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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

PODER JUDICIÁRIO
COMARCA DA CAPITAL
3ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DE VITÓRIA

PROCESSO: 024.09.003351-5

SENTENÇA

Cuidam os autos de AÇÃO POPULAR ajuizada por JOSÉ CARLOS

GRATZ e RITA DE CÁSSIA ÁVILA GRATZ em face do BANCO DO

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO – BANESTES S/A e MANOEL COSME

PERUZZO, todos devidamente qualificados na inicial.

Nas suas razões (fls. 02/12), em síntese, os autores aduziram que o

Ministério Público Estadual ajuizou inúmeras ações contra o primeiro

autor, cujo fundamento principal era o desvio de cheques do Banestes

emitidos pela Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo – ALES.

Todavia, as assinaturas apostas nos aludidos cheques foram falsificadas, de

modo que os requeridos, ao deixarem de conferir a veracidade das

assinaturas com as já existentes nos cartões de assinatura do banco,

cometeram um grave erro, o que enseja a sua responsabilidade. Ou seja, o


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comportamento adotado pelos requeridos no momento em que os cheques

eram sacados ou depositados fez com que uma vultosa quantia em

dinheiro fosse desviada do patrimônio público.

Com efeito, os autores pugnaram para que os requeridos fossem

condenados a indenizarem ao Estado do Espírito Santo todo o dinheiro

pago irregularmente por meio dos cheques que continham falsificação das

assinaturas do primeiro requerente.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 13/85.

Os requeridos Banestes S/A e Manoel Cosme Peruzzo apresentaram

contestação nas fls. 340/358. Em tal oportunidade, alegaram as

preliminares de litispendência, ausência de interesse-adequação, ausência

de interesse-utilidade, ilegitimidade passiva do requerido Manoel Cosme

Peruzzo, ilegitimidade ativa do requerente José Carlos Gratz e prevenção,

bem como a prejudicial da prescrição. No mérito, por sua vez, alegaram

que as assinaturas presentes nos cheques são idênticas as que estão nos
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cartões de assinatura, de sorte que não se poderia cogitar de

responsabilização do banco pelos suspostos danos causados.

Réplica apresentada nas fls. 1.225/1.243, onde refutaram todas as

preliminares e prejudiciais levantadas, assim como confirmaram os fatos e

fundamentos apresentados na inicial.

Parecer do Ministério Público Estadual nas fls. 1.245/1.263, opinando pelo

acolhimento das preliminares e, em caso negativo, pela improcedência da

demanda.

Decisão nas fls. 1.273 chamando o feito à ordem, tendo em vista que o

Estado do Espírito Santo foi citado nessa demanda, ao passo que não foi

incluído no polo passivo. Assim, determinou que a contestação

apresentada por tal ente fosse desentranhada e que houvesse a intimação

do Estado nos termos do § 3º do artigo 6º da Lei da Ação Popular.

Realizada tais determinações, o Estado do Espírito Santo manifestou-se nas

fls. 1.285/1.315, informando que irá atuar na qualidade de litisconsorte


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passivo. Nesse sentido, alegou, de maneira preliminar, a conexão da ação

com outras demandas, a carência da ação, impossibilidade jurídica do

pedido e ilegitimidade ativa do autor José Carlos Gratz.

Parecer do Ministério Público Estadual nas fls. 1.272/1.273.

É o breve relato dos fatos. Decido.

Da leitura da exordial, observa-se, de forma límpida, que a pretensão dos

requerentes, por intermédio da presente ação popular, é alcançar, por via

indireta, a satisfação de interesses puramente particulares, sob a veste de

pedido orientado ao ressarcimento de alegados danos causados ao

patrimônio público.

Todavia, sabe-se que a ação popular objetiva invalidar comportamentos

administrativos, em princípio ilegais e lesivos aos bens jurídicos (de cunho

coletivo) tutelados, e não a tutelar, de forma oblíqua, interesses

particulares, como o demonstrado nessa demanda, em que se almeja

declarar a falsidade das assinatuas do primeiro requerente nos cheques


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emitidos pela ALES.

Trata-se, com isso, de um forma encontrada pelos autores, especialmente

pelo primeiro autor, de se defenderem dos fatos supostamente cometidos

enquanto este ocupava o cargo de Presidente da ALES. Em outras palavras,

é o manejo de uma ação constitucional com os exatos fundamentos das

suas defesas nas ações de improbidade, mormente a falsidade de

assinaturas, servindo, na verdade, como mais um pano de fundo para sua

defesa.

Inclusive, o valor da restituição pretendido pelos requerentes é justamente

o mesmo valor supostamente desviado pelo autor José Carlos Gratz,

enquanto Presidente da ALES.

Carecem, pois, os requerentes, de interesse processual, na modalidade

adequação, haja vista não figurar a ação popular como instrumento viável

à obtenção da pretensão ora formulada.

Nesse sentido entende a jurisprudência, inclusive do e. TJES, conforme


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dessume-se dos julgados que seguem:

“DIREITO CONSTITUCIONAL,
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. AÇÃO
POPULAR. REMESSA EX OFFICIO. PRETENSÃO
DE ANULAÇÃO DE ATO PÚBLICO ALUSIVO À
DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. DEFESA DE
INTERESSE PARTICULAR. INADEQUAÇÃO DA
VIA ELEITA. SENTENÇA MANTIDA. I). Restou
evidenciado nos autos o nítido propósito de utilização
da ação popular para satisfazer interesse pessoal do
autor (cumprimento de acordo judicial), sem a
pretensão de proteger a coletividade, pelo que, diante da
constatação do desvirtuamento do uso do presente
remédio constitucional, é de ser mantida a sentença que
reconheceu a inadequação da via eleita. II). Remessa ex
officio conhecida e improvida.” (TJES; REO
69080003770; Segunda Câmara Cível; Rel. Des.
Namyr Carlos de Souza Filho; DJES 16/08/2011;
Pág. 72).

“PROCESSO CIVIL E CONSTITUCIONAL.


REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO. AÇÃO
POPULAR. ÁREAS INTERSTICIAIS DO GAMA.
PRETENSÃO DE ANULAR OS ATOS
ADMINISTRATIVOS QUE AUTORIZARAM A
OCUPAÇÃO DOS CHAMADOS "BECOS" DO
GAMA. INDICAÇÃO DE UM ÚNICO
BENEFICIÁRIO DOS LOTES. VIZINHO DOS
AUTORES. COMPROVAÇÃO DA PRETENSÃO
DE TUTELA DOS INTERESSES PARTICULARES.
INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.
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RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO


SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ÔNUS
SUCUMBENCIAIS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DOS
AUTORES. ISENÇÃO LEGAL. SENTENÇA
REFORMADA EM PARTE. 1. A ação popular
objetiva anular ato lesivo ao patrimônio público, à
moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural. 2. A despeito do
evidente prejuízo ao interesse público, ocasionado pelas
ocupações das áreas intersticiais do gama, mostra-se
inadequada a via escolhida, quando demonstrado que
aos autores buscam, na verdade, a desocupação do
terreno vizinho, que se encontra nessa situação. 3. A
ação popular não pode ser utilizada para a proteção de
interesses privados. 4. Ausente a comprovada má-fé,
isento são os autores do pagamento das custas e dos
honorários advocatícios, nos termos do art. 5º, LXXIII,
da CF/88, impondo-se a reforma da r. Sentença, neste
particular. 5. Remessa oficial conhecida e não provida.
Recurso provido.” (TJDF; Rec. 2009.01.1.159572-9;
Ac. 428.137; Terceira Turma Cível; Rel. Des.
Humberto Adjuto Ulhôa; DJDFTE 22/06/2010; Pág.
109).

Cabe ressaltar, ainda, que a causa de pedir remota, em ação popular, deve

residir na demonstração idônea, pelos autores, de que a lide tem por base

um dos interesses difusos que os textos de regência permitem sejam

sindicados nessa sede, ao passo que, no que tange à causa próxima,


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segundo a melhor doutrina1,

“[...] deve o autor indicar e dar ao menos um

início de prova de que um agente público ou

autoridade, dentre os indicados no art. 6º e

parágrafos da Lei 4.717/65, procedendo por ação

ou omissão, lesou (ou está na iminência de lesar) o

erário público, o meio ambiente ou o patrimônio

cultural, lato sensu, ou ainda laborou (ou está na

iminência de afrontar) a moralidade

administrativa”.

Neste passo, cumpre ao autor popular evidenciar com idoneidade e

respaldo em um mínimo de prova, o binômio ilegalidade-lesividade, o

que, in casu, não restou atendido.

O Supremo Tribunal Federal2 já se manifestou no seguinte sentido:

“[…] não basta a lesividade do ato impugnado,

referida ao patrimônio da entidade de direito

público ou de economia mista, senão também a

1 Rodolfo de Camargo Mancuso, in Ação Popular, 6ª ed., São Paulo, RT, 2008, p. 118.
2 RDA 54/325.
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sua nulidade ou anulabilidade”. No voto, ainda

restou salientado: “Somente essa dupla condição

negativa, autoriza a hostilidade do ato pela actio

popularis. Nem se diga que da própria lesividade

do ato decorre a sua invalidade, pois, salvo casos

excepcionais e taxativos, lei alguma declara isso Se

assim fosse, na espécie, não se compreenderia que

o dispositivo constitucional se referisse à nulidade

ou anulabilidade do ato lesivo, pois se a lesividade

fosse condição por si só suficiente, seria

desnecessário e não haveria como distinguir entre

o ato lesivo nulo e o ato lesivo simplesmente

anulável”.

Posicionando-se a respeito, o doutrinador Humberto Theodoro Júnior3

afirma que: “para que o remédio constitucional incida, com êxito, é indispensável

que o ato impugnado seja ao mesmo tempo ilegal e lesivo (arts. 2º e 3º da Lei

4.717/65)”.

Essa tese, segundo o testemunho de Péricles Prade4, continua a ser


3 “Ação Popular e habeas data na nova Constituição Brasileira”. Revista da Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Minas Gerais, out. 1991, n. 33, p. 159.
4 “Lesividade e ilegalidade como pressupostos da ação popular constitucional”. RePro 42, p.
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prevalecente na jurisprudência, pois embora se registrem arestos que

colocam ênfase na lesividade do ato impugnado, fato é, afirma o autor, que

“a grande maioria dos arestos, todavia, além de sublinhar a lesividade,

expressamente alude à ilegalidade”.

Também no Pretório Excelso, Moacyr Amaral Santos5 relatou v. acórdão,

salientando que, pela Lei 4.717/65:

“são pressupostos da ação, sem os quais é inatendível a

pretensão: a) a lesividade do ato ao patrimônio público

(da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos

Municípios, de entidades autárquicas etc.); b) que o ato

lesivo seja contaminado de vício ou de defeito de

nulidade ou anulabilidade”.

No caso presente, contudo, e como já dito, inexiste tanto a ilegalidade

como a lesividade ou mesmo ofensa a princípios regentes da

263 e ss.
5 (RTJ 54/95).
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administração. De observar-se, ainda, que a constatação da ausência do

binômio ilegalidade-lesividade decorre da mera leitura da inicial, ou seja,

de forma evidente, apriorística, sem a necessidade de qualquer instrução

probatória.

Em outras palavras, da própria leitura da inicial e dos documentos que lhe

instruem, já é possível concluir que a pretensão manifestada pelos

requerentes não é precedida de causa de pedir razoável e composta pelos

pressupostos específicos que franqueiam a utilização do especial

instrumento que se cuida.

E, na lição de Rodolfo de Camargo Mancuso6, o “binômio ilegalidade-

lesividade reporta-se à causa de pedir, a qual, como antes afirmado, deve também

ser consultada quando se afere a ‘possibilidade jurídica do pedido’”.

Conforme bem sintetiza Humberto Theodoro Júnior7:

“Ao cidadão é outorgado o direito de deduzir pretensão


6 idem, p. 180.
7 in “Ação popular - Defesa dos interesses de investidores - Títulos de capitalização - Descabimento -
Carência de ação”. Revista Jurídica n. 272, jun. 2000, p. 72.
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no sentido de defesa do patrimônio público afastando

lesão resultante de ato ilegal ou imoral. A tutela do

patrimônio, por sua vez, se dará através da anulação do

ato lesivo e da condenação dos responsáveis à sua

recomposição. Destarte, para que haja a possibilidade

jurídica do pedido - admissibilidade em abstrato da

providência rogada ao órgão judicial - na ação popular,

necessário é que se postule a anulação do ato ao

fundamento de sua ilegalidade/imoralidade e lesividade

e que a condenação se dirija à recomposição do

patrimônio das pessoas jurídicas previstas em lei”.

Nesse sentido, os requerentes figuram, uma vez mais, e por fundamento

autônomo, como carecedores da ação pela inadequação da via e/ou

impossibilidade jurídica do pedido.

Não se visa, assim, na presente demanda, a anulação de um ato de efeito

concreto maculador de algum bem transcendente tutelado pela lei de

regência, ainda que como decorrência de um reconhecimento incidenter

tantum de inconstitucionalidade de norma atacada, mas tão somente, em


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abstrativização incompatível com o instrumento versado, o pedido de

restituição dos valores supostamente desviados da ALES, com fundamento

na ideia de que os requeridos não teriam conferido as assinaturas

presentes nos cheques depositados ou sacados.

Ante o exposto, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE

MÉRITO, com fulcro no artigo 267, VI do CPC, ante a ausência de

interesse-adequação dos requerentes e a impossibilidade jurídica do

pedido.

Sem custas e honorários (STJ-1ª Turma, REsp. nº 28833/RJ, rel. Min. Cesar

Asfor Rocha, j. 01.09.1993, DJ 25.10.1993, p. 22459).

P. R. I.

Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição (Lei nº 4.717/65, art. 19).

Após o trânsito em julgado, com o retorno do processo da segunda

instância, arquivem-se.
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Vitória-ES, 29 de maio de 2012.

GUSTAVO MARÇAL DA SILVA E SILVA

Juiz de Direito

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