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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARÁ

5ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE BELÉM


Av. José Bonifácio, 1177 – São Braz. Telefone: (91) 3229-0869/3229-5175
Email: 5jecivelbelem@tjpa.jus.br

SENTENÇA

Processo nº 0861888-42.2020.8.14.0301

Reclamante: LUCAS CARNEIRO MAIA


Reclamados: BANCO BRADESCO S/A E LOJAS AMERICANAS S/A

Trata-se de AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS


MORAIS E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, em que o
Reclamante alega, em síntese, e requer o seguinte:

“... DOS FATOS:

Excelência, o autor é advogado e no ano de 2018, no


mês de setembro, foi para Lisboa, Portugal, realizar
mestrado na Universidade de Lisboa, momento que
cancelou sua linha telefônica da operadora TIM, de
número (91) 98269-9990.

Contudo, em setembro de 2019, retornou ao Brasil, pois


já havia cumprido seu período de aulas obrigatórias e
obteve liberação de seu orientador para desenvolver a
sua tese do mestrado em Belém do Pará e após retornar
para depositar e defender seu título.

De modo, que ao retornar à cidade, adquiriu um novo


número, uma vez que seu contato antigo, já havia sido
vendido a outro cliente. Sendo assim, passou a possuir o
numero (91) 98140-4959, começando um verdadeiro
transtorno e aborrecimento, por culpa dos réus.

Iniciou-se ligações diárias, de uma empresa de


cobrança, contratada pelas empresas ré, a procura do
“SR. RICHARD”, cobrando dívida oriundo de cartão de
credito das Lojas Americanas, sob administração do
Banco Bradesco, de bandeira VISA.

A parte autora, começou a informar que não era a


pessoa procurada e tampouco possuía divida com o
Banco Bradesco e Lojas Americanas e que não conhece
nenhuma pessoa com esse nome.

Porém, durante esse período de um pouco mais de um


ano informando em toda ligação, em alguns momentos
sendo até ríspido que não era o “SR. RICHARD” as
empresas continuaram ligando, passando também a
enviar SMS, conforme telas anexas.

Bem como, passaram a ligar de números com DDD 91,


para passar impressão que eram ligações locais.
Cumpre salientar excelência, o autor é advogado
criminalista, tem seu telefone 24h ligado, as ligações de
cobrança se iniciam as 8h da manhã e vão até as 21h ou
mais, conforme telas. O requerente, sempre atende as
ligações, pensando que são clientes, no entanto, é a
empresa de cobrança, fazendo o autor perder tempo e
possíveis clientes.

Cansado de sempre informar que não é o terceiro que


realizou a dívida, exausto de bloquear cada numero que
liga da cobrança e sempre as empresas ligam de
números diferentes, vem ao Poder Judiciário, requer
auxilio para que essa odisseia se encerre.

...

DOS PEDIDOS:

I) REQUER A CITAÇÃO DOS RÉUS, na pessoa de seu


representante legal, para, querendo responder a
presente demanda;

II) O Requerente é advogado (doc. anexo - xerox da


carteira da OAB) atuando em causa própria nos termos
do art. 103, parágrafo único do CPC, motivo pelo qual
dispensa-se procuração.

III) REQUER O DEFERIMENTO DA TUTELA DE


URGÊNCIA, para que seja CESSADO
IMEDIATAMENTE AS LIGAÇÕES E SMS DE
COBRANÇA PARA TERCEIRO (SR. RICHARD),
ORIUNDO DE DIVIDA DO CARTÃO DE CREDITO
DAS LOJAS AMERICANAS, ADMINISTRADO PELO
BANCO BRADESCO, COM BANDEIRA VISA, NA
LINHA Nº (91) 98140-4959, sob pena de multa por
descumprimento.

IV) REQUER A PROCEDÊNCIA TOTAL DO PEDIDO


DE CONDENAÇÃO A TITULO DE DANOS MORAIS),
configurando um quantum indenizatória de R$ 5.000,00
(cinco mil reais);

V) REQUER A CONDENAÇÃO DO REQUERIDO em


custas judiciais e honorários advocatícios;

VI) REQUER QUE SEJA DEFERIDO A INVERSÃO DO


ÔNUS DA PROVA;
VII) Protesta provar o alegado por todos os meios de
prova em direito admitidas e cabíveis à espécie,
especialmente pelos documentos acostados;

VIII) REQUER, pede que a publicação no Diário Oficial


de todas as decisões em nome do advogado DR. LUCAS
CARNEIRO MAIA, OAB/PA nº 26.904, sob pena de
nulidade dos atos processuais;

IX) Por fim, manifesta o interesse na audiência


conciliatória, nos termos do art. 319, VII do CPC.

Dá-se à causa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil


reais). ...”

A tutela de urgência foi deferida, conforme decisão


(id. 20813454), nos seguintes termos:

“... Posto isto, defiro o pedido de tutela de urgência e


determino que, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da
intimação desta, as Reclamadas tomem as providências
necessárias para a cessão de ligações e/ou envio de
mensagens SMS com cobrança para terceiro (Sr.
Richard), oriundo de dívida de cartão de crédito das
Lojas Americanas, administrado pelo BANCO
BRADESCO, com BANDEIRA VISA, linha telefônica nº
(91) 98140-4959, sob pena de multa de R$ 200,00
(duzentos reais), por evento de envio de mensagens SMS
e/ou ligações telefônicas, limitada ao valor
correspondente a 40 (quarenta) salários mínimos, em
caso de descumprimento. ...”

Em sua contestação o reclamado, BANCO BRADESCO


S/A, arguiu preliminares de falta de interesse de agir por ausência de
pretensão resistida, inépcia da petição inicial e ilegitimidade passiva. No
mérito, defendeu a tese de que a mera cobrança não enseja danos morais,
pugnando pela improcedência total do pedido. Por seu turno a
reclamada, LOJAS AMERICANAS S/A, em sua contestação, arguiu as
preliminares de inépcia da inicial, ilegitimidade passiva e falta de interesse de
agir. No mérito, referiu a inexistência de ato ilícito e nexo de causalidade,
além da ausência de configuração de danos morais, requerendo que não seja
deferida a justiça gratuita ao Reclamante.

Considerando-se que a causa versa sobre questão de fato


e de direito, encontrando-se nos autos as contestações e pedido de julgamento
antecipado da lide, pela parte Reclamante, os autos foram conclusos para
sentença.

É o relatório. Decido.

Inépcia da inicial

Rejeito as preliminares arguidas pelos Reclamados,


considerando-se que o Reclamante inseriu aos autos prints de diversas
ligações e cobranças, via mensagens SMS, de débito pertencente à terceiro,
havendo informações claras em sua inicial de se tratar de cobrança oriunda de
cartão de crédito das Lojas Americanas.

Ilegitimidade passiva

Em que pese alegação dos Reclamados acerca de suas


ilegitimidades passivas, constata-se que não merece prosperar, eis que fazem
parte da mesma cadeia de fornecimento de produtos e serviços, bem como, o
cartão de crédito que originou a cobrança ao Reclamante foi contratado junto
à reclamada, LOJAS AMERICANAS, e administrado pelo reclamado,
BANCO BRADESCO, razão pela qual, rejeito a preliminar.

Falta de interesse processual

Rejeito as preliminares dos Reclamados, considerando-se


que ao receber diversas cobranças, o Reclamante possui legitimidade para
discutir os aborrecimentos advindos de cobranças excessivas e abusivas
referentes a débito que pertence a terceiro, porém, direcionadas ao
Reclamante.

Ultrapassadas as preliminares e não havendo questões


pendentes, passo à análise do mérito.

Inicialmente, destaco que a demanda versa sobre relação


de consumo, devendo ser analisada a luz do Código de Defesa do
Consumidor, inclusive, com a inversão do ônus da prova, cabendo aos
Reclamados comprovarem a ausência de ato ilícito. E, por tratar de relação de
consumo, o fornecedor responde objetivamente pelos danos que causar em
decorrência dos defeitos dos serviços que presta, independentemente de culpa,
nos termos do art. 14 § 1º, da Lei nº 8.078/90. Além disso, ressalte-se que os
Reclamados respondem, solidariamente, eis que participam da cadeia
econômica de produção, circulação e distribuição dos produtos e de prestação
de serviços, nos termos do parágrafo único, do artigo 7º e do § 1º, do artigo
25, do Código de Defesa do Consumidor. Diante disso, respondem
solidariamente por eventuais danos causados aos consumidores,
independentemente da perquirição da existência de culpa, haja vista que se
trata de responsabilidade objetiva (art. 14 do CDC).

No que tange aos danos morais, constata-se que restaram


configurados. O Reclamante comprovou ter recebido, via SMS, diversas
cobranças, em quantidade excessiva, direcionadas a terceiro de nome,
RICHARD. Além disso, consta o recebimento de diversas ligações, inclusive,
com os áudios inseridos aos autos (id. 21760020), comprovando a cobrança
realizada pelo Banco Bradesco, em relação a débito referente a cartão de
crédito das Lojas Americanas. Diante disso, caberia aos Reclamados provar
que não houve ato ilícito ou que tendo ocorrido, o defeito inexiste ou decorreu
de culpa exclusiva do consumidor (art. 14, §3º, I e II do CDC), o que não
vislumbro ter ocorrido nestes autos. De acordo com o conjunto probatório, os
Reclamados não comprovaram que a cobrança era regular e direcionada ao
titular do débito, ônus que lhe incumbia por força do disposto no artigo 373,
II, do NCPC.

Por outro lado, o Reclamante trouxe aos


autos prints contendo diversas mensagens SMS, além de áudios de ligações
recebidas realizando cobranças de débito que não lhe pertence, se vendo
obrigado a ajuizar esta demanda para buscar a resolução do problema. Diante
dos fatos narrados e das provas produzidas, constata-se que houve falha na
prestação dos serviços dos Reclamados, bem como a realização de cobrança
de dívida de terceiro, agravada pela quantidade excessiva de ligações e
mensagens de texto, o que configura dano moral in re ipsa. Nesse sentido
decisões.

E M E N T A - RECURSO DE APELAÇÃO -
OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM
COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS -
ILEGITIMIDADE PASSIVA - COBRANÇA DE DÍVIDA
DE TERCEIRO - LIGAÇÕES E MENSAGENS DE
TEXTO EXCESSIVAS - HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. 01. A ausência de relação de
pertinência subjetiva entre o conflito trazido a juízo e a
qualidade para litigar a respeito dele enseja a
manutenção do capítulo da sentença de acolhimento de
preliminar de ilegitimidade passiva. 02. A cobrança de
dívida de terceiro, agravada pela quantidade excessiva
de ligações e mensagens de texto, configura dano moral
in re ipsa. 03. Fixação de honorários advocatícios de
acordo com o disposto nos incisos do § 2º do artigo 85
do CPC. Recurso conhecido e parcialmente provido.
(TJ-MS - APL: 08003925220188120005 MS 0800392-
52.2018.8.12.0005, Relator: Des. Vilson Bertelli, Data
de Julgamento: 30/01/2019, 2ª Câmara Cível, Data de
Publicação: 03/02/2019)

6500161257 - APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA


C.C. DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C.C.
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE
ACOLHIMENTO DOS PEDIDOS. IRRESIGNAÇÃO,
DO RÉU, PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Réu que,
indevidamente, envia mensagens eletrônicas e realiza
inúmeras e insistentes ligações telefônicas à autora para
a cobrança de suposta dívida de responsabilidade de
terceiro. Ilícito caracterizado, assim como o dano moral
dele proveniente. Caso em que há de se considerar o
enorme aborrecimento, as angústias e aflições
experimentadas pela autora com as inúmeras, insistentes
e indevidas cobranças a ela endereçadas. Hipótese em
que tem aplicabilidade a chamada teoria do desvio
produtivo do consumidor. 2. Arbitramento da
indenização, feito na importância de R$ 7.000,00,
comportando redução para R$ 4.000,00. 3. Incabível a
pretendida fixação do termo inicial dos juros de mora na
data da publicação da sentença. 4. Sentença
parcialmente reformada, apenas para reduzir o valor da
indenização por danos morais. Deram parcial
provimento à apelação. (TJSP; AC 1006585-
95.2021.8.26.0008; Ac. 15349181; São Paulo; Décima
Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Ricardo
Pessoa de Mello Belli; Julg. 28/01/2022; DJESP
15/02/2022; Pág. 1953)

Diante disso, caracterizada a ofensa dela surge à


necessidade de reparação, por estar presente a responsabilidade de que trata o
art. 186, do Código Civil e art. 5o, inciso X, da Constituição Federal, além do
previsto no art. 6o, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em
lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.

Desta forma, a frustração sofrida pelo Reclamante, com


as cobranças abusivas de dívida de terceiro, por período exacerbado e em
quantidade excessiva, é fato que afronta à dignidade da pessoa humana,
havendo lesão suficiente a direito da personalidade a ensejar a indenização por
danos morais. Ressalte-se que o arbitramento do valor correspondente à
indenização por danos morais deve ser razoável e adequado às circunstâncias
em que se deu o ato lesivo, devendo ser observados os incômodos sofridos, a
gravidade da ofensa, a natureza do direito subjetivo fundamental violado, o
caráter compensatório da sanção e, principalmente, a repercussão dos fatos no
âmbito psíquico do indivíduo lesado.

Atenta aos requisitos legais e jurisprudenciais que regem


a matéria entendo que o valor da condenação a título de indenização por danos
morais deve ser arbitrado em respeito aos princípios da razoabilidade e
moderação, visando a real proporção do dano, a capacidade socioeconômica e
financeira das partes e a finalidade educativa da indenização que deve atender,
sobretudo, ao disposto no artigo 944, do Código Civil. Diante disso, fixo o
valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos
morais.
No mesmo sentido, o pedido de cessação das cobranças
merece prosperar, considerando-se que ao restar comprovado que o débito
cobrado não pertence ao Reclamante, é dever dos Reclamados interromper as
cobranças indevidas direcionadas a terceiro alheio à relação jurídica.

Posto isto, ratifico a tutela de urgência e julgo


parcialmente procedente o pedido inicial para condenar, solidariamente, os
Reclamados ao pagamento de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a ser atualizado
pelo INPC, a partir desta data e acrescido de juros de mora simples de 1% (um
por cento) ao mês, a partir da citação, a título de indenização por danos
morais, nos termos da fundamentação.

Por fim, considerando-se que a reclamada, LOJAS


AMERICANAS S/A, não trouxe aos autos circunstâncias capazes de infirmar
a concessão de justiça gratuita ao Reclamante, julgo improcedente referido
pedido e defiro ao Reclamante os benefícios da gratuidade de justiça,
conforme requerido.

Extingo o processo com resolução de mérito, nos termos


do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Isento as partes do pagamento de custas, despesas


processuais e honorários de sucumbência, em virtude da gratuidade do
primeiro grau de jurisdição dos Juizados Especiais (arts. 54 e 55, da Lei n.º
9099/95).
Certificado o trânsito em julgado, aguarde-se
requerimento da Reclamante e após intime-se a Reclamada para cumprimento
da sentença, no prazo de 15 (quinze), findo o qual, o valor da condenação
deverá ser atualizado com a incidência de pena de multa de 10% (dez por
cento), nos termos do art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, caso não
haja pagamento.

Havendo cumprimento espontâneo, expeça-se alvará ou


transfira-se o valor à conta bancária que for indicada pela parte Reclamante ou
seu/sua advogado(a) (caso haja pedido e este tenha poderes expressos para
receber e dar quitação) do valor recebido, após arquivem-se os autos, dando-
se baixa nos registros.

Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem requerimento


pela Reclamante, arquive-se imediatamente os autos com as baixas
necessárias.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.

Belém, PA, 23 de maio de 2023.

TANIA BATISTELLO

Juíza de Direito Titular da 5ª Vara do JEC de Belém.

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