Você está na página 1de 15

AO JUÍZO DA ____ UNIDADE JURISDICIONAL CÍVEL, CRIMINAL E

FAZENDÁRIA DO JUIZADO ESPECIAL DA COMARCA DE VARGINHA DO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS

INICIAL

ADILSON NATAL GOULART, brasileiro, servidor pública municipal, titular da


cédula identidade nº: MG-13.211.155 SSP/MG, inscrito no CPF/MF sob o número nº.
053.663.046-10, residente e domiciliada na Avenida Maria Rosa, nº. 360 – São Sebastião,
CEP: 37044-020, Varginha/MG, vem ao Juízo, por seu Advogado que a esta subscreve, com
fulcro nos Artigos 5º, incisos XXXIV, “a” e XXXV; 37, “caput”; e, 41 todos da Constituição;
apresentar, pelo procedimento especial com base no art. 2º, §1º, III, §2º e §4º Lei nº.
12.153/2009 e na Lei 9.099/1995, bem como pelo art. 1º, II, l, VII, “a” da Lei Complementar
nº. 64/1990 a presente:

AÇÃO DE COBRANÇA DE PAGAMENTO DE VANTAGEM LEGAL

Contra o MUNICÍPIO DE VARGINHA, pessoa jurídica de Direito Público Interno inscrita


no CNPJ sob o nº. 18.240.119/0001-05, que deverá ser citada na pessoa do Procurador-Geral
do Município, na sede da Procuradoria do Município, situada na Rua Júlio Paulo Marcelini,
nº. 50, Vila Paiva, Varginha/MG, CEP: 37018-050, pelos fatos jurídicos que a seguir expõe:

1 CAUSA DE PEDIR REMOTA

O Requerente é servidor do município de Varginha na função de Operador de


Veículos Pesados, desde 03/05/2010, na Secretaria de Obras do município.

O Requerente é candidato a Vereador neste Município, conforme Requerimento de


Registro de Candidatura 0600790-95.2020.6.13.0281 (Doc. 2), conforme ofício 275/2020 do
município, página cinco do referido registro, o mesmo foi licenciado pelo período de 15 de
agosto até 14 de novembro, conforme a legal desincompatibilização do servidor público.
Todavia, o Requerente foi surpreendido por desconto em sua remuneração, referente à
gratificação especial para os operadores de veículos pesados, função ocupada pelo
Requerente, que equivale ao valor de 30%, sobre os vencimentos básicos, conforme holerite
de setembro (Doc. 3). O Requerente percebia tal adicional, conforme holerite do mês de
agosto (Doc. 4).

Diante disso, foi feito requerimento administrativo tombado como o processo de nº.
16522/2020, a fim de fazer o pedido do pagamento da referida gratificação (Doc. 5.1 e 5.2).

Todavia, conforme parecer da Procuradoria Geral do Município, ratificado pela


Secretaria de Administração, o pagamento da referida vantagem pecuniária, alegando que, por
ser propter laborem, esta não deveria ser paga.

Após, o pedido, também não foi feito o pagamento referente a outubro (Doc. 6).

Assim, não resta outro meio de ver seu direito garantido, sem ser por meio do
judiciário.

2 DA CAUSA DE PEDIR PRÓXIMA

2.1 Preliminares ao Mérito

2.1.1 Preliminar ao Mérito: Competência do Juizado Especial das Fazendas Públicas:

Considerando a disposição expressa da Lei nº. 12.153/2009 de que onde haver juízo
fazendário especial este terá competência absoluta e de que a parte autora é pessoa
natural/física e de que o objeto do processo não trate de nenhuma das causas expressas que
deslocam essa competência para a justiça comum, assim competente é esse juízo para julgar a
presente ação.

Contudo, apesar de o feito ter vínculo com o processo eleitoral, o que poderia atrair a
competência da Justiça Especializada, a desavença in ter pars tem natureza estritamente
administrativa, neste sentido, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais:

EMENTA: RECURSO. MANDADO DE SEGURANÇA.


INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. INEXISTÊNCIA DE PROVA
PRÉ-CONSTITUÍDA DO ALEGADO DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
Extinção do processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, I, do
Código de Processo Civil. Ato do Prefeito que indeferiu o pedido de
afastamento do impetrante, com percepção integral dos vencimentos, para
concorrer ao cargo de vereador. Incompetência da Justiça Eleitoral para
analisar questões relativas a pagamento de vencimentos no período de
afastamento de funcionário para concorrer a cargo eletivo. Matéria
puramente administrativa. Competência apenas para a verificação da
presença dos requisitos ensejadores de inelegibilidade. Remessa dos
autos à Justiça comum. Nulidade da sentença. (TRE/MG, RMS -
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA, Relator (a)
GUTEMBERG DA MOTA E SILVA, n.º 2 - Iturama/MG - Acórdão n.º
2686 de 21/08/2008)

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Embora a matéria atinente à desincompatibilização de servidor para


concorrer a eleições se encontra situada dentro do Direito Eleitoral,
registro que o presente caso cuida de ato administrativo do Chefe do
Executivo Municipal que somente autorizou o pagamento dos
vencimentos relativos aos três últimos meses anteriores à eleição para
Prefeito e Vereador, e não da forma integral como pleiteado pelo
impetrante (seis meses), com a devida vênia, autorizando concluir pela
competência desta Justiça Estadual para apreciar o pedido deduzido em
juízo. (TJMG - Ap Cível/Reex Necessário 1.0144.08.024655-2/002,
Relator(a): Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes , 6ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 16/12/2008, publicação da súmula em 30/01/2009)

Assim, este processo deverá ser distribuído livremente entre os Juízo de Direito das
Unidades Jurisdicionais do Juizado Especial com competência fazendária.

2.1.2 Preliminar ao Mérito: da Possibilidade de Revisão Judicial dos Atos


Administrativos:

É assente na Jurisprudência a revisão judicial dos atos administrativos em relação à


legalidade, nesse sentido o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

A revisão judicial do ato administrativo deve estar adstrita à verificação de


sua legalidade, não se admitindo a ingerência, por parte da jurisdição, no
sentido de modificação do mérito administrativo, consoante precedentes do
Superior Tribunal de Justiça. (TJ-MG - EI: 10024110051919002 MG,
Relator: Moacyr Lobato, Data de Julgamento: 07/05/2015, Câmaras Cíveis/
5ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/05/2015).

Assim, é plenamente possível, a revisão administrativa, exarada pela Secretária de


Administração.

2.3 Do Mérito

2.3.1 Do direito ao pagamento de vantagem legal, conforme determina a Lei


Complementar Federal nº. 64/1990, independente de ser propter laborem ou não

Conforme narrado no tópico 1, o Requerente é servidor que se afastou de suas funções,


diante do dever legal, valendo de sua capacidade eleitoral passiva, a fim de concorrer ao cargo
de vereador, na eleição municipal deste ano. Entretanto, o município, desde antão, passou a
fazer o desconto ilegal da sua gratificação especial para os operadores de veículos pesados.

A mencionada gratificação é prevista na Lei Municipal nº. 4.246/2005. Sendo que tal
vantagem corresponde a um valor fixo mensal de 30% dos vencimentos básicos do servidor.
O município alega que referida vantagem, por ser propter laborem, não poderia ser pago,
considerando que o afastamento legal, inviabilizaria a atividade e o correspondente
pagamento.

Todavia, a interpretação do Município não deve prosperar.

A Lei Complementar Federal nº. 64/1990, é bem clara ao assentar, no art. 1º, II:

I) os que, servidores públicos, estatutários ou não, dos órgãos ou entidades


da Administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Municípios e dos Territórios, inclusive das fundações mantidas
pelo Poder Público, não se afastarem até 3 (três) meses anteriores ao pleito,
garantido o direito à percepção dos seus vencimentos integrais;

A lei deixa claro que os vencimentos são integrais, ou seja, a integralidade da


remuneração. E assim o é, porque o vencimento, diverge do conceito de vencimentos,
conforme preleciona a Lei ordinária Municipal nº 2.673, 15 de dezembro de 1995 que dispõe
sobre o estatuto dos servidores públicos do Município de Varginha, das autarquias e das
fundações municipais, Vencimento é: “Art. 45 - Vencimento é a retribuição pecuniária pelo
exercício de cargo público, com valor fixado em Lei, nunca inferior a um salário mínimo,
reajustado periodicamente de modo a preservar-lhe o poder aquisitivo, sendo vedada a sua
vinculação, ressalvado o disposto no inciso XIII do art. 37 da Constituição Federal”. Por sua
vez:

Vencimentos (no plural) é espécie de remuneração e corresponde à soma


do vencimento e das vantagens pecuniárias, constituindo a retribuição
pecuniária devida ao servidor pelo exercício do cargo público. Assim, o
vencimento (no singular) correspondente ao padrão do cargo público fixado
em lei, e os vencimentos são representados pelo padrão do cargo
(vencimento) acrescido dos demais componentes do sistema
remuneratório do servidor público da Administração direta, autárquica
e fundacional. (in: MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo
Brasileiro, 27ª edição, Malheiros Editores: São Paulo, 2002, p. 449/450).

Superada essa questão conceitual, se entende que a Lei conceitualmente, até de forma
pleonástica, dispõe que toda remuneração do servidor público ficará resguardada,
independentemente, de a verba ser propter laborem ou não.

E isso se faz para garantir o Direito à Cidadania e aos Direitos Políticos em amplo
espectro, pois o afastamento do trabalho é ônus imposto ao servidor – a fim de evitar qualquer
suspeita de uso da máquina pública ou pedido de favorecimento –, entender em sentido
diverso, desestimula que os servidores públicos possam participar do processo democrático,
sem riscos à própria subsistência.

Entender em sentido diverso, violaria a igualdade entre os servidores públicos e os


trabalhadores da iniciativa privada – que podem continuar a perceber sua remuneração no
livre mercado, através da venda de sua mão-de-obra – ou do empresariado – que pode ainda
manter seus empreendimentos e seu pró-labore –, pois o servidor seria o único que não teria
suas rendas garantidas, já que afastado do trabalho, por ônus legal, o que atrairia o ostracismo
indevidamente a este coletivo social.

Neste sentido, também aponta a jurisprudência:


MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO -
ELEIÇÃO MUNICIPAL - DESINCOMPATIBILIZAÇÃO - PERCEPÇÃO
DE VENCIMENTOS - LEI COMPLEMENTAR FEDERAL Nº 64/90 -
MANTER A SENTENÇA. Nos termos do disposto na Lei Complementar
Federal nº64/90, o servidor público faz jus a desincompatibilizar-se do cargo
por ele ocupado, sem prejuízo dos vencimentos, nos três meses que
antecedem a eleição. (TJMG - Reexame Necessário-Cv 1.0417.08.011269-
7/001, Relator(a): Des.(a) Maria Elza , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
28/01/2010, publicação da súmula em 19/02/2010)

Apelação - mandado de segurança - servidor candidato - remuneração -


período de campanha - garantia de vencimentos integrais - LC 64, de 1990 -
segurança concedida - apelação a que se dá provimento. A Lei
Complementar 64, de 1990 garantiu ao servidor público candidato o
percebimento integral de sua remuneração durante a campanha
eleitoral. Disso decorre a impossibilidade de qualquer desconto neste
período, como a GEPI e GEPI conta reserva, ainda que essas vantagens
tenham caráter propter laborem. (TJMG - Apelação Cível
1.0024.12.181537-7/002, Relator(a): Des.(a) Marcelo Rodrigues, 2ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/02/2014, publicação da súmula em
06/03/2014)

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO - GESTOR FAZENDÁRIO -


AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES PARA DESINCOMPATIBILIZAÇÃO
PARA DISPUTA DE PLEITO ELEITORAL - REMUNERAÇÃO
INTEGRAL - DIREITO ASSEGURADO - LCF Nº64/1990. Por exigência
da Lei Complementar nº 64 /90 o servidor público é obrigado a se afastar de
suas funções no prazo mínimo de três meses antes da eleição de que visa
participar, sendo a ele assegurada por essa mesma norma a licença com
remuneração integral, a partir do aludido afastamento, pelo prazo de até três
meses e, pois, conceder a licença e não lhe remunerar com a integralidade
equivale a impedir-lhe o exercício do direito de participação
constitucionalmente assegurado. Assim, o afastamento do servidor, a
título de desincompatibilização nos três meses anteriores ao pleito lhe
garante remuneração integral, o que equivale dizer que não só tem
direito a parte fixa, representada pelo padrão fixado em lei (vencimento-
base), mas também a parte variável percebida pelo servidor por razões
diversas, seja em razão do tempo de serviço ou das condições especiais
de seu exercício, genericamente denominadas de vantagens pecuniárias
nelas compreendidos os adicionais e as gratificações. (TJMG - Apelação
Cível 1.0024.13.250862-3/004, Relator(a): Des.(a) Geraldo Augusto, 1ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 16/02/2016, publicação da súmula em
23/02/2016)

Mesma posição do Tribunal Superior Eleitoral: “[...] II – Funcionário público.


Desincompatibilização – 3 meses. Percepção de vencimentos. Não prejuízo.” NE: LC no
64/90, art. 1o, II, l. (Res. no 20085 na Cta nº 386, de 18.12.97, rel. Min. Costa Porto.).

Assim, conforme determina a Lei Complementar nº. 64/1990, a vantagem legal


referente a vantagem legal da gratificação especial para os operadores de veículos pesados.

2.3.1.1 Do direito ao pagamento de vantagem legal fixa

Não se desconhece que existe uma disputa jurisprudencial sobre o tema destes autos,
considerando que tanto o Requerente, quanto o município Requerido, colacionam julgados do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, referente a vantagem estadual da GEPI e GEPI conta
reserva, porém, há uma distinção necessária entre aquela vantagem e a gratificação destes
autos. A vantagem pessoal que se pede o pagamento é uma vantagem pessoal fixa.

Ela não é apurada de modo variável 1 e depende, dentre outros componentes, da


avaliação de desempenho individual. A Lei Municipal nº. 4.246/2005 instituidora dispõe:
“Art. 1° Fica criada a Gratificação Especial no valor de 30% (trinta por cento) a ser paga
mensalmente sobre seus vencimentos básicos àqueles servidores operadores de veículos
pesados da Administração Direta”.

Sendo que, pelo art. 3º da Referida norma, dispõe que a única condição pelo
recebimento é ter produção, ou seja, efetivo trabalho: “Art. 3º A Gratificação somente será
paga após o envio do relatório mensal de atividades do operador realizado pelo Setor de
Transporte da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos – SOSUB ao

1
Vogal de junta comercial. Inelegibilidade. Gratificação. Afastamento. [...] O afastamento do cargo, mesmo por
motivos eleitorais, implica no não-recebimento da gratificação variável, no período. Garantida a remuneração
integral, com exclusão da variável, nos três meses que antecedem ao pleito.” NE: LC no 64/90, art. 1o, II, l. (Res.
no 19995 na Cta nº 14315, de 9.10.97, rel. Min. Costa Porto.)
Departamento de Recursos Humanos da Prefeitura, com o nome e a comprovação do serviço
realizado no mês anterior”.

Ou seja, as únicas condições para acesso a essa gratificação são: A) deter o cargo; e, b)
ter produção, esta inerente ao próprio trabalho.

Assim, nem é necessário discutir se essa verba é um salário-condição ou não.

Por todo o exposto, considerando que a gratificação especial para os operadores de


veículos pesados, tem natureza fixa, esta deve ser devidamente paga ao Requerente.

2.3.2 Verba propter laborem versus a legítima expectativa e a vedação ao comportamento


contraditório

A Requerida alega que a gratificação especial para os operadores de veículos pesados,


tem natureza propter laborem, e que, diante disso, tal verba não deveria ser paga, apesar da
disposição da Lei Complementar Federal nº. 64/1990.

Contudo, o município, claramente, age em violação às legitimas expectativas do


Requerente, e em claro comportamento contraditório. Isso porque alega que a vantagem
pessoal aqui requerida é propter laborem, mas a insalubridade foi paga e ela é também é uma
vantagem da mesma natureza:

(...) Por ser o adicional de insalubridade vantagem de natureza "propter


laboraem" ou "pro labore faciendo" o recebimento de tal adicional está
condicionado à realização do trabalho em condições específicas, não
podendo ser incorporado aos proventos de aposentadoria. (TJMG -
Apelação Cível 1.0024.08.138923-1/001, Relator(a): Des.(a) Jair Varão , 3ª
CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/09/2017, publicação da súmula em
26/09/2017).

O Requerente por óbvio esperava da administração que essa agisse dentro dos termos
da Lei Complementar nº. 64/1990, devido à segurança jurídica e a confiança que se espera do
poder público, como bem ensina José Joaquim Gomes Canotilho2:

2
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993. p.
374/375).
O princípio do Estado de direito, densificado pelos princípios da segurança e
da confiança jurídica, implica, por um lado, na qualidade de elemento
objectivo da ordem jurídica, a durabilidade e permanência da própria ordem
jurídica, da paz jurídico-social e das situações jurídicas; por outro lado,
como dimensão garantística jurídico-subjectiva dos cidadãos legitima a
confiança na permanência das respectivas situações jurídicas. Daqui a
ideia de uma certa medida de confiança na actuação dos entes públicos
dentro das leis vigentes e de uma certa protecção dos cidadãos no caso de
mudança legal necessária para o desenvolvimento da actividade de
poderes públicos.

A Administração Pública está sujeita a observar conduta segundo a boa-


fé, restando adstrita a conduzir-se com lealdade no trato com os
particulares.[...] a Administração deve respeitar a legítima expectativa
criada, por sua conduta, nos administrados” (MARTINS COSTA, 2002,
p.230).“Ao invés de apenas privilegiar o poder de império, a ação estatal
deve levar em conta outros fatores, como as expectativas legitimamente
despertadas por sua conduta, e assim mantê-las, em respeito à confiança
despertada na sociedade. [...] Daí que, objetivamente gerada a confiança
por atos, palavras ou comportamentos concludentes, esta se incorpora
ao patrimônio jurídico daqueles a quem são dirigidos esses atos,
palavras ou comportamentos: o Ordenamento jurídico tutela os efeitos
produzidos pela ação geradora de confiança em quem nela
legitimamente confiou, coibindo ou limitando a ação administrativa, ou
impondo deveres à administração. (MARTINS COSTA, 2002, p. 236).
MARTINS COSTA, Judith. A Proteção da Legítima Confiança nas Relações
Obrigacionais entre a Administração e os Particulares. In: Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul vol. 22
(set. 2002), p. 228-255.

Dito isto, o Município Requerido também viola a boa-fé, pois é nemo potest venire
contra factum proprium, nesse sentido, tal brocardo fora usado no tema repetitivo 401 do
Superior Tribunal de Justiça:

(...) 13. Assim é que o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido
teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara
(excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma
determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em
abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire contra factum
proprium. (...) (REsp 1143216/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA
SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 09/04/2010)

Nesse sentido:

Segundo ensinamento de parcela autorizada da doutrina, "a ninguém é lícito


fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta, quando essa
conduta interpretada objetivamente segundo a lei, os bons costumes ou a
boa-fé, justifica a conclusão de que não se fará valer o direito, ou quando o
exercício posterior choque contra a lei, os bons costumes ou a boa-fé".
(...)
Isto significa dizer que, aquele que praticou determinado ato ou permitiu à
contraparte a prática de determinada conduta, não pode, posteriormente,
alegar circunstância que se contraponha àquelas posturas iniciais a que ele
mesmo dera causa. (JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Código Civil Comentado, 11ª edição revista, atualizada e ampliada, São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014)

Ou seja, o município paga as verbas propter laborem ou não paga, se ele considera
que a insalubridade, ainda que propter laborem, deve ser paga porque constitui parte
inalienável dos vencimentos do Requerente, deve pagar, por ser uma expectativa correta e
sem qualquer contradição, o pagamento referente à gratificação especial para os operadores de
veículos pesados, e é a interpretação que mais protege o servidor público e seus direitos
políticos.

Antes de encerrar essa causa de pedir, é importante ressaltar que, caso o município
resolva, após o processo apresentar pedido contraposto a fim de restituir o adicional de
insalubridade, devidamente pago, conforme determina a Lei Complementar nº. 64/1990, é
importa dispor que tal pedido seria impossível:

1. Os valores percebidos em razão de decisão administrativa, dispensam


a restituição quando auferidas de boa-fé, aliada à ocorrência de errônea
interpretação da Lei, ao caráter alimentício das parcelas percebidas e ao
pagamento por iniciativa da Administração Pública sem participação
dos servidores. 2. Os valores recebidos com base em decisões judiciais,
além de não ostentar caráter alimentar, não são restituíveis na forma da
jurisprudência desta Corte. (Precedente AI 410.946-AgR, Min. Rel. Ellen
Gracie, DJe 07/5/2010) 3. In casu, O TCU determinou a devolução de
quantias indevidamente recebidas por servidores do TJDFT, relativas ao
pagamento de valores referentes ao percentual de 10,87%, em razão de
decisões judiciais, bem como ao pagamento do valor integral de função
comissionada ou cargo em comissão cumulado com remuneração de cargo
efetivo e VPNI, devido à decisão administrativa. 4. Agravo regimental a que
se nega provimento. (MS 31259 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX,
Primeira Turma, julgado em 24/11/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-
248 DIVULG 09-12-2015 PUBLIC 10-12-2015)”

Ressalta-se que o não pagamento do que é devido ao Requerente é um ato de


locupletamento ilícito por parte da Prefeitura, nesse sentido já pontuou o Tribunal de Justiça
de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA- SERVIDOR


PÚBLICO- MUNICÍPIO DE CAPELINHA/MG - PRODUÇÃO DE
PROVAS - PRESCINDIBILIDADE - VERBAS DEVIDAS -
VENCIMENTO REFERENTE AO MÊS DE DEZEMBRO/2008, PARTE
DO 13º SALÁRIO E 1/3 DE FÉRIAS- RESPONSABILIDADE DO
MUNICÍPIO PELO PAGAMENTO - PAGAMENTO DEVIDO -
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. - Havendo
benefício de servidor municipal em atraso, o Município deve ser
responsabilizado pelo pagamento, sob pena de enriquecimento ilícito.
(TJMG - Apelação Cível 1.0123.12.004583-6/001, Relator(a): Des.(a) Elias
Camilo, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/05/2019, publicação da
súmula em 11/06/2019)

Assim, a cobrança dos valores mencionados é devida,

Por todo o exposto, requer seja o município requerido compelido a pagar duas parcelas
do valor de R$470,45, referente a 30% do vencimento básico do Requerente, atualizado até
novembro de 2020, perfazendo o valor de R$957,53.
2.3.3 Da Inconstitucionalidade dos art. 2º da Lei Municipal nº. 4.246/2005, sem redução
de texto

Assenta o Art. 2º: “Não fará jus à Gratificação Especial, o operador que se envolver
em acidente de trânsito no qual fique apurada a sua culpabilidade, o que estiver em gozo de
férias, quer sejam regulamentares ou prêmio, o que estiver afastado de suas funções por
qualquer motivo”.

Claramente, se vê que o art. 2º deve ser lido observado o que dispõe o art. 1º, II, l, VII,
“a” da Lei Complementar nº. 64/1990, que é a interpretação constitucionalmente correta,
considerando o direito à Cidadania e aos Direitos Políticos. Assim, cabe ao Juízo Singular
afastar a inconstitucionalidade na interpretação do art. 2º.

Streck3 informa que existem seis hipóteses em que o Juiz pode deixar de aplicar uma
norma:

a) No caso de inconstitucionalidade, sendo esta declarada por meio difuso ou


concentrado;

b) Na aplicação dos critérios de resolução de antinomias, tendo em vista que a


Constituição permeia tais critérios;

c) Interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung), não se


suprimirá o texto legal, apenas dar-lhe-á interpretação diversa da empregada, é uma
inconstitucionalidade que não importará em redução do texto (apenas da interpretação da
norma);

Por fim4:

d) Aplicação da nulidade parcial sem redução de texto


(Teilnichtigerklärung ohneNormtextreduzierung), pela qual permanece
a literalidade do dispositivo, sendo alterada apenas a sua incidência, ou
seja, ocorre a expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de
determinada(s) hipótese(s) de aplicação (Anwendungsfälle);(...)
3
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e decisão Jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014. p. 347/348.

4
Iden.
e) Quando for o caso de declaração de inconstitucionalidade com redução de
texto, ocasião em que a exclusão de uma palavra conduz à manutenção da
constitucionalidade do dispositivo;
f) Quando – e isso é absolutamente corriqueiro e comum – for o caso de
deixar de aplicar uma regra em face de um princípio. Sempre ocorre a
aplicação de um princípio no emprego de uma norma, já que não há regra
sem princípio e o princípio só existe a partir de uma regra – exemplo de tal
paradigma é o do princípio da insignificância. Tal circunstância, por óbvio,
acarretará um compromisso da comunidade jurídica, na medida em que, a
partir de uma exceção, casos similares exigirão – mas exigirão mesmo –
aplicação similar, graças à integridade e a coerência da ordem jurídica.

Se verifica que, o mais constitucional possível, é fazer uma filtragem, ao se aplicar a


nulidade parcial sem redução de texto, a fim de preservar o direito político do Requerente,
mas também sua subsistência, garantindo que a Lei Federal tenha validade, inclusive, porque
a Lei Municipal não pode legislar sobre direito eleitoral e não pode normatizar aquilo que já
foi devidamente regulado por outras esferas de governo.

Ressalta-se que não se pede a declaração de inconstitucionalidade, mas o


afastamento de uma interpretação inconstitucional, respeita-se assim, a cláusula de reserva de
plenário ou regra da full bench prevista no art. 97 da Constituição.

Por fim, a fim de subsidiar este pedido, junta-se a esta Parecer Técnico que defende a
inconstitucionalidade de ato normativo municipal que veda o recebimento de remuneração ao
servidor público em licença (afastamento) por conta de atividade político-eleitoral (Doc. 9).

3. DOS REQUERIMENTOS:

Diante do exposto requer:

a) Seja recebida esta petição com os documentos que a acompanham;


b) A citação do município requerido, no endereço constante no preâmbulo, para que,
no prazo legal, responda os termos da presente demanda, sob pena de preclusão5;

c) Provar o alegado através de todas as provas em direito admitidas, dando ênfase a


prova documental, testemunhal, juntada de novos documentos e depoimento pessoal das
Requeridas;

d) Requer os benefícios da justiça gratuita;

4. DOS PEDIDOS

e) A condenação do município requerido no pagamento no valor total de R$


R$957,53, referentes às gratificação especial para os operadores de veículos pesados de
setembro e outubro de 2020, que não foram pagos, atualizada até novembro de 2020, devendo
o valor ser corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, estes a partir da citação,
até o efetivo pagamento;

f) que, considerando o afastamento do Requerente vai até 14 de novembro, devido ao


período eleitoral, como tutela provisória de urgência cautelar incidental, considerando o
fumus boni iuris e periculum in mora, conforme art. 3º da Lei nº. 12.153/2009, que o
município seja obrigado a realizar o pagamento da gratificação especial para os
operadores de veículos pesados referente à competência de novembro 2020, que será
percebido em dezembro, considerando a previsão da Lei Complementar nº. 64/1990,
conforme exposto tópico 2.3.1 desta petição, sob pena de pagar tal valor ao fim do
processo; e,

g) A condenação das Requeridas no pagamento de custas e de honorários advocatícios,


em caso de recurso, considerando as disposições do procedimento do juizado especial;

Oportunamente, a Demandante manifesta não ter interesse na designação de audiência


para tentativa de conciliação, considerando a impossibilidade de a Administração transigir em
casos assim.

Dá-se à causa o valor de R$957,53.

5
Como pode ser visto no Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.12.245295-6/001, Relator(a): Des.(a) Albergaria
Costa , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/05/2014, publicação da súmula em 23/05/2014)
Varginha, 09 de novembro de 2020.

Cláudio Miranda Souza


OAB/MG 137.814

Você também pode gostar