava
com um conjunto de idéias (por exemplo, a abordagem instrumental,
a idéia de primitivismo) que ainda estavam bem distantes das que ele
viria a desenvolver no último ano e meio de sua vida (por exemplo, a
abordagem sistêmica, as zonas de desenvolvimento).
Também não é fácil compreender os esforços de Vygotsky no
domínio da pesquisa de formação de conceitos lendo o capítulo 6 de
Pensamento e linguagem e seus comentários. Composto na primavera
de 1934, esse capítulo trata de várias questões que fascinaram Vygotsky
enquanto ele trabalhava no Instituto Pedagógico Herzen. Desta forma,
o capítulo reitera as palestras proferidas por ele em 1933 (publicadas
em Vygotsky, 1935h), combinando-as com uma apreciação dos escritos
mais recentes de Piaget e suas replicações e desdobramentos realiza-
dos por colaboradores de Vygotsky. Infelizmente, o fato de o capítulo
ter sido composto por Vygotsky enquanto este sofria uma séria recaída
da tuberculose resultou em uma composição um tanto caótica. Deve
ser acrescentado que parte do capítulo havia sido escrita anteriormen-
te: as páginas 163-76 e 256-9 eram idênticas às páginas 3-17 do
prefácio à obra de Shif (1935). As partes restantes do capítulo foram
ditadas a Sof’’ya Davydovna Eremina, uma estenógrafa e amiga antiga
da família de Vygotsky. Uma das filhas de Vygotsky, Gita Lvov’na
Vygodskaja, lembra-se bem de como seu pai andava de um lado para
outro no quarto, ditando os capítulos de Pensamento e linguagem que
ainda não haviam sido escritos (Vygodskaja, comunicação pessoal,
outubro de 1989).
O primeiro editor do livro, Kolbanovsky, conferiu o texto de todos
os capítulos e pode ter removido algumas referências indesejáveis a
autores “fascistas” e à pedologia (substituindo a palavra “pedologia” por
“psicologia escolar” etc.). Nossa suspeita de que Kolbanovsky possa ter
removido a palavra “pedologia” baseia-se no fato de que Vygotsky uti-
lizou-a profusamente nas palestras que constituíram a base de grandes
partes do capítulo 6 de Pensamento e linguagem, no entanto, a palavra
está ausente no capítulo (veja Vygotsky, 1935h). Muitos anos depois,
Kolbanovsky (1956, p. 112) continuava oferecendo desculpas públicas
pela pesquisa pedológica de Vygotsky e mencionava que Vygotsky havia
“concordado” em dar a seu livro o subtítulo “Uma análise psicológica”
(ver também capítulo 16).
Um exemplo da remoção de uma referência a um autor “fascista” po-
de ser encontrado no capítulo 5 de Pensamento e linguagem, em que
Vygotsky fala de “um dos autores contemporâneos” (Vygotsky, 1934a,
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 283

p. 136). No texto original de A pedologia do adolescente (Vygotsky, 1931h,


p. 263), este autor anônimo era Felix Krueger, psicólogo alemão, cuja
ligação com o regime nazista foi bem documentada (Geuter, 1985).
Kolbanovsky também poliu o texto das transcrições, de modo
que o livro pudesse ser apresentado como um todo coeso. As refe-
rências restantes à natureza conversacional do capítulo (p. ex.,
Vygotsky, 1934a, p. 239, onde ele se referia a “nossas conversas”)
foram removidas pelos editores e nas edições posteriores.
Esta curiosa história da origem de Pensamento e linguagem deve
nos deixar cautelosos, mas não devemos tirar a conclusão precipitada
de que o texto de todos os capítulos ditados de Pensamento e linguagem
são basicamente pouco confiáveis. A filha de Vygotsky, Gita Lvov’na
Vygodskaja, considera que o texto é bastante confiável, baseando esta
opinião no fato da relação muito amistosa que existia entre Kolbanovsky
e Vygotsky na época (Vygodskaja, comunicação pessoal, outubro de
1989; ver também capítulo 16). Seja como for, o capítulo 6 de Pensa-
mento e linguagem demonstra claramente sua origem conversacional,
uma vez que apresenta uma série de repetições, transgressões e pas-
sagens que precisariam de esclarecimentos adicionais.
Um dos objetivos deste capítulo, portanto, será reconstruir a
gênese histórica do pensamento de Vygotsky no domínio da pesqui-
sa da formação de conceitos. As principais fontes aqui são Sakharov
(1928; 1930), Vygotsky (1930h; 1931h; 1934a; 1934h; 1935f; 1935h)
e Shif (1935). Um outro objetivo será esclarecer a maneira como as
idéias de Vygotsky neste domínio estavam ligadas à natureza geral
de seu pensamento nos períodos respectivos.

Replicação e desdobramento de Ach


A pesquisa da formação de conceitos

As primeiras obras histórico-culturais sobre a pesquisa da for-


mação de conceitos estiveram ligadas à nova tradição criada por Ach
(1921) e foram escritas por L. S. Sakharov, colaborador de Vygotsky
no Instituto Experimental de Psicologia (Sakharov, 1928; 1930). A
palestra proferida por Sakharov na Conferência Pedológica de Mos-
cou em 1 de janeiro de 1928, publicada postumamente (ele cometeu
suicídio em 10 de maio do mesmo ano1), proporciona algum insight

1. Uma Comissão tinha que investigar o caso. Em uma carta para a viúva
de Sakharov um mês depois da morte de seu marido, Vygotsky menciona que
a Comissão, aparentemente, ainda não havia sido formada. Nessa mesma carta,
muito afetuosa e sensível, ele menciona também que, devido à sua grande
tristeza, ainda não havia conseguido retomar o trabalho de Sakharov (Vygotsky
em carta para Sakharova, datada de 17 de julho de 1928).
284 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

sobre a maneira como Vygotsky e seus colaboradores viam o estado


da pesquisa de formação de conceitos (Sakharov, 1930).
Sakharov começou a palestra mencionando duas maneiras de
investigação do pensamento conceitual infantil e suas desvantagens. O
primeiro método é pedir uma definição: um experimentador lista as
características de um conceito e pede que a criança dê o nome do
conceito, ou menciona vários conceitos e pede que a criança diga o
conceito de ordem superior. Um problema com este método é que ele
não revela o desenvolvimento de conceitos, de vez que investiga-se
apenas as características qualitativas de conceitos que a criança já tem
à sua disposição. Além disso, o método é puramente verbal e, portanto,
não se pode analisar como a criança usa esses conceitos em sua
relação prática com objetos. Por fim, há o problema de que as mesmas
palavras podem significar coisas diferentes para as várias crianças.
Sakharov concluiu que o método de definição era inadequado e voltou-
se para o segundo método de investigação de desenvolvimento de con-
ceitos: o método direto. Todas as versões do método direto têm em
comum a apresentação ao sujeito de um conjunto de objetos que
podem ter uma ou mais características em comum (cf. Grünbaum,
1908). A tarefa pode ser encontrar no subconjunto A um objeto que
seja parecido com um outro objeto do subconjunto B, ou agrupar
objetos similares, etc. Tarefas desse tipo foram apresentadas por Luria
a sujeitos usbeques em 1931 e 1932 (ver capítulo 10). Na opinião de
Sakharov e Vygotsky, porém, estes métodos tinham um inconveniente
básico: o papel funcional das palavras no processo de abstração era
excluído (ver Ach, 1921, p. 28 para uma opinião parecida). Usando esta
abordagem não verbal, não se expõe o papel desempenhado pelas
palavras na formação de conceitos e o comportamento da criança será
totalmente determinado pelas características dos objetos. Assim, en-
quanto o método da definição tenta compreender o processo de forma-
ção de conceitos em um plano puramente verbal, isolado dos objetos
concretos a que os conceitos se referem, o método direto investiga a
formação de conceitos na esfera puramente prática, isolando-a do papel
orientador das palavras.

O método de busca de Ach

Vygotsky e Sakharov acreditavam que o método ideal de estudo da


formação de conceitos deveria envolver a introdução simultânea de
objetos e palavras. Um passo decisivo neste aspecto foi dado por Ach
em seu famoso Über die Begriffsbildung (1921), em particular seu
“método de busca” (Suchmethode). Ach começou suas investigações a
partir de três pressupostos teóricos que estavam muito próximos do
pensamento de Vygotsky na época. Em primeiro lugar, a pesquisa
deveria estudar o desenvolvimento de conceitos e não seus produtos
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 285

acabados (1921, p. 1). Em segundo, o método tinha que ser sintético-


desenvolvimentista, ou seja, deveria estudar a maneira como as pala-
vras adquirem um sentido significativo, a maneira como se transfor-
mam em símbolos. Portanto, era preciso começar com palavras que,
originariamente, não tivessem nenhum significado, isto é, palavras sem
sentido, e acompanhar o caminho de seu desenvolvimento até unida-
des significativas (Ach, 1921, pp. 1-2; p. 32). Em terceiro, os conceitos
servem a uma função definida no pensamento e o homem não é um
receptor passivo de impressões, como Galton havia afirmado (1921, pp.
28-9). Portanto, é preciso trazer os sujeitos para uma situação em que
os conceitos possam desempenhar um papel funcional e sejam tão
indispensáveis quanto os instrumentos nas experiências de Köhler com
chimpanzés (1921, p. 32). O novo método de Ach para a investigação
do pensamento infantil e do raciocínio por trás dele causou uma pro-
funda impressão no mundo psicológico e deu início quase imediata-
mente a uma nova tradição de pesquisas (p. ex., Bacher, 1925; Rimat,
1925; Usnadze, 1924; 1929; 1930).
Não é difícil perceber como a nova abordagem coincidia com o
pensamento de Vygotsky na época. Como vimos em um capítulo an-
terior, a idéia de uma abordagem genética, a idéia de palavras como
instrumentos e a comparação com os experimentos de Köhler com
chimpanzés estavam de acordo com o conjunto de idéias apresentado
na teoria histórico-cultural. Porém, embora o método de busca de Ach
representasse um grande passo na direção da pesquisa de formação de
conceitos, também tinha seus pontos negativos, na opinião de Vygotsky
e Sakharov. Lembremos que o método de busca de Ach consistia em
apresentar aos sujeitos (principalmente crianças) doze objetos de dife-
rentes formas (cubos, cilindros, triângulos), tamanho (grande, peque-
no) e peso (pesado, leve). Cada objeto tinha uma etiqueta com seu
nome, de acordo com a seguinte regra: os três objetos grandes e pe-
sados eram chamados “Gazun”, os objetos grandes e leves eram “Ras”,
os pequenos e pesados eram “taro” e os pequenos e leves eram “fal”.
Depois de um período de treinamento, em que as crianças levantavam
repetidamente os objetos e liam seus nomes em voz alta, as etiquetas
foram tiradas e os sujeitos tinham que selecionar os objetos com o
nome especificado pelo experimentador. Em séries posteriores, o núme-
ro de objetos era aumentado, acrescentando-se a dimensão da cor
(amarelo, vermelho e azul). Ach também testou a compreensão pelos
sujeitos dos conceitos recentemente adquiridos, fazendo perguntas como
“Um Gazun é maior do que um fal?” etc. Não é de surpreender que
muitos pesquisadores tenham percebido rapidamente o valor diagnós-
tico do método de busca e desenvolvido-o em um teste de inteligência
(Bacher, 1925; Rimat, 1925; ver também Sakharov, 1928, no artigo de
Bacher). Vygotsky e Sakharov achavam que o método de busca de Ach,
embora fosse de imenso valor, tinha dois problemas. A primeira des-
286 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

vantagem do método era que os processos mentais dos sujeitos eram


insuficientemente externalizados. Tendo investigado quinze crianças
normais e retardadas no verão e no outono de 1927, Sakharov chegou
à conclusão de que o período de treinamento não permitia que o
experimentador estudasse os processos mentais dos sujeitos. A solução
de Ach para este problema, que era contar com a introspecção dos
sujeitos para este período, parecia inaceitável para Sakharov. Uma
segunda desvantagem do método de Ach era o fato de seu mundo
artificial de objetos ser totalmente simétrico. Para Sakharov, isto não
caracterizava a vida real e, em lugar dessa abordagem, ele propunha
que se começasse com um conjunto desorganizado de objetos que só
pudesse ser ordenado com a ajuda de palavras.

O método de busca modificado

Com base nessas considerações, Sakharov e Vygotsky desenvolve-


ram o método de busca modificado, em que os sujeitos recebiam ob-
jetos de (1) diferentes cores (amarelo, vermelho, verde, preto e branco),
(2) diferentes formas (prismas, paralelepípedos, cilindros), (3) diferentes
alturas (baixo, alto) e (4) diferentes larguras da superfície (grande,
pequena). O nome dos objetos havia sido escrito em seu lado de baixo
e, portanto, não ficava visível. As palavras sem sentido ligadas aos
objetos eram “bat” (para objetos pequenos e baixos), “dek” (pequenos
e altos), “roc” (grandes e baixos) e “mup” (grandes e altos). Os vinte a
trinta objetos eram colocados de uma forma desorganizada sobre uma
parte de um tabuleiro de jogo que continha vários segmentos. O nú-
mero de objetos pertencentes a cada categoria era desigual. O
experimentador, então, virava um dos objetos de cabeça para baixo,
pedia à criança para ler o nome e colocava-o, com o nome visível, em
um segmento separado do tabuleiro, explicando que aquele era o brin-
quedo de crianças de uma outra cultura e que havia mais daqueles
brinquedos entre os objetos. Era explicado que, se a criança encontras-
se os outros “brinquedos”, ela ganharia um prêmio. A criança era
incentivada a trabalhar com cuidado e devagar, e a ordem em que ela
selecionava os “brinquedos” era registrada, assim como o tempo gasto.
Depois que a criança fazia uma seleção incorreta, o experimentador
pedia que ela virasse um dos objetos não selecionados de cabeça para
baixo e lesse o nome. Esse novo caso do conceito era, então, posicionado
ao lado do primeiro e todos os outros objetos eram colocados em seu
lugar original. A criança, assim, tinha que começar todo o processo de
seleção novamente, tendo agora dois exemplos do conceito à sua dis-
posição. Este processo, bastante desapontador, continuava até que a
criança tivesse concluído com sucesso a tarefa. Nesse meio tempo, o
experimentador pedia à criança para explicar os motivos de sua esco-
lha e dar uma definição do conceito “brinquedo”.
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 287

É claro que este método de busca modificado tem muitos ele-


mentos em comum com o método original de Ach, mas várias alte-
rações importantes foram feitas. A mais importante é que os nomes
dos objetos ficam a princípio invisíveis e, depois de cada tentativa
de seleção, a criança recebe mais um nome no qual basear sua
hipótese. Sakharov considerava o método de busca modificado como
uma versão especial do método de dupla estimulação, onde a rela-
ção gradualmente alterada entre os dois tipos de estímulo — pala-
vras e objetos — é externalizada a um grau extremo.

Resultados empíricos

Com base nos primeiros experimentos com adultos e crianças


escolares (ele preparou uma investigação de crianças pré-escolares,
substituindo as palavras por signos coloridos), Sakharov afirmou que
era possível distinguir três estágios na formação de conceitos. A prin-
cípio, as crianças viam as palavras como signos individuais, ou nomes
próprios. No segundo estágio, a palavra tornava-se um nome de família
ligado a um conjunto específico de objetos. Só no terceiro e último
estágio ela se tornava um conceito abstrato (Sakharov, 1930, p. 32).
Infelizmente, Sakharov não fez nenhuma tentativa de ilustrar esses
supostos estágios com referência aos dados experimentais coletados.
Em uma nota de rodapé no artigo de Sakharov, foi mencionado que as
investigações que ele começara haviam sido concluídas por Vygotsky,
Kotelova e Pashkovskaya e que eles tinham preparado uma monografia
para publicação. Esta monografia nunca foi publicada, mas há um
capítulo desproporcionalmente longo em A pedologia do adolescente
(mais tarde publicado como o capítulo 5 de Pensamento e linguagem)
que trata dessas investigações posteriores. Portanto, é a esse capítulo
que devemos nos voltar para ter uma idéia da natureza das descober-
tas experimentais.
Primeiramente, Vygotsky reiterou brevemente os argumentos
apresentados por Sakharov (1930), acrescentando uma diferença
adicional entre o método de busca modificado e o procedimento
original de Ach: os sujeitos não podem seguir indutivamente, mas
têm que trabalhar de cima para baixo, ou seja, partindo de hipóte-
ses. Depois de estudar “mais de 300” sujeitos (crianças, adolescen-
tes, adultos, pacientes mentais e outros), Vygotsky concluiu que “o
desenvolvimento dos processos que, posteriormente, levam à forma-
ção de conceitos tem sua origem no começo da infância, mas apenas
na adolescência amadurecem, tomam forma e desenvolvem-se as
funções intelectuais que, em sua combinação única, formam a base
psicológica do processo de formação de conceitos” (Vygotsky, 1931h,
pp. 240-1; 1934a, p. 114). Esta conclusão foi contrastada por ele
com a opinião de contemporâneos, como Charlotte Bühler, que havia
288 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

afirmado que as principais operações mentais são completadas em


uma idade muito tenra e que o crescimento mental posterior consiste
puramente na aquisição de novos conhecimentos. Nessa época,
porém, Vygotsky já estava convencido de que, no desenvolvimento
mental, tanto a forma (as operações mentais, como conceitos) como
o conteúdo (conhecimento) alteram-se em um processo interdepen-
dente complexo, que faz lembrar a inter-relação dialética que Vygotsky
via em obras de arte (ver capítulo 2). Assim, os conceitos do adulto
maduro eram precedidos por vários “protoconceitos”, que Vygotsky
propôs-se a descrever com detalhes. Sua idéia básica ainda era que
a principal diferença entre tipos inferiores e superiores de atividade
mental era o fato de estas últimas serem operações mediadas atra-
vés de signos (Vygotsky, 1931h; p. 245; 1934a, p. 118).
Quais, então, eram os modos infantis de classificação ou genera-
lização que precediam os conceitos totalmente amadurecidos? Vygotsky
distinguiu três estágios no desenvolvimento da criança rumo ao pen-
samento conceitual real: (1) o estágio do sincretismo, (2) o estágio da
formação de complexos, e (3) o estágio da formação de conceitos po-
tencial. No primeiro estágio, o sincrético (o termo “sincretismo” foi
emprestado de Claparède e Piaget [1923]), os objetos são agrupados
pela criança com base em fatores perceptuais irrelevantes, como a
proximidade espacial. Os objetos agrupados, portanto, não têm neces-
sariamente características em comum. Pode-se objetar que, se as crian-
ças vinculassem palavras a objetos desta maneira singular, a comuni-
cação com os adultos se tornaria muito difícil. Neste aspecto, Vygotsky
apoiava-se fortemente em Usnadze (1930), que havia introduzido a
idéia de “equivalentes funcionais” para esclarecer a questão. Usnadze,
que usou o método de busca de Ach e cujas investigações do modo de
crianças agruparem objetos apresentaram muitas semelhanças com as
de Vygotsky e seus colaboradores, observou que crianças podem co-
municar-se com adultos de uma maneira adequada, embora as pala-
vras usadas por elas ainda não sejam conceitos em um sentido real.
Ele prosseguiu afirmando que as palavras das crianças são os “equi-
valentes funcionais” (Usnadze, 1930, p. 140) dos conceitos dos adultos
e descreveu sua natureza de forma detalhada. A comunicação entre
adultos usando conceitos reais e crianças usando seus equivalentes
funcionais era possível porque adulto e criança partilham um contexto
comum na forma do mundo de objetos a que estão se referindo. Por
causa desse contexto partilhado, os significados de suas palavras ou
seus conceitos irão se sobrepor parcialmente (Vygotsky, 1931h, pp.
246-7). O estágio da ordenação sincrética dos objetos foi subdividido
por Vygotsky em três subestágios. No primeiro subestágio, a criança
trabalharia em uma base de “tentativa e erro”, selecionando objetos
arbitrários e experimentando outros objetos arbitrários quando era
corrigida. No segundo subestágio, elas selecionariam os objetos que
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 289

estivessem espacialmente próximos uns dos outros na configuração


original. O terceiro subestágio é descrito de forma muito vaga por
Vygotsky, mas tem-se a impressão de que, nele, as crianças seleciona-
riam vários grupos sincréticos, dos quais separavam diversos objetos
para formar um novo grupo sincrético. Para Vygotsky, esse processo
em duas etapas estava a um passo de distância de uma ordenação
com base em características perceptuais e, portanto, considerava-o um
subestágio mais avançado do que os dois subestágios mencionados
antes. A propósito, não é fácil perceber como este comportamento de
ordenação se tornaria evidente em um experimento usando o método
de busca modificado.
No segundo estágio, as crianças irão dispor os objetos em “com-
plexos”, ou seja, irão selecionar objetos com base em alguma caracte-
rística objetiva concreta, mas a característica selecionada pode parecer
irrelevante para os adultos e, de qualquer forma, será mudada uma ou
mais vezes durante o processo de ordenação. O resultado é que sub-
grupos de objetos irão partilhar um ou mais características, mas não
é possível encontrar uma única característica que seja partilhada por
todos os elementos do “complexo”. Assim, ao passo que os elementos
de um conceito real têm todos uma ou mais características em comum,
isto não é verdadeiro para um “complexo”. Vygotsky, como Sakharov
havia feito antes dele, comparou complexos a nomes de família: cada
membro de uma família tem alguns traços em comum com outros
membros, mas todos os membros não compartilham necessariamente
um mesmo traço. O pensamento por complexos é superior ao pensa-
mento sincrético, já que a ordenação agora é feita com base em carac-
terísticas objetivamente existentes. É interessante, uma vez que parece
indicar uma aceitação de conceitos piagetianos, Vygotsky (1931h, p.
248) ter afirmado que o pensamento por complexos de uma criança
“supera, em certa medida, seu egocentrismo”.
O estágio de formação de complexos foi subdividido por Vygotsky
em cinco subestágios:
1. Complexos associativos. Neste subestágio, a criança acrescen-
ta objetos ao primeiro objeto porque eles compartilham uma
característica (mutável). Um objeto pode ser selecionado por-
que tem a mesma cor que o objeto inicial, um outro por ter
uma forma semelhante, etc. O contraste também pode levar
à inclusão. Vygotsky (1931h, p. 251) ressaltou que, para a
criança, neste subestágio as palavras deixam de ser nomes
próprios e tornam-se nomes de família (cf. Sakharov, 1930).
2. Coleções. A idéia de coleções é que são agrupados objetos
que sejam complementares. Assim, quando o objeto inicial for
uma pirâmide amarela, a criança irá acrescentar objetos com
outras cores e formas, até que todas as cores e formas es-
tejam representadas. Vygotsky observou que essa atitude é
290 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

baseada na observação de objetos agrupados em seu contexto


funcional concreto (por exemplo, um garfo, uma faca e um
prato) e sugere que isto também seja comum em adultos,
porém particularmente nas pessoas com doenças mentais.
Poderíamos acrescentar que Luria (1974) observou uma ten-
dência similar entre camponeses iletrados durante sua ex-
pedição ao Usbequistão também em 1931 (ver capítulo 10).
3 Complexos em cadeia. Neste subestágio, uma criança que
tenha que começar com um triângulo amarelo (ou seja, o
experimentador explicou à criança que esse é um brinquedo
de crianças de uma cultura diferente e pediu-lhe que encon-
trasse os outros brinquedos) pode acrescentar todos os ou-
tros triângulos e depois, se por acaso o último triângulo for
azul, todos os outros objetos azuis etc. Assim, o critério de
seleção muda o tempo todo, mas a criança é inspirada ape-
nas pelo último objeto que ela selecionou e deixa de levar em
conta o triângulo amarelo original.
4 Complexos difusos. Este tipo de ordenação dos objetos é
caracterizado pelo fato de que o próprio critério de seleção
torna-se muito difuso. Assim, começando com um triângulo
amarelo, a criança poderia acrescentar um trapézio porque
sua forma é vagamente similar à do triângulo. O trapézio
poderia ser seguido por um quadrado, outra vez uma forma
vagamente semelhante, etc. A mesma tendência pode ser
observada para a dimensão cor. O subestágio da formação
de complexos difusos apresenta novamente um traço básico
de complexos: eles podem ser suplementados em qualquer
direção e, portanto, não têm limites.
5 Pseudoconceitos. O traço mais importante dos pseudoconceitos
é que eles abrangem fenotipicamente os mesmos objetos que
um conceito real, mas originam-se de uma maneira bem dife-
rente. Como exemplo, Vygotsky (1931h, pp. 256-7) menciona
que uma criança pode acrescentar todos os triângulos dispo-
níveis a um determinado triângulo amarelo. Este comporta-
mento poderia ter sido orientado por um verdadeiro entendi-
mento do conceito geométrico “triângulo”, mas freqüentemente
não é isso que acontece: a criança baseou-se em certas carac-
terísticas perceptuais muito concretas. Vygotsky, assim, pare-
ce indicar aqui que um conceito real (como “triângulo”) baseia-
-se na compreensão de certas características abstratas que
não ocorrem no mundo perceptual. Desta forma, os
pseudoconceitos são um exemplo perfeito de um caso onde os
significados das palavras (a aplicação de palavras a objetos
concretos) de crianças e adultos coincidem, mas seu entendi-
mento dá-se em níveis diferentes. Na análise de Vygotsky, este
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 291

fenômeno aparece porque os adultos direcionam o uso de


palavras pelas crianças, forçando-as a aplicar a palavra “triân-
gulo” ao mesmo conjunto de objetos a que um adulto aplicaria.
Esta referência conjunta (a extensão da palavra) assegura uma
comunicação adequada, mas não o mesmo nível de pensamen-
to. Vygotsky concluiu, portanto, que Ach estava errado ao equi-
parar significado de palavras a conceitos, de vez que criança e
adulto podem referir-se ao mesmo conjunto de objetos (têm o
mesmo significado de palavras), mas basear-se em operações
psicológicas diferentes (características concretas versus defini-
ções abstratas). O uso de palavras que se referem ao conjunto
de objetos comuns possibilita a comunicação adequada entre
adulto e criança, mas a criança ainda tem que percorrer um
longo caminho até sua compreensão de um conceito coincidir
com a do adulto.2 Vygotsky concluiu que os pseudoconceitos
constituem os exemplos mais predominantes e convincentes
da noção de equivalentes funcionais de conceitos de Usnadze.
Vygotsky julgou que era através da interação verbal com os
adultos — “esse motor poderoso do desenvolvimento de concei-
tos das crianças” — que os pseudoconceitos se desenvolveriam
em conceitos reais. Em um de seus característicos apartes em
estilo hegeliano, Vygotsky concluiu que o conceito, em si e
para os outros, existe antes de existir para a própria criança,
ou seja, a criança pode aplicar palavras corretamente antes de
tomar consciência do conceito real.
Depois de descrever esse desenvolvimento global do pensamen-
to sincrético até os pseudoconceitos com base em suas descobertas
experimentais, Vygotsky passou a argumentar que talvez também
fosse possível demonstrar uma coincidência entre esse desenvolvi-
mento e as descobertas psicológicas conhecidas da época. Neste
sentido, ele afirmou que suas descobertas harmonizavam-se com os
fatos conhecidos sobre o desenvolvimento da linguagem nas crian-
ças e sobre o desenvolvimento da linguagem humana per se (Vygotsky,

2. Infelizmente, Vygotsky também usou o termo “significado de palavras” em


um sentido muito diferente. Ao discutir a pesquisa lingüística (através de
Peterson, 1930), ele mencionou o famoso exemplo do “vencedor de Jena” e
“derrotado de Waterloo” de Husserl e aceitou a distinção entre “significado de
palavras” (znachenie; tecnicamente, “intensão” ou “conotação”) e “referência de
objeto” (predmetnaja otnesennost; tecnicamente “extensão”). Agora, ele aplicava
essa nova terminologia a suas descobertas empíricas, afirmando que as “refe-
rências de objeto” das palavras usadas por crianças e adultos coincidem, ao
passo que os “significados de palavras” que eles usam diferem. Usando essa
nova terminologia, ele afirmava agora que temos que investigar a maneira como
os significados das palavras de crianças mudam durante o desenvolvimento.
Este também será o sentido em que o termo será usado no resto deste capítulo.
292 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

1931h, pp. 264-73). Afirmou também que o fenômeno de participa-


ção no pensamento primitivo, observado pela primeira vez por Lévy-
-Bruhl (ver capítulo 9), poderia ser explicado à luz dessas descober-
tas. Em sua opinião, a afirmação dos bororos de que eles eram
papagaios vermelhos — um evento que levou Lévy-Bruhl a introdu-
zir o conceito de participação — não deveria ser interpretado como
significando que eles se sentiam idênticos a papagaios. Em vez dis-
so, a afirmação implicava simplesmente que essas pessoas sentiam
que elas e os papagaios pertenciam à mesma família. Lévy-Bruhl
estava errado, então, ao interpretar o complexo familiar usado pelos
bororos como se fosse um conceito real, onde todos os elementos
compartilhavam alguma característica comum.
No capítulo 10 de A pedologia do adolescente (e, portanto, também
no capítulo 5 de Pensamento e linguagem), Vygotsky concluiu sua aná-
lise do desenvolvimento conceitual das crianças afirmando que o desen-
volvimento que ele havia descrito constituía apenas um aspecto de um
todo complexo. Pois, em sua opinião, a formação de todos sincréticos
e de complexos baseava-se na combinação de objetos semelhantes em
conjuntos. Para propósitos analíticos, porém, a capacidade de combinar
objetos com base na semelhança podia ser distinguida da capacidade
de analisar, separar, abstrair certas características e realçar outras. O
desenvolvimento da capacidade de abstração haveria de se sobrepor
parcialmente à crescente capacidade da criança para formar conjuntos
de objetos similares e a formação de conceitos reais exigiria um domí-
nio completo de ambas as capacidades. O terceiro estágio que precede
o estágio final de formação de conceitos reais combinaria essas capa-
cidades e levaria a “conceitos potenciais”, termo emprestado de Groos.
Porém, a descrição desses conceitos potenciais e de sua diferença em
relação aos pseudoconceitos e conceitos reais é muito vaga e fica-se
com a sensação de que a tentativa de Vygotsky de ligar sua seqüência
de estágios empiricamente estabelecida às descobertas de outros auto-
res é bastante desajeitada. Também temos simplesmente que aceitar
sem maiores explicações sua afirmação de que a transição do pensa-
mento em conceitos potenciais para o pensamento em conceitos reais
só ocorre na adolescência (Vygotsky, 1931h, p. 281). O fato de que os
adolescentes podem apresentar problemas substanciais para definir os
conceitos que formaram levou Vygotsky a declarar que a tomada de
consciência (a prise de conscience de Claparède) e a definição lógica de
um conceito vêm depois de este ser dominado através da prática.

Conclusões

Resumindo, poderíamos dizer que Sakharov e Vygotsky desenvol-


veram uma versão interessante do método de busca de Ach, que pode
ter tido algumas vantagens sobre o original. Porém, uma desvantagem
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 293

importante do método de busca modificado poderia ser o fato de que a


criança tem que recomeçar todo o processo de classificação depois de
cada tentativa. Este é um procedimento bastante frustrante para crianças
pequenas em particular, como o próprio Vygotsky iria perceber alguns
anos depois (Vygotsky, 1934a, p. 244). A seqüência de desenvolvimento
estabelecida (em vários sentidos semelhante aos resultados encontrados
por pesquisadores como Werner, Usnadze e Piaget) também merece muita
atenção. No entanto, alguns comentários críticos podem ser feitos. Em pri-
meiro lugar, é muito difícil compreender o processo de classificação que
está por trás dos diferentes estágios listados por Vygotsky. Como aconte-
cia com freqüência em sua obra, ele não apresentou os dados quanti-
tativos em forma de protocolos e nunca deu um exemplo de uma clas-
sificação baseada em um pseudoconceito em comparação com uma
classificação baseada em um conceito real. Conseqüentemente, fica difícil
entender a diferença entre pseudoconceitos e conceitos reais. Tem-se
a impressão de que Sakharov e Vygotsky tinham em mente, respecti-
vamente, uma classificação baseada em características obtidas por
meio da percepção versus uma classificação baseada em propriedades
geométricas explicitamente expressas na forma de uma definição. As-
sim, uma criança que combinava todos os triângulos “porque eles eram
parecidos” operava com um pseudoconceito, ao passo que um adoles-
cente que combinava todos os triângulos porque “eles são triângulos e
não quadrados, etc.” operariam com um conceito real (em particular se
o adolescente fosse capaz de dar uma definição formal do conceito
“triângulo”). Esta distinção, porém, é apenas inferida dos diferentes
textos disponíveis e não baseada em nenhuma declaração explícita.
Apesar destes comentários críticos, pode-se perceber por que
a pesquisa realizada com o método de busca de Ach modificado foi de
fundamental importância para Vygotsky. Pois as investigações comprova-
ram a idéia, sugerida por Usnadze e outros, de que crianças, adolescentes
e adultos podem querer dizer coisas diferentes com as mesmas palavras.
Mostrou que a aprendizagem de palavras pelas crianças marca apenas o
início de um desenvolvimento semântico que pode levar anos para atingir
seu ponto culminante. Em certo sentido, portanto, crianças e adultos es-
tão vivendo em um universo semântico diferente, e as palavras que eles
usam só coincidem pelo fato de se referirem aos mesmos objetos. Nos
anos finais de sua vida, Vygotsky investigou como o tecido semântico
vai se transformando ao longo dos anos e quais fatores são de impor-
tância fundamental na determinação desse processo de transformação.

Replicação e desdobramento de Piaget


Novos temas

As últimas contribuições de Vygotsky no domínio da formação


de conceitos podem ser encontradas no sexto capítulo de Pensamen-
294 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

to e linguagem e foram ditadas por ele na primavera de 1934. Nessa


época, temas como a relação entre educação e desenvolvimento, a
zona de desenvolvimento proximal e a idéia de uma disciplina formal
vinham dominando seu pensamento havia algum tempo (ver capítu-
lo 13) e era natural que estivessem presentes em sua nova discus-
são da pesquisa de formação de conceitos. Assim, Vygotsky clara-
mente repetiu o conteúdo de várias das palestras que havia feito no
ano anterior (1933), usando os mesmos exemplos, referindo-se aos
mesmos autores e, em geral, tirando as mesmas conclusões. O con-
teúdo dessas palestras foi transcrito e impresso em um outro livro
de publicação póstuma, chamado O desenvolvimento mental de crian-
ças na educação (Vygotsky, 1935h; ver também capítulo 13). Porém,
o sexto capítulo de Pensamento e linguagem continha também al-
guns novos temas: uma discussão de uma nova abordagem para o
estudo do desenvolvimento de conceitos e uma nova apreciação de
algumas das descobertas de Piaget à luz dessa abordagem.
É interessante observar como Vygotsky avaliou os experimentos
realizados por ele próprio, Sakharov, Pashkovskaya e Kotelova cinco anos
antes, e como apresentou a nova direção que sua pesquisa de formação
de conceitos havia tomado. Ele acreditava agora que o melhor resultado
que se pode esperar de tais experimentos artificiais é um esboço aproxi-
mado dos diferentes estágios do desenvolvimento de conceitos, pois nunca
se pode compreender a maneira como cada estágio evolui a partir do an-
terior e é dependente dele (1934a, p. 244). Nas investigações que usavam
o método de busca modificado, “a cada vez, em cada estágio (sincretis-
mos, complexos, conceitos), pegávamos novamente a relação entre a pa-
lavra e o objeto, ignorando que cada novo nível no desenvolvimento da
generalização apóia-se na generalização dos níveis precedentes”. Esse in-
conveniente era causado, Vygotsky raciocinou, pela montagem do expe-
rimento, que não proporcionava a explicação da relação entre os diferen-
tes níveis de pensamento conceitual e a transferência de um nível para
outro, nem a compreensão das relações de generalidade, uma vez que,
de acordo com a lógica do experimento, o sujeito (1) tinha que reiniciar
todo o processo após cada tentativa de agrupar os objetos, anulando,
desta forma, o trabalho feito e as generalizações encontradas, e (2)
tinha que trabalhar com conceitos de um nível bastante baixo. A in-
vestigação de conceitos na vida real visava a corrigir esses inconvenien-
tes e, em particular, a demonstrar a maneira como o ambiente podia
direcionar o desenvolvimento de conceitos das crianças.
Segue-se uma análise das novas investigações de Vygotsky sobre
o pensamento conceitual de crianças e as razões para os comentários
autocríticos de Vygotsky serão explicadas. Também ficará claro que a
pesquisa posterior de formação de conceitos de Vygotsky foi, acima de
tudo, uma tentativa de repensar e estender a pesquisa de Piaget nesse
campo.
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 295

Replicando Piaget

Vygotsky e seus colaboradores, em especial Leontiev, estiveram


tentando replicar as principais descobertas de Piaget desde aproxima-
damente 1928. Assim, Pashkovskaya replicou os experimentos de Piaget
(1926) e investigou o pensamento conceitual de adolescentes entrevis-
tando-os clinicamente e fazendo-lhes perguntas como “O que é amor?”
(ver Vygotsky, 1931h, pp. 303-6). Leontiev traduziu e adaptou as frases
de Piaget (1924), que pretendiam demonstrar a capacidade das crian-
ças no uso das conjunções “embora” e “porque” (ver Vygotsky, 1931h,
pp. 235-66); e Leontiev e Shejn adaptaram a investigação de Piaget
sobre a compreensão de provérbios por crianças (1923). Entre outras
coisas, eles observaram a interessante descoberta de que as crianças
tendiam a mudar suas respostas quando solicitadas a explicá-las. Em
sua opinião, isto era causado pela influência reestruturadora da fala
externa e, para pôr à prova esta idéia, pediram a um grupo de crianças
que escrevesse a solução da tarefa dos provérbios, enquanto um outro
grupo deveria raciocinar em voz alta. Como era esperado, as respostas
diferiram substancialmente (ver Vygotsky, 1931h, pp. 327-30). Infeliz-
mente, as referências a estas investigações — e provavelmente houve
muitas outras, a maioria delas executada por estudantes — são poucas
e muito vagas, mas sabemos que muitas centenas de sujeitos foram
investigados usando-se tarefas piagetianas.

Dois tipos de conceitos

A distinção de Piaget entre conceitos espontâneos e não-espon-


tâneos e sua conceitualização geral da relação entre educação e
desenvolvimento, conforme foi expressa nos escritos disponíveis na
época, eram, em 1923, essenciais para os interesses de Vygotsky
(Piaget, 1921; 1923; 1924; 1926; 1927a; 1927b; 1932; 1933; Piaget
e Rossello, 1921; Margaraiz e Piaget, 1925; ver também capítulo 13).
Em seu prefácio a Shif (1935) (também publicado como parte do
capítulo 6 de Pensamento e linguagem), Vygotsky explicou com al-
gum vagar por que estava interessado na investigação de conceitos
espontâneos e científicos. Por conceitos espontâneos, ele referia-se a
conceitos que são adquiridos pela criança fora do contexto da ins-
trução explícita. Em si próprios, esses conceitos são derivados ba-
sicamente dos adultos, mas nunca foram apresentados para a crian-
ça de uma maneira sistemática e não foi feita nenhuma tentativa de
ligá-los a outros conceitos relacionados. Como Vygotsky reconhecia
expressamente o papel dos adultos na formação desses chamados
conceitos espontâneos, ele preferia chamá-los de conceitos “cotidia-
nos”, evitando, assim, a idéia de que eles houvessem sido inventa-
dos espontaneamente pela criança. Exemplos de conceitos cotidia-
296 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

nos seriam os conceitos usados por Piaget, como “irmão” e “casa”.


Por conceitos “científicos”, Vygotsky entendia conceitos que haviam
sido explicitamente apresentados por um professor na escola.
Idealmente, tais conceitos cobririam os aspectos essenciais de uma
área de conhecimento e seriam apresentados como um sistema de
idéias inter-relacionadas. Assim, na investigação de Shif, a área de
conhecimento estudada foi o desenvolvimento do comunismo na União
Soviética e os conceitos esclarecedores introduzidos foram, por exem-
plo, “servidão”, “exploração”, “burguês” e “revolução”.

A necessidade de investigar os conceitos científicos

Vygotsky perguntava-se se o domínio desses dois tipos de con-


ceitos poderia seguir rotas diferentes e defendia a investigação do
desenvolvimento de conceitos científicos em particular: Piaget havia
descartado sua investigação, de vez que, em sua opinião, eles refle-
tiam apenas o domínio de conhecimentos culturais e não indicavam
de fato as características da mente da criança. Na visão de Vygotsky,
essa atitude era resultado de várias pressuposições fundamentais
erradas na teoria de Piaget. Primeiramente, era autocontraditório
afirmar que conceitos teóricos não refletem o modo de pensar da
criança, uma vez que o próprio Piaget havia mostrado que os con-
ceitos são transformados no processo que leva ao seu domínio,
portanto não havia razão para restringir esta descoberta aos concei-
tos espontâneos. Em segundo lugar, ao aceitar que conceitos não-
espontâneos não refletem as características do modo de pensar da
criança, é-se forçado a aceitar também que há uma lacuna
intransponível entre os dois tipos de conceitos, o que Piaget de fato
fez; ele não via a maneira como estes conceitos são unidos na mente
da criança. Em terceiro, essas concepções levavam a uma tensão no
pensamento de Piaget: por um lado, era afirmado que o estudo de
conceitos não-espontâneos não pode revelar as características do
modo de pensar da criança. Seu estudo é, portanto, inútil. Por outro
lado, um dos pilares do sistema de Piaget é que o pensamento da
criança é aos poucos socializado. A escolaridade é uma das formas
mais concentradas de socialização. Porém, na visão de Piaget, os
conceitos científicos ensinados na escola não se relacionam com os
conceitos espontâneos da criança. É difícil ver, portanto, como a
socialização e o desenvolvimento espontâneo se conectam no pensa-
mento de Piaget. Vygotsky ligou este problema à concepção mais
geral de educação e desenvolvimento e da relação entre eles postu-
lada por Piaget. De acordo com Vygotsky, Piaget via o desenvolvi-
mento cognitivo da criança como a substituição ou supressão dos
modos originais de pensamento por modos novos. Nesta concepção,
os conceitos ensinados na escola são incompatíveis com os concei-
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 297

tos espontâneos da criança e, como tal, seu estudo não pode revelar
nada a respeito dos modos de pensamento particulares da criança.
É preciso conhecer o pensamento espontâneo da criança para se
poder lutar contra ele. Vygotsky discordava fundamentalmente de
todas essas idéias, e as muitas investigações que supervisionou nesse
período foram montadas para refutá-las. Um dos mais conhecidos é
o estudo de Shif (1935) sobre conceitos cotidianos e científicos.

O estudo de Shif: o ensino de uma visão de mundo comunista

Shif começou sua investigação em 1932, tentando combinar o


interesse teórico com as demandas sociais da época. Um ano antes,
o Partido havia alertado contra tentativas de ensinar às crianças
soviéticas uma visão de mundo antiproletária (CK VKP(b), 5 de se-
tembro de 1931). Aparentemente, as tentativas de ensinar às crian-
ças uma visão comunista sólida da história da União Soviética não
haviam sido totalmente bem-sucedidas. Shif, conseqüentemente,
selecionou os conceitos ensinados ao longo da história do movimen-
to comunista na União Soviética (obshchestvovedenie) como exem-
plos de conceitos científicos. Seguindo o formato de Piaget, ela cons-
truiu frases incompletas interrompidas em um “embora” ou “por-
que”, que deveriam ser completadas pelas crianças. Uma conclusão
bem-sucedida da frase demonstrava um uso correto do conceito
envolvido. É interessante examinar algumas das sentenças usadas.
As frases referentes a conceitos cotidianos haviam sido traduzidas
por Leontiev anos antes e eram do tipo: “A menina lê mal, embora...”
e “O piloto caiu com seu avião porque...” Os exemplos de frases
referentes a conceitos científicos que Shif acrescentou parecem, agora,
ligeiramente mais exóticas. Elas eram do tipo: “A polícia atirou nos
revolucionários porque...”; “Os capitalistas preparam-se para uma
guerra contra a URSS porque...”; “Ainda há trabalhadores que acre-
ditam em Deus, embora...”; e “Kulaks e papas não têm o direito de
concorrer em eleições para os Soviets porque...”.
Shif e sua colaboradora Latysheva apresentaram essas frases
a 36 crianças do segundo ano e 43 crianças do quarto ano. Como
as crianças eram admitidas nas escolas primárias soviéticas com
sete anos, isto significa que a idade das crianças variava entre
sete e onze. O teste cotidiano foi o mesmo para ambas as classes,
mas o teste científico foi diferente de acordo com os currículos
diferentes que as crianças seguiam. Na classe do segundo ano,
todas as crianças foram entrevistadas individualmente. No quarto
ano, todas as crianças escreveram suas respostas ao mesmo tem-
po e foram entrevistadas depois. Os principais resultados quan-
titativos da investigação de Shif podem ser resumidos como se
segue (ver tabela 11.1).
298 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

TABELA 11.1 Porcentagem de respostas corretas obtidas em testes


científicos e cotidianos em dois grupos etários (segundo Shif, 1935, p. 48)

Classe Cotidiano Científico

2
“porque” 59 80
2
“embora” 16 21
4 “porque” 81 82
4
“embora” 66 80

Shif observou que o desempenho de crianças do segundo ano foi


muito melhor nas frases com “porque” referentes a materiais “científi-
cos” do que ao lidar com materiais ligados ao conhecimento cotidiano.
Ela atribuiu isto à instrução por um professor: as crianças simplesmente
lembravam as respostas certas. Shif elaborou seu estudo subdividindo
tanto as respostas corretas como incorretas em várias subcategorias.
Por exemplo, respostas incorretas podiam ser classificadas desta forma
por causa da substituição de uma conjunção por outra (por exemplo,
“a criança caiu da bicicleta, embora não teve cuidado.” A criança usou
“embora” como se fosse “porque”), ou podiam ser simplesmente tauto-
lógicas etc. As respostas corretas eram classificadas como “esquemáticas”
quando a criança literalmente repetia o que havia sido ensinada na
escola, usando frases estereotipadas. Empregando essas subdivisões,
Shif descobriu que as respostas a frases “científicas”, embora apresen-
tassem maior freqüência de correção, em boa parte das vezes tinham
uma natureza bastante esquemática. As crianças do segundo ano
demonstravam claramente que não estavam entendendo de fato o que
diziam, ou seja, o nível semântico de seus conceitos era baixo (Shif,
1935, p. 37). As crianças haviam dominado o uso correto dos concei-
tos, mas estes ainda eram vazios para elas e não estavam preenchidos
com um conhecimento pessoal concreto. As respostas às frases cotidia-
nas, ao contrário, nunca apresentavam essa natureza esquemática
estereotipada. Por outro lado, respostas tautológicas (por exemplo, a
criança caiu da bicicleta porque caiu da bicicleta) estiveram ausentes
no teste científico e bastante presentes no caso das frases cotidianas
(14 por cento no caso de frases com “porque” na classe de segundo
ano). Shif mostrou-se inclinada a interpretar este fenômeno de forma
positiva. Em sua opinião, a necessidade de repetir o material científico
na classe, a necessidade de responder a perguntas sobre esse material
e de explicar essas respostas levavam a criança à tomada de consciên-
cia dos conceitos científicos. Era a falta dessa tomada de consciência que
levava as crianças a darem respostas tautológicas no teste cotidiano,
ou seja, na situação que Piaget havia investigado. Podemos observar,
assim, os aspectos positivos e negativos dos conceitos cotidianos e
científicos na classe do segundo ano. Na área do conhecimento cientí-
fico, o fato de as crianças aplicarem os conceitos corretamente com
mais freqüência é um fator positivo. Elas também conseguem explicar
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 299

suas respostas com mais freqüência. O lado negativo dos conceitos


científicos neste grupo etário é que as respostas e suas explicações são,
com freqüência, de uma natureza estereotipada. Os conceitos cotidia-
nos são fortes nos aspectos em que os conceitos científicos são fracos,
e vice-versa. Respostas estereotipadas não aparecem para conceitos
cotidianos, mas o número de respostas corretas é mais baixo e as
crianças têm mais dificuldade para explicar suas respostas.
Como pode ser observado na tabela 11.1, os resultados para as
frases “embora” nesse grupo etário foram bem diferentes. Shif não
encontrou diferenças sistemáticas entre a qualidade das respostas
das crianças em ambas as áreas. A substituição da conjunção “em-
bora” por “porque”, por exemplo, ocorreu em 39,5 por cento e 39,8
por cento das respostas para, respectivamente, frases cotidianas e
científicas. Shif concluiu que os resultados para os testes científico
e cotidiano foram idênticos. A descoberta de que conceitos científi-
cos com a conjunção “embora” não demonstrassem nenhuma supe-
rioridade foi explicada por ela com referência ao fato de que o material
científico era apresentado às crianças com ênfase em causas e con-
seqüências. Construções com “porque”, portanto, seriam muito mais
dominantes nessa classe. O número generalizadamente baixo de
respostas corretas para frases “embora” demonstrava que esta con-
junção era mais difícil de entender para crianças pequenas.
Quanto às crianças do quarto ano, Shif assinalou que, no caso
de frases “porque”, encontramos em ambas as áreas uma alta por-
centagem de respostas corretas (81 por cento e 82 por cento), indi-
cando que as crianças dominaram o modo de pensamento causal.
Uma análise mais detalhada das respostas na área científica mostra
que as respostas das crianças perderam seu caráter estereotipado e
são cheias de conteúdo concreto. Em contraste com as crianças
menores, as crianças do quarto ano não repetem simplesmente o
material memorizado; elas compreenderam o raciocínio que está por
trás dele. As respostas às frases “embora” são um pouco mais fracas,
mas apresentam uma maioria de acertos. Os resultados para a área
científica foram melhores, o que novamente indicava para Shif a
importância da instrução sistemática.
Surge agora a questão de como esse conjunto de resultados, que
foi confirmado em um experimento de replicação feito por alunos do
Instituto Pedagógico Herzen em 1933 (ver Shif, 1935, p. 43), poderia
ser explicado pela perspectiva do desenvolvimento. A resposta de Shif
para esta questão foi claramente influenciada pelo conjunto de idéias
que Vygotsky adotava em 1933 (ela escreveu a parte teórica de sua
dissertação na primavera de 1934). Ela afirmou que a instrução explí-
cita em um assunto na escola leva ao uso de certos modos de pensar
dentro de áreas específicas. Gradualmente, esses modos de pensar irão
se espalhar para outras áreas e elevar o pensamento da criança para
300 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

um nível mais alto. Assim, o uso correto e explicado de conjunções


“porque” é introduzido primeiramente em um contexto científico e só
mais tarde irá generalizar-se para o pensamento cotidiano. A instrução
explícita em sala de aula cria uma zona de desenvolvimento proximal
para a criança (ver capítulo 13). O mesmo se aplica ao uso de conjun-
ções “embora”: na classe do quarto ano, seu uso dentro da área cien-
tífica ainda é superior a seu uso no pensamento cotidiano, mas essa
diferença provavelmente irá desaparecer aos poucos nos anos seguin-
tes do desenvolvimento da criança. A educação, portanto, prepara o
caminho para o desenvolvimento cognitivo da criança.

Shif versus Piaget

Os resultados de Shif estavam em nítida contradição com as con-


cepções atribuídas a Piaget. Primeiramente, Shif havia demonstrado
que a compreensão de conceitos científicos de fato reflete o modo de
pensar da criança, pois o entendimento desses conceitos foi bem diferente
nos dois grupos etários e apresentou as peculiaridades específicas dos
grupos de idade. Esta descoberta também confirmou a afirmação ante-
rior de Vygotsky de que os significados de palavras desenvolvem-se
lentamente em crianças. Em segundo lugar, Shif afirmou que conceitos
cotidianos e conceitos científicos estão unidos na mente da criança, de
vez que os primeiros presumivelmente são levados a um nível mais alto
por meio do ensino dos últimos. Para Shif e Vygotsky, concluía-se que
os conceitos científicos ensinados na escola e os conceitos cotidianos
não eram incompatíveis, mas sim parceiros em um inter-relaciona-
mento complexo. Evidentemente, raciocinou Vygotsky, não se pode
ensinar conceitos científicos a uma criança antes que seus conceitos
cotidianos tenham atingido um determinado nível mínimo. Os conceitos
científicos, portanto, têm sua base em conceitos cotidianos. Mas, assim
que os conceitos científicos tiverem sido dominados, eles começarão a
transformar os conceitos cotidianos da criança, levando-os a um nível
mais alto de compreensão. Uma conseqüência desta concepção é que
a educação era vista como um dos fatores que produziam o desenvol-
vimento cognitivo e não como o provedor de conhecimentos acabados
que podiam ser engolidos ipsis litteris pela criança assim que ela tives-
se atingido um determinado nível de maturidade.
Todas estas conclusões contradiziam as idéias atribuídas a Piaget
mencionadas acima. Claro que as conclusões eram de uma natureza
altamente especulativa. Um problema é que não fica muito claro como
o ensino de conceitos científicos, como “exploração” e “proletário”, le-
varia a um melhor uso das conjunções “porque” e “embora”. O uso
destas conjunções pode ser mais freqüente em um currículo ensinado
em uma escola, mas, em si, não é aparente a existência de uma
conexão lógica simples entre a natureza “científica” de idéias e o uso
desses conectivos. Shif provavelmente teria argumentado em resposta
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 301

a esta crítica que as formas de pensamento (o uso de conjunções) não


podem ser separadas de seu conteúdo (conhecimento científico versus
cotidiano). Mas os autores deste livro argumentariam que há uma
ambigüidade fundamental no raciocínio de Shif e Vygotsky a respeito
dos conceitos científicos e cotidianos. Por um lado, pode-se distinguir
entre conceito que refletem (científicos) e que não refletem (cotidianos)
propriedades essenciais dos fenômenos estudados — segundo o racio-
cínio de Vygotsky, “essencial” referir-se-ia a características abstratas e
não perceptuais. O domínio de um ou outro tipo de conceito seria
refletido nas respostas da criança a perguntas, suas maneiras de re-
solver tarefas etc. Por outro lado, os conceitos científicos são introdu-
zidos em um ambiente muito especial que envolve o treinamento de
várias habilidades (meta)cognitivas. Assim, as crianças são solicitadas
a ensaiar esses conceitos, declará-los explicitamente, explicá-los etc. O
treinamento dessas habilidades (meta)cognitivas provavelmente será
refletido no modo como a criança soluciona diversas tarefas. Vygotsky
nunca tentou distinguir esses dois aspectos do domínio de conceitos
científicos e, na verdade, sua noção de conceitos científicos envolvia
claramente o treinamento de habilidades (meta)cognitivas. Pois prova-
velmente é o domínio dessas habilidades que leva às realizações mais
importantes da adolescência, ou seja, a tomada de consciência e o uso
arbitrário de instrumentos mentais.
Mesmo que tudo isto seja aceito, e algumas objeções metodológicas
que possam ser levantadas a respeito de sua investigação sejam igno-
radas, parece claro para os autores deste livro que o principal argu-
mento de Shif — que o número mais alto de respostas corretas a frases
referentes ao conhecimento cotidiano era resultado do ensino prece-
dente de conceitos científicos — ainda é sujeito a controvérsias. Con-
tinuava muito pouco claro como ocorreria essa influência reformadora
do ensino de conceitos científicos e não foi sem motivo, portanto, que
Vygotsky dedicou muitas reflexões a este problema no restante do
sexto capítulo de seu Pensamento e linguagem.

Tomada de consciência e uso deliberado

Para confirmar seus argumentos sobre a influência de conceitos


científicos, Vygotsky recorreu várias vezes (ver Vygotsky, 1934a, pp.
178-80; pp. 235-7) a uma analogia. Ele dizia que o domínio de concei-
tos científicos relacionava-se ao domínio de conceitos cotidianos, assim
como o aprendizado de uma língua estrangeira relacionava-se com o
aprendizado da língua materna. A língua materna é aprendida espon-
taneamente e de forma não sistemática e, embora as crianças apren-
dam a aplicar as palavras com correção, elas geralmente não têm
consciência das regras gramaticais que usam ao fazer isso e não con-
seguiriam formulá-las. Portanto, é comum aos conceitos cotidianos e à
302 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

língua materna o fato de que, em ambos os casos, a criança combina


um uso mais ou menos correto com uma falta fundamental de cons-
cientização das regras envolvidas. A criança escolhe as palavras e
conceitos certos, mas ainda não pode refletir sobre as escolhas feitas
(cf. Piaget, 1924). Uma língua estrangeira, porém, é aprendida de uma
forma muito diferente. Neste caso, a gramática é introduzida explicita-
mente e as crianças são ensinadas a explicar sua escolha de determi-
nados verbos, casos etc. Isto levará necessariamente a uma tomada de
consciência das regras envolvidas e a seu uso deliberado. Conseqüen-
temente, as crianças terão menos dificuldade em explicar suas esco-
lhas no caso de sua própria língua. Neste sentido, o aprendizado de
uma língua estrangeira leva aos mesmos resultados benéficos que o
domínio de conceitos científicos: a criança pode fazer escolhas delibe-
radamente e pode explicá-las, uma vez que consegue refletir sobre as
regras envolvidas. Vygotsky raciocinou que, idealmente, esta nova ca-
pacidade será transportada para sua própria língua, e a criança come-
çará a ver sua língua como um caso especial de um grupo maior de
línguas que compartilham muitas propriedades. Da mesma forma, uma
criança que aprenda álgebra começará, idealmente, a ver as regras da
aritmética como um caso especial de um conjunto maior e mais geral
de regras (Vygotsky, 1934a, p. 235). Vygotsky afirmou que uma crian-
ça que tenha aprendido uma língua estrangeira adquiriu um conjunto
de noções que o capacita a refletir sobre sua própria língua e a tomar
consciência das regras que, até então, vinha aplicando automatica-
mente. Vygotsky levou a analogia ainda mais longe: tanto os conceitos
científicos como as palavras de uma língua estrangeira têm uma na-
tureza mediada, afirmou. Pois as palavras de uma língua estrangeira
são aprendidas como traduções de palavras já conhecidas e não por
exposição. Assim, o falante nativo de português terá aprendido “nariz”
porque sua mãe apontou repetidamente para vários narizes e pronun-
ciou a palavra correspondente. A palavra russa “nos”, porém, ele apren-
derá simplesmente como a tradução de “nariz”. Portanto, palavras de
nossa língua materna teriam uma ligação direta com o mundo dos
objetos, enquanto palavras estrangeiras estariam ligadas ao mundo
dos objetos apenas através das palavras de nossa língua materna. O
mesmo se aplicaria a conceitos cotidianos e científicos, afirmou Vygotsky.
Conceitos cotidianos como “fazendeiro” e “trabalhador” encontram sua
referência no mundo concreto da criança, ao passo que conceitos cien-
tíficos como “exploração” e “servidão” não. A compreensão do conceito
científico “exploração” pressupõe a compreensão do conceito cotidiano
“trabalhador”, e sua relação com o mundo concreto da criança é me-
diada por ele. Tanto conceitos científicos quanto palavras estrangeiras,
portanto, têm um caráter mediado.
O que Vygotsky tentou argumentar com esta e outras analogias foi
que o ensino explícito e sistemático de regras e conceitos dentro de uma
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 303

área talvez se transporte para outras áreas. Os resultados mais importan-


tes de tal ensino, em sua opinião, eram a tomada de consciência (osozna-
nie, ou prise de conscience) e o uso deliberado ou voluntário (proizvol’nost)
das regras subjacentes ao comportamento das crianças. Estes resulta-
dos só evoluíam na adolescência e constituíam as realizações
(novoobrazovanie; Neuleistung) mais importantes desse período da vida.

Conclusões

Com base nos resultados empíricos examinados acima e em


várias analogias, Vygotsky chegou às seguintes conclusões contro-
versas. Em primeiro lugar, pode-se distinguir entre conceitos cotidia-
nos e conceitos científicos. Eles têm uma origem diferente, pontos
fortes e fracos diferentes e interagem de maneiras complexas. Em
segundo, conceitos científicos, ou seja, conceitos apresentados de
uma maneira sistemática e explícita, levam a criança à tomada de
consciência e ao uso deliberado de suas próprias operações mentais.
Em terceiro, esses resultados serão generalizados para o domínio do
pensamento cotidiano. Em quarto, isto prova a importância funda-
mental da educação para o desenvolvimento mental. Em quinto,
conceitos cotidianos estão diretamente ligados a objetos concretos
do mundo e, portanto, generalizam objetos. A palavra “casa”, por
exemplo, refere-se a várias casas que a criança viu e abstrai as
características específicas para expressar a idéia geral de “casa”.
Idéias científicas, porém, não se referem diretamente a objetos, mas
a conceitos cotidianos. Neste sentido, elas constituem uma “genera-
lização de generalizações”. O tipo novo e superior de pensamento (o
pensamento em conceitos científicos), portanto, não se baseia em
uma ligação fundamentalmente nova com o mundo dos objetos, mas
em uma reconceitualização do conhecimento existente.
Foi aqui que Vygotsky viu uma diferença fundamental com sua
pesquisa anterior baseada no método de busca de Ach modificado.
Aquela série de experimentos havia sugerido que o desenvolvimento
mental consistia em encontrar novas maneiras de ligar palavras a
objetos (todos sincréticos, complexos etc.) em cada grupo etário,
depois do que os modos de pensamento anteriormente existentes
eram descartados. Em cada faixa etária, portanto, a criança tinha
que reinventar o conjunto de objetos a que uma palavra se referia.
Agora, ele afirmava que o domínio de um nível superior de pensa-
mento preservava o conhecimento adquirido antes e consistia em
ver o conhecimento anterior como um caso especial de regras mais
gerais. Vygotsky, portanto, parecia sugerir que, depois de um curso
sobre pensamento comunista, um conceito cotidiano (inferior) como
“fazendeiro” continuaria a se referir ao mesmo conjunto de objetos,
mas teria mudado seu significado (conotação). A criança, agora,
304 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

compreenderia que um fazendeiro particular não é um homem que


planta cereais etc., mas um proletário enganado por uma falsa ideo-
logia kulak. O efeito de feedback (Vygotsky, 1934a, p. 246) das
operações mentais superiores não desfaz os resultados de operações
anteriores, mas retêm-nas de uma maneira peculiar. Uma vez mais,
portanto, Vygotsky encontrava uma aplicação para o conceito
hegeliano de “superposição” (cf. Solomon, 1983).
Estas idéias eram provocantes, mas não estavam livres de pro-
blemas, como Vygotsky percebia muito bem (ver Vygotsky, 1934a,
pp. 257-9). Pode-se questionar a montagem metodológica dos expe-
rimentos (por exemplo, o fato de eles usarem amostragens transver-
sais) executados por Shif e outros alunos de Vygotsky, e levantar
dúvidas quanto à validade e confiabilidade das descobertas. Pode-se
desconfiar também, é claro, da interpretação dos resultados. A pes-
quisa moderna, por exemplo, sugeriu que é muito difícil demonstrar
a generalização de capacidades cognitivas de uma área do pensa-
mento para outra (Scribner e Cole, 1981). Isto implicaria que, embo-
ra os argumentos de Vygotsky sobre a transferência de habilidades
cognitivas ligadas ao ensino de conceitos científicos possa ser plau-
sível, eles ainda precisariam de novas verificações experimentais.

Do método de busca de Ach modificado para o “teste de Vygotsky”

Como é bem sabido, Pensamento e linguagem de Vygotsky só se


tornou acessível para os pesquisadores ocidentais em 1962, na forma
de uma edição bastante resumida e editada (Vygotsky, 1962). A difusão
de suas idéias referentes à formação de conceitos só pode começar,
portanto, na década de 1960 (cf. Valsiner, 1988, pp. 150-66). Algumas
de suas idéias mais antigas, porém, penetraram o Ocidente por uma
rota alternativa curiosa: o estudo da esquizofrenia (ver o capítulo 3).
Em 1934, o periódico Archives of Neurology and Psychiatry publicou o
artigo de Vygotsky “O pensamento da esquizofrenia”, e Kasanin, que
traduziu o texto, comentou em uma nota de rodapé que “Nos últimos
cinco anos, Vygotsky, juntamente com o Professor Luria, vem desen-
volvendo um trabalho extremamente interessante sobre a psicologia da
esquizofrenia, utilizando a técnica experimental da psicologia da Gestalt.
O artigo foi escrito a meu pedido, mais de três anos atrás” (Kasanin,
em Vygotsky, 1934h, p. 1063).
Nesse artigo, Vygotsky ressaltava que muitos pesquisadores ha-
viam visto semelhanças entre o pensamento de adolescentes e de
esquizofrênicos. Sua própria pesquisa levou-o à conclusão de que es-
sas semelhanças sem dúvida estavam presentes, mas deveriam ser
interpretadas em relação a uma base de processos dinâmicos muito
diferentes que ocorriam nesses diferentes grupos. Conquanto enfatizasse
essas diferenças dinâmicas (por exemplo, crescimento versus deteriora-
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 305

ção), Vygotsky julgava mesmo assim que o estudo do pensamento


adolescente talvez pudesse se mostrar útil para o estudo do pensamen-
to esquizofrênico, e vice-versa. Para estudar o pensamento de
esquizofrênicos, ele utilizou o método de busca modificado descrito
acima (erroneamente chamado de “técnica da Gestalt” por Kasanin).
Vygotsky descreveu a metodologia de sua investigação e seus re-
sultados em termos bastante vagos (como de hábito), mas sua afirma-
ção fundamental era clara: o pensamento de pacientes esquizofrênicos
(“sem contar recusas e cooperações relutantes” e limitando-se à discus-
são de “todos os casos em que os resultados foram definidos e nítidos”
[Vygotsky, 1934h, p. 1066]) podia ser descrito em termos das catego-
rias que denotam o pensamento preconceitual em crianças. Ou seja, o
pensamento dos pacientes poderia ser classificado em “complexos
associativos”, “complexos em cadeia”, etc. (ver acima). Vygotsky con-
cluiu que “minhas observações mostram que o pensamento complexo
observado em pacientes com esquizofrenia é a etapa mais próxima do
pensamento conceitual e precede-a imediatamente em termos genéti-
cos. Há alguma semelhança, portanto, embora de forma nenhuma
uma identidade, entre o pensamento do paciente com esquizofrenia e
o pensamento de uma criança” (1934h, p. 1068) e que “em pessoas
com esquizofrenia, o pensamento é, de fato, regressivo” (1934h, p.
1067). Uma segunda conclusão foi que, na esquizofrenia, os significa-
dos das palavras pareciam se alterar. O paciente reverte para as for-
mas de pensamento complexo que estão escondidas em uma função
subordinada nas camadas geológicas mais antigas de sua mente (ver
capítulo 11). Ou, nas palavras do próprio Vygotsky:
Associações, como uma forma primitiva de pensamento, são mantidas
como uma subestrutura no desenvolvimento das formas superiores de
pensamento, mas são descobertas e começam a atuar de modo inde-
pendente de acordo com suas próprias leis quando a personalidade
total, por alguma razão, é perturbada. Há razões para acreditar que o
pensamento complexo não é um produto específico da esquizofrenia,
mas meramente um afloramento das formas mais antigas de pensa-
mento, que estão sempre presentes em forma latente na psique do
paciente, mas só se tornam aparentes quando os processos intelec-
tuais superiores são perturbados por alguma doença... Todos nós
portamos a esquizofrenia em forma latente, isto é, nos mecanismos de
pensamento que, quando revelados, tornam-se a personagem central
no drama do pensamento esquizofrênico (Vygotsky, 1934h, p. 1071).

Mas se os significados das palavras em pacientes esquizofrênicos


realmente diferem daqueles dos adultos normais, então esta diferen-
ça deveria aparecer também de outras maneiras, raciocinou Vygotsky.
Referindo-se ao trabalho de Gelb e Goldstein (1920; 1925) sobre as
perturbações do pensamento categórico, ele mencionou vários testes
usados para diagnosticar a compreensão de palavras dos pacientes
de uma forma indireta. Estes incluíam testes que lidavam com a
306 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

capacidade de expressão metafórica (por exemplo, um navio sulcan-


do o mar) e o teste de Piaget que requeria que o sujeito combinasse
um provérbio específico com outro de significado similar. Foi desco-
berto que os pacientes — que, em outros aspectos, pareciam ter
preservado a inteligência normal — não conseguiam encontrar o
sentido metafórico de expressões desconhecidas para eles e prendi-
am-se ao significado concreto literal das palavras apresentadas.
Por fim, Vygotsky levantou a hipótese de que as perturbações
emocionais e perceptuais características de pacientes esquizofrênicos
tivessem sua origem comum na perturbação do pensamento
conceitual. Ele propôs também que o senso de “self” do paciente
tivesse sido perturbado, uma vez que este estava intimamente ligado
ao desenvolvimento do pensamento conceitual na adolescência.
O artigo de Vygotsky, a princípio, recebeu pouca atenção, possi-
velmente como resultado de sua natureza vaga, mas esta situação
alterou-se alguns anos depois, quando Kasanin e Hanfmann publica-
ram dois artigos em que davam uma descrição detalhada do método de
investigação usado por Vygotsky e sugeriram suas próprias modifica-
ções (Kasanin e Hanfmann, 1938). Hanfmann e Kasanin afirmaram
que o valor do teste era o fato de ele permitir uma análise qualitativa
detalhada do desempenho dos sujeitos. As etapas do raciocínio dos
pacientes refletem-se quase sempre nas manipulações dos objetos e em
seus comentários. Mesmo assim, eles sugeriram a introdução de um
procedimento de pontuação (baseado no tempo necessário para a so-
lução e no número de blocos virados pelo experimentador, ou seja, a
quantidade de ajuda proporcionada) para possibilitar comparações entre
grupos (Hanfmann e Kasanin, 1937, p. 533; Kasanin e Hanfmann,
1938, p. 40). Além disso, forneceram instruções detalhadas sobre quais
blocos deveriam ser virados depois de uma tentativa de classificação do
sujeito, como responder as perguntas dos sujeitos etc. Kasanin e Hanf-
mann (1938) obtiveram os resultados de experimentos conduzidos com
50 esquizofrênicos selecionados de acordo com sua capacidade de
participar da tarefa. Os resultados quantitativos desses pacientes fo-
ram comparados com os de 45 adultos normais e descobriu-se que o
desempenho do grupo de esquizofrênicos era muito inferior ao do gru-
po de adultos normais. O desvio do desempenho dos pacientes em
relação ao dos sujeitos normais de mesmo nível educacional foi espe-
cialmente marcante no grupo com o nível educacional mais alto.
Kasanin e Hanfmann (1938, pp. 45-6) concluíram que os resulta-
dos confirmavam a idéia de Vygotsky sobre o pensamento esquizofrê-
nico como uma forma de regressão. Sugeriram que o teste em si po-
deria servir como uma base para se julgar o grau de esquizofrenia, pelo
menos para pacientes com um nível educacional mais elevado. O baixo
desempenho de pacientes com um nível educacional inferior poderia
refletir esquizofrenia ou também o baixo nível intelectual dos sujeitos.
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 307

Os artigos de Kasanin e Hanfmann foram lidos avidamente e discu-


tidos pelos especialistas da área. É interessante observar, por exemplo,
como Kurt Koffka reagiu ao artigo publicado em 1938. Em uma carta
para sua colaboradora, Harrower, ele escreveu primeiramente que jul-
gava os resultados “nítidos e significativos”. Mas a resposta de Harrower
fez com que ele mudasse de idéia. Ela escreveu que ela e Goldstein
tinham muitas críticas ao procedimento de Vygotsky e que Goldstein ha-
via afirmado que não havia nenhuma garantia de que houvesse algum
envolvimento do pensamento conceitual, uma vez que os problemas
podiam ser resolvidos em um nível puramente sensorial. Harrower,
com base em suas primeiras experiências com o “teste de Vygotsky”,
acrescentou que uma ambigüidade importante existente no teste era
qual bloco virar depois da primeira classificação errada de um sujeito.
A seleção do bloco a ser virado era crucial, de vez que uma escolha iria
ajudar determinado indivíduo muito mais do que os outros. Ela afirmou
que, em uma carta pessoal, Kasanin lhe dissera que aceitava sua crítica,
admitindo que o tipo de ajuda fornecido pelo experimentador era dado
com bases intuitivas. Por fim, Harrower declarou que havia observado
repetidamente que os sujeitos não levavam em conta as sílabas sem
sentido e, portanto, não trabalhavam para descobrir os significados das
palavras. Estes argumentos parecem ter convencido Koffka: em uma
resposta a Harrower, ele escreveu que “isto claramente não tem nada
que ver com formação de conceitos, mas com o que Hume e Vygotsky
consideraram como sendo formação de conceitos. Pode ser um tipo
particular de abstração” (ver Harrower, 1983, pp. 135-7).
Pode-se perceber claramente como os dois paradigmas da pesqui-
sa científica se chocam neste exemplo. De um lado, temos o clínico
Vygotsky, com seu interesse por um diagnóstico qualitativo dos
processos de pensamento do indivíduo e sua falta de interesse pela
padronização de métodos de pesquisa. Do outro lado, temos Harrower,
que estava interessada em medições confiáveis e, portanto, criticava
a falta de procedimentos padronizados do teste. Como tal, a crítica
refletia um debate contínuo nas ciências sociais (ver Van der Veer,
Van Izendoorn e Valsiner, 1991). Além disso, a afirmação de que a
classificação pode ser baseada em uma interpretação em um nível
puramente sensorial parece ser simplesmente um erro. Isto talvez
possa aplicar-se à postulação de vários tipos de complexos, mas,
para concluir que crianças ou esquizofrênicos raciocinavam em um
nível conceitual, os sujeitos precisavam definir o conceito e demons-
trar sua habilidade para usá-lo na resposta a várias questões (ver
também Hanfmann, 1941). Era exatamente essa habilidade que
distinguia o pensamento conceitual dos níveis mais primitivos, e
talvez em grande medida sensoriais, de pensamento. Pode-se consi-
derar, portanto, que esta primeira crítica ao “teste de Vygotsky”
estava baseada em uma visão muito estreita do procedimento: ela
justifica-se apenas quando se centra nas medidas quantitativas de
tempo e número de blocos virados.
308 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

Bolles e Goldstein (1938, p. 43), em seu estudo sobre o comporta-


mento abstrato prejudicado em pacientes esquizofrênicos, decidiu
não usar o teste sugerido pelo “psiquiatra russo Vygotsky” e optou,
em vez dele, pelo teste de classificação usado por Gelb e Goldstein
(1925), porque este era “mais simples e mais adaptável a várias
situações”. Os resultados que eles encontraram estavam aproxima-
damente de acordo com os de Vygotsky e eles concordaram com a
teoria de que o defeito característico dos pacientes esquizofrênicos
parecia ser uma deterioração da capacidade de demonstrar “o tipo
de comportamento que chamamos de ‘comportamento abstrato’”
(Bolles e Goldstein, 1938, p. 65). Em uma interessante monografia
sobre comportamento concreto e abstrato, Goldstein e Scheerer fize-
ram uma descrição detalhada de cinco testes projetados para demons-
trar a “atitude abstrata” de vários pacientes, mas, embora tenham
mencionado o artigo de Vygotsky e o “teste de Vygotsky”, decidiram
não incluí-lo, dando preferência ao mais simples Teste de Classifi-
cação de Formas e Cores de Weigl-Goldstein-Scheerer, que não faz
uso de sílabas sem sentido (Goldstein e Scheerer, 1941, pp. 110-30).
Parece que o uso que Vygotsky fez do método de busca modi-
ficado para estudar o pensamento de esquizofrênicos e outros paci-
entes com doenças mentais não teve muito sucesso, pois os
pesquisadores parecem ter seguido o exemplo de Kasanin e Hanf-
mann. O mesmo se aplica ao uso do “teste de Vygotsky” como
medida de inteligência (Semeonoff e Laird, 1952; Semeonoff e Trist,
1958). Este uso da abordagem de Vygotsky, facilitada pela introdu-
ção por Hanfmann e Kasanin (1942) de um método de contagem de
pontos definido e por suas discussões sobre o nível educacional dos
sujeitos, enfrentou essencialmente as mesmas objeções que o méto-
do de busca modificado. Como M’Comisky e Worsley (1970, p. 193)
comentaram, era difícil projetar “um conjunto padronizável de ins-
truções de aplicação e uma maneira mais geralmente aceitável de
contar os pontos no desempenho (tanto quantitativos como qualita-
tivos) do teste”. Esses autores resolveram “simplificar” o “teste de
Vygotsky”, omitindo o trapézio, o hexágono e o semicírculo, que
foram considerados “ambíguos”. Administrando essa versão simpli-
ficada, e tendo eliminado também o fator “tempo-ajuda” do sistema
de pontuação e limitado o tempo de aplicação a 25 minutos, os
pesquisadores estabeleceram “dados de norma” para três grupos de
idades, em relação aos quais pesquisadores futuros poderiam com-
parar seus dados.
O teste de Vygotsky simplificado de M’Comisky e Worsley parece
ser uma versão bastante deturpada do método de busca modificado
original e está muito distante do procedimento diagnóstico qualita-
tivo original de Vygotsky e Sakharov. Surpreendentemente, os auto-
res tinham consciência deste problema, como Kasanin e Hanfmann
FORMAÇÃO DE CONCEITOS 309

antes deles, e é interessante acompanhar seu raciocínio por um


momento:
A presente modificação do teste de Vygotsky revela, de modo nítido,
uma incompatibilidade de objetivos no uso do teste desde o acréscimo
a ele de um sistema de pontuação quantitativo por Hanfmann e Kasanin
(1942). Originariamente, o teste foi projetado por Vygotsky para propor-
cionar uma avaliação qualitativa do nível de pensamento do sujeito e de
sua estratégia para lidar com o problema que compõe o teste — um
aspecto da pesquisa da aprendizagem de conceitos que, há alguns
anos, vem recebendo uma maior atenção (Bruner et al., 1956; Pikas,
1966). O acréscimo de um sistema de pontuação por Hanfmann e
Kasanin (1942) acrescentou uma segunda e preponderante considera-
ção, a avaliação quantitativa. Desde então, dois tipos de avaliação do
desempenho do sujeito passaram a ser possíveis: uma avaliação quan-
titativa baseada no nível de solução, tempo gasto e ajuda proporciona-
da, e uma avaliação qualitativa baseada no nível geral de conceitualização
do sujeito e em sua estratégia e organização para lidar com o problema
e resolvê-lo (M’Comisky e Worsley, 1970, p. 195).

Em seguida a esta análise lúcida, os autores apresentaram sua


defesa para as alterações feitas no procedimento do teste original,
com base em que (1) elas possibilitavam uma padronização, (2) fi-
caria mais fácil obter um controle da aplicação do teste, e (3) o
tempo de aplicação seria encurtado. Eles não consideraram que a
perda de informações qualitativas seria crucial.

Conclusões

Embora muitos pesquisadores ocidentais que analisaram o mé-


todo de busca modificado de Vygotsky tenham apresentado argu-
mentos vazios em defesa da meta da análise quantitativa, a pressão
para o desenvolvimento de medidas do desempenho quantitativo que
pudessem indicar as capacidades individuais foram fortes. A intro-
dução de um método de pontuação por Kasanin e Hanfmann (1937;
1938; 1942) permitiu a comparação entre grupos, mas também fa-
cilitou a introdução de um método que permitisse a comparação de
pontuações individuais, considerando-as um reflexo da inteligência
geral da pessoa. Além disso, havia um sentimento geral de que o
procedimento deveria ser padronizado e simplificado, porque a apli-
cação do teste era “uma capacidade que não é fácil de se adquirir”
e demorava muito tempo (Semeonoff e Laird, 1952, citados em
M’Comisky e Worsley, 1970, p. 196).
Na opinião dos autores deste livro, esse forte interesse ocidental
pela rigor científico e as medidas de resultados quantitativos determi-
naram, em grande escala, a transformação do método de busca
modificado no teste (simplificado) de Vygotsky. A abordagem clínica
310 A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL

qualitativa de Vygotsky perdeu-se nesse processo, e seu interesse pela


dinâmica da mudança cognitiva foi substituído por uma ênfase na
comparação de pontuações individuais e de grupos. É irônico que
mesmo essas versões ocidentalizadas do procedimento de Vygotsky
tenham encontrado pouco sucesso. A afirmação feita pelos editores
de Vygotsky (1956, p. 502] de que seu artigo sobre pensamento
conceitual na esquizofrenia encontrou uma “ampla resposta na litera-
tura psiquiátrica mundial” certamente é exagerada. A observação de
M’Comisky e Worsley (1970, p. 193) de que “as tentativas durante os
últimos 30 anos de desenvolver o teste de classificação de Vygotsky
para objetivos de diagnóstico em psicologia clínica tiveram um avanço
apenas limitado” parece uma descrição mais precisa da recepção do
método de busca modificado de Vygotsky pelos psicólogos ocidentais.
311

PARTE III

MOSCOU, KHARKOV E
LENINGRADO
1932-1934
Introdução

Nos últimos anos de sua vida, a participação de Vygotsky nas


atividades do Instituto Pedagógico de Herzen, em Leningrado, au-
mentaram. Ele tinha sido convidado para ministrar cursos nesse
instituto e, como costumava acontecer, logo reuniu um novo grupo
de colaboradores à sua volta, incluindo M. A. Levina, G. E. Konnikova,
Zh. I. Shif e D. B. El’konin. Seus principais interesses transferiram-
se gradualmente para as seguintes questões inter-relacionadas:
1. A estrutura semântica da consciência e a relação entre afeto
e intelecto. A partir de sua concepção do desenvolvimento cognitivo
como o desenvolvimento do pensamento em complexos para um
pensamento conceitual legítimo, Vygotsky passou a considerar cada
vez mais que o conceito científico era a chave para explicar vários
fenômenos da consciência. Embora o desenvolvimento cognitivo fos-
se dominado pelo desenvolvimento de conceitos (científicos) legíti-
mos, demonstrou-se que várias síndromes clínicas, como a doença
de Pick (cf. Goldstein e Katz, 1937) e a esquizofrenia, estavam liga-
das a uma perda do pensamento conceitual legítimo. Ao mesmo
tempo, porém, Vygotsky começou a se interessar profundamente
pela relação entre a proporção e a emoção (ver capítulo 14). Este
interesse pode ser pelo menos parcialmente atribuído a seu conhe-
cimento e apreciação cada vez maior do trabalho seminal feito por
Kurt Lewin e seus associados (ver capítulo 8).
Não é um fato muito divulgado que Vygotsky e Lewin conhece-
ram-se pessoalmente e que vários alunos de Lewin colaboraram com
Vygotsky. Lewin visitou Vygotsky pela primeira vez em novembro de
1931, como resultado de uma ampla troca de correspondências entre
ambos que pode ter começado muito tempo antes. Em junho de
1931, por exemplo, Vygotsky mencionou que havia recebido de Lewin
seu recém-publicado trabalho (1931/1981) sobre o pensamento de
Galileu e Aristóteles em psicologia e, em agosto do mesmo ano,
comentou que Lewin planejava vir a Moscou no outono (Vygotsky
em cartas para Luria, datadas de 12 de junho e 1 de agosto de
1931). Alguns anos depois, e de forma bastante inesperada, Lewin
retornou a Moscou (Zeigarnik, 1988). Tendo comparecido a um
congresso nos Estados Unidos em 1933, Lewin queria voltar à Ale-
manha com escalas no Japão e Moscou. Porém, foi durante essa
314 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

viagem que recebeu a notícia da subida de Hitler ao poder e, cho-


cado pelo curso dos eventos políticos, decidiu adiar seu retorno a
Berlim. De Moscou, consultou seus colegas em Berlim (p. ex., Köhler)
sobre a maneira adequada de lidar com a nova situação e, como
resultado, decidiu emigrar da Alemanha assim que fosse possível.
Naturalmente, durante as semanas que passou em Moscou, Lewin
encontrou-se com freqüência com seu colega profissional e antinazista
Vygotsky. Visitou a residência de Vygotsky na rua Serpukhova e
também deu uma palestra no Instituto de Psicologia, mostrando seu
famoso filme sobre a criança tentando sentar-se na pedra. Este
filme, por sinal, foi deixado em Moscou quando Lewin, finalmente,
partiu para a Alemanha, e hoje é o dacha da família de Luria.
Vygotsky e Lewin apreciavam profundamente o trabalho um do outro
e quando, em 1936, alunos e colegas de Vygotsky quiseram compor
um Festschrift póstumo, Lewin concordou de boa vontade em escre-
ver um capítulo (Levina e Morozova, 1984). Porém, como resultado
direto do Decreto da Pedologia, esse Festschrift nunca se materiali-
zou (Zeigarnik, 1988, p. 179; ver capítulos 12 e 16).
As ligações pessoais entre o instituto de Berlim e o grupo de
Vygotsky não se limitaram a esses contatos entre Lewin e Vygotsky.
Luria passou algum tempo em Berlim, e Zeigarnik e Birenbaum,
colaboradores de Vygotsky, trabalharam muitos anos em Berlim como
assistentes de Lewin. Imediatamente após seu retorno a Moscou,
Zeigarnik apresentou palestras (em 10 e 13 de junho de 1931) sobre
as mais recentes descobertas de Lewin e seus colaboradores, as
quais foram muito apreciadas por Vygotsky. Naturalmente, Vygotsky
não concordava de forma integral com a interpretação de Lewin para
suas descobertas e tentou refutar suas opiniões por meio de vários
experimentos de importância secundária.
2. A relação entre educação e desenvolvimento (ver capítulos 11 e
13). Esta pesquisa estava ligeiramente ligada a um debate sobre a
maneira apropriada de ensinar em escolas secundárias. Os proponen-
tes do “sistema de complexo” (kompleksnyj) defendiam a idéia de que
vários assuntos (p. ex., matemática, geografia) deviam ser ensinados
como um todo inter-relacionado, ou um complexo. O método dos pro-
jetos “aprender fazendo” era defendido como o meio apropriado de
adquirir conhecimento. Os proponentes do “sistema de matérias”
(predmetnyi) afirmavam que cada assunto específico tinha que ser
ensinado separadamente da maneira tradicional. No início da década
de 1930, todas as idéias “progressistas”, incluindo a teoria do “sistema
de complexo”, foram condenadas pelo Partido como aberrações esquer-
distas (Kozulin, 1984, pp. 31-2). É óbvio que os críticos de Vygotsky
ficaram contentes em ressaltar que ele havia optado pela opinião “er-
rada” e tinha se aliado às idéias do progressista radical Shulgin, apesar
de uma decisão posterior do Partido (ver capítulo 16).
INTRODUÇÃO 315

3. O conceito de estágios (“período de idade”) e desenvolvimento


(ver capítulo 12). Este trabalho foi resultado do envolvimento de Vygotsky
com a pedologia. Trabalhando na Faculdade de Pedologia da Infância
Difícil (como professor e chefe do departamento) do Instituto Pedagó-
gico Estadual de Moscou, no Segundo Instituto Médico de Moscou
(como chefe do departamento de Pedologia Geral e Etária e como pro-
fessor a partir de 15 de abril de 1931) e no Instituto Pedagógico Herzen
em Leningrado, ele fez várias apresentações sobre tópicos de pedologia.
(Ver relato do próprio Vygotsky sobre suas atividades, compilado em 14
de janeiro de 1934; aqui fornecido por sua filha Vygodskaja, comuni-
cação pessoal, novembro de 1988.)
4. A localização de funções psicológicas no cérebro (ver capítulo
12). Este trabalho foi incentivado pelos estudos médicos de Vygotsky
(ele estudou medicina em Kharkov e no Instituto Médico de Moscou)
e por seu crescente interesse em patologia de adultos. Além de seu
interesse intrínseco pela psicopatologia, Vygotsky precisava da con-
dição formal de médico por estar trabalhando em uma clínica neu-
rológica e psiquiátrica.
5. O tópico da fala interior (ver capítulo 15). Esta pesquisa foi
parte dos esforços de Vygotsky para replicar e refutar o trabalho de
Piaget sobre a incapacidade de descentralização de crianças. Em
particular, ele queria provar que a fala egocêntrica originava-se da
fala social interativa e tinha uma função reguladora. Este último
ponto retornava a seus escritos anteriores sobre a relação entre
pensamento e fala.

A desintegração do grupo de pesquisa de Vygotsky

A visão de Vygotsky sobre um grande grupo de pesquisa traba-


lhando para uma causa comum nunca se concretizou. Às vezes, pare-
cia que poderia ser possível estabelecer esse grupo, mas Vygotsky
sempre era forçado a se mudar para um novo Instituto e trabalhar com
novos colegas. Por exemplo, depois de se formarem, seus alunos (p. ex.,
Levina, Morozova) eram enviados para trabalhar em diferentes cidades
espalhadas pela União Soviética e assim, para que qualquer programa
coesivo pudesse ser desenvolvido, eles tinham que viajar a Moscou,
onde Vygotsky organizava regularmente suas chamadas conferências
internas. O fechamento da Academia de Educação Comunista e a
resultante transferência de alguns dos colaboradores de Vygotsky
(Bozhovich, Leontiev, Luria, Zaparozhec) para Kharkov também com-
prometeram o programa de pesquisa. Além disso, em Kharkov, Leontiev
desenvolveu sua própria concepção de desenvolvimento cognitivo em
resposta a críticas ideológicas. Leontiev distanciou-se das idéias de
Vygotsky em um obituário escrito em 1934 (pp. 188-9), em que enfatizou
que os processos de mediação baseiam-se em atividades materiais e
316 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

sociais e renomeou a teoria histórico-cultural de “teoria histórico-so-


cial”. Referiu-se também ao debate público sobre os méritos da
reactologia para uma avaliação das teorias de Vygotsky (Itogi diskussii...,
1931). Fica claro que, ao substituir a ênfase de Vygotsky nos signos
como meios de mediação entre objetos da experiência e funções men-
tais pela idéia de que a ação física (trabalho) deve fazer a mediação
entre o sujeito e o mundo exterior, Leontiev se manteve fiel à ideologia
oficial. De acordo com os guardiães ideológicos, o trabalho (atividade
física) devia ter precedência sobre a fala (ver também Leontiev, 1935/
1983, e capítulo 16).
A diferença cada vez maior entre suas opiniões não escapou à
atenção de Vygotsky e, em agosto de 1933, ele escreveu para Leontiev,
que estava, então, em Kharkov, uma carta sobre a necessidade de
esclarecerem suas respectivas posições.
Já estou sentindo, e não pela primeira vez, que estamos diante de uma
conversa muito importante, para a qual nós dois, aparentemente, não
estamos preparados, e cujo conteúdo só podemos imaginar vagamente.
Sua partida [para Kharkov] é nosso fracasso sério, talvez irremediável,
que resultou de nossos erros e da real negligência pela causa que nos
foi confiada. Aparentemente, nem em sua biografia, nem na minha,
nem na história de nossa psicologia, isto que aconteceu será repetido.
Que seja assim. Estou tentando entender tudo isto da maneira spinoziana
— com tristeza, mas aceitando como algo inevitável. Em meus pensa-
mentos mais interiores, lido com isto como um fato, como algo que
aconteceu. O destino interior tem que ser resolvido em conexão com o
exterior, mas, claro, não é totalmente determinado por ele. É por isso
que ele [o destino interior] não é claro, é [apenas] vagamente visível,
através de certa bruma, e minha preocupação com isto causou a maior
ansiedade que já experimentei nos últimos anos... Você tem razão,
antes de tudo temos que nos livrar da necessidade de dissimulação...
É por isso que a considero [sua decisão] correta, apesar do fato de
julgar tudo o que aconteceu com A. R. [Luria] de um modo diferente (e
não com alegria). Mas voltarei a isso em alguma outra ocasião... (Vygotsky
em carta para Leontiev, datada de 2 de agosto de 1933).

Podemos ver nesta carta que Vygotsky sentia que suas posições
haviam divergido tanto a ponto de ameaçar sua “causa comum” (ob-
serve-se novamente o tom quase messiânico da carta). Vemos também
que algumas dificuldades não especificadas haviam surgido entre Luria
e Vygotsky. Puzyrej, cujas anotações à edição soviética não publicada
das cartas de Vygotsky nós utilizamos ao longo deste livro, sugeriu que
esta passagem pudesse se referir ao fato de Luria, em algum ponto, ter
se unido ao grupo de Kharkov e assumido a chefia da Seção de Psi-
cologia do Instituto Psiconeurológico Ucraniano, que Leontiev viria a
chefiar mais tarde. Pode-se compreender bem essa decisão de Luria,
porque as condições oferecidas a ele em Kharkov eram excelentes. Na
Seção de Psicologia, que dentro de poucos anos viria a desenvolver-se
INTRODUÇÃO 317

em um instituto independente, ele tinha à sua disposição dezesseis


salas, quinze colaboradores e 100.000 rublos por ano! (Luria em carta
para Köhler, datada de 6 de março de 1932). Ainda assim, depois de
muita deliberação, Luria deixou o grupo de Kharkov e voltou a concen-
trar suas atividades em Moscou. A esta história deve ser acrescentado
o relato feito pela filha de Vygotsky sobre as relações pessoais entre os
três psicólogos durante esse período. Segundo ela (comunicação pes-
soal, setembro de 1989), no final de 1933 ou início de 1934, Vygotsky
e Leontiev pararam de se encontrar. Aparentemente, Leontiev havia
escrito uma carta para Luria na qual afirmava que as idéias de Vygotsky
pertenciam ao passado e sugeria que Luria começasse a colaborar com
ele, sem a participação de Vygotsky. A princípio, Luria concordou, mas
depois pensou melhor a respeito desse plano e mostrou a carta de
Leontiev para Vygotsky. Naturalmente, Vygotsky ficou magoado e zan-
gado e escreveu uma carta dura para Leontiev; neste ponto, eles pa-
raram de se encontrar,1 embora pareça que tenham continuado a tro-
car cartas sobre assuntos de pesquisas. É compreensível que as rela-
ções com Luria também tenham ficado estremecidas depois desse evento.
Pode-se ver, portanto, que, no período final da vida de Vygotsky,
até mesmo seus aliados mais fiéis dos anos anteriores, Luria e
Leontiev, estavam pensando em abandoná-lo, e por razões compre-
ensíveis, entre as quais não era insignificante o problema da cres-
cente pressão ideológica. Eles já não se sentiam incondicionalmente
obrigados a seguir a “causa comum”, ou seja, a nova psicologia do
homem que Vygotsky desejava criar. Em vista da atitude de Vygotsky
em relação à sua causa, este deve ter enfrentado imensos problemas
para não encarar o comportamento deles como uma traição pessoal
naquele período mais difícil de sua vida, em vez de considerá-lo
meramente a conseqüência de desenvolvimentos científicos e ideoló-
gicos pessoais. Uma vez mais, ele teve oportunidade de pensar nas
palavras de Spinoza em Ética (1677/1955, p. 128), onde o grande
filósofo explicava que não se devia menosprezar ou condenar emo-
ções humanas, mas tentar compreendê-las.

1. Foi só no final de 1955, quando a proibição às obras de Vygotsky estava


prestes a ser cancelada, que Leontiev (e Luria) fez uma visita (a última) à família
Vygodsky. A razão da visita foi procurar nos arquivos particulares artigos que
pudessem ser (re)publicados (Vygodskaja, comunicação pessoal, setembro de
1989).
12
Vygotsky, o pedólogo

... se síntese não é uma palavra vazia, mas denota um fato realmente
existente na natureza do desenvolvimento infantil, então a pedologia
adquire no reconhecimento desse fato sua base sólida, eternamente
objetiva...
Vygotsky, “Pedologija i smezhnyes neju nauki”

A posição de Vygotsky em relação à pedologia merece uma aten-


ção especial, de vez que tem sido constantemente negligenciada pela
maioria das exposições existentes sobre a herança intelectual que ele
deixou. As razões dessa omissão não são muito difíceis de encontrar:
a palavra “pedologia” permaneceu um termo ideologicamente suspeito
por meio século na União Soviética (desde 1936) e seu uso em discus-
sões poderia, na melhor das hipóteses, condenar a pessoa que o pro-
nunciasse a ser julgada como alguém que “parou no tempo” e se
associava a “uma pseudociência morta”, ou até mesmo levá-la à morte.
Um dos principais efeitos do stalinismo sobre a psicologia — o Decreto
da Pedologia de 1936, que estabeleceu a disciplina como ilegal e elimi-
nou os pedólogos das instituições de ensino — permaneceu em vigor
(ou, pelo menos, não foi oficialmente revogado) mesmo nos anos se-
guintes ao processo de fim do stalinismo. Vygotsky esteve fortemente
associado à pedologia nos últimos sete anos de sua vida e, como
mostraremos neste capítulo, de uma maneira altamente produtiva. Em
conjunto com muitos educadores soviéticos, ele participou dos esforços
para fazer da pedologia um meio que pudesse levar às metas de criação
do “novo homem” durante a reestruturação social. A pedologia tinha
uma ampla base na sociedade soviética nas décadas de 1920/30.

Bases históricas da pedologia na Rússia

A pedologia da década de 1920 na União Soviética apresentava


uma nítida continuidade em relação à sua equivalente da Rússia
pré-1917. Seguindo a tradição norte-americana de “estudo da crian-
ça” (“paidologia”; ver G. S. Hall, O. Chrisman) e a “pedagogia expe-
rimental” alemã (ver E. Meumann), a Rússia já havia desenvolvido
uma notável tradição pedológica muito antes da Revolução de 1917.
320 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Assim, o Primeiro Congresso sobre Pedagogia Experimental na Rússia


aconteceu em São Petersburgo, em 7-13 de janeiro de 1911. No
Congresso, uma série de tópicos pedológicos, como os “perfis” da
análise do desenvolvimento infantil de Rossolimo e o “experimento
natural” como método de Lazursky, foram discutidos (Markarianz,
1911). Estes tópicos ainda eram de grande interesse para os pedólogos
russos na época da entrada de Vygotsky no cenário pedológico, na
última metade da década de 1920. No final de 1913 (janeiro de 1914
pelo novo calendário), aconteceu o Segundo Congresso Russo em
São Petersburgo e, uma vez mais, os usos do “experimento natural”
ocuparam um lugar importante nas discussões científicas (Basov,
1914). Esses congressos continuaram a ser realizados, mesmo du-
rante a Primeira Grande Guerra, e o Terceiro Congresso ocorreu em
janeiro de 1916 (Shchelovanov, 1916). O uso de “experimentos na-
turais” esteve sob escrutínio uma vez mais (Lazursky e Filosofova,
1916). O estudo da pedologia na Rússia pré-revolucionária era bem
estabelecido, substancial e bem conectado internacionalmente (ver
Arian’, 1912; também Konorov’, 1908).
Este desenvolvimento da pedologia na Rússia antes de 1917 era
dependente, em larga escala, das atividades organizacionais de Vladimir
Bekhterev, cujo Instituto Psiconeurológico (fundado em 1907) levou à
abertura do Instituto Pedológico. Já em 1903, Bekhterev havia expres-
sado a idéia de que a abertura de uma instituição especial para estu-
dos pedológicos seria benéfica. Assim, em 1907, como parte de seu
Instituto Psiconeurológico, Bekhterev organizou o Instituto Psicopedo-
lógico. Esse instituto, em contraste com as instituições pedológicas do
resto do mundo, que se orientavam para o estudo de crianças em idade
escolar, concentrou sua atenção na pedologia de bebês e da primeira
infância. Ele foi planejado para funcionar como uma casa de internato,
onde pais ou tutores podiam deixar seus bebês ou crianças pequenas
para serem criados (ver “Upravlenie Psikho-Pedologicheskim Institutom”,
1908). Sendo parte do Instituto Psiconeurológico, o Instituto Pedológico
podia beneficiar-se da colaboração dos melhores pesquisadores da
Rússia nas áreas de psicologia, fisiologia e biologia naquela época (p.
ex., K. Povarnin, A. Griboedov, A. Lazursky, V. Vagner). Em 1911, o
Instituto recebeu seu próprio prédio, mas, como baseava-se em doa-
ções de particulares para sobreviver, estava constantemente com pro-
blemas financeiros. Bekhterev vivia tentando convencer o governo a
financiar o Instituto. Quase conseguiu no final de 1916, mas a agitação
causada pela Revolução de fevereiro de 1917 expulsou o governo que,
em princípio, havia aceito seu plano. Por causa das difíceis condições
econômicas e de vida cotidiana que acompanham qualquer revolução,
o Instituto foi transferido para a cidade de Pensa, onde parou de
funcionar.
Bekhterev nunca desistiu de seus esforços para reestabelecer o
Instituto. Uma vez que foi um dos poucos intelectuais russos que
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 321

aceitaram a Revolução Bolchevique de outubro de 1917 sem muita


dificuldade (afinal, Bekhterev vinha se opondo havia muitos anos ao
governo czarista), foi possível para ele discutir seu caso com os
novos governantes. O Instituto Pedológico acabou sendo restaurado
em 1918 como parte do Comissariado de Educação e tornou-se uma
instituição estatal. Seu orçamento vinha da Divisão de Pré-Escola do
Conselho de Comunas da Província do Norte, e ele ficou alojado em
um prédio novo no centro de Petrogrado. Porém, o orçamento da
Divisão de Pré-Escola não era muito substancial, e as prioridades
dos líderes dessa Divisão também não estavam em total harmonia
com as de Bekhterev; como conseqüência, o Instituto foi novamente
dissolvido em 1920 (Shchelovanov, 1929).
Porém, Bekhterev e seus colegas continuaram a trabalhar na
área da pedologia, o que levou a novos resultados de pesquisas e
organizacionais no início da década de 1920 (Osipova, 1928). Assim,
o Instituto Pedológico voltou a ser aberto como uma Instituição de
pesquisa sob a orientação da Glavnauka (o Diretorado de Ciência) e
como parte da Academia Psiconeurológica. O novo Instituto de pes-
quisa incluía quatro seções que estudavam: pedagogia experimental,
anatomia e fisiologia, psicologia da infância (seção dirigida por Mikhail
Basov), variabilidade etária e individual de tipos constitucionais e
comportamentos (chefiada por N. Shchelovanov). Depois de três anos
de pesquisas altamente produtivas, o Instituto foi reorganizado uma
vez mais. Em 1925, foi fundado o Instituto de Pedagogia Científica
de Leningrado e três seções do Instituto Pedológico (com exceção da
seção de bebês chefiada por N. Shchelovanov) foram transferidas
para o novo Instituto.
Na década de 1920, os efeitos da pesquisa pedológica tornaram-
-se visíveis nas diferentes instituições educacionais e de pesquisa
em toda a União Soviética. Evidentemente, isto levou à proliferação
de publicações pedológicas escritas em russo e, em meados da dé-
cada, a literatura sobre pedologia disponível para os leitores na
União Soviética era extensa (Rybnikov, 1925). Nesta época, já havia
aparecido uma série de manuais e tratados importantes sobre as-
suntos específicos, os quais se somavam à substancial literatura
disponível do período anterior a 1917. Quase todas as principais
obras sobre desenvolvimento infantil e estudos de crianças (p. ex.,
obras de Baldwin, Compayré, W. Stern, C. Stern, Groos, Sully,
Drummond, Claparède, Binet, Meumann, Bühler, e muitos outros)
encontravam-se disponíveis em traduções russas em meados da
década de 1920, e os esforços de tradução dessas fontes internacio-
nais prosseguiram em um ritmo extraordinário até o início da déca-
da de 1930. Em suma, a reorganização do sistema educacional (pe-
dagogia prática) na Rússia do período posterior a 1917 ocorreu
concomitantemente à pesquisa pedológica em diferentes instituições.
322 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Pedagogia soviética e a ascensão da pedologia

O desenvolvimento da pedologia na União Soviética na década


de 1920 foi estimulado, sem dúvida, pelos experimentos educacio-
nais que o governo promovia e, na verdade, impunha. Entre os
vários assuntos e eventos que agitavam o sistema educacional russo
na década de 1920 (ver Anweiler, 1964; Fitzpatrick, 1979; Lapidus,
1978; Pinkevich, 1930), dois temas mostravam-se dominantes: a
reconstrução radical da personalidade humana (a construção do
“novo homem socialista”) e a limitação do acesso de determinadas
classes sociais a oportunidades educacionais. O sistema educacio-
nal estava aberto a todas as tendências de movimentos sociais que
existiam na sociedade soviética, o que, às vezes, possibilitava que
ideólogos não qualificados e incapazes assumissem o poder, apenas
para soprá-los de volta ao esquecimento depois de tê-los decretado
inadequados para serem líderes do “progresso”.
Os experimentos educacionais da década de 1920 basearam-se
apenas parcialmente na ideologia “marxista” em seus aspectos particu-
lares. Na verdade, havia uma notável continuidade entre as filosofias
educacionais da intelligentsia liberal pré-1917 (com freqüência basea-
das em modelos europeus e norte-americanos e vistas com maus olhos
pela política educacional oficial czarista) e as novidades introduzidas
na década de 1920. Por exemplo, a experiência educacional comunitá-
ria divulgada por S. T. Shatsky (que também interessava-se pela psi-
canálise; ver capítulo 5) no início da década de 1920 baseava-se em
sua experiência na direção de comunidades infantis entre 1906 e 1908.
Shatsky acreditava na organização social dos interesses naturais das
crianças em um contexto comunitário, em que o trabalho fosse uma
parte natural da vida cotidiana da comunidade (uma idéia que educa-
dores liberais importaram da América na virada do século) e, para ele,
não foi difícil aceitar a meta comunista de reeducar toda a sociedade
na forma de uma utopia abrangente (Zen’kovsky, 1960, pp. 22-3). De
fato, muitos novos experimentos educacionais realizados nos Estados
Unidos foram importados e conduzidos com uma notável velocidade
por educadores soviéticos na década de 1920. Por exemplo, o Plano
Dalton (Parkhurst, 1922; Dewey, 1922) e o Projeto Currículo (E. Collings)
para organizar a vida escolar das crianças foram amplamente discuti-
dos e implementados em larga escala. É claro que essas idéias eram
importadas e modificadas para adaptarem-se à história cultural russa.
Como escreveu um celebrado visitante depois de passar brevemente
pela União Soviética em 1928:
embora os educadores russos reconheçam neste ponto — como em
muitas outras coisas — um débito original para com a teoria norte-
americana, eles criticam muitos dos “projetos” empregados em nossas
escolas como inconseqüentes e triviais, porque não pertencem a ne-
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 323

nhuma meta social geral, nem têm conseqüências sociais definidas em


sua aplicação. Para eles, um “projeto” educacional é o meio pelo qual
o princípio de um todo “complexo” ou unificado de questões sociais é
materializado. Seu critério de valor é a contribuição para um “trabalho
socialmente útil” (Dewey, 1929, pp. 101-2).
De fato, os objetivos sócio-políticos e educacionais refletiam-se na
experimentação de novos métodos pedagógicos. Os experimentos eram
emprestados não só dos Estados Unidos (os experimentos norte-ame-
ricanos, surpreendentemente, pareciam adequar-se ideologicamente às
necessidades dos educadores soviéticos; ver Dewey, 1929, pp. 107-8),
mas também da Europa continental, e sua influência é evidente na
educação liberal russa. Assim, a “pedagogia social” de Paul Natorp e a
“escola do trabalho” de Robert Seidel eram modelos populares na dé-
cada de 1920 e contribuíram para boa parte da ideologia da trudovaja
shkola (escola do trabalho) difundida por Blonsky.
Todos esses experimentos educacionais foram estudados por
pedagogos russos nas difíceis e complicadas condições da nascente
sociedade soviética. As crianças, cujo futuro educacional estava em
jogo durante o desenvolvimento do processo de reconstrução da nova
sociedade por meio da nova educação, vinham de famílias que haviam
sido separadas pela guerra, pela fome, pelo terror (tanto “vermelho”
como “branco”) e pelas dificuldades econômicas. Essas condições espe-
cíficas da década de 1920 deixaram seus traços na literatura educa-
cional e pedológica da época. Assim, questões de como lidar com as
massas de crianças órfãs e abandonadas (bezprizorniki) e como estru-
turar a alfabetização de adultos também eram tópicos importantes no
discurso referente à educação soviética na década de 1920.
Como a “nova sociedade” buscava criar o “novo homem”, esse
discurso sobre o papel da escola em geral, e sobre as diferentes
formas de educação em particular, era abrangente. O debate se
inflamava com os constantes atritos entre diferentes partes da bu-
rocracia educacional que estavam sempre lutando pelo controle das
instituições de ensino. A história desta luta interna entre o Comis-
sariado de Educação (Narkompros) e seus rivais merece, ela própria,
um exame cuidadoso (Anweiler, 1964). Da mesma forma, as contro-
vérsias sobre o futuro da escola como instituição social na “nova
sociedade” (por exemplo, o prognóstico de V. Shulgin no que diz
respeito à redução da escolaridade no socialismo; ver também capí-
tulo 16), o método de unir a educação básica e aplicada (politécni-
ca), os princípios de autogestão dos alunos nas escolas, e muitas
outras questões prementes prepararam o caminho para que a pedo-
logia assumisse o papel de uma disciplina científica integradora
intimamente ligada à prática educacional. O desenvolvimento da
pedologia na URSS esteve fortemente associado a esses esforços
pedagógicos e ideológicos. Sua história pode ser dividida em três
períodos principais: o do surgimento como uma disciplina individual
324 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

socialmente organizada (cerca de 1922 até 1928; ver Zalkind, 1931b),


o desenvolvimento da pedologia estabelecida (1928 até 1931-2), e o
período de declínio (1932-6).
Várias instituições de pesquisa em pedagogia que serviram como
base para o lançamento do movimento da pedologia (ver “Spisok...”,
1929) haviam aparecido na década de 1920. Primeiro, é claro, esta-
va o Institut metodov shkol’noj raboty (Instituto de Métodos de Tra-
balho Escolar; a partir de 1930 renomeado como Instituto de Peda-
gogia Marxista-Leninista) de V. N. Shulgin, em Moscou. Fundado em
1922, ele realizava pesquisas sobre a aproximação entre as tarefas
escolares e as tarefas da vida real e, a partir da perspectiva utópica
de construir uma “nova sociedade” na qual escola e vida estivessem
unidas, atacava as políticas educacionais do Narkompros. No final
da década de 1920, uma série de tópicos de pesquisa pedológicos
interessantes estavam sendo estudados no Instituto: desenvolvimen-
to da escrita e capacidade de fazer contas, transferência de capaci-
dades, etc. Em segundo lugar, o Institut metodov vneshkol’noj raboty
(Instituto dos Métodos de Trabalho Extra-Escolar), sob a direção de
A. Ja. Zaks, tinha sido aberto em 1923. Nesse instituto, surgiu o
trabalho original sobre a organização de grupos de crianças “espon-
tâneos” e externamente organizados. Como era apropriado para um
instituto com esse nome, ele concentrava-se na pesquisa da integra-
ção das crianças em seu ambiente sócio-econômico. Em Leningrado,
o Institut nauchnoj pedagogiki (Instituto de Pedagogia Científica;
diretor, B. Fingert) foi fundado em 1924-5. Ele herdou as preocupa-
ções pedológicas do Instituto anterior de Bekhterev (ver acima) e
serviu como base para o trabalho pedológico de Mikhail Basov. E,
por fim, em 1926, o Institut nauchnoj pedagogiki (Instituto de Peda-
gogia Científica) também foi aberto em Moscou, na Segunda Univer-
sidade Estadual de Moscou, sob a direção de Albert Pinkevitch (ver
Anweiler, 1964, p. 308). Foi por causa do trabalho neste Instituto e
de sua atividade como professor de pedologia na Segunda Universi-
dade Estadual de Moscou que Vygotsky moveu-se para o centro da
organização pedológica soviética. Esses institutos de pesquisa peda-
gógica possibilitaram a coordenação social de atividades em pedologia
em nível nacional. O desenvolvimento da pedologia refletiu-se na
estrutura dos centros de pesquisa psicológicos: o Instituto de Psico-
logia Experimental de Kornilov foi renomeado, em 1930, ou mais ou
menos nessa época, como Instituto de Psicologia, Pedologia e
Psicotécnica (Institut Psikhologii, Pedologii i Psikhotekhniki).
O Primeiro Congresso Pedológico Soviético aconteceu em dezem-
bro de 1927/janeiro de 1928 e defendeu a promoção e o desenvolvi-
mento da organização institucional do movimento pedológico na URSS
(ver Nestjuk, 1929). Como era o caso com todos os acontecimentos
semelhantes na União Soviética nessa época, o Congresso realizou-se
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 325

no contexto de um chamado para uma reestruturação marxista da


nova disciplina, como ilustravam os discursos de Anatoli Lunacharsky
(o líder do Narkompros até 1929), Nikolai Bukharin e Nadezhda
Krupskaja (ver Anweiler, 1964, p. 314). Entre os muitos relatórios
sobre os trabalhos do Congresso (ver Nestjuk, 1929) havia um de
Vygotsky (1928r). Como de hábito nessas reuniões, esta terminou com
a aprovação de uma “resolução” grandiosa (e loquaz) exigindo que a
pedologia fosse estabelecida como uma disciplina marxista dialética
que enfatizasse o papel do ambiente social no desenvolvimento das
funções psicológicas inferiores para as superiores em crianças. Esta
defesa de uma “ciência unificada”, em que o enfoque principal estivesse
no desenvolvimento, estava de acordo com o ponto de vista de Vygotsky,
embora tenham sido outros pedólogos os responsáveis pela redação
dessa resolução, quais sejam, A. Zalkind e S. Molozhavyj.
O Primeiro Congresso Pedológico resultou na publicação da
revista Pedologija (uma decisão tomada pelo Comissariado do Povo
da Educação em 26 de janeiro de 1928). O objetivo da revista era
coordenar todas as atividades pedológicas em progresso na União
Soviética e relacionar mais intimamente as atividades de pesquisa
pedológicas com as necessidades do sistema educacional. O fato de
que a popularidade da pedologia na União Soviética cresceu subs-
tancialmente depois do lançamento de Pedologija pode ser observado
pelo aumento no número de assinantes. A revista começou em 1928
com 200 assinantes; no início de 1929, tinha 800, e no final desse
ano eram 1.500 (dos quais 30 por cento eram pessoas individuais;
ver “Na poroge tretiego goda”, 1929).
Evidentemente, a disciplina da pedologia estava mergulhada em
um contexto social complexo e suas pesquisas eram conduzidas em
um ambiente de desconfiança cada vez maior, à medida que muitos
políticos tornavam-se vítimas do crescimento descontrolado da ideolo-
gia marxista. De fato, a própria pedologia acabou se tornando um bode
expiatório desse crescimento. Por exemplo, a partir de março de 1928,
as discussões nos círculos intelectuais soviéticos giravam em torno do
Julgamento Shakhty, o julgamento de um grupo de engenheiros no
distrito carvoeiro de Donbass na região de Shakhty. Eles eram acusa-
dos de ter organizado a sabotagem das linhas de produção e de ser
“representantes” dos antigos proprietários (capitalistas) de minas e
“agentes da inteligência estrangeira”. Na campanha de propaganda
amplamente divulgada que foi conduzida bem antes do início do julga-
mento (em maio de 1928), as conclamações à vigilância e à desconfian-
ça com relação a pessoas que não tivessem raízes na classe proletária
tornaram-se muito intensas (ver Fitzpatrick, 1979, capítulo 6). Assim,
no outono de 1928, a expulsão e não admissão de estudantes não-
proletários em instituições de ensino superior atingiram um novo ápice
(essa situação se manteve durante toda a década de 1920). Vários
326 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

líderes de Narkompros (incluindo Lunacharsky e Krupskaja) protesta-


ram contra essa discriminação de estudantes com base na classe so-
cial, mas sem sucesso.
Os receios antiintelligentsia e anticosmopolitas que foram cultiva-
dos pelo Julgamento Shakhty afetaram o sistema educacional soviético
(o Narkompros foi criticado pela ineficiência de suas atividades educa-
cionais) e, assim, prepararam o caminho para as controvérsias sociais
no que diz respeito ao papel da pedologia para “ajudar a prática pedagó-
gica”. Nesta situação, era inevitável que o discurso social sobre pedologia
precipitasse a separação gradual entre a psiconeurologia soviética acei-
tável e a psiconeurologia burguesa não autorizada. Em novembro de
1929, a Sociedade de Neuropatologistas e Psiquiatras de Moscou final-
mente rendeu-se às exigências dos ativistas bolcheviques, que nunca
se cansavam de apontar o “profissionalismo exclusivista” dessa Socie-
dade como a raiz dos “resquícios burgueses” da panelinha incontrolável
de especialistas. Isto levou à nomeação de especialistas “proletários”
em organizações profissionais, o que afetou muitas ciências entre 1929
e 1931 (Joravsky, 1989, p. 336). O principal pedólogo bolchevique,
Aaron Zalkind, falou desses acontecimentos com irrestrita aprovação
(ver Zalkind, 1929a, p. 456). Seu objetivo declarado para a pedologia
— em preparação para o grande congresso sobre o estudo do compor-
tamento humano em janeiro de 1930 — era “unir ideologicamente
diferentes ciências psiconeurológicas” e “inseri-las no serviço para que
fossem praticadas no período de reconstrução” (1929a, p. 456).
O grande Primeiro Congresso Geral sobre o Estudo do Comporta-
mento Humano ocorreu em Leningrado de 26 de janeiro a 1 de feverei-
ro de 1930. Cerca de 3.000 pessoas estavam inscritas como participantes,
muitas delas “trabalhadores práticos” nas disciplinas relevantes às ques-
tões discutidas. Cerca de metade dos participantes eram de Leningrado,
a outra metade de Moscou e de outras áreas da União Soviética. Na
agenda do Congresso estava o plano ideologicamente fundamentado de
unir a “prática da construção do socialismo”. A sessão plenária incluiu
discursos não só de Zalkind, Kornilov, Spil’rein, Molozhavyj entre os
psiconeurologistas, mas também de Lunacharsky (que havia sido dis-
pensado de seu cargo como chefe do Narkompros em setembro de
1929) e dos filósofos I. Luppol e N. Karev (ver “Na Pervom Vsesojuznom...”,
1930). Apenas um dos oradores da sessão plenária, Molozhavyj, dedi-
cou inteiramente sua fala a questões de pedologia, defendendo a apli-
cação específica do pensamento dialético na pedologia (Molozhavyj,
1930a). De fato, a pedologia era apenas um dos “complexos” temáticos
discutidos no Congresso (os outros três eram: problemas gerais da
ciência do comportamento; psiconeurologia ou trabalho e psicotécnica;
e psiconeurologia patológica). O complexo pedológico recebeu uma cla-
ra definição desenvolvimentista (“o problema do desenvolvimento na
ciência do comportamento”; ver Zalkind, 1930b, p. 1). O nome de
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 327

Vygotsky aparecia na lista dos que coordenavam a seção de pedologia,


junto com M. Basov, S. Molozhavyj e N. Shchelovanov. Porém, foi
Molozhavyj (1930b) quem escreveu a avaliação da seção pedológica do
Congresso para Pedologija. Fica claro que os líderes ideológicos da
pedologia marxista no final da década de 1920 e início da década de
1930 eram Molozhavyj (ver a análise de suas idéias abaixo) e Zalkind,
ao passo que Vygotsky, embora muito conhecido e respeitado entre os
pedólogos, desempenhava um papel apenas secundário.
A Seção de Pedologia do Congresso proporcionou uma rica amos-
tragem geral da pesquisa pedológica que estava sendo conduzida na
União Soviética nessa época. A questão do efeito da classe social sobre
o desenvolvimento social de crianças surgiu em várias formas durante
as apresentações. Porém, de longe o assunto mais predominante foi o
dos processos de desenvolvimento levantado pela seção de pedologia.
Ele demonstrou a ampla variedade de assuntos com que a pedologia
estava relacionada: da reflexologia (Osipova, 1930; Shchelovanov, 1930)
ao estudo de visões de mundo de crianças (Basov, 1930) e organizações
coletivas de crianças (Zaluzhnyj, 1930; Lange, 1930) e ao estudo de
crianças mentalmente retardadas (Zankov, 1930a). Vygotsky organizou
uma subseção sobre o estudo do desenvolvimento cultural da criança,
em que, além de sua própria apresentação (Vygotsky, 1930i), houve
uma palestra de Luria sobre a função dos signos no desenvolvimento
do comportamento infantil (Luria, 1930e), e Leontiev também falou
sobre a maneira como estímulos-meios mediavam o desenvolvimento
da memória voluntária (Leontiev, 1930). Como resultado da pesquisa
conjunta dirigida por estes três na década de 1920, nasceu a idéia de
uma trojka (trio). Além disso, a apresentação deles foi mencionada
especificamente como um exemplo positivo de um trabalho que tinha
“um bom entendimento da natureza dialética do desenvolvimento” na
avaliação do Congresso feita por Molozhavyj (1930b, pp. 338-9). Vygotsky
também fez uma apresentação sobre o desenvolvimento cultural da
criança defeituosa na mesma seção de pedologia (Vygotsky, 1930j).
Deve-se observar que as atividades de Vygotsky e de seus co-
legas não estiveram limitadas só à seção de pedologia desse Con-
gresso. Vygotsky também participou da seção geral de psicologia,
reflexologia e fisiologia do sistema nervoso, dando uma visão geral
do “método da dupla estimulação” (Vygotsky, 1930h), que foi segui-
da pelas apresentações empíricas de seus colaboradores (Solov’ev,
1930; Zankov, 1930b).
A Seção de Pedologia concluiu sua contribuição para o Congres-
so formulando uma resolução. A “resolução” formulava o enfoque
“dialético-materialista” no desenvolvimento infantil como algo que
envolvia a emergência de formas qualitativamente novas de um tipo
sociobiológico. Em todos os aspectos da pedologia cobertos pela
resolução, a idéia de emergência de algo novo vinha codificada de
328 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

diferentes maneiras. Assim, sob o tópico “ambiente e o problema do


desenvolvimento”, a resolução declarava:
A formação sociobiológica do indivíduo ocorre por meio da unidade
dialética de fatores imanentes externos, ambientais e internos de de-
senvolvimento que surgem no processo de atividade ativa do indivíduo
sob a condição do ambiente de produção de classe [klassovoproizvodst-
vennaja sreda] (“Rezoljucia...”, 1930, p. 341).

Algumas linhas depois, a resolução fazia uma ligação ainda maior


entre a pedologia e uma ideologia de classes, declarando que o ambien-
te da criança devia ser estudado tomando-se o “histórico de classe”
como base (1930, p. 341). A importância do estudo pedológico do jovem
movimento pioneiro para possibilitar a pesquisa sobre a tipologia do
desenvolvimento infantil foi enfatizado novamente, porque esse movi-
mento “enquadra-se em nossas metas de classe” (1930, p. 343). A
pesquisa sobre as visões de mundo de crianças deveria acompanhar as
crianças à medida que elas fossem vivenciando a “luta de classes” cada
vez maior na sociedade soviética (1930, p. 342) e as comunidades
infantis eram especificadas como o sujeito de estudos pedológico-peda-
gógicos sobre o trabalho das crianças na sociedade. Como um resul-
tado direto do Congresso, a pedologia na União Soviética deslocou-se
em duas direções, uma das quais mostrou-se produtiva para a ciência
(ou seja, a ênfase no desenvolvimento e a síntese dialética surgindo no
confronto da criança com ambientes estruturados e mutáveis), e a
outra contribuiu com a execução ideológica da disciplina em si (a
ênfase explícita na base de classes da pesquisa do desenvolvimento).

O declínio e o fim da pedologia: sem


espaço para utopias sociais divergentes

A tarefa de explicar o fim da pedologia na União Soviética talvez seja


complicada demais para ser cumprida apenas fazendo-se referência a
expurgos stalinistas ou às novas necessidades que vinham à luz do sis-
tema de educação. Em vez disso, o declínio gradual e o colapso final da
pedologia (e de muitos pedólogos) pode ser visto como resultado direto do
mesmo processo social de que eles mesmos participaram ativamente
no final da década de 1920: o estabelecimento do “homem comunista”
por meio de mudanças educacionais radicais. É previsível que qualquer
período de perestrojka crie condições para uma mudança de direção
igualmente radical. Ao tentar participar da “meta social comum” de
criar a perfeita utopia socialista, os pedólogos estavam pavimentando
o caminho para sua própria eliminação e reeducação forçada.
O declínio da pedologia foi relativamente lento, desde cerca de
1930 até o Decreto de 1936. O declínio começou como um efeito
colateral das mudanças sociais que ocorreram na filosofia e em
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 329

outras ciências sociais soviéticas em 1930-1 (ver Valsiner, 1988, pp.


89-95), mudanças estas que tiveram um impacto direto sobre a
pedologia. Protegidos pelo escudo da ideologia marxista, os pedagogos
podiam justificar a devastação de diferentes tradições de pesquisa
em pedologia que não eram muito de seu agrado. Naturalmente, os
próprios pedólogos estavam ansiosos para adotar a meta de melho-
rar a “prática educacional”. Afinal, este fora o seu objetivo todo o
tempo. Mas é claro que a mesma meta nominal pode ser interpre-
tada de maneiras diferentes por diversos grupos de pessoas.
Como resultado da briga ideológica contra o idealismo menchevista,
o tom das disputas entre os pedólogos tornou-se, de repente, mais
agudo em 1931. Esta mudança pode ser percebida em Pedologija, em
que declarações críticas e autocríticas de pedólogos tornaram-se abun-
dantes. Muitos pedólogos eminentes anteriores à década de 1930
(Blonsky, Molozhavyj, Zalkind, etc.) haviam identificado intimamente
seu pensamento com os “idealistas menchevistas” “desacreditados” de
Abram Deborin, ou com o funcionário comunista Nikolai Bukharin,
que caíra em desgraça, e seus críticos foram rápidos em condená-los
por essas ligações. De fato, a queda a partir do colapso da reputação
de Deborin como a principal fonte de “dialética marxista” em 1930 teve
um efeito direto sobre a psicologia e a pedologia. No outono de 1930,
o Instituto de Kornilov também foi pego no fogo cruzado de críticas
provenientes de fontes externas (ver Joravsky, 1989, pp. 357-8), quan-
do seus jovens colaboradores ativistas do grupo do Partido do Instituto
foram levados a condenar a reactologia de Kornilov e a demiti-lo do
cargo de diretor em 1931 (ver “Itogi Diskussii...”, 1931). A resolução da
reunião geral do grupo do Partido em 6 de junho de 1931 denunciou
Kornilov, Zalkind e alguns outros que haviam organizado o Congresso
sobre o Estudo do Comportamento Humano em Leningrado como se-
guidores da linha Spencer-Bogdanov-Bukharin de filosofia mecanicista
e acusou-os de terem estado aliados à velha liderança da filosofia. Não
só Kornilov, que foi acusado de acordo com toda a habitual retórica
bolchevique, mas vários outros colaboradores do Instituto também foram
condenados na resolução, incluindo Vygotsky e Luria (ver “Itogi
Diskussii...”, 1931, p. 388), cuja “psicologia voltada para a cultura”
[kul’turnicheskaja psikhologija] foi descartada como ideologicamente
errada e suspeita (cf. capítulo 16).
A onda de acusações ideológicas, cujas vítimas eram condenadas
por sua identificação com o “idealismo menchevista” da filosofia mate-
rialista dialética de Deborin, varreu todo o estabelecimento da pedo-
logia em 1931. Em abril desse ano, houve uma revisão dos depar-
tamentos pedológicos da Academia de Educação Comunista, o que
proporcionou uma exibição pública de autocrítica. Por exemplo, Pavel
Blonsky “reconheceu” seus próprios “erros”, o que lhe acarretou novas
críticas (Gel’mont, 1931). Em um esforço desesperado para manter sua
330 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

posição entre os líderes da pedologia soviética, Zalkind assumiu um


papel de destaque nessa onda de (auto)críticas, superando-se no grau
de autopunição e demonstrando sua lealdade ideológica aos leitores de
Pedologija (Zalkind, 1931b; 1932). Apesar dessas auto-acusações, ele
continuou a defender a linha do Partido ao criticar outras pessoas.
Assim, esteve entre os primeiros a rotular a reactologia de Kornilov
como um empreendimento deborinista não-marxista (Zalkind, 1931a,
p. 5) e a estimular outros pedólogos a fazerem sua autocrítica. Entre
aqueles convidados a essa autocrítica estavam não só Blonsky e Kor-
nilov, mas também Molozhavyj, Zaluzhnyj, Basov, Sokoliansky, Vygotsky
e Luria (Zalkind, 1931b, p. 13). Vygotsky e Luria foram incentivados a
não esperar até serem “atacados” antes de apresentarem-se voluntaria-
mente para “realizar uma reavaliação de seus erros mais graves na
forma de autocrítica nas páginas de nossa revista”. Esta “chamada por
uma tomada de iniciativa” pode indicar que Vygotsky não era um dos
grandes alvos das purificações rituais ideológicas em 1931, mas, por
causa de sua ligação com a orientação dialética na psicologia, era
afetado pelo “grande expurgo” (uma onda mais direta de crítica contra
Vygotsky aconteceu um pouco mais tarde; ver capítulo 16).
Esses ataques contra as principais figuras da pedologia na URSS
não estavam confinados à sua suposta ligação com a antiga lideran-
ça filosófica, mas também satisfaziam claramente uma necessidade
básica de eslavofilismo e um revide anticosmopolita. Quase todos
os principais pedólogos haviam tido uma excelente educação em estilo
europeu (“burguesa”), eram fluentes em línguas estrangeiras e ti-
nham um ótimo conhecimento da literatura científica e filosófica. Foi
essa ligação com o estabelecimento científico internacional, por mais
seletivos e até críticos que alguns possam ter sido com relação a ele,
que se tornou o tema para os ataques ideológicos à pedologia. Stalin
somou seu peso à campanha, escrevendo uma carta onde pedia
“vigilância” entre os pedólogos (ver “Pis’mo t. Stalina...”, 1931), em
resposta à qual a equipe editorial de Pedologija, novamente com a
ajuda de Zalkind, especificou uma série de designações a serem
usadas para classificar os “erros graves” pessoais e dos colegas.
Assim, os rótulos “mecano-lamarckismo”, “mecano-reflexologismo” e
“distorções freudo-adlerianas” entraram em uso legítimo. No início de
1932 (ainda com o título do ano anterior), Pedologija publicou seu
relatório editorial (“O polozhenii na pedagogicheskom fronte”, 1931),
em que rótulos eram aplicados de forma sumária ao trabalho de
todos os principais pedólogos. Assim, declarava-se que Zalkind havia
“ligado o idealismo freudiano-adleriano à reflexologia e ao lamarckismo”
e não havia valorizado suficientemente o papel de Marx e Lenin na
pedologia. Blonsky teria seguido “bases positivistas de padronização
de idades” e a “abordagem mecanicista do estudo da natureza de
classes dos ambientes dos alunos”. Basov teria “jogado com as estru-
turas” de uma forma eclética para combinar esta abordagem com a
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 331

“biologização mecanicista” e o lamarckismo. Molozhavyj foi acusado


de lamarckismo e de “behaviorismo puro” e Zaluzhny, de uma abor-
dagem reflexológica para o estudo das coletividades. E os autores
desse texto editorial foram bastante explícitos no que diz respeito a
Vygotsky: “Um ecletismo nitidamente expresso pode ser encontrado
nas obras de Vygotsky, que uniu em sua teoria do desenvolvimento
cultural o behaviorismo e a reactologia com a psicologia da Gestalt,
que é idealista em suas origens” (“O polozhenii...”, 1931, p. 9).
Parece que os esforços dos pedólogos militantes marxistas para
forçar estes autores a fazerem declarações públicas de autocrítica
tiveram pouco sucesso. O relatório editorial prossegue com um la-
mento de que muitos daqueles criticados ainda não haviam respon-
dido (Blonsky, Ariamov, Arkin) ou haviam tentado “escapar” com
confissões pouco convincentes (Molozhavyj, Zaluzhnyj; ver também
“Za marksistkoleninskuiu pedologiu”, 1931). Por fim, em um ato de
grandeza político-editorial, eles forneceram uma definição de pedologia
que vale a pena mencionar como uma prova interessante da infiltra-
ção do ethos social em uma área de pesquisa:
A pedologia é uma ciência social que estuda as regularidades do desen-
volvimento de acordo com as faixas de idade de crianças e de adoles-
centes com base nas regularidades da luta de classes e na construção
do socialismo na URSS (O polozhenii...”, 1931, p. 10).

Pedologija viria a tornar-se um “instrumento de luta para a pedo-


logia marxista leninista” e sugeriu-se que muitos livros “perigosos”
sobre pedologia deveriam ser eliminados do uso em trabalhos
pedológicos. Em suma, a nova liderança da revista implementou, de
forma bastante entusiástica, a “grande divisão” na pedologia. A nova
liderança de Pedologija (R. Vilenkina apareceu como o editor geral e, do
antigo corpo editorial, apenas Zalkind e Gel’mont permaneceram) pu-
blicou um plano detalhado para o futuro da revista (“Plan zhurnala”,
1932) que, porém, foi uma das últimas declarações do periódico (que
deixou de existir em 1932). Em 1932, uma série de “discussões” sobre
o estado da pedologia soviética aconteceu em Moscou sob os auspícios
da Academia Comunista. No registro dessa série de discussões (ver
“Diskussija o polozhenii...”, 1932), a ideologização ativa (sob o pretexto
de “trazer a pedologia para mais perto da prática”) pôde ser percebida
de forma muito clara. Uma vez mais, Zalkind liderou a luta pela nova
pedologia marxista, pedindo uma revisão crítica de toda a literatura
ocidental que havia “ignorado” o “princípio de classe” do desenvolvi-
mento humano. Ele definiu o “mal do mecanicismo” na pedologia como
a “conceitualização livre de classes do ambiente” (“Diskussija...”, 1932,
p. 96) e acrescentou sua contribuição para a redefinição da pedologia:
A pedologia [é uma] ciência social em que o [aspecto] primário é o
conteúdo social do desenvolvimento infantil, o desenvolvimento da
332 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

personalidade da criança, seu desenvolvimento ideológico e psicológi-


co, o desenvolvimento de sua atividade social-produtiva... A pedologia
[é uma] ciência que une em si, no plano dialético-holístico, todos os
processos do estudo do desenvolvimento infantil e une todo o estudo
da criança (psicológico, fisiológico, psicotécnico etc.) em um sistema
pedológico unificado (“Diskussija...”, p. 97).

Sua apresentação veemente (em 24 de abril de 1932) foi seguida


por três sessões de discussões de seu conteúdo em 18 de maio, 2
de junho e 9 de junho. Entre as pessoas mencionadas como tendo
discutido a declaração programática de Zalkind estavam Krupskaja,
Molozhavyj, Kolbanovsky (desde 1931, diretor do Instituto de Psico-
logia, Pedologia e Psicotécnica), Blonsky e Vygotsky. A apresentação
de Krupskaja, com sua referência à autoridade de Lenin, foi, na
verdade, uma defesa da pedologia frente aos excessos de críticas
ideológicas e, de qualquer forma, enfatizou a necessidade de uma
pesquisa pedológica multifacetada e voltada para a prática. Uma
defesa ainda mais definida da pedologia contra o fervor das reformas
foi feita por Molozhavyj, e Kolbanovsky sugeriu que as brigas na
pedologia fossem encerradas e se recomeçasse a trabalhar de verda-
de. A descrição feita por Kolbanovsky do trabalho pedológico reali-
zado em seu Instituto é interessante neste contexto, de vez que pode
explicar seu apoio ao trabalho pedológico de Vygotsky (e sua
renomeação como “psicologia” em 1934):
[a questão principal é] “o estudo das regularidades do desenvolvimento
psicológico da criança, a história do desenvolvimento mental da crian-
ça”. Esse estudo prossegue sem se separar da psicologia, levando em
conta a influência social do ambiente. Se esse estudo da criança é
chamado de estudo pedológico por alguém, não é necessário criar
controvérsias por causa disso, embora ele [Kolbanovsky] ache que tal
estudo não é pedológico, mas psicológico, com base nas orientações
dos fundadores do marxismo (“Diskussija…”, 1932, p. 107).

Apesar dos esforços dos pedólogos para acalmar a disputa ideo-


lógica cada vez mais cáustica na pedologia, o ambiente social da
disciplina orientou seu discurso pelo caminho da nova sociedade
(stalinista), que era construída pelos esforços conjuntos de idealistas
ingênuos, comunistas e demagogos políticos. A pedologia havia sido
assumida por uma nova guarda que a forçou a seguir as necessida-
des da pedagogia. As atividades práticas dos pedólogos em escolas,
assim como as pesquisas e cursos ministrados em vários institutos,
prosseguiram até o Decreto da Pedologia de 4 de julho de 1936, que
erradicou toda a pedologia da sociedade soviética.
Como podemos ver, a posição de Vygotsky na pedologia sovié-
tica não é fácil de definir, uma vez que o cenário da pedologia
mudou muito sob a influência das mudanças sociais mais amplas.
Talvez a chave para compreender a pedologia de Vygotsky possa ser
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 333

fornecida por uma tentativa de entender o desenvolvimento de suas


idéias pedológicas no contexto de toda a efervescência social mutável
da pedologia como um todo.

O papel de Vygotsky na pedologia soviética

Dadas as ricas tradições da pedologia na Rússia e os experimentos


educacionais na década de 1920, não é de surpreender que o discurso
pedológico soviético tenha servido como um contexto relevante para o
desenvolvimento de Vygotsky como psicólogo. Seu interesse por ques-
tões de educação especial (defectologia) deve ter desempenhado um
papel importante em seu movimento para o cenário da pedologia.
A redação do manual Psicologia pedagógica, que foi escrito por
Vygotsky do início até meados da década de 1920, marcou o começo
de seus estudos de crianças (Vygotsky, 1926i; ver capítulo 3). Além
disso, o Congresso de Psiconeurologia, em janeiro de 1924, no qual
Vygotsky fez sua primeira aparição no cenário da psicologia, foi, simul-
taneamente, uma conferência sobre pedologia (seu nome completo era
Congresso Russo sobre Pedologia, Pedagogia Experimental e
Psiconeurologia, embora a seção pedológica ainda não fosse a discipli-
na distinta que se tornou mais tarde). Quando sua dissertação foi
aceita, qualificando-o para o ensino acadêmico (em outubro de 1925),
Vygotsky começou a lecionar em vários estabelecimentos de ensino
superior. Suas atividades pedagógicas na área da pedologia foram
conduzidas na Segunda Universidade Estadual de Moscou (mais tarde
o Instituto Pedagógico Estadual de Moscou), na qual a pesquisa ativa
e o ensino de pedologia haviam começado mais ou menos nessa época.
Ao mesmo tempo, ele lecionava em várias outras instituições de edu-
cação superior em Moscou, no Instituto de Pedologia e Defectologia, na
Academia de Educação Comunista e no Instituto Central de Elevação
da Qualificação dos Quadros da Educação Pública.
Vygotsky foi um participante ativo da revista Pedologija desde
seu início, e seu artigo sobre o desenvolvimento cultural da criança
apareceu na primeira edição desse periódico (Vygotsky, 1928p). Este
artigo foi a primeira versão da principal publicação em língua ingle-
sa durante sua vida (Vygotsky, 1929s). A partir da segunda edição
da nova revista, Vygotsky passou a ser listado como um “membro
do grande conselho editorial” (Pedologija, 1928, n. 2, p. 217), com
pedólogos como M. Basov, M. Bernshtein, P. Blonsky, A. Griboedov,
A. Zalkind, A. Zaluzhnyj, S. Molozhavyj, N. Rybnikov, I. Sokoliansky,
N. Shchelovanov e outros. É digno de nota o fato de que Alexander
Luria não estava na lista dos membros desse conselho. A partir de
1929 (edições 3 e 4 da revista), o nome de Vygotsky pode ser encon-
trado na primeira página do jornal como “membro da diretoria do
conselho editorial”, onde ficou até 1931. Em contraste, o nome de
334 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Vygotsky aparece como membro do conselho editorial da revista


irmã de Pedologija, Psikhologija (também estabelecida em 1928)
apenas um ano depois, ou seja, a partir de 1930 (desde o terceiro
número). Esta ligeira assimetria de tempo não é, necessariamente,
uma coincidência. Este lapso de tempo pode ser explicado pela
mudança dos interesses de Vygotsky da psicologia para a pedologia.
Em 15 de abril de 1931, Vygotsky tornou-se professor de
pedologia no Segundo Instituto Médico de Moscou (G. L. Vygodskaja,
19 de novembro de 1988, comunicação pessoal). É mais ou menos
nesta época que seu trabalho começou a sofrer ataques por sua
suposta ligação com filósofos e psicólogos idealistas menchevistas.
Mesmo assim, seus compromissos pedológicos continuaram: perto
do final de sua vida (janeiro de 1934), ele fez uma lista de seus
cargos docentes como professor e chefe do departamento de pedologia
geral e etária do Segundo Instituto Médico de Moscou e professor e
chefe do departamento de pedologia da infância com problemas no
Instituto Pedagógico Estadual de Moscou, e mencionou que havia
sido nomeado para um cargo de professor no Instituto Pedagógico
Herzen, em Leningrado.

A pedologia de Vygotsky: o estudo do desenvolvimento

Não surpreende que Vygotsky tenha se envolvido ativamente


com a pedologia no final da década de 1920. Como fica evidente em
suas asserções sobre a natureza da pedologia, ele via nesta disciplina
a base para uma síntese das diferentes disciplinas que estudavam a
criança. Vygotsky tinha claramente seu próprio projeto no que pode-
ria ser chamado de pedologia, e esse projeto encontrou expressão em
suas palestras e aulas sobre pedologia de 1931 em diante, ministra-
das para alunos do Instituto Pedagógico de Leningrado e publicadas
depois de sua morte na forma de um pequeno livro chamado Funda-
mentos de pedologia (Vygotsky, 1935g), sob a editoria de M. A. Levina.
Depois da morte de Mikhail Basov, em outubro de 1931, o curso de
pedologia geral ficou sem professor para ministrar as aulas e foram
feitos arranjos para que Vygotsky viajasse a Leningrado para lecionar
no Instituto Pedagógico Herzen.
Sem dúvida como resultado de este ser um curso introdutório
de pedologia, as transcrições publicadas como Fundamentos de
pedologia são notavelmente claras. De fato, o texto mostra como
Vygotsky estava preocupado em deixar clara para os ouvintes sua
versão da pedologia. Ele fez uma referência explícita à dificuldade de
apresentação de suas idéias abstratas, prometendo aos alunos que
iria esclarecer essas idéias quando começassem a fazer a análise de
materiais de casos (p. ex., Vygotsky, 1935b, pp. 20).
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 335

A versão de pedologia de Vygotsky diferia da de seus contem-


porâneos. Enquanto estes faziam questão absoluta de frisar a natu-
reza “interdisciplinar” da pedologia no estudo da criança, Vygotsky
diferenciava explicitamente a pedologia das outras disciplinas, defi-
nindo-a como a ciência do desenvolvimento infantil:
Pode-se estudar doenças infantis, a patologia da infância, e isto tam-
bém seria, em certa medida, uma ciência sobre a criança. Em pedago-
gia, pode-se estudar a criação e a educação de crianças, e isto também,
em certa medida, é uma ciência da criança. Pode-se estudar a psico-
logia da criança, e isto também seria em certa medida uma ciência
sobre a criança. Portanto, precisamos especificar desde o início qual,
exatamente, é o objeto da investigação pedológica. Por esta razão, é
mais exato afirmar que a pedologia é a ciência do desenvolvimento da
criança. O desenvolvimento da criança é o objeto direto e imediato de
nossa ciência (Vygotsky, 1935b, p. 1, grifo original).

Observe que não há nenhum traço de uma ligação com qualquer


antecedente social baseado em classes, como a ortodoxia ideológica da
época sustentava. A definição de pedologia de Vygotsky dizia que ela
era, fundamentalmente, uma ciência do desenvolvimento. Seguindo
esta especificação do âmbito da pedologia, Vygotsky reconheceu ime-
diatamente que havia colocado seus estudantes diante de um novo
obstáculo à compreensão. O que, afinal de contas, é desenvolvimento?
Ele prosseguiu caracterizando sua natureza temporal (declarando que
o desenvolvimento tem “uma organização complexa no tempo”, Vygotsky,
1935g, p. 2) e fornecendo exemplos de como “o tempo de calendário”
(“idade do passaporte”) não reflete o desenvolvimento das crianças. Em
diferentes períodos do desenvolvimento infantil, unidades de tempo que
são nominalmente as mesmas (p. ex., um intervalo de um mês) são
muito diferentes em termos de desenvolvimento, de vez que incluem
diferentes “intensidades” de acontecimentos durante a vida. Assim, um
mês na idade de 15 anos pode ser um período bastante desprovido de
acontecimentos no que se refere ao desenvolvimento, ao passo que o
mesmo período durante a primeira infância pode incluir algumas reor-
ganizações relevantes que levam a criança a um nível qualitativamente
novo de funcionamento. Assim, Vygotsky enfatizava a natureza desi-
gual do desenvolvimento: ele prossegue “ciclicamente ou ritmicamente”
e, se alguém quisesse representá-lo graficamente, esta representação
não poderia ser feita com a ajuda de uma linha reta exponencial
(Vygotsky, 1935g, p. 6). Todo o desenvolvimento assume a forma de
“curvas com aspecto de ondas”, quando observamos funções específi-
cas (por exemplo, peso, fala, desenvolvimento intelectual, memória,
atenção etc.) e o desenvolvimento em geral. Para Vygotsky, esta é “a
primeira lei do desenvolvimento”: o desenvolvimento é um processo que
ocorre no tempo e prossegue de uma maneira cíclica. Ele descreveu em
seguida a “segunda lei” do desenvolvimento: que diferentes aspectos do
336 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

desenvolvimento infantil desenvolvem-se de uma maneira desigual e


não-proporcional (Vygotsky, 1935g, p. 7). Esta “segunda lei” refletia,
em essência, a aceitação por Vygotsky do princípio da heterocronia e
harmonizava-se bem com a então corrente perspectiva dinâmico-estru-
tural de questões psicológicas. Aqui, no contexto da pedologia, Vygotsky
tinha uma explicação mais sistemática para a reorganização estrutural
dos todos à medida que estes se desenvolvem de um estado para outro
estado qualitativamente novo. A estrutura da personalidade em desen-
volvimento da criança muda em cada novo período de idade, à propor-
ção que diferentes partes do sistema da personalidade assumem um
papel dominante na pessoa em desenvolvimento em diferentes idades.
Evocando a ênfase de Baldwin na unidade de evolução e de involução
(1935g, p. 11), Vygotsky descreveu a reorganização intra-sistêmica na
pessoa em desenvolvimento. A heterocronia leva à reorganização de
padrões de dominância entre partes da personalidade em diferentes
idades. Isto assume a forma da “lei da metamorfose” (Vygotsky, 1935g,
p. 12), a qual, claro, era uma outra versão da idéia de síntese dialética
que havia sido o centro da visão de Vygotsky durante toda a sua vida.
Vygotsky via a conceitualização do desenvolvimento na pedologia
em termos claramente interacionistas. Ele rejeitava todas as perspec-
tivas preformistas do desenvolvimento (1935g, pp. 14-18) e enfatizava
o processo orientado para o futuro que constrói (sintetiza) novas estru-
turas de funções psicológicas. Na história humana, o surgimento de
funções psicológicas especificamente humanas (funções psicológicas
superiores) é, obviamente, a evidência mais nítida da síntese da novi-
dade, como a teorização “histórico-cultural” de Vygotsky já havia afir-
mado antes. Porém, a aplicação dos princípios do desenvolvimento à
ontogenia é o aspecto crucial da pedologia de Vygotsky.
Ele tentou ligar o processo da síntese da novidade no desenvol-
vimento com o presente e o passado da criança em desenvolvimento
(por exemplo, “o passado tem a influência mais imediata na emergên-
cia do presente no futuro”; Vygotsky, 1935g, p. 20). Em outros
termos, as experiências passadas da criança orientam (mas não
determinam, caso contrário o desenvolvimento não criaria novidade)
o modo como as ações da criança no presente servem à construção
do “novo presente” (ou “futuro” anterior).
Vygotsky dedicou muita atenção à questão da metodologia da
pedologia. Uma aula inteira (aula 2 em Vygotsky, 1935g, pp. 21-41)
foi dedicada ao assunto da metodologia, em que sua ênfase na
estratégia analítica (“análise em unidades” em oposição à “análise
em elementos”) foi descrita com grande vigor e coerência. Na verda-
de, é em Fundamentos de pedologia (entre todos os seus textos) que
esta faceta do pensamento de Vygotsky aparece expressa de modo
mais explícito, possivelmente devido à natureza didática e oral do
texto original. Além disso, Vygotsky enfatizou a natureza holística
(chelostnyj) e “clínica” da metodologia pedológica. Ele teve o cuidado
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 337

de ressaltar que a ênfase holística da metodologia pedológica não


significava uma recusa à análise dos fenômenos em estudo; ao con-
trário, levava ao imperativo metodológico de se usar a “análise em
unidades”. Em nossos termos contemporâneos, podemos considerar
Vygotsky um precursor do fascínio atual pelos fractais, Gestalts
mínimas de que estruturas complexas são compostas.
A ênfase de Vygotsky no status normativo do “método clínico”
como o centro da pedologia como ciência do desenvolvimento merece
uma exposição cuidadosa. “Clínico” era um termo usado por Vygotsky
para fazer um contraste entre o enfoque no desenvolvimento do método
e o enfoque “sintomático”. Como Vygotsky explicou (1935g, p. 33), a
ênfase sintomática havia dominado a medicina no passado (na forma
da detecção e classificação de sintomas de pacientes, e não da doença
que esses sintomas estavam refletindo). Em contraste, o “método clí-
nico” envolvia a análise do sistema de causas fundamentais que dava
origem a um conjunto de sintomas possíveis (com freqüência aparen-
temente contraditórios). Este método é “genético-condicionado” (termo
de Kurt Lewin que Vygotsky utilizava ocasionalmente) ou “síndrome-
-analítico” (ver Luria e Artemeva, 1970) e integra uma série de tradições
do repertório de um metodologista (observação, experimento, entrevista
etc.). Assim, o “método clínico” de Vygotsky não se colocava em opo-
sição ao “experimental” ou a qualquer outro de nossos instrumentos
“científicos” contemporâneos, mas meramente refletia a necessidade de
ir além dos sintomas externos (comportamentos atomisticamente ana-
lisados) dos organismos em desenvolvimento e de reestruturar o siste-
ma causal que conduz o desenvolvimento psicológico, um processo que
é definido pela característica de construção de novidade.
Vygotsky reconhecia a grande divisão entre sua versão da pedo-
logia e a que era divulgada por outros: uma divisão causada pelas
diferentes concepções metodológicas:
A princípio, a pedologia era também uma ciência sintomática. Ela es-
tudava características externas do desenvolvimento infantil, do desen-
volvimento mental, do desenvolvimento da fala da criança; afirmava
que, neste ou naquele ano, estas e outras características surgiam na
criança. Era, como todas as ciências sintomáticas, primariamente des-
critiva, e não podia explicar por que uma ou outra característica surge
(Vygotsky, 1935g, p. 33).

Esta definição da pedologia como um estudo de “complexos de


sintomas” de crianças com que Vygotsky comparou sua visão orienta-
da para a síntese era exemplificada por Blonsky (1925b, p. 8). Assim,
de certo modo, Vygotsky adotava aqui a mesma tendência da época
que havia sido crítica a Blonsky, mas ele nunca participou dessas
campanhas altamente declaratórias. Em contraste com a descrição de
mudanças psicológicas relacionadas à idade da pedologia tradicional,
a versão de pedologia de Vygotsky era essencialmente uma ciência
338 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

desenvolvimentista interessada nos mecanismos básicos de desenvol-


vimento que poderiam proporcionar explicações satisfatórias para
mudanças relacionadas à idade. O exemplo que Vygotsky usava para
ilustrar a separação entre as análises sintomática e genético-causal era
o mesmo utilizado em conjunção com a introdução da idéia de “zona
de desenvolvimento proximal” (ver capítulo 13), ou seja, o contraste
entre o “Wunderkind” e a criança “realmente genial”. No nível de “com-
plexo de sintomas” externos, ambos os tipos de crianças parecem
comparavelmente excepcionais, embora na capacidade fundamental de
“transformar presente em futuro” os “verdadeiros gênios” possam de-
senvolver suas capacidades ainda mais com a ajuda de apoio de ins-
trução, ao passo que os “Wunderkinder” já atingiram o platô de suas
funções (supertreinadas) (1935g, pp. 35-6). É claro que Vygotsky teve
de reconhecer que o conjunto de sintomas (características externas)
que se encontra disponível serve como uma base inicial para a pedologia,
mas ele enfatizou sua convicção de que a pedologia devia mover-se do
estudo dos sintomas para o estudo de seus processos fundamentais de
desenvolvimento. Esta perspectiva sobre a pedologia como o estudo da
síntese no desenvolvimento esteve ao lado da de Basov (ver Basov,
1931, p. 18).
Na pedologia de Vygotsky, o “método clínico” no estudo do
desenvolvimento envolvia o uso da abordagem de estudo de casos
em sua versão longitudinal (1935g, p. 38). Em termos de desenvol-
vimento, a principal “condição de controle” que faz sentido é a do
estado prévio de organização da mesma criança, e não a de qualquer
outra criança (e muito menos de um grupo de crianças). É evidente
que a exclusividade dos cursos de vida individuais complica o pro-
cesso de generalização a partir dessas comparações longitudinais
nos casos, por isso Vygotsky combinava-a com a comparação entre
diferentes descrições longitudinais de desenvolvimento de casos
(1935g, p. 39). Assim, a análise longitudinal intracasos primária,
junto com as comparações longitudinais secundárias intercasos,
constitui o centro do projeto de pesquisa da pedologia de Vygotsky
como uma ciência do desenvolvimento. Embora reconhecesse o valor
do conhecimento de diferenças entre crianças (a abordagem psico-
lógico-diferencial), Vygotsky concentrava-se na abordagem desenvol-
vimentista-geral como o núcleo da pedologia como ciência.

A questão “natureza-criação”: a base pedológica da


investigação psicológica de gêmeos

Em sua análise dos processos gerais de desenvolvimento, Vygotsky


não podia ignorar a “controvérsia natureza-criação”, como é chamada
atualmente. É neste debate que Vygotsky se ocupa dos mecanismos
básicos. A pedologia, em sua opinião, está basicamente interessada
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 339

nos modos como as bases hereditárias do desenvolvimento e as expe-


riências efetivas de vida da criança se integram. Portanto, a pedologia
está interessada não nas características “estáveis” (características imu-
táveis geneticamente determinadas, como cor dos olhos, que sem dúvida
variam dentro de uma população), mas nas características hereditárias
que estão elas mesmas abertas a modificação quando expostas à ex-
periência (Vygotsky, 1935g, p. 44).
A “abertura genética” de uma subclasse de características heredi-
tárias foi um tema importante no pensamento evolutivo na Rússia na
década de 1920, seguindo a teoria da adaptação de Severtson. Esta
abordagem era difundida na pedologia (p. ex., ver Basov, 1931, capí-
tulo 2) e (em uma forma superideologizada) serviu posteriormente como
base para a “biologia” de Lysenko. No final da década de 1920, porém,
os interesses de evolucionistas, cientistas médicos e pedólogos uniram-
-se no esforço de lidar com a genética humana e com seu papel no
desenvolvimento psicológico. Um grande programa de pesquisa sobre
a investigação do desenvolvimento de gêmeos foi iniciado no Instituto
Médico-Biológico em 1929 (ver Levit, 1935), com a participação imedia-
ta de Alexander Luria e colaboração de Vygotsky.
Em uma série de estudos com gêmeos que foram conduzidos
nesse Instituto (Lebedinsky, 1932; Mirenova, 1932; Luria e Mirenova,
1936a; 1936b), os resultados indicaram que os processos psicológi-
cos superiores seriam um domínio de relativa autonomia de funções
psicológicas em relação ao controle hereditário, ao passo que, no
domínio das funções psicológicas inferiores, as características here-
ditárias pareciam ser dominantes. Vygotsky endossou esta descober-
ta da “abertura genética” das funções psicológicas superiores (1935g,
pp. 50, 52). Além disso, Vygotsky afirmou que, no processo de de-
senvolvimento, a própria relação entre fatores hereditários e da ex-
periência muda, dependendo da função específica que estiver em
estudo. Embora para muitas funções psicológicas possa-se observar
que a influência de fatores hereditários diminui com a idade, para
alguns (Vygotsky menciona as funções psicossexuais aqui) a ligação
entre os lados hereditário e da experiência pode tornar-se mais pro-
nunciada com a idade. Em geral, Vygotsky parece aplicar a idéia de
“linhas separadas” que se tornam ligadas em algum momento (idéia
emprestada de Vagner), do modo como ela é aplicada a relações
hereditário/experiência.
De fato, a seqüência de estudos de gêmeos, conduzida por Luria
e seus colegas no Instituto Médico-Biológico, forneceu a base para
a afirmação de Vygotsky de que funções psicológicas superiores são
qualitativamente diferentes de suas equivalentes “inferiores”, uma
vez que essas funções “superiores” foram unidas no desenvolvimen-
to de maneiras que “escaparam” ao controle genético que limita as
funções “inferiores”. Nesse processo, “genes” e “ambiente” operavam
340 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

não como entidades aditivas (ou separáveis), mas como opostos ine-
rentemente ligados em oposição dialética.
A série de estudos de gêmeos envolveu várias tentativas de con-
trastar funções psicológicas superiores e inferiores. No trabalho de N.
Morozova (mencionado em Luria, 1936, pp. 363-4), aproximadamente
150 pares de gêmeos mono e dizigóticos (com idade entre 6 e 14 anos)
foram estudados usando os experimentos de memória “histórico-cultu-
rais” (mediados por estímulos-meios) (semelhante a Leontiev, 1931,
1932). Uma versão mediada do experimento da memória foi contrasta-
da com a memória de reconhecimento de figuras geométricas simples
(uso de processos de memória “inferiores”). Usando os meios tradicio-
nais para estabelecer a extensão de “controle” genético sobre funções
psicológicas (diferença no coeficiente de correlação entre amostras de
gêmeos mono e dizigóticos em uma determinada função), foi mostrado
que a correlação para processos de memória inferiores no grupo
monozigótico era alta, e para os gêmeos dizigóticos era baixa. Este
resultado foi considerado como uma prova da ligação das funções
elementares de memória com o “controle genético”. Ao mesmo tempo,
para as tarefas de memória mediada, a diferença entre os coeficientes
de correlação de grupos mono e dizigóticos ficou ausente, o que indi-
cava a relativa independência da forma superior de memorização em
relação ao “controle genético” direto.
É interessante observar aqui que Luria (assim como Vygotsky)
defendeu a “liberdade relativa” das funções psicológicas superiores em
relação ao “controle genético”, e isto constitui uma mistura interessante
de metodologia de pesquisa tradicional (comparação de correlações) e
da perspectiva dialética no que concerne à relação gene-ambiente. Se
hereditariedade e ambiente são dois lados opostos do mesmo todo em
desenvolvimento dialético, então, em princípio, é impossível especificar
se um ou outro dos dois opostos estava, de alguma forma quantitativa-
mente mensurável, “mais” ou “menos” no controle da função específica.
Porém, é exatamente essa estimativa quantitativa que foi usada por
Luria e Vygotsky para demonstrar a unidade de genes e ambiente. Em
resumo, Vygotsky não conseguiu aplicar seu esquema dialético de sín-
tese à genética humana.
Em vez disso, a questão empírica relevante enfatizada por Vygotsky
e Luria nos estudos de gêmeos foi a diferença ligada à idade no impacto
relativo tradicionalmente medido de genes-ambiente sobre diferentes
funções psicológicas. Assim, Luria (1936, pp. 365-6) reportou que,
entre 12 e 14 anos, os papéis relativos de genótipo e ambiente alteram-
se, uma vez que as crianças utilizam funções psicológicas mediadas, ao
passo que, em idades menores (cinco a sete anos), a memorização
mediada não foi demonstrada, o que estava de acordo com a demons-
tração da dominância do genótipo sobre o ambiente do modo como foi
medida por meio da técnica de correlação-comparação.
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 341

No final de 1932 (e começo de 1933), as investigações das funções


psicológicas em gêmeos voltaram-se a um novo domínio que se ade-
quava mais especificamente aos interesses de Vygotsky. A pesquisa
agora voltou-se para o ensino seletivo a cada um de dois gêmeos
monozigóticos de diferentes estratégias de resolução de problemas,
seguido pelo estudo de ambos os gêmeos durante um período de tempo
mais longo. Luria e Mirenova (1936a) ensinaram a cinco pares de
gêmeos de cinco a seis anos de idade técnicas de construção, para que
eles reconstruíssem um modelo visual a partir de blocos colocados à
sua disposição. Dois tipos de capacidades — baseadas em unidades
holísticas (M) e reconstrução por elementos (E) — foram ensinados aos
gêmeos durante dois meses e meio. Seis meses depois do início da
aprendizagem, os gêmeos foram testados no que diz respeito às suas
maneiras de solucionar os problemas de construção. Em três pares, o
gêmeo que havia aprendido a tarefa de reconstrução de acordo com a
estratégia holística (modelo) demonstrou ter aprendido essa estratégia,
ao passo que os gêmeos de controle desses três pares demonstraram
um uso de uma estratégia de construção baseada em elementos. Os
dois tipos de estratégias envolviam um papel diferente em relação à
atividade cognitiva interna. O primeiro tipo (M) levava a um planeja-
mento antes da ação, enquanto o segundo (E) implicava uma aborda-
gem externa e direta de tentativa e erro. Repetindo o teste com os três
pares de gêmeos (os outros dois pares não apresentaram um efeito de
aprendizagem suficiente nesta época e, por isso, foram deixados de
fora) um ano depois (outono de 1934), Luria e Mirenova (1936a) des-
cobriram que uma preservação notável da estratégia “superior” (cons-
trução planejada com base no modelo holístico) havia sido mantida.
Sua conclusão final foi caracteristicamente expressa em termos da
idéia de Vygotsky do desenvolvimento de novas funções: no processo
de ensino/aprendizagem, novas capacidades podem ser desenvolvidas,
as quais levam ao surgimento de operações psicológicas qualitativamente
novas. À medida que a criança vai se desenvolvendo (sem que a capa-
cidade específica volte a ser treinada), essa capacidade pode desaparecer
aos poucos, mas a operação psicológica (por exemplo, orientação para
o planejamento quando se resolve um problema) permanece e é apli-
cável a outras tarefas (Luria e Mirenova, 1936a, p. 504). A síntese
qualitativa de operações psicológicas com base em capacidades que
surgem na experiência entre indivíduos (ensino/aprendizagem) perma-
nece como um mecanismo “adquirido” para o controle de outros
processos psicológicos.

A natureza do “ambiente” na pedologia de Vygotsky

Como no trabalho de outros pedólogos da época (Basov,


Molozhavyj etc.), a natureza do ambiente ocupava um lugar central-
342 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

mente relevante na pedologia de Vygotsky. Ele dedicou uma aula


inteira a este assunto (aula 4, em Vygotsky, 1935g, pp. 58-78).
Nessa aula, Vygotsky integrou os principais aspectos de sua teoria
histórico-cultural (por exemplo, unidades de análise como todos
mínimos estruturados, significados como unidades de análise, de-
senvolvimento como co-produzido por organismo e ambiente ativos,
a primazia da experiência social sobre o desenvolvimento psicológico
individual) com a idéia de organização estruturada do ambiente que
estava presente no pensamento dos pedólogos de uma maneira geral
(p. ex., Basov, 1931, pp. 74-5). De acordo com Vygotsky, a pedologia
estuda a estrutura ambiental da maneira como esta se relaciona
com a organização psicológica da criança em desenvolvimento, e não
está interessada no ambiente da forma como ele existe em si. É essa
ênfase relacional que domina qualquer estudo de desenvolvimento:
a estrutura externa do ambiente (a fala que é usada por membros
da família, por exemplo) pode ser constante, mas o modo como
diferentes crianças de diferentes idades relacionam-se com esse
ambiente (por exemplo, crianças de seis meses, três anos e dez anos
de idade) difere de forma notável. Se o bebê está apenas começando
a encontrar sentido no curioso mundo da fala que o cerca, a criança
de dez anos já é um participante ativo do discurso da família, com
uma relação (significativa) muito diferente com o ambiente da fala
do que pode ser observado em seus irmãos menores. Vygotsky (se-
guindo as idéias de William Stern; ver Kreppner, Valsiner e Van der
Veer, a ser publicado) enfatizava a experiência pessoal (perezhivanie)
da criança com a estrutura ambiental. Ele ilustrou a ênfase diferen-
cial que experiências de crianças de idades diversas recebem, com
um exemplo de um caso clínico de uma mãe alcoólatra e seus três
filhos:
As condições externas nesta família são as mesmas para as três crian-
ças. A essência da situação é muito simples. A mãe é alcoólatra e
parece sofrer por causa disso de alguma perturbação nervosa e psico-
lógica. Isto cria uma situação extremamente difícil para as crianças.
Em uma ocasião, a mãe, enquanto estava sob a influência da bebida,
tentou atirar uma das crianças pela janela, bateu nos filhos e jogou-os
no chão. Em resumo, as crianças vivem sob condições assustadoras,
em um estado de medo. As três crianças nos foram trazidas [na clínica].
Cada uma delas apresenta um quadro bastante diferente de desenvol-
vimento perturbado, em resposta à mesma situação de vida... No me-
nino mais novo, encontramos o padrão que é característico em tais
casos para filhos mais novos. Ele reage à situação de forma neurótica,
ou seja, defensivamente. Está horrorizado com o que está acontecendo.
Em conseqüência disso desenvolve medos; enurese e gagueira são
manifestações desses medos e, às vezes, ele simplesmente permanece
em silêncio; ele perde a voz. Em outras palavras, a criança está profun-
damente acuada, dominada por uma sensação de impotência. No se-
gundo filho, surge um caso extremamente tortuoso... um estado de...
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 343

conflito interior; este é um estado freqüente em casos em que a criança


desenvolve relações afetivas contraditórias em relação à mãe... uma
relação ambivalente. Por um lado, a mãe é objeto de forte ligação para
a criança, mas, por outro, a mãe é fonte de todos os tipos de medos,
das impressões mais difíceis que a criança vivencia... Por fim, o tercei-
ro, o filho mais velho, revelou um padrão completamente inesperado.
Mostrou-se uma criança que não era muito inteligente, bastante tímido,
mas que, ao mesmo tempo que manifestava estas características, apre-
sentava sinais de algum tipo de maturidade precoce, seriedade precoce,
preocupação precoce. Ele já compreendia a situação. Compreendia que
a mãe estava doente e sentia por ela. Via que seus irmãos mais novos
ficavam em situação de risco quando sua mãe tinha seus ataques de
fúria. Ele assumia um papel especial. Tinha que colocar a mãe na cama,
cuidar para que ela não machucasse as crianças menores e confortar
seus irmãos. Sobrou para ele ser o maduro da família, aquele que carrega
a responsabilidade de cuidar dos demais. Como resultado, o curso de
todo o seu desenvolvimento foi alterado. Ele não tinha a agitação típica
das crianças, com interesses e atividades vivos e simples. Era uma
criança que havia mudado drasticamente em seu desenvolvimento, uma
criança de um tipo muito diferente (Vygotsky, 1935g, pp. 60-2).

Da fato, a ênfase na “atividade” da pedologia de Vygotsky está


presente neste exemplo: as diferentes relações de crianças de idades
diferentes dentro da mesma estrutura sócio-ambiental dependem
dos papéis que as crianças têm que desempenhar nela. Porém, para
Vygotsky, a relevância da interação com o ambiente estruturado era
a utilização desta última como o recurso para as experiências de
vida e significados psíquicos da criança, que eram vistos como a
intrincada ligação que ligava a criança em desenvolvimento e o
ambiente em uma relação mútua. Isto esclarece a visão de Vygotsky
sobre como a pedologia estuda o ambiente em sua relação com a
ação, experiência e desenvolvimento da criança. É a experiência
(perezhivanie) que a criança tem do ambiente, organizada pelo uso
de significados (o “estímulo-meio” socialmente construído), que cons-
titui a essência do estudo do ambiente para o sistema pedológico de
Vygotsky. É claro que o processo de generalização que está envol-
vido na construção de significado (osmyslivanie) de qualquer expe-
riência pessoal específica com uma estrutura ambiental tem a pro-
pensão de preparar a criança em desenvolvimento para confronta-
ções futuras com diferentes ambientes. De acordo com Vygotsky,
O ambiente tem uma ou outra influência sobre o desenvolvimento da
criança que difere em diversas idades, porque a própria criança muda
e sua relação com a dada situação também muda. O ambiente tem essa
influência... através das experiências da criança, ou seja, dependendo
de como a criança trabalhou em si mesma a relação interna com res-
peito ao tom ou qualquer outro aspecto de uma ou outra situação do
ambiente. O ambiente define um ou outro desenvolvimento dependendo
do nível de significado [stepen’ osmyslenija] que a criança reuniu para
esse determinado ambiente (Vygotsky, 1935g, p. 68).
344 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Assim, é a experiência pessoalmente significativa que surge na


relação criança-ambiente e orienta o prosseguimento do processo de
desenvolvimento. Aqui, Vygotsky ligou esta teoria à básica “lei de socio-
gênese” proposta por Baldwin e Janet (Van der Veer e Valsiner, 1988):
as funções psicológicas superiores surgem primeiro no comportamento
coletivo da criança, na forma de cooperação com os outros, e só depois
torna-se internalizada como funções internas da criança (Vygotsky,
1935g, p. 77). Porém, Vygotsky não apresentou essa “cooperação com
os outros” tendo em mente a primazia de colaboradores iguais. Em vez
disso, Vygotsky considerou a relação assimétrica na cooperação entre
a criança em desenvolvimento e o seu ambiente social como sendo o
caso normativo. O ambiente social da criança inclui uma variedade de
“formas ideais” do produto acabado do desenvolvimento (formas adul-
tas), e a criança em desenvolvimento recua diante da falta da posse
dessas formas. Essas “formas ideais” orientam as experiências da criança
com o mundo social, ou seja, sua “cooperação” com os outros, e
direcionam a construção de significados pela criança em sua relação
com o mundo. Vygotsky ressaltou os perigos para o desenvolvimento
em casos nos quais essas “formas ideais” não estejam presentes (por
exemplo, no caso de crianças surdas de pais com audição normal) ou
não sejam facilmente acessíveis (como em situações de grupos de mesma
faixa de idade em que o grupo de crianças é deixado em “cooperação”
sem a supervisão de um adulto). Este último caso foi descrito por
Vygotsky quando ele comparou crianças que passavam o dia em cre-
ches com crianças criadas dentro de famílias. Dado o grande número
de crianças sob os cuidados de cada adulto responsável em uma cre-
che, a acessibilidade a “formas ideais” de fala adulta seria menor do
que nas condições do lar.
A forte crença de Vygotsky na relevância de relações assimétricas
entre o “mundo social” (cheio de ocorrências das “formas ideais”) e
a criança em desenvolvimento é elaborada quando ele fornece um
exemplo hipotético de desenvolvimento de linguagem em crianças
surdas-mudas:
Ao se estudar uma criança surda-muda, parece que o desenvolvimento
da fala dessa criança irá prosseguir ao longo de duas linhas diferentes,
dependendo de a criança surda-muda estar isolada na família ou de
estar se desenvolvendo junto com outras crianças surdas-mudas. In-
vestigações mostram que as crianças surdas-mudas desenvolvem seu
próprio tipo de fala, mímica, linguagem de gestos, que é muito rica em
seu desenvolvimento. A criança desenvolve uma linguagem alternativa.
As crianças juntas em cooperação, em sociedade, criam essa lingua-
gem. Mas podemos comparar o desenvolvimento dessa linguagem de
gestos com o desenvolvimento da linguagem que ocorre em interação
com formas ideais? É claro que não. Isto significa que, se tivermos um
caso onde a forma ideal está ausente do ambiente, e só tivermos o caso
em que as formas iniciais (nachal’nyie formy) interajam umas com as
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 345

outras, então o desenvolvimento tem uma natureza muito limitada,


comprimida e empobrecida (Vygotsky, 1935g, p. 73).

Vygotsky pode ter sido influenciado em sua avaliação compara-


tiva da relevância de “formas ideais” e “formas-base” por alguns
dados de McCarthy (1930, pp. 62-3), que mostrou que crianças
normais que vivenciavam ambientes de fala de adultos geralmente
produziam amostras de fala mais longas para um investigador (adulto)
do que crianças que estavam associadas com outras crianças, ou
iguais. Em outro trabalho relevante (ver capítulo 13), Vygotsky cre-
ditou a McCarthy a demonstração empírica do papel de “outros
sociais” mais experientes no desenvolvimento individual. De uma
forma mais definitiva, essa idéia de o desenvolvimento da linguagem
estar ligado a “formas ideais” no ambiente foi corroborada pelo tra-
balho de Luria e Judovich (1956). Esse trabalho foi feito com base
em terapia de linguagem com gêmeos que haviam recebido uma
atenção mínima dos pais e tinham desenvolvido seu próprio sistema
idiossincrático de comunicação que funcionava bem em seu próprio
ambiente partilhado, mas demonstravam um grande atraso no de-
senvolvimento da linguagem adulta. Separando os gêmeos um do
outro e colocando cada um deles em uma situação de necessidade
de interação (em sessões de terapia) com um adulto, o atraso no
desenvolvimento da linguagem verbal foi superado de forma bas-
tante eficiente.
Em suma, a versão de pedologia de Vygotsky unia diversos
postulados de sua teoria histórico-cultural com a perspectiva dinâ-
mica interacionista do ambiente que estava se desenvolvendo na
pedologia da URSS da época. A principal característica distintiva de
toda a pedologia soviética da época, em contraste com suas equiva-
lentes européia e norte-americana anteriores, era a ênfase na orga-
nização social do ambiente da criança em desenvolvimento (Rybnikov,
1928, p. 5; Zalkind, 1930c, p. 22). É claro que, como mostramos
acima, com a “grande divisão” da pedologia em 1931-2, o ambiente
ficou definido na pedologia soviética como um ambiente de classes.
Em suas aulas, Vygotsky ignorou em grande parte essa ênfase ideo-
lógica e permaneceu fiel à sua própria teoria do desenvolvimento.
Ele combinou essa teoria com o papel ativo da criança em desenvol-
vimento — o “ator-no-ambiente” (dejatel’ v srede; a terminologia é de
Basov) — no domínio (caracteristicamente vygotskyano) da atividade
semiótica (construção e uso de signos). Neste aspecto, a pedologia
de Vygotsky derivou de sua perspectiva histórico-cultural e do fato
de suas teorias educacionais terem sido catalisadas por sua aceita-
ção da “forma ideal” que estava presente à sua volta (a da criação
do “novo homem socialista”), enquanto o conceito de ambiente “ba-
seado em classes” foi rejeitado.
346 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Raízes da pedologia de Vygotsky: do “estudo da criança”


a uma ciência do desenvolvimento

Fundamentos de pedologia de Vygotsky constituiu o ponto final


(publicado) do desenvolvimento de suas concepções nesta disciplina.
Como no caso de muitos dos textos orais de Vygotsky, as aulas
publicadas nesse livro eram altamente controversas, porém mal fun-
damentadas com dados. O trabalho editorial nesses textos de aulas
não melhorou a inadequação de suas referências, ainda mais por-
que, na época em que o livro apareceu (1935), todo o movimento da
pedologia na URSS estava se aproximando de sua extinção, ou seja,
o decreto de 1936. Outros escritos pedológicos anteriores de Vygotsky,
como Pedologia na idade escolar (1928t), foram usados para criticar
ativamente suas idéias supostamente “burguesas” e “idealistas” que
eram vistas como uma escravidão ao pensamento ocidental (Feofanov,
1932). Sem dúvida, sob essas condições, acrescentar referências
adequadas à versão publicada das aulas orais poderia ter posto em
risco o destino do livro, que visava a ser um recurso didático para
uso no Instituto Pedagógico de Leningrado.
Assim, para acompanhar o desenvolvimento da versão de pedo-
logia de Vygotsky como uma ciência do desenvolvimento, precisamos
voltar-nos para seus escritos pedológicos anteriores, todos os quais
eram auxílios didáticos para alunos externos (Vygotsky, 1928t; 1929n;
1930p; 1931h) ou apresentações instigantes sobre pedologia e seus
problemas organizacionais (Vygotsky, 1929i; 1929j; 1931a; 1931b;
1931c; 1931d; 1933d/1935). O débito de Vygotsky para com as
tradições do “estudo da criança” (G. S. Hall etc.), “pedagogia expe-
rimental” (E. Meumann) e a pedologia russa contemporânea (P.
Blonsky, A. Zalkind, M. Basov) então torna-se claro. Em sua manei-
ra característica, Vygotsky não seguiu nenhuma dessas autorida-
des, mas fez uso de idéias de todos eles, ligando essas idéias com
princípios tirados do pensamento evolutivo (Baldwin, Severtson,
Vagner) e da psicologia infantil (W. Stern, Piaget).
A primeira parte de A pedologia do adolescente de Vygotsky (Vygots-
ky, 1929p) pode ser vista como um bom exemplo de um predecessor
de suas aulas posteriores em Leningrado, publicadas como Fundamen-
tos de pedologia. Tinha basicamente a mesma estrutura composicional
(o que não é surpresa, visto que ambos os livros eram voltados para
estudantes como recursos didáticos), prosseguindo da definição de
pedologia para sua metodologia e, depois, para a descrição dos prin-
cipais estágios do desenvolvimento infantil. É interessante que, em
1929, a pedologia não fosse ainda definida objetivamente como uma
ciência do desenvolvimento. Vygotsky fez uso da definição tradicional
da disciplina como uma “ciência da criança”, especificando que o as-
pecto principal e primordial do estudo da criança é o do desenvolvi-
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 347

mento, cujas “principais características” precisamos estudar (Vygotsky,


1929p, p. 3). A natureza cíclica e não-linear do desenvolvimento foi
mencionada, mas não elaborada (compare Vygotsky, 1929p, pp. 5-6 e
1935g, pp. 2-8); a importância do princípio da metamorfose foi
esclarecida, junto com a ênfase na epistemologia evolutiva (Baldwin) e
o princípio da convergência de Stern (Vygotsky, 1929p, pp. 6-7). Vygotsky
enfatizou a necessidade de conceitualizar o desenvolvimento como uma
transformação qualitativa que ocorre sobre uma base de acumulações
quantitativas e defendeu a unidade dos lados biológico e social do
desenvolvimento. Neste aspecto, Vygotsky parece ter ficado fascinado
com uma idéia utópica um tanto poética de Zalkind (1927a), tendo-o
citado dentro do tema sobre como o futuro é construído no presente:
O desenvolvimento histórico do tipo humano é baseado nas funções do
córtex. Todo esse desenvolvimento, mediado do exterior, como todo o
desenvolvimento psicológico e cultural da criança, é igualmente deter-
minado de fora pelo ambiente social, é realizado em sua maior parte no
córtex e via córtex. “A possibilidade cada vez maior de mediação cortical
da fisiologia humana é, no fim, de grande importância como um fator
progenerativo.” A história, ao mudar o tipo humano, depende do córtex;
o novo homem socialista será criado através do córtex; o modo de
criação é, em geral, uma influência sobre o córtex. Zalkind criou uma
formulação brilhante que expressa o significado do córtex. “O córtex
tem um caminho conjunto com o socialismo, e o socialismo com o
córtex.” É por isso que, na pedologia marxista, a primazia da mediação
social do desenvolvimento da personalidade inclui o papel do córtex no
desenvolvimento como sua principal questão. Se o córtex tem o papel
central no desenvolvimento infantil, então é exatamente o grau de desen-
volvimento do sistema nervoso central que deve ser a base de divisão da
infância em estágios distintos. “O sistema nervoso central é o principal
fator que produz, a partir dos estímulos do ambiente social, o futuro de
todo o organismo”, diz Zalkind. Esta característica [isto é, a relevância do
SNC] tem um “significado não restaurativo, mas progenerativo”. Ele [o
córtex] é um verdadeiro transportador, ou, em outras palavras, um “órgão
de desenvolvimento” especial (Vygotsky, 1929p, p. 14).

Este apoio um tanto ingênuo de Vygotsky em Zalkind não é


surpreendente. Zalkind foi um dos organizadores mais ativos das
disciplinas psiconeurológicas na URSS durante toda a década de
1920. Além de suas importantes funções organizacionais, ele tam-
bém participou da reconstrução marxista das ciências sociais. Os
contatos de Vygotsky com Zalkind devem ter sido bastante constan-
tes no dia-a-dia, uma vez que ambos estiveram ligados ao laborató-
rio de psicologia da Academia de Educação Comunista na última
metade da década de 1920 (ver “Spisok...”, 1929, p. 409).
Um exame atento dessa sanção a Zalkind também combina vários
aspectos de interdependência intelectual. Em primeiro lugar, a teoria
posterior de Vygotsky de que o papel de geração do futuro do estado
348 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

presente de desenvolvimento originava-se diretamente de uma crença


utópica socialista da década de 1920 é sugerida pela primeira vez aqui.
Em segundo lugar, os interesses psiconeurológicos posteriores de
Vygotsky e Luria, especialmente o estudo do papel de partes superiores
do cérebro na organização da estrutura das funções psicológicas, são
refletidos no fascínio utópico socialista pelo córtex. O trabalho anterior
de Vygotsky sobre o “princípio do dominante” em meados da década de
1920 serviu como outra base desse interesse.
O discurso de Vygotsky sobre a metodologia da pedologia, em
1929, revela uma semelhante riqueza de fontes para o desenvolvimento
de suas teorias. Primeiro, ele deu prosseguimento ao tema da “crise”
que havia sido seu tópico central alguns anos antes (ver capítulo 7),
declarando que a “pedologia está hoje, especialmente em nosso país,
enfrentando uma crise das mais sérias” (Vygotsky, 1929p, p. 19). Nessa
época, ele tinha em mente a crise da combinação eclética do conheci-
mento de diferentes disciplinas que estudam as crianças. Ele via a
síntese de conhecimentos, e não a acumulação de “dados” de diferentes
disciplinas, como o meio de resolver a crise. Nessa busca de uma sínte-
se na pedologia, Vygotsky defendeu que a metodologia da pedologia fosse
reconstruída com uma base dialética. Isto está implícito em sua defesa
do estudo de processos de desenvolvimento, aplicado de um modo dinâ-
mico-estrutural. Voltando-se para os métodos, Vygotsky aconselhou que
se utilizasse as técnicas de observação empírica de M. Basov e S. Molozhavyj,
o “experimento natural” de A. Lazursky e, igualmente importante, o
método de entrevistas clínicas de Jean Piaget. Tendo afirmado que o
estudo da dinâmica do desenvolvimento e da dialética era a única base
para uma pedologia científica, ele declarou mais tarde que “a pedologia
está baseada na lei de grandes números” (Vygotsky, 1929p, p. 33).

A filosofia dialética na pedologia: S. Molozhavyj

Enquanto a versão de pedologia de Vygotsky ainda não havia se


cristalizado em sua forma final, nos últimos anos da década de 1920,
outros pedólogos soviéticos foram rápidos em fazer da pedologia sovié-
tica uma disciplina marxista específica. O trabalho de S. Molozhavyj é
particularmente relevante neste aspecto, já que seus textos (Molozhavyj,
1928a, 1928b, 1929, 1930a, 1930b) foram os precursores das teorias
do próprio Vygotsky. Molozhavyj também precedeu Vygotsky ao tornar-
-se o alvo preferencial das críticas ideológicas levantadas contra todos
os principais pedólogos em 1931-2.
Os esforços de Molozhavyj para tornar a pedologia dialética
constituíam uma síntese dos princípios dialéticos de Engels e do
pensamento evolutivo biológico que estava sendo amplamente discu-
tido na URSS nessa época (p. ex., Agol, 1928; Serebrovsky, 1928; e
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 349

outros). Molozhavyj defendia os processos de equilíbrio (como nos-


sos leitores contemporâneos já estão familiarizados, segundo Piaget)
e desequilíbrio, em conjunção com a idéia de holismo estrutural no
desenvolvimento: “Todo processo acaba sendo resolvido de uma
maneira que leva [o organismo] à restauração do equilíbrio em sua
forma estrutural anterior ou à destruição, mudança estrutural, re-
organização, reagrupamento, resultando em um novo tipo de cone-
xões, uma nova coordenação que entra no sistema de momentos
elementares” (Molozhavyj, 1928a, p. 229).
Uma vez que qualquer desenvolvimento é possível por meio de
uma interação organismo-ambiente, Molozhavyj formulou o que pode-
ria ser chamado de (mais uma) versão original da “teoria da atividade”
soviética (independente da tradição Lazursky-Basov, mas precedendo a
de Leontiev e da Escola de Kharkov na década de 1930). A abundância
de teorias da atividade no pensamento científico da União Soviética não
é surpreendente, uma vez que tais teorias podiam emergir precisamen-
te na intersecção dos complexos de pensamento evolutivo e dialético
(de Hegel a Engels). Molozhavyj definiu a pedologia de um modo muito
próximo da ênfase desenvolvimentista que Vygotsky daria a essa dis-
ciplina um pouco depois:
A ciência da criança é a ciência dos processos de desenvolvimento,
a ciência da formação de novos mecanismos que estão se tornando
mais complexos [vyrabotka novykh usloznjajushchikhsja mekhanizmov]
sob a influência de novos fatores; [uma ciência da] quebra, reorganiza-
ção, [e] transformação de funções e substâncias materiais que estão por
trás desses mecanismos, sob condições de crescimento do organismo
da criança. Os avanços de todas as ciências ligadas que abrem para
nós o processo da vida, seus mecanismos e fatores em formas simples
e complexas, preparam o caminho para o entendimento da genética e
formação do homem. Porém, a ciência da criança, como uma ciência
teórica independente, deve desenvolver-se com base na investigação
dialética de processos específicos da formação da criança (Molozhavyj,
1928a, p. 231).

Molozhavyj prosseguiu enfatizando a abordagem na plasticidade


da base biológica de todo desenvolvimento. A plasticidade faz com que
seja possível o desenvolvimento levar à formação de novas formas
estruturais. O surgimento de mecanismos psicológicos qualitativamen-
te novos regula as relações do organismo com seu ambiente. De acordo
com Molozhavyj, o desenvolvimento infantil é caracterizado pelo surgi-
mento de novos mecanismos adaptativos como resultado do desequi-
líbrio, e não por um retorno equilibrador ao estado anterior do orga-
nismo. É o ambiente que desempenha o papel principal para tirar do
equilíbrio a criança em crescimento quando as mudanças mais impor-
tantes ocorrem (por exemplo, como no caso da transição do ambiente
intra-uterino para o extra-uterino). Porém, os processos que são desen-
350 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

cadeados pela nova estrutura ambiental não são meramente passivo-


-adaptativos, mas dialéticos em suas relações de oposição dentro da
criança, e entre a criança e a estrutura do ambiente. Neste aspecto,
Molozhavyj criticou a teoria evolutiva de Darwin por sua essência não-
-dialética, uma vez que este reconhece uma mudança gradual por meio
de adaptação, e não por mudanças descontínuas que estão além das
necessidades imediatas de adaptação e originam-se dos conflitos de
opostos (1928, p. 234). Para consolidar seus argumentos, Molozhavyj
fez uso da reflexologia genética para demonstrar a seqüência ontogênica
da adaptação da criança à estrutura cambiante do ambiente.
Evidentemente, era a utopia social comunista que servia de estru-
tura ambiental para as teorias de Molozhavyj e seus colegas sobre o
desenvolvimento infantil como um processo dialético guiado pela estru-
tura do ambiente (Molozhavyj, 1930c). Molozhavyj refere-se à necessi-
dade de criar um “novo homem” (1930c, p. 239; também Molozhavyj,
1930b, p. 329; Molozhavyj e Molozhavaja, 1926, pp. 4-7) e, claro, o
cenário para essa tarefa aplicada que emerge de sua visão dialética da
pedologia está de acordo com essa meta: reorganizando a estrutura do
ambiente da criança em desenvolvimento, os educadores podem orien-
tar a criança para a síntese de funções psicológicas qualitativamente
novas. A primazia do ambiente social é, assim, o dado inicial de qual-
quer sistema educacional que tente fazer uso da plasticidade do desen-
volvimento, enquanto uma ênfase no “predeterminismo genético” da
ontogenia adapta-se a sistemas educacionais que têm receio de ter
controle sobre a mente das crianças.
O principal trabalho empírico de Molozhavyj na área da pedologia
data de 1926, e boa parte dele concentra-se no estudo de brincadeiras
(os resultados desse programa de estudo foram publicados como Molozhavyj,
1929) e expressividade geral (Molozhavyj e Molozhavaja, 1930) de
crianças em idade pré-escolar. Ele trabalhava paralelamente a
Vygotsky e Luria na Academia de Educação Comunista, dirigindo
a Seção de Pré-Escola da Academia. O tema central do trabalho de
Molozhavyj pode ser visto pela perspectiva holística (estrutural) do
funcionamento de coletividades sociais infantis (Molozhavyj, 1930d;
Molozhavyj e Shimkevich, 1926; Molozhavyj e Molozhavaja, 1926).
Usando basicamente observações naturalistas e técnicas de experi-
mentos naturais, os quais, no contexto de jardins-de-infância e gru-
pos de jovens pioneiros, eram métodos bastante aplicáveis, Molozhavyj
(por exemplo, ver Molozhavyj, 1929, pp. 12-15) analisou o processo
educacional coletivo em que o adulto (professor) pode organizar as
atividades do grupo (coletividade) de crianças de maneiras que levas-
sem ao cumprimento de metas pedagógicas (por exemplo, perseve-
rança e interesse no trabalho).
Torna-se óbvio que a tendência geral de construir a pedologia
em uma base marxista no final da década de 1920 era amplamente
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 351

discutida na comunidade pedológica. Vygotsky não era o único que


procurava desenvolver a pedologia como uma ciência do desenvolvi-
mento dialético da criança.

O desenvolvimento das idéias pedológicas de Vygotsky

Podemos situar os anos formativos do desenvolvimento por Vygotsky


de sua própria versão da pedologia aproximadamente entre 1929 e
1931. Durante esse tempo, uma série de comitês de planejamento
foram formados para definir planos organizacionais para o desenvolvi-
mento da pedologia na URSS (ver Pedologija, 1929, n. 3). A participa-
ção de Vygotsky no trabalho do comitê de cinco membros que criou um
plano organizacional para a pedologia da “infância difícil” foi substan-
cial (ver Vygotsky, 1929j). Ele (e todo o comitê) enfatizou a necessidade
de manter a pesquisa de “infância difícil” dentro do quadro de referên-
cia da pesquisa pedológica geral e distante do ecletismo da pesquisa
empírica e da “anarquia pedagógica” (1929j, p. 334). Quatro critérios
foram estabelecidos como base da pesquisa da “infância difícil” (assim
como da defectologia ou “pedagogia curadora”; Lechebnaja pedagogika):
(1) o pensamento marxista como a base da pedologia, (2) a ênfase na
mediação social do desenvolvimento de crianças “difíceis”, (3) o estudo
da dinâmica do desenvolvimento de crianças “difíceis”, e (4) a ligação
entre a pesquisa pedológica e o desenvolvimento de estabelecimentos
escolares e educacionais soviéticos para crianças “difíceis” (Vygotsky,
1929j, p. 336). Os critérios (1)-(3) estavam de acordo com a teorização
“histórico-cultural” de Vygotsky (ver o capítulo 9).
Vygotsky também participou do trabalho de outro comitê na organi-
zação da pedologia de “minorias nacionais” (natsmen). Neste, sua visão
de mundo euro-russocêntrica, fortificada pela aceitação da idéia da re-
construção socialista como um processo social progressivo, encontrou
sua clara expressão. Vygotsky de fato considerava que as culturas não-
-russas dentro da URSS estavam em um nível inferior em seu desen-
volvimento histórico e expressava o sentimento de que a construção da
“nova sociedade” abria novas possibilidades de desenvolvimento para
elas (ver capítulo 9). Ele defendia a reeducação das crianças das “mi-
norias nacionais”, uma vez que este poderia ser o mecanismo de
mudança cultural em geral (Vygotsky, 1929i, pp. 367-8). Em conso-
nância com a ênfase dialética no estudo de processos de desenvolvi-
mento, Vygotsky expressava fortes reservas quanto à transferência de
testes psicológicos infantis ocidentais (e seus padrões normativos) para
o domínio da investigação pedológica de crianças de “minorias nacio-
nais” na URSS. Porém, ele não foi coerente em sua avaliação do uso
de testes, afirmando que investigações em massa poderiam levar ao
estabelecimento de normas para testes no contexto soviético. Neste
aspecto, Vygotsky estava um vez mais misturando ecleticamente tradi-
352 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

ções do “velho” movimento do estudo da criança com seu próprio


planejamento (emergente) da pedologia geral como o estudo dos proces-
sos de desenvolvimento da criança. Esta abordagem posterior teve seu
lugar no “plano para a pedologia das natsmen” na forma do estudo da
estrutura do ambiente da criança em desenvolvimento. Esse ambiente
determina principalmente os meios de pensamento e comportamento
com que a criança é equipada no processo de seu desenvolvimento. Ele
[o ambiente] define, em geral, essas possibilidades de exercício e desen-
volvimento, que são encontradas por seus [da criança] instintos here-
ditários. Por exemplo, em nacionalidades islâmicas entre as quais,
durante séculos, qualquer tipo de atividade gráfica ou desenhos foram
proibidos, é evidente que, nas crianças dessas nacionalidades, seria
impossível esperar qualquer tipo de desenvolvimento amplo da função
gráfica [desenho] que é tão característica de crianças em idade pré-
-escolar em todos os países europeus. Pessoas que nunca viram um
lápis ficam para trás na área do discurso escrito. Como se sabe, a
principal exigência metodológica prescrita para nossos testes é a neces-
sidade de que eles estudem independentemente as capacidades das
formas especiais de exercícios, as formas e os graus mais gerais e
distribuídos de exercício, no dado ambiente. Mas precisamos dizer de
início: o estágio específico do desenvolvimento cultural de um povo
como um todo e a forma nacional específica desse desenvolvimento dão
origem a uma estrutura totalmente diferente de todo o campo de ins-
tintos hereditários, desenvolvendo alguns, erradicando outros e, assim,
dando origem a um tipo psicológico-social especial de criança (Vygotsky,
1929i, pp. 375-6).

Aqui, o uso tradicional (diagnóstico) de testes psicológicos infantis


é contrastado com a necessidade de um estudo básico dos processos
que organizam o desenvolvimento cultural das crianças em seus con-
textos ambientais nacionais. O uso de testes não é aplicável ao estudo
desses processos, uma vez que os testes meramente “diagnosticam” a
condição da criança, com a pressuposição de estar levando em conta
algumas condições gerais indiferenciadas do ambiente, o qual conside-
ra-se que tenha um “efeito” uniforme sobre as crianças. Em contraste,
Vygotsky afirmou que um ambiente culturalmente estruturado cria um
“campo de exercitabilidade” para os “precursores hereditários” do de-
senvolvimento da criança. Esta idéia foi o primeiro argumento tosca-
mente formulado em favor da necessidade de se estudar as funções
psicológicas cuja base hereditária esteja mais aberta a influências
ambientais. Esta concepção viria a ser elaborada por Vygotsky em
Fundamentos de pedologia.
Parece que o avanço crucial na formulação emergente específica de
Vygotsky sobre a pedologia como uma ciência do desenvolvimento acon-
teceu no final de 1930. Em 21 de novembro de 1930, ele fez uma apre-
sentação sobre a relação entre psikhotekhnika (psicotécnica) e pedologia
em uma sessão conjunta dos departamentos de psikhotekhnika da Aca-
VYGOTSKY, O PEDÓLOGO 353

demia de Educação Comunista e da Sociedade Psicotécnica (1931d).


Ele passou rapidamente da consideração da “psikhotekhnika” para a
psicologia geral e considerou que o pensamento pedológico geral “apóia”
(implícita ou explicitamente) as pesquisas de psicólogos sobre crianças
(1931d, p. 177). Ao mesmo tempo, Vygotsky defendeu que o âmbito da
pedologia fosse limitado ao período do desenvolvimento na infância, cen-
surando a inclusão de questões de desenvolvimento na idade adulta ou
na velhice (1931d, p. 183). Vygotsky argumentou a favor da pedologi-
zação da psicotécnica, a fim de harmonizar os métodos da psicotécnica
com a teorização pedológica. Esta última não visava a abranger a psi-
cotécnica ou a pedagogia (ou a psicologia), mas a servir como um quadro
de referência para todas essas disciplinas. A pedologia não deveria
considerar o desenvolvimento “puro” e a criação da criança como opostos
mutuamente exclusivos, cujos efeitos pudessem ser avaliados em termos
de perguntas do tipo “ou isto ou aquilo”, porque, na verdade, estes são
opostos mutualmente inclusivos que conduzem o processo de desen-
volvimento efetivo por meio da produção da síntese dialética.
Junto com a apresentação sobre as relações entre a pedologia e
a psicotécnica, Vygotsky publicou sua análise da pedologia em dois
artigos em Pedologija (Vygotsky, 1931a, 1931c), sendo que o segundo
deles foi publicado simultaneamente também em Psikhologija. Esses
artigos nos possibilitam compreender o desenvolvimento das idéias do
próprio Vygotsky em vários aspectos. Foi aqui que o enfoque na pedologia
como uma ciência do desenvolvimento da criança (em vez de uma
ciência das crianças que se desenvolvem) tornou-se claro. Em segundo
lugar, Vygotsky, aqui, ligou a “morte da pedologia” na Europa ocidental
e na América do Norte ao empirismo metodológico e ao ecletismo teó-
rico, afirmando que a pedologia como uma ciência do desenvolvimento
só poderia prosperar sobre bases marxistas (dialéticas). Terceiro, em
seu estilo característico, Vygotsky argumentou contra as tendências
contemporâneas de reduzir a pedologia a uma psicologia do desenvol-
vimento infantil (Blonsky) e ao estudo de reações (à la Kornilov), e de
definir a pedologia como uma disciplina que não adota nada da psico-
logia (Molozhavyj). Foi aqui que Vygotsky criticou explicitamente por
escrito o reducionismo reactológico de Kornilov (embora seu uso da
terminologia reactológica tenha diminuído desde 1927), num momento
em que Kornilov havia se tornado um alvo também para outros críti-
cos. Sua crítica baseava-se em questões teóricas, livre de qualquer
uma das retóricas ideológicas que estavam em voga na época. Vygotsky
chegou ao ponto de afirmar que as disciplinas específicas que estudam
crianças — a psicologia infantil, por exemplo — só podem se tornar
“ciências no verdadeiro sentido da palavra” se tiverem suas bases nos
fundamentos da pedologia (Vygotsky, 1931c, p. 14). Esta “verdadeira
ciência”, para Vygotsky, está situada na síntese do conhecimento de
diferentes disciplinas e concentrada no estudo holístico da síntese
emergente no desenvolvimento (1931c, p. 21).
354 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Conclusões: Vygotsky como pedólogo

Como vimos, pedologia para Vygotsky não era meramente um


rótulo para designar seus variados interesses pelo desenvolvimento
cultural de crianças normais e retardadas e pela educação em geral.
Na verdade, no final da década de 1920 (por volta de 1927, depois
de sua análise da crise na psicologia e com a crescente insatisfação
pelo crescimento do jargão marxista na psicologia), os interesses de
Vygotsky passaram da psicologia para a pedologia, que era a disci-
plina que mais crescia na época. Ele redefiniu a pedologia, seguindo
a linha de uma perspectiva dialética trazida à disciplina por
Molozhavyj, como o estudo geral do desenvolvimento das crianças.
Poderia ser dito que os aspectos da psicologia de Vygotsky que
nós, na década de 1990, aprendemos a apreciar — a ênfase consis-
tente nos processos de desenvolvimento, na emergência de formas
organizacionais novas (superiores) de processos psicológicos, e a
recusa em reduzir a complexidade psicológica dinâmica a seus ele-
mentos constituintes — na verdade eram percebidos por Vygotsky
como a essência da pedologia. A natureza “interdisciplinar” (em nosso
sentido contemporâneo) da pedologia de Vygotsky estava em nítido
contraste com a eclética mistura de dados das diferentes disciplinas
que, perifericamente, estudavam as crianças. Ele sem dúvida se
interessaria pelo debate atual quanto à necessidade de interdiscipli-
naridade em nosso estudo das crianças, uma vez que, para ele, o
núcleo teórico de uma ciência (e não sua superfície empírica) deter-
mina a generalidade da disciplina.
Foi devido às suas contribuições à pedologia que Vygotsky foi
condenado pelas autoridades e o estudo de suas idéias foi proibido na
União Soviética entre 1936 e 1956, o que explica as curiosas modifi-
cações de terminologia em publicações posteriores de partes selecionadas
de sua obra. Até a década de 1980, as reedições russas de textos de
Vygotsky tinham o cuidado de substituir o termo “pedologia” por “psi-
cologia escolar”, “psicologia infantil” ou meramente “psicologia”. Claro
que tais correções distanciaram Vygotsky do estudo da pedologia (p.
ex., Kolbanovsky, 1956, p. 112). Mas também introduziram distorções
históricas significativas nos textos originais de Vygotsky, pois foi exa-
tamente através da sua versão própria da pedologia que Vygotsky ten-
tou escapar do provincianismo da psicologia marxista da forma como
ela havia se desenvolvido no final da década de 1920. A pedologia
ofereceu a Vygotsky o que ele vinha procurando ao longo de sua car-
reira: uma unificação de seu interesse pelo desenvolvimento de funções
complexas novas com o interesse pelas necessidades educacionais de
crianças normais e retardadas, e ele defendeu essa nova disciplina
contra todas as críticas.
355

13
Educação e desenvolvimento

Nos anos finais de sua vida, Vygotsky retornou aos problemas do


ensino na escola, concentrando-se na questão da relação entre a apren-
dizagem na escola e o desenvolvimento cognitivo. Sua abordagem desse
problema estava profundamente arraigada nos escritos pedológicos da
época e evoluiu enquanto ele lecionava no Instituto Pedagógico Herzen, em
Leningrado. Foi nesse Instituto que Vygotsky conheceu S. L. Rubinstein, que
viria a ser, posteriormente, uma figura importante na psicologia sovié-
tica. Rubinstein pediu-lhe que desse uma palestra para seus alunos,
e Vygotsky convidou Rubinstein para participar da banca na defesa da
tese de Shif sobre formação de conceitos (ver capítulo 11).1
No Instituto Pedagógico Herzen, Vygotsky reuniu rapidamente um
novo grupo de estudantes (Arsen’eva, Zabolotnova, Kanushina,
Chanturija, Efes, Nejfec e outros) e colaboradores (El’konin, Konnikova,
Levina e Shif) e começou a desenvolver novos projetos de pesquisa.
Além da questão da relação entre instrução e desenvolvimento cognitivo,
o problema dos estágios (períodos etários) no desenvolvimento infantil
era um de seus grandes interesses de pesquisa e levou-o a escrever
vários capítulos para um livro sobre desenvolvimento infantil (ver ca-
pítulo 12), que não chegou a ser completado.
Dando aulas para alunos no Instituto Pedagógico Herzen, em
Leningrado, ele levantou pela primeira vez a questão da relação
entre instrução escolar e desenvolvimento cognitivo na primavera de
1933. A última vez que ele tratou do assunto foi no capítulo seis de
Pensamento e linguagem, que provavelmente foi escrito no começo
do verão de 1934. Nesses meses, ele fez algumas palestras sobre o
assunto, aplicando-o a vários problemas práticos e diferentes temas
teóricos. O desenvolvimento das teorias de Vygotsky é ilustrado nas
palestras e manuscritos reunidos em Vygotsky (1935h; 1933n/1984)
e no sexto capítulo de 1934a (para dar a ordem cronológica correta).
Ao se ler nesta ordem, pode-se perceber como o conceito da zona de

1. Na União Soviética, como em vários outros países, os pesquisadores que


completam sua tese têm que defendê-la durante uma sessão pública. Sob os
olhares de parentes nervosos e colegas sorridentes do corpo científico, profes-
sores convidados de outras universidades testam o conhecimento e a argúcia do
pesquisador durante uma cerimônia que pode durar até duas horas.
356 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

desenvolvimento proximal foi usado primeiramente no contexto limi-


tado dos testes de inteligência tradicionais e, mais tarde, foi gra-
dualmente ampliado para incluir o problema geral da relação entre
educação e desenvolvimento cognitivo.

A relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo

Em 17 de março de 1933, Vygotsky levantou a questão da


relação entre ensino/aprendizagem escolar (obuchenie) e desenvolvi-
mento cognitivo em uma palestra no Instituto de Defectologia Expe-
rimental Epstein, em Moscou (Vygotsky, 1933d/1935). Ele afirmou
que os vários pontos de vista relativos a esta questão enquadram-
-se em três categorias. Os psicólogos pertencentes à primeira cate-
goria afirmam, em essência, que a aprendizagem escolar deve seguir
o desenvolvimento: as funções psicológicas da criança devem ter
atingido determinado nível de amadurecimento antes que o processo
de aprendizagem possa começar. Considera-se que as funções psi-
cológicas desenvolvem-se de uma maneira “natural”, às vezes por-
que os pesquisadores ligam seu desenvolvimento diretamente à
maturação das funções cerebrais. Esta visão organicista do desen-
volvimento Vygotsky atribuía, entre outros, a Piaget.
A visão organicista podia ser criticada, na opinião de Vygotsky, em
três aspectos. Primeiro, ela levava a um pessimismo pedagógico. Para
Vygotsky, se uma criança demonstrasse certa incapacidade para lidar
com determinada área, ou se desse mostras de um entendimento in-
suficiente dessa área, todos os esforços deveriam ser concentrados
exatamente nessa deficiência para compensá-la. Esta convicção global
provavelmente surgiu como resultado de seu trabalho defectológico e
baseava-se em seu entendimento do conceito de supercompensação de
Adler (ver capítulo 4). Em segundo lugar, de acordo com Vygotsky,
havia sido estabelecido que o desenvolvimento da criança é um proces-
so altamente complexo que não pode ser caracterizado usando-se uma
única medida. Autores norte-americanos haviam proposto a idéia de
uma abordagem de duplo nível. Não se devia estabelecer o que a criança
podia fazer agora, neste momento, porque isto seria negar que todo o
processo tem sua história (sua fase embrionária), que ele se desenvolve
antes de tornar-se mensurável na prática. “Essencialmente falando,
estabelecer o desenvolvimento da criança pelo nível atingido no momen-
to atual significa abster-se de compreender o desenvolvimento da crian-
ça” (Vygotsky, 1933d/1935, p. 119). Vygotsky ressaltou que Meumann
e outros haviam sugerido que deveríamos estabelecer pelo menos dois
níveis de desenvolvimento infantil, quais sejam, o que a criança já pode
fazer e o que é o potencial da criança. Pesquisas haviam mostrado que
deveríamos pelo menos medir essas duas quantidades, e que o indica-
dor da zona de desenvolvimento proximal é a divergência entre o nível
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 357

de desenvolvimento efetivo e o nível de desenvolvimento proximal.


Vygotsky afirmou que o conceito de zona de desenvolvimento proximal
era particularmente útil para distinguir entre crianças normais e retar-
dadas, o que devia estar de acordo com as crenças de sua platéia (ver
análise de Vygotsky e Luria no capítulo 9; ver também Valsiner e Van
der Veer, 1992). Por fim, Vygotsky mencionou que o ponto de vista
organicista era falho porque as leis do desenvolvimento infantil são, por
si mesmas, parcialmente dependentes do fato de a criança estar ou não
freqüentando escola e recebendo instrução.
O segundo ponto de vista sobre a relação entre aprendizagem e
desenvolvimento cognitivo afirmava que o desenvolvimento cognitivo
não se baseia no amadurecimento e que a aprendizagem é a principal
força que atua no sentido de promovê-lo. Em última instância, a con-
seqüência desta concepção é que o desenvolvimento cognitivo é consi-
derado como a sombra da aprendizagem.2 Vygotsky via Thorndike como
um representante desta categoria de pensamento, por este ter desen-
volvido esta idéia até seu ponto extremo, afirmando que aprendizagem
e desenvolvimento cognitivo na verdade coincidem.
Por fim, Koffka representava o terceiro ponto de vista. Ele ten-
tou conciliar os dois primeiros pontos de vista contraditórios, afir-
mando que ambos estão parcialmente certos. O desenvolvimento da
criança baseia-se em parte nos processos de amadurecimento e em
parte na aprendizagem.
Vygotsky não estava plenamente satisfeito com nenhum dos
pontos de vista acima, afirmando que aprendizagem e desenvolvi-
mento são processos distintos e não deviam ser confundidos. Porém,
o desenvolvimento da criança não pode ser visto de forma isolada
em relação ao processo de aprendizagem, uma vez que a relação
entre esses dois processos é altamente complexa e certamente não
deve ser comparada com a relação entre um objeto e sua sombra.
Para expor sua ideia dessa relação complexa, Vygotsky lidou com os
processos de alfabetização na escola.
Aprender a escrever, argumentou Vygotsky, traz consigo suas
próprias dificuldades peculiares. Seria errado dizer que escrever é equi-
valente a simplesmente traduzir as palavras faladas em signos. Refe-
rindo-se a vários estudiosos alemães (Büsemann, Beringer, Ch. Bühler),
ele afirmou que escrever é muito diferente de falar em muitos aspectos.
É diferente no sentido de que os objetos referidos não estão presentes
e da falta de entonação. Também é abstrato no sentido de que não há uma

2. O termo russo obuchenie pode ser traduzido como “ensino”, “aprendiza-


gem” e “treinamento”. Vygotsky usou o termo basicamente no contexto escolar
e tinha claramente em mente o ensino e aprendizagem de capacidades
(meta)cognitivas. Evitamos, portanto, usar o termo “treinamento”, dando prefe-
rência a “ensino”, “aprendizagem” e, às vezes, “escolaridade”.
358 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

outra pessoa com a qual estamos falando e de que a criança com fre-
qüência não tem um objetivo motivador para escrever o texto. Wundt já
havia comentado que a escrita está relacionada a processos conscientes
e voluntários. Vygotsky concordava completamente e propunha a idéia
de que a criança experimenta dificuldades para escrever porque tem
que se conscientizar de sua própria fala. Ao falar, a atenção da criança
está concentrada naquilo que ela está falando, e não nas estruturas
gramaticais de sua fala. Estas últimas, ele tem à sua disposição como
um fato implícito. O principal problema da escrita, portanto, é tornar-
-se consciente de seus próprios atos. Uma complicação extra para a
criança é que ela tem que partir da fala interior, que é condensada e
de uma natureza telegráfica. Referindo-se implicitamente a Hegel,
Vygotsky concluiu que a criança tem que partir da fala “para si mes-
ma” e transformá-la em fala “para outros” (ver também capítulo 15).
Qual era a relevância disso para a problema que Vygotsky levan-
tou em sua palestra, ou seja, o problema da relação entre a aprendiza-
gem e o desenvolvimento cognitivo? Em primeiro lugar, as capacidades
que a criança tem que adquirir para aprender a escrever, por exemplo
(ou seja, para tornar-se consciente de seus próprios atos, para repre-
sentar objetos que não estão presentes), não são de forma alguma
ensinadas diretamente pelo professor. O mesmo exemplo mostrava que
o desenvolvimento cognitivo não é o paralelo direto ou a sombra do
processo educacional. Vygotsky concluiu, portanto, que a aprendizagem
capacita uma série de processos de desenvolvimento que sofrem seu
desenvolvimento próprio, e que os pedólogos deveriam analisar atenta-
mente esses desenvolvimentos.
Isto levou Vygotsky à sua hipótese principal: o ensino só é efetivo
quando aponta para o caminho do desenvolvimento. A criança que
freqüenta escola, disse ele, empregando uma vez mais termos hegelianos,
tem que aprender a transformar uma capacidade “em si” em uma
capacidade “para si”. O processo de escrever exige funções que ainda
estão mal desenvolvidas na criança pré-escolar. As funções desenvol-
vem-se no processo da aprendizagem de como escrever — no processo
da educação. O professor, portanto, cria basicamente as condições
para que determinados processos cognitivos se desenvolvam, sem
implantá-los (privit) diretamente na criança:
Implantar [algo] na criança... é impossível... só é possível treiná-la para
alguma atividade exterior como, por exemplo, escrever à máquina. Para
criar uma zona de desenvolvimento proximal, isto é, para engendrar
uma série de processos de desenvolvimento interior, precisamos dos
processos corretamente construídos de aprendizagem escolar (Vygotsky,
1933d/1935, p. 134).

Esta palestra no Instituto de Defectologia Experimental Epstein é


digna de nota por várias razões. Primeiramente, Vygotsky indicou de
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 359

modo claro que a idéia do estabelecimento de uma zona de desenvolvi-


mento proximal não é original dele, mas surgiu na obra de autores
norte-americanos e de Meumann e outros. Em segundo lugar, a idéia
de uma zona de desenvolvimento proximal e a idéia mais global da
escolaridade — ou de cultura de um modo geral — influenciando o
desenvolvimento cognitivo não estavam, a princípio, intimamente ligadas.
Elas foram levantadas por Vygotsky como pontos separados e elaboradas
em contextos diferentes. Por fim, os diferentes pontos de vista sobre o
papel da aprendizagem no desenvolvimento cognitivo, em particular o
segundo e o terceiro, não foram analisados de forma muito detalhada.
Em palestras em 1933 e 1934 (1933c/1935; 1933m/1935; 1934i
/1935; 1935n), Vygotsky explicou os lados positivo e negativo das
diferentes perspectivas de forma mais completa e fez uma apresen-
tação detalhada do conceito da zona de desenvolvimento proximal
no contexto dos testes de inteligência tradicionais. Essas palestras
foram feitas no Instituto Pedagógico Herzen, no Instituto Pedológico
de Leningrado, na Conferência Russa de Educação Pré-Escolar e no
Instituto Pedagógico Bubnov. Além disso, Vygotsky escreveu dois
capítulos (Vygotsky, 1933n/1984; capítulo 6 de 1934a), em que ela-
borou e resumiu suas idéias. A partir dessas palestras e capítulos,
pode-se obter um visão mais adequada das três abordagens do pro-
blema da relação entre aprendizagem e desenvolvimento cognitivo.
A crítica detalhada de Vygotsky a Piaget é particularmente relevante.
Ele analisou o pensamento de Piaget no contexto do debate em torno
da forma e conteúdo do pensamento humano. Alguns pesquisadores
inclinavam-se a considerar exclusivamente o conteúdo (aqui Vygotsky
mencionou Thorndike), ao passo que outros concentravam-se nas
operações (a Escola de Würzburg) do pensamento humano. Vygotsky
afirmava que esses dois aspectos do pensamento humano não podem
ser separados: o conteúdo do pensamento determina as operações e
vice-versa (ver capítulo 11). Ele criticou Piaget por concentrar-se quase
inteiramente no lado estrutural (o conteúdo) do pensamento das crian-
ças, em detrimento do lado funcional (operacional). Afinal, Piaget afir-
mava que as funções, como a assimilação, não mudavam durante o
curso do desenvolvimento (Vygotsky, 1933m/1935, p. 98).
Piaget também estudou o desenvolvimento cognitivo de crianças
independentemente de sua escolaridade. As coisas que a criança
aprendia na escola não eram interessantes para ele, uma vez que
constituíam uma mistura do próprio entendimento da criança e
daquilo que ela simplesmente absorvia dos adultos. O pensamento
próprio da criança deveria ser estudado em isolamento do conheci-
mento escolar, afirmava Piaget. Assim, ele tentava separar a apren-
dizagem do desenvolvimento cognitivo:
As conclusões e a compreensão da criança, sua representação do
mundo, [sua] interpretação da causalidade física, [sua] aquisição de
360 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

formas lógicas de pensamento e lógica abstrata são vistas pelo pesqui-


sador como se esses processos avançassem por si próprios, sem ne-
nhuma influência da instrução na escola (Vygotsky, 1935n, p. 4).

Vygotsky explicou que o raciocínio que está por trás da abor-


dagem de Piaget é a idéia de que devemos investigar o pensamento
da criança, excluindo todo o conhecimento superficial adquirido dos
adultos e, assim, desvendando seu desenvolvimento puro e não
distorcido. Em sua opinião, essa atitude equivalia a afirmar que a
aprendizagem não tem nada que ver com o desenvolvimento cognitivo
e, em última análise, à idéia de que a aprendizagem deveria vir
depois (do amadurecimento) do desenvolvimento cognitivo. A conse-
qüência dessa visão é a possibilidade de legitimar a afirmação de
que crianças que não freqüentam nenhum sistema de ensino formal
irão desenvolver, mesmo assim, todas as formas superiores de pen-
samento (Vygotsky, 1934a). A atitude de Piaget poderia, portanto,
ser vista como uma justificativa para a distinção entre testes de
aptidão e de aquisição (ou de escolaridade).
O segundo ponto de vista, de que aprendizagem e desenvolvimento
são termos equivalentes, também foi discutido de forma mais completa
nas palestras posteriores de Vygotsky. Referindo-se a Thorndike, James
e à reflexologia russa e ressaltando sua base associacionista, Vygotsky
afirmou que este ponto de vista era inevitável para esses pesquisado-
res. Se a aprendizagem é vista essencialmente como a formação de
reflexos condicionados e o desenvolvimento também, então não há
sentido em fazer uma distinção entre os dois. No máximo, seria pos-
sível argumentar que a aprendizagem promove a formação de alguns
reflexos condicionados em vez de outros, mas a estrutura profunda
tanto da aprendizagem como do desenvolvimento permanece a mesma
(Vygotsky, 1934a; 1935n). Ele afirmou que e a abordagem de Piaget e
a concepção endossada por Thorndike e pela reflexologia russa parti-
lhavam a pressuposição de que o desenvolvimento cognitivo é um
processo naturalista baseado em processos naturais (1935n). Sua prin-
cipal diferença estava na idéia temporal relativa à educação e ao de-
senvolvimento: serial no primeiro caso, paralela no segundo.
Por fim, em 1933 e 1934, Vygotsky aos poucos deu mais crédito ao
terceiro ponto de vista, expresso por Koffka (1925). Este representante
da psicologia da Gestalt havia feito a alegação bastante geral de que é
possível distinguir duas formas de desenvolvimento: (1) desenvolvimen-
to como amadurecimento (Wachstum ou Reifung) e (2) desenvolvimento
como aprendizagem (Lernen). Ele explicou ainda que alguns processos
de desenvolvimento ocorrem de forma relativamente não influenciada
pelo ambiente (por exemplo, aprender a usar os dedos), ao passo que
outros não irão evoluir sem a presença de fatores ambientais especí-
ficos (por exemplo, aprender a jogar cartas). Ele considerava que os
primeiros tinham uma base inata, ao passo que os últimos tinham que
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 361

ser adquiridos. Em essência, portanto, Koffka levantava a questão na-


tureza-criação com respeito ao desenvolvimento cognitivo (Koffka, 1925,
pp. 28-9). Vygotsky (1935n) considerou que o ponto de vista de Koffka
era interessante em três aspectos: (1) afirmava que o desenvolvimento
cognitivo podia basear-se tanto em processos de amadurecimento como
na aprendizagem através do ensino, (2) declarava que essas duas for-
mas de desenvolvimento eram mutuamente interdependentes, e (3)
defendia um papel mais amplo para a educação no desenvolvimento
infantil. Ele elaborou este último ponto fazendo referência ao ponto de
vista estrutural Gestaltista de Koffka, que implicava que uma criança
que aprendia uma tarefa específica estava aprendendo, ao mesmo tem-
po, um princípio estrutural que tinha um campo mais amplo de apli-
cação. Isto pode implicar que o ensino de uma tarefa específica a uma
criança aumenta o potencial dessa criança para outras atividades. Nas
palavras de Vygotsky, a criança dava “um passo no processo ensino/
aprendizagem [obuchenie] e dois passos no desenvolvimento cognitivo”.
A idéia de Koffka, portanto, sugeria que a aprendizagem pode preceder
o desenvolvimento cognitivo, promovê-lo e criar novas estruturas
(novoobrazovanija; ou Neuleistungen). Isto, para Vygotsky (1934a, p.
203), foi um insight “infinitamente importante” e “infinitamente valioso”.
Em várias ocasiões, Vygotsky (1934a; 1935n) observou que o ponto
de vista difundido por Koffka, de certa maneira, retomava a velha idéia
de “disciplinas formais” de Herbart (ver também capítulo 11). O estudo
dessas disciplinas formais (por exemplo, latim, grego, matemática) pro-
porcionaria aos alunos o treinamento intelectual necessário, cujos efei-
tos benéficos se generalizariam para todas as outras matérias do cur-
rículo. Embora a idéia de Herbart funcionasse de uma maneira reacio-
nária, Vygotsky julgava que suas teorias fossem mais válidas do que
as de seu oponente norte-americano Thorndike, cujas tentativas de
refutar Herbart simplesmente não haviam tocado os pontos essenciais.
Thorndike demonstrou a verdade trivial de que a aprendizagem de
qualquer tarefa ocasionalmente escolhida não influenciará necessaria-
mente a aprendizagem de uma outra tarefa escolhida igualmente de
forma ocasional. Além disso, as tarefas que ele usou (por exemplo,
aprender a distinguir linhas de diferentes comprimentos) estavam to-
das no domínio das funções psicológicas inferiores, o que não era
muito surpreendente em vista do ponto de partida associacionista de
Thorndike, mas isto fez com que a pesquisa tivesse pouco valor neste
caso. Vygotsky afirmou que “o pensamento científico desenvolve-se
dialeticamente” (1934a, p. 203) e que o ponto de vista de Herbart
poderia ser válido no domínio das funções psicológicas superiores. Para
reforçar esta idéia, seria preciso demonstrar que a aprendizagem de
habilidades específicas em um domínio transforma o funcionamento
intelectual em outras áreas. E foi isto que Vygotsky se propôs a fazer
em suas investigações empíricas.
362 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

A base empírica da concepção pessoal de Vygotsky

A concepção pessoal de Vygotsky sobre a relação entre instrução


escolar e desenvolvimento cognitivo foi desenvolvida em parte como
resultado de sua análise das diferentes posições existentes, em parte
pela aplicação de conhecimento e considerações práticas e em parte
como resultado de investigações empíricas realizadas por seus colabo-
radores e alunos. O estudo do desenvolvimento de conceitos científicos
e espontâneos empreendido por sua colaboradora Shif (que foi proje-
tado em 1932, realizado em 1933 e 1934 e publicado em Shif (1935)),
proporcionou o principal apoio empírico para suas idéias (ver capítulo
11). Porém, Vygotsky menciona (1934a) que se baseou também em
quatro outras investigações, executadas por seus alunos Arsen’eva,
Zabolotnova, Kanushina, Chanturija, Efes e Nejfec. Os estudos foram
realizados como teses de mestrado e nunca foram publicados, portanto
sua natureza e resultados exatos permanecem desconhecidos.
A primeira série de experimentos investigou o grau de maturi-
dade das funções sobre as quais deve se desenvolver o ensino do
conhecimento escolar. Aqui, os alunos de Vygotsky tentaram revelar
as diferenças psicológicas entre fala e escrita e encontraram as di-
ferenças mencionadas acima, as quais incentivaram Scribner e Cole
a realizar suas próprias investigações (1981). A dificuldade essencial
da escrita é o fato de ela exigir da criança reflexão (osoznanie) e
controle (ovladenie) de seu próprio funcionamento psicológico. Estas
qualidades psicológicas não estão presentes quando a criança entra
na escola, mas constituem um dos resultados (não propositais) do
ensino da alfabetização na escola. De acordo com Vygotsky, o ensino
de gramática pode ter o mesmo resultado benéfico. Como essas
capacidades psicológicas não estão presentes quando a criança entra
na escola elementar, Vygotsky concluiu que a instrução constrói-se
sobre funções psicológicas que ainda não amadureceram.
Uma segunda série de experimentos visava a mostrar que a ins-
trução na escola precede o desenvolvimento cognitivo. Vygotsky resu-
miu os resultados desses experimentos afirmando que eles haviam
demonstrado que a criança sempre pode executar uma função antes de
compreendê-la e controlá-la conscientemente. Neste caso, portanto, o
insight consciente — e provavelmente a expressão de algum princípio
em palavras — da natureza de uma atividade executada foi considera-
do uma indicação do desenvolvimento cognitivo da criança. Vygotsky
declarou que o professor pode explicar fielmente uma tarefa ou concei-
to durante seis ou sete aulas até que, de repente, a criança capta a
idéia. Em sua opinião, isto mostrava que (a curva imaginária da) a
instrução escolar não prosseguia em paralelo com (a curva imaginária
do) o desenvolvimento cognitivo e, portanto, tinha sua dinâmica pró-
pria. A idéia de crianças executando uma tarefa antes de compreende-
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 363

rem o princípio subjacente parece antecipar parte das investigações


realizadas na escola de Kharkov.
Uma terceira série de experimentos foi dedicada a um problema
semelhante ao de Herbart, mas fez uso de tarefas psicologicamente
mais complexas. Estes experimentos são apenas mencionados por
Vygotsky (1934a). Segundo ele, haviam demonstrado que (1) a
base psicológica do ensino de vários assuntos (por exemplo, em
matemática e gramática) era muito semelhante e equivalia ao domí-
nio da reflexão e controle pela criança de suas próprias funções, (2)
a instrução terá repercussões para o desenvolvimento que são muito
mais amplas do que a área restrita do assunto ensinado, e (3) todo
o desenvolvimento cognitivo na escola elementar está interligado e
constrói-se sobre as duas principais aquisições desse período: o
domínio de reflexão e controle.
Por fim, uma quarta série de experimentos foi dedicada à inves-
tigação da utilidade potencial do conceito da zona de desenvolvimento
proximal. Aparentemente, Vygotsky e seus alunos testaram repetida-
mente grandes grupos de crianças para estabelecer a dinâmica do
desenvolvimento de seu QI. A natureza desses estudos pode ser dedu-
zida a partir das poucas informações fornecidas na seção a seguir.
Vygotsky formulou sua principal conclusão com referência a
essas investigações no sexto capítulo de Pensamento e linguagem: a
instrução habilita toda uma série de transformações cognitivas e a
idéia de Herbart sobre disciplinas formais era, portanto, basicamente
correta (Vygotsky, 1934a, p. 222). Ele considerou as funções psico-
lógicas essencialmente novas desenvolvidas no período escolar como
conceitos gêmeos de reflexão e controle.

A zona de desenvolvimento proximal

A descrição mais detalhada do conceito de zona de desenvolvimen-


to proximal da forma como Vygotsky a via pode ser encontrada no
estenograma de uma palestra realizada no Instituto Pedagógico Bubnov
em 23 de dezembro de 1933 (Vygotsky, 1933c/1935). Nessa palestra,
Vygotsky mencionou que, no passado, pesquisadores como Binet e
Meumann costumavam pensar que não se pode começar a ensinar
crianças se elas não tiverem atingido um determinado nível de desen-
volvimento. Muito esforço foi feito para estabelecer os limiares mínimos
a partir dos quais o ensino de várias matérias escolares poderia ser
iniciado. O modo de estabelecer esses limiares era pedir à criança para
solucionar sozinha alguma tarefa ou teste específico. Agora sabemos,
porém, argumentou Vygotsky, que há também um limite superior, ou
seja, sabemos que há períodos ideais para a aprendizagem de uma
capacidade intelectual. A língua materna, por exemplo, é mais bem
364 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

aprendida em uma idade bem precoce, ao passo que a matemática


provavelmente deve ser ensinada muito mais tarde. Há uma maneira
de estabelecer os períodos apropriados para a aprendizagem das várias
capacidades intelectuais? Podemos estabelecer o potencial de uma
criança para instrução em um determinado domínio? Para responder
a essas perguntas, Vygotsky voltou-se para a área dos testes de inte-
ligência e para o conceito da zona de desenvolvimento proximal.
Ele examinou esse conceito no contexto de testes de inteligência
no momento da entrada na escola elementar e no contexto do fenô-
meno freqüentemente observado de “regressão para a média”.
Vygotsky lembrou ao público a prática geral de se testar todas as
crianças antes de elas entrarem na escola primária, dividindo-as em
quatro grupos, dos quais três recebiam permissão para freqüentar
a escola normal. Esses três grupos eram constituídos pelas crianças
com QI alto (110 ou mais), médio (entre 90 e 110) e baixo (entre 70
e 90). Crianças com um QI abaixo de 70 eram encaminhadas a
escolas especiais. Vygotsky mencionou o fato de ter sido demonstra-
do que a contagem de pontos de QI previa com um alto grau de
precisão o desempenho de uma criança na escola e mostrou-se
favorável à prática de encaminhar crianças a diferentes categorias
com base em sua classificação: “Esta regra atualmente é usada
pelas escolas no mundo inteiro e contém a sabedoria fundamental
de todas as investigações pedológicas levadas a cabo no período em
que a criança entra na escola” (Vygotsky, 1933c/1935, p. 37).
Infelizmente, pesquisas feitas por Terman, Burt e Blonsky ha-
viam indicado um fenômeno misterioso: crianças com um QI inicial-
mente alto tendem a perder pontos e crianças com um QI inicial
baixo tendem a ganhar pontos de QI no período escolar, deixando
sua ordem de classificação relativamente inalterada. Como devemos
interpretar esse fenômeno? Vygotsky inclinava-se a explicar essas
descobertas sugerindo que crianças com poucos pontos de QI ao
entrar na escola tiravam mais benefícios da escolaridade do que
crianças com muitos pontos de QI: relativamente falando, portanto,
o primeiro grupo tinha mais sucesso na escola primária. Mas por
que isto aconteceria? Crianças com uma contagem de pontos de QI
alta no início ganham pouco porque a escola não é apropriada a
suas necessidades? Para responder a essas perguntas, Vygotsky
propôs o conceito da zona de desenvolvimento proximal:
Na investigação do desenvolvimento cognitivo da criança, é comum pen-
sar que a única indicação do intelecto da criança é aquilo que ela pode
fazer por si própria. Apresentamos à criança uma série de testes, uma
série de tarefas de dificuldade variável e, pelo modo e pelo grau de
dificuldade em que a criança consegue solucionar a tarefa, julgamos o
maior ou menor desenvolvimento de seu intelecto. É comum pensar que
a indicação do grau de desenvolvimento do intelecto da criança é a
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 365

resolução independente e não assistida da tarefa por essa criança. Se lhe


fizéssemos perguntas capciosas ou se lhe demonstrássemos como solu-
cionar a tarefa e a criança resolvesse a tarefa depois da demonstração,
ou se o professor começasse a solucionar a tarefa e a criança a termi-
nasse, ou ainda se a resolvesse em cooperação com outras crianças, em
resumo, se a criança divergisse por pouco que fosse da resolução inde-
pendente da tarefa, então essa solução já não seria mais indicativa do
desenvolvimento de seu intelecto (Vygotsky, 1933c/1935, p. 41).
Isto, pelo menos, é o que pesquisadores tendiam a pensar há
anos, afirmou Vygotsky. Evidentemente, ele não concordava e propu-
nha que se desse à criança dicas e sugestões para ver até onde
aquilo poderia levar a criança. Ele mencionou que “vários pesquisa-
dores” haviam usado diferentes maneiras de fazer isso. Desta forma,
fora descoberto que crianças com a mesma idade mental — conforme
foi estabelecido pelo modo independente tradicional — eram capazes
de solucionar problemas até diferentes níveis de idades mentais.
Temos, portanto, poucas razões para dizer que elas têm de fato a
mesma idade mental: usando as dicas e sugestões, algumas crianças
resolveram tarefas que estavam quatro anos acima de seu desempe-
nho independente, enquanto outras pouco aproveitaram a ajuda
oferecida. A diferença entre o desempenho independente e o desem-
penho assistido, portanto, parece ser característica da criança:
A zona de desenvolvimento proximal da criança é a distância entre seu
desenvolvimento real, determinado com a ajuda de tarefas solucionadas
de forma independente, e o nível de seu desenvolvimento potencial,
determinado com a ajuda de tarefas solucionadas pela criança com a
orientação de adultos e em cooperação com seus colegas mais capazes
(Vygotsky, 1933c/1935, p. 42).

O nível de desenvolvimento real independente, afirmou Vygotsky,


era característico das habilidades intelectuais que a criança já havia
dominado: ele representava as funções já amadurecidas, os resulta-
dos de ontem. Porém, o desempenho da criança em cooperação com
outros indivíduos mais capazes era característico de seu desempe-
nho futuro: revelava os resultados de amanhã. Para consolidar essa
afirmação, ele referiu-se aos resultados encontrados pela “pesquisa-
dora norte-americana McCarthy” com relação ao grupo de idade pré-
-escolar. Segundo Vygotsky, McCarthy havia demonstrado que crian-
ças de três a cinco anos de idade podem realizar algumas tarefas
independentemente e outras tarefas apenas com a assistência ou a
cooperação de um adulto. As crianças seriam capazes de executar
independentemente essas últimas tarefas com a idade de cinco a
sete anos. Portanto, Vygotsky concluiu que:
podemos prever o que irá acontecer com essa criança entre cinco e
sete anos (caso as outras condições de desenvolvimento permaneçam
as mesmas)... Desta maneira, a investigação da zona de desenvolvi-
366 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

mento proximal tornou-se um dos instrumentos mais poderosos da


pesquisa pedológica, permitindo[-nos] aumentar consideravelmente a
efetividade, utilidade e fecundidade da aplicação do diagnóstico do
desenvolvimento intelectual à solução das tarefas propostas pela pe-
dagogia [e] pela escola (Vygotsky, 1933c/1935, p. 43).

Tendo mencionado brevemente as descobertas de McCarthy,


Vygotsky retornou ao problema do grau relativo de sucesso de dife-
rentes grupos de QI na escola. Suponhamos, sugeriu, um grupo de
crianças com pontuações altas de QI e outro com pontuações bai-
xas. Suponhamos ainda que esses grupos possam ser subdivididos
em dois subgrupos com uma zona proximal de, respectivamente,
dois ou três anos de idade mental. Temos, então, quatro combina-
ções possíveis: QI alto, zona grande; QI alto, zona pequena; QI baixo,
zona grande; e QI baixo, zona pequena:

1 QI alto Zona grande


2 QI alto Zona pequena
3 QI baixo Zona grande
4 QI baixo Zona pequena

Em uma investigação empírica de grande escala, Vygotsky afir-


mou ter encontrado que a dinâmica do desenvolvimento intelectual
e o grau de sucesso relativo são comparáveis para o primeiro e
terceiro e para o segundo e quarto grupos. Isto pode significar que
suas descobertas indicavam que crianças com zonas de desenvol-
vimento proximal semelhantes ganhavam ou perdiam quantidades
semelhantes de pontos de QI. A zona de desenvolvimento proximal,
portanto, era mais importante e mais adequada para prever o de-
senvolvimento intelectual da criança do que a pontuação de QI
tradicional.
Para mostrar a complexidade dos fenômenos analisados, Vygotsky
introduziu mais um fator complicador. Suponhamos, raciocinou, que
temos um grupo C de crianças não alfabetizadas que fazem parte de
um grupo de crianças não alfabetizadas ou de crianças alfabetizadas
que fazem parte de um grupo de crianças alfabetizadas. Além disso, su-
ponhamos que haja um outro grupo D de crianças alfabetizadas que
fazem parte de um grupo maior de crianças não alfabetizadas ou de
crianças não alfabetizadas que fazem parte de um grupo de crianças
alfabetizadas (o problema de crianças não alfabetizadas era bastante
presente na União Soviética da época). Essas crianças podem ter pon-
tuações diversas de QI, o que nos leva a:

1 QI alto C ((não) alfabetização homogênea)


2 QI alto D (alfabetização mista)
3 QI baixo C ((não) alfabetização homogênea)
4 QI baixo D (alfabetização mista)
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 367

Quais grupos de crianças são mais parecidos em relação à


dinâmica do desenvolvimento intelectual e a seu sucesso relativo na
escola? Vygotsky referiu-se novamente a investigações empíricas
conduzidas sob sua orientação e afirmou que

A investigação mostra, e desta vez de forma muito mais significativa


e reveladora do que no caso da zona de desenvolvimento proximal, que
a similaridade parece ser consideravelmente maior entre o primeiro e
terceiro e entre o segundo e o quarto do que entre o primeiro e segundo
e entre o terceiro e quarto grupos. Isto significa que, para a dinâmica
do desenvolvimento intelectual na escola e para o progresso da criança
no curso da instrução escolar, [o fator] determinante não é tanto o
tamanho do QI em si, ou seja, o nível de desenvolvimento atual, mas
a relação entre o nível de preparação e desenvolvimento da criança e
o nível de exigências feitas pela escola. Esta última medida, o nível de
exigências feitas pela escola, propõe-se agora, em pedologia, chamar
de idade mental ideal (Vygotsky, 1933c/1935, p. 46).

Vygotsky considerava esse conceito de “idade mental ideal” muito


importante. Ele observou que diferentes pesquisadores haviam tentado
estabelecer a idade mental ideal para várias classes escolares.
Presumivelmente, portanto, esses pesquisadores tentavam deduzir, a
partir da demandas feitas em uma classe específica, qual idade mental
era necessária para um desempenho bem-sucedido naquela classe.
Essa idade mental necessária tinha que estar em alguma relação ideal
com as várias idades mentais das crianças que faziam parte da
classe. Vygotsky mencionou que a relação entre a idade mental ideal
de determinada classe e a idade mental real das crianças dessa
classe era a medida mais sensível estabelecida pelos pedólogos da
época. Se esses dois níveis diferissem demais — como no caso de
uma criança não alfabetizada que fosse parte de uma classe alfabe-
tizada ou de uma criança alfabetizada que fosse parte de uma classe
não alfabetizada —, a expectativa era de que as crianças ganhassem
pouco. O mesmo se aplicava em casos nos quais a divergência fosse
pequena demais: a instrução, como já havia sido dito por Owen, deve
chamar para a vida, correr atrás, organizar o desenvolvimento. Mas
como deveria ser estabelecida a distância apropriada entre a idade
mental real e a ideal e quais são as condições adequadas para o
desenvolvimento intelectual? Vygotsky mencionou que vários trabalhos
— usando unidades para a idade mental da criança, materiais progra-
máticos e anos escolares — haviam sido feitos para responder a essas
perguntas, mas, para ele, os mais convincentes eram alguns pequenos
estudos de casos individuais. Essas investigações, realizadas por seus
colaboradores, demonstraram que a diferença mais favorável entre o
nível de idade mental ideal e o nível de idade mental real coincidia com
a zona de desenvolvimento proximal da criança (Vygotsky, 1933c/
1935, p. 48). Se a criança tem uma zona de desenvolvimento proximal
368 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

de dois anos de idade mental, então a idade mental de sua classe deve
ser dois anos acima da idade mental da criança, medida independen-
temente:
Desta forma, a análise da zona de desenvolvimento proximal torna-se
não só um meio magnífico para o prognóstico do futuro do desenvol-
vimento intelectual e da dinâmica do sucesso relativo [da criança] na
escola, mas também um ótimo meio para a composição de classes... o
nível de desenvolvimento intelectual da criança, sua zona de desenvol-
vimento proximal, a idade [mental] ideal da classe e a relação entre a
idade [mental] ideal da classe e a zona de desenvolvimento proximal...
[formam] a melhor maneira de solucionar o problema de composição de
classes (Vygotsky, 1933c/1935, p. 49).

Vygotsky, então, retornou ao problema que constituiu o centro


de sua palestra no Instituto Pedagógico Bubnov. Como podemos
explicar, então, o fenômeno de “regressão para a média” (colocando
de uma maneira anacrônica)? É uma lei geral que crianças com QI
inicial alto tendem a perder, ao passo que crianças com QI inicial
baixo tendem a melhorar sua classificação? Vygotsky respondeu de
forma negativa, afirmando que deveríamos levar em consideração a
composição da classe escolar etc. Mas por que ainda consideramos
esse fenômeno como uma lei estatística? Para explicar isto, Vygotsky
ressaltou primeiro que o QI é um instrumento pouco preciso, “um
sintoma, uma indicação”. O problema é que não sabemos o que uma
pontuação de QI indica e como foi a evolução daquilo que ela indica.
Vygotsky deu ao público um exemplo de fundo bastante pessoal:
algumas tosses indicam gripe, outras denotam tuberculose! Seria
errado, portanto, formular a lei geral de que tosses devem ser tra-
tadas de uma determinada maneira. O mesmo se aplica a contagens
de ponto de QI: elas refletem históricos muito diferentes (ver tam-
bém capítulo 9).
Por que, então, crianças inicialmente com uma contagem alta
de pontos de QI tendem a perder pontos de QI nos quatro anos de
escola primária? Vygotsky afirmava que a razão de sua classificação
alta era o fato de terem vindo de um ambiente privilegiado (Vygotsky,
1933c/1935, p. 51). Elas dispunham de muitos livros e brinquedos,
seus pais liam histórias para elas etc. Vygotsky ressaltou que os
testes de Binet em uso eram projetados exatamente para testar o
conhecimento resultante desse tipo de ambiente. Não era surpresa
que essas crianças tivessem um bom desempenho. Porém, elas ten-
diam a perder essa vantagem porque
elas a obtêm [a alta classificação] à custa da zona de desenvolvimento
proximal, ou seja, elas percorrem sua zona de desenvolvimento proximal
mais cedo e, portanto, ficam com uma zona de desenvolvimento proxi-
mal relativamente pequena, uma vez que já a utilizaram em alguma
extensão. De acordo com os dados de minhas investigações, em duas
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 369

escolas havia mais de 57 por cento dessas crianças (Vygotsky, 1933c/


1935, p. 53).

Em essência, portanto, Vygotsky explicou o fenômeno da “re-


gressão para a média” como resultado do efeito nivelador da esco-
laridade. Como as circunstâncias na escola são mais equilibradas,
crianças de ambientes familiares menos privilegiados sairão ganhan-
do, enquanto aquelas que vêm de lares privilegiados tendem a per-
der. Porém, as pesquisas atuais parecem refutar a sugestão de
Vygotsky, pois, em haver alguma influência, a escolaridade parece
aumentar as diferenças individuais de competência.

O otimismo pedagógico de Vygotsky


e a previsão do desenvolvimento

O fato de Vygotsky ter formulado o conceito de zona de desenvol-


vimento proximal para explicar a dinâmica do desenvolvimento do QI
foi notável, assim como seu uso desse conceito como instrumento de
previsão. O modo como Vygotsky concebeu a medição da inteligência
por meio do teste de QI era, em certo sentido, evocativa da concepção
original de Binet. Binet (1909/1973, pp. 125-41) afirmou que podemos
aumentar nosso QI por meio da instrução e rejeitou a idéia de que a
inteligência tinha uma quantidade inata imutável.
Fica bastante claro em vários comentários de Vygotsky (por
exemplo, sua afirmação de que a zona de desenvolvimento proximal
“revela os resultados de amanhã”, que o estabelecimento dessa zona
é “um meio magnífico de prognóstico” e que “podemos saber o que
irá acontecer com essa criança... caso outras condições... permane-
çam as mesmas”) que ele considerava a medição da zona de desen-
volvimento proximal como um meio de prever o desenvolvimento
futuro do QI da criança. Em essência, ele sugeriu a medição de duas
grandezas — desempenho independente e desempenho conjunto com
ajuda — e afirmou que o desenvolvimento futuro do primeiro era
totalmente determinado pelo último. As crianças podiam beneficiar-
se de tarefas executadas em conjunto, por causa de sua capacidade
singular de imitar as atividades de seus parceiros mais capazes.
Referindo-se a McCarthy, Vygotsky afirmou que as atividades que
puderem ser imitadas pela criança serão executadas de forma inde-
pendente no futuro próximo: “As pesquisas mostram a dependência
estritamente genética entre o que a criança pode imitar e seu desen-
volvimento mental” (Vygotsky, 1933n/1984, p. 264). Para Vygotsky,
portanto, a dinâmica das pontuações de QI independentemente atin-
gidas pela criança era totalmente previsível com base na contagem
de pontos de QI obtida de forma conjunta. Esta posição peculiar
pode ser representada da seguinte maneira (ver figura 13.1).
370 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

7,0
• • • • • •X
6,5 X

6,0 X
Idade mental

5,5 X

5,0 X Chave
X = A
4,5 X •
X = B

4,0 4,5 5,0 5,5 6,0 6,5


Idade cronológica
FIGURA 13.1 Previsão das pontuações futuras de QI de uma criança com
base na medição do desempenho individual e com ajuda.

Para poder prever o desenvolvimento cognitivo futuro da criança,


o investigador precisa (1) estabelecer a contagem de pontos de QI que
a criança obteve de modo independente (na figura 13.1, a criança de
quatro anos consegue independentemente uma classificação de 4,5
anos de idade mental (medição A); a criança, portanto, obteve uma
classificação ligeiramente acima do desempenho médio para seu grupo
de idade). O passo seguinte é (2) estabelecer a contagem de pontos da
criança em um desempenho conjunto, ou seja, a criança pode fazer
uso de várias dicas e sugestões, vê uma demonstração de parte da
solução etc. Nestas circunstâncias, a criança em nosso exemplo con-
segue solucionar tarefas até uma idade mental de sete anos (medição
B). A criança, assim, tem uma zona de desenvolvimento proximal de
2,5 anos de idade mental. Podemos prever agora, de acordo com
Vygotsky, que nos próximos 2,5 anos o desempenho independente
dessa criança irá melhorar progressivamente até atingir o nível de
desempenho conjunto medido com a idade de quatro anos. Este nível
será atingido no final do período de dois anos e meio.
A concepção de desenvolvimento cognitivo resultante é um tanto
estranha por várias razões interconectadas. Primeiro, porque Vygotsky,
quando falou da pesquisa de McCarthy, sugeriu que o desenvolvimento
cognitivo ocorre de forma linear. Uma diferença de dois anos de idade
mental entre o desempenho independente e o desempenho com ajuda
teria desaparecido no final de dois anos. Esta idéia estaria em contra-
dição com muitas das declarações do próprio Vygotsky sobre a dialé-
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 371

tica do desenvolvimento infantil. Segundo, a dinâmica do desenvolvi-


mento do QI da criança foi representada por Vygotsky contra o pano
de fundo de um ambiente estático. O ambiente aparecia na forma da
medição do desempenho com ajuda ou conjunto em um ponto espe-
cífico do tempo e, depois disso, era desconsiderado. Não há razão para
supor que o desempenho com ajuda da criança na idade de cinco anos
seria o mesmo que o demonstrado na idade de quatro anos. Portanto,
não há razão para supor que algumas crianças terão “gasto” sua zona
de desenvolvimento proximal, como Vygotsky claramente sugeriu. Pelo
contrário, como as condições ambientais não mudaram (os adultos
ainda brincam com a criança e cuidam dela), há toda razão para supor
que uma segunda medição aos cinco anos resultava em uma classifi-
cação de desempenho conjunto ainda mais alta. É possível que essa
nova zona de desenvolvimento proximal pudesse, então, ser usada
para prever outra classificação de QI independente para a criança aos
sete anos. Os exemplos que Vygotsky deu para demonstrar o uso da
zona de desenvolvimento proximal sugerem que ele concebia o ambien-
te como um fundo estático para a criança em desenvolvimento dinâ-
mico. Isto também estava em nítida contradição com as idéias que ele
defendeu em suas várias outras publicações. Além disso, Vygotsky
pareceu sugerir que o desempenho independente de uma criança terá
como “teto” o desempenho conjunto. Isto pode ser plausível no caso de
testes de inteligência apresentados a crianças muitos pequenas, mas,
quando formulado como uma regra geral, sugere a idéia pouco feliz de
que as crianças nunca podem ter um desempenho melhor do que seus
parceiros adultos ou, colocado de uma maneira ainda mais genérica,
que a geração seguinte nunca pode transcender as possibilidades
cognitivas da anterior. Em si, esta idéia se insinua em qualquer con-
cepção que enfatize, como a teoria histórico-cultural, a transferência de
conhecimento cultural de uma geração para a seguinte, mas neste caso
específico ela está visivelmente presente. O conceito de imitação traz
em si a sugestão de mecanismos não-criativos de cópia. Embora seja
verdade que Vygotsky tentou evitar tal explicação para a imitação in-
fantil, afirmando que estava se referindo a “imitação intelectual”, ele
não mencionou ou nem ofereceu uma teoria estruturada da imitação
que pudesse solucionar o problema. Esboços de tais teorias — que
enfatizam o uso seletivo e combinações criativas de partes do material
apresentado à criança — foram sugeridos por Baldwin (1900) e
Guillaume (1926/1968).

O papel da imitação

Por que praticamente todos os especialistas no campo dos testes


de inteligência concentram seus esforços no desempenho independente
da criança? Esta questão foi levantada repetidas vezes por Vygotsky
372 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

nos últimos anos de sua vida (p. ex., Vygotsky, 1933n/1984; 1934a;
1935n). Para respondê-la, ele fez referência a uma concepção comu-
mente aceita, embora mal fundamentada, do processo de imitação. O
mal-entendido comum, segundo Vygotsky, era a crença de que as
crianças eram capazes de imitar qualquer coisa, como se a imitação
não fosse nada mais do que um processo mecânico e automático que
não revelava nada da mente do imitador (Vygotsky, 1933n/1984). Para
contrapor-se a essa concepção, ele poderia ter feito referência aos
estudos detalhados da imitação realizados por Baldwin e Guillaume,
entre outros. Em vez disso, surpreendentemente, Vygotsky referiu-se
aos experimentos de Köhler (1921) com chimpanzés. Essas investiga-
ções haviam demonstrado que chimpanzés só conseguem imitar ações
que façam parte de seu próprio repertório de ações independentemente
executadas (Vygotsky, 1933n/1984, p. 263). A afirmação geral de que
organismos podem imitar qualquer atividade é, portanto, infundada.
Vygotsky pressupôs que a capacidade de imitação das crianças fosse
limitada no mesmo sentido, mas, ao mesmo tempo, enfatizou uma
diferença fundamental entre humanos e animais neste aspecto. “A
principal diferença na imitação da criança é que ela pode imitar uma
série de ações que se encontram bem além dos limites de suas próprias
possibilidades mas que não são, porém, infinitamente amplas” (Vygotsky,
1934i/1935, p. 13).
Na opinião de Vygotsky, portanto, as crianças podem chegar além
de seu potencial pessoal, ao passo que os animais estão limitados à
zona de desenvolvimento real. Em várias ocasiões, ele tentou explicar
as causas dessa diferença fundamental. Embora reconhecendo o fato
de que é possível ensinar para animais vários comportamentos que não
se encontram em seu repertório normal, Vygotsky negou que isto
pudesse sugerir que eles possuíam uma zona de desenvolvimento
proximal, em qualquer sentido significativo da palavra:
neste caso, a operação seria executada simplesmente de uma forma
automática e mecânica, como um hábito sem significado, e não como
uma decisão inteligente e sensata... o animal, mesmo o mais inteligen-
te, não pode desenvolver suas possibilidades intelectuais por meio de
imitação ou instrução. Ele não pode adquirir nada essencialmente
novo em relação ao que ele já tem à sua disposição... Neste sentido,
pode ser dito que o animal não é capaz de aprender de fato, se enten-
dermos aprendizagem no sentido especificamente humano... O animal
só pode ser treinado. Ele só pode adquirir novos hábitos. Ele pode
aperfeiçoar seu intelecto por meio de exercícios e combinações, mas
não é capaz de obter desenvolvimento mental por meio de instrução no
verdadeiro sentido da palavra (Vygotsky, 1934a, pp. 219, 220, 263).

Vygotsky sugeriu que a diferença entre humanos e animais esti-


vesse baseada na diferença entre aprendizagem consciente e aprendi-
zagem por tentativa e erro. Sente-se que Vygotsky, aqui, estava procu-
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 373

rando uma distinção nítida entre a imitação não-inteligente do compor-


tamento observado, de um lado, e a imitação consciente de outro lado.
Sem dúvida, exemplos de comportamentos miméticos canhestros sobe-
jam nas descrições de Köhler, e ele de fato sugeriu que as imitações
dos chimpanzés eram limitadas (Köhler, 1921, p. 161), mas a impor-
tância do texto de Köhler está no fato de ele ter mostrado que certo
grau de comportamento consciente estava definitivamente presente nos
chimpanzés. Não foi, portanto, uma boa idéia Vygotsky ter se referido
ao trabalho de Köhler para afirmar a concepção de que a diferença
fundamental entre humanos e animais baseia-se no contraste entre
aprendizagem consciente e aprendizagem por tentativa e erro. Como
em outros casos (ver capítulo 9), sua tentativa de fazer uma distinção
clara entre comportamento humano e animal não foi conclusiva.
O raciocínio de Vygotsky pode ser resumido como se segue. Os
organismos em geral são limitados em sua capacidade de imitação.
Isto foi provado por Köhler no caso dos chimpanzés. Podemos pres-
supor, e temos algumas evidências práticas para esta pressuposi-
ção, que o mesmo se aplica aos seres humanos. Porém, crianças são
muito menos limitadas do que outras espécies, porque podem, até
um certo ponto, beneficiar-se com a instrução. Em contraste com
outras espécies, crianças têm a capacidade de imitação intelectual
consciente (Vygotsky, 1934a, p. 263). No caso de crianças, a apren-
dizagem pode evocar e promover seu desenvolvimento cognitivo.
O interesse de Vygotsky pelo papel da imitação também pode
explicar por que ele sugeriu certa vez (Vygotsky, 1933e/1966) que
o brinquedo pode criar a zona de desenvolvimento proximal:
o brinquedo também cria a zona de desenvolvimento proximal da crian-
ça. Na brincadeira, a criança está sempre se comportando acima de
sua idade, acima de seu comportamento usual do dia-a-dia; na brin-
cadeira ela está, por assim dizer, um pouco adiante dela mesma. O
brinquedo contém, de uma forma concentrada, como no foco de uma
lupa, todas as tendências de desenvolvimento; é como se a criança
tentasse pular acima de seu nível usual. A relação entre brinquedo e
desenvolvimento pode ser comparada com a relação entre instrução e
desenvolvimento... O brinquedo é uma fonte de desenvolvimento e cria
a zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1933e/1966, p. 74).

Provavelmente, Vygotsky tinha em mente os vários tipos de


brincadeiras em que as crianças imitam os adultos. De uma manei-
ra geral, ele deixou muito claro que dava um grande valor a essas
formas de imitação, ou de assumir papéis, tanto para o desenvolvi-
mento cognitivo quanto emocional. Claro que essas formas de brin-
quedo não poderiam ocorrer caso o modelo não estivesse presente.
Neste sentido, a imitação ativa de um modelo na brincadeira pode
estimular o desenvolvimento da criança tanto quanto a imitação que
ocorrerá durante ou depois da instrução.
374 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

O conceito de períodos sensíveis

O estabelecimento dos períodos mais favoráveis para o ensino


de matérias escolares específicas era uma tarefa de imensa impor-
tância prática e havia preocupado muitos pedagogos famosos. Um
dos mais famosos foi Montessori, que estabeleceu empiricamente os
períodos ótimos para instrução no período da pré-escola. Ela e outros
(p. ex., Drooglever Fortuyn, 1921)3 haviam ligado a idéia de períodos
mais favoráveis para aprendizagem ao conceito de períodos sensíveis
elaborado na biologia. Embora Vygotsky visse valor nas recomenda-
ções práticas de Montessori, mostrava-se hesitante em aceitar a
analogia rígida entre esses dois conceitos. Ele discutiu essa questão
em duas ocasiões: a primeira vez de uma maneira razoavelmente
neutra (Vygotsky, 1935n) e a segunda de forma mais crítica (Vygotsky,
1934a).
Em um texto, Vygotsky apenas sugeriu a existência de diferen-
tes períodos sensíveis na ontogenia de espécies diversas (1935n, pp.
22-3). Ele mencionou o trabalho do biólogo holandês De Vries (p.
ex., 1903), que havia descoberto que, antes e depois de determina-
dos períodos, um organismo (mais especificamente a planta Dipsacus
sylvestris) era menos sensível a estímulos específicos. Como exem-
plo, Vygotsky citou o crescimento de uma abelha-rainha: apenas
durante um período específico a ingestão de determinado alimento
irá produzir uma abelha-rainha (ver também Drooglever Fortuyn,
1921, pp. 8-9). Vygotsky introduziu também nesse artigo o conceito
da zona de desenvolvimento proximal em relação à idéia de períodos
sensíveis. A relação lógica era, basicamente, que não se pode espe-
rar interferências ambientais para períodos indiferentes: certos de-
senvolvimentos não ocorrerão, ou ocorrerão de forma insatisfatória,
se o organismo não for estimulado no momento certo.
Alguns meses depois, porém, Vygotsky relativizou essa analogia, vendo
pelo menos duas diferenças. Primeiramente, ao contrário de muitos
pedagogos, Vygotsky não fez simplesmente um estabelecimento
empírico da existência do fenômeno da maior capacidade de apren-
dizagem de uma criança durante períodos específicos, mas procurou
uma explicação tanto experimental quanto teórica. O estabelecimen-
to do desempenho da criança em uma ação conjunta, ou seja, o
estabelecimento da zona de desenvolvimento proximal, proporciona-
va “a possibilidade de elaborar um método para determinar esses
períodos” (Vygotsky, 1934a, p. 222). Devem ser ensinadas à criança

3. O fato de Vygotsky ter se referido a Drooglever Fortuyn, um biólogo


holandês pouco conhecido fora dos Países Baixos e ligado à escola de Montessori
na área de educação, sugere que ele tenha conhecido representantes dessa
escola durante sua estada na Holanda em 1925 (ver introdução à parte I).
EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 375

tarefas que ela não possa executar de forma independente, mas que
ela consiga realizar em cooperação com outras pessoas. Vygotsky
também alertou contra a tentação de se fazer uma analogia biológica
direta entre as descobertas de De Vries com animais inferiores e os
processos superiores, como aprender a escrever. Ele afirmou que
“Nossas investigações demonstraram que estamos lidando, nesses
períodos, com processos do desenvolvimento de funções psicológicas
superiores de uma natureza puramente social, que evoluem a partir
do desenvolvimento cultural da criança e têm a cooperação e a
instrução como fonte” (Vygotsky, 1934a, p. 223). É evidente, portan-
to, que Vygotsky tinha conhecimento das descobertas biológicas da
época (ver também capítulo 9) e tentava estabelecer ligações entre
elas. Ao mesmo tempo, porém, sua formação filosófica tornava-o
sensível para as diferenças que havia entre humanos e as outras
espécies. As discussões atuais quanto à validade de descobertas
etológicas para o estudo do desenvolvimento infantil (p. ex., Hinde,
1982; Tinbergen e Tinbergen, 1983; Wilson, 1976) mostram que esta
questão não perdeu sua atualidade.

Conclusão

O trabalho que Vygotsky completou com referência à zona de


desenvolvimento proximal e à relação entre aprendizagem e desen-
volvimento cognitivo é o aspecto mais conhecido de sua contribuição
para a psicologia. Sua análise do papel essencial do outro social
para o desenvolvimento cognitivo da criança é interessante e as
implicações disso continuam sendo estudadas até hoje (p. ex., Rogoff
e Wertsch, 1984). A aplicação específica desse conceito no contexto
de medições repetidas de QI, porém, não foi feliz e parece estar em
discordância com vários pressupostos básicos de sua teoria históri-
co-cultural. Causou surpresa o fato de Vygotsky ter afirmado que o
conceito da zona de desenvolvimento proximal não era original,
declaração esta que foi avidamente citada por críticos antigos e
posteriores (Kozyrev e Turko, 1936; Rudneva, 1937; Brushlinsky,
1968). Ele mencionou “Meumann e outros”, “pesquisadores america-
nos” e “a pesquisadora norte-americana McCarthy” como a origem
do conceito. Porém, essas referências são extremamente vagas e os
autores do presente livro não conseguiram encontrar as raízes do
conceito. A referência ao trabalho de Dorothea McCarthy pode servir
de exemplo. Ela mostrou que crianças normais que vivenciavam
ambientes de fala adulta produziam amostras de discurso geralmen-
te mais longas do que crianças que se associavam com crianças
mais velhas ou de mesma idade (McCarthy, 1930, pp. 62-3), e esta
descoberta supostamente demonstrou a capacidade de outros so-
ciais mais experientes proporcionarem à criança a “forma ideal” de
376 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

desenvolvimento. De qualquer forma, isto ainda parece estar bem


distante do conceito da zona de desenvolvimento proximal elaborado
por Vygotsky.
Pode-se dizer que, no período final de sua vida, Vygotsky desen-
volveu um interesse profundo pela relação entre o processo de apren-
dizagem/instrução e o desenvolvimento mental. Refutando as idéias
de seus colegas Koffka e Piaget e baseando-se fortemente na pesqui-
sa pedológica da época (com sua utilização de testes mentais), ele
desenvolveu sua própria concepção do problema. A base empírica de
seu pensamento, infelizmente, é pouco conhecida (ver pesquisa de
Shif no capítulo 11 como uma exceção), mas fica claro que, con-
quanto o pensamento de Vygotsky fosse de fato original, ele se apoiou
em trabalhos de pesquisadores contemporâneos. Embora se mos-
trasse notadamente silencioso quanto aos princípios básicos de sua
dileta teoria histórico-cultural (ver capítulos 5 e 16), na década de
1930 Vygotsky havia, uma vez mais, formado um grupo de pesquisa
criativo e lançado novas idéias e, com isso, criou a escola de Lenin-
grado na área da pedologia.
377

14
Emoções: em busca de
uma nova abordagem

No início da década de 1930, Vygotsky voltou sua atenção para


mais um assunto dentro da psicologia: o estudo das emoções. Du-
rante alguns anos, trabalhou em um manuscrito que tratava das
então populares teorias das emoções e seus déficits. De acordo com
colegas e alunos de Vygotsky, houve diversas versões do manuscrito
com títulos diferentes entre aproximadamente 1931 e 1933. Uma
versão datada de 1933 foi encontrada postumamente entre seus
papéis (Jaroshevsky, 1984, pp. 350-1).
Não será surpresa para o leitor, em vista do destino de muitos
de seus outros manuscritos, que o estudo não tenha sido publicado
durante a vida de Vygotsky. Tentativas de Luria e da irmã de
Vygotsky, Zinaida Vygodskaja, para publicar o manuscrito em mea-
dos da década de 1930 também fracassaram (ver Luria, 1935b, p.
266, onde o manuscrito é citado como “Spinoza e sua teoria do
afeto. Prolegômenos à psicologia do homem [no prelo]”), e apenas no
final da década de 1960 foram publicados os dois primeiros extratos
curtos do manuscrito de Vygotsky (Vygotsky, 1968; 1970). Por fim,
cinqüenta anos depois de sua morte, o manuscrito — agora chama-
do A teoria das emoções. Uma investigação histórico-psicológica — foi
publicado em sua versão integral no sexto volume da edição sovié-
tica de suas obras reunidas (Vygotsky, 1984b).
O argumento principal do manuscrito era que as teorias das
emoções existentes, em particular a então intensamente discutida
teoria de James-Lange, eram essencialmente dualistas. Para uma
solução desse dualismo, Vygotsky voltou-se para a filosofia de
Spinoza. É claro que a idéia de analisar a questão do dualismo com
relação às teorias das emoções disponíveis não surgiu pela primeira
vez com Vygotsky. A publicação da teoria de James-Lange havia
provocado um debate intenso tanto na psicologia como na filosofia
e os especialistas estavam perfeitamente cientes da questão do
dualismo mente-corpo e da ligação entre as teorias das emoções
modernas e o pensamento clássico (p. ex., Irons, 1894, 1895a, 1895b,
1895c; Cannon, 1914; Titchener, 1914). Irons (1895a), por exemplo,
378 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

antecipou Vygotsky ao apontar as semelhanças entre a teoria de


James-Lange e a teoria das emoções de Descartes apresentada em
As paixões da alma.
Vygotsky conhecia bem essa literatura, e é difícil avaliar com
exatidão quais leituras podem tê-lo levado a escrever seu estudo. É
provável que tenha se inspirado em sua leitura de Janet, que dedicou
uma grande seção de seu Da ansiedade ao êxtase (Janet, 1929) a
várias teorias da emoção. As ligações teóricas entre os escritos de Janet
e de Vygotsky são importantes e já foram analisadas (Van der Veer e
Valsiner, 1988). Vygotsky, sem dúvida, fez um uso extenso das atas do
simpósio de Wittenberg, realizado no Wittenberg College, Springfield,
Ohio, em 19-23 de outubro de 1927. Esse primeiro simpósio interna-
cional sobre sentimentos e emoções contou com a presença de vários
dos principais pesquisadores da época, entre eles Karl Bühler, Cannon,
Prince e Washburn. Além disso, trabalhos de especialistas interna-
cionais (como Adler, Bekhterev, Claparède, Jaensch, Janet, McDougall
e Stern) foram lidos para a platéia (ver Reymert, 1928). Fazendo um
diálogo com esses pesquisadores modernos e lendo as traduções rus-
sas de Descartes e Spinoza, Vygotsky procurou desenvolver seu próprio
ponto de vista quanto a uma teoria da emoção.

Linha geral do estudo

O longo manuscrito de Vygotsky (cerca de 225 páginas) tinha uma


estrutura complexa; portanto, apresentaremos primeiro a linha geral
de sua argumentação, antes de examinarmos o texto mais de perto.
O texto começava com uma análise pormenorizada da teoria da
emoção de James-Lange. Como é sabido, William James e Carl Lange,
um fisiologista dinamarquês, desenvolveram independentemente uma
teoria paradoxal da emoção. Sua teoria propunha que as mudanças
fisiológicas que acompanhavam as emoções (reguladas pelo sistema
nervoso autônomo) — como tremor e suor — eram resultado direto
da percepção de um estímulo excitante ou ameaçador. O “sentimen-
to” da emoção viria em seguida a essas reações periféricas. Em seus
Princípios de psicologia, James expressou sua hipótese como se segue:
Minha teoria... é que as mudanças corporais seguem-se diretamente
à percepção do fato estimulador e que nosso sentimento dessas mesmas
mudanças quando elas ocorrem É a emoção... que ficamos tristes por-
que choramos, bravos porque atacamos, com medo porque trememos,
e não que choramos, atacamos ou trememos pelo fato de estarmos
tristes, bravos ou com medo, conforme for o caso (James, 1890/1983,
pp. 1065-6).

Depois de apresentar a teoria de James-Lange, Vygotsky afir-


mou que ela não se sustentava em bases empíricas. Em apoio a essa
EMOÇÕES 379

afirmação, ele se referiu às descobertas de Cannon, que demonstra-


vam que (1) se as mudanças corporais não parecem diferir muito de
um estado emocional para outro, então como uma pessoa poderia
saber se estava furiosa ou excitada?, (2) os órgãos internos não são
bem supridos de nervos e as mudanças internas, portanto, ocorrem
de forma lenta demais para serem fonte de sentimentos emocionais,
e (3) a indução artificial das mudanças corporais associadas a uma
emoção não produz a experiência da verdadeira emoção.
Tudo isto, evidentemente, é sabido e pode ser encontrado em
qualquer manual. O interessante aqui é que Vygotsky, embora tenha
usado as descobertas de Cannon para criticar a teoria de James-Lange,
não aceitava a teoria do tálamo de Cannon como uma alternativa
viável. A teoria do tálamo de Cannon colocava a região talâmica como
o centro coordenador de impulsos nervosos tanto dos órgãos periféricos
dos sentidos como do nível cortical do sistema nervoso. Algumas emo-
ções podiam não requerer nenhuma coordenação com os níveis supe-
riores do sistema nervoso e, assim, estariam limitadas ao controle
talâmico. Outras envolveriam integração de contribuições periférico-
-talâmicas e cortical-talâmicas. Estas últimas usualmente funciona-
vam como um mecanismo de controle inibidor. O “conflito” dos aspec-
tos “corpo” (conforme é exemplificado pela contribuição periférica do
tálamo) e “mente” (contribuição cortical-talâmica) das emoções, argu-
mentou Vygotsky, preservava o dualismo mente-corpo na teoria das
emoções de Cannon. Neste aspecto, a teoria de Cannon continuava
dentro dos limites da concepção original de James-Lange. Ela ainda
era uma teoria basicamente fisiológica e não levava em conta o aspecto
psicológico dos processos emocionais. O que precisava ser feito, segun-
do Vygotsky, era uma análise aprofundada das bases filosóficas da
teoria de James-Lange. O principal objetivo de seu estudo era apresen-
tar essa análise. Em particular, ele procurou demonstrar que os pontos
fracos e limitações da teoria da emoção de James-Lange poderiam ser
atribuídos à influência de Descartes.
Apoiando-se em Irons (1895a), Vygotsky afirmou que a teoria de
James-Lange era, em grande medida, equivalente à teoria apresentada
por Descartes em As paixões da alma. Além disso, a influência de
Descartes tinha implicações mais amplas: precisamente como resulta-
do da maneira como Descartes formulou e resolveu o problema mente-
-corpo, o estudo da psicologia ficou dividido em dois campos. O debate
entre os que difundiam a psicologia como Naturwissenschaft (ciência
natural) e os que defendiam a possibilidade da psicologia como
Geisteswissenschaft (hermenêutica) tinha sua origem nos escritos de
Descartes. Assim, o conflito entre psicólogos que desejavam ser cien-
tistas no sentido comumente aceito nas ciências naturais (estudando
o comportamento) e psicólogos que procuravam uma compreensão dos
planos, motivos etc. humanos (enfatizando o significado) já estava pre-
380 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

sente em boa parte da obra do filósofo francês (ver capítulo 7; Kendler,


1981). Era convicção de Vygotsky que esse conflito na psicologia estava
assentado em uma base conceitual inadequada e ele afirmou que o
ponto de partida de uma melhor análise filosófica poderia ser encon-
trado na obra de Spinoza.
A estrutura do ensaio, assim, pode ser resumida como se segue.
Vygotsky demonstrou primeiro que a teoria de James-Lange era, em
grande medida, equivalente à teoria de Descartes, notadamente da
forma como esta era expressa em As paixões da alma. Em seguida,
ele mostrou que a psicologia das emoções (e a psicologia em geral)
estava tolhida pelo legado cartesiano. Por fim, sugeriu que o estudo
dos escritos de Spinoza poderia produzir uma maneira nova e me-
lhor de solucionar o problema do dualismo mente-corpo.

A teoria das emoções de Descartes

Em As paixões da alma, a intenção de Descartes era explicar a


natureza das paixões como um “filósofo natural”. Ele começou des-
crevendo os processos corporais que dão origem a uma emoção. Para
ele, todas as sensações eram dependentes dos nervos, os quais eram
“como pequenos fios ou tubos vindos do cérebro e contendo, como
o próprio cérebro, certo ar ou vento sutil que é chamado de ‘espíritos
animais’” (Descartes, 1649/1985, p. 330). Descartes explicou que os
chamados espíritos são, na verdade, corpos extremamente pequenos
que se movem muito rapidamente, “como as chispas do fogo de uma
tocha”. Quando uma pessoa percebe um objeto assustador ou alar-
mante, os espíritos animais nos órgãos dos sentidos movem-se pelos
nervos até o cérebro, onde a glândula pineal interage com a alma. A
glândula pineal, que é a sede principal da alma, pode ser movida
pelos espíritos animais “de tantas maneiras quantas são as diferen-
ças perceptíveis nos objetos. Mas também pode ser movida de várias
maneiras diferentes pela alma” (Descartes, 1649/1985, p. 341). A
alma pode mover a glândula pineal, o que faz os espíritos animais
moverem-se na direção dos músculos e outras partes do corpo, pro-
duzindo desta forma os processos corporais geralmente ligados a
uma emoção.
Disto pode-se concluir que a análise de Descartes consiste em
duas partes: (1) uma teoria aferente (periférica) da emoção, e (2) uma
teoria eferente (central) da emoção. Na primeira parte, vemos um
processo puramente mecânico dando origem à experiência conscien-
te apenas no ponto final de uma longa série de mudanças corporais.
Na segunda parte, a própria alma inicia essas cadeias causais. Essas
partes centrípeta e centrífuga (como são chamadas) do sistema de
Descartes podem até mesmo ficar em conflito, já que “a pequena
glândula no meio do cérebro pode ser impelida para um lado pela
EMOÇÕES 381

alma e para o outro lado pelos espíritos animais... e acontece com


freqüência que esses dois impulsos sejam contrários um ao outro”
(Descartes, 1649/1985, p. 346).

Descartes e a teoria de James-Lange

Vygotsky ocupou-se primeiramente do aspecto centrípeto da


teoria de Descartes e comparou-o com a teoria da emoção de James-
-Lange. Ele observou que, nessa parte de sua teoria, Descartes re-
presentou as paixões como tendo um caráter passivo e perceptual.
Um objeto assustador causa todo o processo desde o órgão sensorial
até a glândula pineal. Lá, a alma irá “perceber” ou “sentir” (mais ou
menos como um homúnculo) as mudanças corporais. A alma é re-
presentada, portanto, como o receptor último e passivo dos movi-
mentos da glândula pineal. Exatamente o mesmo quadro é esboçado
na teoria da emoção de James-Lange, declarou Vygotsky. Para James
e Lange, a emoção era a consciência ou sentimento de mudanças
viscerais. James afirmou, como vimos acima, que “as mudanças
corporais seguem-se diretamente à percepção do fato existente e
nosso sentimento dessas mesmas mudanças quando elas ocorrem é
a emoção”. Isto significa que para a (parte aferente da) teoria de
Descartes como para a teoria de James-Lange a emoção é equivalen-
te a uma percepção (sentimento) passiva de mudanças corporais.
A teoria de James-Lange e o aspecto centrípeto da teoria de
Descartes, afirmou Vygotsky, davam uma explicação essencialmente
determinista e causal para a origem das emoções e destacavam a
descrição de processos corporais. Tal concepção tinha várias impli-
cações. Por exemplo, é difícil conceber um desenvolvimento emocio-
nal na ontogênese. Uma vez que a emoção é considerada um pro-
cesso de tomada de consciência de mudanças corporais, ter-se-ia
provavelmente que argumentar que a natureza desses processos
corporais muda durante a ontogênese. De fato, raciocinando pelo
ponto de vista da teoria de James-Lange, fica-se inclinado a consi-
derar que as emoções primitivas (medo, raiva) são mais reais do que
emoções “superiores” complexas (despeito, melancolia) e a ver o
desenvolvimento como a deterioração dessas emoções “infantis” ori-
ginais. Emoções, de qualquer modo, deviam ser controladas, pois “o
principal uso da sabedoria está em nos ensinar a ser mestres de
nossas paixões” (Descartes, 1649/1985, p. 404). Em uma concepção
cartesiana, portanto, as emoções primitivas originais ou irão se
deteriorar ou serão preservadas em seu estado primitivo original.
Neste último caso, elas devem ficar cada vez mais sob o controle da
alma. Em nenhuma circunstância as emoções primitivas originais
podem desenvolver-se em emoções superiores mais refinadas.
382 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Vygotsky considerava essa concepção altamente insatisfatória.


Em sua opinião, seres humanos são capazes de emoções mais so-
fisticadas do que os animais e os adultos têm uma vida emocional
mais refinada do que as crianças (cf. Elias, 1978). Devemos, portan-
to, tentar esboçar a transição das primeiras emoções primitivas da
vida para as experiências emocionais superiores (cf. Averill, 1986).
Tanto na teoria de James-Lange como na de Descartes, as emoções
eram vistas como sendo essencialmente imutáveis e, portanto, em
última análise inatas, concluiu Vygotsky (1984b, p. 273). A falta de
uma perspectiva de desenvolvimento pode ser explicada, pelo menos
parcialmente, pela divisão entre mente (alma) e corpo. É difícil para
um dualista imaginar a qualidade das emoções mudando aos pou-
cos, à medida que o conhecimento conceitual e os processos cognitivos
da criança se desenvolvem. Os processos corporais jamais podem se
desenvolver em emoções superiores, porque emoções superiores
pertencem ao domínio da alma. Pela mesma razão, será difícil ofe-
recer uma explicação da vida emocional que conecte as emoções a
outros processos psicológicos e à consciência em geral.
Até aqui, vimos como Vygotsky tentou demonstrar a equivalência
entre a teoria aferente (centrípeta) de Descartes e a teoria da emoção
de James-Lange. Seu passo seguinte foi procurar idéias eferentes (cen-
trífugas) nesta teoria. A conclusão de Vygotsky foi que, nos escritos de
James, não encontramos exemplos de mudanças corporais que são
causadas pela mente. Assim, não haveria nenhum aspecto puramente
eferente na teoria de James-Lange. Ele afirmou, porém, que James de
fato aceitava indiretamente a possibilidade de emoções puramente
intelectuais sem correlatos corporais (Vygotsky, 1984b, p. 250). Isto
pode não estar inteiramente correto. A questão é que James distinguia
entre emoções “padrão”, que tinham uma distinta expressão corporal,
e emoções “cerebrais” intelectuais, que não tinham tais correlatos cor-
porais (James, 1884/1984, pp. 127-8). Emoções padrão, ele afirmou,
seriam adequadamente explicadas por sua teoria. James tinha cons-
ciência de que a existência de emoções puramente intelectuais invali-
dariam sua teoria. Ele até aceitava a existência de tais fenômenos
mentais, mas sugeria, precisamente por causa da ausência de correlatos
corporais, que elas pudessem ser mais propriamente chamadas de
julgamentos ou cognições. James, portanto, solucionou o problema das
emoções intelectuais por definição, embora percebesse que essa solu-
ção implicava “um antagonismo... entre o espírito e a carne” (James,
1884/1984, pp. 138-40).
Vygotsky, aparentemente, não aceitou a solução por definição de
James e concluiu que também neste ponto a teoria de James coincidia
com a teoria de Descartes, pois este também sugeriu a possibilidade de
“emoções internas que são produzidas apenas na alma pela própria
alma” (Descartes, 1649/1985, p. 381). Na opinião de Vygotsky, o pos-
EMOÇÕES 383

tulado dessas “emoções intelectuais” era, em certo sentido, inevitável.


Uma explicação puramente mecanicista das paixões era claramente
inadequada. A concentração exclusiva nos processos corporais ignora-
va as qualidades superiores, tipicamente humanas, das emoções hu-
manas. Estas, portanto, tinham que ser postuladas de uma forma que
não fosse indicativa de um controle puramente aferente. A conclusão
de Vygotsky foi que a teoria de James-Lange coincidia em grande
medida com a análise de Descartes em As paixões da alma.

Explicações mecanicistas causais

Embora uma teoria puramente eferente das emoções não possa


ser encontrada nos escritos de James, esta havia, evidentemente,
sido proposta por outros psicólogos e filósofos. Vygotsky mencionou
Dilthey, Spranger e Bergson. Estes pensadores haviam ridiculariza-
do uma abordagem determinista causal em psicologia: tal aborda-
gem poderia ser apropriada para a explicação de processos psicofísicos
inferiores, como reflexos, mas era definitivamente inadequada para
a explicação do pensamento e volição humanos. Vygotsky aceitava
parte deste argumento. Embora tivesse grande simpatia pela tenta-
tiva de Descartes e de James-Lange de explicar as emoções de forma
causal, sentia que a explicação deles era claramente inadequada.
Ele fez referência até mesmo às famosas palavras de Sócrates no
Fédon de Platão, criticando uma visão de mundo mecanicista:
Seria como... se alguém primeiro dissesse que Sócrates age pela razão
ou pela inteligência; e depois, tentando explicar as causas do que
estou fazendo agora, afirmasse que estou sentado aqui porque meu
corpo é composto de ossos e tendões... e que os tendões, relaxando e
contraindo, fazem-me estar com as pernas dobradas agora, e que esta
é a causa de eu estar sentado aqui com as pernas dobradas... No
entanto, a verdadeira causa de eu estar sentado aqui na prisão é que
os atenienses decidiram me condenar e que eu decidi que... é mais
justo eu estar aqui (Fédon, 98c-9a).

Vygotsky aceitava a condenação por Sócrates da explicação


mecanicista, particularmente porque ela se aplicava tanto à teoria
de Descartes quanto à teoria da emoção de James-Lange. Porém, ele
não aceitava a conclusão, tirada pelos proponentes de uma aborda-
gem hermenêutica na psicologia (Dilthey, Spranger), de que qual-
quer explicação causal em psicologia era, portanto, impossível e que
a psicologia não tinha outro recurso senão basear-se em procedi-
mentos hermenêuticos. Para ele, o fracasso da explicação mecanicis-
ta causal não implica a impossibilidade lógica de uma explicação
causal para processos psicológicos superiores como tal. Na verdade,
Vygotsky afirmou, tanto os psicólogos hermeneutas como os deter-
ministas compartilhavam a mesma visão inadequada da explicação
384 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

causal. Como resultado, os primeiros estudavam os processos psico-


lógicos superiores (considerados como não sendo causalmente de-
terminados, mas livres como a descrição da alma de Descartes), ao
passo que os últimos limitavam-se ao estudo de processos simples
estímulo-resposta, que supostamente tenham uma determinação
causal (Vygotsky, 1984b, p. 295). Isto levou à “tragédia de toda a
psicologia moderna, que consiste no fato de que ela não consegue
encontrar uma maneira de compreender a verdadeira ligação ade-
quada entre nossos pensamentos e sentimentos, de um lado, e a
atividade do corpo, de outro lado” (Vygotsky, 1984b, p. 265).
A crítica de Vygotsky à teoria de James-Lange era intrigante e
pode aplicar-se também a teorias das emoções contemporâneas (Van
der Veer e Valsiner, 1989). De qualquer forma, os vários problemas
que Vygotsky levantou, como o dualismo mente-corpo em teorias
emocionais e a falta de uma abordagem desenvolvimentista, ainda
estão entre os temas mais atuais da teoria emocional. São estes e
outros problemas que levaram filósofos e psicólogos modernos a
procurar concepções teóricas alternativas, como o construtivismo
(ver Harré, 1986; Ratner, 1989).

A busca de Vygotsky por uma solução

A análise feita por Vygotsky da teoria de James-Lange e sua ten-


tativa de demonstrar sua similaridade com a teoria de Descartes foi
persuasiva. Seu passo seguinte foi tentar proporcionar uma alternativa
para essas explicações. E voltou-se para outro grande pensador do
passado em busca de inspiração. Ele sugeriu que o germe de uma
forma mais aceitável de explicação causal das emoções poderia ser
encontrado na Ética de Spinoza. Vygotsky ficou fortemente impressio-
nado pelos escritos do filósofo holandês, cujas idéias, em sua opinião,
“cortam como diamante no vidro”1 (ver capítulos 1 e 9).
Vários fatores podem ter levado ao fascínio de Vygotsky pelos
escritos de Spinoza. Em primeiro lugar, Spinoza optou por uma
solução monista para o problema corpo-alma. Ele considerava a
alma e o corpo como dois lados da mesma substância. Para Spinoza,
não havia um corpo mecanicistamente determinado, nem uma alma
livre e não-determinada. Vygotsky citava freqüentemente a Ética, em
que se afirmava que
A maioria dos que escrevem sobre emoções e sobre conduta humana
parece estar tratando de questões externas à natureza e não de fenô-
menos naturais que seguem as leis gerais da natureza. Parecem ima-

1. Dois dos livros de Spinoza haviam sido traduzidos para o russo nessa época,
ambos antes da revolução de 1917: Ética e Tratado da correção do intelecto.
EMOÇÕES 385

ginar o homem situado na natureza como um reino dentro de um


reino: pois acreditam que ele perturba em vez de seguir a ordem da
natureza, que ele tem o controle absoluto de suas ações e que é
determinado unicamente por si próprio (Spinoza, 1677/1955, p. 128).

Spinoza discordava dessas teorias e queria estender a abordagem


determinista a todas as ações humanas e ao domínio da alma. Ele não
aceitava a existência da alma livre e não-determinada de Descartes e
refutava seu dualismo. Esta atitude foi muito importante para Vygotsky,
cujas metas eram similares (ver também capítulo 7). Em sua opinião,
uma teoria adequada da emoção deveria dar uma explicação significa-
tiva para a relação entre as emoções inferiores das crianças e as emoções
superiores dos adultos. Tendo citado Spinoza, Vygotsky concluiu:

Portanto, é impossível dividir o enorme campo das emoções em duas


partes, uma das quais é receptiva à hipótese periférica e a outra não.
Não existem sentimentos que, por causa de um privilégio de nasci-
mento, pertencem à classe superior, e ao mesmo tempo outros que,
por sua própria natureza, podem ser considerados entre a classe in-
ferior. A única diferença é uma diferença em riqueza e complexidade,
e todas as nossas emoções são capazes de ascender todos os passos
de nossa evolução sentimental (Vygotsky, 1984b, p. 279).

É possível perceber pelo trecho acima que o dualismo de Des-


cartes e outros era contrário à abordagem “genética” desenvolvi-
mentista de Vygotsky. Criticando tanto a ideia de uma explicação
causal mecanicista como a idéia do entendimento hermenêutico,
Vygotsky buscava uma abordagem causal monista em psicologia.
Mas que tipo de explicação causal ele tinha em mente se não era a
causalidade mecanicista? E como, de acordo com Vygotsky, o estudo
da obra de Spinoza poderia ser útil na concepção de uma abordagem
desenvolvimentista para o estudo das emoções? Infelizmente, não
sabemos as respostas para estas e outras perguntas, uma vez que o
manuscrito de Vygotsky está incompleto. Ele termina com a análise
da teoria cartesiana, e o discurso construtivo sobre Spinoza nunca
foi escrito.
Esta falta pode ser interpretada de várias maneiras. Evidente-
mente, Vygotsky pode não ter terminado o estudo pela simples razão
de ter tido outras coisas mais urgentes para fazer e, como vimos,
muitos manuscritos não publicados e inacabados foram encontrados
em seus arquivos particulares. Uma outra razão mais interessante
poderia ser que ele simplesmente tenha julgado que estava no cami-
nho errado: ele pode ter se convencido de que não encontraria ne-
nhuma resposta simples para o problema do dualismo na psicologia
nas obras de Spinoza. Tentaremos reconstruir esta possível linha de
pensamento usando outros escritos de Vygotsky, e indicaremos al-
guns problemas potenciais.
386 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Em seu manuscrito, Vygotsky afirmou várias vezes que não


pode haver outra coisa diferente de uma explicação causal na psi-
cologia das emoções, ao mesmo tempo que descartava a possibilida-
de de uma explicação causal mecanicista. O que, então, tinha ele em
mente quando falava sobre explicação causal? Jaroshevsky, o his-
toriador soviético da psicologia, sugeriu o seguinte. Jaroshevsky fez
a distinção entre três níveis de explicação determinista na história
da ciência (em Vygotsky, 1984b, p. 346). O primeiro nível é o deter-
minismo mecanicista, característico dos escritos de Descartes (ou
parte deles) e de pensadores como La Mettrie. Nesta visão, o com-
portamento humano é explicado com referência a minúsculos cor-
pos que interagem por meio de colisão, e sentinelas e autômatos são
as metáforas mais freqüentemente usadas para compreender o ser
humano. O segundo nível é o determinismo biológico, que Jaroshevsky
vê exemplificado nos escritos de Darwin. O comportamento humano
é explicado aqui com referência a conceitos explicativos biológicos,
como “homeostase”, “valor de sobrevivência”, “seleção” etc. A teoria
do tálamo de Cannon pode ser vista como uma teoria desse tipo. Por
fim, o terceiro nível de explicação é o determinismo histórico-social:
a atividade humana é explicada com referência a influências sociais
e culturais e pela reconstituição de seu desenvolvimento histórico
na filogenia e na ontogenia. Este último tipo de explicação, segundo
Jaroshevsky, era típico de Vygotsky e foi usado por ele para cons-
truir sua teoria histórico-cultural dos processos psicológicos supe-
riores (ver capítulo 9).
A aceitação da teoria sociocultural da mente não implica que se
deva descartar os outros dois níveis de explicação em psicologia,
mas acarreta a necessidade de que elas sejam submetidas a uma
análise histórico-social quando se estiver tratando dos processos
psicológicos superiores especificamente humanos. Vygotsky afirma-
va que, quando fatores sociais e culturais entram em cena, os pro-
cessos inferiores não deixam de existir, mas são “suplantados” (ver
Hegel); ou seja, eles continuam presentes e irão reemergir quando os
processos superiores, por uma razão ou outra, estiverem impossibi-
litados de funcionar (ver capítulos 4 e 11). Para a psicologia, isto
significa que o nível primário de análise e explicação é concentrado
em fatores sociais e culturais. Se a explicação neste nível falhar, o
pesquisador tem que recorrer a um dos níveis inferiores de explica-
ção. Vygotsky, em particular, tentou mostrar que a criança incorpo-
ra instrumentos culturais através da linguagem e que, portanto, os
processos psicológicos afetivos e cognitivos da criança são determi-
nados, em última instância, por seu ambiente cultural e social.
Parece que as idéias social-construtivistas modernas da emoção
aproximam-se da formulação que Vygotsky estava defendendo. O
social-construtivismo aceita duas classes gerais de emoções huma-
EMOÇÕES 387

nas (adultas): (1) emoções que têm análogos naturais em animais e


bebês humanos (como alegria e medo), e (2) emoções que não têm
esses análogos naturais (como raiva). Ambas as classes de emoções,
porém, são mediadas pela consciência social do indivíduo e, portan-
to, mudam sua natureza como as capacidades cognitivas do indiví-
duo se desenvolvem. O sentimento de ciúme de uma criança, por
exemplo, é qualitativamente diferente do sentimento de mesmo nome
de um adulto (ver Ratner, 1989, para exemplos e para uma descri-
ção lúcida do social-construtivismo). Esta visão pode muito bem
estar em harmonia com a distinção de Vygotsky entre processos
psicológicos superiores e inferiores e sua concepção do desenvolvi-
mento cognitivo. Afinal, ele afirmava com freqüência que o desenvol-
vimento conceitual em crianças transformava seu funcionamento
mental em todos os aspectos (ver capítulo 11). Ele também interpre-
tava o fato de os sentimentos emocionais de muitos pacientes men-
tais mudarem com referência a mudanças cognitivas que haviam
ocorrido durante a doença.
A abordagem que Vygotsky estava procurando pode ser encon-
trada nos escritos de Spinoza? É verdade que Spinoza afirmava que
não há uma distinção essencial entre processos emocionais (inferio-
res) e processos intelectuais (superiores), e ele também acreditava
que ambos deveriam ser explicados causalmente. A crença de Spinoza
na unidade de corpo e alma e sua defesa do determinismo foram
ecoadas pela busca por Vygotsky de uma nova psicologia das emo-
ções. No entanto, é duvidoso que uma teoria desenvolvimentista das
emoções pudesse se beneficiar do estudo dos escritos de Spinoza,
uma vez que uma perspectiva desenvolvimentista parece estar total-
mente ausente em seu trabalho (Calhoun e Solomon, 1984) e que os
escritos de Spinoza têm um toque reducionista (Harré, 1986, p. 3).
Pode-se questionar também o valor da solução de Vygotsky para o
problema ontológico geral do corpo e mente. Sua teoria hierárquica
da mente, em que os processos psicológicos inferiores são “suplan-
tados” pelos superiores, é realmente relevante para o problema
ontológico do dualismo mente-corpo? Será que alguma forma de
dualismo não é retida na distinção entre processos psicológicos
inferiores e superiores? Estas perguntas continuam sem resposta.
Neste capítulo, propusemo-nos à meta mais modesta de apresentar
a tentativa “um tanto ingênua e estranha” (Vygotsky, 1984b, p. 138)
de Vygotsky de conectar a filosofia clássica e a pesquisa psicológica
moderna.

Conclusões

No início da década de 1930, Vygotsky escreveu uma análise


penetrante da teoria das emoções de James-Lange, demonstrando a
388 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

equivalência entre esta teoria e a teoria das paixões de Descartes. A


fim de encontrar um antídoto para o dualismo cartesiano, ele vol-
tou-se para as obras de Spinoza, apenas para descobrir que a res-
posta não estava lá. Porém, a própria concepção de Vygotsky sobre
a natureza e desenvolvimento das emoções era potencialmente útil
e assemelha-se às idéias social-construtivistas modernas sobre as
emoções.
389

15
Uma palavra final

O último capítulo de Pensamento e linguagem dá o melhor insight


disponível (fora sua correspondência) das preferências pessoais de
Vygotsky. Ditado nos meses finais de sua vida, ele contém muitas
referências aos poetas que ele apreciava e às obras de literatura e
peças teatrais que ele admirava, em resumo, ao mundo das palavras
e do teatro que ele amou desde sua juventude.
O conteúdo desse capítulo pode até mesmo ser reconstruído a
partir dos vários fragmentos poéticos citados. Pois Vygotsky come-
çou sua última obra com uma citação de seu poeta favorito, que ele
conheceu pessoalmente — Osip Mandel’shtam: “Esqueci a palavra
que queria dizer e, sem substância, o pensamento voa de volta para
seu lar de sombras”. Estas eram linhas de um poema publicado em
Tristia, a coletânea de poemas que Mandel’shtam havia dedicado a
Vygotsky em 1922 (ver capítulo 1).
Perto do fim do capítulo, encontramos duas linhas do poema de
Gumilyov, “A palavra” (1921), que complementava o de Mandel’shtam:
“E como abelhas em uma colméia deserta, cheiram mal as palavras
mortas”.1 Para Vygotsky, as linhas de Gumilyov expressavam a idéia
de que palavras sem significado ou sentido ou sem pensamentos
subjacentes cheiram à morte; ou seja, elas são tão vazias quanto
pensamentos sem palavras. Uma vez mais, Vygotsky referiu-se ao
poema de Mandel’shtam, acrescentando à sua interpretação das
linhas de Gumilyov a idéia de que pensamentos não incorporados
em palavras seriam meramente sombras estígias, ou “névoa, sons de
sinos e fragmentação” (Vygotsky, 1934a, p. 317; cf. Mandel’shtam,
1975, p. 65). Essas citações dos dois grandes poetas resumiram,
assim, o assunto do capítulo de Vygotsky: palavra e pensamento
pressupõem-se mutuamente, mas são distinguíveis e interagem de
maneiras extremamente complexas, que nos lembram da interação
de forma e conteúdo em obras literárias (ver capítulo 2).

1. A edição norte-americana de Pensamento e linguagem (Vygotsky, 1987, p.


284) dá uma tradução destas linhas que, para dizer o mínimo, não é literal: “E,
como as abelhas que naufragaram em sua silenciosa estação Yule, também
naufragam as palavras mortas”.
390 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Não é preciso interpretar essas linhas como tendo um significado


político oculto para supor que Vygotsky, ao selecionar essas citações,
talvez tenha desejado fazer uma declaração moral. O mínimo que se
pode dizer é que seus gostos literários estavam em nítido conflito com
as preferências dos poderes governantes: em 13 de maio de 1934,
quando Vygotsky estava ditando seu capítulo, Mandel’shtam foi preso
pela primeira vez (por ter escrito um poema que ridicularizava Stalin)
e viria a morrer em um campo de concentração alguns anos depois.
Gumilyov, o primeiro marido de Akhmatova, havia sido acusado de
conspiração contra o governo soviético e fuzilado em 1921. Fazendo
referência a esses autores, mesmo sem mencionar-lhes o nome, Vygotsky
demonstrava que havia permanecido um pensador independente que
não se curvava às exigências do Partido.2

Entre palavras e pensamentos

Em sua análise da relação entre palavras e pensamentos, Vygotsky


baseou-se fortemente na literatura existente sobre lingüística e psico-
logia, fazendo uso de várias distinções conceituais nela incorporadas.
Muitos lingüistas dessa época distinguiam entre várias formas ou pla-
nos de fala, e Vygotsky tentou organizar suas diferentes descobertas
em um quadro coerente e, acima de tudo, encontrar uma interpretação
desenvolvimentista consistente para elas.
Ele começou seu capítulo com a observação global de que fala e
pensamento têm origens diferentes. Pensamento e fala não estão liga-
dos nem filogeneticamente nem ontogeneticamente. Filogeneticamente,
por exemplo, pode-se citar a resolução de problemas por animais —
pensamento sem fala — e suas façanhas verbais — fala sem pensa-
mento. Muitos anos antes, Vygotsky havia expressado seu argumento
a favor da existência de períodos de pensamento pré-verbal e fala pré-
-intelectual em diversas ocasiões (Vygotsky, 1929e; 1929f; 1929h; ver
também capítulo 9). Ele ponderou que, em algum momento no tempo,
pensamento e fala se ligam entre si e que o todo dependente entre si

2. Vygotsky parece ter estado consistentemente fora de sintonia com o gosto


literário prescrito. No mesmo capítulo de Pensamento e linguagem, ele citou o
poeta avant-garde Khlebnikov, que foi digno de nota em 1934, quando o “rea-
lismo socialista” acabara de ser declarado a doutrina oficial. No capítulo 2
deste livro, já vimos que seu A psicologia da arte estava perigosamente próximo
do formalismo — uma abordagem literária que havia sido condenada por
Lunarcharsky em 1924 — e que Vygotsky usou uma história do escritor emi-
grado Bunin para ilustrar suas próprias opiniões literárias. Pode ser significa-
tivo que, de 1928 a 1934 (o período em que a literatura avant-garde e as idéias
do formalismo estavam sendo cada vez mais criticadas pelas autoridades e
durante o qual a doutrina do “realismo socialista” evoluiu), Vygotsky não tenha
publicado obras sobre arte e literatura.
UMA PALAVRA FINAL 391

que daí resulta pode ser mais bem estudado por meio do conceito de
significado de palavras. Vygotsky considerava que significado de pala-
vras incorporava “a unidade de palavra e pensamento” (1934, p. 262).
Em sua pesquisa de formação de conceitos, ele havia mostrado que, no
desenvolvimento das crianças, os significados das palavras passam por
uma longa série de transformações (ver capítulo 11).
É interessante observar que Vygotsky agora descartava a visão
da Gestalt para a relação entre palavras e pensamento que ele havia
aceitado com alguma indiferença anteriormente. Em 1934, ele afir-
mou que era fundamentalmente enganoso comparar palavras às
varas usadas pelos primatas de Köhler (ver capítulo 9), de vez que
isso comparava palavras com objetos comuns e não ajudava em
nada para explicar (o desenvolvimento de) significados de palavras
(Vygotsky, 1934a, p. 266-7).
Depois de fazer esse comentário bastante geral sobre as diferen-
tes origens de pensamento e fala, Vygotsky começou a elaborar
melhor as várias distinções entre diferentes níveis de pensamento e
fala que haviam sido feitas na literatura existente. Sua meta era
demonstrar as diferenças entre pensamento e as várias formas de
fala. Mais especificamente, queria postular o papel fundamental da
fala interior e mostrar seu curso de desenvolvimento.
A primeira distinção feita por Vygotsky foi entre o plano semântico
interior da fala e o plano exterior audível, pois, embora eles formem
uma unidade, podem ser distinguidos. Piaget (1924), por exemplo,
havia demonstrado que até crianças mais velhas podem usar uma fala
exterior perfeita mesmo sem compreender inteiramente o lado semân-
tico de suas palavras. Vygotsky também afirmou que o desenvolvimen-
to da linguagem em crianças apresentava um desenvolvimento diferen-
cial para os planos interior e exterior da fala. O desenvolvimento do
plano semântico seguia de todos para partes, uma vez que os primeiros
pensamentos das crianças são muito globais e difusos e apenas gra-
dualmente vão se tornando diferenciados. A fala exterior, por outro
lado, teria um desenvolvimento de partes para todos, em que a criança
primeiro forma sentenças de uma só palavra e depois passa a formular
frases mais longas (Vygotsky, 1934a, p. 270). Mesmo sem aceitar estes
conceitos um tanto dúbios de todo e parte, tem-se que aceitar que
palavra e pensamento não são imagens especulares um do outro. Na
fala do adulto, pode-se distinguir também entre um plano interior
semântico e um plano exterior vocal. Vygotsky explicou que a diferença
pode ser percebida com muita clareza quando o sujeito e o predicado
psicológicos e gramaticais não coincidem. Assim, na sentença “O reló-
gio caiu”, o sujeito, gramaticalmente falando, é “o relógio” e o predicado
é “caiu”. Psicologicamente, porém, tanto “o relógio” como “caiu” podem
ser o sujeito da frase, dependendo do contexto envolvido. A sentença
poderia responder tanto à pergunta “Que objeto caiu?” como a “O que
392 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

aconteceu com o relógio?” Quando ambas essas perguntas recebem


como resposta a mesma sentença, “O relógio caiu”, seu sujeito psico-
lógico está diferindo.
Esta distinção entre sujeitos e predicados gramaticais e psicológi-
cos era muito antiga e foi emprestada de Vossler (1923). De fato, em
vários pontos, Vygotsky citou Vossler verbatim (1934a, pp. 272-3; 1987,
pp. 251-2)3 e suas referências a Paul (1886) e às palavras de Uhland
na peça Herzog Ernst von Schwaben foram tiradas diretamente de
Vossler (1923, pp. 105-51). Até hoje, este fato havia passado desper-
cebido, provavelmente porque mesmo na edição original de 1934 de
Pensamento e linguagem a maioria das aspas foi eliminada. O leitor
atual tem o direito de saber, porém, que o raciocínio de Vygotsky sobre
as interações sutis entre os planos psicológico e gramatical da fala
pode ser encontrado integralmente e em forma mais elaborada em Paul
(1886, pp. 100-7) e, em particular, em Vossler (1923, pp. 105-51).
Vygotsky mostrou, uma vez mais inspirado por exemplos dados
em Vossler (1923), a dependência entre os aspectos interior e exterior
da fala, apontando, entre outras coisas, um problema que surgia na
tradução de um poema do alemão para o russo. No poema de Heine
(ver Heine, 1968, p. 88), um abeto (der Fichtenbaum) está sonhando
com uma palmeira (die Palme). No texto original, o gênero de ambos os
nomes sugeria um caso de amor heterossexual entre as duas árvores.
Infelizmente, o equivalente russo de abeto era do gênero errado, e por
isso Tjutchev, em sua tradução, substituiu-o por um cedro, que tem
o gênero certo em russo, para preservar o significado pretendido do
poema. Este exemplo demonstrava a verdade simples de que as pro-
priedades gramaticais das palavras podem evocar várias nuanças de
significado que ficam perdidas na tradução. Vygotsky (1934a, p. 274)
concluiu que a existência de dois planos de fala — um plano interior,
uma gramática do pensamento, e um plano exterior, ou gramática das
palavras — era suficientemente demonstrada e que a estrutura do
sentido pode ser mudada quando o plano interior é incorporado no
exterior e vice-versa. Ele sugeriu que esses dois planos não são total-
mente diferenciados em períodos precoces de desenvolvimento, uma
vez que crianças pequenas e povos primitivos tendem a ver nomes
como propriedades de objetos (Vygotsky, 1934a, pp. 274-5).

O método: partindo da fala egocêntrica

Depois de esclarecer satisfatoriamente a diferença entre esses


dois planos de fala, Vygotsky passou a investigar o fenômeno da fala

3. Infelizmente, em Vygotsky (1987, edição em inglês), Vossler tornou-se


Fasler, Uhland virou Uland, ao passo que o pobre duque Ernst von Schwaben
tornou-se Ernst Shvabskii.
UMA PALAVRA FINAL 393

interior. Para ele, este era o fenômeno que estava “por trás” do plano
da fala semântica. Não está claro, porém, o que significa “por trás”
neste contexto, e os autores deste livro julgam que as várias distin-
ções conceituais feitas no capítulo de Vygotsky não podem ser aco-
modadas com facilidade em um único todo hierarquicamente
estruturado. Em vez disso, sugeriríamos que as várias distinções
sobrepõem-se parcialmente e, na verdade, às vezes expressam mais
ou menos a mesma idéia. Mais especificamente, parece-nos que o
fenômeno da fala interior pode ser visto como parte do plano semân-
tico da fala e não necessariamente como um fenômeno “mais pro-
fundo”, no sentido de estar mais próximo dos pensamentos. No que
se segue, vamos ver que outros conceitos também se sobrepõem.
Como o fenômeno da fala interior deveria ser investigado? E o que
ele realmente significava? Esta última questão pode ser respondida
apenas de forma muito vaga neste estágio: para Vygotsky, a fala inte-
rior não era simplesmente fala sem som, como Watson afirmava, nem
era tudo o que precede o ato motor (ou seja, o ponto de vista de
Goldstein). Em essência, Vygotsky acreditava que ela era a fala para si
mesmo e não a fala para os outros. E este aspecto funcional acarretava
uma série de propriedades estruturais que faziam com que outras
definições de fala interior fossem insustentáveis.
Como o método adequado para investigar a fala interior, Vygotsky
propôs que se partisse do estudo da fala egocêntrica e se inferisse as
propriedades da fala interior por extrapolação. É claro que esta abor-
dagem pressupunha que estes fenômenos estivessem relacionados entre
si de uma maneira significativa. Conseqüentemente, Vygotsky dedicou
um bom espaço aos argumentos de que a fala egocêntrica (1) serve à
mesma função que a fala interior, ou seja, planejar o comportamento,
(2) tem uma estrutura semelhante à da fala interior, e (3) é, genetica-
mente falando, transformada em fala interior. Uma vez que essas afir-
mações fossem substanciadas, seria possível usar as propriedades
objetivamente observáveis da fala egocêntrica para deduzir as proprie-
dades da fala interior. Desta maneira, seguindo uma rota indireta,
poderíamos desvendar as peculiaridades da fala interior, ou seja, ob-
servar o não-observável, ou, nas palavras da Vygotsky (1934a, p. 316),
“o lado escuro da lua”.
O problema era, obviamente, que a interpretação de Piaget (1923)
para fala egocêntrica era muito diferente da de Vygotsky e não falava
nada de uma possível relação genética com a fala interior. Na leitura
de Vygotsky, a proposição de Piaget poderia ser resumida como se
segue: (1) a fala egocêntrica não serve a nenhuma função; ela simples-
mente acompanha a ação em andamento da criança, (2) a estrutura da
fala egocêntrica de uma criança difere da fala do adulto porque ainda
não está suficientemente socializada, e (3) a fala egocêntrica não se
transforma em fala interior; ela simplesmente desaparece. Vygotsky
394 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

observou que, se (2) fosse verdade, seria possível esperar que a estru-
tura da fala egocêntrica fosse se tornando menos diferenciada da fala
socializada comunicativa à medida que a criança cresce. Por fim, ela
desapareceria completamente, porque teria se tornado estruturalmente
equivalente à fala comunicativa. Vygotsky afirmou ter feito investiga-
ções que refutavam essa teoria. Analisando as propriedades estruturais
da fala egocêntrica de crianças na faixa de idade de três a sete anos,
ele descobriu que a fala egocêntrica não se torna mais abrangente
conforme a criança cresce. Além disso, Vygotsky declarou que, na
idade de três anos, a fala egocêntrica não diferia da fala comunicativa,
ao passo que na idade de sete anos ela diferia em 100 por cento. Estes
seriam resultados intrigantes (é curioso que nenhum pesquisador pa-
reça ter reinvestigado esta questão), difíceis de serem combinados com
as asserções de Piaget. Eles concordavam com a idéia de Vygotsky de
uma crescente diferenciação de dois planos de fala, um dos quais, a
fala egocêntrica, seria suplantado e transformado em fala interior,
enquanto o outro, a fala social, permaneceria manifesto e serviria a
uma função de comunicação.
O passo seguinte de Vygotsky foi afirmar — como Grünbaum
(1927) — que a fala egocêntrica, embora estruturalmente cada vez mais
difícil de entender, ainda era fala social, ou seja, uma fala que visava
a ser escutada por outros. Ele ressaltou que a descrição de fala
egocêntrica do próprio Piaget parecia implicar esta idéia, pois Piaget
havia observado que (1) a fala egocêntrica freqüentemente ocorre na
forma de monólogos coletivos, ou seja, em um coletivo de crianças, (2)
a fala egocêntrica é acompanhada com freqüência da ilusão de com-
preensão por parte do receptor, e (3) a fala egocêntrica é uma fala
exterior, audível. Para corroborar sua interpretação alternativa dessas
descobertas, Vygotsky executou uma série de pequenos experimentos.
Como no caso das investigações mencionadas acima, estas provavel-
mente foram realizadas por volta de 1929 na Academia Krupskaja de
Educação; porém, como naqueles experimentos, não nos são apresen-
tados os dados em si, mas apenas as estatísticas finais de Vygotsky.
A primeira coisa que Vygotsky fez foi tentar eliminar a idéia da
criança de que os outros a estavam compreendendo. Se isto levasse a
uma diminuição no número de elocuções egocêntricas, estaria confir-
mada a idéia de que a criança está de fato se dirigindo aos outros com
a intenção de ser compreendida. A colocação da criança em (1) um
grupo de surdos-mudos ou (2) um grupo de crianças que falavam uma
língua estrangeira de fato levou a uma considerável diminuição da fala
egocêntrica. Vygotsky reportou que a proporção de elocuções egocêntricas
antes e depois da intervenção experimental foi de 8 : 1. A segunda
intervenção experimental apresentada por Vygotsky visava a perturbar
o desenvolvimento de um monólogo coletivo. Para realizar isto, a crian-
ça foi (1) colocada em um grupo de crianças desconhecidas para ela,
UMA PALAVRA FINAL 395

(2) forçada a brincar a alguma distância do grupo, (3) forçada a brincar


sozinha, e (4) forçada a brincar sozinha e deixada após algum tempo
pelo pesquisador. Uma vez mais, o resultado foi a diminuição da fre-
qüência de elocuções egocêntricas. Aqui, a proporção do número de
elocuções egocêntricas na situação normal em comparação com o
número nas situações estranhas foi de 6 : 1. Por fim, Vygotsky mani-
pulou a possibilidade de fala audível normal, introduzindo uma série
de limitações. Estas incluíram (1) deixar a criança a uma distância dos
outros, (2) colocar uma orquestra tocando, (3) fazer barulhos altos, e
(4) proibir as crianças de falarem alto (só era permitido cochichar).
Novamente, ele encontrou que a fala egocêntrica diminuía, desta vez
em uma proporção de 5,4 : 1.
Vygotsky acreditava que essas descobertas provavam que sua
interpretação da função, estrutura e destino da fala egocêntrica esta-
vam fora de qualquer dúvida razoável (cf. Vygotsky e Luria, 1930a). A
criança estava definitivamente tentando se dirigir às outras crianças e
a fala egocêntrica era, portanto, uma forma de fala social. Por outro
lado, as curvas de desenvolvimento mostravam que sua estrutura
mudava, produzindo uma incompreensibilidade cada vez maior. Isto
parecia sugerir que parte da fala comunicativa ramificava-se para for-
mar a fala egocêntrica e, na seqüência, a fala interior, que serviriam às
suas próprias funções. Mais especificamente, a fala interior ajudaria a
planejar o comportamento do sujeito, uma questão que recebeu pouca
atenção no último capítulo de Vygotsky.

“O lado escuro da lua”: a fala interior

Vygotsky afirmou que, ao estudar a fala egocêntrica de crian-


ças, ele chegou à conclusão de que a fala interior deve ter proprie-
dades muito especiais. Essa idéia, em si, não é nova, pois, como
Watson já havia sugerido, nossos pensamentos (mesmo se registra-
dos com a ajuda de um fonógrafo e, assim, tornados audíveis para
os oficiais interessados do governo) nunca seriam compreensíveis
para alguém de fora. Aceitando essa idéia reconfortante, Vygotsky
propôs-se a descrever as peculiaridades da fala interior, fazendo,
para isso, um grande uso da literatura lingüística existente. Em
primeiro lugar, a fala interior deve ter uma sintaxe especial: ela é
fragmentada, abreviada e apresenta uma tendência para a predicação,
ou seja, a omissão do sujeito da elocução.
É digno de nota que Vygotsky não tenha ilustrado a sintaxe da
fala interior dando exemplos de protocolos de fala egocêntrica registra-
dos em sua própria pesquisa. Em vez disso, ele recorreu a analogias
com a fala comum. Quando omitiríamos o sujeito de uma sentença na
fala comum? Vygotsky distinguiu entre (1) o caso de se responder a
396 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

uma pergunta e (2) o caso mais geral de uma situação em que o sujeito
é conhecido tanto pelo falante quanto pelo ouvinte. É evidente que, ao
responder a uma pergunta, nem sempre repetimos integralmente todas
as informações que a pergunta continha: respostas monossilábicas são
abundantes em conversas. Para ilustrar o caso mais geral de contexto
compartilhado, Vygotsky citou a declaração de amor de Levin para
Kitty em Anna Karenina, de Tolstoi. Levin e Kitty conduziram sua
conversa escrevendo apenas as iniciais das palavras, e Vygotsky enfatizou
a importância desse fragmento literário referindo-se ao fato de que ele
baseou-se em uma conversa histórica ocorrida na vida do próprio Tolstoi,
embora, em uma biografia recente de Tolstoi, a credibilidade dessa
história, relatada pelo escritor e sua esposa, tenha sido considerada
bastante duvidosa (Wilson, 1988, p. 194). Seja como for, é claro que
casos de fala abreviada são freqüentes nas conversações cotidianas e
que elas se apóiam no conhecimento comum do falante e do ouvinte.
A partir desses exemplos, Vygotsky concluiu que é lógico esperar uma
fala abreviada na fala interior, uma vez que o falante e o ouvinte são
a mesma pessoa e todo o conhecimento contextual está disponível.
Neste aspecto, ele afirmou, a fala interior é diametralmente oposta ao
discurso escrito.
Um outro fator que permite ao falante usar uma fala abreviada
é a entonação: a entonação pode dar a uma mesma palavra várias
nuanças de significado. Para ilustrar este fato, Vygotsky (1934a, p.
298) referiu-se novamente a uma fonte literária. Dostoiévski, em seu
Diário de um escritor, contou a história de um grupo de bêbados que
se comunicavam com a ajuda de apenas uma palavra, bastante
indecente, pronunciada de variadas maneiras. Referindo-se a essa
história extremamente improvável, Vygotsky argumentou que a fala
dialógica normal pode ser muito mais abreviada do que o discurso
escrito. Assim, parecia que seria possível, seguindo Humboldt, dis-
tinguir entre vários gêneros de fala — fala interior, fala dialógica e
“fala” escrita — que diferiam em várias dimensões. A estratégia de
Vygotsky era argumentar que a fala escrita era diametralmente oposta
à fala interior e extrapolar várias tendências presentes na fala nor-
mal e egocêntrica para a fala interior. Ele afirmou, por exemplo, que
o caráter predicativo da fala egocêntrica era mais marcante em si-
tuações onde ela servia mais claramente a uma função intelectual,
ou seja, quando a criança era confrontada com um problema ines-
perado. A sugestão era que a fala interior, supostamente servindo a
uma função exclusivamente intelectual, seria inteiramente predicativa.
Uma vez mais, porém, não foram apresentados ao leitor fragmentos
de protocolos para ilustrar esta descoberta. Também parece estra-
nho que Vygotsky tenha introduzido a questão da entonação. As
possibilidades de entonação distinguem a fala normal do discurso
escrito, mas não podem ter alguma função na fala interior. A intro-
UMA PALAVRA FINAL 397

dução desse tópico, portanto, só poderia servir ao propósito mais


geral de distinguir diferentes gêneros de fala e não tinha utilidade
para o objetivo de Vygotsky de caracterizar a fala interior.
O fato de Vygotsky ter introduzido o tópico da entonação torna-
se compreensível quando percebemos que esta parte do capítulo foi
baseada no famoso artigo do lingüista soviético Jakubinsky (1923/
1988), “Sobre a fala dialógica”, que tratava dos vários fatores que
influem na fala dialógica normal. Na verdade, não é exagero dizer que
Vygotsky (1934a, pp. 292-304; 1987, pp. 266-75) simplesmente para-
fraseou o conteúdo do artigo de Jakubinsky, acrescentando como sua
própria contribuição a extrapolação das descobertas no domínio da fala
interior. É fácil comprovar esta afirmação, pois Vygotsky seguiu de
perto a linha de pensamento de Jakubinsky e, várias vezes, citou-o
verbatim. Por exemplo, as citações e referências de Vygotsky (1934a,
pp. 295-8) a Tarde, Polivanov e Shcherba (ver Budagov, 1988) estão
todas presentes em Jakubinsky (1923/1988, pp. 27-43). Jakubinsky
também deu vários exemplos de abreviação na fala normal (por exem-
plo, o caso das respostas monossilábicas) e comparou explicitamente
a fala escrita e a fala normal. E os fragmentos de Anna Karenina de
Tolstoi e Diário de um escritor de Dostoiévski são integralmente citados
no artigo de Jakubinsky. Muito mais exemplos poderiam ser dados,
mas esta pequena lista já é suficiente para mostrar o estilo de trabalho
de Vygotsky nesse capítulo. Como no caso de seu uso de Vossler
(1923), não foi fácil perceber essa influência: Vygotsky de fato menci-
onou o nome de Jakubinsky várias vezes, mas não citou a fonte nem
deixou claro que sua linha de raciocínio e seus exemplos haviam sido
diretamente inspirados ou tirados do artigo desse autor.
Vygotsky prosseguiu seu raciocínio no capítulo indicando várias
peculiaridades da semântica da fala interior. Fazendo referência a
Paulhan (1928), ele afirmou que, na fala interior, o sentido tem
precedência sobre o significado. Paulhan havia declarado que as
palavras evocam diferentes tendências nas pessoas e chamou essas
tendências de sentidos da palavra. Os sentidos podem ser distingui-
dos do significado da palavra, ou seja, os sentidos que são partilha-
dos por todos os indivíduos. O sentido e o significado da palavra têm
limites transitórios, e Paulhan afirmou que eles podem ser represen-
tados como círculos concêntricos, com o círculo menor indicando o
significado (Paulhan, 1928, pp. 293-4). Pode-se dizer, então, que o
conceito de “sentido” de Paulhan era aproximadamente equivalente
à conotação pessoal que uma determinada palavra tem para uma
pessoa específica, ao passo que seu “significado” coincidia aproxi-
madamente com sua definição impessoal de dicionário. Paulhan deu
vários exemplos para demonstrar que as palavras podem ter um
sentido pessoal para uma pessoal que não conheça seu significado
de dicionário, e vice-versa. Ele enfatizou que o sentido das palavras
398 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

de um texto é dependente do contexto mais amplo: ele só pode ser


compreendido pela leitura da passagem inteira de um livro. Paulhan
chegou ao ponto de afirmar que, em última análise, uma compreen-
são adequada do sentido de palavras exige a leitura de toda a obra
de um escritor e um conhecimento de sua vida (1928, pp. 324-7).
Vygotsky achava que esse raciocínio sugeria uma vez mais que
a fala interior, mesmo se objetivamente registrada, seria incompre-
ensível para alguém de fora. Pois é óbvio que, quando se fala para
si mesmo, os significados ou sentidos pessoais serão mais dominan-
tes do que no caso da fala para outros. Isto pode levar a formações
de palavras muito idiossincráticas e expressões ou “dialetos” pes-
soais. Ele afirmou que certa tendência para o desenvolvimento des-
ses “dialetos interiores” de fato havia sido observada em seus pró-
prios experimentos de registro da fala egocêntrica.
Podemos concluir, portanto, que a fala interior difere em uma
variedade de maneiras da fala dialógica normal e do discurso escri-
to. Todas as suas peculiaridades estão ligadas ao fato de ela ser
uma fala que não tem o objetivo de ser ouvida por outros. Segue-
-se daí que a fala interior não é uma imagem especular ou uma
simples cópia da fala normal. O caminho entre o pensamento e a
palavra falada envolve uma série de transformações. Para Vygotsky,
a transformação da palavra falada em fala interior e vice-versa havia
sido insuficientemente esclarecida. A tarefa que restava era esclare-
cer a relação entre fala interior e pensamentos.

Pensamentos e motivos

Vygotsky prosseguiu nessa linha de pensamento, afirmando que


um mesmo pensamento pode ser expresso de várias maneiras, as-
sim como uma elocução pode representar vários pensamentos. Era
evidente que o pensamento e sua expressão verbal não coincidem.
Ele ilustrou essa verdade fazendo referência ao sistema de
Stanislavsky de recriação do significado oculto de falas pronuncia-
das em, por exemplo, A tristeza da inteligência, de Griboedov, e citou
versos dos poetas Tyutchev e Fet sobre a dificuldade de se expressar
pensamentos em palavras. Parece que, na opinião de Vygotsky, os
pensamentos eram entidades identificáveis que podiam ser expres-
sas em palavras. Cada possível formulação do pensamento, porém,
era ao mesmo tempo uma complementação do pensamento em uma
ou outra direção. Para comunicarmo-nos com os outros, temos que
operar com palavras dentro de seu significado de dicionário normal,
mas, ao fazer isso, o pensamento original será inevitavelmente alte-
rado e nuanças de significado — sentidos pessoais — serão perdi-
das. Vygotsky resumiu essa idéia afirmando que
UMA PALAVRA FINAL 399

O pensamento não é apenas externamente mediado por signos, mas


também internamente por significados. A questão é que a comunica-
ção direta de mentes é impossível não só fisicamente, mas também
psicologicamente. Ela só pode ser conseguida através de meios indi-
retos, mediados. Esta estrada equivale à mediação interna do pensa-
mento primeiro por significados, depois por palavras. Portanto, o pen-
samento nunca pode ser igual ao significado direto das palavras. O
significado media o pensamento em seu caminho para a expressão
verbal, ou seja, o caminho do pensamento para a palavra é um cami-
nho indireto, internamente mediado (Vygotsky, 1934a, p. 314).

Os autores deste livro interpretam que essa declaração bastante


enigmática expressa novamente a idéia de que, entre o plano do
pensamento e o plano da palavra falada, pode-se encontrar o plano
da fala interior, onde o sentido tem precedência sobre o significado.
Depois de distinguir o plano das palavras faladas, o plano da
fala interior e o plano do pensamento, Vygotsky afirmou que os
pensamentos só podem ser compreendidos a partir de um exame
das forças fundamentais que os causaram. Todos os pensamentos
nascem de emoções, impulsos, necessidades e motivações. Esta foi
uma tese que ele não desenvolveu. Na verdade, Vygotsky tratou dela
apenas remetendo o leitor uma vez mais para a mesma análise de
Stanislavsky para A tristeza da inteligência, de Griboedov, mas desta
vez os significados ocultos de palavras detectados por Stanislavsky
serviram para ilustrar a idéia de que cada fala tinha um motivo
subjacente. Podemos concluir, portanto, que a distinção de Vygotsky
entre pensamentos e seus motivos subjacentes permaneceu muito
teórica e não foi suficientemente ilustrada por este exemplo.
Vygotsky acreditava que já havia provado seu argumento prin-
cipal: que a relação entre palavras e pensamentos não é uma coisa,
mas um processo. É um movimento do pensamento para a palavra
e de volta. Ou, em outras palavras, o “pensamento não é expresso
na palavra, mas é completado na palavra. Poder-se-ia falar, portan-
to, do pensamento se tornando (a unidade de ser e não-ser) a pa-
lavra” (Vygotsky, 1934a, p. 269).
Em toda a sua generalidade, esta conclusão pode ser aceita e
a descrição de Vygotsky para a ligação entre fala egocêntrica e fala
interior deve ser considerada verdadeiramente original. Foi esta parte
de seu argumento que foi intensamente debatida e gerou muitas
pesquisas (p. ex., Piaget, 1962; Kohlberg, Yaeger e Hjertholm, 1968;
Zivin, 1979).

Sobre outras possíveis fontes de Vygotsky: uma ligação com Bakhtin?

Os argumentos lingüísticos gerais de Vygotsky (por exemplo,


que é possível distinguir entre formas de fala diversas que são di-
400 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

ferentes mas agem entre si; que há mais do que o significado das
palavras; que se pode distinguir sujeitos e predicados gramaticais e
psicológicos etc.) não são originais. Mostramos como seu raciocínio
foi inteiramente baseado nas obras de Vossler (1923), Jakubinsky
(1923/1988) e Paulhan (1928), e é evidente para os autores deste
livro que boa parte dos argumentos de Vygotsky era comum nos
círculos lingüísticos nas décadas de 1920 e 1930.
É claro que nosso exame dos antecedentes lingüísticos do pen-
samento de Vygotsky só pode ser considerado um primeiro passo, e
uma investigação mais completa das fontes de Vygotsky seria muito
proveitosa. Neste aspecto, Radzikhovsky, o autor dos comentários à
edição russa de Pensamento e linguagem, fez algumas observações
interessantes. Assim como fizemos aqui, Radzikhovsky observou que,
no sétimo capítulo de Pensamento e linguagem, Vygotsky citou algu-
mas obras literárias por intermédio de outros autores (1982, pp.
488-9). Ele afirmou — sem dar suas razões — que Vygotsky tirou
o fragmento de Diário de um escritor, de Dostoiévski, da obra de
Gornfel (1906) (Radzikhovsky, 1982, p. 488; n. 87). Como vimos,
isto certamente está errado: o fragmento foi citado por intermédio de
Jakubinsky (1923/1988). Radzikhovsky também fez várias afirma-
ções referentes aos dois fragmentos poéticos reproduzidos a seguir,
citados por Vygotsky em seu sétimo capítulo (1934a, p. 314):
Como pode o coração se expressar?
Como um outro pode te compreender?...
e
Ah, se a alma pudesse se expressar sem a palavra!
O primeiro fragmento foi atribuído por Radzikhovsky a Fet e ele
afirmou (Radzikhovsky, 1982, p. 489; n. 92), novamente sem apre-
sentar nenhuma razão, que os versos foram citados por Vygotsky via
Marxismo e a filosofia da linguagem, de Bakhtin (Bakhtin, 1930/
1972). Se for verdade, isto provaria que Vygotsky conhecia a obra de
Bakhtin. Radzikhovsky (1982, p. 489; n. 93) atribuiu o segundo
fragmento ao poema “A Palavra”, de Gumilyov. Infelizmente, isto é
um engano. Pois o primeiro fragmento não foi escrito por Fet, mas
vem do famoso poema “Silentium!”, de Tyutchev (Tyutchev, 1836/
1976, pp. 132-3), ao passo que o segundo fragmento não foi escrito
por Gumilyov, mas é parte de um poema escrito por Fet (Fet, 1844/
1979, pp. 64-5).
De qualquer forma, Radzikhovsky pode ter estado certo ao indi-
car Bakhtin como uma das possíveis fontes de inspiração para
Vygotsky. Uma razão para supor que Vygotsky leu Bakhtin (1930/
1972) é que o fragmento poético de Fet citado acima pode ser encon-
trado em Bakhtin (1930/1972, p. 86), além de um outro verso de
“Silentium!”, de Tyutchev. Esses versos foram citados por Bakhtin no
UMA PALAVRA FINAL 401

contexto de uma discussão similar à de Vygotsky. Entre outras coisas,


Bakhtin afirmou que a expressão do pensamento interno seria alterada
pelo meio usado, ou seja, a fala (Bakhtin, 1930/1972, p. 86).
Porém, apenas mostrar que alguns fragmentos literários estão
presentes na obra de Vygotsky e de Bakhtin sem realizar uma aná-
lise completa de seus textos não é evidência suficiente para tirar
nenhuma conclusão quanto a uma possível influência mútua. Para
ilustrar o perigo da abordagem de Radzikhovsky, poderíamos apon-
tar que o mesmo fragmento de Diário de um escritor, de Dostoiévski,
que estava presente em Jakubinsky (1923/1988) e foi tomado em-
prestado por Vygotsky (1934a), também aparecia, e com a mesma
finalidade, em Bakhtin (1930/1972, p. 106)!
Concluímos, portanto, que os comentários de Radzikhovsky não
demonstram sem sombra de dúvida que Vygotsky tenha consultado
Marxismo e a filosofia da linguagem de Bakhtin. Sabemos que Bakhtin
fez referência a Vygotsky (1925j) em seu Freudismo. Um ensaio crí-
tico (Bakhtin, 1927/1983; ver também o capítulo 5), mas este fato
e as semelhanças entre os escritos de ambos os autores só pode
servir como ponto de partida para uma investigação futura quanto
à sua possível influência mútua.
Uma outra afirmação feita por Radzikhovsky (1982, p. 489; n.
96) é que as citações de Vygotsky do poema (“A Palavra”) de Gumilyov
(reproduzidas no início deste capítulo) foram emprestadas de um
artigo escrito por Osip Mandel’shtam. Uma vez mais, ele não apre-
sentou razões para esta suposição. O artigo específico, chamado
“Sobre a natureza da palavra”, foi publicado em 1922 como um
volume separado e continha versos do poema de Gumilyov na capa
(ver Mandel’shtam, 1922/1987, pp. 280-1). A afirmação de
Radzikhovsky pode ter se baseado em parte no fato de que
Mandel’shtam (1922/1987, pp. 58) também citou as famosas pala-
vras de Tyutchev em “Silentium!”: “Como pode o coração se expres-
sar”, “Como pode um outro te compreender...”. Em si, isto daria um
pouco mais de substância a seu argumento muito fraco, embora o
poema de Tyutchev seja muito famoso e conhecido de uma forma
geral pelos russos instruídos.
Em suma, poderíamos dizer que a análise de Radzikhovsky (1982)
sobre as fontes de Vygotsky não é convincente e que, no momento, há
razões insuficientes para supor que Vygotsky tenha citado fragmentos
literários por intermédio de Bakhtin e/ou Mandel’shtam.

Conclusões

O último capítulo de Pensamento e linguagem foi a palavra final


de Vygotsky sobre questões de interesse científico. Ditado na prima-
402 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

vera de 1934, ele continha muitas referências a obras de literatura


e aos escritos lingüísticos disponíveis. O capítulo foi grandemente
inspirado por Vossler (1923), Jakubinsky (1923/1988) e Paulhan
(1928) e, na verdade, poderia ser argumentado que a única contri-
buição de Vygotsky para o debate sobre fala interior e exterior foi
extrapolar as descobertas desses autores para o domínio da fala
interior. As replicações construtivas das descobertas de Piaget sobre
fala egocêntrica feitas por Vygotsky foram genuinamente originais,
e é pena que tenham sido mencionadas de modo tão vago.
403

16
A crítica

Com pouquíssimas exceções (p. ex., Brushlinsky, 1968), as


críticas atuais às idéias de Vygotsky parecem ser raras. Os pesqui-
sadores modernos parecem aceitar Vygotsky como uma figura his-
tórica importante, cujas idéias são relevantes para nosso entendi-
mento atual da mente humana, ou então descartá-lo como uma
figura histórica cujas idéias obsoletas têm, hoje, pouca relevância.
Mas não há um debate teórico entre adeptos e opositores de uma
concepção vygotskyana do desenvolvimento humano (cf. Brushlinsky,
1988, p. 7; Tulviste, 1988b, p. 5). Isto é tão decepcionante quanto
surpreendente, pois parece que não falta material para tal debate.
Muitos pesquisadores têm tentado replicar e estender diferentes
aspectos do pensamento vygotskyano. Pesquisadores como Kohlberg,
Yaeger e Hjertholm (1968), Zivin (1979) e Goudena (1983) investiga-
ram a questão da função de planejamento da fala egocêntrica. Wertsch
(1980; 1981; 1984) estudaram o tópico da fala dialógica nas díades
mãe-filho. Adams et al. (1987) e Van der Veer (1991) replicaram a
pesquisa de atenção artificial e memória, e Brown (em Campione et
al., 1984; Brown e Ferrara, 1985) investigaram a questão do desem-
penho assistido na zona de desenvolvimento proximal. Por fim,
Scribner e Cole (1981) e Tulviste (1988a) investigaram as afirmações
histórico-culturais sobre diferenças interculturais na constituição
mental. Muitos outros estudos de replicação poderiam ser acrescen-
tados.
É surpreendente que nem esses estudos de replicação nem as
análises teóricas recentes (p. ex., Berg, 1970; Puzyrej, 1986a; Rissom,
1985; Wertsch, 1985) da obra de Vygotsky tenham levado a uma
apreciação global de seu trabalho. A exceção notável é, novamente,
Brushlinsky (1968), que, partindo de um quadro de referência teó-
rico inspirado por Rubinstein, chegou a uma avaliação um tanto
negativa das realizações de Vygotsky como um todo. Parece, portan-
to, que o debate teórico sobre a validade e utilidade das idéias de
Vygotsky está apenas no começo, possivelmente por causa de uma
falta de conhecimento do verdadeiro Vygotsky histórico. Este livro é,
evidentemente, uma tentativa de impulsionar um debate futuro.
Não devemos pensar, porém, que a situação era a mesma nas
décadas de 1920 e 1930. Na verdade, as idéias de Vygotsky, algu-
404 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

mas vezes, encontraram críticas ferozes e os críticos não hesitavam


em condenar sua teoria como um todo. Embora muitas dessas crí-
ticas não possam ser consideradas sem se levar em conta as visões
ideológicas dominantes, é simplista ver essas críticas apenas como
uma expressão de “stalinismo” ou de algum outro “ismo”, como
muitos adeptos do paradigma vygotskyano argumentam. Toda críti-
ca (e nunca foi de outra forma em nenhum período histórico ou país)
é uma mistura das visões ideológicas dominantes e de um espírito
crítico científico justo ou injusto, e Vygotsky não é um protótipo de
um investigador inabalável que tenha conduzido sua pesquisa alheio
a qualquer questão “ideológica”. É verdade que, em sua maior parte,
seus escritos não continham o jargão vazio empregado por pesqui-
sadores como Zalkind. Também é verdade que Vygotsky tendia a
discutir questões ideologicamente sensíveis de uma maneira objetiva
e científica. No entanto, vimos que ele acreditava sinceramente nas
idéias utópicas da visão de mundo comunista (Vygotsky, 1930w;
capítulo 3), que participou ativamente de organizações ligadas ao
Partido Comunista (capítulo 1) e tentou incorporar a visão de mun-
do comunista em sua pesquisa (por exemplo, a pesquisa de Shif no
capítulo 11). É claro que não havia nenhuma maneira possível de
ele ter evitado uma participação no contínuo debate ideológico na
sociedade soviética, mesmo que o quisesse.1 Vygotsky foi uma das
muitas figuras e pesquisadores ativos que, ao mesmo tempo, contri-
buíram e foram vítimas do turbilhão da sociedade soviética. Neste
capítulo, será apresentado parte desse debate. Sem dúvida, mais
material será encontrado por futuros historiadores da psicologia,
mas esta visão geral dará ao leitor pelo menos uma idéia dos deba-
tes ideológicos que proporcionaram o contexto no qual as idéias de
Vygotsky foram formadas, e pode melhorar a compreensão do (não)
envolvimento ideológico de suas concepções (ver também Bubnov,
1936; Frankel, 1930; F., 1936; Ja., 1936; e Markov, 1936).

A crescente pressão ideológica

Embora liberdade intelectual no verdadeiro sentido da palavra


nunca tenha existido na União Soviética, a situação piorou conside-
ravelmente nas proximidades de 1929. Os profissionais de institutos
educacionais e científicos eram submetidos com freqüência cada vez
maior a investigações e expurgos políticos, o que podia resultar em
demissão, prisão ou execução. A idéia, é claro, era “expulsar os
acadêmicos burgueses de determinadas instituições para substituí-
los por apoiadores do Partido Comunista” (Graham, 1987, p. 9). O

1. Vygotsky participou, por exemplo, da discussão reactológica (cf. Vygotsky,


1931s).
A CRÍTICA 405

fato de Luria e Leontiev terem participado de expurgos parecidos


deve ser observado. Na década de 1920, estudantes que esperavam
para ser interrogados pelas autoridades universitárias foram tirados
da fila e submetidos ao “detector de mentiras” de Luria (Joravsky,
1989, p. 249; Levitin, 1982, pp. 156-8; Luria, 1979, pp. 35-6; 201-
2; ver também o capítulo 10).
Para dar uma idéia das condições que se desenvolveram aos
poucos na comunidade acadêmica soviética, nada melhor do que
oferecer algumas citações da resolução que foi publicada em 1931,
em conexão com um ataque à reactologia de Kornilov e seu Instituto
de Psicologia Experimental. Essa resolução (“Itogi diskussii po
reaktologicheskoj psikhologii”, 1931a; 1931b; 1931c) declarou que
“a intensidade da luta no meio científico reflete a intensidade da luta
de classes em nosso país”. As escolas de pensamento pequeno-bur-
guesas existentes na psicologia ocidental (como o behaviorismo, o
personalismo de Stern e a psicologia da Gestalt) foram condenadas
por sua natureza a-histórica, abstrata e, portanto, essencialmente
reacionária. Infelizmente, a resolução prosseguia, resquícios dessas
idéias anti-socialistas e subversivas continuavam presentes nos
escritos de vários pretensos cientistas soviéticos, notadamente os
adeptos do ex-professor de Chelpanov e Vygotsky, Gustav Shpet,
alertava a resolução. Ela declarava ainda que era da maior impor-
tância “destruir e aniquilar esses resquícios de teorias idealistas
burguesas, que eram um reflexo direto da resistência de elementos
contra-revolucionários do país contra a construção socialista”. Vá-
rias medidas organizacionais foram sugeridas para expurgar a psi-
cologia desses elementos. Estas incluíam um exame geral do con-
teúdo de compêndios usados em universidades e institutos. Foi
tomada a decisão de dar mais atenção à formação de quadros co-
munistas confiáveis nas universidades, exigindo que determinada
cota de pessoas que estivessem escrevendo suas dissertações fos-
sem membros do Partido. Além disso, os compromissos ideológicos
dos funcionários deviam ser examinados por completo e a nomeação
de chefes de pessoal requeria, agora, a permissão do “centro com-
petente do Partido”. Por fim, era exigido que os estudantes traba-
lhassem durante algum período em uma fazenda ou fábrica coletiva.
Estas citações demonstram que a cultura do Partido, com seu
medo de opiniões divergentes e sua exigência de uma visão de mundo
estritamente uniforme, estava se impondo aos debates científicos (cf.
Jakhot, 1981). Com uma freqüência cada vez maior, os pesquisadores
eram forçados a demonstrar sua lealdade ao ponto de vista ideológico
mais recente. O procedimento mais comum para lidar com pesquisa-
dores cuja ideologia era considerada suspeita era a organização de
debates públicos em que oponentes cuidadosamente preparados tenta-
vam demolir a posição científica do pesquisador. É claro que muitos
406 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

psicólogos confessavam-se culpados de antemão, admitindo acusações


ridículas ou simplesmente incompreensíveis, na esperança de escapar
às sanções esperadas. Um destes foi Anan’ev, que, como vítima da
campanha anti-reactológica, retratou-se em um artigo em Psikhologija
e aproveitou a oportunidade para tentar arrastar Vygotsky consigo.
Citando Stalin, Anan’ev reconheceu a correção das críticas às suas
concepções e pediu mais conselhos. Agora, ele percebia claramente a
natureza reacionária da reactologia que havia defendido. Porém, ele
não havia sido o único psicólogo que se enganara nos últimos anos:
Vygotsky e Luria, em particular, haviam defendido concepções incor-
retas. Sua chamada abordagem marxista era, na realidade, uma mis-
tura infeliz de idéias behavioristas e psicanalíticas. Anan’ev destacou
a obra Estudos sobre a história do comportamento, de Vygotsky e
Luria (1930a), por sua falta de um conceito de classes sociais. Nesse
livro, disse Anan’ev, tanto a história como o desenvolvimento infantil
eram examinados sob um ponto de vista sociológico abstrato, que
ignorava, portanto, o conceito de classe social. Anan’ev acrescentou
que, por morar em Leningrado, ele ficava um pouco distanciado dos
debates que se desenvolviam em Moscou e, assim, não sabia até que
ponto haviam chegado as críticas e autocríticas no caso de Vygotsky
e Luria, mas esperava sinceramente que seus colegas se arrependes-
sem (Anan’ev, 1931, pp. 341-2).
O conselho editorial de Psikhologija, que incluía Vygotsky e
Luria, aparentemente não ficou totalmente satisfeito com o texto de
Anan’ev e comentou em uma nota de rodapé que, embora apreciasse
a mudança de posição teórica de um dos principais representantes
da reflexologia, não concordava com suas idéias atuais.
Anan’ev deve ter escolhido Vygotsky e Luria como alvos de seu
ataque porque sabia que eles haviam sido “condenados” pelos “centros
competentes do Partido” (provavelmente havia assistido à palestra de
Talankin; ver abaixo) e seriam as vítimas de um dos debates públicos
ainda por vir. De fato, tal debate vinha sendo aventado havia algum
tempo, e Vygotsky e Luria já haviam preparado cuidadosamente sua
defesa. Este fato fica claro em uma das cartas que Vygotsky escreveu
para Luria, quando este se encontrava em Samarkand para a primeira
expedição psicológica à Ásia Central (ver capítulo 10):
A discussão está sempre sendo adiada. Primeiramente, ela não se
realizou porque a discussão sobre Zalkind entrou no meio, depois
houve o congresso psicológico. Nem sequer uma data foi marcada até
agora. Aparentemente, ela será realizada em junho. As perspectivas
são as mesmas que para você. Nossa decisão é inabalável (Vygotsky
em carta para Luria, datada de 1 de junho de 1931).

Alguns dias antes de essa carta ter sido escrita, a primeira


crítica mais ou menos oficial às concepções teóricas de Vygotsky e
A CRÍTICA 407

Luria havia sido ouvida. No Primeiro Congresso Nacional de


Psicotécnica e Psicofisiologia do Trabalho em Leningrado, A. A.
Talankin, um membro do grupo do Partido no Instituto de Kornilov
e um participante muito empenhado no debate sobre reactologia,
havia feito uma palestra intitulada “Sobre o momento da virada no
front psicológico” (Talankin, 1931a). Nessa palestra, ele criticou pra-
ticamente todas as correntes psicológicas existentes, concentrando-
-se nas idéias de Kornilov e Bekhterev. Na versão publicada dessa
palestra, um parágrafo especial foi dedicado ao “grupo de Vygotsky
e Luria”. Talankin alertou contra a tendência observada neles de
transferir de maneira não-crítica teorias psicológicas ocidentais, como
o freudismo, a psicologia da Gestalt e as teorias de Karl Bühler, para
a psicologia soviética. Ele prosseguiu criticando o conceito de “ins-
trumento cultural” defendido pelos dois pesquisadores, uma vez que
este estava em desacordo com o conceito de “instrumento” do modo
como é compreendido pelo marxismo. Além disso, comentou que o
conceito de cultura de Vygotsky era grosseiramente mecanicista,
porque ele compreendia cultura “como a soma de coisas, instrumen-
tos culturais e símbolos”. Por fim, Talankin observou que

a concepção psicológico-cultural de Vygotsky e Luria tem que ser


combatida com seriedade. Até hoje, ela não foi criticada. Temos que
demonstrar que uma solução marxista para o problema do desenvol-
vimento de processos psíquicos em uma base histórico-trabalhista sem
dúvida difere radicalmente da formulação do problema do desenvolvi-
mento que vemos em Vygotsky e Luria (Talankin, 1931a, p. 15).

Algumas páginas depois, Talankin (1931a, p. 22) retornou às idéias


de Vygotsky e Luria ao discutir o conceito de trabalho. Enfatizando a
idéia de Marx e Engels de que era o trabalho que criava o homem, ele
criticou Estudos sobre a história do comportamento (Vygotsky e Luria,
1930a). Em sua opinião, o macaco de Köhler, Sultão, ao tentar alcan-
çar uma banana com uma vara, demonstrava a importância do papel
do trabalho. Por que, então, este conceito de trabalho desapareceu no
tratamento dado por Vygotsky e Luria à história do homem? Foi a esta
crítica, sem dúvida, que Anan’ev referiu-se em seu artigo.
Talankin (1931b, pp. 39-40) repetiu sua palestra de uma forma
ligeiramente modificada em Kharkov, afirmando que Vygotsky e Luria
encaravam “a cultura como um sistema de coisas que organizam o
comportamento da pessoa. É claro que tal entendimento ‘coisificado’ da
cultura é um entendimento não-marxista”. Nas discussões rituais que
se seguiram a essa palestra, porém, Vygotsky e Luria não receberam
muita atenção (“Diskussija o polozhenii na psikhologicheskom fronte”,
1931).
Considerada contra o pano de fundo das críticas que Talankin
fez a outras abordagens psicológicas, a crítica à teoria histórico-
408 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

-cultural era bastante branda. Talankin mencionou, por exemplo,


que Estudos sobre a história do comportamento continha muitos
materiais interessantes e começou suas observações críticas afir-
mando que “o grupo de Vygotsky e Luria é, sem dúvida, talentoso”.
Vygotsky, que estava presente à palestra de Talankin, escreveu uma
carta para Luria dizendo que, aparentemente, havia sido decidido
que eles seriam “espancados, mas não mortos” (bit’, no ne ubivat)
(Vygotsky em carta para Luria, datada de 1 de junho de 1931).
De qualquer forma, fora decidido pelos “centros competentes do
Partido” que a teoria histórico-cultural precisava receber uma crítica
de princípios marxistas, e uma discussão pública das idéias de
Vygotsky era agora, mais do que nunca, inevitável. Essa discussão,
porém, não ocorreu em 1931.

O debate público

É evidente, portanto, que, até 1932, Vygotsky e seus colaborado-


res conseguiram evitar confrontos mais significativos com os principais
ideólogos do Partido. Evidentemente, alguns pequenos atritos eram
inevitáveis. Assim, Kurazov (1931, pp. 108-9) criticou Vygotsky por seu
“ponto de vista evolutivo vulgar”, afirmando que, em sua discussão das
investigações de Köhler, Vygotsky não havia enfatizado o suficiente as
diferenças intelectuais entre seres humanos e chimpanzés. Além disso,
durante a campanha contra Kornilov, muitos dos pesquisadores que
trabalhavam em seu Instituto também não escaparam das críticas.
Assim, a teoria histórico-cultural foi rotulada como “a psicologia
culturológica de Vygotsky e Luria” e o periódico Psikhologija, cuja política
era influenciada por Vygotsky (que era membro de seu conselho edi-
torial), foi condenado porque “refletia todas as correntes antimarxistas
do front psicológico mencionadas acima e, durante todo o seu período
de três anos de existência, não se distinguiu dos periódicos burgueses.
Uma parte do conselho editorial do jornal seguiu uma linha claramente
oportunista, permitindo que os momentos cruciais da luta de classes
fossem escondidos por um mero formalismo” (“Itogi diskussii po
reaktologicheskoj psikhologii”, 1931a, p. 388).
Foi Feofanov (1932), porém, quem abriu o verdadeiro ataque contra
as idéias de Vygotsky com um artigo em Pedologija intitulado “A teoria
do desenvolvimento cultural na pedologia como uma concepção elétrica2
que, em seu aspecto geral, tem raízes ideológicas”. Feofanov tinha ex-
periência na composição desse tipo de artigo (cf. Feofanov, 1931a; 1931b;

2. Sua intenção era escrever “eclético”. Foi Talankin (1931b) quem primeiro
usou a palavra “eclético” com relação à abordagem de Vygotsky. Todos os
críticos posteriores repetiram essa crítica.
A CRÍTICA 409

1931c) e, sem dúvida, recebeu a solicitação de abrir o debate. A julgar


por uma nota de rodapé, seu artigo seria o primeiro de uma série.
O conselho editorial julga que a chamada “teoria do desenvolvimento
cultural” requer as mais sérias críticas marxista-leninistas, uma vez
que introduz sub-repticiamente, sob a bandeira do “desenvolvimento
histórico”, concepções idealistas subjetivas, misturadas com elemen-
tos mecanicistas de uma teoria “behaviorista”. O conselho editorial
julga que o artigo do camarada Feofanov é apenas o primeiro passo na
direção de tal crítica e representa, no geral, apenas a formulação de
vários dos principais problemas da teoria culturológica. Várias das
formulações do artigo são incorretas. Este artigo abre a discussão
sobre o assunto em questão (em Feofanov, 1932, p. 21).

Referindo-se aos manuais de pedologia de Vygotsky (Vygotsky,


1929n; 1929p; 1930p; 1931h), Feofanov tentou, acima de tudo, en-
contrar palavras ou idéias que parecessem ideologicamente dúbias.
Assim, ele deduziu que Vygotsky, por caracterizar com freqüência o
desenvolvimento da criança com palavras como “crescimento” e afir-
mar que isto resulta em mudanças qualitativas tão radicais quanto
as que ocorrem na transformação da crisálida em borboleta, defendia
uma abordagem biologista. E, do fato de Vygotsky ter formulado com
freqüência leis gerais para o desenvolvimento da criança, ele deduziu
que o autor não distinguia entre o desenvolvimento de filhos de
trabalhadores e de burgueses. É evidente que Feofanov estava deli-
beradamente distorcendo as idéias de Vygotsky, uma vez que, nos
livros a que ele fez referência (p. ex., Vygotsky, 1931h, pp. 471-80),
Vygotsky deu uma atenção especial ao “adolescente da classe traba-
lhadora” (fundamentando-se em Spranger) e fez uma distinção explí-
cita entre a linha natural e a linha cultural no desenvolvimento
infantil. O fato de Feofanov ter percebido isso ficou claro quando ele
também acusou Vygotsky de dualismo, comentando que a distinção
entre períodos naturais e culturais no desenvolvimento infantil está
errada, uma vez que, em sua opinião, esses períodos naturais iniciais
não existiam. Aqui, claro, Feofanov fez um uso justificado do empre-
go infeliz por Vygotsky da palavra “cultural” (ver capítulo 9). Seu
comentário seguinte, de que não podemos concordar com Vygotsky
que os “primitivos” têm uma memória natural, ao passo que o ho-
mem cultural tem uma memória artificial, porque ambos os tipos de
memória são resultado do desenvolvimento em um meio específico e,
como tal, são artificiais, também parece justificável. Feofanov pros-
seguiu argumentando que é enganoso distinguir entre desenvolvi-
mento devido ao domínio de instrumentos culturais e desenvolvimen-
to devido ao desenvolvimento do tecido nervoso: em ambos os casos,
o córtex desenvolve-se em interação com o meio social. Desta forma,
ele ignorou as razões de Vygotsky para a introdução do conceito de
domínio de instrumentos culturais, ou seja, o desejo de diferenciar
410 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

entre o desenvolvimento animal e humano e construir uma ponte


entre uma visão marxista da antropogenia e as pesquisas contempo-
râneas com primatas (ver capítulo 9). Por fim, Feofanov criticou a
abordagem abstrata de Vygotsky, afirmando que ele não havia enfa-
tizado de maneira suficiente que o desenvolvimento da criança sem-
pre ocorre em um meio social específico em um período histórico
específico. (É irônico que esta crítica tenha sido formulada num
momento em que um colaborador de Vygotsky estava investigando
precisamente a influência do meio social e de mudanças históricas na
prática; ver capítulo 10). Aparentemente, as idéias de Vygotsky eram
muito gerais: em vez de nos dar uma visão ampla do desenvolvimento
da criança como o domínio de instrumentos culturais, ele deveria ter
esboçado as pobres perspectivas da criança proletária em uma socie-
dade burguesa. Em vez de descrever instrumentos culturais como sig-
nos mnemônicos e sistemas de escrita, ele deveria ter se centrado no
trabalho duro e na prática. As idéias de Vygotsky foram consideradas
“abstratas”, e Feofanov concluiu que elas davam “uma visão incorreta
do desenvolvimento da criança soviética” e tinham “uma influência
danosa sobre a prática de nossa educação” (Feofanov, 1932, p. 34).
Na edição seguinte de Pedologija, Abel’skaja e Neopikhonova
(1932) repetiram várias das críticas de Feofanov. O tópico do artigo
(a transcrição de uma palestra proferida no Instituto Pedagógico
Herzen, em Leningrado, onde Vygotsky estava lecionando na época)
era Einführung in die Entwicklungspsychologie, de Heinz Werner
(1925), mas os autores aproveitaram a oportunidade para comparar
a posição de Werner com as idéias de Vygotsky expressas em Estu-
dos sobre a história do comportamento (Vygotsky e Luria, 1930a) e
Pedologia do adolescente (Vygotsky, 1931h). A meta de Abel’skaja e
Neopikhonova era criticar Werner por seus erros e apontar que erros
semelhantes haviam sido cometidos pela “pedologia e psicologia
soviética”, ou seja, Vygotsky, Luria e Basov (cf. Luria, 1929b). As-
sim, quando Vygotsky e Luria apontaram as semelhanças formais
entre o desenvolvimento de animais, “primitivos” e crianças ociden-
tais, eles estavam repetindo o erro de Werner, ou seja, ignoraram o
papel dos meios de produção e das condições histórico-sociais e
tenderam a ver os três domínios do desenvolvimento como
organicistas. Para ilustrar a abordagem organicista de Vygotsky, os
autores repetiram a crítica de Feofanov à metáfora da crisálida e da
borboleta e fizeram referência a um texto no qual Vygotsky, citando
Kretschmer, traçava um paralelo entre o desenvolvimento do siste-
ma nervoso e o desenvolvimento das funções psicológicas superiores
(1931h, pp. 346-7). Por fim, Abel’skaja e Neopikhonova, seguindo
Talankin, Anan’ev e Feofanov, apontaram que o conceito de “instru-
mento cultural” de Vygotsky era abstrato e formal, uma vez que não
estava de forma alguma apoiado em uma análise concreta das con-
dições de trabalho em períodos históricos específicos.
A CRÍTICA 411

Uma vez mais, os membros do conselho editorial de Pedologija


intervieram acrescentando uma nota de rodapé, em que afirmavam
que a “teoria do desenvolvimento cultural” de Vygotsky e Luria não
representava a “pedologia e psicologia soviéticas”, como Abel’skaja e
Neopikhonova haviam erroneamente declarado. Referindo-se ao ar-
tigo de Feofanov e a “novos artigos críticos... que serão publicados
nas próximas edições de nosso periódico”, a teoria histórico-cultural
foi condenada por conter defeitos metodológicos fundamentais. Po-
rém, esses “novos artigos críticos” não foram publicados em
Pedologija, uma vez que a revista foi fechada em 1932 (ver capítulo
12).
Em 1993, a posição de Vygotsky e seus associados aparente-
mente piorou. Parece possível inferir de uma carta de Vygotsky para
Luria (datada de 29 de março de 1933) que havia uma comissão
investigando (o conteúdo ideológico de?) seu trabalho, mas que
Vygotsky acreditava que haveria uma chance de ele continuar tra-
balhando. Em outra carta, Vygotsky menciona que havia sido cha-
mado pelo proeminente ideólogo Mitin, que sugeriu que eles traba-
lhassem juntos: “Talvez encontremos apoio nesse lado. Não tenho
mais nenhuma novidade. Quando ficar sabendo de alguma coisa,
informarei você. Estou sendo interminavelmente interrogado e pres-
sionado” (Vygotsky em carta para Luria, datada de 21 de novembro
de 1933). Evidentemente, nenhuma ajuda foi oferecida por Mitin e
a posição de Vygotsky não parece ter melhorado. O próximo ataque
público ao trabalho de Vygotsky e Luria que os autores deste livro
conseguiram encontrar foi o famoso artigo de Razmyslov (1934),
“Sobre a ‘teoria histórico-cultural da psicologia’ de Vygotsky e Luria”.
Razmyslov seguiu os críticos anteriores, ao afirmar que a teoria
histórico-cultural de Vygotsky era muito geral e não especificava a
classe social das crianças cujo desenvolvimento tentava explicar.
Vygotsky também não havia feito referência a meios de produção e
outros conceitos importantes da visão de mundo comunista. Uma
característica específica da crítica de Razmyslov foi que ele, em um
grau maior do que Feofanov, atacou os autores da teoria e ampliou
consideravelmente a “análise” do trabalho deles.
Para provar que a idéia central de Vygotsky de que a consciência
humana tinha sua origem na interação social estava errada, Razmyslov
primeiro resumiu concisamente as idéias fundamentais de Marx e Engels
com relação ao desenvolvimento da consciência individual. Concluindo
que, de acordo com esses autores clássicos, a consciência individual
origina-se na consciência de classe, ele reprovou Vygotsky por sua
menção vaga a “coletivos sociais”. Dizer que os indivíduos apropriam-
-se das idéias e habilidades do coletivo do qual fazem parte, como fez
Vygotsky, lembrava-o muito das ideias dos “neopositivistas” Durkheim
e Lévy-Bruhl. O que Vygotsky queria dizer ao afirmar que cada função
psicológica aparece duas vezes, primeiro no plano interpsicológico e
depois no plano intrapsicológico? Não era exatamente esta a idéia de
412 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

Durkheim? Razmyslov concluiu que:


Em todos os pontos em que teria sido necessário, em nosso ponto de
vista, falar da classe, [e] ambiente de produção da criança, da influên-
cia da escola, da vanguarda Pioneira e do movimento Komsomol como
os portadores da influência do Partido e do proletariado sobre as
crianças,... Vygotsky... fala simplesmente da influência do coletivo,
sem interpretar qual é esse coletivo de que ele está falando e o que ele
quer dizer com “coletivo” (Razmyslov, 1934, p. 81).

Embora Razmyslov tenha atribuído erroneamente a idéia do


interintradesenvolvimento de funções psicológicas a Durkheim (a
idéia foi emprestada de um colega de Durkheim no Collège de France,
Pierre Janet; veja Van der Veer e Valsiner, 1988), havia alguma
verdade em suas observações. Vygotsky de fato inspirou-se em Dur-
kheim e Lévy-Bruhl, e sua teoria histórico-cultural não incorporava
as palavras de ordem marxistas sobre meios de produção, mais-
valia etc. Neste sentido, sua teoria parecia estar demasiadamente
baseada em uma ampla corrente de pensamento europeu (o traba-
lho antropológico e psicológico examinado no capítulo 9) para ser
chamada de uma teoria marxista ou comunista da maneira como
Razmyslov e seus camaradas usavam o termo.
Foi característico do artigo de Razmyslov o fato de este não ter
hesitado em citar artigos muito antigos para desmerecer a reputação
de seus autores. Luria, por exemplo, foi criticado por seus velhos
escritos psicanalíticos, e Vygotsky por suas antigas idéias reflexoló-
gicas. A meta clara dessas referências era demonstrar que os auto-
res apoiaram idéias ideologicamente suspeitas durante toda a vida
e não só ao divulgar a teoria histórico-cultural. É neste contexto que
pode ser compreendido o longo comentário de Razmyslov sobre
Psicologia pedagógica (1926i; ver capítulo 3) de Vygotsky.
Nossa afirmação de que Razmyslov simplesmente tentava pre-
judicar a reputação de Vygotsky pode ser facilmente ilustrada. Ci-
tando palavras de Vygotsky:
A natureza psicológica do processo educacional [vospitatel’nyj] é com-
pletamente idêntica quer desejemos educar [vospitat’] um fascista ou
um proletário, quer queiramos treinar um acrobata ou [criar] um bom
funcionário público. Nosso interesse deve ser pelo mecanismo do es-
tabelecimento de novas reações em si, sem levar em conta se o resul-
tado dessas reações é bom ou não (Vygotsky, 1926i, p. 23).

Razmyslov concluiu que Vygotsky não estava interessado nos


resultados do processo educacional, o que ele considerava tanto
politicamente prejudical como cientificamente incorreto (1934, p.
84). Mas é evidente que Vygotsky apenas estava fazendo uma obser-
vação técnica, tendo explicado, em um outro ponto dessa mesma
passagem, que as subdisciplinas da pedagogia geral ou da ética
social deveriam definir a meta do processo educacional, ao passo
A CRÍTICA 413

que a psicologia estudava sua natureza psicológica.


Prosseguindo seu ataque, Razmyslov citou idéias de Vygotsky,
expressas em Psicologia pedagógica, quanto a se questionar a neces-
sidade da instrução formal nas escolas e discutir seu possível desa-
parecimento. Ciente de que o Comitê Central do Partido havia con-
denado recentemente todas as idéias do então dominante movimen-
to contra a escolaridade formal por seu “caráter antileninista”,
Razmyslov, em tom de triunfo, condenou idéias de Vygotsky que
haviam sido escritas cerca de dez anos antes.
Estes poucos exemplos serão suficientes para ilustrar o estilo de
Razmyslov (ver também capítulo 10). O autor concluiu que Vygotsky e
Luria, com sua ainda “pouco conhecida” teoria histórico-cultural, “exer-
ciam objetivamente uma influência burguesa sobre o proletariado”, fato
este que não o surpreendia, uma vez que Vygotsky e Luria haviam
negligenciado as diretivas de Lenin (Razmyslov, 1934, pp. 79, 86).
Podemos concluir, portanto, que Razmyslov repetiu várias das
críticas anteriores levantadas por Talankin, Anan’ev e Feofanov,
acrescentando uma crítica à expedição de Luria à Ásia central (ver
capítulo 10) e desenterrando várias citações ideologicamente suspei-
tas encontradas nos primeiros escritos de Vygotsky e Luria. Desta
forma, ele conseguiu lançar dúvidas sobre a confiabilidade ideológi-
ca dos autores e de sua teoria. De fato, a teoria histórico-cultural
não era marxista no sentido atribuído a essa palavra no início da
década de 1930. Se ela era não-marxista em um sentido mais amplo
da palavra, ainda está por ser determinado.

Ataques póstumos
A história da psicologia soviética está repleta de eventos e de-
senvolvimentos bizarros, mas mesmo nessa atmosfera é digno de
nota que as críticas ativas a Vygotsky e suas teorias tenham pros-
seguido por vários anos depois de sua morte.
É verdade que as críticas de Razmyslov, Anan’ev e outros não
haviam convencido os amigos e colegas de Vygotsky de seus supos-
tos crimes e que eles continuaram a promover ativamente suas
idéias. Kolbanovsky, o chefe do Instituto de Psicologia Experimental,
merece uma atenção especial em relação a isto. Ele parece ter defen-
dido Vygotsky em reuniões do Partido e, em seu sensível necrológico
(Kolbanovsky, 1934c, p. 393), tentou rebater as acusações de que
Vygotsky havia sido um pensador eclético. Seu prefácio e artigo in-
trodutório em Pensamento e linguagem também podem ser considera-
dos (apesar da crítica que Kolbanovsky formulou) uma tentativa de
tornar o livro de Vygotsky mais possível de ser apreciado para os
ideólogos do Partido e tornar sua publicação possível (Kolbanovsky,

3. Mais de 20 anos depois, em 1956, Kolbanovsky (1956) apresentou Vygotsky para


um novo público leitor. Usando grandes partes de seu artigo anterior, ele tentou novamente
414 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

1934a; 1934b).3 Ele apresentou Vygotsky como um dos “represen-


tantes da intelligentsia fora do Partido” (Kolbanovsky, 1934a, p. v)
que haviam alcançado uma compreensão madura do marxismo-
-leninismo apenas depois de algum tempo. Foi em seus primeiros
escritos que Vygotsky havia cometido os erros de ignorar o histórico
de classe de Piaget (Kolbanovsky, 1934b, p. xvi) e de subestimar o
papel do cérebro. Da mesma forma, o Vygotsky mais novo havia
afirmado erroneamente que fala e pensamento têm origens diferen-
tes: fala e pensamento não podiam ter origens diferentes, uma vez
que Engels (1925) havia demonstrado claramente que ambos origi-
navam-se na atividade de trabalho prática. Assim, seria possível
afirmar que algumas falas fossem pré-intelectuais e alguns pensa-
mentos fossem pré-verbais, mas não se podia contradizer a afirma-
ção de Engels sobre sua origem comum no trabalho (Kolbanovsky,
1934b, pp. xvii-xxiv; cf. capítulo 9). Por fim, em sua pesquisa sobre
a formação de conceitos, Vygotsky, ao afirmar que as palavras são
meios para a formação de conceitos reais, tendera a ignorar o fato
de que também as palavras são resultado da atividade do trabalho
(Kolbanovsky, 1934b, p. xxvii). No geral, porém, o julgamento de
Kolbanovsky sobre os escritos de Vygotsky foi favorável e ele sugeriu
claramente que Vygotsky havia reconhecido seus enganos.
Kolbanovsky não foi o único a defender as idéias de Vygotsky.
Os novos colaboradores e colegas de Vygotsky em Leningrado tam-
bém tentaram defender o legado de seu mestre. Seu aluno Levina,
por exemplo, preparou a série de aulas Fundamentos de pedologia
(Vygotsky, 1935g) para publicação, e Zankov, Shif e El’konin publi-
caram várias outras palestras sob o título O desenvolvimento mental
de crianças no processo da educação (Vygotsky, 1935h). Shif (1935)
e Konnikova (1935) conseguiram publicar suas dissertações de dou-
torado (ver capítulo 11 e abaixo) e Zankov (1935a) dedicou seu livro
sobre defectologia a seu falecido professor e colega. Nesse mesmo
ano, Blonsky (1935) referiu-se de forma bastante positiva ao traba-
lho de seu colega pedólogo. Por fim, em 1936, o livreto O diagnóstico
do desenvolvimento (Vygotsky, 1936a; escrito em 1931) foi publicado
por iniciativa de Danjushevsky e editado por Levina. Aparentemente,
foi só com o Decreto da Pedologia, em 1936, que a referência à obra
de Vygotsky tornou-se definitivamente impossível (ver capítulo 12).
Tanto o artigo escrito por Kozyrev e Turko (1936) como o livreto
de Rudneva (1937) foram compostos sob influência desse decreto.

tornar Vygotsky aceitável para o partido governante. Enquanto em seu primeiro


artigo Kolbanovsky (1934c, p. 389) havia relatado de forma triunfante e correta a
crítica de Vygotsky a Pavlov, ele agora (Kolbanovsky, 1956, p. 105) procurava
demonstrar a concordância fundamental entre os dois. Lendo essas duas introdu-
ções à obra de Vygotsky, percebe-se as mudanças fundamentais e trágicas que
haviam ocorrido na psicologia da União Soviética nesses anos intermediários.
A CRÍTICA 415

Kozyrev e Turko, que trabalhavam no Instituto Pedagógico Herzen,


em Leningrado, onde Vygotsky fora professor, concentraram suas
críticas em particular nos seguidores de Vygotsky que haviam for-
mado “a chamada escola pedológica de Leningrado” (Kozyrev e Turko,
1936, p. 44) e contra os conceitos teóricos que Vygotsky havia ela-
borado em seu período em Leningrado (veja os capítulos 11, 12 e
13). Eles consideraram o prefácio de Kolbanovsky (1934a) a Pensa-
mento e linguagem “positivo demais”, e este foi denunciado como
sendo parcialmente responsável pela popularidade de Vygotsky nos
círculos de Leningrado (Kozyrev e Turko, 1936, pp. 44, 49, 54).
Um dos conceitos desenvolvidos no período de Vygotsky em Lenin-
grado foi, evidentemente, o conceito da zona de desenvolvimento
proximal. Kozyrev e Turko declararam audaciosamente que esse con-
ceito não fazia mais do que repetir o velho slogan sobre a hereditarie-
dade da educabilidade, “embora ele seja atenuado de forma muito
hábil” (1936, p. 47). Para provar isso, eles citaram a argumentação de
Vygotsky sobre o conceito de zonas sensíveis e períodos mais favoráveis
para o aprendizado de habilidades específicas (ver capítulo 13). Embo-
ra reconhecendo o fato de que Vygotsky fez uma distinção clara entre
seu conceito de zona de desenvolvimento proximal e o conceito das
zonas sensíveis, eles mostraram que Vygotsky (1934a, p. 223), de
qualquer forma, aceitava a afirmação de Montessori de que as crianças
deviam aprender a escrever aos quatro ou cinco anos de idade. Vygotsky,
desta forma, aceitava a existência de períodos mais favoráveis para o
ensino/aprendizagem (obuchenie) de tópicos específicos. Como então,
perguntavam Kozyrev e Turko, podia o Partido ter a esperança de
acabar com o analfabetismo do povo adulto (1936, p. 49)? Como os
trabalhadores podiam ser treinados para se transformarem na
intelligentsia soviética dirigente?4 Os autores tinham que concluir que,
por causa dessas declarações, Vygotsky foi um dos que afirmavam a
inferioridade biológica das classes trabalhadoras.
Pode-se perceber claramente qual era a motivação para essa
acusação (que meramente repetiu algumas frases contidas no pró-

4. Essas eram, no momento, perguntas muito comuns. Os editores de Vygotsky


(1935h, p. 53), por exemplo, sentiram-se compelidos a acrescentar uma nota de
rodapé ao capítulo de Vygotsky sobre multilingüismo na infância. Foi dito que “O
autor não indica que esse problema, nas condições da nossa União de repúblicas
soviéticas, tem um significado político essencial. Por meio da promoção da solução
correta da Política de Nacionalidades de Lenin, o domínio de várias línguas das
nacionalidades da URSS também ajuda a aproximá-las mais umas das outras e a
promover o desenvolvimento de uma solidariedade fraterna e do poder de nossa
grande União. Além disso, para os trabalhadores, o domínio de línguas estrangei-
ras constitui um meio importante de dominar as realizações contemporâneas da
tecnologia avançada e também promove o desenvolvimento da solidariedade pro-
letária internacional na luta contra o capitalismo”.
416 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

prio Decreto da Pedologia). Ao falar de períodos mais favoráveis para


a aprendizagem de habilidades específicas, Vygotsky reconheceu que
alguns processos de desenvolvimento tinham de ocorrer para que a
instrução fosse bem-sucedida. Alguns processos precisavam estar se
desenvolvendo, mas não podiam ter terminado seu desenvolvimento,
para que a instrução fosse proveitosa. Mas essa declaração simples
(de que há a possibilidade de a instrução ocorrer cedo demais ou
tarde demais) já era inaceitável na União Soviética da época, pois
provava a aceitação “fatalista” do papel de determinantes biológicos
do desenvolvimento. Em um país que se encaminhava rapidamente
para o caso Lysenko, isto era prova suficiente de uma abordagem
não-científica (cf. Van der Veer, 1990).
Kozyrev e Turko não julgavam que o restante de Pensamento e
linguagem fosse muito melhor. O capítulo de Vygotsky sobre as diferen-
tes origens de pensamento e fala, em particular, foi considerado cien-
tificamente sem valor (seguindo Kolbanovsky, 1934b). Ao afirmar que
as ações do chimpanzé não estão ligadas à sua fala, Vygotsky estava
contradizendo não só Engels, mas também o acadêmico N. Ja. Marr.
Citando várias das declarações de Marx,5 Kozyrev e Turko (1936, pp.
45, 49) concluíram que Vygotsky não tinha conhecimentos suficientes
na área da lingüística e havia cometido erros graves.
O resto do artigo foi dedicado às tentativas de Kozyrev e Turko de
argumentar que a pedologia não tinha direito à existência e atacar o
trabalho de vários dos alunos e colaboradores de Vygotsky. Kozyrev e
Turko afirmaram que a pedologia não existia, fazendo referência ao
exemplo dado por Vygotsky (1931c, p. 18) da memória de uma criança
de sete anos. Vygotsky havia dito que um psicólogo interessava-se pelo
processo da memória e suas regularidades, mas não pelo período de
idade de sete anos: os fenômenos que ele estudasse seriam usados
para um aprofundamento de nossa compreensão do desenvolvimento
da memória. Um pedólogo, porém, estaria interessado no período de
idade, considerando os fenômenos relacionados à memória como parte
de muitos outros dados que revelavam as peculiaridades desse período
de idade. Ele usaria os resultados de testes de memória, comparando-
-os com outros resultados típicos desse período de idade, para apro-
fundar nossa compreensão desse período de idade específico (cf. capí-
tulo 12). Essa distinção foi considerada superficial e pouco convincente
por Kozyrev e Turko (1936, p. 53), que não entendiam que tarefas
seriam deixadas para o pedagogo.
Konnikova e Zankov foram os alvos das críticas de Kozyrev e
Turko aos alunos de Vygotsky. Zankov (1935b) foi criticado por um

5. Um ano depois, Rudneva (1937, p. 12) ainda continuava tão impressio-


nada com essas citações (que também afirmavam que fala e pensamento origi-
navam-se na atividade do trabalho) que as reproduziu, embora sem fazer refe-
rência ao artigo de Kozyrev e Turko.
A CRÍTICA 417

capítulo em que fez uso da distinção de Vygotsky entre conceitos


científicos e cotidianos (ver capítulo 11). Essa distinção em si foi
denunciada como insustentável e a investigação de Zankov foi criti-
cada por sua metodologia ruim. A dissertação de Konnikova (1935)
sobre fala autônoma (que foi escrita sob a supervisão de Levina,
então chefe da Faculdade de Pedologia do Instituto Pedagógico Herzen)
foi condenada por suas muitas referências elogiosas a trabalhos de
Vygotsky.
Já foi dito o suficiente sobre o artigo de Kozyrev e Turko para
deixar claro o seu caráter. Os autores seguiram claramente o proce-
dimento que, então, havia se tornado incomodamente difundido na
União Soviética: sob a premissa de uma diretiva do Partido, a obra
de um autor era dissecada em busca de concordâncias ou divergên-
cias com o conteúdo dessa diretiva. O resultado dessa atividade pode
ser mais bem avaliado por meio de uma citação dos próprios críticos:
O exemplo da acolhida e exaltação não-crítica ao prof. L. S. Vygotsky
sublinha uma vez mais a necessidade de uma vigilância de classe
intensificada em todos os domínios de nosso conhecimento científico,
pois, em seu trabalho de sabotagem, o inimigo usa as menores possi-
bilidades e provoca danos em lugares onde, às vezes, não esperamos
(Kozyrev e Turko, 1936, p. 57; grifo dos autores).

O leitor pode se perguntar o que Rudneva (1937) poderia acres-


centar às acusações já feitas por outros e, de fato, nas trinta e duas
páginas de seu livreto peculiar, ela fez amplo uso do trabalho deles.
Assim, repetiu as idéias de que Vygotsky era um pensador eclético
(“sendo eclético, ele combinou idealismo subjetivo com materialismo
vulgar”; Rudneva, 1937, p. 6), de que ele havia difundido opiniões
incorretas sobre as origens de fala e pensamento, que havia defen-
dido uma visão hereditária do desenvolvimento mental e que sua
teoria histórico-cultural era falsa (“a injúria contra os filhos dos tra-
balhadores é combinada à injúria dos imperialistas contra os povos
coloniais para justificar a ocupação de novos territórios em nome do
‘progresso’ e da ‘cultura’”; Rudneva, 1937, p. 28). Também ela criti-
cou o conceito da zona de desenvolvimento proximal, porque ele
parecia sugerir que trabalhadores comunistas adultos honestos não
poderiam se tornar intelectuais soviéticos de destaque. Mas devemos
dar crédito a Rudneva por ela ter percebido a estranheza da afirma-
ção de Vygotsky referente ao efeito nivelador da escolaridade (1937,
pp. 17-18) (ver capítulo 13).
Infelizmente, seu trabalho tinha um nível científico e moral ain-
da mais baixo do que os escritos dos críticos anteriores. Tendo men-
cionado, por exemplo, que, em certa ocasião, Vygotsky, como muitos
de seus colegas (cf. Blonsky e Skosyrev, 1935; Luria, 1930b), estivera
fascinado pelas idéias de Jaensch (cf. Vygotsky, 1930e), ela comen-
418 MOSCOU, KHARKOV E LENINGRADO

tou que “A propósito, Vygotsky, que, tendo estado no exterior, conhe-


cia bem línguas estrangeiras, certamente tinha conhecimento do ódio
zoológico do demagogo fascista Jaensch contra a União Soviética e o
marxismo e, mesmo assim, não trouxe descaradamente esse lixo
para as páginas de nossa imprensa?” (Rudneva, 1937, p. 14).6
O principal objetivo de Rudneva era desacreditar Vygotsky e
seus seguidores, mostrando que Vygotsky era, em primeiro lugar,
um apoiador do movimento de Shul’gin contra a educação formal
(um movimento condenado por um Decreto do Comitê Central do
Partido em 3 de setembro de 1935) e, segundo, um propagador da
pedologia, condenada pelo Decreto da Pedologia de 4 de julho de
1936. A primeira acusação foi claramente tomada de Razmyslov e,
para ilustrá-la, Rudneva não fez mais do que repetir as citações que
aquele havia feito de Psicologia pedagógica (1937, p. 4). Rudneva
também condenou a pesquisa de formação de conceitos de Vygotsky
e Shif. A distinção entre dois tipos de conceitos em si foi conside-
rada sem valor e incompatível com os dogmas fundamentais da
lógica dialética. Além disso, ela não compreendia a origem dos dife-
rentes níveis no desenvolvimento dos conceitos. Estaria Vygotsky
defendendo a idéia “contra-revolucionária” do desenvolvimento es-
pontâneo (Rudneva, 1937, p. 9)? Por fim, os conceitos científicos de
Vygotsky pareciam estar baseados no plano puramente verbal, em
vez de terem sua origem na atividade prática do trabalho (cf. as
afirmações similares de Leontiev, em Leontiev, 1935/1983).
Rudneva concluiu que as teorias de Vygotsky não eram compa-
tíveis com as idéias de Marx, Engels, Lenin, Stalin, Kirov e Zhdanov.
Ela conclamou outros a condenarem Vygotsky, “principalmente por-
que alguns de seus seguidores ainda não foram desarmados (Luria,
Leontiev, Shif e outros)” (Rudneva, 1937, p. 32).

Conclusões

Em 1931, ficou claro que Vygotsky não poderia escapar do


destino de tantos de seus colegas: seus escritos seriam testados
acerca de sua confiabilidade ideológica. Sabe-se surpreendentemen-
te pouco sobre os detalhes concretos do ataque quando este final-
mente foi lançado. Não sabemos, por exemplo, se houve reuniões
públicas exclusivamente dedicadas à discussão das teorias de
Vygotsky. (De acordo com uma história, uma reunião desse tipo de
fato aconteceu e Vygotsky foi o primeiro orador, pronunciando um

6. Vygotsky de fato conhecia a atitude questionável de Jaensch em relação


ao governo nazista e, em seu artigo contra o fascismo, criticou asperamente seu
colega alemão (cf. Vygotsky, Giljarovsky, Gurevich, Krol’, Shmarjan et al., 1934,
pp. 19-28).
A CRÍTICA 419

de seus longos e fascinantes discursos que deixou a platéia


enfeitiçada. Como resultado, os oficiais não sabiam mais como pros-
seguir, uma vez que a atmosfera geral claramente não era adequada
para um ataque frontal. Depois de alguma hesitação, foi anunciado
que, naquele dia, nenhum outro discurso seria pronunciado e que
a segunda parte da reunião estava suspensa. Os autores deste livro
não tiveram condições de verificar a veracidade dessa história.)
Também não foi possível documentar nenhuma reação publicada de
Vygotsky ou Luria a seus críticos. Parece claro que os escritos pos-
teriores de Vygotsky mudaram em resposta a alguns dos ataques
(referências ao pensamento “primitivo”, por exemplo, desapareceram
de seus textos), mas não temos nenhum registro escrito de alguma
defesa ou contra-ataque seu. É evidente, porém, que eles tentaram
amenizar os resultados da campanha lançada contra eles. Luria,
aparentemente, escreveu pelo menos uma carta penitencial, que foi
preservada nos arquivos de sua família,7 em resposta a críticas
publicadas no periódico Estestvoznanie i Marksizm (Ciência natural
e marxismo). A defesa, porém, foi em vão e, depois do Decreto da
Pedologia, os escritos de Vygotsky foram proibidos e efetivamente
banidos. Só em 1956 partes de seus escritos (resumidos) viriam a se
tornar disponíveis outra vez. Enquanto isso, as críticas lançadas
contra eles continuam a existir, aguardando novas avaliações. É
evidente que muitas delas são meros absurdos, mas outras (por
exemplo, a crítica dos conceitos da zona de desenvolvimento proximal
e do primitivismo) merecem alguma reflexão adicional. Essas críticas
podem ter surgido por motivos torpes, mas a motivação das afirma-
ções não é relevante para o julgamento de sua validade.
Pode-se ver esse período da história da psicologia soviética por
dois lados: como a história da entrada na lista negra de um membro
da “intelligentsia fora do Partido” ou como o início (longe do ideal) da
avaliação crítica de seu trabalho. Mostramos que ambos os pontos
de vista podem ser defendidos.

7. Esta informação baseia-se nas anotações bastante instrutivas feitas para


a edição soviética da correspondência de Vygotsky preparada por A. A. Puzyrej.
Não se sabe com certeza quando essas correspondências serão publicadas.
Epílogo

A busca da síntese e de sua interdependência cultural

A preocupação essencial evidente na obra intelectual de Vygotsky


é a busca da síntese, ou pelo menos foi assim que a consideramos.
Ao longo de sua vida, Vygotsky procurou persistentemente criar
novas idéias por meio da síntese dialética. Este foi seu principal foco
de interesse no desenvolvimento humano. Porém, sua abordagem
dialética não parou aí, pois ele fez um esforço consistente para
aplicar um método similar à sua própria teorização. Em sua aplica-
ção da abordagem dialética tanto no nível científico como meta-
científico, Vygotsky foi, de fato, notavelmente coerente. No entanto,
os resultados específicos dessa aplicação permaneceram, com fre-
qüência, fragmentários e seu estilo de discussão de novas idéias cria
dificuldades para os analistas contemporâneos de seu trabalho.
Esperamos que nossa descrição da vida de Vygotsky e da história
de suas idéias explique pelo menos uma parte do rico complexo de
razões pelas quais seu legado é heterogêneo em natureza. Não se pode
esperar que um jovem com a consciência de que poderia morrer a
qualquer momento se dispusesse a gastar um longo tempo para criar
um sistema completo de pensamento e reforçar suas idéias originais
com programas de pesquisa empírica de longo prazo detalhadamente
planejados. Além disso, as condições sociais em que Vygotsky traba-
lhou mudavam rapidamente. Por fim, Vygotsky era basicamente um
produtor de narrativas orais e não de tratados escritos. E isto, é claro,
levou a uma fragmentação de idéias ainda maior, muitas repetições e
falta de coesão. Muitas das idéias interessantes de Vygotsky são recor-
rentes jorros de novidades em discursos orais, que, em sua maior
parte, permaneceram inacabados. Em contraste, muitos dos aspectos
de Vygotsky que estão elaborados de forma mais detalhada (incluindo
algumas investigações empíricas) apresentam incoerências entre a idéia
original e sua especificação. Por exemplo, as evidências empíricas em
favor da “teoria histórico-cultural” são basicamente transversais em
sua apresentação (por exemplo, os resultados do uso de “dispositivos
mediadores” por diferentes grupos etários), ao passo que a teoria em
422 EPÍLOGO

si pretende concentrar-se nos processos de desenvolvimento. Além disso,


as preocupações teóricas e o estilo erudito de Vygotsky mudaram du-
rante sua vida; em 1924-5, ele sentia-se fascinado por idéias basica-
mente diferentes das de 1933-4. É claro que esse desenvolvimento
pessoal foi guiado pelas mudanças no mundo intelectual da União
Soviética ao longo desse curto período. O Vygotsky posterior já havia
enfrentado uma onda de críticas dogmáticas a seu trabalho.

Duas perspectivas na crítica: estática e dialética

O método usado por Vygotsky em sua análise crítica das idéias de


seus contemporâneos criou alguma confusão entre as tentativas atuais
de interpretar sua obra, como fica evidente na dúvida freqüentemente
levantada quanto a Vygotsky ter sido ou não um marxista. É fácil
perceber a natureza estática dessa dúvida: ela é, essencialmente, uma
tentativa de classificar Vygotsky como membro de uma entre duas
classes distintas de orientação ideológica (o erro comum de imaginar
que o mundo pode ser dividido em simples categorias binárias).
Este livro deixa claro que Vygotsky não pode ser classificado desta
maneira. Reconstituímos a interdependência intelectual de Vygotsky
em relação a uma série de tendências teóricas e filosóficas (entre as quais
o pensamento marxista/hegeliano foi apenas uma, embora das mais sig-
nificativas). Além disso, a mente dialética de Vygotsky aplicava a todas
essas ligações intelectuais o esquema “Tese-Antítese-Síntese”. Uma vez
que essa abordagem não é adotada pela psicologia atual, é difícil para
muitos psicólogos compreender como Vygotsky poderia ser um “piage-
tiano” em boa parte de seu pensamento (embora fosse extremamente
crítico a Piaget em algumas áreas), ou como ele poderia apreciar alguns
aspectos da reflexologia de Pavlov (embora submetesse outros aspectos
dela, por exemplo, o reducionismo fisiológico, a críticas severas). Além
disso, embora Vygotsky se identificasse com o movimento pedológico
soviético da época, assim mesmo ele submeteu esse movimento a crí-
ticas devastadoras (e redefiniu a “pedologia” para seus próprios propó-
sitos). E, embora tenha se distanciado cada vez mais da nova linha de
pesquisa de sua época (a ênfase na práxis da Escola de Kharkov), não
negava que ela havia produzido algumas novas idéias intelectualmente
valiosas. Podia criticar asperamente o trabalho psicanalítico de Luria,
ao mesmo tempo que continuava a trabalhar com ele, chegando mes-
mo a entrar como membro da Sociedade Psicanalítica Russa.
O estilo de crítica de Vygotsky tem sido uma pedra no caminho
das interpretações atuais de seu trabalho. Talvez a função da crítica
no meio intelectual de Vygotsky fosse diferente da que existe na
psicologia internacional da década de 1990. Essa diferença parece
ser baseada na visão de mundo dialética de Vygotsky e na falta de
uma abordagem dialética no nosso meio atual.
EPÍLOGO 423

Um psicólogo dos dias de hoje provavelmente adotaria uma


perspectiva não-dialética do tipo “ou isto ou aquilo” para determinar
a “filiação” de uma ou outra abordagem na psicologia. Daí os fre-
qüentes contrastes não-dialéticos entre as abordagens “piagetiana”
e “vygotskyana”, ou a difundida separação dos psicólogos em ca-
tegorias “social” versus “cognitiva”, que parece ocupar nossa mente
em suas atividades meta-psicológicas. Mesmo a existência de uma
sobreposição das duas (“cognição social”) não altera a classificação
não-dialética do “cenário” psicológico, uma vez que o enfoque dessa
taxonomia é basicamente uma “organização”, e não uma sintetização
de idéias de campos opostos. Por exemplo, com que freqüência
encontramos uma análise das idéias opostas do behaviorismo e do
cognitivismo que seja voltada a transcender as duas perspectivas
limitadas individuais? (Na verdade, a necessidade de uma psicologia
pós-cognitivista não parece ser expressa nestes termos!)
Em um contraste direto, para Vygotsky duas direções opostas de
pensamento serviam como opostos quaisquer unidos um ao outro no
todo contínuo: o discurso sobre idéias. Esse discurso deve levar-nos a
uma compreensão mais adequada da psique humana, ou seja, a trans-
cender o estado atual de conhecimento teórico, e não a colocar a força
a variedade existente de idéias dentro de uma classificação rígida de
tendências na disciplina científica socialmente construída da psicolo-
gia. Portanto, havia algo valioso a ser aprendido exatamente naquelas
idéias que Vygotsky criticava com os termos mais fortes. Críticas, para
ele, não equivaliam a uma rejeição do ponto de vista oposto, mas eram
“marcadores” dentro de um “panorama” de idéias que designavam os
pontos de entrada de impasses intelectuais. Especialmente agora,
quando o empirismo domina a psicologia, parece que o desenvolvimen-
to da disciplina começa a tomar a forma de uma caminhada aleatória
de um impasse teórico a outro. O estilo analítico de Vygotsky permitiu
que ele evitasse direções teoricamente “sem saída” em seus trabalhos
empíricos, um luxo que a sistematização de “teorias e sistemas” na
psicologia contemporânea não permite. Para Vygotsky, era a argumen-
tação contra outros pontos de vista que podia levar sua idéias a atin-
girem um ponto crucial de uma nova síntese, como resultado de seu
amplo conhecimento da psicologia internacional. Como mostramos,
suas inovações estavam freqüentemente conectadas ao trabalho de
seus predecessores e contemporâneos e representavam pequenas mo-
dificações dessas teorias.

A base para a construção da novidade: interdependência intelectual

Se quiséssemos tentar entender os processos da criatividade


científica por um ponto de vista puramente sociogenético, teríamos
que aceitar que nenhum cientista inovador pode criar novas idéias
424 EPÍLOGO

independentemente dos processos culturais coletivos que o cercam,


da história social em que seu curso de vida está incluído e das
relações interpessoais específicas estabelecidas em sua vida. Ou, em
outros termos, é a interdependência intelectual do cientista ou do
artista que define as condições em que novas idéias ou expressões
podem surgir. A epígrafe deste livro expressa a idéia dessa interde-
pendência de forma bastante concisa. Porém, a idéia deve ser mais
bem elaborada para que muitos dos detalhes incluídos neste livro
possam encontrar lugar no quadro complexo que pintamos aqui.
O mundo social de qualquer grupo de pessoas que se desenvolvem
paralelamente em um determinado ambiente social está cheio de concei-
tos gerais que organizam as esferas social e pessoal das pessoas e fa-
cilitam a construção coletiva dos significados culturais da forma como
estes são comunicados de uma geração para outra. Esses conceitos
costumam ser imprecisos no que diz respeito ao seu significado exato,
permitindo que seus usuários “preencham-nos” com as ênfases especiais
que forem adequadas a suas metas ou necessidades. Como exemplo, con-
sideremos o uso do termo “ciência” (ou “científico”) no discurso de cientis-
tas. Este termo não pode ter um significado simples que permaneça cons-
tante ao longo do tempo e dos contextos. Os usos desse termo, que
variam de “ciência natural” ou “ciências físicas” até áreas como “comu-
nismo científico” ou “ciência política”, demonstram a heterogeneidade
de seu significado. Se acrescentarmos a essa heterogeneidade a varie-
dade de usos do termo no discurso dos psicólogos, chegamos muito
perto da questão da natureza polissemântica de conceitos gerais. Por
exemplo, as contribuições de Vygotsky podem ser classificadas como “o
centro da ciência do desenvolvimento” em um extremo (entusiástico),
ao mesmo tempo que seu uso coerente do método clínico e o não-uso
de métodos estatísticos de qualquer espécie podem trazer para seu
trabalho o rótulo de “ciência moderada”, na melhor das hipóteses (de-
pendendo da perspectiva do avaliador). Uma vez que a psicologia de
nossa época atual está impregnada do hábito de classificação de dife-
rentes abordagens em diferentes categorias de “ciência” (ciência “bási-
ca” x “aplicada”, ciência “verdadeira” x “moderada” etc.), é no nível
metalingüístico do discurso dos psicólogos sobre suas abordagens que
a natureza mediada dos significados imprecisos pode ser demonstrada.
Pela ajuda de dispositivos mediadores (significados de conceitos
abstratos), tanto a continuidade cultural como a mudança cultural
tornam-se possíveis. Além disso, a imprecisão desses significados
permite que haja variabilidade dentro da cultura em um determina-
do momento do desenvolvimento da sociedade. Em outras palavras,
a heterogeneidade de interpretações dos mesmos termos abstratos é
a regra (e não a exceção), uma vez que isto tem uma função no
processo de desenvolvimento de nosso conhecimento do mundo.
Mas a história da ciência também está cheia de exemplos da
rigidez extrema de um grupo de especialistas em uma determinada
disciplina, que se aferram a uma idéia central de uma forma altamente
EPÍLOGO 425

compulsiva e defensiva. A evitação compulsiva da heterogeneidade de


significados de conceitos no discurso social leva à adesão dogmática a
uma versão particular do significado. Os mecanismos dessa padroni-
zação de termos tem assumido com freqüência a forma de diferencia-
ção entre “grupo próprio” e “grupo alheio” e de construção de consenso
social dentro do “grupo próprio”. A organização social do empreendi-
mento científico não é diferente da organização social de qualquer
outra instituição. Tanto o aparecimento de Vygotsky na psicologia como
seu desaparecimento da lista de psicólogos aceitáveis durante algumas
décadas depois de sua morte proporcionam bons exemplos da regula-
mentação grupo próprio/grupo alheio na psicologia soviética da época.
Porém, todas as pessoas envolvidas no discurso social são co-
-construtoras de idéias. Seus mundos sociais incluem uma variedade
de conceitos de significados heterogêneos. O indivíduo faz uso de alguns
desses conceitos e ajusta seus significados de acordo com o contexto
em que esses significados precisam ser usados. Outros conceitos po-
dem ser ativamente rejeitados, ou meramente ignorados sem ser inte-
grados na estrutura de conhecimento que o indivíduo está construin-
do. De qualquer forma, mesmo neste último caso, a presença desses
conceitos no mundo social do indivíduo (e em sua mente) é uma parte
relevante do “cenário” que leva a novas idéias. O surgimento de uma
nova idéia ocorre dentro da mente de um indivíduo enquanto ele está
participando de um discurso social (imediato ou retardado). Assim, a
criação individual de novas idéias é intelectualmente interdependente
da “matéria-prima” socialmente disponível e culturalmente organizada:
conceitos com significados heterogêneos. A inovação intelectual, por-
tanto, ocorre necessariamente no contexto social; tanto os “meios” (sig-
nificados) como as “necessidades” (metas definidas pelo indivíduo no
ambiente da tarefa específica) são sugeridos a ele, em primeiro lugar,
socialmente. Estes podem, mais tarde, ser transferidos para a esfera
psicológica interna. Assim, um monge tibetano que contempla questões
relativas à inveja no isolamento de sua alcova está tão envolvido em
uma tarefa socialmente construída como um psicólogo que esteja li-
dando com uma discussão sobre o mesmo tópico em uma conferência.
Desta forma, todas as novas idéias são transformações ou subs-
tituições de idéias antigas, baseadas na textura de significados que
está atualmente circundando o indivíduo e na qual fundamenta-se a
construção pessoal internalizada de sua compreensão do mundo. Em
nossa tentativa anterior de analisar a interdependência intelectual (ver
Van der Veer e Valsiner, 1988, pp. 61-2), enfatizamos a semelhança
entre a criação de novas idéias em psicologia e a construção de conhe-
cimento pela criança à medida que ela atua dentro de seu ambiente.
A interpretação construtiva das noções de assimilação e acomodação
como processos mutuamente ligados de construção de conhecimento
pode ser usada para uma elaboração de como um determinado pen-
sador é intelectualmente interdependente de seu ambiente cultural. É
evidente que essa interdependência envolve uma noção bidirecional de
426 EPÍLOGO

“transmissão” cultural, ou seja, as mensagens localizadas no ambiente


cultural não são meramente “aceitas como estão” pelo indivíduo cria-
tivo, mas são analisadas e “reagrupadas” (no sistema de “sentido pes-
soal” do indivíduo) de novas maneiras. Assim, o indivíduo é um co-
construtor da cultura, e não um mero seguidor dos esforços de incul-
turação de outros. Psicologicamente, os indivíduos sempre movem-se
além de seu ambiente cultural, com a assistência deste último. A
cultura é, assim, um meio para a co-construção pessoal do desenvol-
vimento intelectual, e não um “juiz” externo poderoso que “aceita” ou
“rejeita” os pensamentos, sentimentos e ações da pessoa e procura se
impor aos seres humanos “livres”.

A interdependência intelectual de Vygotsky

O caso de Vygotsky constitui um exemplo complexo de interde-


pendência cultural. Em todos os períodos de sua busca ativa de um
entendimento do funcionamento psicológico humano, desde que pela
primeira vez começou a se enteressar pelo modo como Hamlet causa
impacto no público, até o interesse por questões de pedologia, o
pensamento de Vygotsky demonstra uma intrincada interdependên-
cia intelectual. Os capítulos anteriores deste livro analisaram essas
idéias e suas raízes nas diferentes áreas da atividade intelectual de
Vygotsky. O que resta a ser feito aqui é apresentar um resumo geral
dessa interdependência intelectual ao longo de sua vida.
As primeiras relações intelectuais (com a filosofia dialética e
com os estudos literários) dignas de nota de Vygotsky foram forma-
das em seus anos de escola e de universidade e possibilitaram que
ele desenvolvesse um ponto de vista sobre a recepção de obras
literárias que se concentrava na interação entre o receptor e o texto.
A natureza estrutural de qualquer texto foi um dado que preparou
o terreno para sua insistência posterior em unidades estruturais
para a análise de fenômenos psicológicos. Seu interesse pelos pro-
cessos de reconstrução do significado dos textos no mundo sensível
de receptores individuais guiou-o para o estudo de reações estéticas
complexas. Por coincidência, esse estudo complementava o trabalho
que estava sendo feito por Kornilov, e Vygotsky entrou para o Ins-
tituto deste último. No contexto social das atividades efervescentes
de intelectuais que aproveitavam a oportunidade para construir seus
próprios novos sistemas psicológicos sobre bases marxistas, Vygotsky
estabeleceu uma interdependência com o movimento da psicologia
da Gestalt, que viria a lhe proporcionar muito material para futuras
sínteses intelectuais. Ao mesmo tempo, seu interesse pedagógico
pelo desenvolvimento de crianças retardadas e deficientes manteve
seu enfoque na necessidade de que o ambiente social auxiliasse o
desenvolvimento individual.
EPÍLOGO 427

Quando sua relação profissional com a reactologia de Kornilov e


com a psicologia marxista construída sobre jargões enfraqueceu, por
volta de 1926-7, Vygotsky moveu-se para uma integração de sua idéia
de síntese dialética (aliada à ênfase estrutural da psicologia da Gestalt)
ao processo de desenvolvimento em educação especial. A interdepen-
dência intelectual com o trabalho de Ach, Adler, Baldwin, Binet, Janet,
Köhler e Werner entre os psicólogos, e Thurnwald e Lévy-Bruhl entre
os antropólogos, foi o contexto no qual nasceram a teoria histórico-
-cultural e suas demonstrações empíricas. Seu fascínio pela possibilidade
de que essa síntese teórica e metodológica pudesse ser de interesse
para a psicologia internacional é um exemplo da participação no pro-
cesso do conhecimento que desconhece nacionalidades. Vygotsky era
um membro da comunidade psicológica internacional da época (embo-
ra só tenha saído da URSS uma vez), e não um psicólogo soviético.
Devido às mudanças na atmosfera intelectual da URSS e a seu
interesse cada vez maior por questões pedológicas e médicas, a inter-
dependência intelectual de Vygotsky assumiu uma nova forma. Ao
comprometer-se com o estudo da psicologia no início da década de
1930, Vygotsky pôde desenvolver suas teorias de uma ligação entre a
dialética dinâmico-estrutural e questões de ontogenia. Assim, criou-se
uma interdependência intelectual com as obras de Claparède, Goldstein,
Meumann, Montessori e Piaget. A natureza internacional das ligações
intelectuais de Vygotsky era explícita e seus críticos não deixaram de
fazer uso disso na nova atmosfera eslavofílica de intolerância, orques-
trada pelo “alpinista do Kremlin com seus grossos dedos gordos como
minhocas” (ver Mandel’shtam). Vygotsky voltou-se para os psicólogos
iminentes de outras nações em busca de inspiração em um momento
em que a Rússia estava preocupada apenas com a meta de criar uma
nova sociedade. Utopias desse tipo podem fracassar, mas, à medida
que as pessoas tentam criá-las, estabelecem um contexto social inte-
ressante para as investigações de intelectuais individuais.

O legado de Vygotsky: contribuições fundamentais para a psicologia

Ao longo do trabalho neste livro, a compreensão dos autores no


que concerne à contribuição de Vygotsky para a psicologia desenvol-
veu-se muito. Algumas das idéias aparentemente novas que sempre
julgamos serem atribuíveis a Vygotsky surgem como originárias da
mente de seus contemporâneos. Desta forma, suas contribuições
mais bem conhecidas (a zona de desenvolvimento proximal, o méto-
do do estudo de formação de conceitos pelo método dos blocos de
Vygotsky, a argumentação sobre conceitos, significado e sentido e a
perspectiva sociogenética básica) são reflexos e desenvolvimentos da
obra original de seus predecessores e contemporâneos.
Mas é claro que o fato de se encontrar a origem de contribuições
de Vygotsky no trabalho de outros pesquisadores não diminui sua
relevância para a psicologia e ainda ajuda a tirar da sombra da história
428 EPÍLOGO

da psicologia as contribuições desses seus contemporâneos. Uma vez


mais, vemo-nos diante da necessidade de estudar a história da psico-
logia como algo de absoluta importância para nossos trabalhos psico-
lógicos atuais, e não como uma área separada de estudo.
Igualmente importantes são os domínios de idéias que realmen-
te podem ser vistos como resultados da busca de síntese empreen-
dida por Vygotsky. Encontramos entre o material deixado por
Vygotsky uma série de sugestões de idéias e alguns direcionamentos
teóricos e metodológicos semidesenvolvidos que podem constituir
contribuições fundamentais para esta disciplina se forem levados
adiante. Vale a pena fornecer uma visão geral de algumas orienta-
ções básicas que foram essenciais para o pensamento de Vygotsky
e que parecem ter o potencial de contribuir para uma reorganização
básica da psicologia contemporânea.
Em primeiro lugar, é claro, teríamos que reiterar o tema prin-
cipal deste livro: o processo da síntese dialética. Desde a época de
Vygotsky, a idéia de síntese tornou-se quase extinta em psicologia,
e o termo “dialético” é usado com freqüência como um conceito
amplo para legitimar filosofismos vagos sobre a psique humana.
Embora as análises de Vygotsky sobre os processos envolvidos na
síntese dialética não tenham sido suficientemente precisas, não há
motivo para que a idéia não possa ser formulada em termos espe-
cíficos. Isto é válido para qualquer disciplina, seja a psicologia, a
biologia, a antropologia ou a economia, que lide com a construção
relativamente rápida de novas formas. As noções dialéticas, formu-
ladas de maneira precisa e libertadas de suas conotações ideológicas
vagas, podem tornar-se um instrumento produtivo.
Em segundo lugar, a consistente perspectiva desenvolvimentista
de Vygotsky coloca-se como uma contribuição valiosa para a psico-
logia. Ao longo de sua história, a psicologia limitou-se a análises
ontológicas de fenômenos psicológicos. As tentativas explícitas de
descartar essa perspectiva em favor de um enfoque no desenvolvi-
mento foram pouco produtivas e, em geral, levaram a uma reversão
do enfoque ontológico. Em certos aspectos, a psicologia atual é se-
melhante à biologia pré-darwiniana, de vez que somos ansiosos para
classificar e reclassificar fenômenos psicológicos, na forma como
eles existem em um determinado momento, em classes rigorosamen-
te separáveis (um análogo à classificação de fenômenos naturais por
Karl Linné [Linnaeus]). A questão de regras e métodos de transfor-
mação de uma classe em outra ainda é raramente levantada, e
ainda mais raramente respondida. Em resumo, o quadro de referên-
cia desenvolvimentista que entrou na biologia no século XIX por
meio do trabalho de Lamarck, Von Baer, Darwin e outros cientistas
de destaque ainda está por se estabelecer na psicologia do século
XX. A ênfase coerente de Vygotsky na adoção de uma perspectiva
desenvolvimentista para os fenômenos psicológicos, sejam eles os do
desenvolvimento infantil (ontogênese) ou da resolução de problemas
EPÍLOGO 429

por adultos e por primatas (microgênese), é uma abordagem que


merece ter prosseguimento nos dias atuais.
Em terceiro lugar, nenhuma contribuição fundamental para a psi-
cologia pode passar ao largo da questão da metodologia geral de pesquisa.
Neste ponto, o método da dupla estimulação de Vygotsky merece um
exame atento e elaborações adicionais. Descartando o caráter estatísti-
co da metodologia experimental tradicional, em que são procurados “efei-
tos” das mudanças nas “variáveis independentes” sobre os resultados se-
lecionados medidos por intermédio de “variáveis dependentes”, Vygotsky
desenvolveu um esquema metodológico que introduz o surgimento
dinâmico de estruturas novas de fenômenos psicológicos como o principal
foco de investigação empírica. Além disso, sua orientação metodológica
retém a idéia de organização estruturada do ambiente experimental em
associação com a liberdade (limitada) do sujeito para redefinir a situação
experimental. A idéia de “controle experimental” é estabelecida por
Vygotsky dentro de um quadro de referência metodológico em que a norma
tradicional do controle máximo do experimentador sobre o que aconte-
ce em um experimento é mantida como um caso especial, e não como
a regra modal. O sujeito humano sempre “importa” para um ambiente
experimental um conjunto de “estímulos-meios” (instrumentos psicoló-
gicos) na forma de signos que o experimentador não pode controlar
externamente de nenhuma maneira rígida. Portanto, o ambiente experi-
mental torna-se um contexto de investigação em que o experimentador
pode manipular sua estrutura a fim de desencadear (mas não “produ-
zir”) a construção pelo sujeito de novos fenômenos psicológicos.
É lamentável que essas implicações metodológicas do método da
dupla estimulação de Vygotsky tenham sido constantemente negligen-
ciadas até hoje, ao passo que, de tempos em tempos, levantam-se
protestos sobre a crise na metodologia tradicional da psicologia. Essas
especulações sobre crises deixaram as bases metodológicas da discipli-
na em grande medida inalteradas e, por isso, ela permanece improdu-
tiva além do domínio do discurso crítico em psicologia. Mas haveria
alguma razão para não se adotar essa posição metodológica parcial-
mente terminada de Vygotsky e desenvolvê-la melhor? Na verdade, as
implicações do método de Vygotsky para a metodologia científica são
bem amplas, e a psicologia em geral é uma disciplina altamente con-
servadora que não permite facilmente grandes revoluções em sua
maneira de abordar seus objetos de investigação.
Por fim, a coerente posição anti-reducionista de Vygotsky pode ser
considerada uma contribuição importante para a psicologia. Também
neste caso, sua posição não era original, mas o discurso social dos
psicólogos na União Soviética levaram-no a expressar essa perspectiva
de uma forma decisiva de diversas maneiras. A recusa em abandonar
o estudo das funções psicológicas superiores diante dos desafios de
diferentes campos de reducionismo foi o credo de Vygotsky desde o
início até o fim de seu trabalho intelectual. Ele acreditava que as
funções psicológicas humanas são organizadas de forma hierárquica e
430 EPÍLOGO

que cada nível dessa hierarquia pode precisar ser estudada em seus
pontos específicos; daí a ênfase na “análise em unidades”, que deveria
reter as características relevantes do fenômeno em seu todo (isto é, a
análise em “Gestalts mínimas”). Esta é uma perspectiva para a qual a
psicologia contemporânea da década de 1990 precisa retornar. É ver-
dade que Vygotsky não elaborou muito bem essa idéia, e isto teria que
ser feito para que ela se tornasse aplicável nas pesquisas atuais. Na
realidade, a recusa de Vygotsky em considerar os processos tanto de
análise como de síntese (concentrando-se apenas nestes últimos) na
mente e na conduta humanas pode ter bloqueado qualquer elaboração
produtiva da idéia em seu pensamento. A criatividade de Vygotsky,
como a de qualquer outro intelectual produtivo em qualquer época,
também tinha suas surpreendentes limitações.

Uma busca contínua de entendimento

O caso de Vygotsky é um bom exemplo de interdependência inte-


lectual nos difíceis esforços feitos pelos seres humanos para compreen-
der a si próprios. A principal contribuição de Vygotsky para a psico-
logia foi ele ter rompido limites artificialmente criados entre áreas
adjacentes da cultura humana e codificado o conhecimento de diferen-
tes áreas em sua tentativa de superar a “crise” conceitual da psicologia.
Ao pagar nosso tributo a Vygotsky, não devemos transformá-lo em
ídolo, mas também não podemos negar suas contribuições criativas.
Em vez disso, precisamos reconhecer seu esforço intelectual no contex-
to social de sua época. Isto pode nos ajudar a lembrar do pointe do
conto de Bunin, que foi o momento decisivo para Vygotsky, encorajan-
do-o a entrar no complexo labirinto da psicologia. Como no caso do
“respirar tranqüilo” da jovem que se generaliza para um sentimento
básico em relação ao mundo como um todo, é o caráter das idéias
coletivamente construídas da época de Vygotsky que se espalha pelo
mundo da psicologia, através de nossos esforços para explorar sua
criatividade. A história pode ajudar-nos a avançar e podemos tentar
chegar a novas sínteses por meio de nossas próprias interdependências
intelectuais. Vygotsky nos proporcionou vários instrumentos intelec-
tuais que podem mostrar-se úteis na criação da zona de desenvolvi-
mento proximal da própria psicologia. Tais instrumentos intelectuais
são profundamente necessários, pois “é por meio de instrumentos e
auxílios que o trabalho é feito, e eles são tão necessários para o enten-
dimento como para a mão. E, como os instrumentos da mão criam
movimento ou lhe dão orientação, assim os instrumentos da mente
fornecem sugestões ou avisos de cautela para o entendimento” (Bacon,
1620/1960, p. 39).
431

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469

Índice de Nomes

A
Abel’skaja 174, 410, 411 Basov 185, 204, 320, 321, 324, 327,
Abraham 93, 100 330, 333, 334, 338, 339, 341, 342,
Ach 87, 89, 205, 281, 282, 283, 345, 346, 348, 349, 410
284, 285, 286, 287, 288, 290, Bastian 244
292, 293, 295, 305, 306, 427 Bejn 73, 74, 76
Achmanova 20 Bekhterev 52, 53, 54, 96, 130,
Adams 258, 403 135, 137, 138, 141, 144, 148,
Adler 78, 79, 80, 81, 82, 83, 94, 150, 152, 155, 216, 320, 321,
102, 122, 367, 390, 430 324, 378, 407
Agol, 184, 350 Beliaev 129, 146
Aikhenwald 24 Belyj 17, 32
Akhmatova 390 Berg, 281, 403
Alá 113 Bergson 107, 108, 109, 383
Alzheimer 89, 196 Beringer 357
Anan’ev 406, 407, 411, 414 Bernshtein 97, 129, 143, 333
Andreev 96 Berry 232, 278
Angelini 93 Bezukhov 263
Anweiler 322, 333, 334, 335 Binet 87, 167, 238, 252, 260, 262,
Ariamov 331 263, 321, 372, 378, 379, 427
Arian’ 320 Binet-Simon 71
Aristóteles 262, 313 Binswanger 158, 162, 164
Arkin 331 Birenbaum 89, 196, 314
Arsen’eva 355, 362 Birilev 77
Artemeva 337 Bjorn 258
Artemov 143, 153, 183 Bloch 235
Ashrafi 270 Blonsky 15, 42, 51, 68, 73, 77,
Averbakh 102 78, 107, 149, 153, 155, 197, 215,
Averbukh 95, 98, 137 332, 339, 340, 341, 342, 343,
Averill 382 347, 356, 363, 375, 426, 429
Boeselager 167, 169, 171
Bogdanov 184, 329
B
Bogen 87, 248, 249, 250, 251,
Bacher 87, 285 252, 261
Bachofen 122 Bogojavlensky 144
Bacon 211, 235, 430 Bolles 308
Baghwan 234 Borovsky 146, 155
Bakhtin 100, 101, 109, 110, 111, Bozhovich 26, 315
112, 113, 399, 400, 401 Brainard 249, 250
Baldwin 71, 77, 151, 213, 214, Brill 57
321, 336, 344, 346, 347, 371, Brown 403
372, 427 Bruner 248, 309
Barash 221, 233, 234 Brushlinsky 281, 375, 403
470 ÍNDICE DE NOMES

Bubnov 203, 359, 363, 368, 404 De Vries 374, 375


Budagov 397 Deborin 145, 329
Bühler 157, 158, 159, 163, 174, Descartes 169, 221, 223, 265,
175, 180, 210, 211, 212, 223, 378, 379, 380, 381, 382, 383,
224, 240, 241, 249, 287, 321, 384, 385, 386, 388
357, 378, 407 Dewey 238, 322, 323
Bukharin 55, 59, 135, 141, 325, 329 Diderot 90
Bunin 39, 40, 41, 42, 44, 430 Dilthey 168, 383
Bunzel 229 Dobkin 8, 17, 18, 23, 24, 30
Buridan 262, 263 Dobrynin 143, 144
Burt 235, 364 Dodik 24
Büsemann 357 Dostoiévski 20, 29, 42, 94, 116,
Bykhovsky 101, 104, 105, 106, 109 397, 400, 401
Driesch 158
C Drooglever 374
Drosnes 94
Calhoun 387 Drummond 307, 321
Campione 403 Durkheim 209, 211, 220, 227,
Cannon 377, 378, 379, 386 228, 229, 238, 267, 411, 412
Carnap 171
Carotenuto 98
Chagin 141, 144
E
Chalmers 170, 171 Edinger 212, 222
Chanturija 355, 362 Édipo 93, 117, 121, 122
Chelpanov 55, 105, 110, 127, 134, Efes 355, 362
136, 137, 139, 140, 141, 142, Ehrenburg 23
145, 146, 149, 152, 153, 154, Einstein 23, 114
155, 173, 176, 177, 405 Eisenstein 23, 58, 271
Chrisman 319 Electra 93
Chuchmarev 150 Elias, 382
Claparède 238, 288, 292, 321, Eliasberg 88
378, 427 El’konin 313, 355, 414
Cole 101, 232, 272, 273, 278, Engels 67, 82, 108, 118, 120,
280, 304, 362, 403 122, 123, 135, 136, 162, 164,
Collings 322 165, 170, 171, 211, 217, 218,
Colombo 115 219, 220, 221, 222, 225, 235,
Compayré 321 348, 349, 407, 411, 414, 416, 418
Comte 228 Eremina 282
Condillac 90 Ermakov 97, 98, 100
Conquest 268, 269 Esenin 23
Cristo 113, 234 Eysenck 103

D F
Dajan 53, 144, 145, 148, 176 Faddeev 144
Danjushevsky 23, 57, 414 Fedin 19
Dante 262 Fejgina 22
Darwin 63, 64, 82, 114, 209, 211, Feltsmann 93
212, 213, 219, 221, 222, 223, Feofanov 346, 408, 409, 410, 411, 413
240, 241, 242, 350, 386, 428 Ferrara 403
Dasen 232, 278 Fet 398, 400
David 18, 19, 20, 22, 23 Feyerabend 171
De L’Epeé 90 Filosofova 320
ÍNDICE DE NOMES 471

Fingert 180, 324 Grünbaum 284, 394


Fitzpatrick 144, 322, 325 Guillaume 219, 249, 250, 371,
Franco 18 372
Frankel 404 Gumilyov 18, 389, 390, 400, 401
Frankfurt 141, 143, 144, 146, Gurevich 186
153, 155 Gurgenidze 158
Franklin 217
Frazer 228, 244 H
Frenkel 144
Freud 20, 34, 61, 69, 72, 80, 93, Haenen 205, 206
94, 96, 97, 98, 100, 101, 102, Hall 244, 319, 346
103, 104, 105, 106, 107, 108, Hamlet 20, 29, 32, 33, 34, 35, 36,
109, 111, 112, 113, 114, 115, 69, 117, 426
116, 117, 118, 120, 121, 122, Hanfmann 306, 307, 308, 309
123, 126, 131, 161, 210, 246, 401 Hanson 171
Fridman 56, 96, 98, 104, 105, Harré 384, 387
106, 109, 114, 137, 145 Harrower 271, 272, 307
Frisch 234 Head 89, 249
Fromm 105 Hegel 18, 33, 34, 35, 38, 43, 47,
118, 136, 138, 188, 217, 291,
349, 358, 386, 422
G Heine 18, 392
Gabrichevsky 97 Heller 268, 269
Gagaeva 45, 143, 144, 149 Herbart 361, 363
Gal’perin 8, 205, 262 Hinde 375
Galton 212, 285 Hitler 314
Gastev 143, 145 Hjertholm 399, 403
Geertz 220, 221, 244 Hobson 103
Gelb 192, 194, 305, 308 Homero 210, 234
Gellershtejn 180 Humboldt 197, 198, 396
Gel’mont 329, 331 Hume 307
Georgiev 146 Husserl 167
Gerke 185
Gerver 144 I
Geshelina 73
Geuter 283 Il’yin 97
Giese 231 Irons 377, 379
Gilbert 18 Ivanov 32, 42
Giljarovsky 418
Ginzburg 143, 144 J
Ginzburg-Dajan Ja. 8, 324, 404, 416
Goethe 23 Jaensch 158, 230, 378, 417, 418
Gogol 29, 43, 44 Jakhot 140, 405
Goldstein 194, 197, 198, 305, 307,
Jakobson 18
308, 313, 393, 427
Jakubinsky 397, 400, 401, 402
Gorki 21
James 20, 54, 64, 109, 110, 117,
Gornfel 400
151, 360, 377, 378, 379, 380,
Gottschaldt 174
Goudena 403 381, 382, 383, 384, 387
Gould 68, 212, 233 James-Lange 377, 378, 379, 380,
Graham 56, 222, 404 381, 382, 383, 384, 387
Griboedov 320, 333, 398, 399 Janet 71, 73, 77, 85, 151, 198,
Groos 152, 292, 321 214, 227, 344, 378, 412, 427
472 ÍNDICE DE NOMES

Jaroshevsky 30, 33, 59, 61, 81, 175, 177, 204, 324, 326, 329, 330,
158, 377, 386 353, 405, 407, 408, 426, 427
Jones 121 Kotelova 282, 287, 294
Joravsky 21, 52, 55, 59, 135, 140, Kozulin 13, 66, 125, 126, 145,
174, 326, 329, 405 195, 314
Judin 205 Kozyrev 375, 414, 415, 416, 417
Judovich 345 Krasussky 88
Jung 93, 94, 98, 102, 122 Kreppner 8, 342
Jurinets 101, 106, 107, 108, 119 Kretschmer 89, 210, 211, 212, 410
Krol’ 418
K Krop 262
Krueger 283
Kafka 231 Krünegel 87
Kant 114 Krupskaja 207, 253, 325, 326,
Kanushina 355, 362 332, 394
Karev 326 Kuhn 161, 171
Kasanin 304, 305, 306, 307, 308, 309 Kundera 234
Katz 313 Kuper 122
Kätzel 93, 103, 104, 106 Kurazov 408
Kendler 157, 380
Kevles 68, 69
Khachiturjan 145
L
Kirov 418 La Mettrie 221, 386
Kitty 396 Laird 308, 309
Klausen 244 Lakatos 171
Klein 208 Lamarck 209, 428
Kloos 274 Lane 91
Klushin 141, 144 Lange 327, 377, 378, 379, 380,
Koffka 149, 158, 174, 176, 182, 191, 381, 382, 383, 384, 387
192, 193, 198, 210, 211, 222, 223, Lapidus 322
238, 270, 271, 272, 273, 274, 275, Lashley 54
307, 357, 360, 361, 376 Latysheva 297
Kohlberg 399, 403 Lavrenev 19
Köhler 8, 87, 174, 175, 178, 179, Lazursky 151, 320, 348, 349
180, 181, 182, 184, 185, 198, 208, Le Bon 108
211, 214, 216, 217, 219, 223, 224, Leakey 218
225, 238, 249, 250, 251, 252, 270, Learned 226
271, 273, 275, 285, 314, 317, 372, Lebedinsky 339
373, 391, 407, 408, 427 Lehmann 128
Kolbanovsky 23, 27, 203, 271, Lenin 120, 123, 135, 140, 141,
282, 283, 332, 354, 413, 414, 167, 169, 171, 177, 268, 269,
415, 416 324, 330, 332, 413, 418
Kolnaj 108, 119 Leontiev 26, 27, 28, 51, 56, 59, 131,
Konnikova 313, 355, 414, 416, 417 144, 203, 204, 205, 207, 253, 256,
Konorov 320 257, 258, 259, 261, 264, 270, 295,
Korniloff 127 297, 315, 316, 317, 327, 340, 349,
Kornilov 25, 26, 43, 44, 47, 51, 52, 405, 418
53, 54, 55, 56, 59, 62, 63, 72, 73, Lessing 37
97, 98, 100, 101, 114, 127, 128, 129, Leventuev 270
130, 131, 132, 133, 134, 135, 136, Lévi-Strauss 244
137, 138, 139, 141, 142, 143, 144, Levin 26, 28, 29, 73, 74, 76, 118,
145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 313, 314, 315, 334, 355, 396,
152, 153, 154, 155, 168, 173, 174, 414, 417
ÍNDICE DE NOMES 473

Levina 26, 28, 29, 73, 74, 76, 118, 123, 134, 150, 154, 164, 168, 170,
313, 314, 315, 334, 355, 414, 417 171, 175, 176, 211, 215, 217, 218,
Levit 18, 20, 24, 55, 56, 57, 142, 219, 221, 222, 223, 234, 235, 238,
339, 405 327, 330, 334, 407, 411, 416, 418
Levitin 18, 20, 24, 55, 56, 57, 142, 405 Maximov 23
Lévy-Bruhl 85, 208, 211, 220, McCarthy 345, 365, 366, 369,
227, 228, 229, 230, 234, 235, 370, 375
236, 238, 263, 267, 278, 292, McDougall 378
411, 412, 427 M’Comisky 308, 309, 310
Lewin 89, 174, 187, 188, 189, 190, Mecacci 8, 103
191, 198, 270, 271, 313, 314, 337 Medvedev 19
Lifanova 8, 17, 21 Merezhkovskii 32
Lindworsky 180 Meshcherskaja 40, 41
Linné 428 Meumann 131, 319, 321, 346,
Lipmann 248, 249, 250, 251, 252, 261 356, 359, 363, 375, 427
Lipps 151 Meyerson 219, 249, 250
Lopatin 141 Michelangelo 116
Luchkov 73, 74 Miller 93, 94, 97, 98, 99, 119,
Lunacharsky 57, 144, 325, 326 125, 144
Luppol 326 Mirenova 339, 341
Luria 8, 25, 26, 27, 51, 52, 55, 56, 58, Mitin 411
73, 83, 85, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, Mitjushin 20
100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 109, Mjasishchev 174
112, 113, 114, 115, 117, 118, 125, Molière 114
126, 137, 139, 142, 143, 144, 146, Molozhavaja 350
147, 150, 158, 159, 164, 174, 175, Molozhavyj 325, 326, 327, 329,
178, 181, 184, 186, 187, 194, 197, 330, 331, 332, 333, 341, 348,
203, 204, 205, 207, 208, 215, 220, 349, 350, 353, 354
223, 224, 225, 228, 229, 230, 233, Montessori 374, 415, 427
234, 235, 236, 237, 238, 241, 245, Mordkovich 270
246, 247, 248, 249, 250, 251, 253, Morgan 108, 122, 213, 222
256, 257, 260, 267, 268, 269, 270, Morozova 26, 28, 73, 74, 76, 314,
271, 272, 273, 274, 275, 276, 278, 315, 340
279, 280, 284, 290, 304, 313, 314, Müller-Lyer 273, 274
315, 316, 317, 327, 329, 330, 333, Münsterberg 62, 158, 168
337, 339, 340, 341, 345, 348, 357, Murchison 127, 208
377, 395, 405, 406, 407, 408, 410,
411, 412, 413, 417, 418, 419, 422 N
Lysenko 339, 416 Nabokov 234
Napoleão 63
M Natorp 77, 151, 323
Necker 274
Maiakovaki 23
Nejfec 355, 362
Mach 274
Nekrich 268, 269
Malinowski 121
Neopikhanova 174
Mandel’shtam, N. Ja.
Nestjuk 324, 325
Mandel’shtam, O.
Nietzsche 29, 69, 108
Marcuse 105
Margaraiz 295
Markarianz 320
O
Markov 404 Osborne 213
Marr 416 Osipov 93, 321, 327
Marx 65, 67, 81, 82, 114, 119, 120, Osipova 321, 327
474 ÍNDICE DE NOMES

P Reymert 378
Ribot 238, 257
Parkhurst 322
Richards 218
Parkinson 89
Rignano 175
Pashkovskaya 282, 287, 294, 295
Rimat 285
Pasternak 18, 269
Rissom 281, 403
Paul 151, 323, 392, 397, 398,
Rivers 272
400, 402
Rogoff 375
Paulhan 397, 398, 400, 402,
Romanes 222, 223
Pavlov 45, 52, 53, 54, 61, 62, 63,
Rossello 295
64, 71, 81, 114, 124, 130, 135,
Rossolimo 71, 320
141, 148, 150, 152, 153, 155, 159,
Rozanov 96
160, 161, 163, 183, 215, 216, 240,
Rubinstein 144, 355, 403
241, 262, 422
Rudneva 375, 414, 417, 418
Pearson 212
Russell 104
Peterson 291
Ruth 250
Petrova 83, 85, 86, 186, 236
Ryabushinsky 99
Petrovsky 139, 140, 141, 143, 147
Rybnikov 139, 145, 146, 321, 333, 345
Pevzner 73, 74
Piaget 98, 109, 197, 203, 246, 281,
282, 288, 293, 294, 295, 296, 297, S
298, 300, 302, 306, 315, 346, 348, Sacks 90, 91, 276
349, 356, 359, 360, 376, 391, 393, Sakharov 25, 45, 144, 149, 282,
394, 399, 402, 414, 422, 427 283, 284, 285, 286, 287, 289,
Pick 89, 196, 313 292, 293, 294, 308
Pikas 309 Samukhin 89, 196
Pinkevitch 324 Santayana 42
Pinkus 18 Sapir 101, 118, 119, 122, 123,
Planck 165 124, 125
Platão 90, 383 Scheerer 157, 174, 308
Plekhanov 123, 153, 170, 225 Scheler 109
Poggendorf 273, 274 Schmidt 97, 98, 99, 100, 101,
Politzer 105
125, 246
Polivanov 397
Schopenhauer 108, 262
Popper 171
Schröder 274
Potebnja 18
Schrötter 103
Povarnin 320
Schwaben 392
Prince 378
Protopopov 148 Sciortino-Brudzynski 258
Pushkin 18, 23 Scribner 232, 278, 304, 362, 403
Puzyrej 8, 208, 316, 403 Sechenov 54, 62, 64
Seidel 323
Semeonoff 308, 309
R
Semon 237, 252
Radzikhovsky 8, 20, 110, 400, 401 Serafimovich 23
Rank 100, 122 Serebrovsky 348
Ravkin 144 Sergeeva 143
Razmyslov 278, 279, 280, 411, Severtson 339, 346
412, 413, 418 Shaginjan 19
Reed 23 Shakespeare 20, 23, 32, 33, 47
Reich 105, 118, 119, 120, 121, Shapiro 185
122, 123, 124, 125 Shatsky 97, 322
Rejsner 106 Shaw 68, 69
ÍNDICE DE NOMES 475

Shchelovanov 320, 321, 327, 333 Tharp 258


Shcherba 397 Thomas 161, 229
Shejn 295 Thorndike 193, 222, 357, 359,
Shekhtel 98 360, 361
Shemyakin 270 Thurnwald 85, 135, 208, 211, 220,
Shestov 118 227, 231, 232, 233, 234, 235, 236,
Shif 73, 74, 282, 283, 295, 296, 237, 238, 263, 267, 270, 271, 427
297, 298, 299, 300, 301, 304, Tikhon 95
313, 355, 362, 376, 404, 414, 418 Tinbergen 375
Shimkevich 350 Titchener 377
Shirvindt 180 Tolstoi 263, 396, 397
Shklovsky 18, 19, 239 Trist, 308
Shmarjan 418 Trotsky 68, 69
Shpet 20, 405 Tulviste 8, 244, 278, 403
Shpil 94, 98, 100, 145, 147 Turko 375, 414, 415, 416, 417
Shulgin 314, 323, 324 Tylor 228, 244
Sicard 90, 91 Tynjanov 19
Simmel 108, 109 Tyutchev 398, 400, 401
Skinner 110
Skosyrev 417 U
Slavina 26
Slonimsky 19 Uhland 392
Smekhova 24 Ukhtomsky 45, 62, 65, 183
Smirnov 143 Usmanov 270
Sócrates 383 Usnadze 285, 288, 291, 293
Sokoliansky 330, 333
Solomon 304, 387 V
Solov’ 26, 223, 327
Vagner 150, 180, 214, 215, 216,
Spencer 209, 244, 329
Spinoza 20, 28, 69, 153, 169, 180, 217, 245, 320, 339, 346
190, 211, 262, 263, 264, 265, 317, Valsiner 7, 8, 9, 13, 15, 71, 151,
377, 378, 380, 384, 385, 387, 388 174, 184, 198, 304, 307, 329,
Spranger 157, 158, 168, 383, 409 342, 344, 357, 378, 384, 412, 425
Staats 170 Van der Veer 7, 8, 13, 71, 151, 264,
Stalin 268, 269, 330, 390, 406, 418 281, 307, 342, 344, 357, 378, 384,
Stanislavsky 398, 399 403, 412, 416, 425
Stern, W. 8, 161, 179, 210, 321, Van Ijzendoorn
342, 346, 347, 378, 405 Varshava 263
Stern, C. Vidal 8, 98
Storch 197 Vilenkina 331
Struminsky 134 Vlasova 73, 74
Sudeikin 144 Vnukov 83
Sukhareva 205 Vocate 102
Sully 321 Volevich 144
Sultão 223, 224, 238, 407 Voloshinov 109
Von Baer 428
Von Wright 235
T Vossler 392, 397, 400, 402
Talankin 406, 407, 408, 410, 413 Vyborov 93, 94
Tarde 397 Vygodskaja 8, 17, 20, 30, 53, 58,
Tchekhov 23, 29, 44, 74 59, 282, 283, 315, 334, 377
Teplov 139 Vygotsky 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 17,
Terman 235, 364 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27,
476 ÍNDICE DE NOMES

28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, W
38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47,
Wagner 214
51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 61,
Walker 219, 222, 223
62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71,
Wallon 73, 249
72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81,
Washburn 378
82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91,
Washoe 226
97, 100, 101, 103, 104, 106, 110, 113,
Watson 54, 64, 110, 159, 393, 395
114, 115, 116, 117, 118, 125, 126,
Weigl 308
127, 129, 130, 138, 139, 143, 144,
Werner 210, 213, 267, 293, 410, 427
147, 148, 149, 150, 151, 152, 153,
Wernicke 197
154, 155, 157, 158, 159, 160, 161,
Wertheimer 182, 191
162, 163, 164, 165, 166, 167, 168,
Wertsch 221, 375, 403
169, 170, 171, 173, 174, 175, 176,
Wilson 375, 396
177, 178, 179, 180, 181, 182, 183,
Wittgenstein 230
184, 185, 186, 187, 188, 189, 190,
Woolfson 218
191, 192, 193, 194, 195, 196, 197,
Worsley 308, 309, 310
198, 199, 203, 204, 205, 206, 207,
Wulff 93, 97, 98, 100, 106, 115,
208, 209, 211, 212, 213, 214, 215,
125, 168
216, 217, 218, 219, 220, 221, 222,
Wundt 105, 110, 358
223, 224, 225, 226, 227, 228, 229,
230, 231, 232, 233, 234, 235, 236,
237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, Y
244, 245, 246, 247, 248, 249, 250, Yaeger 399, 403
251, 252, 253, 254, 256, 257, 258, Yates
259, 260, 261, 262, 263, 264, 265, Yerkes 219, 223, 226, 235
267, 268, 271, 272, 275, 278, 279,
281, 282, 283, 284, 285, 286, 287,
288, 289, 290, 291, 292, 293, 294,
Z
295, 296, 297, 299, 300, 301, 302, Zabolotnova 355, 362
303, 304, 305, 306, 307, 308, 309, Zaks 324
310, 313, 314, 315, 316, 317, 319, Zalkind 56, 105, 106, 109, 125,
320, 324, 325, 327, 329, 330, 331, 145, 146, 147, 204, 324, 325,
332, 333, 334, 335, 336, 337, 338, 326, 327, 329, 330, 331, 332,
339, 340, 341, 342, 343, 344, 345, 333, 345, 346, 347, 404, 406
346, 347, 348, 349, 351, 352, 353, Zalmanzon 145
354, 355, 356, 357, 358, 359, 360, Zaluzhnyj 327, 330, 331, 333
361, 362, 363, 364, 365, 366, 367, Zankov 26, 45, 74, 144, 149, 223,
368, 369, 370, 371, 372, 373, 374, 327, 414, 416, 417
375, 376, 377, 378, 379, 380, 381, Zaporozhec 26, 205
382, 383, 384, 385, 386, 387, 388, Zeigarnik 30, 89, 190, 313, 314
389, 390, 391, 392, 393, 394, 395, Zen’kovsky 322
396, 397, 398, 399, 400, 401, 402, Zhdanov 418
403, 404, 405, 406, 407, 408, 409, Zinaida 20, 377
410, 411, 412, 413, 414, 415, 416, Zinoviev 135
417, 418, 419, 421, 422, 423, 424, Zivin 399, 403
425, 426, 427, 428, 429, 430 Zoshchenko 19
477

Índice de Assuntos
ambiente, 341-345 Hamlet, 20, 32-36
arte ilusões, 272-274
fábula, 37-39 imitação, 371-373
autores simbolistas, 32
interesse de Vygotsky por, 31, infância, anos da, 17-19
46-47, 58-59, 100, 152, 389-390 interdependência intelectual, 13-14,
asno (de Buridan), 262-265 421-422, 426-427
Ásia Central, expedições à, 267-280 morte, 117-118
classificação, 274-278, 292-293 marxismo
e psicanálise, 103-117, 119-126
comportamento, 63-66, 207-209,
e a teoria de Vygotsky, 217-221
221-226
coletivização, 268-270 mediação
na atenção, 257-260
consciência, 109-110, 301-303 e memória, 252-256
conto, 39-44, 430 como rearmamento, 247-248
crítica no discurso científico, 422-423 por signos (semiótica), 238-242,
desenvolvimento 250-252
princípios gerais do, 334-338, por instrumentos, 238-242, 249-
346-348, 359-361, 385-387 252, 255-256, 262-265
teorias de estágios do, 260-262 método da dupla estimulação, 185-
dialética, 133-139 187, 257-260, 429
dominante, princípio do (Ukhtomsky), metodologia, 164-166, 169-170, 180,
44, 46 336-337
emoções, 377-388 natureza/criação, controvérsia, 338-
341
educação
formação de Vygotsky, 19-21, 89-91 pedologia, 319-354
concepções em, 66-67, 355-376 pedagogia
ensino/aprendizagem, 191-193, 356- e pedologia, 322-328
361 e psicanálise, 97-101
etnográficas, evidências, 226-238 e psicologia, 61-63, 132-133
evolutivo, pensamento, 209-214, período sensível, 374-375
242-245 pensamento, 187-188
experiência [perezhivanie], 36 em complexos, 305-309
significado pessoal da, 342-345 plasticidade, 67-69
fala, 69-71, 197-198, 245-246, 281- processos mentais superiores, 227,
283, 295, 315, 390-398 242-245, 338-341
formação de conceitos, 283-310 práxis, 166-168
“científicos” x “cotidianos”, 296- primitiva (criança ou cultura), 186-
303, 313-315
187, 227-238, 267-268, 274,
estágios na, 289-291
418-419
Gestalt, 160
psicologia
psicologia, 149, 173-199, 223-226
crise na, 154-155, 157-171, 177-179
generalização em psicologia, 46-47 perspectiva histórico-cultural, 83-
gêmeos, pesquisa com, 338-341 88, 203-205, 207-265
478

progresso na, 13-15, 78-83 significado (e sentido), 290-291


abordagens psicodinâmicas na, 78-83 síntese dialética, 35, 38, 43, 136, 188-
psicologia soviética 190, 198, 421-422, 427-429
defectologia e, 57-58, 73-91, 351 Suchmethode (N. Ach), 284-286
brigas na, 279-280, 326-328, 403-419 modificações de Vygotsky e Sakharov
instituto de Kornilov, 51-57, 139-
em, 286-292, 304-309
155, 404-408
tendências psicanalíticas na, 93- teorias da atividade (academia de
103 Kharkov), 205-206, 315-317,
utopias na, 75-76, 142, 329-333 362-363
reações tecnologia na cultura, 233-235
circulares, 151
testes, 71
em funções psicológicas, 44-46,
127-133 unidade de análise, 183-185, 430
saúde, histórico da doença de zona de desenvolvimento proximal,
Vygotsky, 25, 30 358, 363-369, 417, 427
sistemas funcionais, 193-197 zoopsicologia, 214-217
479

Os autores

RENÉ VAN DER VEER nasceu em Haarlem, Holanda, em 1952.


Estudou filosofia e psicologia e ensinou na Universidade Livre de
Amsterdam e na Universidade de Leiden. Atualmente dedica-se a
pesquisar a psicologia soviética no Departamento de Educação da
Universidade de Leiden.

JAAN VALSINER nasceu em Tallinn, Estônia, em 1952. Douto-


rou-se em psicologia na Unversidade de Tartu, onde ensinou psico-
logia até deixar a União Soviética em 1980. Desde então, tem lecio-
nado psicologia do desenvolvimento e colaborado em pesquisas de
numerosas universidades da Europa, Estados Unidos, Austrália e
Brasil. Nos últimos dez anos ele tem atuado como membro do Pro-
grama de Psicologia do Desenvolvimento da Universidade da Caro-
lina do Norte, em Chapel Hill.
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