Você está na página 1de 5

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA XX

VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL - RECIFE/PE

Processo nº XXXXXXXXX

CARLA FULANA DA SILVA, já devidamente qualificada nos autos do processo em


epígrafe, vem, respeitosamente, por intermédio de sua procuradora infra-assinado, em
atendimento ao despacho de fl., MANIFESTAR-SE SOBRE A CONTESTAÇÃO
APRESENTADA (art. 350 CPC), o que passa a fazer nos seguintes termos:

I. DA TEMPESTIVIDADE

Inicialmente, cumpre destacar que a presente Réplica é tempestiva, apresentada dentro


do prazo legal.

II. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Nesta manifestação serão apresentados argumentos às alegações do Banco


Dinheirinho S/A sobre: (a) a sensibilidade dos dados da autora no banco de dados da empresa
como argumento inócuo; (b) suposto ajuizamento de 190 ações do mesmo gênero; (c) a
alegada inexistência de dano moral. Ao final, reiteram-se os pedidos expostos na exordial.

III. DA CONTESTAÇÃO

A. Da sensibilidade dos dados da autora no banco de dados da empresa


A Ré apresentou sua defesa, argumentando que as informações e documentos
envolvidos nesta demanda são de natureza sensível e que não podem ser mantidos públicos,
pois podem ser utilizados com finalidade ilegítima. No entanto, a Autora não busca ter acesso
a essas informações sensíveis, mas sim a uma simples atualização cadastral em seus sistemas,
conforme já narrado na petição inicial.

B. Do suposto ajuizamento de 190 ações do mesmo gênero

Ademais, a Ré apresentou argumentos genéricos e não se opôs especificamente aos


fatos alegados na petição inicial, limitando-se a apontar uma suposta quantidade de ações
semelhantes que já foram ajuizadas, o que, se fosse verdade, não afastaria o direito da Autora
de buscar a proteção de seus direitos.

C. Da alegada inexistência de dano moral

Em sua contestação, o Banco Dinheirinho S/A alega que a parte autora não teria
colacionado aos autos qualquer documento apto a demonstrar o dano moral sofrido. Não é o
que se verifica, como será explicitado a seguir.

Para o tópico a seguir é importante compreender a conceituação de dano moral e sua


quantificação. Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves1 (2009, p. 359):

Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu
patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade,
como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc.,
como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que
acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (grifo
nosso)

Por estarmos tratando de violação a direitos da personalidade, como


exaustivamente já colocado, o dano não precisa ser comprovado. Isso porque o dano é
presumido, verificável através do próprio evento, quando se está diante de lesão à
dignidade da pessoa humana.

No início de 2022 um banco foi condenado pela Justiça de Alto Paraíso de Goiás a
providenciar, de forma imediata, a alteração do nome social de uma cliente transexual em
serviços e produtos oferecidos e também ao pagamento do valor de R $10 mil por danos
morais. Nas palavras do juiz Liciomar Fernandes da Silva que em sua sentença faz referência

1
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. v. IV.
ao artigo 1º, III , da Constituição Federal de 1988, que designou a dignidade humana como
princípio fundante do estado constitucional:

O desejo da autora de ser tratada socialmente como mulher e ter nome


feminino está garantido pelo ordenamento jurídico brasileiro. [...] No caso
em apreço, tenho que o requerido não logrou comprovar que tenha tomado
as precauções necessárias para evitar a violação do direito fundamental da
autora [...] É importante frisar que uma instituição financeira com
abrangência nacional como a requerida deve prestar serviços aos seus
clientes observando uma política de inclusão social e não tentar deixar a
margem de tal contexto humano uma pessoa que dela faz parte.
(Processo 5504929-95.2020.8.09.0004, TJ-GO, grifo nosso)2

Aqui cabe destacar também decisão do TJ-SP de caso semelhante ao tratado, também
em relação de consumo entre banco e cliente que se identificava como pessoa trans, tendo sua
identidade desrespeitada, segue:

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. DANOS MORAIS –


RETIFICAÇÃO DE CADASTRO – NOME SOCIAL – DANOS MORAIS
– SITUAÇÃO QUE PERSISTE MESMO APÓS INTERVENÇÃO
ATRAVÉS DE OFÍCIO DA DEFENSORIA PÚBLICA Incontroversa a
dificuldade da autora para retificação de seus dados cadastrais junto às
rés, mesmo apos prolação de sentença que impôs retificação do assento
de seu nome – Boletos referentes ao cartão de crédito que, em que pese
solicitação junto às rés, continuaram a ser emitidos com o nome masculino
da autora, e não com seu nome social – Decreto nº 8.727/2016, que dispõe
sobre o uso do nome social, que legitima a pretensão da autora de ver
retificado seu cadastro junto às rés – Danos morais caracterizados, em
razão do expressivo sofrimento que decorre do ilícito praticado pelas
rés, em se considerando a importância da retificação cadastral para a
consumidora – Indenização devida – Valor que deve ser fixado com base
em critérios legais e doutrinários, devendo, a um só tempo, ser suficiente
para reparar o dano, inibindo o causador do dano à repetição do ato
indevido, sem ensejar enriquecimento sem causa – Indenização fixada em
R$3.000,00, ante as peculiaridades do caso – Indenização atualizada com
correção monetária, a contar da publicação do acórdão, e juros moratórios, a
contar da citação – Súmula nº 362 do STJ – Sentença reformada –
Inteligência dos arts. 186 e 927, do CC, e art. 5º, V, da CF – Ação
procedente – Ônus sucumbenciais carreados às rés, incluídos os honorários
recursais – Apelo provido. (TJSP; Apelação Cível
1010484-90.2019.8.26.0002; Relator (a): Salles Vieira; Órgão Julgador: 24ª
Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 1ª Vara Cível;

2
Trechos retirados de notícia do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em :
https://ibdfam.org.br/noticias/9319/Banco+deve+indenizar+cliente+transexual+e+corrigir+serviços+e+produtos
+para+incluir+nome+social, acesso em 13/10/2022.
Data do Julgamento: 24/04/2020; Data de Registro: 27/04/2020) - [grifos
nossos]

É, portanto, nítido o reconhecimento dos danos morais no que tange à resistência de


utilização do nome consoante o gênero autodeclarado e o tratamento adequado à pessoas
trans. No caso concreto, o dano deve ser elevado, para conferir o devido caráter punitivo, em
razão do descumprimento prévio de ordem judicial. Em outras palavras, somam-se dois
elementos: 1) o desrespeito à identidade de gênero da Autora; 2) o desrespeito ao
comando judicial, desconsiderando as determinações anteriores do Poder Judiciário.
Considerando, então, o critério bifásico para a fixação dos danos morais, estes devem ser
fixados no patamar delimitado na petição inicial.

Assim, não restam dúvidas acerca da responsabilidade da parte ré pela reprodução do


ato discriminatório em questão, uma vez que falhou com sua obrigação - decorrente de todo o
arcabouço supracitado - de assegurar o atendimento devido à CARLA FULANA DA SILVA
sem que esta precisasse recorrer aos meios judiciais para ter seu nome e pronomes
respeitados. Provados a ação, o dano e o nexo de causalidade, podemos seguir para o próximo
ponto.

É importante destacar que ao tratar a senhora CARLA FULANA por um nome


associado ao gênero masculino, deslegitima-se e desrespeita-se a sua identidade, o que por si
só JÁ É CONSIDERADO uma ofensa. A discriminação reside justamente neste ponto: negar
a dignidade de uma pessoa, independente de como ela se apresente, usar um nome que traz à
tona tantas memórias negativas de discriminação e rejeição de direitos, minando a sua
humanidade.

Ao não estabelecer o pleno respeito à identidade de gênero da Autora, reproduzindo


condutas discriminatórias, a parte ré revela desatenção aos consumidores e às consumidoras,
devendo adotar medidas para que os serviços prestados cessem postura discriminatórias - e,
ao não fazê-lo, deve ser responsabilizada.

É importante notar que, é justamente em razão da discrepância entre esses nomes e do


descumprimento de determinação judicial, por meio do recebimento insistente de mensagens
publicitárias, inclusive no ano de 2023, que a senhora CARLA move este processo.

IV. DOS PEDIDOS


Diante do exposto, a parte Autora, refutando na integralidade os argumentos trazidos
pela parte Demandada, renova os fundamentos e pleitos contidos na petição inicial, de
forma que a ação seja julgada PROCEDENTE, a fim de se 1) cessar o envio de mensagens e
conteúdos publicitários que afrontem a identidade de gênero da Demandante; 2) reconhecer
a responsabilidade civil do Banco Dinheirinho S/A e, consequentemente, o direito da
Autora de ser indenizada.

Nestes termos, pede deferimento.

Recife,

24 de março de 2023

Laís Chiaperini Auto de Alencar


OAB/PE nº XX.XXX

Você também pode gostar