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Corte de serviços essenciais em razão de inadimplência.

Situações que possibilitam

O corte de serviços essenciais em razão de inadimplência é um assunto delicado


e que divide a doutrina. Uma corrente doutrinária defende a impossibilidade de interrupção
do serviço público essencial em qualquer hipótese. Este entendimento baseia-se no art. 22
do Código de Defesa do Consumidor, a qual prevê1:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,


permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das
obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a
cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

Reforça este posicionamento o argumento que o corte de serviço essencial seria


uma prática abusiva na cobrança da dívida, prática vedada no art. 42, caput, do CDC. Esta
posição é defendida por autores como Luiz Antonio Rizzatto Nunes, Claudia Lima Marques,
Herman Benjamin e Bruno Miragem.2
Outra corrente, alinhada ao atual posicionamento do Superior Tribunal de
Justiça, entende ser possível a interrupção do serviço, em caso de inadimplemento, desde
que o consumidor seja previamente comunicado. Defendem esta posição Theotonio Negrão,
José Roberto F. Gouvêa e Luiz Guilherme Bondioli.
Tal entendimento encontra base em leis mais específicas e posteriores ao
Código de Defesa do Consumidor, em homenagem aos critérios da especialidade e
cronológico.3
a) na Lei das Concessões Públicas (Lei 8.987/1995), que prescreve no art. 6º,
§3º, II que “não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua
interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando [...] II -
por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.”
b) o serviço de energia elétrica é regido pela Lei 9.427/1996, a qual prevê: “A
suspensão, por falta de pagamento, do fornecimento de energia elétrica a
consumidor que presta serviço público ou essencial à população e cuja
atividade sofra prejuízo será comunicada com antecedência de quinze dias
ao Poder Público local ou ao Poder Público Estadual.”
c) e ainda, quanto ao serviço de água e esgoto, o art. 40, V, da Lei 11.445/2007:
“Os serviços poderão ser interrompidos pelo prestador nas seguintes
hipóteses: (...) V – inadimplemento, pelo usuário do serviço de abastecimento
de água ou de esgotamento sanitário, do pagamento das tarifas, após ter sido
formalmente notificado [...].
Esta posição é sintetizada por Sergio Cavalieri Filho, que conclui que:

1 TARTUCE; NEVES, 2022, p. 472.


2 TARTUCE; NEVES, 2022, p. 472.
3 TARTUCE; NEVES, 2022, p. 474.
a paralisação do serviço impõe-se quando houver inadimplência,
repudiando-se apenas a interrupção abrupta, sem aviso prévio, como meio
de pressão para o pagamento das contas em atraso. Assim, é permitido o
corte do serviço, mas com o precedente aviso de advertência. 4

Por fim, conforme o posicionamento atual do STJ e leis posteriores ao Código de


Defesa do Consumidor, e que tratam especificamente da concessão de serviços públicos,
fornecimento de energia e fornecimento de água e esgoto, o corte de serviços essenciais
em razão de inadimplência é possível, desde que respeitados os preceitos legais,
especialmente o aviso prévio quanto a dívida e o corte do fornecimento do serviço.
Neste sentido, seguem decisões de Tribunais de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO.


FORNECIMENTO DE ÁGUA POTAVEL. DÉBITO ATUAL DO
CONDOMÍNIO RESIDENCIAL CAMPOS DA SERRA IX. INADIMPLÊNCIA
INCONTROVERSA. INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO.
CABIMENTO - ARTS. 6, § 3º DA LEI FEDERAL 8.987/95; 40, V, DA LEI
FEDERAL Nº 11.445/07; ARTS. 117, 118 E 128, II DO DECRETO
MUNICIPAL Nº 18.349/16. PROBABILIDADE DO DIREITO NÃO
EVIDENCIADA ? ART. 300, DO CPC DE 2015. A interrupção do serviço
público de fornecimento de água potável, em razão do inadimplemento
dos débitos atuais, encontra amparo nos arts. 6, § 3º da Lei Federal
8.987/95; 40, V, da Lei Federal nº 11.445/07; arts. 117, 118 e 128, II do
Decreto Municipal Nº 18.349/16, bem como no julgamento do REsp nº
1412433/RS no e. STJ - Tema 699. Nesse sentido, em que pese a
relevância dos argumentos, ao menos nesta sede de cognição precária, não
evidenciada de forma cabal a probabilidade do direito do condomínio
agravante, tendo em vista a reiterada e incontroversa inadimplência das
faturas mensais e atuais, frente ao direito da autarquia recorrida à
contraprestação pecuniária respectiva.Ainda, a inaptidão da justificativa para
o não cumprimento da obrigação pecuniária, calcada na baixa arrecadação
das taxas condominiais.Precedentes do e. STJ e deste Tribunal.Agravo de
instrumento desprovido.
(TJ-RS - AI: 70083941138 RS, Relator: Eduardo Delgado, Data de
Julgamento: 07/05/2020, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação:
13/05/2020)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO


EM AÇÃO ORDINÁRIA. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA (ART. 300,
CPC). FORNECIMENTO DE ÁGUA. PRÉDIOS DE PESSOA JURÍDICA DE
DIREITO PÚBLICO. INADIMPLÊNCIA. DÉBITOS PRETÉRITOS.
INTERRUPÇÃO DO SERVIÇO. IMPOSSIBILIDADE. ESSENCIALIDADE.
INTERESSE DA COLETIVIDADE (ART. 6º, § 3º, II, DA LEI Nº. 8.987/95).
PRECEDENTES. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO
EVIDENCIADOS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO
MANTIDA. 1. É cediço que para deferir-se a tutela de urgência, necessária a
existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo
de dano ou risco ao resultado útil do processo, conforme dispõe o art. 300
do CPC. 2. O artigo 6º, parágrafo 3º, inciso II, da Lei nº. 8.987/95 (que
dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de
serviços públicos) autoriza a interrupção do serviço público pela
concessionária, caso não tenha havido o pagamento da tarifa
correspondente pelo usuário, sem que tal configure descontinuidade
do serviço. [...] Precedentes. 7. Recurso conhecido e desprovido. Decisão
mantida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de
Instrumento nº. 0631128-20.2018.8.06.0000, em que são partes as acima
relacionadas, Acordam os Desembargadores que compõem a 1ª Câmara de

4 CAVALIERI, 2022, p. 120.


Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade,
em conhecer do recurso, mas para negar-lhe provimento, nos termos do
voto da eminente Relatora, parte integrante deste. Fortaleza/CE, 11 de maio
de 2020.
(TJ-CE - AI: 06311282020188060000 CE 0631128-20.2018.8.06.0000,
Relator: LISETE DE SOUSA GADELHA, Data de Julgamento: 11/05/2020,
1ª Câmara Direito Público, Data de Publicação: 12/05/2020)

Apelação - Fornecimento de Energia Elétrica. O art. 6º, § 3º, inciso II, da Lei
8.987/95, possibilita a interrupção do fornecimento do serviço por
inadimplemento do usuário, em situação de emergência ou após aviso
prévio - Presentes os requisitos e sendo o débito recente, em relação à
interrupção, não há nenhuma irregularidade no procedimento. Recurso
provido, com observação.

(TJSP; Apelação Cível 1000557-81.2017.8.26.0516; Relator (a): Lino


Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Roseira -
Vara Única; Data do Julgamento: 16/05/2018; Data de Registro: 17/05/2018)

REFERÊNCIAS

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. – 6. ed. – Barueri [SP]:


Atlas, 2022. Disponível em:
<https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559772766/>. Acesso em: 01 mai.
2022.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim A. Manual de Direito do Consumidor: Direito


Material e Processual. Volume Único. – 11. ed. – Rio de Janeiro: Forense; Método, 2022.
Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786559641826/>. Acesso
em 29 abr. 2022.

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