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MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM

Prefácio
Misabel de Abreu Machado Derzi

SEGURANÇA JURÍDICA E
LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
POR HOMOLOGAÇÃO
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA
TACITAMENTE VERIFICADA

Belo Horizonte

2016
© 2016 Editora Fórum Ltda.

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I14a Ibraim, Marco Túlio Fernandes

Segurança Jurídica e lançamento tributário por homologação: a homologação


expressa tacitamente verificada / Marco Túlio Fernandes Ibraim; prefácio de Misabel
de Abreu Machado Derzi. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

192p.

ISBN 978-85-450-0107-2

1. Direito tributário. 2. Direito administrativo. 3. Direito constitucional. I. Derzi,


Misabel de Abreu Machado. II. Título.

CDD: 341.39
CDU: 336.2

Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de


Normas Técnicas (ABNT):
IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. Segurança Jurídica e lançamento tributário por
homologação: a homologação expressa tacitamente verificada. Belo Horizonte: Fórum, 2016.
192p. ISBN 978-85-450-0107-2.
Aos meus pais, Francisco e Fátima,
a quem devo, sem dúvida alguma,
cada uma de minhas conquistas.
AGRADECIMENTOS

Começo pelos meus pais, como não poderia deixa de fazer, por
me proporcionarem, com incontáveis renúncias (as quais, sinto, apenas
há pouco tempo realmente compreendi), o ambiente favorável à dedi-
cação aos estudos.

À minha irmã, Naila, por me auxiliar na elaboração deste traba-


lho e, sobretudo, por sempre dividir comigo, com sincera alegria, con-
quistas como esta.

À Clara, minha companheira de vida, não só pelo perene apoio


e ajuda na execução desta obra, mas por demonstrar-me verdadeiro
amor, estando presente nas horas mais difíceis, além de sempre dispos-
ta a me aconselhar.

Ao Professor Werther Botelho Spagnol, agradeço a orientação,


principalmente por propiciar-me a segurança que necessitava à defesa
de minhas conclusões, e também, não poderia deixar de registrar, por
sua dedicação, por vezes paternal, em minha formação profissional.

À Professora Misabel de Abreu Machado Derzi, que engrande-


ce este livro com o prefácio, pela essencial coorientação; suas aulas, ain
da saudosas, foram fundamentais ao direcionamento e ao afunilamento
desta obra, além da novidade de suas conclusões.

Ao amigo Otto Carvalho, pelo constante e franco interesse em


debater as premissas e as conclusões desta monografia, sem o que não
poderia tê-la concluído, e, ainda lembro, por compartilhar comigo a
tensão e a alegria de sua defesa pública.

Também à Daniela Procópio, por seus ensinamentos e conse-


lhos, sempre dados com carinho e paciência, os quais foram vitais à
construção do texto.

E, finalmente, aos amigos e familiares, que entenderam (e en-


tendem) a minha ausência, a mim sempre dolorida, e por festejarem
comigo o término deste trabalho.
Se nos fosse possível ver além do alcance do nosso
saber, e ainda um pouco além da obra preparatória do
nosso pressentimento, talvez suportássemos as nossas
tristezas com mais confiança que nossas alegrias. Pois
elas são os instantes em que algo de novo penetrou em
nós, algo desconhecido; nossos sentimentos se calam em
um acanhamento tímido, tudo em nós recua, surge uma
quietude, e o novo, que ninguém conhece, é encontrado
bem ali no meio, em silêncio.
(RILKE, 2008, p. 74)
SUMÁRIO

PREFÁCIO
Misabel de Abreu Machado Derzi........................................................................ 15

INTRODUÇÃO
Identificação do objeto desta obra........................................................................ 19
Contextualização .................................................................................................... 20
Justificação............................................................................................................... 24
Plano de trabalho.................................................................................................... 26

CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
POR HOMOLOGAÇAO........................................................................................ 29
1.1 Análise da natureza jurídica do lançamento tributário................... 29
1.1.1 Apontamentos sobre as definições constantes de dispositivos
normativos............................................................................................. 29
1.1.2 Lançamento tributário como conceito jurídico-positivo.................. 30
1.1.3 Entendimento da doutrina especializada.......................................... 32
1.1.4 A concepção adotada nesta obra......................................................... 35
1.1.4.1 O ato administrativo............................................................................. 35
1.1.4.1.1 O entendimento da doutrina................................................................ 35
1.1.4.1.2 Interpretação e aplicação jurídica........................................................ 38
1.1.4.1.3 Conceito de ato administrativo adotado............................................ 41
1.1.4.1.4 Estrutura do ato administrativo. Elementos formadores
e seus pressupostos............................................................................... 41
1.1.4.1.5 Prática em uma relação jurídica de administração........................... 50
1.1.4.2 O procedimento administrativo.......................................................... 51
1.1.4.2.1 Evolução da atuação estatal administrativa e o “ato
administrativo perdido”....................................................................... 51
1.1.4.2.2 A relação jurídica administrativa como centro do Direito
Administrativo....................................................................................... 59
1.1.4.2.3 O procedimento administrativo como centro do Direito
Administrativo ...................................................................................... 61
1.1.4.2.4 Compatibilidade entre ambos os modelos: maior adequação à
função administrativa........................................................................... 63
1.1.4.3 O lançamento tributário como ato e procedimento
administrativos...................................................................................... 64
1.1.4.4 O lançamento tributário como relação jurídica administrativa.
A relação jurídica administrativo-tributária...................................... 66
1.2 Lançamento tributário por homologação........................................... 73
1.2.1 Aspectos relevantes do lançamento tributário por homologação....... 74
1.2.1.1 As atividades praticadas pelo contribuinte....................................... 74
1.2.1.2 O lançamento tributário por homologação enquanto ato de
homologação.......................................................................................... 77
1.2.1.3 O enceramento do procedimento de lançamento por
homologação.......................................................................................... 78
1.2.1.4 Eficácia do ato de lançamento por homologação.............................. 80
1.2.1.5 Vinculação e obrigatoriedade do lançamento tributário por
homologação.......................................................................................... 83
1.2.1.5.1 Impropriedades nas definições tradicionais de vinculação e
discricionariedade dos atos administrativos..................................... 83
1.2.1.5.2 Vinculação dos atos administrativos.................................................. 86
1.2.1.5.3 Discricionariedade dos atos administrativos.................................... 88
1.2.1.5.4 O lançamento tributário por homologação é vinculado e
obrigatório.............................................................................................. 89
1.2.2 Estrutura do ato de lançamento por homologação........................... 91
1.2.3 Revisibilidade do lançamento tributário por homologação............ 93

CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA.................................................................................. 99
2.1 A segurança jurídica e o seu conteúdo............................................... 99
2.2 A segurança jurídica ressignificada.................................................. 103
2.2.1 A confiança como instrumento redutor de complexidade............ 105
2.2.1.1 O sistema jurídico funciona com confiança..................................... 109
2.2.2 O advento do Estado Democrático de Direito e a atual
conjuntura Social.................................................................................. 113
2.2.2.1 O insucesso dos modelos Liberal e Social de Estado de Direito........ 113
2.2.2.2 A conjuntura social hodierna: globalização, risco e
ambivalência......................................................................................... 116
2.2.2.3 A segurança jurídica no Estado Democrático de Direito............... 118
2.3 O princípio jurídico da segurança jurídica...................................... 121
2.3.1 Princípio como espécie normativa.................................................... 122
2.3.2 Eficácia do princípio jurídico............................................................. 123
2.3.3 Fundamento do princípio da segurança jurídica no direito
brasileiro................................................................................................ 127
2.3.4 Conteúdo e eficácia do princípio da segurança jurídica................ 128
2.3.5 Normas decorrentes do princípio da segurança jurídica .............. 128
2.3.5.1 A irretroatividade................................................................................ 128
2.3.5.1.1 O princípio/regra da irretroatividade............................................... 128
2.3.5.1.2 Fundamento da irretroatividade no Direito Brasileiro.................. 129
2.3.5.1.3 Particularidade da norma nas relações de Direito Público............ 130
2.3.5.1.4 Conteúdo e eficácia da irretroatividade........................................... 131
2.3.5.2 A legalidade administrativa............................................................... 137
2.3.5.2.1 Fundamento da legalidade no Direito Brasileiro............................ 137
2.3.5.2.2 A legalidade administrativa e sua tríplice dimensão normativa.
Exame de seu conteúdo e eficácia..................................................... 138
2.3.5.2.3 A legalidade administrativa e a concreção do interesse público....... 142
2.3.5.2.4 A legalidade administrativa, o principio da boa administração
e o postulado da proporcionalidade................................................. 144
2.3.5.3 O princípio da proteção da confiança............................................... 146
2.3.5.3.1 Fundamento da proteção da confiança no Direito Brasileiro........ 147
2.3.5.3.2 Particularidade da norma nas relações de Direito Público............ 148
2.3.5.3.3 Conteúdo do principio da proteção da confiança........................... 150
2.3.5.3.4 Requisitos da aplicação do princípio da proteção da confiança:
o que é digno de proteção.................................................................. 151
2.3.5.3.5 Medidas de proteção da confiança.................................................... 154
2.3.5.3.6 Eficácia do princípio da proteção da confiança............................... 156
2.3.5.4 O princípio da boa-fé objetiva............................................................ 157
2.3.5.5 O princípio da moralidade administrativa...................................... 159
2.3.5.6 A legalidade e os princípios da proteção da confiança, da boa-fé
objetiva e da moralidade administrativa.......................................... 160
2.3.5.7 O interesse público e os princípios da proteção da confiança, da
boa-fé objetiva e da moralidade administrativa.............................. 161

CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA.............. 163
3.1 Quanto ao primeiro questionamento: o termo de encerramento é
sim ato de lançamento por homologação........................................ 163
3.1.1 A homologação expressa é ato administrativo vinculado............. 163
3.1.2 Sob o ponto de vista da estrutura do ato administrativo:
confronto entre o ato de homologação e o ato de encerramento
de procedimento fiscalizatório.......................................................... 168
3.1.3 A “relação jurídica administrativo-tributária”................................ 171
3.2 Quanto ao segundo questionamento: revisibilidade do termo de
encerramento de efeitos homologatórios......................................... 172
3.3 Em arremate: a confiança sistêmica e o lançamento tributário por
homologação........................................................................................ 173

CONCLUSÕES...................................................................................................... 177

REFERÊNCIAS.................................................................................................. 187
PREFÁCIO

O estudo científico do Direito Tributário brasileiro, no


passado e no presente, enfrentou e enfrenta variados obstáculos, em
certo sentido, pendulares. A busca pelo equilíbrio é difícil. Romper
com a subordinação do Direito Tributário às Ciências Contábeis,
à Economia do setor público e à Política, foi conquista evolutiva,
que não admite retrocessos. Isso não significa, não obstante, como
tantas vezes explicou Niklas Luhmann, construtor da teoria dos
sistemas autopoiéticos, que, embora o Direito, operacionalmente,
somente receba comandos normativos do próprio sistema jurídico,
característica essencial do Estado de Direito, não se comunique com
outros sistemas cognitivamente, por meio da busca do sentido, da
melhor interpretação na cadeia rica de signos e significações dos
enunciados linguísticos em que as normas são expressas. Por um
lado, o sistema jurídico se alimenta – no seu input – de normas novas,
postas em leis, projetadas para dentro por meio do sopesamento,
feito pelo legislador, de interesses variados (políticos, econômicos,
sociais), convertendo-se em conceitos, categorias e institutos jurídicos
com que o operador passa a lidar. Por outro lado, a busca cognitiva
do sentido das normas, em face de conflitos em casos concretos, nos
limites daqueles conceitos e categorias, é cognitivamente aberta e
finalisticamente comprometida com valores e princípios postos pelo
legislador, o que alimenta o seu output.
O cuidado necessário com a dimensão “técnica” – contábil,
econômica ou político-social – do Direito Tributário submete-se à
Constituição e às lições da Dogmática jurídica, que norteiam e orientam
a própria leitura do sistema. Tal dimensão deve servir aos grandes
valores e princípios constitucionais (jamais o inverso), aos direitos e às
garantias individuais e sociais para executá-los e concretizá-los.
Ora, a escolha e a delimitação de um problema são o ponto
de partida de toda pesquisa, e erros aí cometidos contaminam
todo o restante do trabalho. A contrario sensu, um problema bem
identificado e delimitado é passo importante para a produção de
um trabalho relevante e bem fundamentado. Por vezes, o bom
pesquisador encontra um problema relevante numa dúvida que já
foi respondida por outros, mas merece revisões. Enfim, problemas
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
16 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

podem se revelar em meio a temas não explorados, mas também


podem ser encontrados em meio a temas já debatidos e conhecidos.
Este último caminho foi o escolhido pelo autor deste profícuo
e elevado livro. Como centro temático à indagação científica, o autor,
advogado e professor, escolheu o lançamento por homologação,
tema que, embora amplamente debatido pelos estudiosos do Direito
Tributário brasileiro, não mereceu – quanto à homologação tácita
ou implícita – um exame acurado de suas consequências, sobretudo
iluminadas pela segurança, proteção da confiança e boa fé. Em geral,
a Dogmática somente apontava a prática fazendária criticável de, após
meses ou anos de investigação e verificação na escrita e documentação
do contribuinte, ali não encontrando erro ou ilicitude, a Administração
meramente lavra um termo de encerramento, sem expressamente
homologar-lhe o lançamento. A ausência de homologação expressa, em
tal contexto, não se equipara a uma homologação (implícita), ficando
vedadas novas verificações para mesmo período e fatos já investigados,
como sói acontecer em outros Países e ordens jurídicas?
Ao enfrentar o problema, o autor repete o cuidado de outros
estudiosos do lançamento tributário e realiza bom estudo bibliográfico
sobre os conceitos de Direito Administrativo, para então, a partir
de sua perspectiva, considerar o lançamento tributário como ato
administrativo relativo às ações constantes do art. 142 do CTN e à
homologação da atividade do contribuinte, conforme o caso; e também
como relação jurídica administrativa, em que Estado e cidadão, Fisco e
contribuinte, se equivalem como portadores de deveres e direitos, não
mais num esquema ultrapassado de submissão deste perante aquele.
Ademais, propõe que o art. 142 do CTN, pela via da interpretação
literal ou argumentação linguística, combinada com interpretação ou
argumentação sistemática (levando em conta o art. 150 do CTN), deve
ser lido como norma que estabelece competência privativa não do
procedimento de lançamento, mas da constituição do crédito tributário,
reafirmando, assim, que a atividade praticada pelo contribuinte e
sujeita à homologação constitui-se, per se, como procedimento de
lançamento tributário; na mesma esteira, defende, a exemplo de
outros estudiosos do Direito Tributário, que o que se homologa não é o
pagamento (ou a falta dele), mas a atividade realizada pelo contribuinte
(que pode resultar em pagamento ou não).
Essencialmente, argumenta que, realizada a fiscalização, cabe
à Administração lançar de ofício ou, caso não tenha entendido haver
nenhuma irregularidade, homologar a atividade do contribuinte.
PREFÁCIO 17

Em vários países, entre eles a França, por ex., a declaração oficial


de inexistência de irregularidade é direito do contribuinte, certo
e exigível, ficando a Fazenda Pública obrigada à prática do ato e
restando impedida de realização de outra verificação fiscal pelo mesmo
período e em relação ao mesmo tributo. O termo de encerramento da
ação fiscal desempenhará o mesmo papel da homologação expressa,
por duas razões principais: em primeiro lugar, porque similar a ela
quanto aos elementos e aos pressupostos de existência e de validade;
em segundo lugar, porque no contexto de uma relação jurídico-
tributária democrática, em que Fisco e contribuinte possuem, ambos,
direitos e deveres, a homologação é a justa contrapartida do fato de
o contribuinte ter feito o que lhe cabe. Nas palavras do autor: “com
a evolução dos paradigmas constitucionais, em que se reconhece a
força normativa dos direitos e das garantias individuais, bem assim
a democrática exigência de participação do particular na função
administrativa, a atividade estatal já não mais se desenvolve sob
a (unilateral) perspectiva do ato administrativo; ganham força (e
centralidade), o “procedimento administrativo” e a “relação jurídica
administrativa”, que melhor retratam o atual contexto normativo. Esta
relação jurídica “administrativo-tributária”, que se desenvolve sob a
perspectiva do procedimento – e aqui está outra razão para encarar o
“lançamento” como tal – é preenchida com a extensa gama de direitos
a que fazem jus os contribuintes. É dizer, os direitos e deveres dessa
relação não estão todos expressa e diretamente previstos; na realidade,
a maioria deles é sacada de normas jurídicas gerais, de proteção do
cidadão em face do Estado. Do princípio da boa-fé objetiva, também
se viu, vários deles são extraíveis, conforme já observou Misabel Derzi
(2009), em análise dos estudos de Antônio Menezes Cordeiro. Dentre
os citados, dois deles assumem grande relevância à presente análise:
os deveres de lealdade e de cooperação, que impõem às partes o
dever de não frustrar as expectativas umas das outras. Há expectativa
maior do contribuinte, que cumpre com os seus deveres em sede de
lançamento por homologação, do que a própria homologação?” (p.
156). É claro que não, complementamos, sendo interessante constatar
o desenvolvimento argumentativo desta obra.
O leitor tem à sua disposição, portanto, um bom estudo
de Dogmática jurídico-tributária com características próprias no
tratamento do já muito debatido tema do lançamento tributário,
e com originalidade no enfrentamento de um problema específico
seguramente menos analisado, e que, de fato, merece ser observado
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
18 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

e desdobrado. Ele representa o difícil equilíbrio a que nos referimos


antes, conciliando Dogmática jurídica de um sistema fechado,
com argumentação aberta a valores e a princípios constitucionais
expressos e implícitos.
Saudamos com júbilo o advento desta obra Segurança jurídica e
Lançamento Tributário por Homologação, que veio preencher uma lacuna
na literatura jurídica nacional e que representa um desafio a novas
pesquisas e reflexões. Parabenizamos a Editora pela feliz iniciativa de
trazer à luz este livro que, certamente, tornar-se-á consulta obrigatória
de estudantes, professores, advogados e cientistas do Direito.

Misabel de Abreu Machado Derzi


Profa. Titular de Direito Tributário e Financeiro
da UFMG. Profa. Titular de Dir. Tributário das
Faculdades Milton Campos – MG. Pres. Honorária da
Associação Bras. Dir. Tributário (ABRADT). Membro
da Fondation des Finances Publiques – FONDAFIP/Paris.
INTRODUÇÃO

Identificação do objeto desta obra


A presente obra é fruto de trabalho de mestrado concluído nos
idos de 2010.1 Na ocasião, pretendeu-se determinar limites à atividade
fiscalizatória estatal quanto aos tributos sujeitos ao lançamento por
homologação (art. 150 do Código Tributário Nacional), a serem extraídos
do seu regime jurídico específico. Especificamente, foram colocados em
análise os atos estatais que encerram os procedimentos administrativos
de fiscalização de tributos.
Como sabido, nas exações submetidas ao lançamento por homologação,
as atividades de aferição da ocorrência do fato gerador, de identificação
da matéria tributável e de cálculo do tributo, além do seu pagamento, são
exclusivamente realizadas pelo sujeito passivo da obrigação tributária. Ao
sujeito ativo, nessa hipótese, cabe apenas fiscalizar o cumprimento dos deveres
fiscais, homologando a atividade do sujeito passivo, quando houver a integral
observância da obrigação tributária, ou lhe exigindo o tributo, acrescido dos
consectários legais, nas situações de descumprimento.
A experiência empírica demonstra, todavia, que o ente público
credor, quando em face de situações de completo adimplemento, não
exercita o ato homologatório. A doutrina critica a prática, mas não
costuma oferecer-lhe soluções jurídicas. Coêlho,2 por exemplo, condena
o comportamento, ao afirmar, com ironia, que “[...] em toda nossa vida,
jamais vimos uma homologação formal integral de pagamento feito pelo
contribuinte”. No entender do autor “[...] a homologação não interessa à
Administração”, pois esta prefere deixar correr o prazo de cinco anos “[...]
com o fito de fiscalizar quantas vezes queira e, eventualmente, expedir
lançamentos ditos “suplementares”, de ofício. É mais eficaz e cômodo”.
Não se tem notícia, todavia, de escritos em que se tenha proposto
soluções de ordem jurídica para a questão. De fato, as críticas doutrinárias
empreendidas são, em sua maioria, de natureza política ou ideológica,
havendo poucos estudos que tenham enfrentado o tema sob uma
perspectiva normativa, de modo a legitimar ou a condenar dita conduta
estatal com base em argumentos estritamente jurídicos.

1
IBRAIM. Segurança Jurídica e Lançamento Tributário por Homologação: a homologação expressa
tacitamente verificada. Dissertação, 2010.
2
COÊLHO. Curso de Direito Tributário brasileiro, p. 797.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
20 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Desejou-se, pois, com o trabalho de mestrado, examinar a questão


sob esse viés, buscando-se trazer subsídios exclusivamente arrimados no
ordenamento jurídico nacional, que fossem suficientes, ou para aquiescer
com a prática estatal, dando-a por válida, ou para repudiá-la, por ilegal e/
ou inconstitucional. Na esteira do objetivo geral, procurou-se responder a
dois questionamentos específicos, a saber:
(i) findo o procedimento fiscalizatório de tributos sujeitos ao lançamento
por homologação (o qual há de ter prazo previamente fixado, a teor
do art. 196 do Código Tributário Nacional), o termo que formaliza o
encerramento, ato administrativo,3 tem efeitos homologatórios em
relação ao(s) período(s) fiscalizado(s), mas não autuados, é dizer,
dito termo é materialmente ato de homologação?
(ii) em caso positivo, o ato administrativo de homologação pode
ser revisado pela Administração Pública? Quais são os limites?
As questões suscitadas foram encaradas de maneira comprometida
com a nova ordem constitucional e em atenção às exigências advindas da
conjuntura social hodierna. Ciente do atual contexto normativo, em que
prevalecem a desregulação, a simplificação irresponsável, a incerteza e a
insegurança,4 a dissertação examinou a atuação estatal fiscalizatória sob a égide
da segurança jurídica, valor fundante do Estado de Direito brasileiro (art. 5º,
caput, da CRFB), bem como de princípios a ele correlatos, notadamente os da
legalidade, da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva.
Este livro se destina, dessa forma, a expor as conclusões então
obtidas (e os respectivos fundamentos), a fim de se apresentar o que se
denominou de “homologação expressa tacitamente verificada”.5 Antes,
contudo, de se seguir ao enfretamento propriamente dito do assunto,
entende-se por adequado contextualizá-lo e justificá-lo, além de apresentar
o correspondente plano de trabalho.

Contextualização
Discorrer sobre o lançamento tributário não é tarefa das mais fáceis.
O exame da literatura jurídica específica revela que o tema ainda é de
intricada compreensão e sistematização, afigurando-se, para alguns, como

3
Como é, por exemplo, o “Termo de Encerramento de Ação Fiscal”, denominação costumeira-
mente atribuída pelas Administrações Tributárias para o ato administrativo que formaliza o
fim de uma fiscalização.
4
DERZI. Pós-modernismo e tributos: complexidade, descrença e corporativismo, 2004.
5
Observe-se, também já logo, que a melhor doutrina já tem acolhido a tese aqui apresentada.
Misabel Abreu Machado Derzi, em sua última atualização da clássica obra de Aliomar Baleeiro
(2013), a incorpora expressamente.
INTRODUÇÃO 21

um dos “[...] pontos que mais polêmicas têm suscitado na teoria do Direito
Tributário”.6 Já se afirmou, aliás, que o “[...] tema é sabidamente difícil...”,
pois significa, em última análise, “[...] pensar no problema de aplicação
do direito ao caso concreto, [...] cogitar da incidência jurídica e de todas
as vicissitudes que lhe são inerentes”.7
O assunto, no entanto, conquanto aturado – ou justamente por ser
dessa forma – já mereceu a atenção de inúmeros e renomados estudiosos,
tanto destas terras, a exemplo de Nogueira (1973), Carvalho (2008b) e
Borges (1999), como oriundos do velho continente, com destaque para
os italianos, espanhóis e portugueses, em meio aos quais podemos citar,
apenas ilustrativamente, Gianini (1968), Berliri (1964), Taboada (1991),
Sanches (1995) e Xavier (1997). É fato, pois, conforme adverte este último
autor, que o lançamento tributário, embora não “[...] tenha estado sempre
no cerne das principais preocupações da doutrina [...]”, passou, com
a reabilitação do direito tributário formal,8 que é por ele creditada à
Allorio (1942), a ser insistentemente estudado.9 Sustentou-se, à época,
inclusive, uma verdadeira mudança de rumo do estudo da disciplina:
para Dominguez, “[...] o direito tributário muda de eixo nestes últimos
tempos e deixa de ser primordialmente um direito do fato tributário
para passar a ser um direito do lançamento do tributo [...]”.10 É visível,
pois, na ocasião, a alteração de focos. É nesse momento, aliás, que surge
e ganha força a clássica e possivelmente interminável peleja a respeito da
eficácia do lançamento, se meramente declaratória do crédito tributário,
ou se hábil a constituí-lo.11 E, também, um pouco mais a frente, o debate
sobre a natureza jurídica dessa figura, oscilante, entre outras, a de um
simples ato administrativo, a de um procedimento administrativo, ou,
ainda, a de uma fattispecie de formação sucessiva.12

6
BORGES. Lançamento tributário, p. 13.
7
DE SANTI. Decadência e prescrição no direito tributário, p. 18.
8
Xavier (1997, p. 6) esclarece, a esse respeito, que a partir do citado ensaio “[...] correntes
de princípio restritas, mas hoje generalizadas e influentes, que põem, em causa, nos seus
próprios alicerces, os ensinamentos tradicionais da doutrina tributarista, preconizando
uma orientação que atenda mais de perto às relações e à interdependência entre
direito substancial e direito processual e entre dinâmica da obrigação tributária e a
atividade administrativa do Fisco; ou seja, preconizando uma reabilitação dos aspectos
administrativos e processuais do ordenamento tributário, subalternizados no campo pobre
do “Direito formal”.
9
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 6.
10
DOMINGUEZ apud XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo
tributário, 1997, p. 7.
11
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 6-7.
12
BORGES. Lançamento tributário, p. 86.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
22 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Esse mesmo processo de transição, identificado por Xavier13 no


contexto do Direito europeu (principalmente no de origem italiana), é
igualmente constatado por Borges,14 na doutrina nacional, ao prefaciar
“Do lançamento tributário: execução e controle”.15 O professor pernambucano
destaca que o estudo do tributo, por longo período, desde os seus
“tempos heroicos”, com Aliomar Baleeiro, Rubens gomes de Souza e
Gilberto de Ulhôa Canto, passando por construções mais recentes, porém
ainda clássicas, de Geraldo Ataliba e Amílcar de Araújo Falcão, esteve
pesadamente adstrito, também sob influência italiana, “[...] ao chamado
‘Direito Tributário Material’, ora pela ‘glorificação do fato gerador’, ora pela
consideração da hipótese de incidência tributária”.16 E as letras tributárias
realmente se circunscreveram, por bom tempo, ao exame específico do
surgimento do dever de pagar tributos, seara em que a evolução teórica
da dogmática jurídica pátria é, ainda hoje, nitidamente maior.
Para Borges, somente com os estudos de Nogueira (1973), na transição
dos anos 60 para os 70, é que as categorias do chamado “Direito Tributário
Formal” deixaram de ser relegadas a plano secundário, passando a gozar
de maior interesse e relevância acadêmicos.17 Daí em diante, de fato, um
número considerável de obras específicas sobre o lançamento tributário foi
publicado, em especial nas décadas de 80 e 90, nas quais vieram a lume os
festejados trabalhos, alguns já citados, de Carvalho (1996), Xavier (1997), De
Santi (1997), Borges (1999) e Hovarth (1999). Todos esses, é de se salientar,
comprometidos com o aprofundamento no exame dos aspectos formais-
procedimentais do lançamento tributário, de maneira a preencher as também
por eles reconhecidas lacunas na produção científica sobre o tema.
O estudo, enfim, da instigante figura, com o advento do
formalismo jurídico, adensou-se sobremaneira, tanto aqui, quanto
noutras bandas. Tal foi a importância que assumiu, que doutrinadores
de escol, a exemplo de Berliri,18 passaram a considerá-lo como o “[...]
problema base do Direito Tributário...”. Foi ainda tido por “questão
central” e por “fulcro” desse campo do conhecimento, segundo dá
notícia Xavier.19 E, talvez por isso mesmo, por essa verdadeira exaltação
do lançamento tributário – que, como dito, redundou em rica e extensa
produção teórica a seu respeito – que se passou, mais recentemente, a se

13
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 86.
14
BORGES. Loc. cit.
15
MAIA. Do lançamento tributário: execução e controle, 1999.
16
MAIA. Op. cit., p. 7.
17 MAIA. Loc. cit.
18
BERLIRI. Principii di Diritto Tributario, p. 04.
19
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 9.
INTRODUÇÃO 23

preconizar a sua decadência, que seria acompanhada pelo desinteresse


de se prosseguir com sua investigação científica.
Todavia, ainda que se possa creditar esse desapego pelo lançamento
tributário ao (suposto) exaurimento de sua análise teórica (de fato, não há
como dizer que o tema já foi bastante estudado), aqueles que preconizam
tal perda de prestígio, como Fantozzi (1988), Oliveira (1988) e Sanches
(1995), atribuem-na à constatação de sua inutilidade (do lançamento) no
mundo moderno, ante a crescente generalização dos tributos submetidos
a sistemáticas de recolhimento que independem da atuação estatal para
se efetivar. Conforme destaca o primeiro autor, a complexidade dos dias
atuais, marcada pelo pluralismo e pelo avanço tecnológico, provocou
a necessidade de simplificação e a otimização da aplicação das leis
tributárias,20 o que conduziu a fenômenos que alcunhou de “privatização
da gestão fiscal” e “administração de massas”.21 Ou seja, para o autor,
os tempos modernos exigiram, concomitantemente, gestão tributária
generalizante e compartilhada com o indivíduo. E o lançamento, neste
novo contexto, perdeu espaço, eis que se tornou, na maior parte dos casos,
desnecessário para as atividades estatais que outrora dele dependiam:
as de cobrança e de arrecadação tributárias.22 O lançamento passou,
então – conclui o jurista – a desempenhar o papel secundário e de caráter
excepcional, volvendo-se em instrumento de intervenção sancionatória do
Estado destinada a corrigir ilícitos fiscais.23
E é escorada na predominância dos tributos submetidos ao
nosso “lançamento por homologação” (ou “sem lançamento”, “ou
autolançados”), que dita corrente propala o “declínio do ato tributário”,24
que levaria, necessariamente, ao arrefecimento de sua relevância
doutrinária e científica. 25 Sendo sua prática meramente eventual,
inexistiriam, ao entender da corrente, motivos hábeis a justificar a
concentração de esforços na sua apreensão teórica.

20
A respeito do assunto, vide DERZI (1998; 2004).
21
SANCHES. A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e
avaliação administrativa, p. 114-155.
22
É interessante observar como, não há muitos anos, o lançamento tributário era encarado de
maneira assaz distinta, como se vê do seguinte trecho, retirado da “Teoria do Lançamento
Tributário”, de Nogueira (1973, p. 30): “Basta lembrar que, se ‘abstratamente’ não pode existir
tributo sem lei que o institua e, se, ‘objetivamente’ não pode existir tributo sem a ocorrência
do fato gerador, ‘subjetivamente’ não pode ser efetivada a arrecadação ou o pagamento de
nenhum tributo sem a sua apuração, cálculo e identificação do contribuinte, que são funções
específicas do lançamento”.
23
SANCHES. A quantificação da obrigação tributária: deveres de cooperação, autoavaliação e
avaliação administrativa, p. 23-35.
24
Para fazer referência a como SANCHES (1995, p. 169) denomina o fenômeno.
25
Sobre a questão, vide XAVIER (1997, p. 17).
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
24 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

A doutrina, no entanto, como se verá adiante, não é pacífica quanto


ao proclamado declínio do lançamento tributário. De qualquer forma, é
nesse cenário acima traçado que se insere qualquer estudo a respeito do
tema: é assunto sabidamente difícil, já supostamente apreciado à exaustão
e, para muitos, irrelevante sob o ponto de vista acadêmico. De se questionar,
pois, por que insistir em sua pesquisa.

Justificação
O lançamento tributário não é categoria jurídica esgotada,
mesmo que uma análise apressada permita tal conclusão. Não se nega a
existência de inúmeros trabalhos sobre a matéria. Estudos, inclusive, que
se pretenderam teorias gerais e que, por essa condição, teriam que ser, ao
menos em tese, minimamente abrangentes. A bibliografia, no entanto, ainda
é lacunosa, principalmente em aspectos não diretamente relacionados com
a relação jurídica tributária, conforme nota Xavier.26 Não é por outra razão
que também sustenta que é “[...] tão vasta e desigual a bibliografia sobre
certos pontos do regime do lançamento e tão escassa quanto a outros [...]”,
que se deve estar atento para não se levar a efeito, quando do estudo do
tema, construção teórica desequilibrada.
Mesmo que o incremento no estudo do lançamento tributário tenha
se dado com o advento do “Direito Processual Tributário”, são temas
afeitos a essa (por assim dizer) grande área que ainda demandam maior
investigação científica. Não se está, no entanto, a afirmar que não se avançou
nessa seara. Obras inteiras sobre o tema foram publicadas há alguns anos,
como acima se destacou. Mas o assunto está longe de ter sido extenuado.
Questões como a fiscalização e o controle do lançamento tributário, ou a
sua caracterização como ato e/ou procedimento e as consequências disso,
temas estreitamente ligados ao Direito Administrativo, são exemplos
dessa nova alternativa de estudo. Borges já asseverou, inclusive, faz
apenas alguns anos, que a doutrina administrativista é campo fértil para
o progresso no estudo do lançamento, notadamente para se derrubar
velhos preconceitos teóricos, a exemplo da qualificação de tal figura
jurídica como procedimento administrativo.27 E Xavier,28 também não
há muito tempo, ao destacar a importância de se enfrentar “[...] pontos
centrais da dogmática do lançamento, como a delimitação do seu conceito,
a determinação de suas espécies, a análise do seu procedimento de

26
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 17.
27
MAIA. Do lançamento tributário: execução e controle, p. 8.
28
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 16.
INTRODUÇÃO 25

formação, a averiguação do seu conteúdo típico...”, observou que estão


enganados os que pensam que o lançamento não deixou “[...] terrenos
virgens para se desbravar...”.
A relevância do exame do lançamento sob essas perspectivas se
acentua ante a nova ordem constitucional instaurada. É cediço que a
conformação jurídica de nosso lançamento data da década de 60, ocasião em
que se publicou o ainda vigente Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66).
A Constituição do país, por sua vez, foi proclamada apenas ao final da década
de 80, mais de vinte anos depois. E a Carta instituiu, como é de sabença geral,
um novo Estado de Direito, o Democrático, que é marcado por sua feição
garantística e participativa. Sendo, pois, o lançamento, um meio de ingerência
direta do Poder Público no ambiente privado, eventualmente conducente
à imposição de sanções fiscais (em regra atentatórias ao patrimônio do
cidadão), mostra-se especialmente relevante o seu exame em face do novo
contexto constitucional que, vale repetir, distingue-se dos anteriores pela
intensa e ampla proteção do indivíduo e pela viabilização e estímulo da
participação deste no desempenho da função administrativa.
E não é só. A par da instauração de nova ordem constitucional, a
presente conjuntura social e normativa, em que preponderam, em clara
substituição de paradigmas, “[...] a ausência de regras, a permissividade, a
descrença generalizada, a incerteza e a indecisão [...]”29 exacerba, ainda mais,
a proeminência do estudo do tema. Derzi destaca que, em tal contexto, sob
uma deturpada concepção de praticidade – essencialmente simplificadora
da atividade de aplicação das leis – valores e princípios caros ao Direito,
como a segurança jurídica, a igualdade e a capacidade contributiva, têm
sido desacreditados e marginalizados, gerando um estado de completo
abandono dos compromissos do Estado Democrático de Direito e, como
consequência, a perda da força normativa da Constituição.30 A confiança no
Direito, que, segundo a catedrática mineira, haveria de informar qualquer
sistema jurídico como verdadeiro componente estruturante, acaba por ser
posta de lado, passando a prevalecer o seu contrário, a desconfiança, a
qual é, a seu turno, elemento desestruturador do Direito. E o lançamento
tributário, por estar intimamente ligado a ideais jurídicos de certeza,
estabilidade e previsibilidade, conforme será mais bem exposto no decorrer
desta obra, tem seu relevante papel realçado nesse novo cenário.
Como se vê, o exaurimento doutrinário da matéria é apenas aparente.
A análise acurada do tema descortina, ao avesso, a proficuidade e a
importância de sua apreciação.

29
DERZI. Pós-modernismo e tributos: complexidade, descrença e corporativismo, p. 68.
30
DERZI. Op. cit., p. 70.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
26 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

E são por essas razões que não se acredita estar-se diante do declínio
teórico do lançamento tributário, denotativo de sua irrelevância acadêmica.
Tampouco, aliás, de sua decadência normativa, que tenderia a sua extinção.
Se o lançamento está se tornando desnecessário para a verificação concreta
de efeitos que, em momento anterior, estavam a ele vinculados (como
os de acertamento e exigência do crédito tributário previamente ao seu
recolhimento), outros ainda lhe são dependentes, como os inerentes às
atividades de controle e de fiscalização praticadas pela Administração
Pública. Se o desprestígio científico do lançamento é produto de tal
aparente inutilidade (e a ciência, não se desconhece, deve prender-se à
realidade, ser útil), ele é um desprestígio infundado, desmotivado, eis
que efeitos normativos outros ainda são dele extraídos, os quais, aliás, são
exatamente aqueles que carecem de maior análise teórica.
Insista-se, pois, que o declínio anunciado é ilusório. O que há – e
precisa haver, como já conclamaram mestres como Borges (1999) e Xavier
(1997) – é uma mudança de foco, comprometida com a atual realidade
normativa, social e institucional. O estudo do lançamento tributário, assim,
não está esgotado e tampouco em derrocada. Ao contrário, a sua análise,
além de oportuna, é necessária.
E o tema específico deste livro – examinar a natureza e os efeitos do
ato administrativo que encerra procedimentos de fiscalização tributária –
insere-se, com perfeição, nos cenários dogmático-jurídico e jurídico-positivo
acima traçados. Trata de matéria ainda não exaurida – a atuação estatal
administrativa na seara tributária – que se intenta examinar de maneira
comprometida com as exigências conjunturais de restauração da força
normativa da Constituição.

Plano de trabalho
Para responder os questionamentos propostos, realizou-se
investigação científica essencialmente focada no Direito positivo; foi-se à
regulamentação do lançamento tributário no Código Tributário Nacional
e, ainda, à Constituição da República. Na condição de categoria jurídico-
positiva, o lançamento tributário não poderia ser analisado de maneira
distinta (essa ideia ficará mais clara adiante). Como fruto de tal verificação,
obteve-se premissas que podem ser divididas em dois grandes grupos:
(i) No primeiro grupo, tem-se o regime jurídico aplicável ao
lançamento tributário por homologação a partir do Código
tributário Nacional. Como já antecipado, o exame da literatura
sobre o tema demonstra que ainda existe considerável divergência
a respeito da interpretação das regras específicas a essa figura
INTRODUÇÃO 27

jurídica. Por isso, fez-se necessário revisitar os dispositivos e


as respectivas teorias, a fim de se fixar as premissas a serem
adotadas neste trabalho (i. é, o entendimento do autor). Como
essas considerações são fundamentais à compreensão de todos os
comentários subsequentes, sua exposição é feita primeiramente,
já no capítulo seguinte (Capítulo 1).
(ii) No segundo grupo, apresenta-se o regime jurídico aplicável ao
lançamento tributário por homologação com base na Constituição
da República. Ainda que soe óbvio, é preciso gizar, já logo, que
qualquer ato/procedimento de lançamento tributário deve
ser/estar em consonância com o Código Tributário Nacional
(CTN) e, igualmente, com o texto constitucional. A partir disso,
buscou-se identificar qual seria o conteúdo do regime jurídico
constitucional aplicável ao tipo jurídico. Esse ordenado normativo
foi essencialmente extraído do princípio da segurança jurídica
(e subprincípios decorrentes), tendo em vista que o lançamento
tributário por homologação, principalmente ele, é regra
jurídica indiscutivelmente voltada para a concretização dos
ideais normativos de estabilidade e previsibilidade (conteúdo
duro de tal norma principiológica). Esse, por assim de dizer,
regime jurídico constitucional do lançamento tributário por
homologação é apresentado no Capítulo 2.
Estabelecidos esses pressupostos, o enfrentamento das duas
indagações iniciais pôde ser realizado, precisamente no Capítulo 3. Nele,
expõe-se as respostas obtidas. Primeiro, que o ato administrativo que encerra
procedimentos de fiscalização tributária é, sim, quanto ao(s) período(s)
fiscalizado(s), mas não autuado(s), materialmente lançamento tributário por
homologação. Segundo, que este é revisável, pois, na condição de lançamento
tributário, submete-se aos ditames dos arts. 145, 146 e 149 do CTN. E os
limites à revisão são aqueles previstos nesses próprios dispositivos legais
e, igualmente, nas normas constitucionais aplicáveis.
Ao final, como último capítulo, as conclusões do trabalho são
arroladas de forma sistematizada.
CAPÍTULO 1

O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO
POR HOMOLOGAÇAO

Neste capítulo, expõe-se, incialmente, a natureza jurídica do


lançamento tributário (item 2.1.), para, na sequência, apresentar-se os
contornos do lançamento tributário por homologação (item 2.2.).

1.1 Análise da natureza jurídica do lançamento tributário


Antes de se revelar a concepção adotada por estes estudo, entende-
se necessário fazer algumas considerações sobre as definições jurídicas
trazidas em dispositivos normativos (subitem 2.1.1.), apontar os artigos
do CTN pertinentes à presente apreciação (subitem 2.1.2.) e a opinião da
doutrina especializada (subitem 2.1.3.).

1.1.1 Apontamentos sobre as definições constantes de


dispositivos normativos
O propósito de uma definição legal (conceito jurídico-positivo) é
aclarar o seu significado, eliminando a sua vagueza, a fim de facilitar a
interpretação e a aplicação dos dispositivos normativos que trazem o termo
definido em seu conteúdo, assegurando a sua eficácia e a dos valores que
lhe servem de base.1 Não tem, pois, como finalidade imediata, a apreciação
teórico-científica; volta-se para a eficácia do preceito jurídico.
Como decorrência de seu objetivo primordial, a definição legal, quando
existente, vincula intérpretes e aplicadores, fazendo o mesmo, indiretamente,
em relação aos cientistas do direito, que devem descrever o direito positivo
como ele é.2 Em outros termos – e focando-se no lançamento tributário – é de

1
DE SANTI. Lançamento tributário, p. 142.
2
BORGES. Lançamento tributário, p. 97; DE SANTI. Lançamento tributário, p. 142.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
30 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

se salientar que o intérprete-aplicador do Direito não pode qualificar como


lançamento o que a lei competente, para defini-lo, não qualificou.
A definição legal, ademais, não precisa constar de um único
dispositivo específico. Ela pode ser extraída de uma multiplicidade deles,
tal qual ocorre com a norma jurídica, que não é necessariamente produzida
a partir de um só enunciado linguístico.3
Por fim, a correta significação do termo empregado em um
dispositivo somente será apreendida em função do contexto de sua menção.
A advertência é importante principalmente para termos como o lançamento
tributário (que, conforme se verá, apresenta várias definições legais), caso
em que a significação correta somente será obtida a partir do contexto.4

1.1.2 Lançamento tributário como conceito jurídico-positivo


O lançamento tributário, conceito jurídico-positivo,5 encontra-
se definido em vários dispositivos do Código Tributário Nacional.6 O
principal deles é o art. 142, que busca estabelecer a acepção geral:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito
tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo

3
BORGES. Lançamento tributário, p. 99.
4
DE SANTI. Lançamento tributário, p. 146.
5
“A definição de lançamento formulada pelo art. 142 do CTN pode ser identificada como um
conceito jurídico-positivo, no sentido de que corresponde apenas a uma construção dessa
categoria normativa pelo Direito Positivo brasileiro. É uma noção – a de lançamento – que
somente pode ser obtida a posteriori, no sentido de que apenas poderá ser apreendida após o
conhecimento de um determinado Direito Positivo. Somente será apreensível empiricamente,
isto é, a partir do conhecimento que se tenha do ordenamento jurídico brasileiro. O conceito de
lançamento no Direito Brasileiro não corresponde ao conceito que é adotado, e. g., pelos Direitos
argentino, italiano ou alemão. Só é, pois aplicável a um âmbito de validade determinado, no
espaço e no tempo, pelo ordenamento jurídico brasileiro”. (BORGES, 1999, p. 94)
6
A Constituição da República, em seu art. 146, arrola matérias de índole tributária (relativas ao
direito tributário) cujo tratamento deve-se dar exclusivamente por uma lei complementar de
normas gerais, entre as quais está o conceito de “obrigação”. O Código Tributário Nacional, a
Lei nº 5.172/66, é o principal diploma legal que traz ditas normas gerais, em meio às quais se
encontra as relativas à “obrigação tributária”. Embora não seja formalmente lei complementar,
é-lo materialmente, eis que assim recepcionada pelo atual texto constitucional (somente,
ressalte-se, no que se refere às matérias reservadas constitucionalmente às leis complementares
de normas gerais tributárias). De se salientar, finalmente, que a “lei complementar de normas
gerais” é lei complementar nacional, editada pelo Congresso Nacional na condição de
legislado nacional (art. 24 da Constituição, principalmente), tendo, por isso, preeminência
sobre quaisquer leis federais, estaduais, distritais e municipais. Acerca dessas questões,
complementares são as lições de Torres (2000, p. 152): “[...] às normas gerais aplica-se também o
primado da reserva de lei complementar, e pelas funções pertinentes “Constituição Nacional”,
impõe-se a necessária preeminência dessas leis complementares em relação às demais leis,
mesmo que complementares, quando tenham por objeto o exercício de competência para
a instituição de tributos. Por conseguinte, prevalecerá, sempre, sobre a legislação federal,
estadual distrital ou municipal, na medida em que estas legislações passam a ter que admiti-las
(as leis complementares que vinculam normas gerais) com fundamento de validade material.”
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
31

tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,


determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar
o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

Segundo o dispositivo, o lançamento tributário, atividade


vinculada, obrigatória e privativa da autoridade administrativa, é
procedimento tendente a concretizar a cinco ações acima descritas. O
termo ainda é utilizado nos arts. 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 160
e 173, em contextos distintos, mas sem um apontamento expresso do
que é exatamente. O art. 150 é a única exceção a essa regra, trazendo
conceituação que coloca o lançamento como “ato”:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem
prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.
§1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue
o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à
homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção
total ou parcial do crédito.
§3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados
na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de
penalidade, ou sua graduação.
§4º Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da
ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se
tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente
extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Depreende-se, da análise do art. 150, que o lançamento, além de ser


definido como o “[...] procedimento administrativo tendente a verificar o
fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável,
calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo
o caso, propor a aplicação da penalidade cabível...”, também “[...] opera-se
pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade
assim exercida pelo homologado, expressamente a homologa”.
A partir desses dispositivos, a doutrina especializada7 formulou
teorias diversas sobre a natureza jurídica do lançamento tributário, das
quais as julgadas principais são expostas a seguir.

7
Observe-se que a discussão sobre a natureza jurídica do lançamento é bastante extensa, tanto
na doutrina pátria, quanto na doutrina estrangeira. A presente obra estará adstrita, no entanto,
à doutrina (nacional ou alienígena) que tenha se debruçado sobre o “lançamento tributário”
previsto na legislação brasileira, eis que em exame categoria jurídico-positiva.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
32 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

1.1.3 Entendimento da doutrina especializada


Quanto à natureza jurídica do lançamento tributário, é possível
dizer que a doutrina se dividiu em três principais correntes: (a) uma que
considera o lançamento como procedimento administrativo; (b) outra que
tem o lançamento como ato administrativo; e (c) uma terceira, que vê no
lançamento como ambas as figuras, a depender da situação encarada.
Da primeira, são exemplos as opiniões de Nogueira8 e de Becker.9
Segundo este, “[...] o lançamento consiste na série de atos psicológicos e
materiais e/ou jurídicos praticados pelo sujeito passivo (contribuinte), ou
pelo sujeito ativo (Estado) da relação jurídica tributária, ou ambos, ou por
um terceiro...”, com o intuito de, olhando para o passado, realizar as ações
descritas no art. 142 do CTN.10 Já aquele autor, a sua vez, que publicou
obra específica sobre o tema, o lançamento tributário é procedimento,
pois consiste “[...] sempre em vários atos jurídicos sucessivos, dirigidos
à mesma finalidade de individualização do crédito tributário...” sendo
que “[...] todo o ato que se segue pressupõe necessariamente o anterior e
prepara e prenuncia o subsequente”.11
Xavier (1997), Coêlho (2009), Amaro (2010) e Greco (2007)
ilustram a existência da segunda corrente. Segundo o primeiro autor,
que é, inclusive, invocado pelos demais (com exceção do último) para
fundamentarem suas posições, o lançamento tributário é “[...] ato
administrativo de aplicação da norma tributária material que se traduz
na declaração da existência e quantitativo da prestação tributária e na
sua consequente exigência”.12 13

8
NOGUEIRA. Teoria do lançamento tributário, p. 33.
9
BACKER. Teoria geral do direito tributário, p. 380.
10
BACKER. Loc. cit.
11
NOGUEIRA. Loc. cit.
12
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 66.
13
O autor se escora em fundamentos bem estruturados, conforme se vê da didática passagem
transcrita a seguir:
“A referência ao ato administrativo visa esclarecer que o lançamento é um ato jurídico, que não
um procedimento ou uma pluralidade de operações lógicas. Não se incluiu, porém, a menção ao
procedimento administrativo que o antecede e prepara, posto não ser de verificação necessária, não
pertencendo assim à essência do instituto. A qualificação do ato como administrativo visa também
enquadra-lo numa categoria bem definida, impedindo a caracterização como lançamento de atos
dos particulares (como sucede no chamado “autolançamento”) e de atos de autoridades judiciais.
A identificação da norma aplicada pelo ato de lançamento como a norma tributária material,
comum a todos os atos tributários, tem o alcance de excluir do conceito os atos administrativos
que aplicam normas tributárias instrumentais e normas penais tributárias.
Por sua vez, coloca-se o acento tônico da definição na ideia de aplicação do direito, sufi-
cientemente compreensiva para abranger, na sua unidade, as diversas operações exempli-
ficativamente referidas no artigo 142 do Código Tributário Nacional, e que não passam de
momentos lógicos do processo subsuntivo.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
33

Observe-se que a definição trazida por Xavier (1997) não abrange


o “lançamento por homologação” de que trata o art. 150 do CTN. Tal é
conscientemente feito por ele, que, nesse caso, partindo das considerações
de Amaro (2010), entende que a “[...] homologação expressa não constitui
em si mesmo um lançamento em sentido técnico, pois este consiste
numa exigência de prestação pecuniária, enquanto da constatação da
legalidade de um pagamento prévio não resulta, por definição, exigência
alguma”. No mesmo sentido Coêlho,14 que vê “sofisma evidente” em se
agrupar duas realidades tão distintas (o lançamento do art. 142 e o por
homologação) sob um mesmo epíteto.
Greco,15 por sua vez, malgrado igualmente conclua pela natureza
jurídica de ato administrativo, oferta definição mais abrangente. Ciente
da diversidade de situações legalmente qualificadas por lançamento (ou
ato de imposição, conforme prefere a ele se referir), que divide em três
– (a) a “ordem administrativa”, caso no qual a Administração Tributária
exige o pagamento do tributo cujo fato gerador ocorreu; (b) a “declaração
de ciência”, hipótese em que o Fisco verifica o inadimplemento total ou
parcial, comunica ao contribuinte e cobra-lhe os valores não recolhidos,
podendo lhe aplicar penalidade, e (c) a aceitação (“quitação”), em que
a Fazenda aquiesce com o recolhimento realizado pelo sujeito passivo
(quando ele tem a obrigação de pagar o tributo antes de qualquer atuação
administrativa) – o autor o conceitua como “[...] resultado de uma
decisão jurídica emanada em conclusão de um procedimento regulado”.16
Entende, pois, o lançamento de forma ampla, de modo a abarcar a
exigência originária do tributo, a sua cobrança após o recolhimento
irregular e a quitação estatal pela atuação correta do sujeito passivo.
Há, por fim, os autores que entendem que o lançamento é ora
ato administrativo, ora procedimento. Nesse rumo, posicionam-se, por
exemplo, Carvalho,17 De Santi (1999), Spagnol (2004) e Borges (1999). O
primeiro, fervoroso defensor da segunda corrente mencionada,18 reviu

Enfim, a referência expressa à natureza do direito que visa declarar como o direito à prestação
tributária permite separá-lo de outros atos tributários, tendo por objeto a declaração de direitos
e de obrigações distintos, como os atos tributários negativos, os atos secundários e os atos de
recusa de restituição de tributos”. (XAVIER, 1997, p. 66-67).
14
COÊLHO. Liminares e depósitos no lançamento por homologação: decadência e prescrição, p. 17-18.
15
GRECO. Dinâmica da tributação: uma visão funcional, p. 207-209.
16
GRECO. Op. cit., p. 190-191, 209.
17
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 442.
18
“Caracterizar o lançamento como um procedimento, consoante a expressão do art. 142 do
Código Tributário Nacional, é atuar com grande imprecisão. Se o procedimento se substancia
numa série de atos que se conjugam objetivamente, compondo um todo unitário para
a consecução de um fim determinado, torna-se evidente que, ou escolhemos o ato final da
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
34 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

seu posicionamento mais recentemente, passando a afirmar que tratar


o lançamento “[...] como norma, como procedimento ou como ato passa
a ser, então, singela decisão daquele que o examinará, valendo a asser-
ção para o jurista prático e para o jurista teórico, tanto faz”. Adotando
uma visão dinâmica da atividade administrativo-tributária, Carvalho19
apercebeu-se que procedimento, ato e norma jurídica (o ato cria e reflete
a norma jurídica, conforme se verá adiante), são “[...] momentos significa-
tivos de uma mesma realidade...”, inexistindo motivos para não entender
o lançamento nas três acepções.20
Borges, 21 no mesmo sentido, observa, primeiramente, que o
lançamento não pode ser encarado como mero ato de aplicação do direito,
mas sim, como o ato de concreção de normas jurídicas de que resulta
“[...] numa norma jurídica prescrevendo ao sujeito passivo uma conduta
obrigatória, consistente na obrigação de prestar tributo”. Além disso, por
se tratar de categoria jurídico-positiva, nitidamente plurissignificativa,
é também procedimento, pois os atos administrativos “[...] – e, pois, o
lançamento – são metas que não se podem de ordinário alcançar se não
por determinados caminhos, os procedimentos administrativos”.22 E o
autor ainda destaca que, partindo das mesmas premissas, que o ato de
homologação (lançamento por homologação), assim como as atividades

série, resultado do procedimento, para identificar a existência da entidade, ou haveremos


de reconhecê-lo, assim que instalado o procedimento, com a celebração dos primeiros atos.
Parece óbvio que não basta haver procedimento para que exista lançamento. Ainda mais, pode
haver lançamento sem qualquer procedimento que o anteceda, porque aquele nada mais é
do que um ato jurídico administrativo, com particularidades que discutiremos logo adiante.”
(CARVALHO, 1985, p. 229-230).
19
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 438.
20
Por assaz elucidativas, veja-se as seguintes palavras do autor:
“Se transpusermos o raciocínio para a região das entidades jurídicas, direcionando-o ao
campo que nos interessa, podemos aludir ao “lançamento”, concebido como norma, como
procedimento ou como ato. Norma, no singular, para reduzir as complexidades de referência
aos vários dispositivos que regulam o desdobramento procedimental para a produção do ato (i);
procedimento, como sucessão de atos praticados pela autoridade competente, na forma da lei (ii);
e ato, como o resultado da atividade desenvolvida no curso do procedimento (iii). Isto significa
afirmar que são semanticamente válidos os três ângulos de análise. Tanto será “lançamento” a
norma do art. 142 do CTN quanto a atividade dos agentes administrativos, desenvolvida na
conformidade daquele preceito, como o documento que atesta, por eles assinalado, com a ciência
do destinatário. A prevalência de qualquer das três acepções dependerá do interesse protocolar
de quem se ocupe do assunto. Uma coisa, porém, deve ficar bem clara: não pode haver ato de
lançamento sem que o procedimento tenha sido implementado. Da mesma forma, não haverá ato
nem procedimento sem que uma regra do direito positivo estabeleça os termos das respectivas
configurações.” (CARVALHO, 2008b, p. 438).
21
BORGES. Lançamento tributário, p. 116.
22
BORGES. Loc. cit.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
35

realizadas pelo contribuinte sujeito a tributo exigido sob essa sistemática,


são ambos lançamento, ato e procedimento de lançamento.23 24

1.1.4 A concepção adotada nesta obra


Entende-se mais correta a terceira corrente, que pronuncia o lança-
mento como ato e procedimento administrativos. Antes, contudo, de se expor
as respectivas justificativas, vislumbra-se fundamental a análise detalhada
de ambas as figuras citadas – ato e procedimento administrativos – que é
abaixo realizada.

1.1.4.1 O ato administrativo


1.1.4.1.1 O entendimento da doutrina
O ato administrativo não é categoria jurídica que goze de
definição normativa expressa. É conceito obtenível de um trabalho
lógico, que não é destinado a descrever a realidade normativa (o
que não cabe à lógica jurídica, que não é formal), mas, tão somente,
a auxiliar a compreendê-la, tornado possível, ao cientista do Direito,
manejar, satisfatoriamente, o seu objeto de estudo, as normas jurídicas
postas.25 Parte, deve-se ressaltar, do direito posto, não estando, todavia,
a ele adstrito. Toma-o, portanto, apenas como referência.26 E, por isso
mesmo, por ser construído pelo cientista jurista,27 para assistir-lhe na
apreensão da realidade normativa, tal tipo de conceito não haverá de ser
considerado como verdadeiro ou falso (não poderia, pois não traduz a
realidade), mas sim, como úteis ou inúteis, é dizer, como apto a facilitar
a compreensão ou como inapto a esse desiderato.

23
BORGES. Op. cit., p. 375-382.
24
Observe-se que os partidários dessa última corrente poderiam ter sido separados em outras
duas, entre aqueles que veem o lançamento como ato e procedimento e aqueles que o concebem
de igual forma, entendendo, também, pela criação de norma jurídica com a prática do ato
(enxergando, pois, o ato administrativo da forma sustentada no capítulo anterior). Não se viu
utilidade em tal, haja vista a predominância do segundo entendimento.
25
Ressalte-se, por relevante, que não se está a tratar, nesse momento, dos conceitos lógico-
jurídicos sobre os quais se fez referência acima (com citação, inclusive, de texto de Borges).
As definições das quais se trata nesta seção são aquelas referidas por Vilanova como conceitos
metodológicos, que auxiliam o cientista do Direito dizendo-lhe como deve operar para
conduzir com rendimento a investigação da realidade (VILANOVA, 1997, passim). Já os
conceitos lógico jurídicos sobre os quais discorreu Borges, em nota anterior, são, na doutrina
de Vilanova, conceitos fundamentais.
26
BANDEIRA DE MELLO. Princípios gerais de Direito Administrativo, p. 3-10.
27
A expressão é de Vilanova (1997, p. 64), adotada, além de noutros, no livro “As estruturas lógicas
e o sistema do direito positivo”.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
36 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Diante disso, a se adotar um conceito de ato administrativo, o


operador do direito deverá se mirar à sua capacidade de ajudar-lhe a
compreender a realidade normativa com a qual se depara. Bandeira
de Mello,28 Gordillo29 e Amaral,30 em obras específicas sobre os atos
administrativos, já fizeram essa advertência.
São diversos, pois, na doutrina pátria e estrangeira, os conceitos
de ato administrativo. Dos mais clássicos, tem-se, em meio aos nacionais,
Bandeira de Mello,31 que o define, preocupado com a essência da atividade
administrativa, como “[...] manifestação de vontade do Estado, enquanto
Poder Público, individual, concreta e pessoal, na consecução do seu fim,
de criação de utilidade pública, de modo direto e imediato, para produzir
efeitos de direito...”; Cavalcanti,32 pondo-o, em linhas mais gerais, como
“[...] toda manifestação da vontade do Estado, por seus representantes, e
cuja execução é capaz de produzir consequências jurídicas...”; e, também,
Fagundes,33 que o coloca como os atos “[...] através dos quais o Estado
[no exercício da função administrativa] determina situações jurídicas
individuais ou concorre para a sua formação...”. Da doutrina estrangeira,
cita-se, ilustrativamente, Gordillo,34 para quem o “[...] acto administrativo
es el dictado en ejercicio de la función administrativa, sin interessar que
organo la ejerce...”. A singeleza do conceito do autor justifica-se em sua
preocupação de, por um lado, “[...] eliminarse la contradicción lógica entre
lãs nociones de acto y funicón administrativa...” e, por outro, por crer
que não “[...] es útil proponer una desvinculacion total de las nociones
de función y acto administrativo, por inducir a evidente confusion
terminologica e innecesaria comprejidad conceptual.”
Um pouco mais a frente no tempo, Bandeira de Mello,35 partindo
dessas contribuições, formulou conceito que é amplamente adotado
por doutrina e jurisprudência pátrias, definindo o ato administrativo,
em uma acepção geral, como “[...] declaração do Estado (ou de quem
lhe faça as vezes) no exercício de prerrogativas públicas, manifestadas
mediante providências jurídicas complementares da Lei a título de lhe dar
cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”.
O autor observa, ao apresentar sua conceituação, que poderá haver ato

28
BANDEIRA DE MELLO. Princípios gerais de Direito Administrativo, p. 3-10.
29
GORDILLO. Tratado de derecho administrativo, pp. 1-16.
30
AMARAL. Ato administrativo, licitações e contratos administrativos, p. 25-26.
31
BANDEIRA MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 343.
32
CAVALCANTI. Teoria dos atos administrativos, p. 46.
33
FAGUNDES. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 26.
34
GORDILLO. Op. cit., pp. 1-11.
35
BANDEIRA MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 378-379.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
37

administrativo diretamente infraconstitucional, sem arrimo em lei anterior,


hipótese na qual a atividade administrativa já virá inteiramente descrita na
Constituição, sendo o ato, em tal caso, plenamente vinculado. E, igualmente,
ainda em ressalvas, que seu conceito foi formulado de maneira ampla, com
o propósito de abarcar os atos gerais e abstratos, que exemplifica com os
regulamentos e, ainda, os atos convencionais, em referência aos contratos
administrativos. Pois, sem essas preocupações, ao conceito aplicaria as
noções de “unilateralidade” da declaração e “concretude” das providências
jurídicas, de maneira a torná-lo restrito.36
Já mais recentemente, merecem transcrição, por aliarem
simplicidade e completude, as definições empreendidas por Amaral37
e De Santi.38 O primeiro autor percebe o ato administrativo como “[...]
a norma jurídica concreta criada pelo Estado no exercício da função
administrativa, que produz efeitos, diretamente, na esfera jurídica dos
particulares, fora, portanto, do âmbito do aparelho estatal”.39 Já o segundo
autor, que, como ora se faz, examinou o ato administrativo para, num
segundo momento, analisar a figura do lançamento tributário, identifica
na expressão “ato administrativo” dois significados: a norma jurídica por
ele criada, o produto da atividade interpretativa-aplicativa do Direito, que
denomina de “ato-norma administrativo” e processo adotado para sua
criação, a própria atividade de interpretação e aplicação, que denomina
de “ato-fato administrativo”.40
Na presente obra, o conceito de ato administrativo traz
semelhança com grande parte daqueles expostos, os quais, como se pode

36
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 379-380.
37
AMARAL. Ato administrativo, licitações e contratos administrativos, p. 26.
38
DE SANTI. Lançamento tributário, p. 97.
39
Com preocupação de generalidade do conceito semelhante à de Bandeira de Mello (2008,
p. 379-380), Amaral (1996, p. 30) observa que, partindo da doutrina de Bobbio, evoluiu para
entender a norma jurídica refletida pelo ato como simplesmente concreta, e não, também,
como individual. Defende, pois, atos administrativos tanto individuais como concretos.
40
Nas palavras do autor: “[...] O vocábulo ‘ato’ extraído do âmbito do direito privado, e aplicado
ao Direito Administrativo para designar o denominado ‘ato administrativo’, trouxe consigo
estimulantes significativos que fizeram surdir do uso contínuo do termo duas acepções: uma,
‘o processo’, o ato-fato da autoridade que configurou o fato jurídico suficiente, fonte material
para a produção do ato-norma administrativo; outra, ‘o produto’ desse ‘processo’, o ato-
norma administrativo, norma individual e concreta que exsurge desse contexto existencial.
[...] Ato-fato é o ato praticado por autoridade que, realizado como fato jurídico (lato sensu),
integra o suporte fático do fato jurídico suficiente no ‘processo’ de produção do ato-norma
administrativo. [...] Ato-norma é o ‘produto’, norma jurídica individual e concreta que tem
como fonte material este fato jurídico suficiente, integrado pelo ato-fato da autoridade
competente [...]. E que ingressa no ordenamento jurídico, associando à descrição de um fato
concreto (motivação) uma relação jurídica intranormativa que veicula em um de seus termos, a
figura do Estado ou de quem lhe faça as vezes. [...] O ato-norma não se confunde com o ato-fato
que produz: o primeiro, é norma jurídica; o segundo, é fato jurídico.” (DE SANTI, 1999, p.119)
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
38 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

ver, não apresentam grandes diferenças essenciais. Equipara-se, todavia,


àquele erigido por De Santi,41 por mais bem se adequar à realidade
do lançamento tributário. Antes, todavia, de apresentar o referido
conceito, é mister tecer algumas considerações sobre as atividades de
interpretação e de aplicação do Direito, essenciais à compreensão da
figura jurídica em foco.

1.1.4.1.2 Interpretação e aplicação jurídica


Algumas noções sobre a interpretação já parecem ter sido superadas.
Não se compreende, mais, a interpretação jurídica como mera obtenção de um
sentido, já pronto, acabado, dos textos normativos escritos. Já com Kelsen,42
“[...] o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação de
uma moldura que representa o Direito a interpretar e, consequentemente, o
conhecimento de várias possibilidades que dentro desta moldura existe”. O
sistema jurídico, portanto, é fonte de sentidos inesgotáveis, conforme observa
Carvalho.43 Tal noção é relevante para a análise que será feita adiante, dos
aspectos vinculados e discricionários dos atos administrativos.
A interpretação é processo de construção de sentido a partir
dos conteúdos de textos efetivados pelo sujeito do conhecimento.
Dita atividade construtiva, por ter como objeto manifestações da
linguagem (os textos normativos) concretiza-se pela investigação dos
três planos fundamentais destas: a sintaxe, a semântica e a pragmática.44
Pelo primeiro, verifica-se de que forma estão arranjados os símbolos
linguísticos, é dizer, qual é o relacionamento que mantêm entre si; pelo
segundo, investigam-se os significados dos termos jurídicos empregados;
e, por fim, pelo terceiro, são investigados os vínculos estabelecidos entre
o sujeito cognoscente e os signos em processo de conhecimento. 45 O
intérprete, assim, constrói o sentido a partir da análise das conotações e
das denotações dos termos jurídicos, da forma em que estão estruturadas
nos enunciados linguísticos, e, também, tendo em conta sua ideologia
e o contexto social no qual está inserido. E “constrói” o sentido, não
meramente “extraindo-o” ou “descobrindo-o”, pois o intérprete o faz
“[...] em conformidade com as pautas axiológicas comuns à sociedade”,
ou seja, “[...] em função de sua ideologia e, principalmente, dentro dos

41
DE SANTI. Loc cit.
42
KELSEN. Teoria pura do direito, p. 390.
43
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 416.
44
FERRAZ JR. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação, p. 252.
45
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 199-200.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
39

limites do seu ‘mundo’, vale dizer, do seu universo de linguagem”.46


É na participação do intérprete que está a impossibilidade de simples
revelação de sentido contido no texto interpretado.
Observe-se, todavia, que a constatação de que os sentidos são
construídos (e não meramente desnudados) pelo intérprete a partir da
atividade interpretativa, não deve conduzir à conclusão de que não há
significado qualquer prévio ao início do processo de interpretação.47 A
atividade de conhecimento realizada pelo intérprete não parte do zero,
produzindo compreensão inédita a cada vez que é efetivada. O sujeito
cognoscente parte de pré-compreensões próprias de seu contexto histórico-
social, é dizer, “[...] de traços de significado mínimos incorporados ao uso
ordinário ou técnico da linguagem...”, conforme observa Ávila.48 Por isso,
segundo este autor, o intérprete reconstrói sentidos com a interpretação.49
Das considerações até então expendidas, é possível dizer, com
escoro em Carvalho,50 que dois princípios guiam a atividade do intérprete:
a intertextualidade e a inesgotabilidade. A interpretação é intertextual,
pois pressupõe o diálogo do texto interpretado com os outros textos
constantes do sistema jurídico, além de com o próprio sujeito interpretador.
E é inesgotável na medida em que se reconhecem as múltiplas e infinitas
possibilidades de sentidos, eis que os textos sempre poderão ser
reinterpretados por diferentes sujeitos (com distintas ideologias) inseridos
em igualmente díspares contextos sociais.
Quanto à atividade de aplicação, cumpre ressaltar, inicialmente,
que ela e a de interpretação não podem ser vistas como processos
extremados, independentes um do outro, malgrado já se tenha dessa
forma entendido a questão, conforme noticia Borges.51 A aplicação do
Direito é atividade intimamente ligada à de interpretação. Tem-na como

46
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 200; 416.
47
ÁVILA. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 110.
48
ÁVILA. Op. cit., p. 32-33.
49
“[...] a constatação de que os sentidos são construídos pelo intérprete no processo de
interpretação não deve levar à conclusão de que não há significado algum antes do término
desse processo de interpretação. Afirmar que o significado depende do uso não é o mesmo que
sustentar que ele só surja com o uso específico e individual. Isso porque há traços de significados
mínimos incorporados ao uso ordinário ou técnico da linguagem. Wittgenstein refere-se aos
jogos de linguagem: há sentidos que preexistem ao processo particular de interpretação, na
medida em que resultam de estereótipos de conteúdos já existentes na comunicação linguística
geral”.
[...]
“Por conseguinte, pode-se afirmar que o intérprete não só constrói, mas reconstrói sentido,
tendo em vista a existência de significados incorporados ao uso linguístico e construídos na
comunidade do discurso.” (ÁVILA, 2007, p. 32-33).
50
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 416.
51
BORGES. Lançamento tributário, p. 105-106.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
40 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

pressuposto, colocada a questão em melhores termos. Não é possível,


ao aplicador, fazê-lo sem antes construir os sentidos possíveis da norma
jurídica a ser aplicada, ou seja, interpretar, pois são justamente estes que
darão conteúdo ao ato de aplicação.52 Há, por isso, segundo Borges,53
uma antecedência lógica e cronológica da interpretação em relação à
aplicação do Direito. Mas se a aplicação depende da interpretação, a
recíproca não é verdadeira. A interpretação, conforme observa Bandeira
de Mello,54 “[...] pode permanecer no puro plano da exegese, como
obra da doutrina, ante a razão em que assentam os ensinamentos do
intérprete sobre o sentido da lei, e a convicção com que os desenvolve,
sem cogitação de qualquer caso concreto”.
A aplicação do Direito não é mera atividade de conversão das
normas genérica e abstratamente positivadas em normas de natureza
individual e concreta ou, quando menos, de aproximação de um comando
abstrato em um comando concreto.55 A aplicação denota algo mais. É,
segundo De Santi,56 o processo pelo qual dada autoridade, após construir o
sentido aplicável a partir da atividade interpretativa, juridiciza o respectivo
substrato fático (fazendo-o fato jurídico), produzindo outra norma jurídica.
Em suas próprias palavras, “[...] é o fato jurídico suficiente, realizado por
ato jurídico de autoridade, para a produção de normas jurídicas...”.57
Partindo-se, pois, dos sentidos construídos pela interpretação, tomam-
se os dados da realidade a que eles se referem, que são selecionados
pelos próprios sentidos normativos para se chegar ao Direito aplicável
a determinado caso. Há, assim, verdadeira criação do Direito na sua
aplicação, não sendo a regulamentação jurídica para certa hipótese, como
se vê, fruto exclusivo dos textos interpretados.
Por isso, a aplicação e a criação do Direito são, em verdade, etapas
de um fenômeno único e contínuo.58 Não são, assim, momentos estanques,
passíveis de verificação isolada. Apenas fases intelectuais que redundam
num só fenômeno. Criar, pois, o Direito, significa aplicá-lo e vice versa. E
o Direito é aplicado/formado por meio de sua concretização. Ao se aplicar,
dessa forma, dada norma geral e abstrata, cria-se, simultaneamente, uma
norma mais específica e concreta, produtora de efeitos jurídicos próprios.

52
BORGES. Lançamento tributário, p. 105-106.
53
BORGES. Op. cit., p. 106.
54
BANDEIRA DE MELLO. Princípios gerais de Direito Administrativo, p. 343.
55
BORGES. Op. cit., p. 107.
56
DE SANTI. Lançamento tributário, p. 79-80.
57
DE SANTI. Lançamento tributário, p. 80.
58
BORGES. Loc. cit.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
41

Para Silva,59 partindo das contribuições de Castanheira Neves,


a aplicação do Direito, por sua função criadora, de fato redunda na
reconstrução do espírito do sistema. 60 Mas este autor vai além, tocando em
ponto relevantíssimo à compreensão da interpretação jurídica: a necessidade
de que a norma jurídica produzida a partir da aplicação reflita o sistema
jurídico ao qual está inserida, isto é, esteja com ele conforme, devendo ser
possível nela enxergar sentidos próprios do sistema. Ideia que, a propósito,
se encaixa naquela outra de “adequação valorativa”, cunhada por Canaris,61
segundo a qual o intérprete-aplicador do Direito está adstrito a decidir em
conformidade com os princípios fundamentais que dão unidade e ordem
ao sistema jurídico, de modo que a norma obtida e aplicada esteja com
estes em perfeita coerência.62 O produto da interpretação, assim, deverá ser
reconduzido ao sistema jurídico, a fim de se aferir se não lhe é contraditório,
é dizer, se guarda com ele compatibilidade axiológica.

1.1.4.1.3 Conceito de ato administrativo adotado


Das considerações levadas a efeito acima, fica claro que o ato
administrativo, enquanto expressão de agir estatal em sua função
administrativa, é norma jurídica, mais concreta que a que lhe dá
fundamento, produtora de efeitos em relação aos particulares, bem assim
o processo de sua criação, o ato da autoridade propriamente dito, que
consiste na atividade de interpretação-aplicação do Direito. É dessa forma,
portanto, que deverá ser encarado o lançamento tributário (quando ato
administrativo), como norma jurídica fruto das atividades de interpretação
e de aplicação do Direito pelo Estado, quando no exercício de sua função
administrativa, especificamente tributária.

1.1.4.1.4 Estrutura do ato administrativo. Elementos


formadores e seus pressupostos
Antes de se passar ao exame do procedimento administrativo, é
importante analisar a estrutura do ato administrativo, no que se refere

59
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 88-89.
60
“Aplicar a lei já não é, então, uma simples tarefa de subsunção lógica, mas uma atividade
criadora que implica uma “intenção de reconstituição explícita do sentido e da coerência
normativa e dogmático-sistemática do todo da ordem jurídica” (CASTANHEIRA NEVES).
Desta forma, “a tarefa de interpretação da lei não é uma atividade mecânica e automática, mas
dinâmica e reconstitutiva. O aplicador do direito tem uma função verdadeiramente criadora,
reconstruindo o espírito do sistema e integrando aquela concreta manifestação de vontade do
legislador no âmbito mais vasto da vontade do ordenamento jurídico” (SILVA, 2003, p. 88-89).
61
CANARIS. O pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 76.
62
CANARIS. Loc. cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
42 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

aos seus elementos formadores e pressupostos. Esses esclarecimentos são


necessários à posterior exposição da estrutura do lançamento tributário
por homologação, a ser feita no abaixo.
A doutrina tradicional, ao examinar a composição do ato
administrativo, identifica cinco elementos: sujeito (autor do ato), forma
(exteriorização do ato), objeto (conteúdo do ato), motivo (situação
jurídica ou fática que permite ou obriga a realização do ato) e finalidade
(bem jurídico a ser atingido pelo ato). É essa, por exemplo, a opinião de
Fagundes,63 externada no clássico “O controle dos administrativos pelo Poder
Judiciário”. Há, no entanto, classificações alternativas, como a proposta
por Bandeira de Mello,64 que prefere analisar o ato separando os seus
elementos – para ele, apenas conteúdo e forma – dos seus pressupostos
– ao seu entender, pressupostos de existência (objeto e pertinência do ato
ao exercício da função administrativa) e pressupostos de validade (sujeito,
motivo, requisitos procedimentais, finalidade, causa e formalização).
De fato, a rigor, os atos administrativos (visto como normas
jurídicas) possuem apenas dois elementos, o seu conteúdo (normalmente
denominado pela doutrina por objeto) e a sua forma. São eles – e
somente eles – que constituem o ato: o conteúdo é o que ele é, a sua
essência, o que lhe dá identidade; e a forma, por sua vez, a maneira
pela qual essa essência é exteriorizada. Nada mais lhe compõe, sob o
ponto de vista de sua ontologia. Daí a maior adequação da teoria de
Bandeira de Mello.65
O conteúdo do ato administrativo é, segundo o citado autor, o
que ele “[...] decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem
jurídica”.66 É, por isso, visto de forma mais simples, a própria norma
jurídica que ele significa. É o próprio ato, a sua essência. Assim é que,
por exemplo, o conteúdo de um ato de exoneração de um servidor é o
seu desligamento da função pública. Por isso dizer que o conteúdo do
ato é o próprio ato. É por isso, também, que qualificar, como uma coisa
só, conteúdo e objeto do ato administrativo, não é atitude das mais
apropriadas, embora parte da doutrina o faça. Objeto, semanticamente,
é mais adequado para classificar a quê o ato se refere e não o que ele é
propriamente. É, na ilustração, o servidor desonerado, a pessoa. Não
a exoneração em si. Daí ser preferível o termo conteúdo, pois ele mais
bem expressa a ideia de essência do ato, do que ele realmente é.

63
FAGUNDES. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 26 e ss.
64
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 382-405.
65
BANDEIRA DE MELLO. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 37.
66
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 37.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
43

A forma do ato, a seu turno, é o modo pelo qual ele é externado,


a maneira de sua revelação, ou, nas adequadas palavras de Bandeira de
Mello,67 “[...] o meio pelo qual o ato aparece e denuncia juridicamente
a sua existência”. É, pois, como é exteriorizada a norma jurídica que o
ato representa, que comumente se dá pelo meio escrito, também sendo
possível, todavia, a depender do que a lei dispuser, efetivar-se pelo
canal verbal ou mímico, como acontece com alguns praticados por
guardas de trânsito.
A lei poderá ou não estabelecer o modo de exteriorização
do ato. Quando não o fizer, contudo, não se poderá concluir pela
prescindibilidade da forma. É que o ato administrativo não é mero
conteúdo, mas sim, conteúdo revelado. Dito em outros termos:
o ato administrativo é o conteúdo levado ao conhecimento dos
seus destinatários correspondentes; do que se deve concluir, como
consequência inarredável, que a intenção psicológica do respectivo
agente não lhe compõe. Sobre esse ponto, dada a relevância para a
conclusão desta obra, outros comentários são pertinentes.
Por não lhe integrar a estrutura, a vontade psíquica não influi nos
efeitos jurídicos a serem produzidos pelo ato administrativo. Em direito,
aliás, toda vontade ou intenção é vontade manifestada, de modo que o que
se mantém no foro íntimo do agente nada vale.68 69 Qualquer ato jurídico,
para valer como tal, tem que percorrer, necessariamente, o caminho da
exteriorização ou da manifestação.70 Por isso, os efeitos do ato serão
retirados da vontade objetivamente manifestada com a prática do ato (seu
conteúdo). O âmbito íntimo da autoridade atuante, assim, é irrelevante a
dita verificação (mais uma vez, o ato é um conteúdo externado, ou seja, a
norma jurídica que representa é apenas a substância que chegou, por meio
de uma forma adotada, aos seus destinatários).

67
BANDEIRA DE MELLO. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 42.
68
ANDRADE. O silêncio no ato e no negócio jurídico, p. 99.
69
“É certo que, no mundo natural, a intenção vem antes da manifestação. O agente, primeiro,
internamente, toma uma decisão e age de determinada forma. Mas o direito, como ciência
social, inverte esta ordem, e parte da análise dos comportamentos externos. E assim o faz
porque, como ciência social, tem como objetivo maior regular a convivência humana, o
convívio social, e por isso busca a segurança nas relações sociais, e, como tal, pode transigir
com algumas questões de lógica jurídica. Donde a necessidade de partir do dado externo, e não
interno, é relativo ao querer íntimo do agente.
Daí o direito partir da manifestação objetivada. É nesta que se buscam ou valoram os eventuais
elementos subjetivos, internos, do agente, que se mostram relevantes para o direito. Como
afirma Domingues de Andrade, o sentido do comportamento declarativo se determina de fora,
do ponto de vista daquele a quem o comportamento declarativo atinge: o declaratório em face
do declarante.” (ANDRADE, 2009, p. 100).
70
ASCENSÃO. Direito civil: teoria geral, p. 36.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
44 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Gordillo71 expõe a matéria da mesma maneira, também opinando


pela prescindibilidade da vontade psicológica para a formação dos atos
administrativos. Ao dela tratar, no terceiro volume de seu “Tratado de
Derecho Administrativo”, o autor assinala que a “vontade psíquica” do
agente (expressão adequada, pois claramente denota o objetivo do autor de
se referir à intenção subjetiva do executor do ato) não é determinante para a
produção de efeitos jurídicos pelo ato praticado. É que, para o jurista, “[...]
el acto administrativo no es siempre la voluntad psíquica del funcionario
atuante...”, é, em verdade, “[...] el resultado jurídico que se produce cuando
se dan las condiciones previstas por la ley y no solo porque el funcionario
lo haya querido...”.72 O autor quer dizer, com suas palavras, que ainda
que, na maioria das vezes, a vontade psíquica do agente se coadune com
a vontade objetivamente externada, é esta que é relevante à verificação
dos efeitos do ato realizado, desde que observados os pressupostos deste.
Conclui, por isso, mais adiante, partindo de Stassinopoulos, que o Direito,
no que se refere aos atos administrativos, atende à vontade objetivamente
declarada, e não à intenção (que é subjetiva) do agente.73
Bandeira de Mello74 ruma no mesmo sentido. Em seu entender, o
móvel ou a vontade do agente, além de não constituir elemento do ato
administrativo, também não é um de seus pressupostos. Observa que no
ato vinculado tal é indubitável, eis que a análise da vontade do agente
é irrelevante, dado que a lei predetermina o único comportamento
possível ao administrador diante da ocorrência fática do motivo por
ela previsto abstratamente, sem espaço para apreciações subjetivas.
E, mesmo no ato discricionário, em que a própria lei exige a análise
valorativa pela autoridade administrativa, a qual deve sopesar as
circunstâncias do caso concreto a fim de escolher a melhor forma de
atender à finalidade legal, a intenção psíquica também é irrelevante,
pois, se o objetivo legal houver sido alcançado, não importará se o
agente quis ou não atender à lei.75
Desimporta, portanto, à aferição dos efeitos jurídicos dos atos
administrativos, verificar-se a vontade psíquica do agente.76 Esta, que não

71
GORDILLO. Tratado de derecho administrativo, p. II-19.
72
GORDILLO. Loc. cit.
73
GORDILLO. Loc. cit.
74
BANDEIRA DE MELLO. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 73-74.
75
Advirta-se que não as definições de ato discricionário e vinculado apostas nesse parágrafo
pertencem a Bandeira de Mello, tendo sido citados apenas para externar a opinião do autor quanto
à questão da vontade psíquica do agente como elemento do ato administrativo. As definições de
vinculação e de discricionariedade adotadas por esta obra ainda serão apresentadas.
76
Nesse sentido, ainda Carvalho: “Sobre “ato”, utilizado neste texto como sinônimo de “ação”,
algumas ponderações se mostram oportunas. Vemo-lo como a significação de um movimento
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
45

compõe o ato, é irrelevante a tal mister. O que interessa, para tal, é a vontade
objetivamente declarada, isto é, aquela exteriorizada com a prática do ato. O
ato administrativo, não é demais repetir, é o conteúdo declarado (conteúdo
e forma), somente isso, pouco importando o que se objetivou externar.
É por isso também que existe ato administrativo mesmo que
aparentemente ele se mostre como outro. Como o que interessa para a
existência e para a configuração do ato é o seu conteúdo, desimportando
qual é a intenção psíquica do agente, poderá haver ato administrativo
quando a Administração Pública, embora não o pratique conscientemente,
manifeste-o, inequivocamente, pelo desempenho de outro. É dizer:
quando, com a prática de determinado ato administrativo, outro conteúdo
– outra norma jurídica – estiver inequivocamente contida no primeiro,
haverá, na verdade, o desempenho de dois atos administrativos. Bandeira
de Mello, com base na doutrina italiana, qualifica esse tipo de ato como
“ato tácito” ou “ato implícito”.77 Segundo o autor, nos casos em que a
Administração Pública “[...] não se manifesta explicitamente ante a uma
dada situação, entretanto, através de outro comportamento seu, pode-se
deduzir, inequivocamente, uma decisão implícita, decorrente de algum
ato explícito ou mesmo de um fato (facta concludentia) [...]”.78
O ato administrativo, portanto, é o seu conteúdo (a norma jurídica
que com ele se confunde). E apenas o é quando é devidamente externado;
é dizer, somente quando o seu conteúdo se considera exteriorizado é
que se tem o ato por existente. Antes disso, o que há, no máximo, é um
projeto de ato, a intenção de praticá-lo, um querer simplesmente, mas não
ele próprio. E a revelação, condição de existência do ato, dá-se pela sua
publicidade, é dizer, por sua passagem do âmbito interno do agente para
o plano dos destinatários. A publicidade, com efeito, significa o ingresso
do ato no plano da sociedade, o qual é, dados os objetivos de regulação
social do Direito, o plano que a este interessa.79
Os meios de publicidade são, basicamente: (a) a publicação, no diário
oficial, na porta de determinada repartição, etc.; e (b) a comunicação, que
é a informação direta do conteúdo do ato aos seus destinatários, não se
restringindo à mera divulgação por um meio oficial. De todo modo, em

ou de plexo deles, mas enquanto unidade de sentido que os tem por referente. O movimento é,
digamos assim, o suporte físico da significação. Gregório Robes Morchón serve-se do exemplo já
conhecido de alguém que levanta o braço. Como interpretar esse gesto que pressupõe comandos
cerebrais, mobilização de ossos, músculos e nervos, sendo, portanto, algo complexo? Será que
significa chamar um táxi ou saudar alguém que passa? Mas, pode ser, também, um aceno de
despedida. De que modo decidir? A despeito de tratar-se do mesmo fenômeno psicofísico, cada
opção representa um ato diferente, pois os sentidos são diversos.” (CARVALHO, 2008b, p. 439)
77
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 406.
78
BANDEIRA DE MELLO. Loc. cit.
79
BANDEIRA DE MELLO. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 46.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
46 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

havendo regras fixando o modo de publicidade, haver-se-á de observá-las


para que o ato possua forma e, por conseguinte, considere-se existente.80
Reitere-se, eis que relevante, que a publicidade não é um posterius ao ato,
é dizer, algo para torná-lo, quando já existente, de conhecimento de seus
destinatários. É, como se disse, elemento constitutivo do ato. Consiste em
meio pelo qual se torna um conteúdo, que ainda não é ato, num conteúdo
revelado, o qual, por sua vez, já goza de tal condição.
Ressalte-se, finalmente, que a publicidade do ato, condição de sua
existência (daí ser mais adequado referir-se à publicidade do conteúdo), não
se confunde com obrigatoriedade de cumprimento da norma jurídica que ele
representa. A publicidade, ante as considerações anteriores, tem a ver com
a existência do ato, ou seja, sua perfeição. Já a obrigatoriedade, por sua vez,
diz respeito a quando ele deve ser adimplido (à sua eficácia, portanto), que,
como cediço, é perfeitamente postergável (o que é corriqueiro, inclusive, em
temas afeitos ao Direito Tributário, especialmente em matéria de lançamento
tributário, conforme se demonstrará mais a frente).
Visto os elementos do ato (como norma jurídica), que, sozinhos,
constituem-no inteiramente, segue-se ao exame de seus pressupostos (do
ato propriamente dito), os quais ditam a sua existência e validade.
Os pressupostos de existência, verdadeiras condicionantes do
surgimento do ato administrativo, são o objeto e a pertinência com a
função estatal administrativa.81 O objeto, conforme já adiantado, é aquilo
sobre o que o ato se pronuncia, é sobre o que o conteúdo (revelado) se
refere, devendo existir, materialmente, sob pena de tornar o próprio ato
inexistente.82 Seria ilógico pressupor a existência de ato que tratasse do
nada. Daí a imprescindibilidade do objeto. Já a citada pertinência refere-
se à necessidade de que o ato jurídico reflita o exercício, pelo agente, da
função administrativa. É propriamente essa conexão que lhe atribui o
predicado “administrativo”.
Os pressupostos de validade, por sua vez, são os determinantes da
lisura jurídica do ato administrativo: dizem respeito ao sujeito, ao motivo,
aos requisitos procedimentais (em alguns casos), à finalidade, à causa
(relação de causalidade) e à formalização do ato.
O sujeito, visto por Bandeira de Mello83 como pressuposto subjetivo,
é quem produz o ato administrativo, fazendo-se necessário, para a aferição
da validade deste, que o respectivo agente seja legalmente capaz para

80
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit. p. 46-48.
81
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 387-388.
82
ZACANER. Da Convalidação e Invalidação dos Atos Administrativos, p. 31-33.
83
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 56.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
47

tanto (além de não estar impedido em virtude das características do caso


concreto). Por se referir a quem pode, pelo ordenamento jurídico, perpetrar
o ato, o pressuposto também é visto como “competência”, pois, ao sentir
de alguns autores, tal alcunha melhor expressa a ideia de vinculação à lei
do poder atribuído ao agente para a pratica do ato.84
O motivo, também tido por pressuposto objetivo, é o fato precedente
que autoriza a prática do ato administrativo.85 É, portanto, a situação fática
que deve ocorrer para que o ato seja realizado. Quando previsto em lei, sua
ocorrência condiciona a atuação do agente. Mas, se não há tal determinação
legal, nem por isso terá o agente total liberdade para expedir o ato sem
motivos ou por motivo qualquer. Em cada caso concreto, há de se analisar
se os motivos havidos pelo agente são idôneos a demandar ou a comportar
a produção do ato administrativo, apreciação esta que deverá ser feita em
harmonia com a finalidade da sua prática (predicada pela lei). Se o motivo
enunciado for inexistente ou falso, o ato está maculado pela invalidade. É
que, pela “teoria dos motivos determinantes”,86 os motivos alegados pelo
agente condicionam a validade do ato administrativo, mesmo que a lei não
os tenha estabelecido como necessários à prática do ato.87
Saliente-se que o motivo distingue-se de “móvel”, consoante adverte
Araújo.88 Enquanto aquele representa a situação fática, externa, que justifica
(e, por vezes, inflige) a prática do ato, este é mera intenção psicológica,
estando, portanto, apenas na esfera íntima (interna) do agente – desinteressa
a existência e/ou a validade do ato – nos termos da explanação acima.
O motivo tampouco é o mesmo que a motivação.89 Esta é a enunciação
dos motivos que levaram à prática do ato;90 é a fundamentação feita pela
autoridade administrativa que apresenta “(a) a regra de Direito habilitante;
(b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes,
obrigatoriamente; (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre
os fatos ocorridos e o fato praticado”.91 Apesar de não haver uniformidade
na doutrina sobre a obrigatoriedade de motivação pelo agente do ato

84
ARAUJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 55.
85
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 389.
86
De forma didática, Carvalho Filho assim esclarece dita teoria: “[...] a teoria dos motivos
determinantes baseia-se no princípio de que o motivo do ato administrativo deve sempre
guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação de vontade. [...] se o
motivo se conceitua como a própria situação de fato que impele a vontade do administrador, a
inexistência dessa situação provoca a invalidação do ato.” (CARVALHO FILHO, 2007, p. 107).
87
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 396.
88
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 55.
89
Para ARAÚJO (2005, p. 196), a fundamentação é requisito procedimental.
90
ARAUJO. Loc. cit.
91
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 392-393.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
48 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

administrativo,92 esta deve ser tida como “norma geral”, pois, com base
no princípio democrático, a coletividade tem o direito de conhecer as
justificativas que embasaram as decisões dos administradores na gestão
da coisa pública.93 Bandeira de Mello94 acrescenta que a possibilidade
de conhecimento da fundamentação (motivação) pelo cidadão deve ser
anterior ou contemporânea à prática do ato, para que não seja mero
sucedâneo do direito de petição previsto no art. 5º, XXXIII e XXXIV, da
Constituição da República. E conclui que a obrigatoriedade de motivação
das decisões judiciais (art. 93, IX, da Constituição e art. 458, II do Código
de Processo Civil) e das decisões administrativas dos Tribunais (art. 93,
X, da Constituição) não podem se restringir ao Poder Judiciário, devendo
estender-se aos atos praticados por quaisquer dos outros Poderes.95 96
Ainda como pressuposto objetivo, os requisitos procedimentais
são outros atos jurídicos (administrativos ou produzidos por particular)
necessários à prática de determinado ato. É, por exemplo, o ato privado de
solicitação de alvará em relação à concessão do documento de licenciamento.
Assim como o motivo, os requisitos procedimentais condicionam a prática
do ato, são precedentes a ele. Mas não se confundem, pois, enquanto o
motivo é um fato jurídico, o requisito procedimental é um ato jurídico.97
A finalidade, a sua vez, pressuposto teleológico na teoria de Bandeira
de Mello,98 é o resultado jurídico a ser alcançado com a prática do ato. O
objetivo/finalidade deverá estar previsto no ordenamento jurídico, expressa
ou implicitamente, conforme se verá melhor do exame da legalidade, a ser
realizado infra. Como decorrência disso, à Administração Pública é defeso

92
Conforme noticia Araújo (2005, p. 111-118) discorrer sobre o tema.
93
ARAUJO. Op. cit., p. 111-118.
94
BANDEIRA DE MELLO. Loc. cit.
95
BANDEIRA DE MELLO. Loc. cit.
96
O autor, contudo, citando os ensinamentos Bandeira de Mello (2007, p. 392-393) ressalva que,
nos atos vinculados, como a lei prevê um único comportamento à autoridade administrativa, o
que importa é realmente ter ocorrido o motivo previsto abstratamente na lei que demandava a
atuação da Administração. Assim, o ato que não havia sido motivado será considerado válido
se demonstrado que o motivo ensejador do ato preexistia. Já o ato discricionário, ausente sua
motivação, restará viciado, devendo, ato contínuo, ser invalidado. (BANDEIRA DE MELLO,
2007, p. 392-393). Araújo (2005, p. 197), por outro lado, não aquiesce com a exceção. Em sua
doutrina, a motivação é de obrigatoriedade geral quanto aos atos administrativos, sejam eles
vinculados ou discricionários, havendo “temperamentos” na regra apenas nos casos de atos
de razões secretas, não escritos e “tácitos” (que não considera verdadeiros atos). Ressalte-
se, ainda, que ambos os autores discordam que a Lei nº 9.784/99, ao enumerar, em seu art.
50, as hipóteses em que os atos administrativos devem ser motivados, tenha restringido a
obrigatoriedade de motivação. Bandeira de Mello, (2007, p. 392-393) a reputa inconstitucional,
enquanto que Araújo, citando Maria Rivalta, não vê restrição no arrolamento.
97
BANDEIRA DE MELLO. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 77-78.
98
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 78.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
49

valer-se de ato administrativo não legalmente apropriado ao atingimento


dos fins que se objetiva alcançar. Os atos administrativos devem procurar
atingir as consequências que a lei teve em vista quando autorizou a sua
prática, sob pena de nulidade.99 Um ato administrativo só serve, pois,
para a obtenção da finalidade que lhe é própria conforme o ordenamento
jurídico. E, quando inexiste a disposição positivada, o ato a ser praticado
deverá ser o mais adequado para se chegar aos fins a que se propôs, em
razão do regime jurídico próprio da função administrativa e do postulado
da proporcionalidade, norma plenamente aplicável em casos tais.
A causa, na teoria de Bandeira de Mello,100 é pressuposto lógico que
exprime a necessidade de pertinência do conteúdo do ato administrativo
(que com ele se confunde) com o motivo justificador de sua prática. Aquele
deve guardar, com este, uma relação de adequação. Ou seja, a norma
jurídica estampada no ato administrativo deve decorrer, logicamente, do
seu respectivo motivo. A correlação entre um e outro, no entanto, somente
é plenamente aferível em função da finalidade do ato. Na verdade, só faz
sentido em razão do thelos do ato, conforme assevera Bandeira de Mello.101
É que, de fato, vários conteúdos advirão, logicamente, de um dado motivo,
tendo-se por observado, nesse caso, o pressuposto causa; mas somente um
ou poucos deles atenderão à finalidade do ato, hipótese em que a causa
terá sido plenamente respeitada.
Note-se, todavia, que a causa, para a maior parte da doutrina, é
comumente tratada como sinônimo de motivo. Ambas as locuções, assim,
denotariam as circunstâncias fáticas ou jurídicas autorizativas da realização
de determinado ato. É como se posiciona, por exemplo, Meirelles,102 que
prefere este àquele vocábulo, pois evita “[...] confusão com a causa dos atos
jurídicos de direito privado, onde essa expressão tem sentido diverso do que
lhe é dado no direito público”. E, igualmente, Araújo, que, após demonstrar
que o termo ‘causa’, na história da filosofia, é apenas um dos elementos da
“relação de causalidade” (juntamente com o “efeito”), que é a que exprime
a pertinência propalada por Bandeira de Mello,103 conclui pela equivalência
entre ele e o motivo para a teoria dos atos administrativos.
É imprescindível, de todo modo, diante dos imperativos de
proporcionalidade e de razoabilidade da atuação estatal há pouco
mencionados, que o referido pressuposto, independentemente

99
FAGUNDES. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 71.
100
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 400.
101
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 401.
102
MEIRELLES. Mandado de Segurança – Ação Popular – Ação Civil Pública – Mandado de Injunção, p. 130.
103
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 56.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
50 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

da alcunha que receba (se causa, relação de causalidade, ou um


terceiro), seja cuidadosamente observado quando da prática dos atos
administrativos. De se dizer, por isso, que a ideia que a causa/relação
de causalidade representa consiste em inegável pressuposto de validade
do ato administrativo.
Tem-se, finalmente, o pressuposto formalização, que goza de
observância restrita. A formalização, ou pressuposto formalístico,
denominação atribuída por Bandeira de Mello,104 é a específica maneira,
imposta pela lei, pela qual o ato administrativo será exteriorizado
(escrito, por exemplo). Fagundes,105 que se refere ao pressuposto por
“forma”, pontifica que a sua inobservância implicará a invalidez do
ato em duas hipóteses: (a) quando a lei expressamente exigir a forma
preterida, declarando-a indispensável; e (b) quando a forma for
instituída com finalidade que só possa ser atendida pela sua obediência.
Já para Bandeira de Mello, 106 a formalização apenas significará a
invalidade do ato se prejudicar a publicidade deste, é dizer, se colocar
em cheque a apreensão, por seus correspectivos destinatários, de sua
substância. Caso não o faça, conclui, redundará em mera irregularidade,
imputável somente ao agente público.

1.1.4.1.5 Prática em uma relação jurídica de administração


Concluindo o exame do ato administrativo, cabe expor o que
significa ser praticado “em uma relação jurídica de administração”.
As relações jurídicas de administração, é cediço, não são próprias do
Direito Administrativo. Há uma série de relações de administração típicas que
não pertencem a tal seara, que são reguladas pelo Direito Privado, a exemplo
das de curatela e tutela. Entretanto, é somente no Direito Administrativo,
melhor dizendo, na atividade administrativa, que a relação de administração
é a regra, é a ideia nuclear, o dado essencial, como nos diz Araújo.107
Lima,108 célebre administrativista gaúcho, ao tratar da relação de
administração como qualidade fundamental do ato administrativo, define-a,
a partir de sua essência, de maneira singela, porém precisa. Segundo o autor,
tal, a essência da relação de administração, encontra-se vinculada “[...] a
um fim alheio à pessoa e aos interesses particulares do agente ou órgão

104
BANDEIRA DE MELLO. Loc. cit.
105
FAGUNDES. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 73.
106
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 384.
107
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 34.
108
LIMA. Princípios de direito administrativo, p. 21.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
51

que a exercita”. Em termos ainda mais esclarecedores, Lima109 ensina que


“[...] opõe-se a noção de administração à de propriedade, visto que, sob a
administração, o bem não se entende vinculado à vontade ou à personalidade
do administrador, porém, à finalidade impessoal a que essa vontade deve
servir...”. Dita relação exprime, assim, o exercício de uma função, in casu, a
função administrativa, já antes referida. E essa relação, prossegue o autor,
é apenas existente quando é devidamente protegida pela mesma ordem
jurídica que fixou as finalidades da atividade em administração.
O ato administrativo, por isso, denota a concreção, pelo agente
público, de objetivos que não são próprios a ele. Fins, em conformidade
com a lei, que ele objetiva implementar em nome de outrem, diga-se, para
outrem, os administrados. Daí o exercício da função administrativa em
uma “relação jurídica de administração”.

1.1.4.2 O procedimento administrativo


É sabido que, tradicionalmente, o procedimento administrativo
é visto como o encadeamento de atos administrativos que se presta à
consecução de determinada finalidade. Visto, então, sob a perspectiva do
lançamento tributário – lembrando que o art. 142 do CTN o qualifica como
o “[...] procedimento administrativo tendente a...” – invariavelmente se
concluiria que o lançamento nada mais é que a sequência de atos destinada
à realização das ações descritas no citado art. 142. E não se está errado
ao assim se pensar. No entanto, o reconhecimento da natureza jurídica
do lançamento como procedimento administrativo tem objetivos mais
abrangentes; no tocante a como o procedimento administrativo tem sido
encarado pelo Direito Administrativo, o que é demonstrado a seguir.

1.1.4.2.1 Evolução da atuação estatal administrativa e o “ato


administrativo perdido”
O Estado Liberal foi concebido como resposta ao extremismo do
sistema absolutista, o qual, em razão de sua primordial função de proteger
a população dos inimigos externos, garantindo-lhe segurança no inconstante
mundo feudal, acabou por se tornar excessivamente opressor, intervindo
na esfera privada dos indivíduos sem lhes reconhecer qualquer liberdade
ou direito à propriedade.110 O modelo liberal surgiu, dessa forma, com o

109
LIMA. Op. cit., p. 20.
110
Comentários mais detalhados sobre os paradigmas constitucionais são feitos abaixo, quando
do exame da ressignificação da segurança jurídica.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
52 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

paradoxal papel de, a um só tempo, proteger o cidadão contra os eventuais


abusos do Poder Central e garantir a este a força necessária para manter a
ainda incipiente estrutura estatal. Assim, para garantir os ideais vigentes
à época – mormente os de não intervencionismo estatal na esfera privada
dos indivíduos e de segurança (também jurídica) para que pudessem se
desenvolver plenamente – concebe-se um Estado que, embora abstencionista,
estrutura-se forte e em posição de superioridade ao cidadão.
O Direito Administrativo, a sua vez, entendido como o direito
positivo atinente a essa temática, nasce, nesse contexto, sobre bases
igualmente contraditórias: “[...] ao mesmo tempo em que pretende
assegurar o interesse público, garantindo a atuação soberana do poder
público, busca proteger os abusos na utilização administrativa do
poder estatal”. 111 E é arquitetado, além de intensamente teorizado,
tendo por centro referencial o ato administrativo, de caráter unilateral
e imperativo, mediante o qual o Estado exerceria o seu poder de
autoridade, condicionando, em prol do interesse público, as atividades
dos particulares.112 A doutrina administrativista clássica, por isso, lançava
suas atenções para o momento decisório, de emissão do ato, descurando-
se do caminho conducente à sua prática, bem assim das variadas relações
e sujeitos que em torno dele orbitavam.
Com a crise do paradigma liberal – notadamente escorada no
surgimento de um novo estrato da sociedade, a classe operária, clamante
por inclusão, bem assim no seu fracasso em promover uma distribuição
de rendas equilibrada entre os membros do corpo social (e a nova
classe era o maior exemplo disso) – deu-se o advento do Estado Social,
pensado, principalmente, para buscar pela justiça social e pela igualdade
material, a serem implementadas por meio de ações estatais positivas
nesse sentido. Nessa conjuntura, a atuação estatal, para concretizar
ditas finalidades, deixou de ser mero exercício de autoridade, passando
a se voltar para o cidadão, de modo a assegurar-lhe o bem-estar tão
almejado. A Administração Pública, assim, sob o novo paradigma,
inaugurou, nesse período histórico, consoante observa Andrade,113 a
progressiva e irreversível abertura estatal para o direito privado e para
a equalização da posição do cidadão nas relações com ela travadas, o
que significou, em poucas palavras, a admissão da participação dos
particulares na gestão pública. O fenômeno, a partir daí, tornou-se de

111
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), p. 321.
112
ANDRADE. Op. cit., p. 298.
113
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), p. 271.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
53

fato crescente e incontrolável, gerando uma série de consequências para


o modo de desempenho da função administrativa, os seus fundamentos
e para o Direito Administrativo como um todo. A participação do
particular, no entanto, não foi o único fator causador do processo de
transformação do agir estatal aí iniciado. Também a intensificação da
complexidade das relações sociais experimentada desde o último século
contribuiu para a alteração da atuação estatal administrativa,114 que
igualmente passou a pautar-se pela hipercomplexidade.115
Sem a pretensão de esgotar as características do novo modelo
instaurado, mas sim, apontar as principais a fim de permitir a sua melhor
visualização, arrolam-se, abaixo, algumas delas:
(i) Em primeiro lugar, como adiantado, em reivindicação de uma
ideia de “democracia administrativa”, a distância entre Estado e
sociedade, como ideia e como prática, diminui consideravelmente.
Os administrados, por si próprios e por organizações de classe
(que se proliferam), passam a exigir maior participação na
tomada de decisões administrativas e, conjuntamente e como
decorrência, a própria Administração passa a ser menos
imperial, buscando soluções por meio de acordos, negociações
e consenso dos cidadãos.116 A Administração Pública, ademais,
revela-se propensa a utilizar, mais frequentemente, instrumentos
contratuais para a realização de suas atividades.117 Passa-se a se
almejar, na atualidade, o atingimento de uma “Administração
concertada”, que tem como mote a busca pelo consenso, que se
dá pela participação dos particulares envolvidos e interessados
nas decisões administrativas, e que torna estas mais legítimas
e acertadas (pela possibilidade de maiores informações). 118
A “Administração concertada” privilegia a aceitação das
decisões administrativas em contraponto com sua imposição,
característica da função administrativa nas suas origens (ainda no
modelo liberal). No campo tributário, a “privatização da gestão
fiscal”, da qual já se tratou, com o contribuinte participando
ativamente (e também exclusivamente na maioria dos casos) da
atividade de arrecadação tributária, bem assim a consolidação

114
Comentários mais detalhados sobre os paradigmas constitucionais são feitos abaixo, quando
do exame da ressignificação da segurança jurídica.
115
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 135-144.
116
MEDAUAR. Administração pública: do ato ao processo, p. 411-412.
117
MEDAUAR. Op. cit., p. 411.
118
SOARES. Direito administrativo de participação, p. 176; PINTO E NETTO. Contratualização da
função pública, p. 66-68.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
54 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

e a especialização dos “Tribunais Administrativos”, órgãos


estatais (muitas vezes paritários) revisores das autuações fiscais,
são exemplos dessa nova tendência.
(ii) Ao mesmo tempo em que se percebe o surgimento de novas
modalidades de atuação da Administração, principalmente em
razão da maior participação dos cidadãos na função administrativa,
verifica-se que os atos administrativos não produzem efeitos
exclusivamente para seus destinatários. É dizer, possuem eficácia
também contra terceiros. Outros particulares, por isso, além
do destinatário, podem ser afetados pelo ato administrativo,
ou, indo mais além, pode ocorrer a fixação de vínculo jurídico
entre a Administração e esses terceiros (vínculo independente
daquele que liga o destinatário e a autoridade administrativa),
como consequência da complexidade das atuais relações
sociais.119 Afigura-se a necessidade, nesse cenário, de se encarar a
existência de uma relação jurídica multilateral entre autoridades
administrativas, os destinatários do ato e terceiros por ele afetados.
A decisão administrativa passa, portanto, a não poder ser analisada
isoladamente, mas sim, como um momento de uma relação jurídica
maior que a prática do ato.120 Na seara tributária, é ilustrativa
a figura das respostas às “Consultas Fiscais”. Direcionadas aos
contribuintes que formularam os questionamentos, elas, muitas
vezes amplamente divulgadas, passam a ser utilizadas por terceiros
como verdadeiros padrões de conduta fiscal, além de argumentos
para elidirem eventuais autuações fiscais.
(iii) A Administração Pública deixa de ser considerada como sim-
ples executora da lei, passando a participar na sua elaboração
e a editar atos normativos gerais com mais assiduidade.121
Proliferam-se, assim, decisões genéricas, sob a forma de
disposições-programa ou de tipo finalístico, conforme observa
Silva.122 Essas decisões são aquelas tomadas pela Administração
Pública com finalidades genericamente estabelecidas e que
trazem ampla liberdade da escolha dos meios necessários para
se alcançar tais fins. E que, ademais, por buscarem variados
fins, simultaneamente ou em diferentes momentos, sujeitam-se
ao risco de se mostrarem contraditórias. Ou seja, avultam-se

119
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 135-144.
120
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 135-144.
121
MEDAUAR. Administração pública: do ato ao processo, p. 411-412.
122
SILVA. Loc. cit..
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
55

as atuações de caráter geral.123 E, nesse panorama, mostra-se a


necessidade de se coordenar os diferentes interesses públicos
envolvidos na atuação orgânica da Administração, o que de-
monstra a importância de se considerar, autonomamente, as
relações entre as diferentes autoridades administrativas (e não
apenas entre os particulares e a toda Administração Pública) e,
também, valoriza o procedimento administrativo que precede
a decisão, que pode passar a funcionar como ferramenta de
composição de interesses antagônicos verificados, interna-
mente, na própria Administração.124 Exemplificando com o
caso tributário brasileiro, tem-se as instruções normativas da
Receita Federal do Brasil, verdadeiros códigos (por isso, gerais
e abstratos) prescritores das condutas fiscais.
(iv) Além disso tudo, há também uma tendência de tecnização da
Administração Pública. A atuação do Estado, em desempenho de
sua função administrativa, tem sido cada vez mais regulada por
critérios técnicos, transformando-se numa atividade de gestão.125
Conforme observa Silva,126 tal fenômeno tem desqualificado,
paulatinamente, a atividade administrativa como exercício de
poder ou autuação autoritária. No campo tributário, talvez
onde o uso da tecnologia tem maior utilização, os exemplos
são dos mais variados: escriturações contábeis, declarações de
apuração de tributos e até compensações administrativas são
feitas eletronicamente nos dias de hoje.
Ao lado desses predicados, todos de ordem mais prática (pois,
ainda que decorram de alterações legislativas, advêm da observação
do contexto atual), há uma última constatação, atinente à ordem
jurídica, necessária a traçar os aspectos centrais do exercício da função
administrativa nos dias de hoje: o reconhecimento, com a instauração
do novo paradigma constitucional (Democrático de Direito), de direitos
subjetivos públicos dos cidadãos frente à Administração Pública.127 Com

123
PINTO E NETTO. Contratualização da função pública, p. 65.
124
SILVA. Loc. cit.
125
PINTO E NETTO. Contratualização da função pública, p. 65.
126
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 108.
127
Sobre a questão, Pinto e Netto (2005, p. 85) é elucidativa: “A ideia de recorrer aos direitos
fundamentais mostra que se admitiu que o Direito Administrativo depende e descende da
Constituição, as normas jurídico administrativas devem ser entendidas à luz das normas
constitucionais, devem realizar os direitos fundamentais. A dimensão negativa que daí advém é
marcante e protege os particulares contra violações ilegais dos poderes públicos, já que se passa a
entender que os direitos fundamentais são direitos subjetivos e podem ser invocados diretamente
nas relações administrativas, são direitos de defesa. Estes direitos de defesa decorrem da agressão
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
56 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

a percepção da força normativa direta da Constituição, as atividades


de criação e de aplicação do ordenamento jurídico assumem feição
extremamente garantística, passando a se pautar pela concretização
máxima dos direitos fundamentais. A extensa gama de princípios
consagrados pelo texto constitucional, bem assim o reconhecimento
de sua aplicabilidade direta, revelam dita característica amplamente
assecuratória da nova conjuntura jurídico-constitucional. Nesse novo
contexto, assinala Andrade,128 os direitos fundamentais (e os princípios
constitucionais, que, em muitos casos, confundem-se entre si) deixam
de ter conotação meramente negativa (significativa do dever de não
violar as posições subjetivas do cidadão), a fim de assumirem uma
vertente oposta, condicionando a atuação da Administração Pública
positivamente, que deve passar a agir com o intuito de permitir a sua
máxima concretização. O Estado, assim, vale repetir, em qualquer forma
de atuação, deve parametrizar seus comportamentos pelo postulado da
proporcionalidade, objetivando, simultaneamente, respeitar os direitos e
as garantias do cidadão e implementá-las ao máximo. E o cidadão, nesse
ambiente jurídico, deixa a sua condição de súdito, simples administrado,
para ser considerado como sujeito de direito em pé de igualdade com
o Estado.129 Sujeito de direito que, além de em posição equiparada com
a do Estado, pela adoção do princípio democrático, pode participar (e
se espera que participe) do exercício da função estatal administrativa.130

por parte da Administração à esfera jurídica individual garantida pelos direitos fundamentais e
não se configuram como meros poderes processuais, têm conteúdo material”. E, ainda, acrescenta:
“A superação dogmática autoritária da impermeabilidade estatal é detectada pelo fato de se
haver regulamentado juridicamente o âmbito interno da Administração, pelo reconhecimento
dos direitos fundamentais, dos direitos subjetivos, do princípio da proporcionalidade, etc. Tudo
isso aponta para a concepção do particular como sujeito de direito e não como objeto de poder,
concepção esta que deve espraiar para a função pública”.
128
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), p. 323.
129
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), p. 324.
130
As lições de Andrade (2010, p. 352-353) sobre a “constitucionalização da função administrativa”
bem sintetizam este ponto:
“A ideia de função administrativa ganha a Constituição: a Administração passa a ser vista
como realizadora de atividades em prol da sociedade, do cidadão, perdendo importância
ou centralidade a noção de pessoa jurídica estatal como necessariamente a única detentora
do interesse público. O novo fim da função administrativa não gira mais sobre a dupla
poder-sujeição, mas sim, sobre a “função social-direito da pessoa”. O Estado vê ampliar
suas atribuições ou sua competência: passa ao campo prestacional, mudando seu papel: ao
invés de simples regulador e curador da ordem pública, atuando prevalente por meio de ato
administrativo, unilateral e imperativo, passa a atuar diretamente para fornecer prestações
ao cidadão. De simples administração em função do governo, passa para administração em
função do cidadão. Abre-se também, a Administração para a possibilidade de o cidadão
participar do seu processo de tomada de decisão, tornando-se mais democrática”.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
57

De se ver, assim, de todas essas observações, tanto de natureza


empírica, quanto de natureza jurídica, que o exercício da função
administrativa (centrado no ato administrativo) não mais se dá como
classicamente pensado, ainda sob a égide do modelo liberal de Estado,
em que as preponderavam características como unilateralidade,
imperatividade, executoriedade, autotutela irrestrita, além de absoluta
supremacia do interesse público. Todos esses predicados, vistos de maneira
absoluta, relativizam-se frente aos reconhecidos direitos subjetivos
públicos dos cidadãos. O direito de participação no processo de tomada
de decisões mitiga a unilateralidade. A equiparação de administrados e
da Administração enquanto sujeitos de direitos e deveres põe em xeque
o caráter historicamente imperativo da atuação estatal. Todas as “vestes
autoritárias” do agir administrativo, aliás, para se usar a expressão de
Silva,131 são abandonadas em face do reconhecimento da normatividade
positiva dos direitos fundamentais: o poder não deve ser mais autoritário,
pois é consensual, participativo, e compartilhado; o interesse público
não justifica abusos, pois não há sua supremacia a priori;132 a autotutela
administrativa também não se dá de modo irrestrito, eis que o princípio
da segurança jurídica, em última análise, limita-o de variadas formas,
preservando atos inválidos, em alguns casos, ou apenas mantendo os
seus efeitos.133 E a clássica legalidade administrativa, símbolo, em seu
fechamento, dos poderes da Administração, submete-se, antes de tudo,
ao Direito, como ainda se demonstrará pormenorizadamente. A atuação
estatal administrativa, enfim, não mais se efetiva como outrora.
Isso não quer dizer, todavia, que ditas características dos atos
administrativos não mais permanecem. Elas continuam lá, conformando-o
estruturalmente. Mas perdem, ante o novo paradigma constitucional,
o seu caráter absoluto. A Administração Pública, em efeito, ainda deve
obediência ao dever de autotutela dos seus atos, o que decorre de sua
submissão à legalidade administrativa. Ao exercer esse “dever-poder”,
todavia, ela está jungida a uma série de limites advindos da consagração
dos direitos subjetivos públicos dos cidadãos, que terminam por matizar a
legalidade e a autotutela, mas apenas isso, não extingui-las. Ainda haverá,
ademais, diversos casos em que a função administrativa materializar-
se-á em atuação unilateral impositiva, pois as circunstâncias concretas
assim exigirão. A consensualidade não será adequada a todos os casos,

131
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 108.
132
Afirmação que ficará mais clara quando se examinar o interesse público propriamente dito, no
Capítulo seguinte.
133
Sobre a segurança jurídica, considerações detalhadas são feitas no próximo Capítulo.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
58 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

em razão da preponderância de princípios como o da legalidade e o


da imparcialidade, conforme observa Pinto e Netto. O mote é, por isso,
a constante ponderação dos interesses em jogo, sempre pautada pela
juridicidade, que eventualmente tenderá por uma flexibilização das
referidas qualidades da atuação estatal administrativa.
Mas essas observações levam à constatação de que pensar e enxergar
o Direito Administrativo com fulcro exclusivo no ato administrativo, o
meio típico da atuação estatal administrativa unilateral e impositiva, não
é atualmente apropriado. Deveras, o ato administrativo já não é mais
a única forma de concretização da atuação da Administração Pública,
tampouco esta se resume aos momentos de sua prática. Conforme observa
Silva,134 o ato administrativo é somente um momento na relação entre
Administração e particulares, cuja existência lhe é anterior e posterior,
além de não consistir no único meio de criação, extinção ou modificação
dessas relações de índole administrativa.
O ato administrativo, assim, por não mais refletir a riqueza e a
complexidade da atuação da Administração Pública, teve a sua centralidade
no Direito Administrativo questionada por vários autores,135 havendo
quem chegasse a afirmar que ele nem mesmo se amoldou ao paradigma
constitucional liberal, a exemplo de Pinto e Netto.136 Sobre o tema,
merece especial destaque a obra de Silva,137 intitulada “Em busca do acto
administrativo perdido”, possuidora de ampla aceitação nas doutrinas pátria
e estrangeira e referência no estudo da matéria. O autor, após traçar um
completo “[...] diagnóstico da situação de crise da decisão administrativa
clássica como conceito central do Direito Administrativo...”, aponta duas
principais alternativas dogmáticas para se enfrentar e compreender a
moderna função administrativa, quais sejam:138

134
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 108.
135
Como Enterría e Fernandez (apud SILVA, 2003, p. 145): “[...] a teoria do ato administrativo
está suportando um peso excessivo, o de tentar expressar em uma espécie de célula básica o
microcosmo definidor, a substantividade e toda a peculiaridade do Direito Administrativo.
[...] Em nosso direito positivo (nos permitimos crer que assim ocorrerá nos demais) o ato
administrativo é mais uma instituição do Direito Administrativo, não ‘a’ instituição por
excelência, que tenta resumir todas as peculiaridades desse Direito”. Afonso (apud SILVA,
2003, p. 175): “[...] Já se ressaltou antes como o crescimento da Administração prestacional
ou, mais genericamente, social valorizou a dimensão temporal das relações jurídico-
administrativas, com superação, assim, da perspectiva tradicional puramente pontual ou do
caso concreto, enquanto baseada em decisões (visão, pois, fragmentada e estática – caso a caso
– do administrativo). Explica-se, pois, a perda de protagonismo ou de centralidade do ato
administrativo, em favor de outras formas, consideradas mais adequadas à gestão de novas
tarefas que a Administração deve realizar, inclusive, de algumas tarefas tradicionais”.
136
PINTO E NETO. Contratualização da função pública, p. 73.
137
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 144.
138
SILVA. Loc. cit.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
59

(i) uma de origem alemã, de índole subjetivista, que propõe como


fulcro do Direito Administrativo as ligações estabelecidas
entre os vários sujeitos e a Administração, as relações jurídicas
administrativas;139 e
(ii) outra de origem italiana, de índole objetivista, que tem a atuação
coordenada de Administração e particulares em esquemas
procedimentais, é dizer, o procedimento administrativo, como
ponto central.
Essas concepções, como se verá a seguir, estão mais adequadas ao
tratamento teórico do exercício da função administrativa, em especial
daquela de índole tributária. E não precisam ser manejadas de modo
excludente, conforme igualmente se demonstrará. Antes de fazê-lo,
entretanto, expõe-se, abaixo, isoladamente, cada uma das teorias, o que
permitirá a melhor inteligência do que se virá a dizer.

1.1.4.2.2 A relação jurídica administrativa como centro do


Direito Administrativo
O tema de que ora se cuida não é questão na doutrina especializada.
Além da aludida dicotomia, verifica-se dissenso nos próprios partidários
da relação jurídica administrativa, em variados pontos, como a sua possível
aplicabilidade, conteúdo e extensão no âmbito jurídico-administrativo.140
Há aqueles, por exemplo, que, conquanto não rejeitem a existência de
tais relações, veem-na como algo fadado a ser desequilibrado, no qual o
particular aparece, sempre (e exclusivamente), como sujeito passivo; outros,
também a admitindo, nela não enxergam relevâncias teóricas ou práticas
para o estudo e a compreensão do Direito Administrativo.141
Existem doutrinadores, por outro lado, que concebem a relação
jurídica administrativa como conceito central do Direito Administrativo,
segundo anteriormente adiantado. Segundo o inventário realizado
por Silva, autores alemães como Bachof, Erichsen, Martens e Haeberle
percebem a relação jurídica como o instrumento fulcral para a compreensão
da realidade jurídico-administrativa, entendendo-a, em linhas gerais,
como qualquer ligação jurídica entre sujeitos jurídicos segundo o
Direito Administrativo.142 Da doutrina pátria, Pinto e Netto,143 embora

139
SILVA. Op. cit., p. 149.
140
PINTO E NETO. Contratualização da função pública, p. 80.
141
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, passim.
142
SILVA. Op. cit., p. 60.
143
SILVA. Op. cit., p. 86.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
60 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

faça a ressalva que as principais alternativas dogmáticas propaladas, a


relação jurídica administrativa e o procedimento administrativo, não são
incompatíveis entre si, opta pela prevalência da primeira, eis que o “[...]
reconhecimento dos direitos subjetivos públicos influencia favoravelmente
no sentido da relação jurídico-administrativa...”.
E as divergências doutrinárias aí não se esgotam. Pinto e Netto,144 de
forma bastante didática, identifica duas correntes distintas em meio àqueles
que se manifestam pela centralidade da relação jurídica administrativa:
“[...] alguns entendem-na de forma restrita, como instituto previsto pelas
normas jurídicas, com concretização dependente de um fato jurídico, [...];
outros sustentam entendimento amplo, segundo o qual a relação jurídica
é criada diretamente pela norma...”. Mas a própria autora observa que a
distinção não tem razão de ser, visto que, na essência, ocorre no campo
do Direito Administrativo o mesmo que se dá no âmbito das relações
privadas: “[...] os sujeitos típicos se encontram na lei, mas é necessário
que os sujeitos se coloquem debaixo do âmbito de aplicação da lei, norma
geral e abstrata, para que surja uma relação e para que tais efeitos se
produzam”.145 Opinião compartilhada por Silva,146 147 para quem a relação
jurídica administrativa é qualquer ligação jurídica concreta estabelecida
entre dois ou mais sujeitos, sendo um deles uma autoridade administrativa,
originada em um fato jurídico qualquer (relevante ao Direito, por isso),
como um ato administrativo, a abstenção de sua prática, a ação do
particular, um contrato, etc.
Mas é em face do reconhecimento da força normativa dos direitos
fundamentais dos cidadãos, os quais podem, na atualidade, exigir compor-
tamentos positivos da Administração com base neles, que é possível verificar
(demonstrar) a real existência da relação jurídica administrativa. Ou seja, é
pelo motivo de se reconhecer que os cidadãos possuem direitos oponíveis

144
PINTO E NETO. Op. cit., p. 81-82.
145
PINTO E NETO. Contratualização da função pública, p. 82.
146
SILVA. Op. cit., p. 185.
147
“O entendimento dos direitos fundamentais, como consagrando um estatuto jurídico dos
particulares, permite, portanto, explicar tanto a invocação direta dos direitos subjetivos nas
relações administrativas concretas, como a definição da posição relativa em que se devem encontrar
os indivíduos perante a Administração, decorrente dos direitos fundamentais, e que vincula
juridicamente o legislador (que certos autores designam através da expressão “relação jurídica
geral”). Não me parece, pois, que seja necessário falar de uma abstrata relação jurídica geral,
nem distinguir entre a relação geral e as relações administrativas concretas. As relações jurídicas
administrativas são as concretas ligações entre os privados e as autoridades administrativas
(ou entre as próprias autoridades administrativas), criadas por um facto qualquer (actuação da
Administração ou do particular, contrato, evento natural, etc.) juridicamente relevante, e tendo
por conteúdo, direitos e deveres previstos na Constituição e nas leis, ou decorrentes de contrato,
ou de atuação unilateral da Administração.” (SILVA, 2003, p. 185).
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
61

à Administração, que se verifica que ambos devem ser vistos como partes
equivalentes em uma relação jurídica. E a relação entre direitos subjetivos
públicos e relação jurídica administrativa é verdadeira via de mão dupla: ao
mesmo tempo em que reconhecer a existência de direitos subjetivos públicos
leva, inelutavelmente, à percepção da existência de uma relação jurídica
entre Administração e administrados, reconhecer esta relação faz com se
considere, que, em seu conteúdo, tais direitos estão encartados.
Por isso, a análise do exercício da função administrativa a partir
das relações jurídicas estabelecidas entre administrados e Adminis-
tração afigura-se muito mais adequada à compreensão da realidade
jurídico-administrativa. Focar-se, por outro lado, dito exame no ato
administrativo, compromete o sucesso de tal inteligência, pois se des-
loca, indevidamente, os cidadãos para o segundo plano.

1.1.4.2.3 O procedimento administrativo como centro do


Direito Administrativo
Enquanto a relação jurídica surge principalmente como decorrência
da necessidade de se reconhecer direitos dos cidadãos quando em face da
atuação administrativa, é dizer, de equiparar particulares e Administração
enquanto, ambos, sujeitos de direitos e deveres, abolindo-se a ideia de
uma supremacia absoluta e apriorística desta última, o procedimento
administrativo aparece como forma de organização do exercício da função
administrativa, que, com o passar do tempo, tornou-se assaz complexa,
dinâmica e participativa. Concebe-se o procedimento, pois, com a
finalidade primeva de instrumentalização dos princípios constitucionais
da democracia e da imparcialidade: objetiva-se, com sua utilização, (a)
democratizar o desempenho da função administrativa, permitindo a
participação dos cidadãos e tornando, por isso, o exercício do poder
compartilhado e, por isso, mais legítimo; além de (b) potencializar a
probabilidade de acerto das decisões administrativas, pois maiores
informações podem ser obtidas e os interesses envolvidos têm mais chances
de ser todos conhecidos.148
Num primeiro momento, portanto, o procedimento não é pensado
como instrumento de defesa dos interesses dos cidadãos; ele se volta,
repita-se, a melhorar o exercício da atividade estatal administrativa,
tornando-a mais imparcial e democrática (e, por isso, como consequência

148
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), pp. 299-300; PINTO E NETO. Contratualização da
função pública, p. 78.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
62 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

direta, menos autoritária). O foco, pois, da teorização do procedimento


administrativo é, em sua origem, a maior organização das atividades
da Administração Pública, não a criação de uma arena para que os
administrados defendessem os seus interesses.149
Mas o procedimento, logo se percebe, por estimular e possibilitar
a participação dos administrados, embora não tenha sido pensado
primeiramente para tal, é locus bastante adequado para o exercício, pelos
cidadãos, de seus direitos, pois nele estes se fazem ouvir e obrigam a
Administração a sopesar interesses públicos e particulares antes de
tomar as suas decisões.150 Afere-se, assim, que o procedimento tem
valor em si mesmo, não é mero meio de tomada de decisões; “[...] nele
se vislumbra o exercício de um direito autônomo pelos particulares: o
direito de participação”.151
Também o procedimento, assim, (a) por permitir, de um lado, a
organização da complexa e dinâmica atuação estatal e a composição dos
interesses envolvidos (normalmente conflitantes em diversos pontos),
bem assim, (b) de outro lado, o seu controle de validade, eis que com o
delineamento da sequência de atos para se chegar a determinado fim,
reduz-se as chances de vícios, potencializando-se a possibilidade destes,152
mostra-se deveras mais adequado à apreensão da realidade jurídico-
administrativa que o ato administrativo, figura erigida sobre os pilares
da unilateralidade e da imperatividade.153

149
Silva (2003, p. 306), partindo da obra do italiano Cassese, esclarece bem a questão:
“A participação no procedimento é, portanto, de acordo com esta orientação, vista a partir da
perspectiva da organização administrativa, enquanto mecanismo institucionalizado de colaboração
dos particulares e das autoridades públicas para a produção de decisões administrativas. Daí que a
intervenção do particular no procedimento seja analisada não como meio de defesa de suas posições
subjetivas perante a Administração, mas como expediente organizativo destinado à tomada das
melhores decisões administrativas, em resultado dessa cooperação. Aquilo que se valoriza não
é tanto a oportunidade do particular se defender preventivamente da Administração, mas a
importância dos novos fatos e interesses que ele pode vir a trazer no procedimento, concebendo-
se o particular como um participante activo da realização da função administrativa. Mais do que
um instrumento de protecção acrescida do particular perante as autoridades administrativas, ‘o
procedimento é o perfil dinâmico da organização’.”
150
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), pp. 302-303.
151
PINTO E NETO. Contratualização da função pública, p. 79.
152
ANDRADE. O mandado de segurança: a busca pela verdadeira especialidade (proposta de
releitura à luz da efetividade do processo), p. 304.
153
A propósito, a opinião de Andrade:
“Em conclusão, a ênfase nos procedimentos em que a Administração exercita poder de autorida-
de deve ser para a garantia do cidadão. Ao contrário, nos procedimentos administrativos inter-
nos, reguladores da própria actuação administrativa, a tônica deve ser posta no interesse público.
Trata-se da necessidade de harmonizar princípios: equilíbrio entre os princípios da impesso-
alidade (= na Itália, imparcialidade) e da eficiência (= na Itália, bom andamento). Nos casos
em que a Administração atua internamente para perseguir o bom interesse público, a nota
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
63

1.1.4.2.4 Compatibilidade entre ambos os modelos: maior


adequação à função administrativa
Ambas as alternativas apresentadas afiguram-se adequadas à
compreensão do cenário jurídico-administrativo atual. E, ambas, como se
disse, cumprem esse papel de modo mais eficiente que o ato administrativo.
A hodierna realidade do Direito Administrativo é (a) privilegiadora da
participação e da consensualidade na execução da função administrativa;
(b) palco de ações administrativas multilaterais (não restringindo os seus
efeitos aos seus naturais destinatários, mas também atingindo terceiros);
(c) ações estas que passam também a redundar em atos de características
gerais e abstratas, tal como as leis, que, por isso mesmo, geram conflitos
ante os variados interesses dos seus múltiplos destinatários; (d) na qual a
tecnização é a tendência, o que tem mitigado a característica de exercício
de poder da função administrativa, nela revelando uma atividade técnica
de gestão; e, (e) em que se reconheceu (e.1) a normatividade positiva
dos direitos fundamentais dos administrados, hoje sujeitos jurídicos
equiparados à Administração, pois igualmente subordinados ao Direito,
bem assim (e.2.) a necessidade da participação destes (cidadãos), para
tornar o processo de tomada de decisões mais legítimo. Tendo em vista tal
panorama, de fato, centrar o seu exame em figuras como a relação jurídico-
administrativa ou o procedimento administrativo, formas abarcantes da
realidade desenhada, mostra-se mais adequado que o ato administrativo,
instituto construído noutro paradigma social e jurídico.
Não há a necessidade de se optar, no entanto, por uma ou outra
fórmula. Conforme já se adiantou, elas não são excludentes – daí, aliás, o
motivo para que alguns autores, como Medauar,154 questionem a existência
de uma figura central no Direito Administrativo. Ambas podem ser vistas
como complementares, quando se concebe o procedimento como o ambiente
adequado para que se desenvolvam as relações jurídicas administrativas.
Mesmo não tendo sido aquele, inicialmente, pensado para a defesa dos
direitos do cidadão, a sua evolução demonstrou que nele esse objetivo
é plenamente implementável, além de possibilitar que o cidadão não só
aja em guarda dos seus direitos, mas também que participe da execução
da função administrativa. E este não deve ser visto como substitutivo da
relação jurídica, por supostamente abrangê-la; é importante a percepção da

prevalente fica por conta do princípio da eficiência (= bom andamento). Naqueles de exercí-
cio de poder de autoridade, a nota fica por conta da imparcialidade ou da impessoalidade.
Mas, deve-se reiterar: os dois princípios andam juntos: um não pode eliminar o outro. Devem
harmonizar-se”. (ANDRADE, 2010, p. 302-303).
154
MEDAUAR. Administração pública: do ato ao processo, p. 405-419.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
64 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

ideia de relação para o efetivo reconhecimento de equivalência de posições


jurídicas entre administrados e Administração.155
Afigura-se mais adequado, assim, nos dias de hoje, enxergar
a realidade jurídico-administrativa pela lente das relações jurídicas
instauradas entre administrados e Administração e, também, da
dos procedimentos administrativos, quando ditas relações neles
se desenrolarem (o que ocorrerá nas hipóteses em que os cidadãos
participarem do desempenho da função administrativa). Tal não quer
dizer, no entanto, que se tratem, os dois, das noções centrais do Direito
Administrativo. Prefere-se pensar, com Medauar,156 que não há uma figura
central, mas sim, a preocupação fulcral de concretização dos direitos
assegurados aos cidadãos, sendo os instrumentos que a permitem (dita
concretização), bem assim auxiliam na compreensão da complexa realidade
do Direito Administrativo, todos eles importantes para o enfrentamento do
tema.157 Nesse diapasão, se as alternativas expostas melhor possibilitam a
inteligência do fenômeno jurídico-administrativo na atualidade que o ato
administrativo, tal não quer dizer que esta figura deva ser abandonada,
pois ainda exerce importantes papeis, conforme já se observou.158

1.1.4.3 O lançamento tributário como ato e procedimento


administrativos
O lançamento tributário, inicialmente, é ato administrativo pelo
qual as ações indicadas pelo art. 142 do CTN são exercidas. Tanto (a) no
regime do lançamento por declaração (art. 147 do CTN), pelo qual o ato é
praticado apenas depois de prestadas declarações fáticas pelo contribuinte,
quanto (b) na sistemática do lançamento de ofício (art. 149 do CTN), em
que o ato é implementado oficiosamente pela autoridade pública, seja como
condição de exigibilidade do tributo, seja em resposta à inadimplência
posteriormente contatada em procedimento de fiscalização. Em todos esses
casos, o lançamento tributário é um ato de exigência do tributo.

155
SILVA. Em busca do ato administrativo perdido, p. 161-162.
156
MEDAUAR. Op. cit., p. 405-419.
157
MEDAUAR. Administração pública: do ato ao processo, p. 418-419.
158
“O quanto até agora se observou redimensiona em parte o papel do ato administrativo (ou
melhor, contribui para eliminar enfatizações injustificadas), mas não deve conduzir ao oposto,
e ainda mais discutível, ao convencimento de que o próprio ato se reduziria a um conceito
meramente abstrato, a mera categoria lógica inexistente na realidade, da qual não seria
possível buscar uma disciplina constante. Mesmo no mais amplo quadro de uma atividade
funcionalizada e procedimentalizada, os atos constituem instrumento típico (não o único)
pelo qual a administração age e do qual são analisados estrutura e função, tipologia e eficácia,
requisitos de validade, etc.” (VILLALTA apud MEDAUAR, 2008, p. 419).
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
65

O lançamento tributário também é o ato administrativo que


homologa a atividade de apuração e de recolhimento do tributo realizada
pelo contribuinte, quanto a exação se sujeita ao regime do lançamento
por homologação (art. 150 do CTN). Essa conclusão, embora, por muito
tempo, negada pela maior parte da doutrina especializada, emerge de
forma bastante clara da leitura do art. 150. Esse dispositivo é inequívoco
em estabelecer que o “[...] lançamento por homologação [...] opera-se pelo
ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade
assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.” (sem destaques no
original). O fato de esse ato de homologação não ser (aparamente) praticado
pelas autoridades fiscais – e a presente tese quer justamente provar o
contrário – não é razão suficiente para sustentar a sua não existência. E,
diga-se mais, não há nada de absurdo nessa interpretação; o lançamento
tributário como ato de homologação nada se difere do lançamento
tributário como ato de exigência. Ambos possuem o mesmo conteúdo. Da
mesma forma que o auditor fiscal, para exigir o tributo, deve “[...] verificar
a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo...”, para homologar a atividade realizada pelo contribuinte,
ele deve fazer precisamente o mesmo, uma vez que a homologação,
semanticamente, pressupõe a comparação (i. é, quem homologa, compara o
ato homologável com aquele que deveria ser praticado; somente se ambos
se identificam é que a homologação – a chancela, a confirmação – é dada).
E o lançamento tributário ainda é procedimento administrativo.
Em respeito ao art. 142 do CTN, da mesma maneira que o lançamento
é o ato que revela as ações de “[...] verificar a ocorrência do fato gerador
da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular
o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo...”, ele
igualmente é o procedimento pelo qual elas são praticadas, quando
atos administrativos isolados são necessários para tal. Em reverência ao
entendimento de Xavier (1997), sabe-se que normalmente tais “verbos”
são realizados apenas intelectualmente pela atividade administrativa,
que consequentemente os externa em um ato só. Mas há situações em
que ditas práticas se exteriorizam em atos distintos. Isso usualmente não
acontece nos casos de tributos submetidos ao lançamento de ofício. No
entanto, no regime do lançamento por homologação, em que vários os
atos são perpetrados até que a obrigação tributária se considere extinguida
(art. 156 do CTN), a constatação é patente e tranquila. Há situações em
que apenas o contribuinte atua – preenchendo e entregando declarações,
escriturando livros fiscais, emitindo documentos de mesma natureza
e recolhendo o tributo, por exemplo. Noutros casos, todavia, em que a
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
66 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

atividade do contribuinte é seguida de fiscalização pela autoridade, os


atos administrativos se multiplicam e a existência de um procedimento
se trona incontestável.
Como é sabido, essa última situação é a mais comum nos dias de
hoje: tributos recolhidos sob o regime do lançamento por homologação,
eventualmente inspecionados em processo de fiscalização instaurado
pela Fisco. Portanto, além de ato administrativo de exigência e/ou de
homologação, desconsiderar o lançamento tributário como procedimento
administrativo é, antes de tudo, inapropriado. É hora, aliás, de fazer justiça
aos redatores do CTN, os quais, quanto a este dispositivo, provavelmente
pensaram muito à frente dos doutrinadores que os intensamente criticaram.
Reconhecer o lançamento tributário como procedimento, nos dias de hoje,
não é simplesmente admitir que ele também é um conjunto ordenado de
atos; mas sim, e sobretudo, que Fisco e contribuintes interagem em uma
relação jurídica administrativa, em que ambos se equivalem enquanto
portadores de deveres e de direitos, e não em submissão, com o Estado
figurativamente se sobrepondo ao cidadão.
De tão importante essa observação (inclusive e, sobretudo, para a
presente tese), antes de se continuar o exame do lançamento tributário – a
partir de agora, especialmente do lançamento por homologação – apresentar-
se-á o que se entende por “relação jurídica administrativo-tributária”.

1.1.4.4 O lançamento tributário como relação jurídica


administrativa. A relação jurídica administrativo-
tributária
Com o advento das atividades de apuração e de recolhimento
do tributo (predominantemente realizada pelo contribuinte nos
dias de hoje), eventualmente seguidas pela atuação fiscalizatória da
Administração Pública, não se tem, portanto, apenas a configuração de
um procedimento no seu sentido clássico (como encadeamento de atos).
Exsurge o procedimento administrativo na sua concepção mais atual,
na forma como se expôs acima, é dizer, como o locus de relacionamento
entre administrados e Administração, que interagem em uma “relação
jurídica administrativa”. O lançamento tributário, dessa forma, como
procedimento administrativo, significa o surgimento de uma verdadeira
relação jurídica entre contribuintes e Fisco, na qual ambos são sujeitos
de direitos e de deveres.
Essa conveniência – na verdade, necessidade – de se reconhecer
o lançamento também como procedimento administrativo. Não apenas
porque ele igualmente se apresenta como um ordenado lógico de atos;
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
67

mas sim, porque ele não deve somente significar uma relação de poder
entre Estado tributante e contribuintes, em que aquele goza de direitos
apenas e estes possuem exclusivamente deveres. E o nosso Código
Tributário Nacional, embora tenha caracterizado o lançamento como
procedimento, distanciou-se da ideia de relação jurídica administrativa
em outros dispositivos. A regulação atinente à obrigação tributária,
ao invés de trazer em seu bojo a noção de relação jurídica tributária,
denuncia uma relação de autoridade:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto
o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com
o crédito dela decorrente.
§2º A obrigação acessória decorrente da legislação tributária tem por objeto as
prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação
ou da fiscalização dos tributos.
§3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se
em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Como se pode verificar, o CTN conceitua a obrigação tributária a


partir de uma dicotomia: (a) a obrigação tributária principal, que consiste
no dever, imposto ao sujeito passivo (contribuintes ou responsáveis – arts.
121 a 123159), de pagar tributo ou penalidade pecuniária160 ao sujeito ativo

159
“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo
ou de penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo
fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de
disposição expressa de lei.
Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que
constituam o seu objeto.
Art. 123. Salvo disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à
responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para
modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes.”
160
A doutrina faz críticas severas quanto à inclusão da penalidade pecuniária do conceito
legal de crédito tributário. Nesse sentido, Coêlho: “No §1º do artigo, o legislador do CTN
quis dar às multas fiscais, ou seja, ao crédito delas decorrente, o mesmo regime processual
do tributo (inscrição em dívida ativa, execução forçada, garantias e privilégios típicos do
crédito tributário). Para tanto, cunhou o §1º do art. 113. Mas o fez com desastrada infelicidade,
passando a ideia de que tributo e multa se confundem, o que não é permitido pelo art. 3º
do CTN, nuclear e fundante do conceito de tributo, eis que este último, conquanto implique,
juntamente com a multa, uma prestação pecuniária compulsória, prevista em lei, em prol do
Estado, dela se diferencia, precisamente, porque não é sanção de ato ilícito. Rigorosamente,
a obrigação principal tem por objeto o pagamento do tributo, O não pagamento do tributo é
que origina uma multa à guisa de sanção. Todavia, não quitada a multa, pode esta ser exigida,
como se fora crédito tributário, juntamente com o tributo. A redação do §1º está a exigir
reforma urgente. (COÊLHO, 2009, p. 615).
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
68 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

(a pessoa política tributante, ou que lhe faça as vezes – arts. 119 e 120161);
e (b) a obrigação tributária acessória, cujo objeto são deveres de fazer ou
de não fazer realizados pelo sujeito passivo para permitir ao sujeito ativo
efetivar as atividades de arrecadação e de fiscalização tributárias (ou
seja, verificar a regularidade da atuação do sujeito passivo). A obrigação
tributária, como se vê de sua regulação legal, é relação jurídica de uma só
via: há o dever do sujeito passivo de adimpli-la e o direito do sujeito ativo
de exigir o seu cumprimento.
A regulação legal apenas reflete uma tradição de autoritarismo e
de poder, que permanece até os dias de hoje na matéria fiscal. É claro o
desequilíbrio normativo entre Fisco e contribuintes. A própria definição
técnica da tributação devida, como crédito tributário (e não débito tributário),
demonstra qual era o foco da disciplina legal. E tal descompasso entre
devedores e credores do imposto apenas se acentua com a atualidade; já se
observou e é notório que a atividade de arrecadação de tributos – histórica
e naturalmente detida pelo Poder Público – é hoje quase que unicamente
exercida pelo particular. O uso da sistemática, no entanto, gera um elevado
custo aos contribuintes, que gastam mais com assessorias contábeis e
tributárias, além de terem suas despesas majoradas com a contratação
de mais empregados e com a adoção de sistemas operacionais cada vez
mais complexos.162 É dizer, os contribuintes são excessivamente onerados
com a transferência (que parece ser definitiva) do exercício da função
administrativo-tributária para a sua responsabilidade. É certo, observa
Derzi,163 que os contribuintes e terceiros têm o dever de colaboração com
a Administração, dever este difusamente previsto na Constituição da
República.164 Mas a imposição dos ditos “deveres laterais” aos contribuintes
(a expressão é de Derzi), diante de sua reconhecida vulnerabilidade em
face do Poder Público, exige temperamentos, de modo que os seus direitos

161
“Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência
para exigir o seu cumprimento.
Art. 120. Salvo disposição de lei em contrário, a pessoa jurídica de direito público, que se
constituir pelo desmembramento territorial de outra, subroga-se nos direitos desta, cuja
legislação tributária aplicará até que entre em vigor a sua própria.
162
“Alguns contribuintes, sejam autônomos ou empresários, costumam ver-se na contingência
de planejar suas atividades sob o prisma financeiro, especialmente o fiscal, sob pena de não
se mostrarem em condições de oferecer competitivamente seus produtos ou serviços. Mas
a ininteligibilidade do sistema tributário geralmente obriga esses contribuintes a entregar
suas questões tributárias a terceiros – contadores, advogados, consultores – nem sempre
devidamente qualificados, aumentando sua vulnerabilidade fiscal. Além disso, pequenos
microempresários, além de vulneráveis, sofrem, frequentemente, de autêntica hipossuficiência
no trato de suas questões tributárias.” (MARINS, 2009, p. 41)
163
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 475.
164
DERZI. Loc. Cit.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
69

e garantias constitucionais, hoje dotados de força normativa positiva,


conforme já notado, sejam materialmente garantidos.165
Em estudo específico sobre o tema, intitulado “Defesa e vulnerabilidade
do contribuinte”, Marins (2009) observa que os contribuintes experimentam
uma série de vulnerabilidades em face da Administração nos dias de hoje,
mesmo se tendo avançado, consideravelmente, na apreciação dogmática
do fenômeno.166 Segundo o autor, os administrados apresentam três
vulnerabilidades distintas, que qualifica de formais: a “cognoscitiva”, a
“tecnológica” e a “administrativa”.
A primeira está na complexidade dos modelos tributários
contemporâneos, associada à frequência de suas alterações normativas, que
leva a uma grande dificuldade de compreensão de quais são (e como devem
ser cumpridas) as obrigações de natureza tributária. Tal, é inegável, produz
grande susceptibilidade do contribuinte ao Poder Público, desequilíbrio
que se traduz, observa o autor, nas conhecidas noções de que “[...] ‘é
impossível cumprir com todas as obrigações tributárias’; ‘a fiscalização
sempre vai encontrar algum erro em sua contabilidade’ e ‘por melhor que
você faça ainda assim será autuado’”.167
A segunda, por sua vez, está na profusão de exigências fiscais
de adoção, pelos contribuintes, de medidas de controle extremamente
rigorosas, arrimadas em sistemas informatizadas complexos, como a
NF-e (Nota Fiscal Eletrônica) e o SPED (Sistema Público de Escrituração
Digital).168 Essa nova realidade experimentada pelas novas Administrações
Tributárias, pelo menos no que toca à Receita Federal do Brasil, bem

165
A autora, inclusive, após expor a situação atual, aponta alguns limites à imposição indiscrimi-
nada de deveres laterais aos contribuintes: “Em princípio, esse dever somente pode ser afas-
tado: [...] se ele não se baseia em lei, posta pela pessoa competente, sendo, portanto, despido
de fundamento legal; [...] se ele não é pertinente, seu cumprimento provocando desvantagens
para o atingido sem esclarecer ou demonstrar o fato jurídico essencial; [...] se ele é excessivo ou
oneroso para a parte, quando outros meios mais fáceis e baratos são igualmente eficazes; [...] se
o cumprimento da exigência administrativa importa a violação de outro direito fundamental,
em especial a proteção da intimidade; [...] e finalmente, se a exigência não é cumprível pela
parte ou terceiro, pois a informação não pode ser dada de conhecimento próprio, dependendo
de documentos originais os quais o colaborador não tem acesso (ad mpossbilia nemo tenetur).
Enfim, o que a doutrina e a jurisprudência estabelecem, nos países ocidentais em geral, é a
razoabilidade das exigências administrativas.” (DERZI, 2009, p. 466-477).
166
“Em que pese o significativo desenvolvimento conceitual do DTF nas últimas duas décadas,
especialmente com o esforço dedicado pela doutrina ao exame do ato de lançamento, há grande
dificuldade para que o Estado da arte doutrinário se transfira para a legislação. Concorre
para isso o reduzidíssimo espaço que o tema ocupa na Constituição e nas leis em sentido
estrito, mostrando-se digno de nota o fato de os parlamentos mostrarem-se desinteressados ou
receosos, senão intencionalmente omissos, na oferta de projetos de lei que possam interferir
com a ampla liberdade do atuar fazendário.” (MARINS, 2009, p. 39)
167
MARINS. Defesa e vulnerabilidade do contribuinte, p. 41.
168
MARINS. Loc. Cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
70 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

assim àquelas dos Estados mais ricos, joga por terra discurso estatal
antigo para legitimar, dentre outros, a indiscriminada transferência da
gestão tributária para os contribuintes. Com a intensa informatização, com
supercomputadores detidos pelos Fiscos e um cada vez maior número de
declarações eletrônicas, a debilidade fazendária para o desempenho da
atividade fiscalizatória fica sem sustentação lógica.
A terceira vulnerabilidade, por fim, está em dois pontos nucleares.
O primeiro deles na adoção, pelos Fiscos, de verdadeiros regulamentos
paralelos para pautar a conduta dos seus agentes. A despeito da lei, e da
própria Constituição, um cipoal de instruções, portarias, comunicados,
entre outros atos infralegais, são editados pelas Administrações para
parametrizarem o comportamento dos servidores a elas ligados. Além do
absurdo da costumeira extrapolação da lei, os agentes fiscais passam a agir
de acordo com tais atos, do que sucede “[...] que nas repartições fiscais de
nada adianta ao contribuinte invocar a lei – e menos ainda a Constituição –
porque o que vale ali, antes destas, é a instrução normativa ou a portaria”.169
E a vulnerabilidade administrativa se completa com a prerrogativa de
que detém as Fazendas Públicas de constituírem, unilateralmente, os seus
títulos executivos. É certo que o chamado “contencioso administrativo”
(fase de revisão do lançamento tributário instaurada com a impugnação
do contribuinte – art. 145 do CTN), com sua proliferação, tem possibilitado
o consentimento do devedor (contribuinte) nos títulos executivos
fazendários. Mas, como sabido, a partir do reconhecimento, pelo Superior
Tribunal de Justiça,170 de que as declarações tributárias prestadas pelos
contribuintes constituem confissão de dívida, a situação se alterou, mais
uma vez, negativamente em relação aos contribuintes.
Com essas considerações, Marins torna ainda mais claro o atual
e crescente desequilíbrio entre administrados e Administração. E seus
estudos são importantes também para demonstrar quão importante é o
reconhecimento, nesta obra defendido, de que contribuintes e Fisco se
interajam em uma relação jurídica administrativa – uma “relação jurídica
administrativo-tributária” – em que ambos são, ao mesmo tempo, sujeitos
de direitos e portadores de deveres. O CTN, entretanto, não é consistente
ao dispor sobre direitos do contribuinte e/ou deveres da Administração.
O que conduz à indagação de qual seria, precisamente, o conteúdo de tal
“relação jurídica administrativo-tributária”.

169
MARINS. Op. cit., p. 45.
170
É o que diz a Súmula nº 436, do Superior Tribunal de Justiça: “A entrega de declaração pelo
contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra
providência por parte do fisco”.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
71

A partir do XX Relatório do Conselho de Impostos da França, intitulado


“As Relações entre os Contribuintes e a Administração Tributária”, de 2002, Derzi
lança luzes sobre o tema. A autora observa, na mesma linha do ora sustentado,
que o relacionamento entre Fisco e contribuintes deve ganhar nova roupagem,
cabendo às Administrações Públicas um papel crucial nessa empreitada.171
Como base na experiência europeia, Derzi expõe comportamentos, adotados
por alguns desses países, que permitem a visualização do que é considerar o
contribuinte-administrado como sujeito de uma relação jurídica administrativa
(tributária) como a respectiva Administração:
(i) incremento do grau de informações e de conhecimento do
contribuinte a respeito das normas tributárias a que está sujeito,
o que pode ser alcançado com comportamentos singelos, mas
bastante eficientes, tais como: (a) o atendimento de contribuintes
com dúvidas, feito por servidores qualificados, comprometidos
em darem respostas satisfatórias; (b) a designação de agentes-
interlocutores, que se responsabilizariam por empresas
específicas, de modo a personalizarem (aproximando) a atuação
fiscal; (c) envio de formulários e manuais ao domicílio dos
contribuintes, entre outros;172
(ii) melhoria da qualidade das normas tributárias, com o aper­fei­
çoa­mento do princípio da acessibilidade e da inteligibilidade
da lei. As Administrações cumprem, hoje, ao menos no caso
brasileiro, importante função normativa; além de participarem
ativamente da elaboração das leis tributárias, editam vários
atos com o intuito de explicitarem as próprias leis que ajudam
a elaborar. A fim de torná-las mais acessíveis e inteligíveis (as
leis e atos), além de prezarem por sua clareza e simplificação, é
recomendável, nos complexos dias de hoje, que sofram constantes
avaliações com vistas a analisar a sua adequação às realidades
reguladas.173 Note-se que a Emenda Constitucional nº 42/03
inclui dentre as competências do Senado Federal, a de avaliar,
periodicamente, “[...] a funcionalidade do Sistema Tributário
Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho
das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.” (art. 52, XV). Competência que,
todavia, não se tem notícia de ter sido exercida;

171
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 466.
172
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 466.
173
DERZI. Op. cit., p. 467-468.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
72 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

(iii) maior procedimentalização da atuação das Administrações


Tributárias, de modo que os atos administrativos de revisão, mesmo
eles, resultem de procedimentos em que os contribuintes tenham
como participar, sem prejuízo do contencioso administrativo.174
Essa tendência, especialmente vivenciada na França, adéqua-se,
com perfeição, ao modo mais apropriado de se enxergar a atual
realidade jurídico-administrativa, antes exposta: reconhece uma
verdadeira relação jurídica entre contribuintes e Administração,
sugerindo o seu desenvolvimento num esquema procedimental,
em que aqueles são chamados a participar. Pela oportunidade,
citam-se os comentários de Derzi175 acerca no caso francês:
Dessa análise, Derzi extrai três princípios gerais de conduta
das modernas Administrações Tributárias: (a) a aplicação moderada
da lei, pautada pelo bom senso, evitando-se formalismos excessivos e
privilegiando o diálogo com os contribuintes; (b) o arrefecimento dos
constrangimentos fiscais aos contribuintes, de modo que os procedimentos
fiscalizatórios tenham curtas durações (e por isso, escopos limitados) e
sejam simplificados; (c) bem assim a melhoria da qualidade do controle
administrativo das atividades dos contribuintes (como no lançamento
por homologação), de forma a privilegiar a atuação estatal dissuasória
(destinada a incrementar a arrecadação e reorientar os comportamentos
equivocados de contribuintes de boa-fé), relegando a punitiva para os
comportamentos mais fraudulentos.176
Esses deveres impostos à Administração, ou princípios gerais na
conotação dada por Derzi, ainda que não estejam claramente no Código
Tributário Nacional, são facilmente extraíveis do texto constitucional.
Conforme se verá no capítulo seguinte, princípios jurídicos como a
legalidade, a irretroatividade, a proteção da confiança do administrado, a
boa-fé objetiva e a moralidade administrativa, entre outros, fundamentam
e dão conteúdo à relação jurídica administrativo-tributária, relação em que,
é importante repetir, contribuintes e Administração devem contracenar
equilibradamente, ambos como titulares de direitos e de deveres.177

174
DERZI. Op. cit., p. 466.
175
DERZI. Op. cit., p. 470.
176
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 472.
177
Guimarães (2007, p. 99-100), em obra intitulada “A responsabilidade civil da Administração Fiscal:
emergente da obrigação de imposto” também entende estarem Administração e contribuintes
em uma relação jurídica em que ambos possuem direitos e deveres. Igualmente partindo
dos princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, o autor português assim se
posiciona: “Por outro lado, a Administração pode, a qualquer tempo, dentro dos prazos
legais, fiscalizar, verificar e corrigir os dados fornecidos pelo contribuinte pelo que o trabalho
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
73

E o reconhecimento dessa relação não deve ser mal compreendido.


Não se está a defender uma relação sinalagmática entre Fisco e
contribuintes, na qual estes poderiam condicionar a suas ações, como o
recolhimento de tributos, à adoção de determinados comportamentos
por aquele. Sabe-se, naturalmente, que o dever de pagar tributos é ex lege.
Configurada a situação de fato e/ou legal que origina a obrigação tributária,
deve o particular proceder ao seu respectivo cumprimento, e a Constituição
da República e o Código Tributário Nacional são bastante claros a esse
respeito. O que se está a defender é que, nessa interação entre Estado e
cidadãos, que surge no interesse do adimplemento de uma obrigação
tributária, os administrados também têm direitos a serem exercidos, os
quais se trasmudam em deveres da Administração. E um importante
exemplo – e que é tema deste livro – é a homologação expressa da atividade
de lançamento realizada pelo contribuinte, que deve ser necessariamente
praticada quando configurada a correspondente situação fático-jurídica
(motivo do ato). Tal ficará mais claro no momento oportuno.

1.2 Lançamento tributário por homologação


No lançamento tributário por homologação,178 como já pincelado,
as operações necessárias à quantificação do tributo a ser recolhido são

cometido pela lei ao contribuinte de declarar, liquidar e entregar o imposto depende sempre
e em todos os casos, da eventual confirmação da Administração a quem pode ser exigido
um comportamento especifico de actuação face ao direito do contribuinte em concreto. A
retenção na fonte é um fenómeno de pagamento por conta do imposto devido a final do
período definido por lei. A retenção na fonte funciona no caso dos impostos periódicos
como uma conta corrente que é aferida e liquidada no final do ano (ou não) para efeitos
fiscais. “No entanto, ambas podem ser concebidas como prestação de natureza obrigacional,
sendo, em nossa opinião, mais aconselhável defender a sua natureza de dever de protecção e
garantia de aplicação da norma que impõe a prestação obrigacional. Essa concepção permite
restabelecer o equilíbrio na relação de imposto entre contribuinte e Administração, relevar
condignamente a dupla função da norma de imposto (meio e garantia) e explicar, entre outras
coisas, a existência de juros indenizatórios e compensatórios a cargo da Administração. A
concepção de um dever de aplicar a lei como um dever de protecção é rico de implicações do
ponto de vista dogmático. [...] Convém ter presente, desde já, que os direitos de protecção
na obrigação jurídica foram particularmente estudados no direito alemão. A sua violação dá
direito à responsabilidade civil. Menezes Cordeiro afirma a propósito ‘... No espaço jurídico
alemão, os juristas são levados a trabalhar com múltiplas categorias de deveres, cuja violação
poderá acarretar a responsabilidade’”.
178
A figura jurídica é duramente criticada por parte da doutrina nacional, a exemplo de Xavier
(1997, p. 85-90) e Amaro (2010, 389-396). Críticas à maneira como é regulada pelo CTN, que, ao
sentir da vertente doutrinária, teria incorrido em diversas contradições ao criar o lançamento
por homologação. Independentemente de sua procedência ou improcedência, ditas críticas
não serão aqui analisadas, pois esta obra não tem este entre os seus propósitos. Intenta-se,
conforme já se observou, buscar interpretação-aplicação jurídica de tal categoria que esteja
em conformidade com o sistema jurídico pátrio. Busca-se, portanto, compreender a legislação
posta, respeitando-lhe seus limites e tendo como mote a preservação de sua coerência interna.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
74 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

todas levadas a efeito pelo sujeito passivo da obrigação tributária, que,


após concretizá-las, procede ao respectivo pagamento. Nas exações,
portanto, sujeitas a essa modalidade de lançamento, recolhe-se o tributo
sem qualquer participação das autoridades administrativas responsáveis.
Essas apenas eventualmente farão parte (agindo) do procedimento
de lançamento iniciado pelo sujeito passivo, caso pratiquem o ato de
homologação referido pelo art. 150 do CTN.179
Essa é a ideia geral dessa figura jurídica. A seguir, apresentam-se
seus principais aspectos, necessários à sua ideal compreensão.

1.2.1 Aspectos relevantes do lançamento tributário por


homologação

1.2.1.1 As atividades praticadas pelo contribuinte


Como já adiantado, as atividades realizadas pelo contribuinte,
com o intuito de “[...] verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação
correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do
tributo devido....”, eventualmente recolhendo a quantia quantificada (caso
haja tributo a pagar; pode ser que, em relação a tributos, por exemplo,
não cumulativos, em que créditos deles decorrentes são utilizados para
“pagá-los”, em relação a dado fato gerador, não se precise desembolsar
dinheiro, sendo suficiente o creditamento),180 181 integram o procedimento
de lançamento tributário.
É importante observar que o art. 142 do CTN não veda que o
procedimento de lançamento seja também praticado pelo sujeito passivo; a
competência privativa nele estampada é para constituir o crédito tributário

179
O que raramente ocorre, segundo Coêlho: “Estamos acordes em que a maioria dos impostos
são calculados – por força de lei – pelos próprios contribuintes e pagos sem prévio exame
da autoridade administrativa. Sabemos, igualmente, que a Administração fiscal jamais
homologa expressamente esta atividade do contribuinte, deixando em aberto o prazo
que possui para rever o pagamento, de modo que possa, durante o período, fiscalizar o
contribuinte quantas vezes quiser, concordando ou discordando do seu proceder. Quando
discorda, promove lançamentos ex officio para exigir os créditos recolhidos a menor ou
simplesmente não pagos.” (COÊLHO, 2002, p. 16).
180
A teor do art. 162 do CTN, só é considerado pagamento quando efetuado “I – em moeda
corrente, cheque ou vale postal;” e “II – nos casos previstos em lei, em estampilha, em papel
selado, ou por processo mecânico.”
181
Veja-se Borges (1999, p. 396): “Consequentemente, a atividade do sujeito passivo não é um
pré-lançamento, ou autolançamento, porque adentrará o procedimento administrativo de
lançamento. Procedimento de lançamento é todo o modo pelo qual o Código Tributário
Nacional determina, até certo ponto, a formação do ato de lançamento”.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
75

pelo lançamento, não para intervir no procedimento de lançamento.182 A


redação desse dispositivo é bastante clara, ao afirmar que “[...] compete
privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário
pelo lançamento...”. O exame sintático da sentença é um só: o que
compete privativamente à autoridade administrativa? Constituir o crédito
tributário, é evidente. E como ela faz? Por meio do lançamento. Essa a
leitura gramatical correta do dispositivo; outras interpretações fogem a
isso, deturpando a respectiva mens legis.183
Além disso, é necessário assim entender para assegurar a coerência
e a unidade do ordenamento jurídico, precisamente, no caso, do Código
Tributário Nacional. Se, segundo o seu art. 150, caput, a atividade praticada
pelo contribuinte é lançamento por homologação, como defender que
este, o lançamento, é exclusivo da autoridade administrativa? A exegese

182
No mesmo sentido, “Por essa via, demonstra-se que a concepção “monista” do lançamento,
que só o descreve como um ato administrativo, conduz o intérprete e o aplicador do Código
Tributário Nacional a impasse teórico intransponível. Posto o problema nesses termos, o
lançamento por homologação só o será impropriamente (impropriedade terminológica,
ressalve-se), porque não constituirá uma espécie (“modalidade”) de lançamento, tal como
definido este no art. 142, caput, mas uma categoria normativa distinta. Se o lançamento é só
havido como um específico ato administrativo, não será uma subespécie de ato administrativo
de lançamento o lançamento por homologação, porquanto nele as operações de quantificação
não seriam realizadas pela autoridade administrativa, mas pelos sujeitos passivos. Ou, mais
precisamente, o único ato administrativo adentrado no procedimento de lançamento seria a
homologação, e esta teria conteúdo diverso do estipulado no art. 142, caput, segunda parte.
Essas dificuldades, entretanto, poderão ser convenientemente contornadas pela doutrina
quando se considera que o lançamento é tanto o ato como o procedimento que antecede a
emanação desse ato. Ora, o art. 142, caput, do CTN – norma superior – determina, em certa
medida, não apenas o conteúdo do ato de lançamento, mas também o procedimento respectivo.
Se assim o é, e porque o Código Tributário Nacional, no mencionado dispositivo, conceitua o
lançamento como procedimento administrativo tendente a quantificar (“constituir”) o crédito
tributário, as operações de quantificação podem ser realizadas quer pelos sujeitos passivos, no
fieri do procedimento, quer pela autoridade administrativa, no factum do ato de lançamento.”
(BORGES, 1999, p. 377). “As dificuldades de harmonização desse dispositivo poderão ser
superadas, contudo, pela distinção entre procedimento e ato de lançamento. O que compete
privativamente à autoridade administrativa, na formulação do Código Tributário Nacional,
é constituir o crédito tributário pelo lançamento, ou seja, pelo ato de aplicação da norma
tributária material ao caso concreto – e, pois, de criação de norma individual. O procedimento
administrativo de lançamento não é, entretanto, de competência privativa da Administração.”
(BORGES, 1999, p. 396)
183
Em sentido contrário se posicionam Carvalho e De Santi, para os quais o sujeito passivo,
ao prestar declarações de tributos sujeitos ao lançamento por homologação (é quase que
regra, hodiernamente, que os tributos recolhidos sob essa sistemática sejam declarados
expressamente pelos contribuintes e responsáveis), constitui o crédito tributário, embora não
efetue o lançamento (CARVALHO, 2010, p. 501-505; DE SANTI, 1999, 219-224). E o Superior
Tribunal de Justiça, que, partindo da doutrina do próprio DE SANTI, tem entendido pela
possibilidade de constituição do crédito pelo contribuinte, conforme se vê dos recursos
especiais nº 1.187.995 e 962.379. Xavier (1997, p. 83), em resposta a essa teoria, afirma que
essa espécie de declaração “[...] constitui, porém, não a forma de um ato jurídico de aplicação
da norma tributária material, anterior ao pagamento, mas a simples realização de um dever
tributário acessório, imposto por lei para meros efeitos de fiscalização...”.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
76 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

do art. 150, assim – que também traz qual é a natureza do lançamento


tributário, como já afirmado – é contundente e definitiva em confirmar
a interpretação acima atribuída ao art. 142.
E esse destaque é de extrema importância, pois influencia nos
efeitos jurídicos daí decorrentes: na hermenêutica de todos os dispositivos
legais que tratam do lançamento, ou se referem à “constituição do crédito
tributário”, essas premissas devem ser consideradas. Nesse sentido, por
exemplo, é desacertado considerar que as atividades do contribuinte
constituem o crédito tributário, para fins do CTN. Não se está, aqui,
preocupado com questões de lógica, a exemplo do superestimado
problema do pagamento do tributo antes de sua constituição. Está-se
apenas a dizer que se o CTN afirma, num primeiro momento, que a
constituição é exclusiva da autoridade administrativa e, num segundo,
dá efeitos a essa constituição, como o início do prazo da prescrição
tributária (art. 174), esta só pode se começar a correr a partir de um ato
administrativo do agente público competente.
Essa querela, no entanto, não é objeto central da presente tese. Importa,
para os fins deste trabalho, apenas fixar que as atividades praticadas pelo
contribuinte, tendo em vista a interpretação conjunta dos arts. 142 e 150
do CTN, bem assim todas as considerações anteriores sobre o “novo”
procedimento administrativo, são procedimento de lançamento tributário.
De mais a mais, é de se observar que, tendo em vista que as
operações realizadas pelo sujeito passivo podem redundar na ausência
de pagamento do tributo (como no exemplo supra), percebe-se que o que
se homologa é a atividade realizada pelo contribuinte (ou responsável
tributário). Dela, repita-se, pode não decorrer pagamento de tributo. E,
nesses casos, o que são homologadas as operações do sujeito passivo.
De mesma opinião, Borges184 reputa feliz a terminologia contemplada
pelo CTN, pois “[...] homologa-se a ‘atividade’ do sujeito passivo, não
necessariamente o pagamento do tributo. O objeto da homologação não
será, então, necessariamente o pagamento do tributo”. Não são, ressalve-se,
as operações lógicas e matemáticas realizadas pelo sujeito passivo que são
homologadas. Essas desinteressam ao direito, eis que existentes apenas no
plano psíquico dos seus agentes: conforme já afirmado, à regulação jurídica
interessa a vontade exteriorizada, objetivada. Os atos homologáveis são
as obrigações acessórias cumpridas pelos particulares (que o são, reitere-
se, com o intuito de permitir, ao Fisco, o controle de regularidade das
atividades do contribuinte) e o recolhimento tributário que eventualmente

184
BORGES. Lançamento tributário, p. 381.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
77

façam, seja em “pagamento” (do art. 162 do CTN) ou não.185 A atividade


do sujeito passivo, pois, devidamente objetivada.186

1.2.1.2 O lançamento tributário por homologação enquanto


ato de homologação
Majoritariamente, a doutrina administrativista entende o ato de
homologação como aquele, “[...] vinculado pelo qual a Administração
concorda com ato jurídico já praticado, uma vez verificada a consonância
dele com os requisitos legais condicionadores de sua válida emissão...”.187
Partindo de conceitos como esse, há quem propale a impossibilidade de
se homologar a atividade do contribuinte, tal como acima sustentado. É o
que faz Xavier,188 em meio às diversas críticas que desfere ao lançamento
por homologação. O próprio Bandeira de Mello,189 no entanto, após expor
sua definição, adverte que a terminologia dos atos administrativos in specie
(grupo em que inclui o ato de homologação) é muito incerta, não sendo
uniformemente adotada pela legislação. Inexiste, na verdade, definição
universal de homologação, tampouco dispositivo expresso no ordenamento
que vincule sua interpretação a determinado significado.
De qualquer forma, a interpretação jurídica, não se pode disso
olvidar, quando inexistente a conceituação expressa de determinado
vocábulo, opera-se a partir do seu significado vernacular.190 A acepção
costumeiramente dada ao termo homologação é aquela acima apresentada.
Mas o Código Tributário Nacional, ao estatuir a possibilidade de
homologação de atividade do sujeito passivo, não contraria norma
alguma. Ele tem, aliás, a função constitucional de estabelecer as normas
gerais relativas ao lançamento (art. 146 da Constituição). Não há qualquer

185
“A questão que se coloca diante da homologação, pela autoridade administrativa, da atividade
prévia exercida pelo obrigado consiste em saber como se desdobra essa atividade e que etapas,
basicamente, configuram seu desenvolvimento. Esses estágios, num modelo simplificado,
podem ser reduzidos às seguintes atividades, no sentido lato, todas praticadas pelo sujeito
passivo – e, pois antecedentes ao ato de homologação: 1º) operações de quantificação do
débito tributário; 2º) cumprimento de deveres que o Código Tributário Nacional especifica
como obrigações acessórias (escrituração fiscal, emissão de guias de recolhimento, prestação
de informações e esclarecimentos à autoridade fazendária, etc.) 3º) pagamento do tributo.”
(BORGES, 1999, p. 387)
186
Observe-se que para a grande maioria dos tributos “lançados por homologação”, a legislação
estabelece a obrigação acessória de declarar, por meio de documento específico para tal, o
tributo devido, além de outros dados, como a base de cálculo e a alíquota utilizadas para a
quantificação daquele.
187
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 431.
188
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 85-86.
189
BANDEIRA DE MELLO. Loc. cit.
190
Levando em conta outros fatores, de ordem sintática e pragmática, como visto acima.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
78 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

vedação de ordem jurídica que o proíba de estabelecer um conceito


particular de homologação. Se ele não o fez totalmente, como de fato
ocorreu, deve-se conjugar a acepção vigente com os traços explicitamente
fixados, de modo que se entenda, no ato homologado, atos praticados
por particulares. Se não for assim, não há como emprestar eficácia ao
dispositivo em questão. O dispositivo é bem claro nesse ponto: “[...] o
lançamento por homologação [...] opera-se pelo ato em que a referida
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo
obrigado, expressamente a homologa.” O intérprete-aplicador deve
antes buscar dar efetividade às normas interpretadas do que reputá-las
inválidas com base em argumentos metajurídicos.191
Além disso, é relevantíssimo reiterar que o lançamento tributário
como ato de homologação nada se difere do lançamento tributário
como ato de exigência, pois, sob o ponto de vista de seus conteúdos,
ambos são idênticos. Da mesma maneira em que, para exigir o tributo,
a autoridade administrativa deve “[...] verificar a ocorrência do fato
gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável,
calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo...”,
para homologar a atividade realizada pelo contribuinte, ela deve fazer
exatamente o mesmo, uma vez que a homologação, semanticamente,
pressupõe a comparação (quem homologa, compara o ato homologável
com aquele que deveria ser praticado; somente se ambos se identificam
é que a homologação – a chancela, a confirmação – é dada). Noutras
palavras, para homologar, o agente fiscal “pratica” internamente o ato
de exigência (um lançamento de ofício materialmente considerado,
verificando fato gerador, identificando matéria tributária, calculando
tributo e apontando o sujeito passivo) para depois contrapô-lo à
atividade do contribuinte, devendo homologar se houver identidade,
e lançar diferenças se esta não for visualizada.

1.2.1.3 O enceramento do procedimento de lançamento por


homologação
O procedimento de lançamento por homologação, iniciado pelo
sujeito passivo a partir da verificação da ocorrência do fato gerador,
encerra-se por três diferentes situações: as duas primeiras delas, quando

Borges aquiesce com a possibilidade de homologação dos atos dos particulares, em sede de
191

lançamento por homologação. Também invoca como fundamento de seu posicionamento, o fato
de serem as operações praticadas pelos particulares materialmente administrativas, pois se referem
às atividades normalmente exercidas pela Administração Pública (BORGES, 1999, p. 384-389).
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
79

o sujeito passivo sofre a atividade fiscalizatória estatal; já a segunda, pelo


decurso do tempo (art. 150, §4º do CTN).
Quando a autoridade administrativa competente fiscaliza as
atividades exercidas pelo devedor, duas ações lhe parecem possíveis
(nessa ideia, ainda se voltará): caso verifique a conformidade dessas com
a legislação tributária, ela deve homologá-las (ato de lançamento por
homologação); quando afere, lado outro, irregularidades, ela está obrigada
a efetuar o lançamento, de ofício, para exigir os valores eventualmente
não recolhidos (art. 149, V, do CTN). Num caso e noutro, o procedimento
de lançamento por homologação é finalizado pela prática de um ato
de lançamento; no primeiro, o ato de homologação, que é lançamento
conclusivo do procedimento de lançamento; no segundo, o lançamento
de ofício, que encerra o citado procedimento, com o começo de outro.
A terceira hipótese se refere à homologação tácita a que alude o §4º
do art. 150 do CTN. Nos termos desse artigo, se o ato de homologação
não for praticado (lançamento por homologação) em cinco anos
contados da ocorrência do fato gerador, “[...] considera-se homologado o
lançamento e definitivamente extinto o crédito tributário...”. Não se trata,
a todas as luzes, de prática de ato ou procedimento pela Administração
Tributária. Cuida-se de hipótese do doutrinariamente denominado
“silêncio administrativo”, ou ainda, não ato” administrativo, “inércia” ou
“omissão da Administração”.192 Esses são justamente os nomes dados às
situações em que a Administração, tendo a obrigação de agir, mantém-se
inerte, nada manifestando. No escólio de Bandeira de Mello,193 “[...] se a
Administração Pública não se pronuncia quando deve fazê-lo, seja porque
foi provocada por um administrado que postula interesse próprio, seja
porque um órgão tem de pronunciar-se para fins de controle de outro
órgão, está-se perante o silêncio administrativo”.
A questão relevante a essa situação e a sua capacidade para produzir
efeitos jurídicos. Como ato jurídico, ela inexiste, pelo simples fato de não
se poder falar na perpetração de ato algum. O ato administrativo, foi
visto, é norma jurídica decorrente da atividade interpretativa-aplicativa
da Administração Pública, que não prescinde de sua exteriorização, de
modo que atinja o âmbito dos particulares. Ausente a exteriorização da
vontade do administrador, não há a prática do ato, sendo, aliás, conforme
igualmente demonstrado, completamente irrelevante a perquirição por
sua intenção psíquica. Não havendo ato, é conclusão óbvia, não existirão
efeitos jurídicos dele oriundos. Tido, no entanto, como fato jurídico, o

192
MEDAUAR. Direito administrativo moderno, p. 156.
193
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 405.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
80 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

silêncio produzirá efeitos. É que, nesse caso, a lei ter-lhe-á expressamente


atribuído efeitos. Assim, uma vez verificado, o silêncio administrativo
somente gerará efeitos jurídicos se a lei assim o tiver determinado, sendo
eles, nesse caso, provenientes do fato jurídico “silêncio administrativo” e
não da presunção da prática de um ato.194
Esse último caso de encerramento do procedimento administrativo
de lançamento, portanto, traduz hipótese de silêncio administrativo ao
qual a lei atribuiu efeitos jurídicos, o que não é (não se confunda) com o
ato de lançamento por homologação. Nesse sentido, a propósito, Borges
é esclarecedor ao afirmar que a “[...] homologação expressa é ato jurídico
administrativo. A homologação ficta não o é, porque consiste apenas num
expediente de técnica legislativa pelo qual, na ausência do ato, a inércia
do Fisco produz efeitos que, em tudo e por tudo, se lhe equiparam”.195
Como se trata de prazo para que a Fazenda Pública lance o tributo
(ato de lançamento de ofício ou ato de lançamento por homologação), sua
natureza é decadencial, conforme amplamente reconhecido por doutrina196
e jurisprudência.197 Não exercido o direito no interregno legal, perde a
Administração Pública o direito de fazê-lo, eis que consumada a decadência
tributária (art. 156 e 173 do CTN).198

1.2.1.4 Eficácia do ato de lançamento por homologação


A questão da eficácia do lançamento foi muito bem tratada por
Xavier,199 em seu “Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo
tributário”. Após extenso estudo sobre as teorias declarativistas e constitutivis-
tas, escorado em clássicos como A.D. Giannini, Alessi e D’amati, do primeiro
grupo, e Allorio e Beliri, do segundo, Xavier apercebeu-se que não há como
encarar ambas as eficácias de modo absoluto, rígido, eis que toda eficácia

194
Observe-se, todavia, que não haverá a configuração do silêncio na hipótese dos “atos
implícitos”, já qualificados acima. Nessa hipótese, como explanado, haverá ato administrativo,
inequivocamente manifestado com a prática de outro.
195
BORGES. Lançamento tributário, p. 400.
196
Nesse sentido, Carvalho (2010, p. 500); Amaro (2010, p. 395), Xavier (1997, p. 89); Borges (1999,
p. 399-400); e De Santi (1999, p. 223-224).
197
Nesse sentido são os acórdãos proferidos nos Recursos Especiais nº. 1.154.592 e 1.074.191, pelo
Superior Tribunal de justiça.
198
Ao estabelecer o prazo, o §4º do art. 150 ressalva os casos de dolo, fraude ou simulação. Tal
não quer dizer que, em casos que tais, tem a Administração prazo perpétuo para homologar
ou lançar de ofício. Fazendo-se a interpretação sistemática do CTN (como sempre deve ser
o trabalho exegético), ver-se-á aplicável o art. 173 do diploma, que trata da regra geral de
decadência do direito do Fisco de lançar. Nesse sentido, também é a doutrina majoritária, de
que são exemplos Borges (1999, p. 398) e Carvalho (2010, p. 500-501).
199
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 578.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
81

jurídica, pelo só fato de o ser, é intrinsecamente inovadora.200 201 O jurista


ainda observa, com razão, a impropriedade de se denominar o fenômeno
por “paradoxo da eficácia declarativa”, eis que aqueles que o fizeram não
se atentaram para o fato de que “[...] nem toda eficácia inovadora é neces-
sariamente constitutiva, ou, por outras palavras, [...] que constitutividade e
relevância jurídica não são expressões equivalentes”.202
De fato, como se pôde ver das anteriores considerações sobre a
interpretação, todo ato de aplicação jurídica é criativo de direito, formador
de nova norma jurídica. Não há, por isso, como conceber uma eficácia
absolutamente declaratória, de modo que de um ato jurídico não adviriam
quaisquer efeitos. Diferenciar um e outro, dessa maneira, só é possível
“[...] com referência a um dado padrão, em função do qual se devem
qualificar as transformações introduzidas por certo ato ou fato...”.203 E
esse padrão, completa Xavier,204 “[...] não pode deixar de ser a situação
jurídica preexistente ao referido ato ou fato”. Assim, é declarativo o ato
que se restringe a preservar uma situação jurídica anterior, de tal maneira
que a sua eficácia pressupõe da convergência à situação declarada; e é
constitutivo o ato que transforma situação jurídica preexistente, de tal modo
que a sua eficácia depende de uma divergência com a primeira situação.205
A análise de Xavier,206 no entanto, prende-se ao ato “lançamento
de ofício”, nada sendo dito, expressamente, sobre o ato “lançamento por

200
Em síntese das impropriedades da teoria declarativista, Xavier (1997, p. 555) destaca:
“Todavia, a verdade é que o lançamento produz uma vasta gama de efeitos que as teses em
causa não curaram de enquadrar e explicar. Por ora, basta-nos, porém, ainda que de um
modo simplesmente descritivo, chamar a atenção para os seguintes pontos: o lançamento
(tanto quando praticado antes do pagamento, como quando realizado de ofício nos
tributos de lançamento por homologação) vincula o contribuinte a realizar a prestação
tributária, nos precisos termos da declaração que nele se contém; torna-se imodificável
pela Administração fiscal, decorridos certos prazos fixados na lei; torna-se igualmente
imodificáveis pelas autoridades administrativas e pelos tribunais, precludidos os meios
de defesa facultados pela ordem jurídica, produzindo mesmo que viciado, todos os seus
efeitos; confere ao Fisco a faculdade de executar coercivamente o crédito de imposto, nos
precisos termos em que o declarou. Ora, o certo é que nenhum destes efeitos se contém
necessariamente na simples ideia de eficácia declarativa”.
201
Em resumo das inconsistências da teoria constitutivista, assim é Xavier (1997, p. 507): “Enfim, a
teoria em exame falha redondamente por deixar sem explicação a grande maioria dos tributos
em que o lançamento não é um momento necessário da obrigação tributária (tributos de
lançamento por homologação) e em que esta se constitui e extingue sem que seja praticado
qualquer ato administrativo e sem que seja, portanto, possível distinguir uma relação de
“Schuld” e uma relação de “Haftung”.
202
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 472.
203
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 578.
204
XAVIER. Loc. cit.
205
BORGES. Lançamento tributário, p. 456; XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do
procedimento e do processo tributário, p. 579.
206
XAVIER. Op. cit., p. 578.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
82 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

homologação”. De toda forma, ante o conteúdo deste ato, acima traçado,


é possível dizer que goza de eficácia declarativa, o que não quer dizer
que efeitos jurídicos não sejam dele extraídos, consoante salientado.207 E
a declaração é dupla: atesta-se a existência da obrigação tributária e a sua
adimplência pelo sujeito passivo.208 É como uma quitação, segundo observa
Greco.209 E esse autor ainda chama a atenção para outra eficácia atribuível
ao ato de homologação, a preclusiva.
Segundo Greco,210 na eficácia preclusiva “[...] não se faz uma
comparação entre as duas situações para verificar se houve ou não
modificação substancial; pelo contrário, a realização do ato impede a
indagação sobre a situação jurídica que lhe era anterior...”. Nesse caso, assim,
a situação jurídica anterior, necessária à comparabilidade ínsita às duas
eficácias antes analisadas, passa a ser irrelevante juridicamente: exclui-se da
indagação jurídica o que anteceder ao ato.211 Instauram-se, pois, efeitos que
independem da situação jurídica preexistente. Tal eficácia é percebida no
ato de homologação.212 Com a sua prática, a situação nele declarada passa
a existir independentemente da situação preexistente em relação a alguns
aspectos. Conforme se verá em tópico infra, a revisão do lançamento (nesse
caso, o ato de homologação) se sujeita a limites postos pelo CTN (arts. 145,
146 e 149), de ordem temporal e relativos aos fundamentos invocáveis para a
revisão, que somente podem ser de ordem fática.213 Assim, praticado o ato de
lançamento, há efeitos preclusivos dele oriundos em relação aos elementos
jurídicos que compõem a situação declarada (a atividade do sujeito passivo).
É dizer, quanto a eles, não mais importa a situação preexistente, mas sim,
a atestada do ato homologatório. Essa, a situação declarada, desvincula-se
daquela com a qual foi anteriormente comparada.

207
“[...] na hipótese de lançamento por homologação, a situação é muito simples, pois, ocorrido
o fato imponível, surge para o contribuinte o dever de recolher uma quantia de dinheiro
ao Estado. Neste caso, o dever é facilmente constatado sem existirem dúvidas quanto a sua
existência e possibilidade de satisfação. Contudo, esta figura apresenta uma dificuldade de
análise se questionarmos qual o efeito do “lançamento” na espécie, já que a lei coloca como
manifestação necessária, diversamente do que sucede nos tributos sem oposição”. (GRECO,
2007, p. 189-190)
208
GRECO. Dinâmica da tributação: uma visão funcional, p. 190.
209
GRECO. Op. cit., p. 193.
210
GRECO. Op. cit., p. 184.
211
GRECO. Dinâmica da tributação: uma visão funcional, p. 184.
212
Consoante o escólio de GRECO (2007, p. 184), inexistem problemas na conjugação dos efeitos
preclusivos com outros: “Isto não exclui que se conjuguem efeitos preclusivos e constitutivos
ou declaratórios. Assim, um ato pode ser preclusivo em alguns aspectos e constitutivos em
outros. A importância de identificar um efeito preclusivo está em excluir da indagação jurídica
o que anteceder o ato. Esta figura tem sido estudada principalmente pelos processualistas,
porém, não significa ser privativa desses ramos do Direito.”
213
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 853.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
83

1.2.1.5 Vinculação e obrigatoriedade do lançamento tributário


por homologação
Finalmente, há de se gizar a vinculação e a obrigatoriedade
do lançamento, a teor do parágrafo único do art. 142 do CTN, que se
retranscreve para uma melhor apreciação: “[...] a atividade administrativa
de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade
funcional.” Centrando-se a análise no ato de homologação, que é que
ora interessa, como é lançamento (nos termos expostos), é também
vinculado e obrigatório. Antes, contudo, de expor o que significa dizer
que o ato de lançamento por homologação é vinculado e obrigatório,
entende-se necessário fixar a adequada compreensão de vinculação e
discricionariedade administrativas.

1.2.1.5.1 Impropriedades nas definições tradicionais de


vinculação e discricionariedade dos atos
administrativos
Tradicionalmente, a doutrina administrativista conceitua o ato
vinculado como aquele em que inexiste qualquer liberdade da autoridade
para praticá-lo. O ato vinculado, portanto, já estaria rigorosamente
descrito na lei, em todos os seus aspectos (pressupostos e elementos) e, em
ocorrendo concretamente a hipótese legal, seria ele expedido nos exatos
termos em que pré-estabelecido. Nesse caso, assim, em que o administrador
apenas materializa o que já está pré-definido pela legislação, haveria, para
o referido pensamento clássico, a vinculação. Já a discricionariedade, a seu
turno, dar-se-ia quando tal liberdade (independentemente do grau) fosse
atribuída à Administração, que, por critérios próprios (conveniência e
oportunidade, para dita doutrina), escolheria o melhor meio de satisfazer
o interesse público que a lei busca efetivar.214
Avançou-se, no entanto, para uma compreensão mais adequada
do tema. E essa evolução passou pela identificação de três principais
problemas, que, juntos, conduziam a uma apreensão equivocada
da questão. 215 Percebeu-se, primeiro, que os “atos administrativos
discricionários”, que, por dessa maneira nominados, denotariam a
ideia de atos administrativos praticados com total liberdade (por isso
discricionários), não existiriam (e não poderiam existir), pois, sendo a
atividade administrativa decorrente da lei, sempre haveria um mínimo

214
ARAUJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 58-64.
215
ARAUJO. Loc. cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
84 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

de vinculação. Hauriou, partindo dessa constatação, observou que tais


atos, os discricionários, não existem, mas apenas “[...] um certo poder
discricionário das autoridades administrativas”.216 E Vitor Nunes Leal,
após considerar a expressão “conceitualmente defeituosa”, asseverou, na
mesma linha, que “[...] o que existe é um poder discricionário...”, pois os
atos em virtude desse exercício ficam apenas parcialmente à discrição
do administrador.217 218
De fato, em que pese a maior praticidade do uso da expressão “atos
discricionários” (meramente por ser mais simples), conforme notado por
Seabra Fagundes,219 o respeito à técnica jurídica não permite convalidá-la.
Advirta-se, todavia, que se referir a “poder discricionário” no lugar de “ato
discricionário” ainda é inadequado, visto que o poder do administrador é,
como cediço, um só, indivisível, não se podendo, abstrata e genericamente,
dizê-lo ou discricionário ou vinculado.220 É preferível, por isso, como tem
feito a doutrina, a exemplo de Araújo (2005) e Bandeira de Mello (2008),
falar-se em aspectos discricionários ou vinculados do ato administrativo,
pois melhor refletem o fenômeno, consoante restará mais bem esclarecido
nas próximas linhas.
O segundo problema, por sua vez, dá-se em volta da definição
clássica de ato vinculado. É que se consagrou, na doutrina, conceito
de vinculação equiparado ao de regulação direta, caso em que ocorre
exatamente a situação acima descrita: a lei descreve dado comportamento
da Administração de forma tão minuciosa e abrangente que o respectivo ato
de aplicação acaba por se transformar em uma mera operação matemática
de dizer o que já está prévia e legalmente fixado.221 Sagrou-se, pois, ideia
de vinculação que colocava a discricionariedade como qualquer atividade
administrativa que demandasse um trabalho interpretativo maior.222 Ou
seja, em termos mais claros, haveria vinculação quando a lei, por si só,
apontasse um só caminho (independentemente do contexto fático) e dar-se-
ia a discricionariedade quando esta indicasse variadas e possíveis direções.

216
GORDILLO. Tratado de derecho administrativo, p. II-18.
217
ARAUJO. Op. cit., p. 14.
218
Ao tratar da matéria, Seabra Fagundes não vê sentido em se criticar a locução “atos
discricionários”, pois a expressão “[...] é uma daquelas imagens de síntese de que fala Francis-
Paul Benoit a propósito da necessidade de, na linguagem jurídica, cunhar locuções capazes
de dispensar circunlóquios.” e, ainda, por que, “de resto, ato discricionário é expressão de
uso generalizado, aqui e alhures, entre os administrativistas e, ainda, na jurisprudência do
Supremo Tribunal...” (1979, p. 75).
219
FAGUNDES. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário, p. 75.
220
ARAUJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 59.
221
ARAÚJO. Op. cit., p. 59-60.
222
ARAÚJO. Op. cit., p. 60.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
85

Mas as situações em que tal vinculação é percebida são,


conforme destaca Araújo,223 pouco frequentes. Prevalecem, realmente,
na normalidade, casos em que é exigido do intérprete-aplicador um
labor exegético mais elevado, não consistente em meras operações
lógicas de tradução do disposto na lei. Encarar, pois, o fenômeno da
vinculação de maneira tão restrita é atribuir definição assaz abarcante à
discricionariedade, a qual, já na sua origem, denota uma maior liberdade
ao administrador (acompanhada da possibilidade de se valer de critérios
subjetivos para a tomada de decisão) e, além disso, não deveria, por isso
mesmo, ante a própria natureza da função administrativa (de completa
sujeição à lei, e mais recentemente, ao direito), ser a regra geral. Mas,
a impropriedade dessa qualificação estaria na má compreensão do
fenômeno interpretativo, que, por sua essência, pressuporia o arbítrio
(ou seja, a vontade do administrador compareceria sempre, em qualquer
ato de interpretação e aplicação do direito). Conforme percuciente
crítica de Eros Grau, a discricionariedade, considerada classicamente,
equiparava-se ao conceito de interpretação, o que lhe destituiria de
qualquer rigor terminológico. 224 Pois, em síntese, a “liberdade de
opções na lei”, que caracterizaria a discricionariedade, é pressuposto
de qualquer atividade interpretativa, o que também deve existir na
prática de atos discricionários.225

223
ARAÚJO. Loc. cit.
224
GRAU. O direito posto e o direito pressuposto, p. 210-212.
225
Nas esclarecedoras palavras do autor:
“A discricionariedade, como vimos, consiste – na concepção da doutrina tradicional, dicção
de Celso Antônio – na “margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger,
segundo critérios consistentes na razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos
cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais
adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou
da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente uma solução
unívoca para a solução vertente”.
[...]
A interpretação (interpretação/aplicação), consubstanciando prudência, que não conhece
o exato, porém apenas o correto, supõe a faculdade, do intérprete, de escolher uma, entre
várias interpretações possíveis, em cada caso, de modo que essa escolha seja apresentada como
adequada – sempre, em cada caso, inexiste um interpretação verdadeira (única correta).
[...]
Confrontando os enunciados [...] temos:
- i) margem de liberdade (do administrador) versus a) faculdade (do intérprete);
- ii) para eleger (segundo critérios consistentes de razoabilidade versus b) de escolha;
- iii) um versus c) de uma;
- iv) entre pelo menos dois comportamentos cabíveis (perante cada caso concreto) versus d)
entre várias interpretações possíveis, em cada caso;
- v) a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal
versus d) de modo que essa escolha seja apresentada como adequada;
- quando – versus – sempre;
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
86 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Dessas impropriedades – principalmente, como se viu, da


impossibilidade de “atos discricionários”, a elevada restrição do conceito
tradicional de “ato vinculado” e da necessidade de se ajustar a matéria
a mais adequada compreensão do fenômeno interpretativo – surgiram
novas definições para as ideias trazidas pelos termos vinculação e
discricionariedade. Linares226 preferiu alterar-lhes os nomes, passando a
se referir à vinculação como “arbítrio ordinário” e à discricionariedade
como “arbítrio extraordinário”.227 Araújo,228 a sua vez, optou por manter
as clássicas denominações, captando-as, no entanto, em novos conteúdos.

1.2.1.5.2 Vinculação dos atos administrativos


Para essa definição, é importante antecipar duas características da
atuação estatal administrativa, que serão explicitadas no próximo capítulo:
(a) em primeiro lugar, a sua hodierna submissão ao “[...] ordenamento
jurídico como um todo sistêmico”, a que alude Binenbojn,229 e não apenas
à lei em sentido estrito; e, (b) em segundo lugar, a sua sujeição especial ao
princípio da boa administração (é expressão específica do postulado da
proporcionalidade para o administrador público), que impõe a necessidade
de o administrador – tendo em consideração a sua condição de não
proprietário (que gere, pois, negócio alheio) e a específica finalidade e
modo de sua atuação – agir, sempre, da melhor maneira possível.
Ante essas qualidades da ação estatal, o agente público, quando, após
interpretar o ordenamento jurídico (com vistas a aplicá-lo concretamente –
praticar um ato administrativo), verificar estar sujeito, dentre as variadas
soluções possíveis, a somente um melhor comportamento, ter-se-á a
vinculação administrativa. Observe-se que a melhor conduta estará, em
vista das considerações anteriores, atrelada a um ou mais aspectos do ato
administrativo. Ou seja, a vinculação qualificará determinado aspecto do
ato administrativo, “[...] sempre que a norma jurídica regulá-lo de modo a

- vi) (por força da fluidez das expressões da lei) dela não se possa extrair objetivamente uma
solução unívoca para a situação vertente versus f) inexiste, em cada caso, uma interpretação
verdadeira (única correta).
Vale dizer, com todas as letras; o que a doutrina tradicional concebe como sendo a
discricionariedade é a interpretação [...]” (GRAU, 2005, p. 210-212).
226
LINARES apud ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 64.
227
Segundo o autor, o arbítrio ordinário estaria na atuação corriqueira do intérprete, radicada
natureza mesma do direito e de sua interpretação (que pressupõe uma liberdade lícita do
intérprete). Enquanto que o arbítrio extraordinário verificar-se-ia quando o exegeta goza de
uma liberdade mais ampla de interpretação, principalmente quando em face de “formulas
elásticas”, como moralidade, utilidade pública, etc. (LINARES apud ARAÚJO, 2005, p. 64)
228
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 60.
229
BINENBOJN. O sentido da vinculação administrativa à juridicidade no direito brasileiro, p. 160.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
87

transparecer que, na consideração axiológica do direito e das circunstâncias


em que este se faz aplicável, deve o administrador, ao aplicar essa norma,
fazê-lo da melhor maneira possível”.230
Poder-se-ia argumentar, conforme adverte o próprio Araújo,231 que
essa definição da vinculação administrativa, por se estribar na obtenção,
pelo trabalho exegético, de um melhor comportamento, estaria em
contradição com as próprias bases da evolução conceitual, que, como
já demonstrado nesta obra, pressupõe, dada a natureza da atividade de
interpretação, que os textos normativos sempre permitem a construção de
múltiplos sentidos. Assim, ao se dizer que a vinculação estaria no dever
de obtenção da melhor conduta (uma única), estar-se-ia sustentando a
univocidade (e não a plurivocidade) da atividade exegética. A crítica não
procede, contudo, pois a melhor conduta não está dessa forma qualificada
no ordenamento, isto é, não há, como observa Araújo, 232 outra mais
apropriada de per si, que, em si mesmo considerada, seja a melhor. Esta
é somente obtenível a partir do confronto de todas as normas aplicáveis
com as circunstâncias fáticas específicas, o qual é realizado pela autoridade
administrativa.233
Haverá, pois, vinculação de certo aspecto do ato administrativo, quando
o conjunto de normas aplicáveis (produzidas a partir de todo o ordenamento)
a determinado caso concreto apontar um só melhor comportamento. De resto,
à completa apreensão do significado de vinculação, importa examinar as suas
modalidades, normalmente tratadas em três:
(i) a regulação direta, que poderia ser tida como a vinculação
propriamente dita (eis que reflete a ideia geral que dela se
tem), e que se dá quando o ordenamento jurídico, expressa ou
implicitamente, prevê dado aspecto do ato administrativo;
(ii) a regulação indireta ou inversa, que ocorre quando a atividade
administrativa é regulada por normas jurídicas não diretamente
destinadas a tal, mas sim, por exemplo, a atribuir direitos aos
administrados. Ou seja, a vinculação, por essa modalidade,

230
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 65.
231
ARAÚJO. Loc. cit.
232
ARAÚJO. Op. cit., p. 67.
233
Veja-se, nesse sentido, Araújo (2005, p. 67):
“Mas, como saber qual é o melhor comportamento? De início, deve-se afastar a ideia de que
possa existir um comportamento mais adequado de per si, ou seja, algo que por si mesmo seja
melhor. À determinação da melhor atitude tem de concorrer uma apreciação axiológica diante
de certos fatos e de normas a estes aplicáveis. E dessa valoração, na qual reside o fator volitivo,
que dado comportamento passa a ser caracterizado como melhor. Não é, portanto, um dado
intrínseco à ação administrativa, mas algo externo a ela, que lhe é atribuída pela autoridade
competente para tal e que por isso mesmo leva a efeito tal ação”. (ARAÚJO, 2005, p. 67)
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
88 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

advém indiretamente do ordenamento jurídico, não estando


nela expressa, ainda que de modo implícito, a específica maneira
de agir da Administração Pública. Para ilustrá-la, considere-se,
hipoteticamente, que determinado Município não estabeleça
como se dará a fiscalização do imposto sobre serviços de
qualquer natureza (ISSQN). Em tal caso, mesmo a despeito de
qualquer regulação, os diversos direitos tornaram vinculados
vários aspectos dessa atuação (o sigilo fiscal, por exemplo,
constitucionalmente previsto, limitará a inspeção documental aos
papéis que guardarem relação com a ocorrência do fato gerador
do tributo, sua apuração e recolhimento; outros documentos, não
disserem respeito a tais atividades, não poderão ser analisados); e
(iii) a regulação residual, que, segundo Araújo,234 decorre das
restrições advindas da legalidade administrativa não extraíveis
das demais modalidades, as regulações direta e indireta.
Ressalte-se, por fim, que há vozes na doutrina, como a de Gordillo,
que concebem uma quarta modalidade, a regulação técnica, presente
quando a Administração Pública deve avaliar aspectos técnicos para a sua
atuação (2005, II-21). Entende-se, todavia, em congruência com Araújo,235
que a regulação técnica não é verdadeira modalidade, mas sim, uma
hipótese de vinculação, que poderá estar presente em quaisquer dos tipos
esposados, notadamente no primeiro.

1.2.1.5.3 Discricionariedade dos atos administrativos


Partindo-se da definição de vinculação administrativa, ter-se-á a
discricionariedade quando, após o trabalho interpretativo do ordenamento
pelo administrador, que levará em conta a completude do sistema
jurídico, bem assim as circunstâncias fáticas de aplicação, chegar, não
a um só comportamento praticável, tido como o melhor possível (pela
boa administração), mas sim, a mais de um deles, que caracterizem, na
expressão de Enterria,236 “indiferentes jurídicos”.
A escolha, portanto, do específico comportamento administrativo
na atuação discricionária efetivar-se-á por critérios outros que não
jurídicos. Estará no âmbito das já batidas “conveniência e oportunidade”
da Administração, eis que, para o ordenamento jurídico, as opções de
agir terão igual valor. É dizer, significarão, todas elas, a melhor atitude

234
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 70.
235
ARAÚJO. Op. cit., p. 68.
236
ENTERRIA apud ARAÚJO, 2005. p. 85.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
89

possível para determinada situação. A discricionariedade é, por isso,


margem de liberdade aferível após a atividade exegética do agente
público – que considera, insista-se, a totalidade do sistema jurídico e as
circunstâncias de aplicação – não resultando de mero “vazio legal”.237
Este, em tal sentido, é inexistente. Em não havendo lei específica para
a atuação estatal, ela se dará com arrimo na Constituição, quando isso
se fizer possível, mas nunca decorrerá da ausência de regulação, dados
os estritos limites oriundos da legalidade administrativa em sua tripla
dimensão normativa.238

1.2.1.5.4 O lançamento tributário por homologação é vinculado


e obrigatório
A “obrigatoriedade” e a “vinculatividade” do lançamento têm sido
vistos pela doutrina como uma redundância prevista no dispositivo.239 É
que o CTN, ao afirmar vinculado o lançamento, não é totalmente claro
ao mencionar qual de seus aspectos trata.240 Há alguns, por exemplo,
que o são sem a menção expressa a essa característica, como é o caso
do pressuposto subjetivo (para fazer referencia à teoria de Bandeira de
Mello,241 exposta supra), que é expressamente determinado pelo CTN:
a autoridade administrativa. Ao dispor, assim, que a “atividade” de
lançamento é vinculada, o art. 142, segundo o entendimento prevalecente

237
ARAÚJO. Op. cit., p. 84.
238
Araújo bem ilustra a questão, nos seguintes termos:

Exemplificando as duas hipóteses de discricionariedade: quando a lei manda que para
certo cargo seja nomeado alguém dentro de uma lista tríplice elaborada previamente, desta
devendo constar pessoas de “ilibada reputação e notório saber jurídico”, estamos diante de
um caso de discrição com um número determinado de opções para o agente responsável pela
nomeação; quando a lei de licitação aplicável à Administração Direta manda que se elaborem
regulamentos licitatórios internos para os entes da Administração Indireta, “obedecidos os
princípios e as normas gerais” dessa lei, aí haverá discricionariedade com um leque de número
indeterminado de escolhas. Em qualquer caso, porém, desde que respeitados os aspectos
regrados dos atos a serem praticados, no mais, qualquer escolha a ser feita estará previamente
validada pelo direito positivo.” (ARAÚJO, 2005, p. 85-86).
239
Como De Santi (1999, p. 172-173), Carvalho, (2010, p. 463) e Borges (1999, p. 183-184).
240
Sobre as críticas à vinculatividade do lançamento, veja-se, por todos, Greco (2007, p. 201-206).
Cite-se, como exemplo, o seguinte trecho: “Em primeiro lugar, cabe examinar a hipótese de
solidariedade passiva. Neste caso (art. 124 do CTN), teremos diversas pessoas que encontram-
se na condição de devedores da mesma prestação tributária. Posto que todas estejam em
idêntica condição, perante o sujeito ativo, credor da prestação, caberá a este escolher aquela
em relação a qual será exigido o cumprimento da obrigação. Deixando de lado a discussão
sobre a possibilidade de pagamento pelo sujeito passivo, antes do lançamento, fixemo-nos
na situação de existir antes do lançamento um grupo de pessoas com todos os requisitos para
delas ser exigido o crédito tributário, e após o ato de imposição só existir uma, na contingência
real de sofrer execução por força da opção feita pelo Fisco (credor)”.
241
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 431.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
90 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

na doutrina, quer dizer que ele é de prática obrigatória, o que quer dizer
que não há liberdade da autoridade em concretizá-la ou não.242
Isso não pode significar, no entanto, que o lançamento é obrigatório
no sentido de que ele sempre tem que ser praticado, para todos os fatos
geradores ocorridos no mundo fenomênico. Se assim fosse, não faria
sentido a previsão legal de hipóteses de decadência da sua prática (art.
150, §4º, e 173 do CTN). A orientação predominante, portanto, é de que
o CTN, ao afirmar o lançamento como vinculado e obrigatório, quer
significar que quando a situação fático-jurídica que enseja sua aplicação
for concretamente verificada pela autoridade administrativa (o motivo do
ato administrativo de lançamento), ele deve ser praticado.
Entende-se acertado o posicionamento da doutrina quanto ao
caráter obrigatório do lançamento. De fato, constatadas concretamente
as circunstâncias que exigem a prática do lançamento – como ocorre ao
final de um procedimento de fiscalização que conclui que não houve o
pagamento de tributos – o ato administrativo deverá ser realizado, pois
isso é ser obrigatório.
É possível, no entanto, atribuir significação própria para a
natureza vinculada do lançamento. Tendo em vista as considerações
anteriores, o art. 142, ao dizê-lo vinculado, não está a afirmar que
tem sua execução mandatória. Está, na verdade, a dizer que quando
as condições fáticas e jurídicas para a sua prática forem verificadas,
apenas ele, o lançamento, poderá ser praticado. É dizer, em tal situação,
a realização do lançamento é o único melhor comportamento a ser
adotado pela Administração Pública.
É interessante notar, quanto a isso, que sequer seria necessário
dizer expressamente que o lançamento tem sua execução vinculada. Essa
sua natureza já seria extraída da interpretação do ordenamento jurídico
quando a sua realização fosse necessária. Num caso de não recolhimento
de tributos, por exemplo, o administrador já concluiria que a única melhor
conduta para a hipótese seria o lançamento de ofício. Da mesma forma,
numa situação em que a adimplência fiscal fosse constatada após processo
fiscalizatório, o lançamento por homologação seria reconhecido como o
exclusivo melhor comportamento (no que se aprofundará adiante, por
tocar ao objeto central desta obra). Mas o legislador preferiu mencionar
explicitamente que a atividade de lançamento é vinculada, o que apenas
evidencia a sua preocupação em deixar bastante claro que, verificadas
as circunstâncias fático-jurídicas de sua aplicação, a sua incidência é a
melhor (e única) prática administrativa.

242
CARVALHO. Curso de Direito Tributário, p. 463.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
91

Em resumo, portanto, enquanto a vinculação significa que o


lançamento é o melhor comportamento estatal para determinadas
situações (é ele que deve ser adotado, em detrimento de qualquer outro),
a obrigatoriedade denota que, verificadas tais situações concretamente
pela autoridade administrativa, ele deve ser necessariamente executado.

1.2.2 Estrutura do ato de lançamento por homologação


Neste item, aplica-se a teoria de Bandeira de Mello quanto à estrutura
do ato administrativo, que acima se expôs. É importante observar que o
CTN não traz todos os elementos e pressupostos do ato de homologação.
Tal nem é seu objetivo, eis que lei tributária de normas gerais. Alguns de
seus aspectos, assim, estarão delimitados pelas leis internas das respectivas
pessoas jurídicas de direito público. A maioria, no entanto, é de possível
inferência a partir do CTN, conforme se passa a demonstrar.
Quanto aos elementos do ato, esses são conteúdo e forma. O
conteúdo do ato, como se viu, é ele próprio, a própria norma jurídica
que ele significa; a sua essência. No caso do ato de homologação, não
há como dizer que não seja a homologação em si; é dizer, seu conteúdo
será a manifestação inequívoca da Administração de que a atividade de
lançamento do contribuinte foi realizada em conformidade com a lei.
Quanto à sua forma, que é o modo pelo qual o conteúdo é exteriorizado
(levado ao conhecimento do destinatário), não há disposição explícita no
CTN. Todavia, dada a natureza da mensagem que veicula, bem assim o
próprio principio da segurança jurídica, que, em uma de suas acepções
impõe que o Direito possa ser conhecido (o que será demonstrado
no capítulo seguinte), não se vê forma mais adequada que a escrita,
devidamente notificada ao destinatário.243 Acresça-se a isso, ainda, o art.
196 do CTN,244 que impõe (também com fins de segurança jurídica), a
documentação dos atos de fiscalização.
Em relação aos pressupostos do ato, viu-se que se dividem em de
existência e de validade. Os pressupostos de existência são o objeto e a
pertinência com a função estatal administrativa. O objeto, como aquilo
sobre o que o conteúdo se refere, é, no caso do ato de homologação,

243
É o que pensa Carvalho (2010, p. 470), ao tratar do lançamento de ofício.
244
“Art. 196. A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de
fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na
forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.

Parágrafo único. Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível,
em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa
sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo.”
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
92 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

a atividade do sujeito passivo; é ela, como se viu, que é homologada


pela autoridade administrativa. A pertinência, a seu turno, que se
refere à necessidade de que o ato jurídico reflita o exercício da função
administrativa é clara no caso: a homologação é resultado da atividade
de controle de regularidade dos atos praticados pelo sujeito passivo.
Quanto aos de validade, são os seguintes:
(i) O sujeito, que é, por força do CTN, a autoridade administrativa,
sendo que as leis dos respectivos entes políticos estabelecerão
quais os cargos (funções) responsáveis para tal (por razões
lógicas, possivelmente será o mesmo sujeito competente para
presidir a fiscalização e lançar de ofício tributos).
(ii) O motivo, que é a situação fática que deve ocorrer para que
o ato seja realizado, é o encerramento da fiscalização, pela
autoridade administrativa, com a conclusão de que não há
irregularidades na atividade adotada pelo sujeito passivo; a
motivação, por sua vez – que não é pressuposto, mas é de im-
portante abordagem – e reflete a exposição capaz de evidenciar
os motivos pelos quais o ato foi praticado, no lançamento por
homologação, é o esclarecimento de que o ato foi praticado em
virtude da análise, pela Administração Tributária, da atividade
de quantificação de tributo realizado pelo contribuinte.
(iii) Os requisitos procedimentais, que são atos dos particulares e da
própria Administração necessários à prática do ato, são, nesse
caso, a realização das operações de quantificação pelo sujeito
passivo e a própria fiscalização pelo Poder Público.
(iv) A finalidade, que fala por si só, é, no ato de homologação, a
estabilização das expectativas normativas do sujeito passivo,
o qual, após ter procedido como posto pela legislação, espera
ter procedimento de lançamento por ele iniciado devidamente
encerrado (o exame da segurança jurídica, no capítulo seguinte,
deixará esse ponto mais claro).
(v) A causa, como explicado, é pressuposto lógico que exprime a
necessidade de pertinência do conteúdo do ato administrativo
com o motivo justificador de sua prática. Assim, pela causa,
da mesma forma em que o conteúdo “homologação” deverá
advir de uma situação em que a sua prática era possível, uma
situação de encerramento de fiscalização em que não se verificar
qualquer irregularidade na atividade do sujeito passivo haverá
de conduzir a ato cujo conteúdo consista em uma homologação.
(vi) O formalístico, que é a específica maneira, imposta pela lei,
pela qual o ato administrativo será exteriorizado, no caso do ato
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
93

homologatório, dependerá da regulação específica. Importante


dizer, aqui, pelo princípio do informalismo em favor do
contribuinte, temos Carvalho,245 e outros tantos, que serão aqui
especialmente tratados, como do da proteção da confiança e da
boa-fé, que, em sendo possível verificar, de modo inequívoco,
o conteúdo do ato (in casu, a homologação propriamente dita),
este deverá ser considerado válido, e seus efeitos, portanto.

1.2.3 Revisibilidade do lançamento tributário por homologação


Como lançamento, o ato de homologação somente é alterável dentro
das bitolas postas pelo CTN, que estão arroladas nos seus arts. 145, 146 e
149, os quais são abaixo transcritos para maior didática em sua apreciação:
Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser
alterado em virtude de:
I – impugnação do sujeito passivo;
II – recurso de ofício;
III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no
artigo 149.
Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão
administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade
administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada,
em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido
posteriormente à sua introdução.
(...)
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade
administrativa nos seguintes casos:
I – quando a lei assim o determine;
II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na
forma da legislação tributária;
III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração
nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da
legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade
administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo
daquela autoridade;
IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento
definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente
obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro
legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele,
agiu com dolo, fraude ou simulação;

245
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método. p. 792.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
94 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião
do lançamento anterior;
IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta
funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade,
de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não
extinto o direito da Fazenda Pública.

Como se vê, as hipóteses de alteração são, segundo o art. 145, a


impugnação do sujeito passivo, o recurso de oficio da Administração, ou
sua revisão de ofício. Examinar-se-á, aqui, apenas a última hipótese, pois,
como se trata do lançamento por homologação, é dizer, o ato homologatório
da atividade de quantificação do sujeito passivo, não se vê a possibilidade
de impugnação deste (eis que lhe faltaria interesse) e, por essa razão,
recurso ex officio da Administração (que somente ocorre quando instaurada
tal fase contenciosa).
De duas ordens são os limites postos à revisão do lançamento,
conforme já mencionado. Há limitação temporal, não sendo o lançamento
revisível a qualquer tempo (regra claramente fundamentada na segurança
jurídica), e limites quanto aos fundamentos que podem ser apontados
como justificadores do procedimento.
O primeiro, temporal, decorre do art. 149, parágrafo único, do CTN,
segundo o qual “[...] a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto
não extinto o direito da Fazenda Pública.” Ou seja, a revisão do lançamento
é somente executável dentro do prazo estipulado para seu próprio
exercício. O “direito da Fazenda Pública”, de que trata o dispositivo, não
pode ser outro que não o para efetuar o próprio lançamento. O prazo
decadencial do poder de revisão é, portanto, o mesmo fixado para efetuar o
lançamento revisto.246 Para o caso do lançamento por homologação, assim,
a sua revisão haverá de ser exercida em respeito ao interstício estabelecido
no §4º do art. 150 do CTN, é dizer, em cinco anos contados do fato gerador.
Além disso, concorda-se com Xavier quando sustenta que “[...] a
revisão do lançamento não somente deve ‘iniciar-se’, mas também ‘concluir-
se’ no prazo decadencial assinalado por lei para o exercício do próprio
poder de lançar”. 247 Isso porque, da revisão do ato de homologação muito
provavelmente resultaria a prática de lançamento de ofício por parte da
Administração, e este, tal como aquele, se sujeita a prazo decadencial para
que seja efetuado; no caso, o do art. 150, §4º, do CTN. Ou seja, admitir-se que a
Fazenda pudesse revisar o ato homologatório depois dos cinco anos previstos

246
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 248.
247
XAVIER. Loc. cit.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
95

para tal (tendo, contudo, iniciado o procedimento tempestivamente) é o


mesmo que aceitar que ela possa efetuar o lançamento de ofício de tributo
sujeito ao lançamento por homologação em prazo superior ao previsto para
a sua prática (que, na hipótese, é de cinco anos contados do fato gerador).
Decorrido o interregno decadencial, opera-se o efeito preclusivo
acima mencionado, dando-se por definitiva a situação jurídica estampada
no ato homologatório, ou, nas palavras de Xavier,248 tornado este (o ato de
lançamento por homologação) irrevisível ou imodificável.
Quanto aos demais limites, decorrem dos incisos do art. 146 e 149 do
CTN. Do art. 146, a doutrina majoritária extrai a impossibilidade de se revisar
o lançamento por erro de direito.249 Quanto a este dispositivo, pelo que tem
merecido críticas da doutrina, trata tanto das hipóteses de lançamento de
ofício, quanto dos casos de revisão de ofício. No que se refere à revisibilidade
do ato de homologação, o dispositivo arrola as seguintes possibilidades:
nos casos previstos em lei (inciso I); nos casos é que se comprove que o
sujeito passivo, ou terceiro em seu benefício, tenha agido com dolo, fraude
ou simulação (inciso VII); nos casos em que deva ser apreciado fato não
conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior (inciso VIII); e
nos casos em que se demonstre que, no lançamento anterior, ocorreu fraude
ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma
autoridade, de ato ou formalidade especial (inciso IX).
Prevalece o dissenso doutrinário quando se tem em análise a questão
da distinção entre erro de fato e erro de direito para fins de revisibilidade
do lançamento. Borges (1999), de modo mais incisivo, alerta, com base
em Castanheira Neves, a imensa dificuldade de se extremar, para fins
de direito, as questões de fato das daquelas de direito. Derzi,250 também
citando Neves, ao cuidar do assunto, observa que o tema se trata “[...] na
realidade, de região cinzenta e nebulosa...”.
Da dificuldade do trato da matéria, reconhecida, como se viu, por
autores de escol, redundam opiniões diversas sobre a possibilidade de
revisão do lançamento com base em erro de direito. Os questionamentos
não se centram, contudo, na aferição se o lançamento pode ou não pode ser
alterado com fundamento em questão de direito. Quanto a este ponto, tanto

248
XAVIER. Op. cit., p. 249.
249
Em sentido diverso, é Xavier: “O verdadeiro fundamento da limitação da revisão do
lançamento à hipótese de erro de fato resulta do caráter taxativo dos motivos da revisão do
lançamento enumerados no artigo 149 do Código Tributário Nacional e que, como vimos, são,
além da fraude e do vício de forma, dever apreciar-se “fato não conhecido ou não provado por
ocasião de lançamento anterior” (inciso VIII)”. (XAVIER, 1997, p. 255).
250
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 486.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
96 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

a doutrina, quanto a jurisprudência são acordes pela vedação. A discordância


está, principalmente, em saber qual é a fonte normativa da proibição de
modificação do lançamento tendo-o por fundamento. Xavier, por exemplo,
vê a lista do art. 149 como um rol taxativo, sacando, daí, a proibição de
revisão por erro de direito, eis que esta hipótese não está expressamente
prevista.251 Outros autores, a seu turno, em maioria, extraem do art. 146 do
CTN a impossibilidade de se alterar o lançamento tributário com escoro em
critérios jurídicos, grupo no qual se encontram Coêlho,252 Derzi253 e Canto.254
De qualquer forma, com exceção de Machado (2007), que propõe,
como base no dever de autotutela da Administração (a qual, demonstrar-
se-á, pode ser mitigado pela aplicação de princípios como o da proteção da
confiança e da boa-fé objetiva), uma ampla revisibilidade do lançamento,
não se conhece doutrina que valide a revisão deste com base em matéria
jurídica, é dizer, invocando erro de direito. Deveras, pelo teor do art. 146
do CTN, conjugado com os princípios jurídicos antes estudados, além da
impossibilidade, acentuada em relação ao Poder Público, de desconhecer a
lei,255 é essa a interpretação mais acertada. Segundo a doutrina prevalecente,
por erro de direito deve-se entender a escolha equivocada de um módulo
normativo para regular dada questão, ou, a incorreção dos critérios e
conceitos jurídicos que fundamentaram a prática de determinado ato.256 Em
Xavier,257 encontra-se definição didática, segundo a qual o “error iuris” está
“[...] na interpretação da lei (erro na interpretação), quer na caracterização
jurídica dos fatos (erro de direito quanto aos fatos), quer na subsunção dos
fatos à norma aplicável...”. O erro de fato, a sua vez, por exclusão, dá-se “[...]
no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar
fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção”.

251
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 255.
252
COÊLHO. Curso de Direito Tributário, p. 708.
253
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 485.
254
CANTO. Temas de Direito Tributário, 1964.
255
Veja-se, nesse sentido, Canto: “Ao apreciar o erro como um dos motivos que justificam
o desfazimento ou a revisão do lançamento, distingue a doutrina, e já hoje, também a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as duas espécies em que o mesmo se revestir
— erro de fato e erro de direito —, para só autorizar a revisão nos casos em que a autoridade
lançadora tenha corrido no primeiro (erro material de cálculo, por exemplo), mas não quando
se trate de erro de direito. Tal entendimento está absolutamente conforme com o sistema
jurídico que nos rege, que não admite defesa, baseada em erro de direito, a ignorância da lei
não escusa a ninguém. Se assim é, os particulares, com maior soma de razões sê-lo-á para a
própria administração pública, que não poderá alegar a nulidade de ato seu por haver mal
interpretado o direito fazendo errônea aplicação sua ao fato”. (CANTO, 1964, p. 47).
256
COÊLHO. Curso de Direito Tributário, p. 708; DERZI. Op. cit., p. 485.
257
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 255.
CAPÍTULO 1
O LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇAO
97

Não pode a autoridade administrativa, portanto, invocar o erro de


direito para legitimar a revisão do lançamento tributário, é dizer, equívoco na
interpretação do direito, na sua aplicação, ou na valoração dos fatos. Dito isso,
segue-se ao exame das hipóteses de revisão de ofício do lançamento previstas
no art. 149 do CTN (antes referidas), a ser feito de modo sistematizado:
(i) Nos casos previstos em lei (inciso I): esse primeiro caso traz a
possibilidade, já aventada por Borges258 e Derzi,259 de que as leis das
pessoas políticas tributantes prevejam outras situações ensejadoras
da revisão ex officio do lançamento. As novas hipóteses, no entanto,
encontram limitações naquelas arroladas no CTN, lei complementar
de normas gerais, de modo que não podem contradizê-las. Segundo
Derzi,260 as leis dos entes federados poderão “[...] disciplinar apenas
aquele campo de nebulosidade para esclarecê-lo, sem prejuízo do
comando do art. 146...”. Ou seja, conquanto outros casos de revisão
possam ser criados, os lançamentos notificados têm os elementos
jurídicos que o compõem blindados, insusceptíveis de serem
invocados como fundamento de modificação.
(ii) Nos casos em que deva ser apreciado fato não conhecido ou não
provado por ocasião do lançamento anterior (inciso VIII): com esse
dispositivo, vê-se que o CTN foi além na proteção do lançamento já
notificado ao seu destinatário; não é qualquer fato que dá ensejo à
sua revisão, mas somente aqueles desconhecidos ou não provados
à época de sua prática. O entendimento de que fatos são novos ou
não provados passa pela compreensão dos papéis de Administração
Pública e sujeitos passivos durante a relação jurídica tributária, que
é desenrolada em esquema procedimental nos casos de lançamento
por homologação. Enquanto o Poder Público, em especial nessas
hipóteses, goza de prerrogativas e privilégios para fiscalizar e exigir
o crédito tributário, além de estar obrigado a fazê-lo com esmero e
eficiência (em decorrência, mormente, da natureza de sua atuação,
em regime de administração, bem assim das normas constitucionais
da legalidade administrativa e da eficiência), o contribuinte tem o
dever de colaborar ao máximo, desde que direitos constitucionais
a que faz jus não sejam desrespeitados. Tem-se, assim, amplos
poderes de investigação da Administração Tributária e dever
de colaboração dos contribuintes, ambos destinados à satisfação

258
BORGES. Lançamento tributário, p. 397-398.
259
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 487.
260
DERZI. Loc. cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
98 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

das pretensões de cunho tributário. Dessa compreensão, pode-se


estabelecer o que são os fatos novos e não provados, que legitimam
a revisão do lançamento. Esses serão aqueles que o Estado, em sua
função administrativo-fiscalizatória, não conheceu e não tinha como
conhecer, sendo que estes somente podem ser assim considerados
se o particular cumpriu a contento o seu dever de colaboração
probatória.261 E são somente esses fatos que permitem a revisão
do lançamento por homologação.262 Saliente-se, por fim, que essa
situação poderá dar ensejo à aplicação do princípio da boa-fé objetiva,
desde que respeitados os seus requisitos, como se verá.
(iii) Nos casos em que se demonstre que, no lançamento anterior,
ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou
omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial
(inciso IX). Nessas hipóteses, o campo para a aplicação do princípio
da boa-fé objetiva é bastante fértil. O sujeito passivo que, de boa-fé,
tenha confiado na regularidade do ato (e desde que respeitados
os demais requisitos pertinentes) não poderá ser prejudicado pela
imperícia ou pela desonestidade da Administração. Na ausência
de formalidades, o ato praticado, em razão do princípio maior da
segurança jurídica, haverá de ser convalidado. Nos casos, por outro
lado, de fraude ou falta funcional, as circunstancias específicas da
realização do ato deverão ser analisadas para se verificar qual será a
medida mais adequada de proteção da confiança do sujeito passivo.
Sobre a boa-fé objetiva e a proteção da confiança, comentários mais
detalhadas serão feitos adiante, como já se observou.
(iv) Nos casos em que se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro
em seu benefício, tenha agido com dolo, fraude ou simulação
(inciso VII): nessas situações, não há de se falar em proteção do
particular por um ideal de estabilidade normativa, que permeia
a temática da revisibilidade do lançamento, como se pôde
verificar. O Direito não ampara aqueles que dele fazem mau uso.

261
XAVIER. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário, p. 266.
262
Xavier, que adota esse entendimento, ressalta que é também essa a orientação da doutrina
alemã: “Esta é a orientação da doutrina e da jurisprudência alemãs que, em relação ao §222, 1,
1 da Abgabenordnung anterior e do §173 (1) 1 da nova Abgabenordnung, de 16 de março de
1976, entendem que a “novidade” do fato não se determina com base em categorias puramente
fáticas (que o “fato” fosse efetivamente desconhecido para a repartição competente), mas
também pelo critério da culpa da Administração em não ter procurado informações sobre o
fato quando tinha o dever de fazê-lo, ou quando a sua ignorância não possa imputar-se ao
contribuinte, que cumpriu devidamente o seu dever de fornecer os dados legalmente exigíveis
à Administração. O princípio, que alguns fazem reportar à boa-fé, é de que a negligência da
Administração não deve redundar em prejuízo do contribuinte.” (XAVIER, 1997, p. 266)
CAPÍTULO 2

A SEGURANÇA JURÍDICA

Neste capítulo, faz-se estudo aprofundado da segurança jurídica,


com o desígnio de traçar os vetores do regime jurídico constitucional
aplicável ao lançamento tributário por homologação. Como explanado
na seção introdutória, tal figura normativa – o lançamento tributário
por homologação – é, principalmente ele (quando comparado às duas
outras modalidades), regra jurídica indiscutivelmente voltada para a
concretização dos ideais normativos de estabilidade e previsibilidade,
os quais dão substância à segurança jurídica. O objetivo, portanto, das
linhas subsequentes, é bem delimitar o que se deve compreender por
segurança jurídica, além de fazer o mesmo com os princípios jurídicos
dela decorrentes, pois dessa explicitação serão retiradas as bases para a
apropriada exegese do lançamento tributário por homologação.

2.1 A segurança jurídica e o seu conteúdo


Arthur Kaufmann, em sua “Filosofia do Direito”, apreende que a
segurança jurídica possui duas acepções: a primeira se refere à segurança
propiciada pelo Direito, ou seja, a segurança face ao roubo, ao homicídio,
ao descumprimento de um contrato etc.; e, a segunda, cinge-se às garantias
de sua cognoscibilidade, aplicabilidade e efetividade do Direito, ou, uma
só expressão, a segurança do Direito.1 2 É nesse segundo sentido que o
autor alemão concentra sua análise, que, em seu entender, diz respeito à
própria eficácia do Direito: apenas existiria segurança pelo Direito quando
o próprio Direito é seguro. E o “direito seguro” perpassaria pela verificação

1
KAUFMANN. Filosofia do direito, p. 281.
2
Kaufmann (2007, p. 278) discorre sobre a segurança jurídica (ou “paz jurídica”, como mais
frequentemente a ela se refere) como uma das vertentes do seu conceito de justiça, ao lado da
“igualdade”, que seria a justiça estritamente considerada, e da “adequação”, que exprimiria a
ideia de justiça social ou do bem comum.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
100 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

de três aspectos, intrinsecamente relacionados, quais sejam: a positividade,


a exequibilidade prática e a estabilidade.3
Por positividade não se deve entender, simplesmente, que
o Direito precisa ser posto, escrito ou concretamente expressado.
Independentemente de tal condição, para que o Direito seja positivo, é
necessário que ele esteja de tal forma estabelecido em determinado lugar
e em dado momento histórico que possa ser dito sem arbitrariedade.
Assim é que o Direito consuetudinário, embora não seja posto, possa
ser, em função da sua reiterada e duradoura prática, positivo. Diante
disso, um número excessivo de conceitos indeterminados e cláusulas
gerais, por exemplo, comprometem a segurança jurídica, pois acabam
por dificultar a compreensão exata do que seja o Direito. Saliente-se,
todavia, que o extremo oposto, é dizer, o desenfreado estabelecimento
de disposições casuísticas, por mais que elevem o grau de segurança
jurídica, podem terminar prejudicando a obtenção da justiça material.
Daí se buscar, sempre, um equilíbrio.4
Por exequibilidade prática, tem-se que os fatos jurídicos relevantes
devem ser passíveis de ser conhecidos, na medida do possível, de forma
isenta de erro. Em termos outros, deve-se buscar a maior clareza possível
quanto aos fatos ocorridos concretamente, de maneira a se evitar, ao
máximo, que eles não sejam regulados da forma em que deveriam.
Aqui, igualmente, há de se advertir que a exagerada formalização das
hipóteses normativas, tendente a obter essa exequibilidade prática, pode
também comprometer a realização da justiça material. Quem semeia
normas, não colhe justiças, diz um provérbio. A excessiva solenização
dos testamentos é um bom exemplo. Com vistas a garantir que a
vontade neles expressa seja de fato observada, pode-se vir a estabelecer
tal número de obrigações formais que dificultem ou impeçam a sua
própria elaboração. Nesse caso, o exagerado zelo do legislador para
que a vontade dos testadores fosse cumprida após a suas respectivas
mortes pode levar ao efeito contrário: evitar que o sejam.5
For fim, a estabilidade do Direito, ou sua permanência ou durabilidade,
impõe que ele não seja passível de ser modificado com ligeireza, para usar
a expressão de Kaufmann.6 Noutras palavras, o Direito estável é aquele
que pode ser conhecido e esperado, que garante previsibilidade ou
programabilidade. O sujeito deve, por isso, ter condição de conhecer, com

3
KAUFMANN. Op. cit., p. 282-283.
4
KAUFMANN. Filosofia do direito, p. 282-283.
5
KAUFMANN. Loc. cit.
6
KAUFMANN. Op. cit., p. 283.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
101

antecedência, as consequências da concretização do direito posto, bem


assim poder contar com a permanência de atos, fatos ou situações jurídicas
já instaurados. Ressalte-se que a ideia de continuidade ínsita à estabilidade
não deve significar a permanência injustificável de tais atos, fatos ou
situações jurídicas, quando incontestavelmente ilegais. A disposição jurídica
desconforme com o ordenamento deve ser de pronto alterada, sob pena
de se praticar injustiças materiais. Mas um sistema jurídico que possa ser
modificável a qualquer tempo, sem o estabelecimento de quaisquer cláusulas
“dificultadoras” de tal, pode se tornar, da mesma forma, materialmente
injusto. A estabilidade, por essa razão, independe, a priori, da conformidade
de determinada situação jurídica com o direito positivo.
Perez-Luño,7 por sua vez, em categorização mais simples (o que não
que dizer que lhe careça conteúdo), apresenta a segurança jurídica como um
conceito que abrange dois sentidos menores: o primeiro, “[...] que responde
a la seguridad jurídica stricto sensu, se manifesta como una exigencia objetiva
de regularidad estructural y funcional del sistema jurídico a través de sus
normas e instituciones...”, e o segundo, por sua vez, que “[...] representa
su faceta subjetiva, se presenta como certeza del Derecho, es decir, como
proyección em las situaciones personales de la seguridad objetiva”. Do seu
conceito, vê-se a semelhança da faceta objetiva com a ideia de segurança
do direito de Kaufmann,8 especialmente com o aspecto da positividade e,
quanto à face que concebe como subjetiva, percebe-se que toma em conta
pontos da segurança pelo direito mencionada pelo autor alemão e, também,
a estabilidade que este último atribui ao “direito seguro”.9
Outros autores, a exemplo de Couto e Silva10 e Ribeiro,11 identificam
a segurança jurídica composta por dimensões objetiva e subjetiva, mas
de modo distinto da classificação proposta por Perez-Luño.12 A primeira

7
PEREZ-LUÑO. La seguridad jurídica, p. 29-30.
8
KAUFMANN. Filosofia do direito, p. 281.
9
Silva (2004, p. 16-17) faz diferenciação similar ao tratar da segurança jurídica. Distingue entre
segurança do direito e segurança jurídica, nos seguintes termos: “A segurança do direito é
a que exige a positividade do direito e é, neste contexto, que a segurança se entronca com a
Constituição, na medida em que esta constitui o fundamento de validade do direito positivo.
[...] A segurança do direito, como visto, é um valor jurídico que exige a positividade do direito,
enquanto a segurança jurídica é já uma garantia que decorre dessa positividade. Assim é que
o direito constitucional positivo, traduzido na Constituição, é que define os contornos da
segurança jurídica da cidadania”.
10
COUTO E SILVA. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro
e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do
art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99), p. 10.
11
RIBEIRO. A segurança jurídica do contribuinte (legalidade, não surpresa e proteção à confiança
legítima), p. 227.
12
PEREZ-LUÑO. La seguridad jurídica, p. 29-30.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
102 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

vincular-se-ia à certeza do ordenamento jurídico pela garantia de


estabilidade das relações jurídicas e estaria representada, normalmente,
pelos princípios da legalidade e da irretroatividade das leis;13 enquanto
que a segunda relacionar-se-ia com a proteção da confiança das pessoas
no que se refere aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais
variados aspectos de sua atuação.
Já Maffini,14 partindo dos ensinamentos de Couto e Silva15 e da
classificação proposta por Calmes (2001), volta a qualificar a segurança
jurídica em três dimensões, em muito semelhantes às propostas por
Kaufmann, quanto ao “direito seguro”.16 Como primeira delas, aponta a
ideia de previsibilidade ou de possibilidade de cálculo prévio, conducente
à necessidade de que os destinatários das funções estatais tenham como
conhecê-las antes de sua concretização. A essa dimensão, a faceta ex ante
da segurança jurídica, ligar-se-iam as garantias de legalidade (reserva
legal), irretroatividade das leis, anterioridade e a proteção da confiança em
sentido objetivo (relativa à legítima expectativa quanto ao cumprimento do
ordenamento). Para a segunda dimensão, traz a noção de acessibilidade,
significativa da necessidade de se poder saber/conhecer as ações estatais.
Maffini17 observa que, nesse caso, não está a reiterar a previsibilidade,
assinalada como primeira dimensão, mas a ela acrescer a possibilidade de
se ter ciência da atuação estatal, ideia intimamente conectada às exigências
de publicidade e motivação dos atos estatais. A terceira dimensão, a seu
turno, expressa novamente a previsibilidade, só que, agora, ex post, em
sentido, portanto, de estabilidade, permanência ou continuidade das
situações e relações jurídicas vigentes, mesmo que decorrentes de atos
estatais inválidos. Nessa acepção se expressa a proteção subjetiva da
confiança, ou substancial, eis que externa a necessidade de permeância
do Direito quando nela se legitimamente confiou.
As menções diversas a conceitos cunhados para a segurança jurídica
tornam possível identificar uma substância que já lhe é intrínseca, da qual
se pode extrair uma delimitação de seu significado. Em meio a tantas

13
Larenz (1985), sem apresentar algum tipo de divisão no conceito de segurança jurídica, a define
de maneira bastante próxima à dita feição objetiva, como “[...] la certidumbre de que se puede
contar con reglas de derecho, com su igual aplicación, y en determinados supuestos creados o
calificados por el derecho... com los derechos adquiridos y su protección por los tribunales”.
14
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro, Tese, p.
40-46.
15
COUTO E SILVA. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro
e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do
art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99), p. 10.
16
KAUFMANN. Filosofia do direito, p. 281.
17
MAFFINI. Op. cit., p. 44.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
103

classificações, pois, qualquer noção de segurança jurídica haverá de conter,


em seu âmago, (a) a possibilidade de conhecer o direito mesmo antes de
sua materialização; (b) a confiabilidade na aplicação fiel do ordenamento
jurídico (os atos normativos geram expectativas legítimas, conforme se
verá); (c) a confiabilidade na permanência ou na continuidade das relações
jurídicas; e (d) a possibilidade de saber o Direito na sua aplicação (ter como
conhecer, objetivamente, o conteúdo das normas jurídicas aplicadas).

2.2 A segurança jurídica ressignificada


Ainda discorrendo sobre as três facetas do seu conceito de justiça,
Kaufmann18 observa que a garantia de um direito seguro não é antecedente
lógico e determinante de um direito materialmente justo. Conforme destaca
a literatura, existe uma real e constante tensão entre a justiça material e
a segurança jurídica. Segundo Radbruch, dita tensão não há de ser vista
como representativa de uma antinomia nesse conceito, mas sim, como um
“conflito da justiça consigo mesma”, a ela essencialmente inerente.19 Ávila,
na mesma toada, adverte que a segurança jurídica não deve ser meramente
descrita em oposição à igualdade ou justiça individual, “[...] mas, muito
pelo contrário, como uma ‘conciliação’ necessária”.20 O autor observa
que, em se reconhecendo que os princípios jurídicos (como a justiça e a
segurança) são estruturalmente diversos das regras jurídicas, que não são
ordens acabadas, e sim tendências normativas, a antinomia desaparece,
pois estas são grandezas graduáveis (ou seja, apenas concorrem para uma
direção decisória, não sendo mutuamente excludentes).21 Ávila também
afasta, dessa maneira, a concepção de que a justiça, vista amplamente,
guarda, em seu interior, uma contradição.22 Mas não nega a tensão que
lhe integra o conteúdo. Esta seria a própria necessidade de constante
conciliação, natural de um sistema jurídico fundado em princípios, em
oposição à necessidade formalista de uma resposta automática e “sempre
pronta” para as situações reguladas pelo Direito. Ao intérprete não pode
ser reservada a função de mera “bouche de la loi”.23

18
KAUFMANN. Filosofia do direito, p. 288.
19
RADBRUCH. Filosofia del derecho, p. 294.
20
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 294.
21
ÁVILA. Loc. cit.
22
ÁVILA. Op. cit., p. 295.
23
COUTO E SILVA (1987, p. 47), ao facear a questão, em linha de pensamento similar àquela ora
externada, também nega dita contradição, ao concluir que garantir a segurança é efetivar a
justiça: “No fundo, porém, o conflito entre justiça e segurança jurídica só existe quando tomamos
a justiça como valor absoluto, de tal maneira que o justo nunca pode transformar-se em injusto
e nem o injusto jamais perder essa natureza. A contingência humana, os condicionamentos
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
104 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

E foi a partir do esforço constante de compreender tal tensão que


o conceito de segurança jurídica incorporou a sua, por alguns referida,
face subjetiva ou substancial. Entendeu-se, pois, que a justiça seria mais
plenamente alcançada se os indivíduos, além de poderem conhecer, com
antecedência, os efeitos de suas condutas e das condutas de terceiros
nelas interferentes, pudessem, igualmente, crer que as situações jurídicas
abstratamente previstas seriam concretizadas e que aquelas já instauradas
teriam sua continuidade incentivada e respeitada. Percebeu-se, dessa
forma, com o empenho de se conciliar a firme busca de materialização
de justiça com as exigências de segurança do Direito, a necessidade de se
garantir a preservação da confiança nas relações jurídicas. Com essa nova
roupagem – na verdade, conteúdo – alguns autores passam a falar na
ressignificação da segurança jurídica, como faz Martins-Costa.24
A requalificação sugerida pela autora escora-se na insuficiência de as
ideias tradicionais deste principio e do princípio da legalidade (formal25) de
solucionarem, por si mesmas, os atuais problemas enfrentados pelo Estado
de Direito.26 A autora também a fundamenta no atual contexto social, que é
complexo, multiforme, instável e conflitual, e que, por essas características,
exigiria uma atuação estatal não meramente abstencionista (a segurança
por ele propiciada seria, assim, exclusivamente formal), que é a que
prevaleceu sob a égide do Estado Liberal do início do séc. XX, tampouco
exclusivamente assistencialista, própria do modelo social de Estado (em
que há substituição da segurança pela ideia de seguridade social). Em

sociais, culturais, econômicos, políticos, o tempo e o espaço — tudo isso impõe adequações,
temperamentos e adaptações, na imperfeita aplicação daquela ideia abstrata à realidade em que
vivemos, sob pena de, se assim não se proceder, correr-se o risco de agir injustamente ao cuidar
de fazer justiça. Nisso, não há nada de paradoxal. A tolerada permanência do injusto ou do ilegal
pode dar causa a situações que, por arraigadas e consolidadas, seria iníquo desconstituir, só pela
lembrança ou pela invocação da injustiça ou da ilegalidade originária. Do mesmo modo como a
nossa face se modifica e se transforma com o passar dos anos, o tempo e a experiência histórica
também alteram, no quadro da condição humana, a face da justiça. Na verdade, quando se diz
que em determinadas circunstâncias a segurança jurídica deve preponderar sobre a justiça, o que
se está afirmando, a rigor, é que o princípio da segurança jurídica passou a exprimir, naquele
caso, diante das peculiaridades da situação concreta, a justiça material. Segurança jurídica não é,
aí, algo que se contraponha à justiça; é ela a própria justiça. Parece-me, pois, que as antinomias e
os conflitos entre justiça e segurança jurídica, fora do mundo platônico das ideias puras, alheias
e indiferentes ao tempo e à história, são falsas antinomias e conflitos”.
24
MARTINS-COSTA. Almiro do Couto e Silva e a ressignificação do princípio da segurança jurídica na
relação entre o estado e os cidadãos, p. 145-146.
25
Refere-se à legalidade, neste ponto, em sua concepção clássica, essencialmente formal,
denotativa de estrita conformidade com a lei (também em sentido formal). Conforme
restará exposto em capítulo específico sobre a atuação administrativa estatal, também a
legalidade revestiu-se de novo conteúdo, passando a significar, sob a alcunha de juridicidade,
conformidade com o direito.
26
MARTINS-COTSA. Loc. cit.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
105

outras palavras, para a autora, a segurança jurídica “ressignificada”


estaria mais adequada à conjuntura social presente e aos imperativos
materialmente garantistas do Estado Democrático de Direito.
Derzi,27 para quem os princípios jurídicos são “[...] continuamente
revistos, recompreendidos e reexpressos pelos intérpretes-aplicadores...”, e,
que, além disso, em extenso e abrangente estudo sobre o tema, já referido,
também percebe a proteção da confiança inserta na segurança jurídica,28
ilumina e aprofunda a questão com os estudos de Luhmann29 sobre a
confiança, destacando a sua essencialidade para as relações intersubjetivas
atuais e para o próprio sistema jurídico.30
A análise, ainda que breve, das conclusões de Luhmann31 e de
Derzi32 sobre a confiança, acompanhada da compreensão do conteúdo
do Estado Democrático de Direito (sob a perspectiva da segurança que
propicia), bem assim da atual conjuntura social, conduzirão à referida
melhor apreensão da atual substância da segurança jurídica.33 É o que
se fará, portanto, a seguir.

2.2.1 A confiança como instrumento redutor de complexidade


Bullesbach,34 em análise dos fundamentos das teorias sistêmicas,35
observa que a complexidade, como a totalidade de acontecimentos
possíveis no mundo, tem que ser reduzida a uma medida que possibilite
que vida e as ações humanas se orientem. Luhmann,36 nesse sentido,
trabalha a confiança como consequência básica da vida social: diante da
imensurável complexidade do mundo, com suas inúmeras possibilidades de

27
DERZI. Direito tributário brasileiro, p. 115.
28
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 603.
29
LUHMANN. Confianza, p. 26.
30
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 325-338.
31
LUHMANN. Loc. cit.
32
DERZI. Op. cit. p. 325-338.
33
Os comentários que serão feitos a este respeito representam alguns dos motivos, reconhecidos
pela doutrina, para a ampliação da ideia de segurança jurídica, é dizer, que conduziram à
compreensão da segurança jurídica em conformidade com os termos acima expostos. Não
se pretendem, pois, as únicas causas dessa ressignificação. São algumas delas, que se julga
interessante citar e comentar.
34
BULLESBACH. Princípios de teoria dos sistemas, p. 341.
35
BULLESBACH, Alfred. Princípios de teoria dos sistemas. In: KAUFMANN, Arthur e
HASSEMER, Winfried (org.). Introdução à filosofia do direito e à teoria do direito contemporâneas.
2. ed. Tradução de Marcos Keel e Manuel Seca de Oliveira. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2009.
36
LUHMANN. Confianza, p. 3-4.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
106 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

acontecimentos, oriundas de planos de diversas naturezas (natural, social,


psicológico, etc.), não tê-la como ponto de partida para quaisquer condutas
causaria, inevitavelmente, o caos generalizado e o temor paralisante. É
que, ao se confiar, espera-se firmemente, que a prática de determinados
atos gerará consequências já antevistas. Aquele que confia, assim, orienta
as suas ações como se o futuro fosse certo, desconsiderando ditas infinitas
possibilidades de acontecimentos.37 Por isso, os atos em confiança, por
reduzirem a incerteza futura e, concomitantemente, tornarem mais estáveis
as relações sociais, afiguram-se como minimizadores de complexidade.38
E é também por esse motivo, por essa aptidão de a confiança se antecipar
o futuro, que o autor afirma que, por meio dela, invalida-se o tempo “[...]
ou, pelo menos, se invalidam as diferenças de tempo”.39
A confiança é, com efeito, imprescindível ao homem em sua
constante lida com a complexidade do mundo. Daí dizê-la “consequência
básica da vida social”. Supõe, em suma, conforme sistematização proposta
por Derzi,40 que parte de Luhmann,41 três elementares características:
(a) a continuidade dos estados, de modo que se igualem presentes e
futuros; (b) a simplificação, pelo arrefecimento da complexidade e das
incontáveis variadas possibilidades; e (c) a antecipação do futuro, por
meio da projeção dos acontecimentos presentes a tempos vindouros.
Quem confia, destarte, antecipa o futuro, crendo na permanência de um
estado presente num tempo ainda por vir (o estado de coisas expectado no
presente, por se verificar no futuro, permanece no tempo) e, em o fazendo,
encurta, sobremaneira, a complexidade inerente à variada e infinita gama
de acontecimentos possíveis.
Luhmann 42 observa que, se em sociedades mais simples a
familiaridade, entendida como experiência fática prévia, é bastante à
diminuição de complexidade – pois, tendo em vista o reduzido número de

37
LUHMANN. Confianza, p. 26.
38
“Por lo tanto, el problema de la confianza consiste en el hecho de que ei futuro contiene muchas
más posibilidades de las que podrían actualizarse en el presente, y del presente transferirse al
pasado. La incertidumbre que tiende a existir es simplemente una consecuencia de un hecho
muy elemental, que no todos los futuros pueden convertirse en presente y de aquí convertirse
en pasado. El futuro coloca una carga excesiva en la habilidad del hombre para representarse
las cosas para s mismo. El hombre tiene que vivir en el presente junto con este futuro, de
sobremanera complejo, eternamente. Por lo tanto debe podar el futuro de modo que se iguale
con el presente, esto es, reducir la complejidad.” (LUHMANN, 1996, p. 21)
39
LUHMANN. Loc. cit.
40
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 328.
41
LUHMANN. Op. cit., p. 21.
42
LUHMANN. Op. Cit, p. 29-37.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
107

possibilidades, o passado acaba por se repetir no futuro43 (os fatos futuros


já são conhecidos) – nos mundos mais complexos, dada a multiplicidade
dessas possibilidades de acontecimentos, ela já não é suficiente,
nascendo, como resultado, a confiança no sistema.44 Passa-se, pois, com
a complexidade do mundo hodierno, da confiança familiar à confiança
sistêmica.45 Esta pressupõe a renúncia à totalidade de informações (como
a assunção também consciente do risco daí advindo), constituindo-se
por meio de processos de generalização, em que se consideram situações
concretas passadas para se formar expectativas que vão além destas (o
passado não meramente se repete no futuro), servindo também a casos
similares que ainda são desconhecidos. Se, nas sociedades simples, dada
a redução de possibilidades de eventos, conhecer o passado é bastante
à formação de expectativa, nos mundos complexos a infinita variedade
de eventos por acontecer (ainda incógnitos), faz com que as expectativas
provenham de processos de generalização, os quais, segundo categorização
de Derzi,46 possuem três aspectos “[...] (I) indica o deslocamento parcial do
‘externo’ (experiências concretas) para o ‘interno’; (II) indica um processo
de aprendizagem, que se institucionaliza; (III) suporta uma resolução
simbólica dos resultados do ambiente”.
Uma das condições, portanto, à outorga de confiança, é a
deficiência informativa.47 Somente pode haver confiança se não se tem
acesso à totalidade de informações, pois, na hipótese contrária (quando
se detém todas as informações), a expectativa inexiste, porquanto já se
sabe o que ocorrerá. Onde há domínio ou supremacia sobre os eventos
e/ou acontecimentos, por isso, a confiança não é necessária, tampouco
sua proteção. A essa precondição, 48 ainda como arrimo na obra de
Luhmann,49 acrescenta outras duas: estruturas motivadoras de confiança
e os mecanismos de comunicação (ambos decorrentes de processos de
generalização). Dentre aquelas, tem-se, como exemplo, o sistema jurídico,
que, justamente por estabelecer padrões de conduta, é dizer, fixar os
comportamentos estimulados, permitidos e proibidos, reduz complexidade

43
Por isso dizer que, nos mundos familiares, o tempo passado prevalece sobre os tempos
presente e futuro (LUHMANN, 1996, p. 32).
44
Sobre a teoria dos sistemas de Luhmann (1996, p. 29-37), considerações serão feitas no próximo
tópico.
45
DERZI. Op. cit., p. 329.
46
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 330.
47
DERZI. Op. cit., p. 328.
48
DERZI. Op. cit., p. 338.
49
LUHMANN. Confianza, p. 121.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
108 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

e gera confiança (com normas jurídicas apontando condutas quistas e


indesejadas, antecipa-se o futuro ao confiar-se na sua concretização). Sobre
o sistema jurídico, outras considerações serão feitas adiante, em tópico
apartado. Já destes, os mecanismos de comunicação, pode-se apontar, em
ilustração, o dinheiro. A generalização dos símbolos por ele representados,
decorrente de um processo institucionalizado de aprendizagem, permite
que todos saibam o que é e quanto vale uma cédula ou dada moeda.
Quando se recebe, portanto, certa quantia em dinheiro, não é necessário
confiar naquele que a entregou para se saber o que ela significa: se é hábil,
por exemplo, a servir como pagamento ou o valor que representa. Confia-se,
nesse caso, “[...] na verdade do sistema (do conhecimento, das informações,
da notícia midiática) e não propriamente nas pessoas”.50 O dinheiro, por
isso, não há dúvidas, arrefece consideravelmente a complexidade das
relações econômicas. É exemplo esclarecedor, pois, da referida confiança
sistêmica: a confiança não é meramente pessoal, confia-se que as outras
pessoas também confiam.51 52 A confiança sistêmica é, portanto, reflexiva,
na medida em que sua aptidão redutora de complexidade passa a ser
constantemente verificada (pois se confia que outros também confiam).
Não é apenas espontânea, passa a ser “percebida”.53
Destaque-se, finalmente, que, ao lado da confiança, tem-se a
desconfiança, como seu equivalente funcional. Como a confiança, a
desconfiança também é redutora de complexidade, pois igualmente
fundamenta técnicas de simplificação. No Direito Tributário, a desconfiança
se manifesta das mais variadas formas, desde a instituição excessiva de
deveres acessórios aos contribuintes (entre uma série de declarações,
documentos e livros fiscais) até a criação de um fato gerador ficto, na
substituição tributária progressiva, ambos visando o maior controle e
facilidade de fiscalização do adimplemento das obrigações tributárias.54

50
DERZI. Op. cit., p. 331.
51
LUHMANN. Confianza, p. 121.
52
Nas palavras do autor: “Sin embargo, la base racional de la confianza en el sistema yace en la confianza
depositada en la confianza de otras personas”. (LUHMANN, 1996, p. 121).
53
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 333.
54
No mesmo rumo, é Derzi (2009, p. 336): “O sistema jurídico também absorve desconfiança,
que permanece latente (uma série de medidas é adotada sem dar o reconhecimento da
desconfiança). Sem dúvida, o jogo dos delitos das penas tem a função de estabilizar
expectativas, mas também sinalizam desconfiança sistêmica. No Direito Financeiro, as técnicas
de controle das Finanças Públicas, como legalidade orçamentária, execução do orçamento e
prestação anual de contas absorvem desconfiança, justificada pela experiência histórica do
passado. No Direito Tributário, a desconfiança manifesta-se, frequentemente implícita, em
regras de controle, por meio da imposição de uma série de deveres acessórios, informações,
registros contábeis e declarações impostas aos contribuintes; às vezes, em regras de presunção,
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
109

E a desconfiança também se revela (e esta menção é necessária, por estar


intimamente ligada com o núcleo desta obra), na habitual abstenção,
pela autoridade fiscal, da prática de atos que não poderiam ser simples e
convenientemente “esquecidos”, dada a sua natureza vinculada. Conforme
se viu anteriormente, nos tributos sujeitos ao lançamento por homologação,
o ato homologatório, quando instaurada a situação fática/jurídica
necessária a sua realização, deve ser perpetrado, devendo a desconfiança,
que gera a referida abstenção, ser veementemente repelida. Deveras, a
desconfiança, mesmo que também apta à redução de complexidade, deve,
por seu potencial destrutivo, ser combatida pelo sistema jurídico.

2.2.1.1 O sistema jurídico funciona com confiança


As teorias dos sistemas, ou sistêmicas, objetivam compreender a
sociedade em conjunto, considerada em sua totalidade.55 Especialmente
em Luhmann,56 a teoria crítica social está relacionada com a análise da
sociedade no seu todo. E esse exame totalizante, por sistemas, impõe o
corte da sociedade em estruturas menores, menos complexas e, portanto,
de mais fácil apreensão. Os sistemas, em Luhmann,57 são esses cortes, que,
ao divisarem o interior (sistema) e o exterior (ambiente), formam-no. É a
diferença, portanto, entre o interior e o exterior que constitui o sistema.58
Canaris59 define o sistema, em conceito que tem por geral, pelos
atributos da ordenação e da unidade. Com o primeiro, pretende exprimir
ao conceito um estado de coisas racionalmente apreensível, que, por isso,
haverá de estar fundado na realidade (impedindo-se, ademais, restrições
precipitadas). Já com o segundo predicado, intenta complementar a
própria ordenação, conectando os elementos constitutivos segundo
“uns quantos princípios fundamentais”, a fim de evitar uma dispersão
em variadas “singularidades desconexas”.60 Luhmann,61 por sua vez,
separa interior e exterior (que constitui o sistema), em razão de sua
funcionalidade: o sistema identifica-se por sua função, que o diferencia

simplificação e pautas de valores...; mas chega a seu ponto mais elevado institutos como a
substituição tributária progressiva, em que se cria a obrigação de pagar o tributo antes mesmo
da ocorrência do fato jurídico, que lhe dará origem. Por todo o sistema perpassam regras
antissonegação ou antifraude”.
55
BULLESBACH. Princípios de teoria dos sistemas, p. 409.
56
LUHMANN. Confianza, p. 29-37.
57
LUHMANN. Loc. cit.
58
BULLESBACH. Op. cit., p. 425.
59
CANARIS. O pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 12.
60
CANARIS. Op. cit., p. 12.
61
LUHMANN. Loc. cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
110 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

funcionalmente do ambiente ao qual está inserido. Em Luhmann,62


portanto, a função do sistema designa a sua estrutura, a qual se
conforma e se reconforma para atingi-la (tal função). Daí o porquê de se
normalmente qualificar a teoria sistêmica luhmanniana como “funcional-
estrutural”, tal como faz Bullesbach.63
O sistema jurídico, conforme aludido, objetiva estabilizar as relações
sociais, criando, para tal, expectativas normativas que, se inobservadas,
atraem a incidência dos mecanismos, do próprio sistema, de correção
(sanções). Objetiva, portanto, por meio da outorga de confiança (como se
viu acima), reduzir a complexidade (além de já o fazê-lo por si próprio, já
que, justamente por ser um corte, conta, em seu interior, com um número
imensamente menor de possibilidades). Essa função, no entanto, observa
Luhmann,64 só é alcançável a partir de uma concepção do sistema jurídico
operacionalmente fechado, embora aberto cognitivamente.
A clausura operacional do sistema está em seu atuar com base em
seus próprios elementos, produzidos internamente, a partir de si próprio
(o sistema luhmanniano é autopoiético). Os elementos do sistema jurídico
são as possibilidades por ele selecionadas (dentre as infinitas do ambiente),
por mecanismos próprios (atuação do legislador), que lhe passam a
integrar o interior, expressadas em linguagem própria (jurídica). É o
legislador, situado nas fronteiras do sistema (mas ainda em seu interior),
que lê as informações do ambiente, mediante código próprio (lícito/ilícito),
e introduz, também por meio dessa linguagem, as alterações julgadas
pertinentes (novas normas jurídicas). O sistema evolui, assim, a partir de
si próprio, operando de forma cerrada.
E essa operabilidade fechada do sistema justifica-se na sua função
estabilizadora de expectativas. O sistema jurídico, a partir dos padrões
de conduta que estabelece (em normas jurídicas), reduz a complexidade
inserta na multiplicidade de alternativas mundanas, pois seleciona, dentre
essas inúmeras possibilidades, apenas algumas (e fá-lo, pois, ao dizer
quais são os comportamentos permitidos e proibidos, gera a expectativa
de que os primeiros serão adotados enquanto que os segundos não).
Mas a diminuição de complexidade só é efetiva, se tais modelos de
comportamento são passíveis de ser conhecidos e compreendidos. Se não
são, volta-se à complexidade original (que é extrema), pois não há geração
de expectativas normativas. E o conhecimento e a compreensão apenas
são possíveis com o fechamento do sistema, porquanto só nesse caso se

62
LUHMANN. Loc. cit.
63
BULLESBACH. Op. cit. p. 409-442.
64
LUHMANN. Confianza, p. 29-37.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
111

pode dizer o que é jurídico e o que não o é (é dizer, saber e apreender o


sistema). O sistema jurídico necessita, por isso, de ser fechado para que
cumpra, a contento, sua função, na medida em que, se estiver sujeito a
interferências diretas do exterior, ou seja, a elas aberto, terminará por
se confundir com o ambiente, que, por ser extremamente complexo,
transformará as expectativas normativas (próprias do sistema jurídico)
em quaisquer possibilidades.65 A atividade judicante bem exemplifica a
questão. Num sistema fechado, o juiz está jungido às normas jurídicas
(elementos internos desse sistema) para dizer o direito em dada situação.
Em razão dessa vinculação, expectativas normativas são perfeitamente
verificáveis, pois o julgador não partirá do sistema jurídico para
solucionar um conflito. Se, lado outro, estivesse o juiz também sujeito
aos sistemas externos, como o político, o econômico etc., expectativas não
seriam produzidas, eis que se estaria diante das infinitas possibilidades
do ambiente. Ou seja, em poucas palavras, o sistema do direito somente
gera confiança se opera de forma cerrada.
Mas o sistema não pode ser completamente fechado ao ambiente,
de tal maneira rígido que não reaja às transformações sociais. Bulles-
bach66 observa que sistemas invariáveis só funcionam em sociedades
relativamente estáticas. Em sociedades como as vivenciadas hodier-
namente, extremamente complexas, o sistema precisa se adaptar, sob
pena de falhar em seu desiderato.67
O sistema jurídico, por isso, deve acompanhar (na medida do
possível) as variações sociais para que realmente realize sua função
estabilizadora. Os padrões comportamentais por ele postos não podem
estar dissonantes com a realidade social. Se estão, o sistema não
mais outorga confiança, pois, mesmo previstos no sistema jurídico,
não se confia que serão adotados. E se o sistema já não mais gera
confiança, novas informações devem ser examinadas para que esta
seja restabelecida (a confiança sistêmica, como se viu, é reflexiva, daí
seu constante reexame). Ou seja, o sistema deve ser modificado até que
novamente gere confiança. Mas o sistema do direito, reitera-se, somente
se modifica com reação aos próprios impulsos. Ainda que responda

65
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 316.
66
BULLESBACH. Princípios de teoria dos sistemas, p. 426.
67
“Se, pelo contrário, com a evolução civilizacional, a complexidade das condições de vida de
uma sociedade aumentar, estas condições tornam-se cada vez mais variáveis; e, então, a anterior
ordem jurídica rígida fracassará ou renunciará progressivamente à invariabilidade dos seus
princípios: a complexidade de um sistema tem de estar correlacionada com a complexidade do
seu meio ambiente.” (BULLESBACH, 2009, p. 426).
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
112 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

a interesses externos (ou seja, transforme-se pela aquisição de novas


informações, do exterior) não é o ambiente que promove alterações em
seus sentidos, mas o próprio sistema jurídico, que somente traz para
seu interior, mediante criação de normas jurídicas (com o uso de código
específico, próprio), o que julga relevante.68
O sistema jurídico, destarte, apenas outorga confiança se, ao
lado de sua clausura operacional, concebe-se sua abertura cognitiva.69
E também se pode afirmar, reflexivamente, que o sistema só possibilita
confiança, com a estabilização de expectativas, se os seus destinatários
confiam nessa sua aptidão. Para tanto, é dizer, para confiarem em
tal capacidade, além de ter que ser operacionalmente fechado e
cognitivamente aberto, em conformidade com os termos acima expostos,
o sistema jurídico deverá proteger a confiança por ele próprio gerada. É
que, como visto, ao se confiar, renuncia-se a informações (quem as tem
todas, igualmente se viu, não confia, sabe), esperando-se determinada
consequência de dados atos. Dita consequência, embora aguardada,
pode não ser verificada (esse risco, demonstrou-se, é conscientemente
assumido), e nisso não há bem um problema, desde que não seja
hipótese corrente (caso em que se fará necessária a aquisição de
novas informações para se restabelecer a confiança). Se em certas
situações (dignas de proteção) a confiança investida é protegida (com
a permanência de um ato, por exemplo), o risco assumido é muito
menor, pois, mesmo na inocorrência da consequência esperada, haverá

68
“O direito só se modifica como reação aos seus próprios impulsos. A ordem jurídica [...]
reproduz-se, ela própria, nos seus elementos, embora fazendo isso como reação a interesses do
meio ambiente. Na evolução do direito, a autorreferência conduz diretamente a um conceito
do direito pós-moderno, cuja racionalidade aparece exclusivamente como produto de uma
lógica interna de desenvolvimento normativo.” (BULLESBACH, 2009, p. 426).
69
Ainda sobre a capacidade de o sistema evoluir, são esclarecedoras as lições de Silva (2007,
p. 269), cuja desenvoltura, no assunto, é singular: “O fechamento operacional do sistema,
contudo, não significa ‘isolamento casual, autarquia ou solipsismo cognitivo’. São admitidas,
e, por vezes, consideradas convenientes e necessárias, certas comunicações com o ambiente
ou outros sistemas, relações estas intituladas aclopamento estrutural, as quais provocam
irritação (ou perturbação para MATURAMA). Cada tipo de interdependência em relação
ao ambiente é compatível com a autopoiésis e com o fechamento operacional, viabilizando
introjeções (input) relevantes ao desenvolvimento do próprio sistema. Formas altamente
seletivas de aclopamento estrutural conduzem a situações de irritação e influenciam o processo
de autoestruturação dos sistemas autopoiéticos. Os sistemas são, pois, operacionalmente
fechados, mas devem ser arejados e permeáveis a certas influências ambientais, na infindável
tentativa de suprimir sua incompletude e provisoriedade. O sistema é sempre inacabado
e inacabável, sendo inexoráveis os constantes movimentos almejando sua evolução. Neste
processo, o Direito não somente admite sua relativa permeabilidade ao ambiente, mas,
principalmente, permite em seu anterior modificações no equilíbrio e no posicionamento
dos diversos princípios que o integram, além de viabilizar tanto a redefinição de seu alcance
e de suas limitações mútuas, quanto o reconhecimento da autonomia de novos princípios”.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
113

casos em que ela será assegurada (as possibilidades, nesse caso, são
ainda mais reduzidas). Por outro lado, se a confiança não é protegida,
o risco é aumentado e a própria capacidade geradora de confiança do
sistema é comprometida. Proteger a confiança gerada, assim, além de
potencializá-la, acaba por efetivamente garanti-la.
O sistema jurídico, dessa forma, somente cumpre satisfatoriamente
o seu papel – de gerar confiança e, consequentemente, reduzir
complexidade – se se confia que ele está apto a desempenhá-lo (e, para
isso, ele precisa operar fechado e estar aberto cognitivamente) e se ele
protege a confiança por ele próprio outorgada. Daí se dizer, em arremate,
que o sistema jurídico funciona com confiança.

2.2.2 O advento do Estado Democrático de Direito e a atual


conjuntura Social
A percepção das características do novo modelo de Estado de Direito
adotado por boa parte das nações ocidentais, o “Democrático de Direito”
ou o “Social e Democrático de Direito”, o qual tem origem no fracasso dos
paradigmas constitucionais anteriores (o Estado Liberal e o Estado Social),
bem assim das peculiaridades destes tempos, hipercomplexos e marcados
pela globalização extrema, pelo risco e pela ambivalência, também é hábil
a realçar, ao lado do reconhecimento da essencialidade da confiança para a
vida dos homens e para o sistema jurídico, a maior adequação contextual
do conceito de segurança jurídica ora explicitado.

2.2.2.1 O insucesso dos modelos Liberal e Social de Estado de


Direito
Muitas linhas já foram escritas sobre as circunstancias de
desenvolvimento, características, contribuições e problemas dos
Estados Liberal e Social de Direito. Aqui, para se evitar a repetição
injustificada, além da necessidade de respeito às bitolas metodológicas
já estabelecidas, foca-se a análise de ambos apenas no que é relevante:
em seus predicados mais marcantes e em como a segurança jurídica
era vista70 sob as suas égides.

70
Diz-se “como era vista”, pois, tendo-se por fundamento a ideia de paradigma de Thomas
Khun, sobre a qual Carvalho Netto (2004, p. 29) fundamenta seus estudos, o paradigma,
esse grande esquema geral de pré-compreensões e visões do mundo, consubstanciado no
pano de fundo naturalizado de silêncio assentado nas práticas sociais, que torna possível a
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
114 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

O Estado Liberal surge,71 é cediço, como resposta ao extremismo


do sistema absolutista, que, a pretexto de proteger a população dos
inimigos externos, é dizer, garantir-lhes segurança no instável mundo
feudal, 72 tornou-se excessivamente opressor, intervindo na esfera
privada dos indivíduos sem lhes reconhecer qualquer liberdade ou
direito à propriedade. O modelo liberal advém, assim, também de
anseios de segurança; não, entretanto, em face da ameaça de “invasões
estrangeiras”,73 que comprometeriam a desejada paz, mas sim, com
foco no próprio Estado, que deveria se abster para tornar as pessoas
efetivamente livres,74 assegurando-lhes, ao mesmo tempo, a manutenção
de suas propriedades (antes sujeitas ao bel-prazer do monarca). O objetivo
nuclear, portanto, da união dos homens em comunidade, colocando-
se eles sob governo, é visto, no liberalismo, como a preservação do
individualismo e da propriedade privada. E a segurança jurídica, nesse
contexto, encarada exatamente com esse resguardo.
O excessivo abstencionismo do Estado Liberal, todavia, não demora
a ser colocado à prova. Com o intenso desenvolvimento do capitalismo
industrial, cujo ápice deu-se em meados do século XIX, forma-se uma
grande classe operária, composta, quase que integralmente, por camponeses
que deixam suas origens para viver e trabalhar nos novos centros urbanos
sob condições desumanas. O surgimento desse novo estrato da sociedade,
que algum tempo depois se organizaria em partidos e sindicatos, sob as
ideias então revolucionárias de Karl Marx, evidencia o fracasso do modelo
liberal na promoção de uma distribuição de rendas equilibrada entre os
membros do corpo social. A mão invisível do mercado idealizada por
Adam Smith, na verdade, não cumpre o seu papel de contrabalancear as
crescentes desigualdades sociais.
Surge, por isso, como alternativa ao liberalismo, o Estado Social, ou
o Estado de Bem-Estar Social (Welfare State), cujo mote passa a ser a busca
pela justiça social e pela igualdade material, a serem implementadas por

linguagem e a comunicação, condiciona e limita o agir dos indivíduos e a percepção de si


próprios e do mundo.
71
Como se passa, neste momento, a tratar de temas que demandam incursões históricas, julga-
se pertinente fazer a mesma ressalva que Carvalho Netto (2004, p. 29) faz quando trata dos
paradigmas constitucionais. Segundo esse notável constitucionalista, “[...] é claro que a história
como tal é irrecuperável e incomensuravelmente mais rica do que os esquemas que aqui serão
representados, bem como se reconhece as infinitas possibilidades de reconstrução e releitura
dos eventos históricos. Assim, o nível de detalhamento e preciosismo na reconstrução desses
paradigmas vincula-se diretamente aos objetivos da pesquisa que se pretende empreender.”
72
SPAGNOL. Curso de direito tributário, p. 10.
73
HOBBES. Leviatã ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil, p. 126.
74
AJA. Qué és uma constituición?, p. 13.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
115

meio de ações estatais positivas nesse sentido. É dizer, a materialização


dos direitos anteriormente formais.75 Assiste-se, destarte, ao longo do
século XX, a uma participação muito mais efetiva do Estado na vida
social, que, para promover a exigida equalização de riquezas, adota
uma postura claramente intervencionista e burocratizante.76 O Estado
passa a agir positivamente para concretizar os chamados direitos de
segunda geração (direitos coletivos e sociais77), abandonando a atitude
negativa própria do modelo estatal anterior. E não se cuida, somente,
de adicionar ditos direitos, mas, inclusive, de redefinir os direitos de
primeira geração, os individuais.
A segurança jurídica, nesse contexto, antes atrelada à liberdade
negativa e à propriedade, cede lugar, adverte Torres,78 à ideia de seguridade
social, intimamente ligada à proteção dos hipossuficientes por meio de
medidas de caráter assistencial. Substitui-se, portanto, o individualismo
e o patrimonialismo próprios do regime anterior, materializados por meio
de comportamento estatal apenas assecuratório e policial, por prestações
positivas direcionadas à prevenção dos riscos advindos da doença, da
velhice, do desemprego, dentre outros.
A nova função assumida pelo Estado leva, invariavelmente,
ao agigantamento das despesas públicas. Os recursos financiadores
da atuação estatal liberal certamente não fariam frente às novas
responsabilidades assumidas. Buscam-se, assim, por meio do incremento
da arrecadação tributária, as receitas necessárias ao financiamento da
nova postura do Estado. Concomitantemente, o Estado também passa
a atuar no mercado, como agente econômico, o que, ante a posição de
supremacia por ele exercida, acaba por causar danos à livre-concorrência,
enfraquecendo, com efeito, a iniciativa privada. A economia mirra, a
arrecadação diminui, avilta-se o endividamento público e a população,
ante o novo comportamento estatal, torna-se cada vez mais dependente.

75
CARVALHO NETTO. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do estado democrático de
direito, p. 35.
76
RIBEIRO. A segurança jurídica do contribuinte (legalidade, não surpresa e proteção à confiança
legítima), p. 20.
77
Segundo Bonavides (1994, p. 518), enquanto os direitos de primeira geração, liberdade
(negativa) e propriedade prevaleceram no séc. XIX, os direitos de segurança geração
dominaram o séc. XX: “Os direitos da segunda geração [...] dominam o século XX do
mesmo modo como os direitos da primeira geração dominaram o século passado. São os
direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades,
introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que
germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. Nasceram
abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria
a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”.
78
TORRES. Legalidade Tributária e Riscos Sociais, p. 185.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
116 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

E quanto mais o Estado Liberal avança no tempo, consolidando-se,


mais cresce a sua incapacidade de atender aos anseios populares e,
ciclicamente, às expectativas dos cidadãos quanto ao auxílio estatal.79 Ao
lado disso, a larga discricionariedade do Poder Público na concretização
das novéis garantias sociais, advindas, conforme observa Procópio,80 da
natureza programática das disposições normativas que as determinam,
transmuda a atuação estatal social em meio de manobra política, dando
lugar ao assistencialismo e ao populismo.
Vê-se comprometido, pois, em face desse cenário, o sucesso do modelo
social de Estado, percebendo-se, igualmente, ambiente propício a (e também
clamante por) um novo e mais adequado paradigma constitucional estatal.

2.2.2.2 A conjuntura social hodierna: globalização, risco e


ambivalência
Ao lado da consciência da inaptidão dos modelos estatais
analisados de proporcionarem, conjuntamente, segurança e justiça para
os indivíduos, reconhece-se o desconforto dos dias atuais, em que a
certeza iluminista de que a humanidade caminha em frente e de que o
desenvolvimento tecnológico torna o mundo mais ordenado e estável é
colocada em cheque.81 Os tempos, de fato, são outros. E são, conforme antes
salientado, hipercomplexos. Invoca-se, para descrevê-los, o advento da
“pós-modernidade”, como o fazem Derzi (2004) e Santos,82 mas também
se defende uma continuidade da conjuntura moderna (caracterizada
pela superação das explicações religiosas pelo racionalismo), com
novos atributos, todavia, a qual já recebeu diferentes alcunhas, como
“modernidade reflexiva”, por Beck,83 “modernidade ambivalente”, por
Bauman84 e “modernidade tardia”, por Giddens.85 Sem a intenção de
adentrar na polêmica de qual era se vivencia – esse não é o objetivo
primordial desta obra – se ainda a moderna, em seus últimos dias, ou se
a pós-moderna, em um complexo e tormentoso início, é fato que se está
diante de tempos peculiares, que demandam, ao menos no que toca ao
Direito, tratamento também particular (e, por isso mesmo, evoluído).

79
MASI. A Sociedade pós-industrial, p. 83-84.
80
PROCÓPIO. Reflexões sobre a aplicação do princípio da solidariedade à figura das contribuições sociais
no contexto evolutivo do modelo de Estado Democrático de Direito, Dissertação, p. 18-19.
81
GIDDENS. Mundo em descontrole – o que a globalização está fazendo de nós, p. 14.
82
SANTOS. Pela mão de Alice – o social e o político na pós-modernidade, p. 102-103.
83
BECK. O que é globalização? Equívocos do globalismo, resposta à globalização, p. 26.
84
BAUMAN. Modernidade e ambivalência, p. 227.
85
GIDDENS. Loc. cit.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
117

O fenômeno da “globalização” é uma dessas peculiaridades.


Já não se vive sob os limites dos Estados Nacionais, observa Beck.86
A Globalização quebrou fronteiras e encurtou espaços. O mundo,
atualmente, é plano, conforme apropriada figuração de Friedmann.87
Discutem-se novos caminhos para a política, com a formação de blocos
de cooperação entre países, a criação de textos normativos comuns e a
internacionalização de instituições (a União Europeia é o maior exemplo).
O comércio atingiu níveis internacionais, elevando, assustadoramente,
o poder das grandes corporações transacionais, em detrimento das
nações e dos trabalhadores, mas também universalizando (ainda que
aos poucos) os avanços tecnológicos em diversas áreas, a exemplo da
farmacêutica. E a comunicação com a rede mundial de computadores
nunca foi tão intensa e rápida, difundindo-se informações, direitos
humanos, criticas econômicas, sociais e ambientais e democracia por
todos os cantos do planeta.88
O mundo, enfim, tornou-se assaz complexo. E o risco, um dos
seus traços mais marcantes.89 Se, num primeiro momento, com o início
da modernidade, acreditava-se que o progresso científico atingiria, em
breve tempo, certeza e segurança quanto aos riscos advindos da na-
tureza, em meio a catástrofes naturais e enfermidades, num segundo,
essa mesma evolução científica (que, reconheça-se, obteve considerável
êxito em seu desiderato), passa a ser a geradora dos riscos, que ga-
nham nova roupagem em face de suas novas origens.90 Movidos pelo
objetivo de dominar a natureza, os homens acabam por causar novos
tipos de risco, os quais, dada sua novidade, caracterizam-se por sua
imprevisibilidade. Deveras, não se pensava, com as revoluções indus-
trial e tecnológica, em desastres nucleares como o de Chernobyl, no
aquecimento global, no exponencial acúmulo de lixo e nas tsunamis.
Tampouco no fundamentalismo gerador de atentados de proporções
cada vez maiores (entre os quais o maior exemplo é a destruição, por
terroristas, das torres que compunham o World Trade Center, em Nova
Iorque). Os riscos, enfim, no mundo atual, ultrapassam aqueles origi-
nalmente extraíveis da natureza, tendo nascedouro nas próprias ações

86
BECK. Loc. cit.
87
FRIEDMANN. O mundo é plano: uma breve história do Século XXI, p. 17.
88
RIBEIRO. A segurança jurídica do contribuinte (legalidade, não surpresa e proteção à confiança
legítima), p. 33.
89
BECK. O que é globalização? Equívocos do globalismo, resposta à globalização, p. 25.
90
RIBEIRO. Op. cit., p. 34-35.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
118 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

do homem: são seus efeitos colaterais.91 Não se trata, pois, de questão


nova, particular a estes tempos. Os riscos sempre existiram. A sua fonte
é que apresenta mudança no contexto atual (o próprio homem). Esse é
o motivo de Beck92 ter qualificado uma sociedade que já era marcada
pelo risco como a “sociedade do risco”. Para enfatizá-lo. E a sociedade
do risco complementa-se pelo fenômeno da ambivalência, identificado
por Bauman.93 Além dos novos riscos experimentados pelos homens,
que têm origem em suas próprias ações, o seu enfretamento, tendente
a, pelo menos, minimizá-lo, pode causar novos riscos, em processo
perversamente cíclico.
A insegurança, assim, que advém do hodierno contexto social,
o qual é globalizado, de risco e ambivalente, torna-se questão central.
A esse respeito, Ribeiro 94 anota, apropriadamente, que, diante de
tamanha incerteza, “[...] notadamente nos países mais desenvolvidos,
a utopia da igualdade, tão cara à sociedade industrial, tem sido muitas
vezes substituída pela utopia da segurança...”, e Beck,95 sobre o mesmo
fenômeno, observa que o apelo dos excluídos, expressado, na época
da sociedade industrial, na locução “tenho fome”, transforma-se,
hoje, em “tenho medo”. Não por outro motivo tornam-se comuns o
crescimento da extrema-direita, da xenofobia e do racismo, dentre os
quais o neonazismo é exemplo. E, ademais, constantes os estados de
exceção, que passam a se converter, como assinala Agambem,96 em
estados de normalidade.
Afigura-se necessário, desta feita, resgatar a segurança jurídica,
atribuindo-lhe novas dimensões, adequadas às expostas peculiaridades
mundanas dos presentes dias.

2.2.2.3 A segurança jurídica no Estado Democrático de Direito


O Estado Democrático de Direito é concebido com a incumbência
de corrigir as falhas percebidas nos modelos estatais anteriores. Forma-se
com a missão de superar a segurança marcadamente formal propiciada
pelo Estado Liberal – traduzida na liberdade negativa dos indivíduos,

91
RIBEIRO. Op. cit., p. 35.
92
BECK. Op. cit., p. 28.
93
BAUMAN. Modernidade e ambivalência, p. 227.
94
RIBEIRO. A segurança jurídica do contribuinte (legalidade, não surpresa e proteção à confiança
legítima), p. 41.
95
BECK (1998, p. 28)
96
AGAMBEM (2004, p. 19)
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
119

que conduz à legalidade estrita (ninguém haveria de ser obrigado a nada


senão por lei), e na garantia da conservação da propriedade – buscando e
também concretizando a justiça social que acabou esquecida durante este
período. Mas constitui-se de modo a não incorrer nos mesmos equívocos
do modelo social: ao atingimento da igualdade material, há de se evitar,
de um lado, o caráter excessivamente intervencionista e paternalista do
Estado – que deve passar a agir de maneira preventiva, orientando e
assegurando o implemento dos direitos fundamentais, e não de forma
corretiva, somente a posteriori, a fim de dissipar desigualdades – e, de
outro, promover-se a participação permanente do cidadão no processo
(por isso democrático) de tomada de decisões.
Há, com o advento do Estado Democrático de Direito, conforme
noticia Streck,97 uma revalorização do jurídico. Não se almeja, apenas,
garantir a fruição dos direitos individuais e sociais aos cidadãos (o novo
modelo não é mera junção dos anteriores); intenta-se, concomitantemente,
incluir o indivíduo no processo de efetivação de tais direitos, tornando
o processo de sua materialização algo sempre multilateral, é dizer, algo
proveniente da conjunção de esforços dos diversos e distintos atores sociais
e do Estado, ou, em uma só palavra, algo democrático. Evita-se, dessa
maneira, que o cidadão dependa da atuação estatal para gozar de todos
os seus direitos, questão que se afigurou problemática sob o paradigma
constitucional social. Aparecem, com efeito, neste novo contexto, direitos
antes impensados, como o da participação na gestão pública e de sua
transparência (este diretamente decorrente do primeiro).
E a ideia de segurança jurídica, nessa nova conjuntura, dada a sua
essencialidade à própria ideia de direito (conforme antes exposto), há de
superar, no que toca a sua substância, a mera preservação da propriedade
privada e da liberdade negativa, cernes do modelo liberal, bem assim
a simples concretização dos direitos inerentes à seguridade social, que
consistiu no núcleo do Welfare State. Deve, sim, não se nega, significar tais
garantias. Mas denotá-las também, não a elas se restringir. A segurança
deve ser algo mais, deve significar que os direitos constitucionalmente
assegurados ao cidadão serão concretamente efetivados, em processo em
que eles também participarão, a fim de potencializar a possibilidade de
tal concreção, além de torná-lo (o processo) legítimo.98 A segurança, dessa
forma, no Estado Democrático de Direito, tem de ser algo efetivo, não
estritamente formal, como já se apresentou outrora.

97
STRECK. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito, p. 164.
98
CARVALHO NETTO. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do estado democrático de
direito, p. 41-43.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
120 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

E se assim há de ser significada, é inevitável não perceber, em seu


conteúdo, a confiança e a sua proteção. Em modelo estatal que se pretende
materialmente garantidor dos direitos fundamentais, a confiança afigura-se
como pressuposto, pois somente a partir dela é que se pode conceber um
estado de efetiva segurança. É dizer, somente com confiança é que se terá
a mencionada segurança efetiva. É insuficiente, por exemplo, à promoção
de tal estado, assegurar o respeito à esfera privada dos indivíduos e à sua
propriedade; à sua realização, é necessário que o destinatário das normas
jurídicas confie em sua fiel aplicação e em sua continuidade. Ou, em poucas
palavras, mas com o risco de se afirmar algo vago, é mister que o indivíduo
sinta-se, de fato, seguro em relação ao direito.99
A confiança, ademais, contribui para a conciliação entre a segu-
rança e a justiça, ideias em constante tensão, conforme anteriormente
destacado. Em deixando de ser encarada como mera reverência à lega-
lidade, em um viés excessivamente formal, a segurança, ressignificada
pela confiança, mais dificilmente trará, em sua observância, a realização
de injustiças. Em se vendo a proteção da confiança na ideia de seguran-
ça jurídica, evita-se, por exemplo, que atos originalmente ilegais (em
sua concepção), mas que hajam produzido efeitos, por se aparentarem
legítimos, sejam simplesmente anulados, sem que se tenha em conta as
situações jurídicas por ele concretamente criadas envolvendo sujeitos
que nelas depositaram confiança. Em casos que tais – e isso será mais
bem analisado no decorrer deste livro – poder-se-á, à revelia da ilega-
lidade originária, garantir a eficácia do ato quanto aos seus destinatá-
rios. Ou seja, garantir, a um só tempo, segurança e justiça (mas uma
segurança ressignificada). A confiança, portanto, ao mesmo tempo em
que flexibiliza uma ideia formal e restrita de segurança, torna-a mais
efetiva, aproximando-a da justiça material.
Observe-se, finalmente, que a inserção da confiança na segurança
jurídica permite a esta última o enfrentamento, com mais chances de êxito,
da atual conjuntura social, que é demasiadamente complexa, como já se

99
O pensamento de Martins-Costa (2005, p. 145) complementa essas ideias: “Esse apelo
frequente, essa nova forma ou sentido que reveste o termo confiança, constitui sintoma da
atual insuficiência dos princípios da segurança jurídica e da legalidade para resolver por si
mesmo — por sua tensão recíproca — os problemas hoje enfrentados pelo Estado de Direito.
E justamente esse sintoma que fora detectado por Almiro do Couto e Silva ao alertar para a
polaridade entre os princípios da legalidade e da segurança, com a prevalência ora de um, ora
de outro, para concretizar o valor essencial da justiça. A confiança é, pois, mais que o apelo
à segurança da lei; é também mais do que a boa-fé, embora a suponha. E crédito social, é a
expectativa, legítima, na ativa proteção da personalidade humana como escopo fundamental
do ordenamento. Daí alcançar Couto e Silva, em texto escrito mais recentemente, a plena
compreensão da operatividade positiva da confiança no quadro do Estado de Direito.”
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
121

viu. Em uma sociedade marcada pela insegurança, as singelas garantias


de respeito à lei, ao individuo (de maneira negativa) e à propriedade, não
são bastantes a combatê-la. O peculiar risco inerente aos dias atuais, diante
do seu elevado grau de imprevisibilidade, mostra-se infalível a medidas
como essas (às quais se acresce a irretroatividade, também presente nas
ideias clássicas de segurança jurídica), concebidas em contexto no qual
o tempo pretérito era a única referência para a compreensão do futuro.
Sociedade tão complexa como a vivenciada exige algo mais, demanda
instrumentos que, além de terem em conta as experiências passadas,
também considerem a fluidez e a incerteza dos tempos vindouros. E a
confiança, com sua capacidade, já vista, de antecipar futuro, reduzindo a
complexidade a ele inerente, é um desses mecanismos. Já se viu, aliás, a
partir das contribuições de Derzi100 e Luhmann,101 que o sistema do Direito
só funciona com confiança; é dizer, só cumpre seu papel de arrefecer
complexidade se pautado (e se causar) na confiança.
Vê-se, ante essas considerações,102 que a concepção de um Estado
Democrático de Direito,103 nos termos acima propostos, a qual há de estar
adequada às características da sociedade moderna (ou, caso queira-se, pós-
moderna), exige uma ideia de segurança jurídica que também englobe a
garantia e a proteção da confiança. A ressignificação da confiança consiste,
por isso, em reivindicação dos atuais contextos jurídico e social.

2.3 O princípio jurídico da segurança jurídica


Tendo-se examinado o conteúdo da segurança jurídica, bem como
sua posição e relação com a ideia de direito, segue-se à sua análise como
norma jurídica, da espécie normativa principio.104 Antes, contudo, de
se fazê-lo, tecer-se-á breves e necessários comentários sobre a eficácia
normativa dos princípios jurídicos.

100
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 328.
101
LUHMANN. Confianza, p. 21.
102
Reitere-se, neste ponto, que as considerações sobre a confiança, fundadas nas obras de
LUHMANN e DERZI, bem como os comentários sobre os paradigmas constitucionais e as
peculiaridades da sociedade moderna (que também pode ser referida por pós-moderna, como se
viu), não se pretendem exaurientes das razões pelas quais a segurança jurídica incorporou, em
seu conteúdo, a confiança. São parte das razões, que, pela relevância, entendeu-se por trabalhar.
103
Modelo adotado pela Constituição da República Federativa do Brasil, conforme seu art. 1º:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos: [...].”
104
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 308-312.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
122 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

2.3.1 Princípio como espécie normativa


Partindo-se dos estudos de Ávila,105 compreendem-se os princípios
jurídicos como espécies do gênero norma jurídica,106 do qual também
fazem parte as regras e os postulados. Caracterizam-se por serem normas
imediatamente finalísticas (pretendem a realização de um fim juridica-
mente relevante), com pretensão de complementaridade e parcialidade
(não almejam atribuir à situação regulada uma solução específica), para
“[...] cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado
de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida
como necessária à sua promoção...”.
Diferenciam-se, portanto, das regras jurídicas, quanto a esses
três pontos: enquanto estas são essencialmente descritivas, prevendo
comportamentos obrigatórios, proibidos ou permitidos, os princípios
pautam-se pelo atingimento de um estado de coisas relevante ao
Direito; (b) enquanto elas aspiram atribuir uma solução específica
para determinado conflito de razões, os princípios não carregam
essa pretensão, mas a de contribuir, ao lado de outros fundamentos,
para a tomada de uma decisão; e (c) enquanto demandam, para sua
interpretação e aplicação,107 a aferição da correspondência “[...] entre a

105
ÁVILA. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 180.
106
Entendem-se as normas, com arrimo no autor e na doutrina de RICCARDO GUASTINI,
como os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática dos textos normativos
(ÁVILA, 2007, p. 30). Não há de haver, assim, necessariamente, correspondência entre
norma e dispositivo, “[...] no sentido de que sempre que houver um dispositivo haverá
uma norma, ou sempre que houver uma norma deverá haver um dispositivo que lhe sirva
de suporte.” (ÁVILA, 2007, p. 30). O dispositivo é o objeto da interpretação e a norma o
seu resultado. Ressalte-se, de qualquer forma, que a entidade jurídica “norma jurídica” é
ainda vista noutro sentido, tido por amplo, em contraposição ao ora exposto, considerado
restrito. Segundo Carvalho: “A despeito disso, porém, interessante manter o secular modo
de distinguir; empregando ‘normas jurídicas em sentido amplo’ para aludir aos conteúdos
significativos das frases do direito posto, vale dizer; aos enunciados prescritivos, mão
enquanto manifestações empíricas do ordenamento, mas como significações que seriam
construídas pelo intérprete. Ao mesmo tempo, a composição articulada dessas significações,
de tal sorte que produza mensagens com o sentido deôntico-jurídico completo, receberia o
nome de ‘normas jurídicas em sentido estrito’”. (CARVALHO, 2008b, p. 128)
107
Saliente-se, já neste momento, que as atividades de interpretação e de aplicação jurídica
não podem ser vistas como processos extremados, independentes um do outro, malgrado
já se tenha dessa forma entendido a questão, conforme noticia Borges (1999, p. 105-106). A
aplicação do Direito é atividade intimamente ligada à de interpretação. É pressuposta desta,
posto em melhores termos. Não é possível, ao aplicador, fazê-lo sem antes extrair os sentidos
possíveis da norma jurídica a ser aplicada, ou seja, a interpretar, pois são justamente estes
que darão conteúdo ao ato de aplicação. Há, por isso, segundo Borges, uma antecedência
lógica e cronológica da interpretação em relação à aplicação do Direito. De se ressaltar, no
entanto, que a recíproca não é verdadeira. A interpretação, conforme observa Bandeira de
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
123

construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e


da finalidade que lhe dá suporte...”, os princípios exigem a avaliação
da correlação entre a sua finalidade e a conduta considerada como
necessária ao alcance dessa ultima.108
Quanto à finalidade, ressalte-se que variará em cada principio.
Alguns princípios, assim, trarão em seu bojo fins mais extensos que
os de outros, podendo, inclusive, abrangê-los em algumas situações. É
esse o caso do principio da segurança jurídica que, conforme já se pôde
perceber, abarca, em seu interior, finalidades próprias de outras normas
principiológicas mais específicas e restritas. Para esses princípios mais
amplos, Ávila109 atribui a alcunha de sobreprincípio. E os sobreprincípios
(principalmente eles), em virtude de sua alta carga valorativa (que poderá
corresponder à função primordial do sistema jurídico, como é o caso da
segurança jurídica), influenciarão, semântica e axiologicamente, outras
normas, conforme se verá mais detidamente no tópico abaixo.
Os postulados, por sua vez, tidos como normas de segundo grau
por Ávila,110 possuem natureza metódica, pois se destinam a estruturar a
interpretação e a aplicação dos princípios e das regras (ou seja, instituem
os critérios da atividade interpretativa-aplicativa de outras normas). Na
teorização do professor gaúcho, ditas normas serão hermenêuticas, quando
destinadas a auxiliar o intérprete na compreensão interna e abstrata do
ordenamento jurídico, e aplicativas, se prestantes a solucionar antinomias
contingentes, concretas e externas.111 112

2.3.2 Eficácia do princípio jurídico


Já é ideia sedimentada que os princípios, enquanto espécies
normativas, gozam de eficácia direta, é dizer, estão aptos a produzirem
efeitos jurídicos concretos por si sós, sem a necessidade de intermediação

Mello, (2007, 343) [...] pode permanecer no puro plano da exegese, como obra da doutrina,
ante a razão em que assentam os ensinamentos do intérprete sobre o sentido da lei, e a
convicção com que os desenvolve, sem cogitação de qualquer caso concreto.”
108
ÁVILA. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 130-131.
109
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 39-40.
110
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 39-40.
111
ÁVILA. Op. cit., p. 43-44.
112
Essas antinomias, para o autor, são “[...] contingentes, em vez de necessárias, porque surgem
ocasionalmente diante de cada caso; concretas, em vez de abstratas, porque surgem diante
de um problema concreto; e externas, em vez de internas, porque não surgem em razão de
conflitos internos ao ordenamento jurídico, mas decorrem de circunstâncias externas a ele”.
(AVILA, 2008a, p. 44)
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
124 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

por outras normas. Tal quer dizer, singelamente, que se determinado


estado de coisas buscado por dado princípio não constar de outras normas
mais específicas (subprincípios ou regras), ele será promovido por sua
própria e direta aplicação. Essa é a sua função eficacial integrativa, na
doutrina de Ávila.113 Por isso, adiante-se, a segurança jurídica, como
princípio, ou os princípios dela decorrentes, a exemplo da proteção da
confiança e da boa-fé objetiva, não necessitam estar expressos em regras
jurídicas para que estejam aptos a expelir efeitos concretos. Eles, por si
próprios, já detêm tal capacidade. Pela especificidade, todavia, ínsita às
regras, havendo aquelas que materializem satisfatoriamente a finalidade
almejada por certo princípio, invocá-lo não será necessário.
Mas os princípios também atuam, tendo em vista a sua maior
carga valorativa (variável, como visto, de princípio para princípio),
sobre outras normas jurídicas, especialmente definindo-lhes o sentido
e o valor, de modo a possibilitar-lhes compreensão. Essa função
é especialmente exercida pelos princípios ditos gerais, pois estes
representam os valores fundantes e estruturantes do próprio sistema
jurídico, de modo que sua observância confunde-se com a do próprio
Direito. E com base em ditos princípios gerais, aliás, que se assenta a
ideia de “adequação valorativa” de Canaris,114 erigida a partir de sua
concepção de sistema jurídico como um todo ordenado e unitário,
conforme já antes sublinhado.115 A expressão exprime a vinculação
dos intérpretes-aplicadores do Direito a decidir em conformidade com
referidos princípios fundamentais, devendo a norma obtida e aplicada
estar com eles em perfeita coerência. Não por outro motivo, Otero,116 em
adequada síntese, já afirmou que “[...] a adequação valorativa constitui
o principal instrumento revelador da unidade do Direito, funcionado
ambos como bases do conceito de sistema...”.117

113
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 43-44.
114
CANARIS. O pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, p. 76.
115
CANARIS. Op. cit., p. 12.
116
OTERO. Lições de introdução ao estudo do direito, p. 310.
117
Já Silva (2007, p. 267) também em análise da adequação valorativa, saca duas funções do
sistema jurídico constituído e estruturado por princípios gerais: “a) primeiramente, uma
função positiva, que vincula todos os operadores do Direito, sejam decisores ou aplicadores,
gerando-lhes a obrigatoriedade de realização da adequação valorativa e do respeito à unidade
interna da ordem jurídica, culminando na imposição de um sentido específico e coerente a
cada ato jurídico integrante do próprio Direito; e b) posteriormente, uma função negativa,
centrada na verificação de que em cada ato jurídico deve revelar-se a adequação e a integração
axiológica ou teológica na unidade interna do sistema jurídico, acarretando a eliminação das
incoerências, das contradições e das incompatibilidades eventualmente identificadas.”
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
125

Os princípios, assim, sobretudo os dotados de maior generalidade e,


por isso, de mais elevada carga axiológica, atribuem unidade e identidade ao
sistema jurídico, influenciando, por conseguinte, a interpretação das demais
normas jurídicas. Essas, portanto, deverão ser interpretadas conforme os
princípios (quando também princípios, por princípios mais gerais), sendo,
por meio deles, constantemente relidas. Assim é que, por exemplo, regra
que já traga, em seu bojo, os fins propugnados por determinado princípio,
como o do Direito Tributário, a homologação (expressa ou tácita), nos
tributos sujeitos ao lançamento por homologação (art. 150 do CTN), que
exprime os ideais de estabilidade e confiabilidade próprios da segurança
jurídica, quando interpretada e aplicada, haverá de sê-lo em conformidade
com este princípio, não sendo suficiente a sua aplicação isolada para a
concretização dos citados ideais (essa afirmação, por nuclear à presente obra,
ainda será tratada a pormenor adiante). Ou seja, não é bastante, à garantia
da consecução de um desiderato principiológico, que regra que o reflita seja
aplicada; a tal, é mister que ela seja interpretada e aplicada com o consciente
objetivo de se obter a finalidade em questão. Daí poder-se dizer que as regras
(e também os princípios mais específicos) são ressignificados pelos princípios
mais gerais (sobreprincípios), adquirindo novos contornos.118 E, igualmente,
que, nesse processo de reatribuição de sentidos, subprincípios e regras são
reduzidos, flexibilizados, podendo até serem afastados.119
Os princípios possuem também, portanto, ainda atuando sobre
outras normas, uma função bloqueadora,120 pois impõem o afastamento de
consequências (da atividade interpretativa-aplicativa) dissonantes com o
estado de coisas que pretendem instaurar. Nessa linha de ideias, regras que, a
pretexto de concretizar dada finalidade, impedem sua realização, devem ser
reinterpretadas de modo a materializá-la, pois os princípios que propalam

118
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 47-48.
119
“Nessas hipóteses, cada subprincípio incorpora o sentido dos outros subprincípios. Daí
se dizer que o resultado interpretativo do conjunto é maior do que a soma das partes!
Pode-se paradoxalmente também dizer o oposto: como o sobreprincípio é uma ideia mais
ampla decorrente dos próprios subprincípios, ele pode ser resultado deles e se opor indi-
vidualmente a uma de suas concretizações por meio de regras. Exemplo: o sobreprincípio
da segurança jurídica é resultado da interpretação indutiva da legalidade, anterioridade e
irretroatividade, significando o dever de busca de um estado de previsibilidade, confiabili-
dade e estabilidade; mas exatamente por isso, muitas vezes será a exigência de estabilidade
que irá exigir a flexibilização das exigências de lei, como ocorre no exemplo da manuten-
ção dos efeitos concretos de benefícios fiscais concedidos sem lei em razão do princípio da
boa-fé objetiva. Nesse caso, a segurança jurídica atua indiretamente com função bloquea-
dora. Pode-se, então, afirmar que o resultado interpretativo do conjunto é menor do que a
soma das suas partes!” (ÁVILA, 2008a, p. 47-48).
120
AVILA. Sistema constitucional tributário, p. 47.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
126 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

tal intuito bloqueiam efeitos a este contraditórios. É o exemplo da regra que


fixa prazo insuficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Seja
por esses princípios mais específicos, seja pelo princípio do devido processo
legal, do qual aqueles buscam fundamento, um prazo adequado haverá
de ser estabelecido, em razão da função bloqueadora desses princípios.121
Como se vê, os princípios, por suas variadas funções, conferem
identidade e coerência ao sistema jurídico. A sua eficácia, no entanto,
não se restringe ao âmbito interno, ou, nos dizeres de Ávila,122 ao
âmbito intrassistemático. Os princípios também possuem eficácia, por
assim dizer, externa, pela qual auxiliam o intérprete na construção dos
fatos sobre os quais aplicará normas jurídicas. Os fatos, na doutrina
de Carvalho (2008), são as representações linguísticas dos eventos, os
acontecimentos que se dão no plano físico. O fato, por isso, é construído
a partir de um evento, pela utilização da linguagem, de modo que
passe a poder ser compreendido. É, pois, o retrato do evento, erigido
por meio de enunciados linguísticos. A tarefa do intérprete-aplicador
do Direito, assim, não é “[...] um fenômeno automático que depende
apenas do acontecimento”.123 Além de as normas não estarem prontas
para aplicação – conforme já salientado, essas advêm da interpretação
dos textos jurídicos, não com eles se confundindo – também os fatos não
estão acabados, meramente aguardando a subsunção. Eles também são
casuisticamente construídos, pela intermediação da linguagem, podendo,
após esse processo, submeterem-se à atividade de aplicação jurídica.
É que, repita-se, somente depois de transformados em enunciados
linguísticos é que podem ser compreendidos e a sua apreensão é
pressuposto lógico à sua sujeição ao Direito. E esses fatos, se e quando
submetidos à incidência de normas jurídicas, tornam-se fatos “jurídicos”,
que são construídos com atuação dessas próprias normas. Assim, as
normas jurídicas que emprestam efeitos à “ocorrência” de determinado
fato, também interferem na sua formação, selecionando e valorando os
aspectos relevantes à atividade de aplicação.124 125 Daí falar numa eficácia

121
ÁVILA. Loc. cit.
122
ÁVILA. Op. cit., p. 51.
123
ÁVILA. Op. cit., p. 154.
124
AVILA. Sistema constitucional tributário, p. 156.
125
É importante observar, neste ponto, que a atividade de formação dos fatos pelo intérprete-
aplicador do direito não é arbitrária, sendo-lhe autorizado selecionar e valorar os fatos (e
aspectos destes) descriteriosamente. Conforme adverte Ávila, o sobreprincípio do Estado
de Direito impõe que a preferência por determinado fato (e/ou aspecto fático) deve ser
acompanhada pela devida fundamentação da justificação da opção. Essa, em sua doutrina,
exigência da “teoria formal da argumentação” (ÁVILA, 2008a, p. 154). Ao mesmo tempo,
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
127

externa dos princípios. Pois também atuam extrassistematicamente,


participando da construção dos fatos objeto de sua aplicação.

2.3.3 Fundamento do princípio da segurança jurídica no


direito brasileiro
A segurança jurídica é norma incontestavelmente presente no
ordenamento jurídico nacional. Mesmo explícito na Constituição da
República,126 com particular destaque no caput do art. 5º,127 o principio, que
consiste em uma das funções primordiais do Direito (conforme exposição
anterior), ainda é erigido a partir da interpretação dedutiva do princípio
maior do Estado de Direito (art. 1º) e, igualmente, da interpretação indutiva
de uma diversidade de regras constitucionais, a exemplo da proteção ao
direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, extraída do inc.
XXXVI do art. 5º,128 e da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade
tributárias, previstas nos inc. I, II e III do art. 150.129
Em todas essas normas, bem como em outras tantas, veem-se
presentes os elementos que preenchem o conteúdo desse princípio,
dos quais se trata a seguir.

certos fatos e/ou aspectos são preferíveis a outros em razão da relevância dos bens
jurídicos a que se referem. Nesses casos, a opção por uns em detrimento de outros decorre
da própria pretensão de eficácia própria dos princípios: os bens jurídicos suportados
por princípios superiores haverão de ser privilegiados. Essa, a vez, exigência da “teoria
material da argumentação”, segundo as formulações de Ávila.
126
Advirta-se que não há graus de normatividade entre princípios implícitos e explícitos,
conforme já esclarecido pela doutrina.
127
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
128
“Art. 5º [...]
XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;”
129
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente,
proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver
instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou, observado o disposto na alínea b; (Incluído pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003)”.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
128 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

2.3.4 Conteúdo e eficácia do princípio da segurança jurídica


Ao se expor a segurança como justiça (como direito), já se trouxe o
conteúdo desse verdadeiro principio, ressignificado, como se viu, no atual
contexto jurídico. Dali partindo, é possível dizer que o princípio da segurança
jurídica é norma que impõe a: (a) a possibilidade de conhecer o direito
mesmo antes de sua materialização; (b) a confiabilidade na aplicação fiel do
ordenamento; (c) a confiabilidade na permanência ou na continuidade das
relações jurídicas, e (d) a possibilidade de saber o direito na sua aplicação (ter
como conhecer, objetivamente, o conteúdo das normas jurídicas aplicadas). Em
poucas palavras, o princípio exige, do Poder Público, atuação pautada pelos
ideais de confiabilidade, previsibilidade, estabilidade e mensurabilidade.130
Dada a sua inconteste acolhida pela ordem jurídica brasileira,
bem assim a sua alta carga valorativa, o principio da segurança jurídica
possui dupla eficácia, nos termos antes expostos: (a) é norma dotada de
eficácia normativa direta, hábil a produzir, por si própria, efeitos jurídicos
concretos; e (b) é norma que influencia a interpretação de outras normas,
conformando-as semântica, axiológica e finalisticamente.

2.3.5 Normas decorrentes do princípio da segurança jurídica


Por consubstanciar uma das funções primordiais do Direito, uma
diversidade de normas inferiores (princípios mais específicos e regras)
é sacada do princípio maior da segurança jurídica. Entre todas elas,
importa destacar, por razões temáticas, as regras/princípios da irre-
troatividade e da legalidade e os princípios da proteção da confiança,
da boa-fé objetiva e da moralidade. Essas normas, ressalte-se desde já,
além de possibilitarem uma melhor compreensão da segurança jurídica,
facilitam a aplicação desta norma, que tem na sua elevada generalidade,
contraditoriamente, grande dificuldade de concreção.
À adequada inteligência de tais regras e princípios, opta-se pelo seu
exame isolado, a ser feito a seguir.

2.3.5.1 A irretroatividade
2.3.5.1.1 O princípio/regra da irretroatividade
A irretroatividade, normalmente concebida como irretroatividade
das leis, é, em poucas palavras, norma jurídica que veda o atingimento,

130
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 308.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
129

pela lei, de fatos ocorridos em momento anterior à sua instituição. Com


base nas formulações de Ávila,131 já antes explicitadas, conclui-se por sua
natureza de regra, tendo em vista, principalmente, o modo descritivo e
abrangente como prescreve o que busca concretizar. O próprio professor
gaúcho, ao dela cuidar (da irretroatividade), insere-a dentre as regras,
justificando-se exatamente na sua feição essencialmente descritivista.132
E também Spagnol,133 que, tratando dos “princípios tributários” como
limitações constitucionais ao poder de tributar, classifica a legalidade,
a irretroatividade e a anterioridade tributárias como princípios formais
bastante próximos das regras.
O próprio Ávila 134 observa, todavia, que a irretroatividade é
bidimensional, funcionando ora como regra, ora como princípio.135 E tem
razão ao fazê-lo. A irretroatividade, como a segurança jurídica, goza,
ainda que em grau menor, de alta carga valorativa, pois traz, em seu
interior, os ideais de previsibilidade, estabilidade e cognoscibilidade,
assaz caros à própria ideia de direito, conforme já se pôde ver. Quando
é, portanto, invocada para justificar a necessidade de alcance desses
fins, tal como acontece quando se estende a sua aplicação para outras
funções estatais (que não a legislativa), assume feição principiológica,
apontando um estado de coisas a ser realizado.

2.3.5.1.2 Fundamento da irretroatividade no Direito Brasileiro


A exemplo do que ocorre com a segurança jurídica, a irretroatividade
encontra-se presente em uma multiplicidade de dispositivos constitucionais.
Está expressamente prevista, na Constituição atual,136 no art. 5º, incisos

131
ÁVILA. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 180.
132
AVILA. Sistema constitucional tributário, p. 145.
133
SPAGNOL. Curso de direito tributário, p. 107.
134
AVILA. Loc. cit.
135
Veja-se, nesse sentido, as palavras do autor: “[...] quanto ao objeto, qualifica-se, na sua
dimensão de regra, como uma limitação negativa, na medida em que exige, na atuação
legislativa de instituição e aumento de qualquer tributo, o respeito aos fatos já consolidados
e, na sua dimensão de princípios, como uma limitação positiva, porquanto impõe a adoção,
pelo Poder Público, das condutas necessárias para a garantia ou a manutenção dos ideais
de previsibilidade, de estabilidade, de cognoscibilidade, de confiabilidade e de lealdade;...”
(ÁVILA, 2008a, p. 145)
136
Conforme observa Derzi (2009, p. 421), é de longa data a expressa previsão da irretroatividade
nos textos constitucionais brasileiros: “No Brasil, a natureza constitucional explícita do
princípio é muito antiga, data da Constituição do Império. Depois ele foi igualmente repetido
em nossas Constituições republicanas, exceção feita, como seria de se esperar, na Constituição
de 1937. E mais, tem o princípio da irretroatividade luma amplitude inigualável, em relação a
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
130 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

XXXVI137 e XL,138 o que lhe atribui, segundo Derzi,139 o status de direito


e garantia fundamental, e, ainda, no art. 150, III, a,140 como limitação
constitucional ao poder de tributar (o que, acrescenta-se, realça dita
natureza de garantia do cidadão141). A norma em questão é, ainda, conforme
já assinalado, dedutivamente extraída do princípio da segurança jurídica,
que, com ele, guarda elevada semelhança conteudística.

2.3.5.1.3 Particularidade da norma nas relações de Direito Público


A irretroatividade, em vista do seu caráter essencialmente
protetivo do cidadão – como se viu, com Derzi, 142 a sua posição
geográfica na Constituição da República realça a sua natureza de direito
fundamental, com o que já aquiesceu o STF – é vedação imposta somente
em seu favor (do cidadão). A natureza da norma, estampada em mais
de um dispositivo constitucional, não permite outra conclusão. Como
garantia fundamental que é, não poderá ser invocada para legitimar
o agir estatal que se afigurar desfavorável aos interesses do cidadão.
O Supremo Tribunal Federal, aliás, já petrificou esse entendimento
na Súmula nº 654, segundo a qual “[...] a garantia da irretroatividade
da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é
invocável pela entidade estatal que a tenha editado”.

outros sistemas jurídicos, se atentarmos para os enunciados linguísticos dos textos escritos e
expressos, já que inclusivos de todas as áreas especializadas do Direito. Assim o art. 11, al. 3, da
Constituição de r1891; o art. 113, nº 3, da Constituição de 1934; o art. 141, §32, da Constituição
de 1946; o art. 153, §32, da Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969; e, finalmente, o
art. 52, XXXVI da Constituição de 1988.”
137
Vide nota 208.
138
“Art. 5º [...]
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”
139
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 421.
140
Vide nota 209.
141
Rememore-se, aqui, que as “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, tratadas na
segunda seção do Capítulo I do Título VI da Constituição da República (a partir do art. 150), já
foram consideradas pelo Supremo Tribunal Federal como cláusulas pétreas, por encerrarem,
em seus bojos, verdadeiros direitos fundamentais. Ao tratar, da anterioridade, por exemplo,
o STF tomou-a por “norma imutável”, pois “[...] é garantia individual do contribuinte...”
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Limitações constitucionais ao poder de tributar. (ADI 939,
Relator(a): Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 15/12/1993, DJ 18-03-1994
PP-05165 EMENT VOL-01737-02 PP-00160 RTJ VOL-00151-03 PP-00755)
142
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 422.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
131

Saliente-se, ainda, que ao se tratar dos princípios da proteção da


confiança e da boa-fé objetiva, cuja aplicação também se volta, com caráter
exclusivo, para a guarda do cidadão, outros comentários enriquecerão o
tema, realçando a parcialidade ora sustentada.

2.3.5.1.4 Conteúdo e eficácia da irretroatividade


Analisa-se, finalmente, o conteúdo e a eficácia da irretroatividade.
A Constituição, como se pôde ver do exame do fundamento da norma
em referência, centra-se na irretroatividade “das leis”. No art. 5º, nos
citados incisos XXXVI e XL, assevera que a “lei” não prejudicará o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada e, ainda, que a “lei”
penal não retroagirá (salvo para beneficiar o réu). Na alínea a do inciso III
do art. 150, predica que a “lei” instituidora e/ou majoradora de tributos
não alcançará fatos geradores ocorridos antes do início de sua vigência.
Ou seja, a irretroatividade, tal como expressamente prevista no texto
constitucional, circunscreve-se à proibição da retroação das leis, de modo
a atingir fatos jurídicos verificados em momento anterior à sua vigência.
Não se refere, pois, de modo explícito, a uma irretroatividade “geral” do
Direito, condicionante e determinante do exercício de todas as funções
estatais – abarcante, pois, além da legislativa, das de índole executiva (a
oficiosa, a executiva stricto sensu, e a provocada, a judiciária).
Tal, no entanto, não é impeditivo de sua aplicação mais abrangente.
A irretroatividade, como se viu, não decorre, restritamente, dos
dispositivos apontados no parágrafo anterior, mas também de princípios
maiores, como o da segurança jurídica, cujo âmbito de aplicação é
demasiadamente mais amplo. A própria irretroatividade das leis,
aliás, sequer necessitaria de constar explícita na Constituição, para que
pudesse ter seus comandos invocados. O legislador, situado na periferia
do sistema jurídico (consoante assinalado, ao se analisar a confiança
sistêmica), volta-se para o futuro, prescrevendo os comportamentos
que devem ser adotados, os que não devem, além dos direitos de que
são titulares as pessoas sujeitas às leis que põe. Embora olhe para o
passado (para a tradição, a moral e os costumes vigorantes, para a
própria Constituição que condiciona o seu agir), o legislador foca-se,
principalmente, no futuro, nas consequências de toda ordem que podem
advir de sua atuação, entre políticas, econômicas e sociais.143 E são essas

143
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 415.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
132 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

consequências a razão de ser de sua atividade. O legislador, é cediço,


busca alterar a realidade de modo a aproximá-la dos fins últimos do
sistema jurídico a que está vinculado. Direciona-se, portanto, para os
tempos vindouros. Por isso, como sua atuação é precipuamente “para
frente”, o produto de sua atividade, as leis, não poderia estar voltado
para outro sentido. Essa é a razão de Derzi144 sustentar, em concordância
com essas afirmações, que “[...] o principio da irretroatividade das leis é
considerado ‘natural’, ínsito, algo que lhes é próprio”.
A vedação à retroação das leis, assim, por ser da natureza destas,
subsistiria mesmo à revelia de disposição expressa.145 Não é a omissão
constitucional à aplicabilidade da irretroatividade aos atos de execução
da lei (emanados pelos Poderes Executivo e Judiciário), portanto,
que prejudicaria essa possibilidade. Antes, contudo, de se tratar
dessa hipótese, é necessário, ainda, tecer outros comentários sobre a
irretroatividade das leis, cujo comando, aparentemente singelo e óbvio,
não deve prejudicar sua efetiva compreensão. Essas considerações,
sistematizadamente, são as seguintes:
(i) os fatos, como visto com escoro na doutrina de Carvalho,146
não se confundem com os eventos a partir dos quais são
construídos. Eles, segundo o afirmado, consistem na
representação linguística de determinados acontecimentos,
de modo que possam ser revelados e compreendidos. Nesse
processo de construção dos fatos, também se viu, atuam as
normas jurídicas, que, por seus conteúdos, orientam a seleção
e a valoração dos fatos e aspectos destes fatos. E essa atividade,
especialmente em relação à norma em apreço, deverá ser
cuidadosamente realizada pelo operador do Direito, eis que
a escolha e a valoração dos fatos e seus elementos, sempre
pautada pelas normas de maior carga axiológica,147 poderá
significar a sua (da irretroatividade) aplicação ou rejeição;148

144
DERZI. Op. cit. p. 451.
145
Conforme observa DERZI, há países em que o principio não goza de positivação expressa,
como na Alemanha, que é uma das razões, em seu entender, mas a multiplicidade de estudos
a respeito da proteção da confiança (DERZI, 2009, p. 420).
146
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 417.
147
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 156.
148
“No caso da importação de um veículo, motivada por um decreto do Poder Executivo,
que prometia baixar as alíquotas do imposto de importação, a proibição de retroatividade
exige que a alteração das alíquotas se aplique a fatos geradores ocorridos após a edição
do ato normativo que as modificou. Para o Supremo Tribunal Federal, o fato gerador é o
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
133

(ii) também os efeitos do fato estão protegidos pela norma


sob comento. A lei nova, assim, não poderá atingir os fatos
pretéritos e, tampouco, os efeitos deles decorrentes, de modo
a alterá-los. Conforme observa Derzi,149 se modificados os
efeitos a serem verificados de dado fato jurídico, ou os já
ocorridos, o próprio fato é alterado, “[...] pois a implicação
lógica entre hipótese e consequência, segundo a qual, dado
um fato A será a consequência (então deve ser C), é recíproca
e intensiva”. Ou seja, se não é C, é dizer, se os efeitos não são
mais os mesmos, então não é A, o que significa que o fato
também não é o mesmo;
(iii) além disso, o marco para a aferição da retroatividade legal
(especialmente a tributária), ante a expressa disposição legal,
é a vigência da lei, entendida esta, com fundamento nas lições
de Carvalho,150 como a “[...] prontidão de produzir os efeitos
para os quais está preordenada, tão logo aconteçam os fatos

“desembaraço da mercadoria”, como determinado em lei ordinária, sob o argumento de que


o importante é, apenas, o momento de ocorrência do fato gerador. Para os contribuintes que
recorreram ao Supremo Tribunal Federal, a aplicação correta da proibição de retroatividade
deveria tornar importante o momento da “celebração do contrato de importação”, em razão
de que haveria duas formas de solucionar a questão: pela aplicação do princípio da proteção
da boa-fé objetiva ou pela aplicação da própria regra de irretroatividade, mas interpretada
de acordo com o sobreprincípio da segurança jurídica. Nessas duas hipóteses, o importante
seria a promessa de baixar as alíquotas do imposto de importação, feita por decreto do Poder
Executivo e causadora da operação de importação. Diante disso, pergunta-se: o que deve ser
considerado importante para a aplicação da regra de irretroatividade, o “desembaraço da
mercadoria” ou a “celebração do contrato de importação”?
Essas considerações demonstram que o decisivo não é apenas a questão de saber o
conteúdo semântico de determinada norma jurídica. Essa tarefa é importantíssima, mas
não suficiente para compreender a problemática da aplicação de determinadas normas,
em especial, da regra de irretroatividade. Como visto, tudo depende de saber antes “do
que” deve a lei ser editada. E a determinação do fato ao qual a lei deve anteceder depende
de uma “arrumação” de aspectos da realidade. É somente após a seleção, coordenação
e valorização de aspectos fáticos que surge o “fato” a ser objeto de aplicação da norma.
E, mesmo depois disso, ainda resta saber qual, entre as normas aplicáveis, será a norma
efetivamente aplicada. Isso explica por que, em muitos casos, o contribuinte entende
possuir razão, e o Poder Judiciário termina decidindo que ele não tem. Cada qual
valorizava determinado aspecto do fato que permitia ou a aplicação de normas diversas ou
a aplicação de uma mesma norma, mas com sentidos diferentes.” (ÁVILA, 2008a, p. 153)
149
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 434.
150
CARVALHO. Direito tributário, linguagem e método, p. 417.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
134 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

nela descritos...”. Destarte, outros referenciais, que não o vigor


da lei,151 são inaplicáveis.152
Feitas essas considerações, ainda deve ser observado, sobre a
irretroatividade das leis, que, pela forma descritiva e abrangente com
que se apresenta seu mandamento, está ela mais próxima ao conceito de
regra do que ao de princípio (tendo-se como base as formulações de Ávila,
antes expostas). Será o “princípio” da irretroatividade, no entanto, com
seus ideais de previsibilidade, estabilidade e cognoscibilidade, assaz caros
à própria ideia de direito, o aplicável à atuação estatal executiva da lei.
A rigor, é despiciendo vedar, por dispositivo normativo expresso, a
retroatividade dos atos perpetrados pelos Poderes Executivo e Judiciário.
É desnecessário, pois ditos atos, por sua natureza, não podem retroagir.
E não podem não porque estão proibidos a isso, tal como ocorre com os
atos legislativos; não podem por impossibilidade lógica, porque isso vai
de encontro à forma de sua concretização. Os atos executivos e judiciais,

151
Vigência e vigor, para alguns estudiosos da dogmática jurídica, como Ferraz Jr. (2010, p. 165-
171), gozam de significados distintos, sendo a vigência o interregno em que a norma atua,
podendo ser invocada para produzir efeitos, e o vigor, a força vinculante que a norma tem
ou mantém, mesmo não estando mais vigente. Prefere-se, no entanto, seguir com Carvalho
(2008b, p. 417), que reconhece as duas realidades, mas não lhe empresta tais definições:
“Viger é ter força para disciplinar, para reger, cumprindo a norma seus objetivos finais. A
vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo
aconteçam, no mundo fático, os eventos que elas descrevem. A propósito, Ferraz Jr. distingue
‘vigência’ como intervalo de tempo em que a norma atua, podendo ser invocada para produzir
efeitos, e ‘vigor’, como a força vinculante que a norma tem ou mantém, mesmo não sendo
mais vigente. O exemplo de uma regra não mais vigente, revogada, que continue vinculante
para os casos anteriores à sua revogação, justificaria a sua diferenciação semântica. Creio que
o assunto mereça, efetivamente, variação terminológica capaz de identificar dois momentos
diferentes. Parece-me, contudo, que os termos empregados não seriam os mais recomendáveis.
Fico com a distinção, que a entendo útil e relevante. Mas sem dar conteúdos semânticos
diversos às palavras ‘vigência’ e ‘vigor’. A regra revogada não terá vigência para fatos futuros,
conservando, porém, a vigência para os casos acontecidos anteriormente à sua revogação.
Haverá uma vigência plena (passado e futuro) e outra parcial (passada, havendo revogação,
ou futura, quando a vigência for nova”(CARVALHO, 2008b, p. 404-405)
152
“[...] o que é relevante em nossa ordem jurídica é o momento da vigência da lei. Esse é o tempo presente,
o “agora”, a partir do qual se pode considerar o que é passado (o “agora” que não mais SE dá)
e o futuro (o “agora” que ainda não SE dá). Não tem cabimento, entre nós, a consideração
feita pelos tribunais alemães e suíços, relativas à delimitação do momento da confiança, se do
anúncio da lei, ou de sua aprovação pelo Parlamento, ou de sua publicação, ou ainda de sua
regulamentação, para definir até que ponto o contribuinte poderia esperar uma continuidade
da ordem jurídica, ou legitimamente, poderia o contribuinte ter tido confiança em que os
contratos, por ele contraídos, e os atos praticados, não seriam atingidos pela lei nova. Essa
difícil questão, quando não se tem a consagração expressa do princípio da irretroatividade, faz
aflorar os critérios do princípio da proteção da confiança aplicáveis. Entre nós, a objetividade
da matéria é evidente: ou a lei nova está em vigor ou não. Os fatos jurídicos, já ocorridos,
existentes, antes da data da vigência (ainda que tivessem se completado na véspera do dies a
quo da vigência da lei, ainda que a mudança da lei tivesse sido anunciada, vigorosamente, pela
mídia de toda espécie, não importa) são dignos de proteção contra a retroação da lei nova, no
Direito brasileiro; [...].” (DERZI, 2009, p. 448-449).
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
135

é cediço, ao menos no Direito brasileiro (que consagra a separação de


poderes), são praticados em conformidade com a lei. O que quer dizer,
em termos sintéticos, que nela se baseiam e dela não podem discordar.
Expressam, por isso, exatamente o que está nela disposto, restringindo-
se a explicitá-la, em alguns casos, a concretizá-la, noutros, ou mesmo
dizer qual é sua mais adequada exegese, quando se prestam a solucionar
conflitos. Por esse motivo, se a leis nas quais estão limitados, não
retroagem, eles, os atos estatais executivos, estão igualmente vedados
a retroagir. A impossibilidade de retroação, dessa forma, de referidos
atos, não se deve a uma expressa vedação à sua retroatividade, mas
sim, à sua estrita submissão à legalidade. A irretroatividade dos atos
administrativos e judiciais, portanto, a rigor, é apenas indireta. Eles
não podem retroagir porque as leis também não o podem, não porque
há norma ditando essa proibição. Esse é o motivo mais profundo, no
escólio de Derzi,153 “[...] que explica a ausência de consagração expressa
do princípio em relação ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário”.
A inaplicabilidade da norma sob enfoque, ainda sob um ponto de
vista, por assim dizer, mais técnico, também está no tempo para o qual se
voltam os atos de execução da lei. Pelo simples fato de estarem a ela adstritos,
esses atos direcionam-se para o passado, pois a lei está no passado, lhes é
sempre anterior. Ademais, salvos os atos administrativos regulamentares,
muito comuns em matéria tributária (além dos Decretos, os regulamentos por
excelência, são vários os atos de índole fiscal com características de abstração
e generalidade, a exemplo das instruções normativas, corriqueiramente
editadas pela Receita Federal do Brasil), os atos executivos têm por objeto
casos concretos que estão no passado, é dizer, com Derzi,154 num “agora”
que não mais se dá. As decisões, em regra, embora produzam efeitos para o
futuro, centram da dirimição de controvérsia que se instaurou no passado.
A provocação das partes, inclusive, pressuposto para sua prática, lhe é
precedente. E os atos administrativos individuais também se voltam para
fatos já ocorridos, especialmente os de fiscalização tributária (o presente tema,
especificamente), que só existem em função de ato já praticado (pois têm por
exclusivo escopo investigar a correção de sua realização). É possível dizer,
por isso, acerca dos atos administrativos individuais, o mesmo que Carnelutti
afirmou sobre as sentenças: eles, como elas, são, por natureza, retroativos.
Em vista dessas constatações, quando é que, então, a irretroatividade
se aplicará aos atos perpetrados pelo Poder Executivo – que são os que

153
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 493.
154
DERZI. Op. cit., p. 457.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
136 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

interessam às conclusões deste estudo? Derzi,155 oferece essa resposta:


a norma haverá de ser invocada quando se verificar modificações
administrativas que agravem os deveres do cidadão-contribuinte ou lhe
restrinjam direitos de qualquer espécie. As alterações administrativas,
levadas a efeito pelo Poder Público, com vistas a corrigir vícios ou
irregularidades verificados em atos anteriormente praticados, que sejam
prejudiciais aos cidadãos, haverão de retroagir, a fim de se assegurar a
plena vigência das leis. A irretroatividade, como já se disse, não protege o
Estado contra o cidadão. Ele, o Estado, por controlar a situação, editar as leis
e praticar atos a partir delas, não pode alegar seu desconhecimento ou sua
surpresa para legitimar atos claramente desconformes com o ordenamento
jurídico. Caso se o pudesse, admitir-se-ia o absurdo de se proteger “[...] o
ato viciado, a má-fé ou a simples ignorância do Estado (que não pode ser
alegada), contra o cidadão”.156
As mudanças administrativas, todavia, que signifiquem o
adensamento das obrigações dos cidadãos ou impliquem restrição de
direitos de que são titulares, poderão ter sua retroação impedida quando
os seus efeitos se mostrarem mais danosos que a correção dos atos
supostamente irregulares ou juridicamente inadequados. A Administração
Pública deverá corrigir os atos ilegais que praticar ou aqueles que
não refletirem, sob a ótica da melhor administração, a interpretação
mais adequada da lei (ainda que possíveis dentro da moldura legal).
Esse controle, entretanto, advindo de seu dever de autotutela, não
necessariamente imporá a retroação das alterações efetivadas. Em casos que
tais, o princípio da irretroatividade, com suas exigências de previsibilidade,
estabilidade e cognoscibilidade normativas, ao lado de outros igualmente
aplicáveis, como a proteção da confiança e a boa-fé (adiante analisados),
deverão ser observados e, contrapostos ao interesse público envolvido,
prevalecer ou não. Assim, nas hipóteses em que a defesa das garantias de
previsibilidade, estabilidade e, também, confiança na lei, afigurarem-se
mais relevantes, mesmo as modificações de atos ilegais não poderão ter
efeitos retroativos, eis que incidirá, ao lado da proteção da confiança e
da boa-fé, o princípio da irretroatividade. Aqui, não há dúvidas, ante as
principais características dos princípios, antes expostas, a irretroatividade
exsurge como tal, sacada da norma maior da segurança jurídica.157

155
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 497.
156
DERZI. Loc. cit.
157
Em complementação a essas ideias, mais que pertinentes são as palavras de Derzi, (2009, p.
497- 498), que se transcreve a seguir: “Será, exatamente nas mudanças das normas editadas,
para onerar mais intensamente o contribuinte, o administrado, embora se tivessem mantido
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
137

De se observar, derradeiramente, que a irretroatividade, enquanto


princípio, aplicável à atuação administrativa estatal (no presente caso, de
feição tributária), haverá de ser invocada (para incidência direta) somente
naqueles casos em que inexistirem regras específicas incidentes. A ressalva
é necessária, pois existem, na legislação tributária, regras específicas para as
situações de aliteração dos atos administrativo-tributários, como são as dos
arts. 146 e 149 do Código Tributário Nacional, sobre os quais já se comentou.
Assim, quando as circunstâncias fáticas ensejadoras da incidência dessas
regras se verificarem in concreto, elas é que deverão ser aplicadas, sendo
desnecessária a incidência direta da irretroatividade.
A irretroatividade, todavia, como princípio, possui dupla eficácia,
tal qual a segurança jurídica. Destarte, a par de sua aptidão de produzir,
por si própria, efeitos jurídicos concretos, eventualmente afastada nos
termos acima expostos, ela é norma que interfere na interpretação de
outras normas, conformando-as semântica, axiológica e finalisticamente.

2.3.5.2 A legalidade administrativa


Uma advertência inicial é necessária: como antecipado na
epígrafe, o exame que se passa a fazer parte da ideia de legalidade
administrativa; o tema de fundo justifica essa restrição – está-se a
tratar do lançamento tributário por homologação, ato/procedimento
administrativo, como se demonstrou – e também a própria amplitude
dessa norma jurídica, analisada e teorizada por variados ramos do
conhecimento da ciência jurídica.

2.3.5.2.1 Fundamento da legalidade no Direito Brasileiro


Tendo por base constitucional última a própria adoção, pela
nação brasileira, de um Estado de Direito para a organização do poder,
a legalidade ainda retira fundamento de alguns dispositivos expressos,
a exemplo do inciso II do art. 5º e do inciso I do art. 150, ambos da

iguais as mesmas leis que as fundamentam, que emergirão os princípios da irretroatividade


(por analogia), da proteção da confiança e da boa-fé. Tais mudanças, que configurem atos
praticados pelo Poder Executivo, quer pelo Poder Judiciário, suscitam as situações de aplicação
dos princípios da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, se presentes
os requisitos necessários. Em relação ao Poder Executivo, podemos sintetizar que tais situações
configuram: 1. as mudanças de normas regulamentares e outras complementares, agravadoras dos
deveres dos contribuintes e restritivas do exercício de seus direitos, sem que tenha ocorrido, para
isso, alteração prévia da lei em que se fundam; 2. as mudanças de atos administrativos individuais,
de concreção e aplicação de leis, nos lançamentos, autuações e cobrança de tributos, que onerem de forma
mais intensa os contribuintes. 3. as respostas às consultas, as informações fornecidas e as declarações
feitas pela Administração tributária, capazes de guiar a conduta dos cidadãos contribuintes.”.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
138 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Constituição, que tratam, respectivamente, da liberdade negativa (poder


fazer qualquer coisa que a lei não proíba) e da legalidade tributária
(vinculação da criação de tributos à disposição expressa de lei), bem como
do princípio maior da segurança jurídica, por trazer, em seu bojo, o ideal
de previsibilidade normativa.158

2.3.5.2.2 A legalidade administrativa e sua tríplice dimensão


normativa. Exame de seu conteúdo e eficácia
Quanto ao conteúdo e à eficácia da legalidade, é preciso ter em
conta que gozam de tríplice dimensão normativa, afigurando-se ora
como regra, ora como principio, ora como postulado, muito embora
sejam corriqueiramente referidos por um “princípio”, à revelia de
qualquer preocupação terminológica.
A sua acepção como regra é a que traduz a sua clássica relação
com a atuação administrativa estatal. Por sua função administrativa,
o Estado executa a lei, concretizando-a e a individualizando. Exerce,
pois, o mister de complementá-la, mostrando-se como a longa manus do
legislador. A função não se caracteriza, contudo, pela simples execução do
ordenamento jurídico, mas sim, por sua completa sujeição aos comandos
legais, de maneira que só se realiza o que está neles determinado. Por
isso, não é bastante, por respeito à regra da legalidade, que os atos
administrativos não contrariem a lei, como se dá, por exemplo, com os
atos de índole civil. A sujeição da função administrativa à lei implica a
sua total conformação por esta, de modo que o que se pratica já esteja
previamente determinado.159 É isso o que dita a “regra” da legalidade,
norma, como se vê, essencialmente descritiva.160
Daí porque, acrescente-se, não é apropriado falar-se que a
Administração Pública goza de “poderes” ou de “poderes-deveres”,

158
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 124.
159
Ao tratar do assunto, Araújo observa que legalidade não se confunde com legitimidade, embora
se encontre, na literatura administrativista, vários autores que os tratem como sinônimos. Nota
que legalidade liga-se à ideia de conformidade com o ordenamento jurídico, com a lei, em
sentido amplo. A legitimidade, por sua vez, está para o justo; o legitimo, nas palavras do autor,
“[...] é o que existe sobre a base de um justo título.” (ARAUJO, 2005, p. 40). A legitimidade, por
isso, não afetaria diretamente a legalidade, ou, em termos outros, a ilegitimidade não invalidaria
uma exigência de legalidade. Exemplifica com a situação de um regime autoritário que põe as
suas leis, também arbitrariamente, mas as cumpre. Conquanto ilegítima, não se poderia dizer,
ao seu sentir, que a atuação administrativa, nesse caso, não atende a uma exigência mínima de
legalidade. O Professor mineiro ressalva, no entanto, que, sob um ponto de vista material, a
legalidade pode abranger a ideia de legitimidade.
160
ÁVILA. Teoria dos princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, p. 130-131.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
139

consoante observa Bandeira de Mello.161 Dado o completo assujeitamento


da função administrativa à lei, melhor qualificá-los como “deveres-
poderes”, pois essa locução designa de maneira mais adequada a função
administrativa (ainda que não resista a uma análise lógica mais paciente162):
ressalta ao caráter subordinado do poder em relação ao dever e, no mesmo
átimo, exalta o aspecto finalístico que a informa.163
A conformação do agir da Administração Pública pelo “princípio”
da legalidade, a seu turno, impõe a observância do ideal de previsibilidade
normativa, também constante do teor do sobreprincípio da segurança
jurídica. A atuação administrativa, por isso, além de estritamente vinculada
aos termos da lei, eis que sujeita à regra da legalidade, haverá de pautar-se
pela previsibilidade, porque também sujeita ao princípio da legalidade, de
modo que seja possível o seu “cálculo prévio”, é dizer, o seu conhecimento
antes de sua concretização.
Observe-se, ademais, que a doutrina, em que pese a tradicional
rigidez a ela intrínseca, passou, com o reconhecimento da força
normativa da Constituição, bem assim da extensa gama de princípios
dela extraíveis, a enxergar a legalidade numa acepção mais ampla,164
significativa da ideia de vinculação ao Direito, considerado em toda a
sua inteireza, e não somente à lei. Por essa nova concepção, o Estado, no
exercício de sua função administrativa, não deve reverência exclusiva
às disposições constantes das regras legais diretamente aplicáveis. Ao
praticar seus atos, nesse caso administrativos, deve fazê-lo de forma
compatibilizada com as demais normas (seja qual for a sua natureza) da
respectiva ordem jurídica, como os princípios da segurança jurídica, da

161
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 72.
162
As palavras são de Carvalho que, ao tratar do tema, faz a seguinte consideração: “[...] ambas
as locuções (“dever-poder” e “poder-dever”), entretanto não resistem a uma análise mais
paciente. Sob o ponto de vista lógico, todo dever implica um poder [...], que se pode interpretar:
se uma conduta ‘p’ é obrigatória, então está permitido cumpri-la. Seja como for, retendo-se a
conduta obrigatória, sua permissibilidade estará necessariamente implícita, sendo redundante
a construção. Por outro lado [...], querendo afirmar que, se uma conduta ‘p’ é permitida então
ela é obrigatória, não se sustenta, uma vez que da permissão não se extrai uma obrigação.
Se tentarmos outro trajeto pata imaginar o ‘poder-dever’, chegaremos igualmente a soluções
absurdas: [...] significaria uma conduta ‘p’, simultaneamente, permitida e obrigatória. Como em
toda obrigação está embutida a permissão, bastaria registrar a conduta obrigatória [...], sendo
despicienda a referência à permissão”. (CARVALHO, 2008a, p. 262). Conquanto concorde-se
com a análise, reconhece-se, também, que a locução proposta por Bandeira de Mello ilustra
bem a submissão da Administração pública à legalidade e à finalidade administrativas.
163
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 72.
164
A título de exemplo, vide o “Direito posto e o direito pressuposto”, (GRAU, 2008), “O mandado
de segurança: a busca da verdadeira especialidade”, (ANDRADE, 2010), e o artigo “Em torno do
prazo decadencial de invalidação de atos administrativos no exercício da autotutela administrativa”
(MAFFINI in “Fundamentos do Estado de Direito: estudos em homenagem ao Professor
Almiro do Couto e Silva”, 2005).
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
140 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

proteção da confiança e da boa-fé objetiva, necessariamente incidentes,


como se viu, em hipóteses que tais. Não basta, portanto, agir segundo a
lei, procedendo tal qual ela determina; é mister, em dito novo contexto,
segui-la concomitantemente com todo o Direito, com suas normas
explícitas e implícitas. Nesse sentido, Couto e Silva165 já se posicionara,
ainda na década de 80, afirmando que a Administração Pública “[...]
está vinculada ante ao Direito do que propriamente à lei”. Daí o
porquê, aliás, de parte da doutrina nacional, a exemplo de Moreira
Neto,166 preferir o termo “juridicidade”, que melhor denota a ideia de
conformidade com todo o direito, do que o já, a seu ver, desatualizado
“legalidade”, que, numa análise semântica mais rigorosa, não permite
significação que extrapole a consonância com a lei.
É nessa, por assim dizer, nova acepção, que autores como Ávila167
e Maffini168 reconhecem a dimensão normativa de um postulado, eis que,
adotando-se as formulações do primeiro jurista (expostas no capítulo
antecedente), a legalidade, como juridicidade, possui natureza metódica,
voltando-se para o intérprete-aplicador da lei – nesse caso, o Estado, no
desempenho de sua função administrativa – de modo a estruturar a sua
atividade de interpretação e de aplicação de outras regras e princípios.
Nesse contexto, a estrita submissão da Administração Pública à regra
da legalidade ganha nova roupagem: ao interpretarem e aplicarem
os dispositivos legais que conformam a sua atuação, as autoridades
administrativas devem fazê-lo pelos olhos da juridicidade, é dizer, de modo
contextualizado com todo o direito. Nenhum ato, pois, produto do exercício
estatal de sua função administrativa, poderá destoar, por exemplo, das
exigências de segurança jurídica, proteção da confiança e boa-fé objetiva.169

165
COUTO E SILVA. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no
estado de direito contemporâneo, p. 54.
166
MOREIRA NETO. Juridicidade, pluralidade normativa, democracia e controle social, p. 71.
167
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p.124-125.
168
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro,
Tese, p. 64-65.
169
Embora não a trate como postulado, Binenbojn (2008, p. 160) bem caracteriza o novo paradigma:
“A ideia de juridicidade administrativa, elaborada a partir da interpretação dos princípios e
regras constitucionais, passa, destarte, a englobar o campo da legalidade administrativa, como
um de seus princípios internos, mas não mais altaneiro e soberano como outrora. Isso significa
que a atividade administrativa continua a realizar-se, via de regra, (i) segundo a lei, quando
esta for constitucional (atividade secundum legem), (ii) mas pode encontrar fundamento direto
na Constituição, independente ou para além da lei (atividade praeter legem), ou, eventualmente,
(iii) legitimar-se perante o direito, ainda que contra a lei, porém com fulcro numa ponderação
da legalidade com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com
fundamento numa otimizada aplicação da Constituição)”.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
141

Percebe-se, portanto, que a juridicidade não se sobrepõe à clássica


“legalidade administrativa”. Impõe-lhe, somente (mas com grande
significação) uma releitura. A Administração Pública continua tendo
a sua atuação ditada pelos termos da lei, especialmente no que toca às
medidas estatais restritivas de direito.170 Mas a aplicação da lei, em tal
novo paradigma, não mais se dá de modo isolado; a aplicação da lei, pela
Administração, há de sempre desnudar a aplicação de todo o Direito. Cada
ato, pois, perpetrado pelo Estado em sua função administrativa, deverá
refletir (e, por isso, estar conforme) toda a ordem legal.
Note-se, ainda, que, em vista de sua nova roupagem, a legalidade
somente terá sua plena observância pela Administração Pública, quando
os correspondentes atos administrativos forem praticados com atenção
às suas finalidades. É dizer, a contrario sensu, que não haverá sua
completa reverência caso as finalidades de dada atuação administrativa
não forem inteiramente concretizadas. Segundo Bandeira de Mello,171
para obedecer à lei “[...] não basta reverenciar-lhe a forma, não basta
homenagear-lhe a aparência, é de mister atender sua finalidade”.
Norma jurídica alguma, relação jurídica alguma, se entende, a não
ser a partir de sua finalidade, tal como sucede com todos os produtos
da cultura humana. Deveras, carece de sentido o exercício da função
administrativa, que se dá com arrimo no ordenamento jurídico, de forma
desatrelada ao implemento das finalidades próprias deste. Tal pretensa
observância, em descompasso com o desiderato jurídico, significa,
em verdade, seu descumprimento, eis que a lei (em sentido amplo)
somente existe para tornar possível os objetivos que a justificaram. E a
Constituição da República, que haverá de estar presente em qualquer
operação de aplicação do Direito – direta ou indiretamente, conforme
ensina Barroso,172 apenas tem sua normatividade plenamente alcançada
se as suas finalidades também o são. 173

170
GRAU. O direito posto e o direito pressuposto, p. 174.
171
BANDEIRA DE MELLO. Ato administrativo e direito dos administrados, p. 17.
172
BARROSO. O estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do
interesse, p. XII-XIII.
173
Nas próprias palavras do autor: “A Constitucionalização do direito infraconstitucional não se
confunde com a inclusão na Lei Maior de normas próprias de outros domínios, mas expressa a
reinterpretação dos institutos ordinários sob uma ótica constitucional. À luz de tais premissas,
toda interpretação jurídica é também interpretação constitucional. Qualquer operação de
realização do direito envolve a aplicação direta ou indireta da Constituição. Direta, quando
uma pretensão se funda em uma norma constitucional; E indireta, quando se funda em uma
norma infraconstitucional, por duas razões: a) antes de aplicar a norma, o intérprete deverá
verificar se ela é compatível com a Constituição, porque, se não for não poderá faze-la incidir; e
b) ao aplicar a norma, deverá orientar seu sentido e alcance à realização dos fins constitucionais.
(BARROSO, 2010, p. xii-xiii)
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
142 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

2.3.5.2.3 A legalidade administrativa e a concreção do interesse


público
Os fins perseguidos pelo Estado, no exercício de sua função adminis-
trativa, são os interesses da coletividade, dos administrados. Já há muito dizia
Pereira do Rego que a atividade administrativa é a que “[...] provê a satisfação
de todas as necessidades da sociedade...”.174 De fato, não haveria sentido em
se pensar em Estado, em Administração Pública, se a sua constituição não se
justificasse na defesa e na realização dos interesses da sociedade. E os atos
administrativos, nesse contexto, destinam-se à concreção de tais interesses,
mais comumente referidos pela doutrina por “interesse público”.
Não se pode desconsiderar, todavia, conforme alerta Maffini,175
que, “[...] em nome do interesse público – noção, de resto, facilmente
manipulável por administradores nocivos – não poucas arbitrariedades
foram e são cometidas”. É necessário, pois, bem compreendê-los, de modo
que o controle do exercício da função administrativa, de que é titular toda
a sociedade, seja eficazmente realizado.
O “interesse público”, no escólio de Bandeira de Mello,176 “[...] é o
interesse resultante do conjunto de interesses que os indivíduos pessoalmente
têm quando considerados em sua qualidade de membros da sociedade e
pelo simples fato de o serem”. O autor afasta a concepção de que interesses
públicos e interesses privados seriam antagônicos, postos em oposição e
sem qualquer intercessão. E tem razão, pois, ao assim se entender, estar-
se-ia admitindo que o interesse público é demanda que, ao mesmo tempo
que é de todos, não é particularmente de ninguém. Raciocínio que, sob o
ponto de vista lógico, está coberto de falhas. É preciso entendê-lo (o interesse
público), por isso, como algo que é comum a todos, como uma dimensão
dos interesses de cada indivíduo, que é compartilhada.177
Ou seja, o interesse público é, também, interesse do particular,
só que, nesse caso, é anseio do indivíduo na condição de membro
de uma coletividade. E, da mesma forma que as demandas coletivas

174
PEREIRA DO REGO apud SOUZA JUNIOR. Estado, governo e administração pública, p. 532.
175
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro,
Tese, p. 67.
176
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 59.
177
Bandeira de Mello (2008, p. 37), na esteira da doutrina de Alessi (2008, p. 65-69), menciona
distinção entre interesses públicos primários e secundários. Aqueles seriam os interesses
acima referidos, os interesses da coletividade; já estes os interesses da Administração
Pública na condição de um sujeito de direito qualquer, que seriam estranhos aos da
sociedade. Araújo (2005, p. 34), em comentário à distinção – que não julga pertinente, com o
que concorda o próprio Bandeira de Mello (2008, p. 37) – observa que a “[...] Administração
não pode ter interesses ‘como qualquer sujeito de direito, pelo simples fato de que ela é
concebível apenas como sujeito curador de interesses coletivos...”.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
143

são, igualmente, demandas de cada indivíduo, o interesse privado,


constitucionalmente assegurado, será, sob o ponto de vista de sua proteção,
um legítimo interesse público.178 179 Por isso, a evocação da “supremacia
do interesse público sobre o privado” não é fundamento suficiente a
legitimar o desrespeito, pelo Poder Público, de anseios particulares dos
administrados. A proteção de um interesse preponderantemente privado
pode-se mostrar, num caso concreto, mais relevante que o atendimento a
um interesse público mais geral, como o do erário (recebimento de tributos).
Não há, a priori, interesse público prevalecente sobre interesse privado. Em
todo caso, haverá a necessidade de ponderação entre os interesses que, de
algum modo, são sempre dos particulares. Ponderação essa que deverá se
efetivar pelo postulado da proporcionalidade.
Saliente-se, ainda, que a definição a que ora se adere não se
encontra estampada, de maneira expressa, no direito positivo. Não está,
portanto, fixada em regra formalmente posta pelos poderes competentes.
Bandeira de Mello180 a considera como conceito pertencente à categoria
lógico-jurídica, obtenível a priori, e, por esse motivo, com validade
constante e permanente, além de desvinculado do direito positivo.181

178
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 68-69.
179
Nesse mesmo sentido, as considerações de Binenbojm, (2010, p. 169): “Na verdade, o conceito
de interesse público é daqueles ditos juridicamente indeterminados, que só ganham maior
concretude a partir da disposição constitucional dos direitos fundamentais em um sistema
que contempla e pressupõe restrições ao seu exercício em prol de outros direitos, bem como
de metas e aspirações da coletividade de caráter metaindividual, igualmente estampadas na
Constituição. Ao Estado Legislador e ao Estado Administrador incumbe atuar como intérpretes
e concretizadores de tal sistema, realizando as ponderações entre interesses conflitantes,
guiados pelo postulado da proporcionalidade (BINENBOJRN, 2010, pp. 168-169).
180
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 37.
181
Borges (1999, p. 94-95), com a técnica que lhe é característica, partindo de clássicos como
JUNA MANUEL TERÁN, RECASENS SICHES e EDUARDO GARCIA MAYNES, coloca em
termos claros o que são os conceitos lógico-jurídicos: “Os conceitos lógico-jurídicos constituem
pressupostos fundamentais para a ciência jurídica. Entre esses pressupostos essenciais estão
as noções de direito subjetivo, dever jurídico, objeto, relação jurídica, etc. correspondem,
pois, à estrutura essencial de toda norma jurídica. Consequentemente, não são exclusivas de
determinado ordenamento jurídico, mas comum a todos. Não são dados os conceitos lógico-
jurídicos empiricamente, porque são alheios a toda experiência. São necessários a toda realidade
positiva, efetivamente existente, historicamente localizada ou apenas possível, precisamente
porque funcionam como condicionantes de todo pensamento jurídico. Mas essas considerações
lógicas não importam a aplicação ao campo do Direito dos princípios da lógica pura, no sentido
de que não se referem a juízos enunciativos de verdade ou falsidade. Porque referidos a
normas jurídicas, são juízos sobre a validade ou a invalidade das normas, formuladas mediante
proposições científicas. Os princípios da lógica pura pertencem à ordem do ser (Sein); os da
lógica jurídica, à ordem do dever-ser (Sollen). Os supremos princípios lógico-jurídicos, de índole
essencialmente formal, tem apoio em certos axiomas. Donde a viabilidade da construção de uma
axiomática jurídica, pela formulação de proposições universais e apriorísticas. São formais esses
princípios porque nada adiantam sobre o conteúdo concreto das normas jurídicas. Valem para
todo conteúdo juridicamente possível e, por isso, são universais e absolutos.”.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
144 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Já Ávila,182 em linha semelhante, identifica o interesse público como


necessidade racional para a comunidade política, cuja validade precede
qualquer positivação. E avança afirmando que não se trata de norma,
princípio ou de postulado normativo, mas de um princípio fundamental
da ética comunitária ou da política jurídica, “[...] um postulado ético-
político, portanto”.
Mas é a estrutura do interesse público que se reveste da qualidade
de conceito lógico-jurídico.183 É o que, pelo exercício da lógica jurídica, deve
significar o interesse público. Como ele deve ser (Sollen). E não, ressalte-
se, os específicos interesses públicos de dada sociedade. Estes, segundo
Bandeira de Mello,184 haverão de estar positivados, é dizer, qualificados
como tais no respectivo ordenamento jurídico, visto que dependerão,
quanto ao seu conteúdo, da cultura coletiva a que se referem.185
Parece claro, ante a conceituação adotada, que a Administração
Pública, vinculada, em sua atuação, à concreção do interesse público,
deve sempre agir em benefício do cidadão, como membro de uma
coletividade (a sua atuação, frise-se, é em regime de administração, isto
é, concretizada em favor de outrem). Não é raro, todavia, que, sob a
bandeira da concretização do interesse público, arbitrariedades sejam
cometidas pelas autoridades administrativas.

2.3.5.2.4 A legalidade administrativa, o principio da boa


administração e o postulado da proporcionalidade
Das considerações até então realizadas, surge, quase que
naturalmente, um princípio jurídico que exige que o Estado, no exercício

182
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 207.
183
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 67.
184
BANDEIRA DE MELLO. Op. cit., p. 68-69.
185
“Com efeito, dita qualificação quem faz é a Constituição e, a partir dela, o Estado, primeiramente
através dos órgãos legislativos, e depois por via dos órgãos legislativos, e depois por via dos
órgãos administrativos, nos caos limite da discricionariedade que a lei lhes haja conferido.
Tomem-se alguns exemplos para aclarar o que foi dito. Algumas ou múltiplas pessoas, talvez
mesmo a maioria esmagadora, considerarão de interesse público que haja, em dado tempo e lugar,
monopólio estatal do petróleo, que se outorgue tratamento privilegiado a empresas brasileiras
de capital nacional ou que se reserve a exploração mineral exclusivamente a brasileiros. Outras
pessoas, sobretudo se estrangeiras ou mais obsequiosas a interesses alienígenas do que aos
nacionais, pensarão exatamente o contrário. Encarada a questão de um ângulo político, sociológico,
social ou patriótico, poderá assistir razão aos primeiros e sem razão completa os segundos; mas, do
ponto de vista jurídico, será de interesse público a solução que haja sido adotado pela Constituição
ou pelas leis quando editadas em consonância com as diretrizes da Lei Maior.
De outro lado, é evidente, e de evidencia solar, que a proteção do interesse privado nos termos
do que estiver disposto na Constituição, é, também ela, um interesse público, tal como qualquer
outro, a ser fielmente resguardado.” (BANDEIRA DE MELLO, 2008, p. 67).
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
145

de sua função administrativa, aja, sempre, da melhor maneira possível.


É o principio da boa administração, que, diante da subordinação da
atividade administrativa a todo o ordenamento jurídico e da finalidade
e modo de sua atuação (interesse público e relação de administração),
impõe o melhor comportamento do administrador público e não
meramente qualquer comportamento.186 Essa exigência, acrescente-se,
reforça-se pela necessária aplicação do postulado da proporcionalidade
à atuação estatal administrativa, infligindo o administrador, por seus
três aspectos (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito), a praticar atos que, a um só tempo, lesem menos direitos e
concretizem o maior número deles.
Em linhas gerais, o postulado da proporcionalidade impõe ao Estado,
nas atividades de criação, interpretação e aplicação (que também é criação)
de normas jurídicas, a concretização máxima de direitos fundamentais
e, ao mesmo tempo, a mínima restrição a esses mesmos direitos. A sua
aplicação dá-se por meio da observância dos seus três aspectos, adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito: (a) a adequação traduz
uma exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os
meios enunciados para sua consecução, enquanto que (b) a necessidade
diz respeito ao fato de ser a medida restritiva de direitos indispensável
à preservação do próprio direito por ela restringido ou a outro em igual
ou superior patamar de importância, isto é, na procura do meio menos
deletério capaz de produzir o fim propugnado pela norma em questão;
e (c) a proporcionalidade em sentido estrito diz respeito a um sistema
de valoração, na medida em que ao se garantir um direito muitas vezes
é preciso restringir outro, situação juridicamente aceitável somente após
um estudo teleológico, no qual se conclua que o direito juridicamente
protegido por determinada norma apresenta conteúdo valorativamente
superior àquele restringido. O juízo de proporcionalidade permite um
perfeito equilíbrio entre o fim almejado e o meio empregado, ou seja, o
resultado obtido com a intervenção na esfera de direitos do particular deve
ser proporcional à carga coativa da mesma.187
Bandeira de Mello,188 ainda que não se refira expressamente
ao principio da boa administração, tampouco ao postulado da
proporcionalidade, confirma, pelas mesmas razões, essa peculiar
qualidade do agir estatal. Segundo o autor, admitindo-se que a atividade
administrativa é aquela de quem não é proprietário, de quem gerencia

186
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 66.
187
PONTES. O princípio da proporcionalidade e o direito tributário, passim.
188
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, p. 211.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
146 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

negócio de outrem, jamais se poderia aceitar que as competências


administrativas, “[...] que são deveres antes que poderes, invistam o agente
público na possibilidade de adotar validamente qualquer comportamento,
ainda que não seja o melhor, o mais satisfatório, aquele que preencha com
perfeição a finalidade legal”.189
Freitas, a sua vez, em monografia específica sobre o principio,
intitulada “Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa
administração pública”, além de elevá-lo à categoria de direito fundamental,
como se vê, dele extrai uma diversidade de direitos subjetivos públicos
dos administrados, que se passa a mencionar a fim de se evidenciar
a abrangência (e a relevância jurídica) da norma em apreço. Segundo
o autor, abrigam-se, entre outros,190 no “direito fundamental à boa
administração pública”, a transparência da Administração Pública,
a qual deve, salvo casos de justificável sigilo, evitar a opacidade; a
dialogicidade,191 ou seja, sua submissão às garantias do contraditório, da
ampla defesa e do dever de motivação de seus atos; a imparcialidade;
a probidade; a submissão à legalidade temperada, de modo que toda
competência administrativa goze de habilitação legislativa; e a eficiência,
eficácia e responsabilidade econômica e teleológica, de forma a evitar a
majoração dos chamados custos de transação.192
Como se verifica, o administrador não deve simplesmente adotar
comportamento possível pelo trabalho de interpretação e aplicação da norma
a que está oportunamente sujeito, mas sim, a melhor atitude, sempre ela.

2.3.5.3 O princípio da proteção da confiança


Analisa-se, agora, a proteção da confiança enquanto norma jurí-
dica, especificamente um princípio, eis que, conforme se verá, aplica-se
a uma diversidade de situações (cujo arrolamento é infactível), não tem
pretensão de exclusividade (é dizer, não almeja conferir uma solução
específica) e visa à promoção de um estado de coisas relevante ao Di-
reito, entre outras características.193

189
BANDEIRA DE MELLO. Loc. cit.
190
Ressalte-se que é o próprio autor que opta por uma lista exemplificativa (FREITAS, 2007, p. 20).
191
Destaque-se que o autor se refere ao “direito à administração pública dialógica” (FREITAS,
2007, p. 20).
192
FREITAS. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública, p. 20.
193
Em igual sentido, MAFFINI (2009, p. 49), conforme se vê do seguinte excerto: “A proteção
da confiança tem, assim, a dimensão normativa de um princípio jurídico, na medida em que
possui por deve imediato a “promoção de um estado ideal de coisas’, embora tal conformação
não lhe retire o dever mediato de ‘adoção da conduta necessária’ para os fins almejados”.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
147

2.3.5.3.1 Fundamento da proteção da confiança no Direito


Brasileiro
Demonstrou-se, a partir dos estudos de Luhmann (1996), que o
sistema jurídico apenas desempenha satisfatoriamente a sua função –
de reduzir complexidade, por meio da regulação e da planificação de
condutas – se se confia que ele está apto a concretizá-la e se ele protege
a confiança por ele próprio outorgada. Por isso, o fundamento de norma
que vise proteger a confiança gerada pelo Direito é, antes de qualquer
outro, o próprio Direito. O princípio que ora se analisa, assim, alicerça-se
no próprio sistema jurídico, não sendo por outro motivo que parte da
doutrina alemã, conforme noticia Derzi,194 saca-o do (também princípio)
do Estado de Direito.
A catedrática mineira observa, contudo, que a respeito do assunto
(em suas palavras, a “localização do principio da proteção da confiança
na Constituição”), muitíssimas linhas já foram escritas, e “[...] quem
quiser ser original em relação a esse tema, para identificar lugar novo
na Constituição, [...] terá dificuldades, pois, provavelmente, em face do
riquíssimo pluralismo teórico, todos os lugares já foram pensados...”.195
A autora, em sua obra sobre esse princípio, em tentativa de arrolar os
nucleares, arrimada nas doutrinas alemã e suíça, cita o princípio do Estado
de Direito, o princípio da boa-fé objetiva, o princípio do Estado Social, o
direito fundamental à propriedade, a proteção à liberdade (no sentido de
livre desenvolvimento da personalidade), a proteção do status e do livre
exercício da profissão, a igualdade e a dignidade humana.196
No direito brasileiro, em que pesem tais múltiplas possibilidades,
o princípio é normalmente extraído, dedutivamente, do sobreprincípio
da segurança jurídica. A proteção da confiança, para muitos,
corresponde à face subjetiva da segurança jurídica, na linha do que já
se expôs anteriormente neste trabalho. A própria Derzi,197 com base
nas formulações de Kreibich, daí o extrai, como também o faz para a
irretroatividade e para a boa-fé objetiva, ressaltando que todos eles,
diretamente arrimados na segurança jurídica, buscam fundamento
mediato no Estado do Direito (passando, pois, pela segurança jurídica) e,
depois deste, na ideia de justiça. A jurista enxerga a proteção da confiança,
por isso, de forma bastante similar ao modo pelo qual o princípio é visto

194
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 402.
195
DERZI. Op. cit., p. 409.
196
DERZI. Op. cit., p. 404-406.
197
DERZI. Op. cit., p. 604.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
148 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

por esta obra, principalmente quando se verifica que, em seu entender,


“[...] dentro do conceito de justiça como igualdade, ainda se incluem,
necessariamente, sem nenhuma oposição, a segurança, a liberdade, os
princípios da proteção da confiança, da boa-fé e da irretroatividade”.198
Discrepa somente em relação à posição da igualdade, sobreposta à
segurança em seu modelo, que, no ora exposto (supra), está no mesmo
plano desta última. Ao final, no entanto, tendo-se em vista a intenção de
se conceber uma ideia de direito, construída a partir de seu conteúdo, a
diferença reduz-se a mero formalismo.
É possível dizer, enfim, quanto ao fundamento do princípio da
proteção da confiança no Direito brasileiro, que, a despeito de uma
diversidade de fontes possíveis – Ávila, 199 por exemplo, retira-a do
principio da moralidade administrativa, expressamente previsto no art. 37
da Constituição – a mais adequada é a segurança jurídica, norma jurídica
que traz em seu bojo, no atual contexto jurídico, político e social, os ideais
de previsibilidade, confiabilidade e estabilidade da atuação do Poder
Público, próprios do princípio da proteção da confiança. Como se viu, aliás,
a segurança adquiriu novo significado com o recente reconhecimento da
necessidade de se proteger a confiança gerada pelo Direito.

2.3.5.3.2 Particularidade da norma nas relações de Direito


Público
Tal como ocorre com a irretroatividade, o principio da proteção da
confiança somente é invocável em favor do cidadão. São várias as razões
para tanto, algumas delas já alinhavadas.
Em primeiro lugar, há de se rememorar, uma vez mais, os
comentários aqui feitos à obra de Luhmann (1996) acerca da confiança.
Viu-se, a partir deles, que, onde há o domínio sobre os acontecimentos,
a confiança não é necessária, tampouco sua proteção. É que a
confiança, conforme igualmente demonstrado, pressupõe a ausência de
informações, alguma forma de hipossuficiência, pois aquele que tudo
sabe, ou que controla os eventos, não precisa confiar. O Estado, nesse
sentido, por sua inegável supremacia em relação aos cidadãos, não
precisa confiar e, como consequência, ter sua confiança eventualmente
protegida. É ele, pelos seus três Poderes, quem cria e a aplica o direito
(circular e definitivamente, em alguns casos), não havendo qualquer

198
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 604.
199
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 323.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
149

sentido, por isso, em se pensar situação em que ele tenha tido que confiar
e, ainda menos, que sua confiança (considerada a possibilidade de ele
a manifestar), demande por proteção.
Aliás, a própria natureza da atuação estatal, totalmente vinculada
à ordem jurídica (seja à Constituição, quando no exercício da função
legislativa, seja a esta e à lei, quando em desempenho das funções
executivas), impede, sob pena de violação ao Estado de Direito, que o
Estado tenha a sua confiança protegida. Consoante as lições de Derzi,200 se
a proteção da confiança for considerada em benefício do Estado, ele poderá
alcançar posição ainda mais favorável da que a ele impõe o ordenamento
pátrio, o que é juridicamente vedado, em razão dos estritos limites a ele
impostos pela adoção do Estado de Direito.
Já em terceiro lugar, deve-se ter em consideração que a proteção
da confiança, assim como a irretroatividade, consiste em limitação
constitucional ao poder de tributar, constante do rol dos direitos e das
garantias fundamentais de que são titulares os cidadãos.201 Como tal,
protege o cidadão contra o exercício das funções estatais, não o contrário.202

200
DEREZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 606.
201
DERZI. Op. cit., p. 605.
202
Essas razões já são suficientes a demonstrar a parcialidade da aplicação do princípio em exame.
Ainda há outras, todavia, conforme observa Derzi (2009, p. 605-606):
“[...] (II) é notável a relação de dependência do cidadão em face do Estado, em seus atos de
intervenção e de regulação, de modo que o Ente estatal tem mais recursos, e muito mais abrangentes,
para se prevenir de uma decepção (a criação de novos tributos é apenas um exemplo entre outros).
Nessas hipóteses, aplica-se a regra “quanto mais tanto mais”. Segundo Blanke e também Muckel,
para a estruturação da proteção da confiança, deve ser ainda considerada como determinante a
fórmula “quanto mais tanto mais” (je-desto-Formel), que O. BACHOF desenvolveu no Seminário
de Ensino sobre o Estado de Direito” de 1973, que diz o seguinte: “quanto maior for a pressão da
obrigatoriedade exercida pelo poder público, vinculando respectivamente o comportamento do
indivíduo, e quanto mais o indivíduo ficar dependente de uma decisão do poder público, mais
fortemente ele dependerá da possibilidade de poder confiar nessa decisão”.
Na verdade, as lições acima repetidas e registradas nos tópicos anteriores apenas confirmam as
afirmações de Luhmann, no sentido de que todo aquele que tem posição soberana em relação
aos acontecimentos/eventos não tem confiança a proteger. O Estado é que tem domínio sobre
os atos praticados por seus três Poderes;
[...]
(IV) os atos, ações e omissões do cidadão em face do Estado, abusivos ou fraudulentos,
delituosos e de má-fé, todos já são previstos e sancionados nos termos da lei, mas é significativo,
como explica Weber-Duler, “que, nesse contexto, sempre se fale do abuso de direito do cidadão,
e não da proteção da confiança do Estado”.
(V) são aplicáveis os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, para favorecer uma
pessoa jurídica de Direito público contra a outra, em convênios e contratos. Casos como de reduções
de subvenção, de transferências ainda que voluntárias, mas já prometidas, podem ensejar soluções
baseadas na boa-fé objetiva ou na proteção à confiança, como no Direito privado. Enfim, a plena
aplicação desses princípios tem relevância e total adequação no Direito Internacional Público.”
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
150 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

2.3.5.3.3 Conteúdo do principio da proteção da confiança


Já se cuidou, ao longo deste livro, da substância do princípio da
proteção da confiança, ainda que tal tenha se dado apenas de maneira
indireta. Ao se examinar o conteúdo da segurança jurídica, da qual
a proteção da confiança retira fundamento, bem assim analisar as
considerações de Luhmann a respeito do valor confiança, já se trouxe
os elementos necessários à delimitação da norma em comento, pelo
que a exposição que ora se faz poderá se mostrar repetitiva. Mas não
desnecessária, saliente-se, principalmente para permitir uma linear cadeia
de raciocínios, além de possibilitar a exata compreensão dos comandos
postos por esse princípio.
Para Maffini, 203 o principio da proteção da confiança busca
promover dois principais ideais: (a) a previsibilidade da ordem jurídica,
de modo que os destinatários do agir estatal (por suas três funções)
tenham como conhecê-lo antes de sua concretização; e (b) a estabilidade
da ordem jurídica (ou a continuidade ou a permanência), segundo a qual
os atos estatais (os seus efeitos), mesmo quando contrários ao Direito,
haverão de ser preservados em alguns casos (quando já realizados e
desde que observados alguns requisitos), ou, ainda, praticados em
determinadas situações. No modo de pensar do autor, esses ideais
refletem, respectivamente, as feições formal e substancial do princípio
da proteção da confiança.204
A doutrina que parece ser majoritária, todavia, concebe o princípio
apenas em dita acepção substancial, como norma jurídica impositiva
da proteção das expectativas legítimas geradas pela atuação estatal
amplamente considerada (no exercício, pois, das funções legislativa,
executiva e judicial). Nesse sentido, são as obras, sobre o assunto, de
Couto e Silva,205 Martin-Costa206 e Ribeiro,207 que veem a proteção da
confiança, conforme antes registrado, como a face subjetiva da segurança
jurídica. Deveras, ainda que se possa admitir a referida faceta formal
do princípio em referência, entendê-la presente significa aproximar,

203
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro, Tese, p.
40-46.
204
MAFFINI. Op. cit., passim.
205
COUTO E SILVA. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro
e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do
art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99), p. 9.
206
MARTIN-COSTA. Almiro do Couto e Silva e a ressignificação do princípio da segurança jurídica na
relação entre o estado e os cidadãos, p. 237-239.
207
RIBEIRO. A segurança jurídica do contribuinte (legalidade, não surpresa e proteção à confiança
legítima), 2008.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
151

demasiada e perigosamente, seu conteúdo do da segurança jurídica,


o que pode tornar sua aplicação, tal como ocorre com esse último, de
difícil concreção (pois, por sua alta generalidade, a norma acaba por ser
invocada irresponsavelmente, o que pode conduzir ao esvaziamento
do seu conteúdo normativo). Opta-se, pois, por considerar o principio
da proteção da confiança restritivamente, da mesma forma em que o
fazem boa parte dos estudiosos nacionais.
Com efeito, sob o ponto de vista de sua substância, o princípio sob
enfoque visa à estabilidade ou à continuidade da ordem jurídica, a partir
da proteção das expectativas produzidas pela atuação do Estado, com
suas funções de criação e execução do Direito, quer seja pela conservação
dos atos normativos praticados, ainda que eivados de irregularidades,
quer seja pela imposição de sua realização, quando se tenha nela
legitimamente confiado (sobre os modos de proteção da confiança, ainda
se discorrerá, em tópico apartado).

2.3.5.3.4 Requisitos da aplicação do princípio da proteção da


confiança: o que é digno de proteção
A doutrina, pátria e estrangeira, especialmente no que toca a este
ponto, é bastante extensa. Não se tem notícia de estudo que, debruçado
sobre o princípio em tela, não tenha se preocupado em fixar os pressupostos
para a sua aplicação. Ao mesmo tempo, todavia, que a produção teórica
a esse respeito é bastante vasta, há, aí, pouca uniformidade. Os autores
divergem tanto no que se refere a quais são esses requisitos, quanto no
que se refere a quantos são eles.
Coviello,208 em obra inteira destinada ao estudo do princípio,
estabelece três condições necessárias à sua aplicação: (a) que se
comprove, em primeiro lugar, a existência de uma situação subjetiva
de confiança, isto é, que exista a boa-fé por parte de quem a invoca;
(b) que, apesar de se ter agido de boa-fé, tenha-se assim procedido
de forma prudente ou, noutros termos, agido como um “bom pai de
família” ou como um “comerciante diligente”, ou, ainda, como uma
“pessoa adulta consciente e perspicaz”; e, por fim, (c) que o fato gerador
da confiança tenha sido idôneo para produzi-la. Ainda da doutrina
estrangeira, Pérez 209 igualmente constrói categorização tripartite,
entendendo necessário, para que o princípio em apreço tenha aplicação

208
COVIELLO. La protección de la confianza del administrador: derecho comparado e derecho
argentino, p. 460.
209
PÉREZ. El principio general de la buena fé em el derecho administrativo, passim.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
152 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

nas relações entre Administração e administrados, (a) que estes confiem


em que a atuação daquela se deu corretamente; (b) que a conduta dos
administrados esteja de acordo com a lei; e, finalmente, (c) que as
expectativas deles sejam razoáveis e justificadas.
Destaque-se, também, o entendimento de Ribeiro,210 que, estribado
nos ensinamentos de Maurer, condiciona a proteção da confiança do
cidadão (a) à comprovação de que tenha confiado na existência do ato
administrativo, bem como (b) que sua confiança fosse digna de proteção
sob a ponderação com o interesse público em retratação.
Os diferentes posicionamentos expostos acima demonstram a
desuniformidade anunciada. É possível deles extrair, no entanto, pontos
convergentes, os quais, aliados às considerações de Derzi211 sobre o
tema, formuladas com especial atenção às peculiaridades do Direito
Público, tornam possível a sumarização dos requisitos à aplicação do
principio da proteção da confiança:
(i) a existência da confiança propriamente dita, ou, na terminologia
empregada por Calmes,212 a “base da confiança”. Quer isso
dizer que a proteção da confiança está condicionada, como
requisito primeiro, à verificação de circunstâncias hábeis a
configurá-la. Derzi,213 muito apropriadamente, com base na
obra de Canaris (2008) (que laborou sobre o Direito Privado),
afirma que é pressuposto lógico do princípio da proteção da
confiança que haja confiança a ser protegida. E essa confiança,
ainda completa Derzi,214 haverá de ser “percebida e justificada”,
é dizer, de possível aferição concreta. Deveras, em que pese a
obviedade da constatação, à defesa da confiança é indispensável
que exista, concretamente, uma situação apta a gerá-la,
situação esta que deve ser passível de uma objetiva verificação.
Observe-se, todavia, que, diante da peculiar natureza da
atividade administrativo-tributária, essencialmente vinculada
e obrigatória, e ainda dotada do atributo da presunção de
validade (sobre o qual ainda se tratará), serão os respectivos
atos e abstenções normalmente indutores de confiança;

210
RIBEIRO. A segurança jurídica do contribuinte (legalidade, não surpresa e proteção à confiança
legítima), p. 100.
211
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 390.
212
CALMES. Du principe de protection de la confiance legitime en droits allemand, communautaire et
français, p. 301.
213
DERZI. Op. cit., p. 340.
214
DERZI. Op. cit., p. 390.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
153

(ii) nas relações públicas entre Estado e cidadão, as situações


ensejadoras de confiança serão sempre criadas por aquele.215
Seja comissivamente, por meio de atos (quaisquer deles,
proveniente das três funções estatais) que desencadeiem
confiança ou estejam aptos a tal, seja omissivamente, a partir
de abstenções que tenham o mesmo efeito. Ao se confiar, pois,
espera-se, como já adiantado, que determinado ato estatal
(e/ou seus efeitos) seja mantido ou que ele seja perpetrado.
Para que essa “promessa” de preservação ou prática mereça
proteção, no entanto, é necessário que a autoridade esteja
a ela vinculada. É dizer, a contrário sensu, que não há como
proteger a confiança em um comportamento do Estado que
não lhe seja juridicamente imputável;
(iii) o investimento ou a disposição na confiança. Com esse requisito,
expressa-se a necessidade de que exista uma relação de causali-
dade entre a situação geradora da confiança e a expectativa do
particular, para que esta (sua expectativa) seja protegida.216 Ou,
nas palavras de Derzi,217 para que se afigure a confiança tutelá-
vel, é necessário que haja “[...] uma relação causal entre seu fato
indutor e o comportamento daquele que confia...”. E esse liame
causal, salienta Calmes,218 haverá de ser concreto, ou seja, obje-
tivamente aferível dos atos daquele que manifestou a confiança.
Faz-se mister, por isso, na doutrina da autora, que o confiante
invista na confiança e que seu investimento possa ser material-
mente aferido. Derzi não vê a “prática” da confiança como um
requisito fundamental.219 Apenas como um importante indicador.
De fato, nas relações de Direito Público, entender o contrário é
reduzir, sobremaneira e inapropriadamente, o âmbito normati-
vo do princípio. Principalmente pelo caráter da atuação estatal,
vinculado e obrigatório na essência, verifica-se possível proteger
a confiança sem que nela se tenha investido. Nesses casos, assim,
a obrigatoriedade do Estado, de agir segundo os ditames da lei,
supre a necessidade de que o cidadão demonstre, objetivamente,
que confiou na atuação estatal em um dado sentido; e

215
DERZI. Loc. cit.
216
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 327 .
217
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 410.
218
CALMES. Du principe de protection de la confiance legitime en droits allemand, communautaire et
français, p. 371.
219
DERZI. Op. cit., p. 410-412.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
154 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

(iv) finalmente, para ser protegida, a confiança gerada por atos


estatais não prescinde que o destinatário esteja de boa fé, no
sentido de não ter contribuído para eventuais vícios daqueles.220
De fato, a tutela da confiança, como medida, em última
análise, de justiça, não seria justificável, por antijurídica, para
o favorecimento de condutas oportunistas, parametrizados por
deslealdade, desonestidade ou má-fé.221

2.3.5.3.5 Medidas de proteção da confiança


Para Coviello,222 são dois os principais meios de proteção da
confiança. O primeiro deles é a concretização da confiança do cidadão,
ou seja, garante-se a continuidade da situação confiada para aquele que
confiou, a despeito de sua eventual ilegalidade ou interrupção para
outros indivíduos. Já o segundo consiste no reconhecimento do direito
a uma indenização, aplicável aos casos em que não se mostre possível
a manutenção da situação jurídica anterior, diante da violação de
princípios considerados, na hipótese específica, relevantes, a exemplo do
interesse público.223 Daí o porquê de se afirmar que a constatação de um
interesse público predominante não afasta a aplicação do princípio da
confiança. Verificada a impossibilidade de preservação de uma situação
jurídica, ou de sua formação, protege-se a confiança indenizando
aqueles que nela investiram (se for necessário o investimento). Nesse
mesmo sentido Canaris (2008), que qualifica ambas as tutelas por,
respectivamente, positiva e negativa.224
Calmes, ao expor os seus mecanismos de proteção da confiança
legitimamente instaurada, apesar de seguir, na essência, a mesma linha
traçada por Coviello,225 é mais minuciosa, estabelecendo dois principais

220
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro,
Tese, p. 156.
221
Nesse sentido, são vários os dispositivos legais nacionais que trazem, em seu bojo, medidas
implementadoras de segurança jurídica. Cite-se, como exemplo, o art. 54 da Lei nº 9.784/99
(“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé.”) e o art. 150 do CTN (citado supra).
222
COVIELLO. La protección de la confianza del administrador: derecho comparado e derecho
argentino, p. 461.
223
COVIELLO. Loc. cit.
224
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 342.
225
COVIELLO. La protección de la confianza del administrador: derecho comparado e derecho
argentino, p. 461.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
155

mecanismos: a “incorporação à base de confiança” e a “compensação do


prejuízo”, subdividindo este noutros três, quais sejam: a “compensação
dos inconvenientes jurídicos”, o “estabelecimento de disposições
transitórias”, e a “indenização”.226
A primeira modalidade de tutela apontada por Calmes, 227 a
“incorporação à base de confiança”, equivale à primeira identificada por
Coviello,228 vista como positiva por Canaris,229 ou seja, impõe a manutenção
da situação jurídica em que se confiou. A segunda, a seu turno, consiste na
compensação dos inconvenientes causados. Como visto, tal compensação
pode dar-se de três diferentes maneiras:230
(i) a “compensação dos inconvenientes jurídicos”, consistente
na restituição, ao cidadão confiante, da situação jurídica
perdida em razão da confiança depositada em uma informação
equivocada do Poder Público. Tome-se, por exemplo, situação
em que determinado sujeito deixe de realizar uma prova de um
concurso público por ter sido erroneamente informado, pela
própria Administração, do local de realização dos testes. Nesse
caso, com vistas a proteger a confiança, compensar-se-iam os
inconvenientes jurídicos causados mediante a possibilitação, ao
cidadão lesado, de realização da prova perdida;231
(ii) a fixação de “disposições transitórias”, de modo que determinada
situação jurídica, na qual se confiou, mas que não se instaurou
em razão da atuação do Poder Público, teria continuidade
durante período suficiente a adequação dos interessados ao
novo contexto jurídico instaurado;232 e, por fim,
(iii) a “indenização”, que apresenta, segundo Calmes,233 vantagens
não verificadas nas outras: permite, simultaneamente, a proteção
da confiança e a efetivação plena dos interesses públicos, além
de não limitar a margem de atuação do Poder Público, que pode
se adaptar livremente à mudança de contextos, indenizando
aqueles indivíduos confiantes na antiga linha de comportamento.

226
CALMES. Du principe de protection de la confiance legitime en droits allemand, communautaire et
français, p. 437 e ss.
227
CALMES. Op. cit., p. 439.
228
COVIELLO. Loc. cit.
229
CANARIS. O pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito, 2008.
230
CALMES. Op. cit., p. 448 e ss.
231
CALMES. Op. cit., p. 449.
232
CALMES. Du principe de protection de la confiance legitime en droits allemand, communautaire et
français, p. 450.
233
CALMES. Op. cit.,p. 457.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
156 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

2.3.5.3.6 Eficácia do princípio da proteção da confiança


Tal como seus precedentes, o princípio da proteção da confiança,
dotada de alta carga axiológica, possui dupla eficácia: (a) a estar apto
a produzir efeitos jurídicos individualmente (por si só), impondo ao
Poder Público: (a.1.) observados os requisitos e a depender da situação,
a preservação de situações jurídicas, a formação de outras e, ainda, o
pagamento de indenizações; e (a.2.) deveres de proteção, cooperação,
lealdade, colaboração e informação, quando instauradas relações
jurídicas com os cidadãos, ideia a ser mais bem desenvolvida quando do
tratamento da boa-fé objetiva. Essas, nas obras de Maffini234 e Martins-
Costa,235 as eficácias negativa e positiva do princípio, respectivamente;
e (b) intervêm na interpretação e na aplicação de outras normas,
conformando-as a partir de seus ideais de estabilidade, confiabilidade,
lealdade, previsibilidade e mensurabilidade.236
Assim, embora, no primeiro caso, dê lugar a princípios e a regras
mais específicos, como ocorre com a própria irretroatividade das leis,
conforme anota Derzi,237 238 deverá estar sempre presente, com os ideais

234
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro,
Tese, p. 124-125.
235
MARTINS-COSTA. Almiro do Couto e Silva e a ressignificação do princípio da segurança jurídica na
relação entre o estado e os cidadãos, p. 237-239.
236
VILA. Sistema constitucional tributário, p. 324.
237
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 414.
238
Também a necessidade de utilização de tais princípios e garantias haverá de encontrar
as suas diferenciações no Direito brasileiro. Muitas vezes, a proteção da confiança estará
cristalizada por meio de direitos e garantias constitucionais, fortes, como ocorre com o
princípio da irretroatividade das leis, de longa tradição, expresso na Constituição da
República. Será necessário empregar a analogia para reconhecê-lo no Direito público,
em especial no Direito Tributário, como faz a Dogmática alemã. A irretroatividade das
leis, em todos os ramos do Direito, se impõe na ordem positiva nacional, para não ferir o
direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito e, ainda, os fatos jurídicos em
geral, pretéritos em relação à vigência da lei nova. Entre nós, não se reconhece nenhuma
incompatibilidade entre a proteção da confiança e a irretroatividade. Ao contrário, a
proteção, que a Constituição prevê, é tão forte (e o mandamento já conta com mais de
século de prática), que ela se cristaliza por detrás dos institutos. Inexiste a necessidade
de testarmos os requisitos da confiança: o ato do legislador, desencadeador da confiança,
a base da confiança, a confirmação da confiança, os investimentos feitos pelo cidadão,
as consequências desencadeadas, positivas ou negativas, e o sopesamento do interesse
público na mudança da lei. Embora ali latente, mas cristalizada, a proteção da confiança
legítima ou justificada não se manifesta, porque ela está pressuposta, mas pode servir
de explicação ou fundamento da própria escolha da Constituição. Isso explica por que
razão, não sendo rica a literatura nacional em relação à proteção da confiança legítima,
nem mesmo da boa-fé objetiva no Direito Tributário, no entanto, é fartíssima, quase
“incontrolável”, relativamente à segurança jurídica, à previsibilidade e aos princípios da
não surpresa. No Brasil, apenas nos espaços restritos e controversos é que surgirá, como
garantia ético-jurídica, o princípio da proteção da confiança. (DERZI, 2009, p. 413-414)
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
157

antes expostos, na interpretação e na aplicação de outras normas. Como


principio ético-jurídico que é, haverá de informar a atuação estatal,
atribuindo-lhe deveres de lealdade, informação e colaboração, sobre os
quais ainda se cuidará especificamente.

2.3.5.4 O princípio da boa-fé objetiva


Consoante noticia Couto e Silva,239 a boa-fé, desde o mundo romano,
firmou-se preponderantemente no Direito Privado, “[...] quer no seu
sentido subjetivo, tal como aparece, por exemplo, na posse ad usucapionem,
quer no sentido objetivo, que começa a ser modelado nas actiones bonae
fidei, e que diz respeito à lealdade, à correção e à lisura do comportamento
das partes reciprocamente.”.240 Foi ela, no entanto, logo trazida para as
relações jurídicas de natureza pública, com a especial função de impor
às partes nelas envolvidas – o Estado, amplamente considerado, e os
particulares – os citados deveres de lealdade e lisura. O autor observa,
todavia, que, ainda hoje, parte da doutrina refere-se à boa-fé, à proteção
da confiança e à segurança jurídica indistintamente, tomando-as por
conceitos sinônimos. Tal, a seu ver, inapropriado em demasia, pois esses
princípios, “[...] no curso do tempo, foram se particularizando e ganhando
nuances que de algum modo as diferenciam...”.241
Deveras, segundo a doutrina que se afigura majoritária, a exemplo
de Derzi242 e de Ávila,243 os referidos princípios, conquanto possuam
pontos de confluência, distinguem-se um do outro, tendo, portanto,
distintos âmbitos de atuação normativa. Quanto ao princípio da
segurança jurídica, já se pôde ver, linhas atrás, que se difere dos outros
dois em razão de sua maior generalidade e amplitude, razão pela qual,
inclusive, a eles confere fundamento direto. No que se refere à proteção
da confiança e à boa-fé objetiva, a dessemelhança reside exatamente
em seus campos de eficácia: segundo as lições de Ávila,244 o primeiro
destina-se à tutela das expectativas criadas por atos normativos gerais

239
COUTO E SILVA. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro
e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do
art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99), p. 9.
240
COUTO E SILVA. Loc. cit.
241
COUTO E SILVA. Op. cit., p. 9-10.
242
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 413-414.
243
ÁVILA. Sistema constitucional tributário, p. 494.
244
ÁVILA. Loc. cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
158 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

e abstratos, enquanto o segundo protege aquelas oriundas de atos de


caráter concreto e individual.245
A nuclear diferença entre os princípios da proteção da confiança
e da boa-fé objetiva está na natureza da relação jurídica instaurada entre
Estado e cidadão. Se ela decorre de um ato normativo geral e abstrato –
uma instrução normativa da Receita Federal do Brasil, por exemplo, que
é ato bastante recorrente em matéria tributária – aplica-se o princípio da
proteção da confiança. Se, por outro lado, tal advém da prática de um ato
individual e concreto, tal como é o lançamento tributário, o cerne deste
ensaio – incide o principio da boa-fé.
Por isso, as demais considerações feitas a respeito do princípio da
proteção da confiança, atinentes ao seu fundamento constitucional, às
peculiaridades de sua observância nas relações jurídicas de Direito Público,
ao seu conteúdo e eficácia, bem como aos seus requisitos, aplicam-se,
inteiramente, ao da boa-fé objetiva.
Quanto aos requisitos, no entanto, há de se acrescer um ao princípio
da boa-fé objetiva. A confiança gerada por atos concretos e individuais,
âmbito de aplicação da boa-fé objetiva, para ser protegida, não prescinde
que o destinatário esteja de boa fé, no sentido de não ter contribuído
para os vícios daqueles. De fato, a tutela da confiança, como medida, em
última análise, de justiça, não seria justificável, por antijurídica, para o
favorecimento de condutas oportunistas, parametrizados por deslealdade,
desonestidade ou má-fé.246
Ressalte-se, somente, que, a despeito dessa grande similitude, que é
principalmente do princípio da boa-fé objetiva que são sacados os referidos

245
“Embora o princípio da boa-fé e a ideia de proteção da confiança sirvam ao interesse do
indivíduo na permanência e continuidade do ordenamento jurídico e na permanência
inalterada dos seus direitos, relações jurídicas e posições, eles têm traços distintivos: enquanto
a ideia da proteção da confiança pode ganhar importância igualmente na relação jurídica
abstrata e na relação jurídica concreta, a aplicabilidade do princípio da boa-fé se restringe a
uma relação jurídica concreta. Em contrapartida, a ideia da proteção da confiança pode ser
correlacionada àquelas configurações de casos concernentes à retroatividade de leis tributárias,
à proteção da confiança em diretrizes da Administração pública.
Esta visão de conjunto torna compreensível por que o princípio da boa-fé não se dirige ao
Estado como um todo, mas aos seus representantes individuais; não aos contribuintes na sua
totalidade, mas ao contribuinte individual, pois se destina aos envolvidos em uma relação
jurídica concreta, que sempre devem estar em uma certa relação recíproca de “proximidade
interna”. Do contrário, o Estado e os cidadãos não poderiam estar vinculados a normas éticas
iguais ou similares e não se poderia formar a confiança”. (ÁVILA, 2008a, p. 494).
246
Nesse sentido são vários os dispositivos legais nacionais que trazem, em seu bojo, medidas
implementadoras de segurança jurídica. Cite-se, como exemplo, o art. 54 da Lei nº 9.784/99
(“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram
efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé.”) e o art. 150 do CTN (citado supra).
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
159

deveres positivos (eficácia positiva do princípio) impostos ao Estado. Ao


tratar do princípio da boa-fé objetiva no Direito Privado, Derzi,247 escorada
nas obras de Menezes Cordeiro248 e de Martins-Costa,249 identifica deveres
de presença necessária em qualquer relação jurídico-privada, a despeito
de positivação: (a) deveres de proteção, que impõem o cuidado pelo
patrimônio e pela pessoa da outra; (b) deveres de lealdade e de cooperação,
que impedem as partes de frustrar as expectativas geradas pelo negócio,
umas das outras; e (c) os deveres de informação e de esclarecimento, de
modo que os dados necessários, a cada uma das partes, à ótima execução
do contrato, não sejam negligenciados.250
Não pode haver dúvidas de que tais deveres se aplicam ao Estado,
dadas a aplicação do princípio da boa-fé objetiva (e da proteção da
confiança) a ele, bem assim a ausência de sua incompatibilidade com
as peculiaridades do Direito Público.251 Os deveres é que deverão ser
adequados à nova realidade, de modo que representem as particularidades
experimentadas nas relações instauradas entre Estado e cidadãos. E são
esses deveres, como se antecipou no capítulo anterior, que dão fundamento
e conteúdo à relação jurídica administrativo-tributária.

2.3.5.5 O princípio da moralidade administrativa


Giacomuzzi,252 que buscou investigar, em trabalho específico,
“[...] o conteúdo dogmático da moralidade administrativa...”, concebe
a moralidade administrativa com âmbito normativo mais amplo que
a proteção da confiança e a boa-fé, em estrutura que tem estes últimos
integrando-lhe a sua face objetiva.253 Este autor entende, portanto, que os
comandos comportamentais impostos à Administração pelos princípios
da proteção da confiança e da boa-fé objetiva são apenas parte daqueles
extraíveis da moralidade, de modo que outros ainda são verificáveis,
componentes de sua faceta subjetiva, a exemplo do dever de honestidade
e probidade do administrador público.254

247
DERZI. Modificações da jurisprudência: proteção da confiança, boa-fé objetiva e irretroatividade como
limitações constitucionais ao poder judicial de tributar, p. 369.
248
MENEZES CORDEIRO. Da boa fé no direito civil, 2007
249
MARTINS-COSTA. Almiro do Couto e Silva e a ressignificação do princípio da segurança jurídica na
relação entre o estado e os cidadãos, p. 156.
250
DERZI. Op. cit., p. 369.
251
DERZI. Loc. cit.
252
GIACOMUZZI. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública (o conteúdo
dogmático da moralidade administrativa),(2002.
253
GIACOMUZZI , Op. cit., p. 308-309.
254
GIACOMUZZI. Loc. cit.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
160 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

Viu-se, todavia, que também esses deveres são extraíveis, para


alguns autores, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, o que revela
a ausência, já propalada, de consenso doutrinário acerca dos conteúdos
normativos desses e do princípio da moralidade administrativa. De toda
forma, aos fins desta obra, não interessa delimitar, com extremo rigor
científico, quais são os campos específicos de atuação das três espécies
normativas. Mas, sim, ter em vista quais são as ordens comportamentais
que dirigem à atuação estatal administrativa, o que, das considerações até
então alinhavadas, entende-se alcançado.
A moralidade administrativa, com efeito, em conjunto com
os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, impõe
à Administração Pública que proceda sempre pautada pelos ideais
de estabilidade, de confiabilidade, de lealdade, de honestidade, de
previsibilidade e e mensurabilidade.
Segundo observa Araújo, 255 a moralidade administrativa é
importante meio de efetivação da boa administração (examinada a seguir),
porquanto permite que, pela análise de sua observância, se verifique se
atos praticados de acordo com a lei (considerada estritamente) guardam,
igualmente, conformidade com o ordenamento jurídico. É que, mesmo
legais, eles poderão ser praticados em dissonância com os citados ideais,
o que revelará a ofensa ao princípio da moralidade administrativa, embora
a regra da legalidade, nessa ilustração, tenha sido observada. Conforme
anota Araújo,256 uma das principais decorrências desse princípio é a
exigência de motivação do ato administrativo, eis que ela é “[...] capaz
de denotar [...] a não correspondência entre meios e fins, que informa o
exercício ético da competência administrativa”.

2.3.5.6 A legalidade e os princípios da proteção da confiança,


da boa-fé objetiva e da moralidade administrativa
Examinadas as normas epigrafadas, é importante observar que a
compreensão da legalidade em sua tríplice dimensão normativa demonstra
que não há uma antinomia in abstratctu e per definitionem entre ela e os
princípios da proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da moralidade.
Revela, aliás, que o cotejo de todas as normas, para fins de aplicação
concreta, não é dessa forma complexo, como se poderia pensar, dados os
efeitos preservativos de atos ilegais, por exemplo, que podem advir da
proteção da confiança legitimamente verificada (com a observância dos

255
ARAÚJO. Motivação e controle do ato administrativo, p. 100.
256
ARAÚJO. Loc. cit.
CAPÍTULO 2
A SEGURANÇA JURÍDICA
161

requisitos pertinentes). Todos os comandos são componentes do princípio


maior da segurança jurídica, visando, por essa razão, com a produção de
seus respectivos efeitos, concretizá-lo. A ratio essendi de todos, por isso,
é exatamente a mesma: a obtenção de um estado de segurança jurídica.
Entender, portanto, pela preservação de um ato claramente desconforme
com a lei, eis que determinado particular confiou, legitimamente, em
sua continuidade, não é medida contrária ao Direito (por ser contrária
à legalidade, vista estritamente), mas sim, que o reverencia, eis que
direcionada a concretizar a segurança jurídica. Nesse caso, ainda que reste
objetivamente desatendida a legalidade, sob sua dimensão normativa de
regra, ela não o terá sido pelas outras, visto que se terá implementado a
segurança jurídica e, via de consequência, se adotado medida conforme
com o Direito.257 A hipótese contrária, na ilustração, seria legal, num sentido
estrito, mas, por atentatória à segurança jurídica, desconforme com o
Direito. Poderá haver situações, portanto, em que o estado de segurança
que é pretendido pela legalidade não se efetivará plenamente com a sua
observância, mas sim, com o atendimento a outras normas, como a proteção
da confiança e a boa-fé objetiva. E, repete-se, a Administração Pública está
antes subordinada ao Direito do que à lei.258

2.3.5.7 O interesse público e os princípios da proteção


da confiança, da boa-fé objetiva e da moralidade
administrativa
Chegando-se aqui, questão que ainda se coloca e se cinge à
ponderação da vinculação administrativa ao atendimento preferencial do
interesse público (“supremacia do interesse público”) com os princípios da
proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da moralidade, especialmente
no que toca a uma possível barreira, imposta por aquele, à tutela das

257
CASTILLO BLANCO. La protección da confianza em el derecho administrativo, p. 375.
258
A esse respeito, complementares e esclarecedoras são as seguintes considerações de Maffini:
“A legalidade administrativa não pode ser considerada como óbice à incidência do princípio
da proteção substancial da confiança, mesmo quando se trata da preservação de condutas – ou
seus efeitos – inválidas. Isso porque, as noções de Estado de Direito e de segurança jurídica
não estão sob, mas sobre ou ao lado do princípio da legalidade, impondo-se a ponderação
entre a legalidade e a segurança jurídica para que, em alguns casos, essa ceda à proteção
da confiança com a estabilidade das relações jurídicas, ainda que inválidas. Ademais, o
fundamento material da legalidade consiste justamente na busca por segurança jurídica, não se
apresentando, pois, num fim em si mesmo. Dessa forma, sempre que a legalidade implicar em
consequências que se contraponham ao seu próprio fim material, qual seja, segurança jurídica,
terá de ser ponderada com outros valores, como é o caso da proteção substancial da confiança,
ensejando tal ponderação a possibilidade de preservação de atos ou efeitos decorrentes de
comportamentos inválidos.” (MAFFINI, 2009, p. 236)
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
162 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

expectativas privadas legitimamente instauradas. É que se poderia pensar


que a proteção da confiança gerada por comportamento comissivo ou
omissivo do Estado é tutela de interesse privado e, por isso, quando este
se contrapusesse a um interesse público, pela supremacia deste, ditos
princípios não poderiam ser aplicados.
Tal raciocínio, embora logicamente estruturado, não reflete o
melhor entendimento sobre a questão. Em primeiro lugar, não há,
a priori, supremacia do interesse público sobre o privado, mas sim,
constante necessidade de ponderação. Em toda hipótese concreta,
somente após o sopesamento dos interesses envolvidos, pelo postulado
da proporcionalidade, é que se chegará ao prevalecente.
Em segundo lugar, a tutela das expectativas legítimas dos particulares
em relação à atuação (positiva ou negativa) da Administração não consiste
em mera proteção de interesses privados. Na condição de instrumentais
da segurança jurídica (função primordial de qualquer ideia de Direito), os
princípios da proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da moralidade
concretizam, ao lado dos interesses do particular confiante, o interesse
público consubstanciado na própria noção de Estado de Direito.259 260 A
estabilização das expectativas normativas é interesse de qualquer particular
como cidadão (interesse público, portanto), mormente se se considerar, com
Luhmann (1996), que a “saúde” do sistema jurídico (indubitável interesse
público) depende do resguardo da confiança por ele gerada. Proteger, pois,
a confiança, é satisfazer interesse legitimamente público.

259
MAFFINI. Princípio da proteção substancial da confiança no direito administrativo brasileiro, Tese,
p. 71.
260
Pela contundência, adequadas são as palavras de Maffini (2009, p. 146): “Em outras
palavras, deve-se entender que o princípio da proteção da confiança, ao tutelar interesses
privados decorrentes de expectativas legítimas dos destinatários da função administrativa,
proporciona a plena satisfação do interesse público consistente na obtenção de um estado
de segurança jurídica. Não seria exagerado afirmar, nesse sentido, que a proteção da
confiança realiza, a um só tempo, a interesses privados (de proteção substancial das
expectativas legítimas) e a interesses públicos (de obtenção de um estado de coisas
pertinente à segurança jurídica e ao estado de direito).
Assim, à guisa de conclusão, deve-se entender que os princípios da legalidade e do
interesse público são inquestionavelmente importantes para o Direito Administrativo, mas
não absolutos, razão pela qual se impõe que sejam ponderados com os demais princípios,
resultando justamente dessa ponderação a incidência do princípio da proteção da confiança.”
CAPÍTULO 3

A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA
TACITAMENTE VERIFICADA

Os questionamentos incialmente propostos foram os seguintes:


(i) findo o procedimento fiscalizatório de tributos sujeitos
ao lançamento por homologação (o qual há de ter prazo
previamente fixado, a teor do art. 196 do Código Tributário
Nacional), o termo que formaliza o encerramento, ato
administrativo,1 tem efeitos homologatórios em relação ao(s)
período(s) fiscalizado(s), mas não autuados, é dizer, dito termo
é materialmente ato de homologação?
(ii) em caso positivo, o ato administrativo de homologação pode
ser revisado pela Administração Pública? Quais os limites?
Quanto à primeira, entende-se sua resposta como afirmativa. O
termo que encerra procedimentos fiscalizatórios estatais, ato administrativo
praticado pela Administração Tributária, é, sim, homologatório da atividade
de lançamento realizada pelo contribuinte. Essa conclusão é obtida a partir
de três constatações, que serão analisadas em subtópicos apartados abaixo.
Na sequência, examina-se a revisibilidade do ato administrativo referido.

3.1 Quanto ao primeiro questionamento: o termo de


encerramento é sim ato de lançamento por homologação

3.1.1 A homologação expressa é ato administrativo vinculado


A primeira delas consiste na verificação de que a autoridade
administrativa que empreende a fiscalização, ao encerrá-la sem efetuar o

1
Como é, por exemplo, o “Termo de Encerramento de Ação Fiscal”, denominação
costumeiramente atribuída pelas Administrações Tributárias para o ato administrativo que
formaliza o fim de uma fiscalização.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
164 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

lançamento de ofício de eventual crédito tributário, não pode agir de outra


forma que não praticar o ato de homologação (lançamento por homologação).
A homologação expressa, nesse caso, tem a sua prática vinculada.
O lançamento tributário é de execução vinculada, ex vi do parágrafo
único do art. 142 do CTN (além de ser obrigatório, conforme o mesmo
dispositivo, como se viu de ver). Todavia, a vinculação de sua prática não
advém exclusivamente dessa regra legal; com Eros Roberto Grau (2005),
entende-se que a verificação de que determinado ato tem a sua realização
vinculada (um de seus aspectos vinculados, portanto), ocorre quando,
após a atividade de interpretação (que tem em conta o ordenamento
jurídico como um todo, e não apenas, no caso, o art. 150 do CTN), a
autoridade administrativa chega à conclusão de que há somente um
melhor comportamento a ser adotado naquela situação (e a Administração
Pública, como se sabe, está sempre sujeita à execução da melhor conduta,
quer seja pelo postulado da proporcionalidade, também materializado
no comando da boa administração, quer seja pelo específico princípio da
moralidade administrativa).
A pergunta que se coloca, então, é a seguinte: por que a homologação
é o melhor comportamento da Administração Pública na situação descrita
(encerramento do procedimento de fiscalização)?
Inicialmente, há de se ter em conta que outras normas são (e devem
ser) observáveis pela Administração Pública quando do desempenho
de quaisquer dos seus atos. Ela está, é sabido, antes de subordinada
estritamente à lei, sujeita ao direito como um todo, ideia que se tem
alcunhado por juridicidade. A atuação estatal administrativa, assim, haverá
de refletir, em todos os casos, a consonância com o ordenamento jurídico,
ainda que praeter legem.
A conformidade com o Direito é principalmente aferida quando
os seus vetores primordiais são respeitados. Entre tais, está a segurança
jurídica, que, ressignificada pela ideia de proteção da confiança, carrega,
em seu bojo, as exigências de: (a) possibilidade de conhecer o direito
mesmo antes de sua materialização; (b) confiabilidade na aplicação fiel do
ordenamento jurídico (os atos normativos geram expectativas legítimas); (c)
confiabilidade na permanência ou na continuidade das relações jurídicas;
(d) e a possibilidade de saber o direito na sua aplicação (ter como conhecer,
objetivamente, o conteúdo das normas jurídicas aplicadas).
A segurança jurídica, valor fundante do Estado Democrático de
Direito brasileiro (art. 5º, caput, da CRFB), é norma jurídica, da categoria
princípio, que, nessa condição, possui dupla eficácia: está apta, por si
só, a produzir efeitos jurídicos concretos (a fim de atingir os estados de
coisas acima arrolados); e, além disso, intervém na interpretação-aplicação
CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA
165

de outras normas, de modo que o resultado da atividade interpretativa-


aplicativa destas reflita os ideais por ela (segurança jurídica) propugnados.
Em sua dupla eficácia, portanto, o princípio da segurança jurídica apresenta
o que Ávila (2007) denomina de eficácia bloqueadora, pois impede a
produção de resultados (da aplicação de outras normas) dissonantes com
seu conteúdo normativo.
A regra do lançamento por homologação, assim, que já exprime
os ideais de previsibilidade, estabilidade e confiabilidade próprios da
segurança jurídica – tal é logo visível, ante a estabilização normativa
obtida com a homologação expressa: o contribuinte, após agir por
sua conta, aguarda que a Administração ateste a regularidade do seu
procedimento – quando interpretada e aplicada, haverá de sê-lo em
conformidade com o citado princípio, não sendo suficiente a sua aplicação
isolada para a concretização dos citados ideais. É dizer: não é bastante,
à garantia da consecução do desiderato principiológico, que regra que
o reflita seja aplicada; para tanto, é mister que ela seja interpretada e
aplicada com o consciente objetivo de se obter a finalidade em questão.
É por isso que o princípio também tem uma função bloqueadora, pois
obstaculiza a percepção de efeitos contrários à sua substância normativa.
As situações, pois, reguladas pela regra jurídica do lançamento por
homologação (a qual é norma jurídica que não se confunde com o art.
150 do CTN), haverão de espelhar estado de coisas condizente com
a segurança jurídica. Nestas situações, é a prática da homologação a
conduta condizente com a segurança jurídica, pois é este ato que promove
estabilidade e confiabilidade normativas.
Todavia, a segurança jurídica, especialmente presente em dita
regra, também é alcançada quando a autoridade administrativa,
verificando o não recolhimento integral ou parcial do tributo pelo sujeito
passivo, efetua o lançamento de ofício, a fim de exigir os valores não
pagos. Nesse caso, desponta a regra da legalidade, impondo verdadeira
atividade de controle das ações do contribuinte. Ademais, há o princípio
maior da justiça fiscal, refletido na necessidade de que todos contribuam
(por meio dos tributos) para a equalização social. O ato de homologação,
assim, não é a única conduta em harmonia sistêmica com a regra do
lançamento por homologação.
Diante disso, o melhor comportamento a ser adotado pela
Administração Tributária, ao final de um procedimento de fiscalização,
dependerá das específicas circunstâncias fáticas experimentadas: caso tenha
o contribuinte agido corretamente, a melhor atitude, pois, concretizadora
da segurança jurídica, é a homologação; na hipótese de ter, no entanto,
procedido em contradição com a lei, faltando com o recolhimento do
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
166 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

tributo, o melhor comportamento é a realização do lançamento de ofício,


que também atende ao princípio citado (além de tantos outros, entre eles
o interesse arrecadatório estatal e também o direito do indivíduo de que
cada um dos seus concidadãos contribua com a parte que é devida a eles).
Não há outra opção, portanto. Concluído o procedimento
fiscalizatório (e ao se dizer isso, “concluído”, pressupõe-se que se
inspecionou o que havia por inspecionar, é dizer, supõe-se o curso regular
da fiscalização), ou a autoridade administrativa homologa, ou ela lança
de ofício. Sob o ponto de vista da segurança jurídica, é difícil (rectius:
impossível) conceber uma terceira alternativa. Esta, por assim dizer,
restrição de opções, é reconhecida pela doutrina, ainda que, nos casos
analisados, não se tivesse os mesmos propósitos desta obra.2
Tal questão também pode ser vista sob a perspectiva do interesse
público. Em ambas as situações, o interesse público é atendido. Na primeira
situação, com o resguardo do constitucional direito à segurança jurídica
de que é titular o cidadão (um interesse privado, sob o ponto de vista de
sua proteção, poderá ser público,3 como ocorre no caso – todo sujeito,
enquanto cidadão, tem interesse na segurança jurídica). Na segunda, o
interesse arrecadatório do erário (que é de cada sujeito, enquanto cidadão,
dada a essencialidade da tributação para a manutenção do próprio Estado).
Nas duas hipóteses, são esses, respectivamente, os anseios prevalecentes.
Por isso, em resposta à pergunta que se formulou, nos casos de
encerramento de procedimentos fiscalizatórios, em que não se conclua pelo
lançamento de ofício, a melhor conduta é a homologação, porque é ela que
concretiza o princípio da segurança jurídica na hipótese, norma jurídica
esta especialmente presente nos casos de lançamento por homologação. A
prática do ato homologatório no caso descrito é, pois, vinculada, no sentido
da única e melhor conduta para o caso. A esse propósito, rememore-se que
qualquer ato de lançamento, a teor do art. 142, parágrafo único do CTN,
é, além de vinculado, também obrigatório.
Se, assim, a execução do ato homologatório na hipótese descrita
é vinculada (além de ser, por força de dispositivo legal, obrigatória),
e se não se lançou de ofício, o ato a ser praticado – o que encerra o
procedimento de fiscalização – só pode ser um ato de homologação.
Essas eram as duas opções. Não sendo uma; é outra. O termo que encerra
a fiscalização, portanto, quando não atesta irregularidades (trazendo
consigo o lançamento de ofício), é ato homologatório.

2
GRECO. Dinâmica da tributação: uma visão funcional, 2007.
3
BANDEIRA DE MELLO. Curso de Direito Administrativo, 2008.
CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA
167

Ato administrativo, assim, que dá por terminada fiscalização não


geradora de lançamento de ofício – embora não o seja formalmente,
é materialmente ato homologatório. Não importa que a autoridade
que o tenha praticado não haja tido a íntima intenção de fazê-lo. À
identificação de um ato administrativo importa o conteúdo objetivado,
inequivocamente levado ao conhecimento do sujeito passivo. Ademais,
está a se tratar da homologação expressa, que é aquela efetivamente
praticada pela autoridade administrativa.
Não se está, pois, diante da “homologação tácita” prevista pelo §4º
do art. 150 do CTN. Nesse caso, não há ato qualquer, apenas a inércia da
Administração, à qual a lei atribuiu efeitos jurídicos (o “silêncio administrativo
positivo”, já visto): na hipótese, a decadência do direito de lançar.
Na situação ora tratada (encerramento de procedimentos
fiscalizatórios), pode-se dizer que se tem o ato-implícito, de que se
fez referência com escoro em Bandeira de Mello (2008). Esse é aquele
que se dá quando a Administração, embora não pratique determinado
ato, manifesta-o, inequivocamente, pelo desempenho de outro. É
dizer, ocorre quando o Poder Público, posicionando-se expressamente
sobre determinada situação, deixa transparecer, de forma induvidosa,
um outro comportamento e/ou decisão. Na hipótese, pelas razões
demonstradas, a homologação é inequivocamente manifestada
(pois outro ato não poderia ter sido verificado). Daí poder-se dizê-
la implicitamente constatada. Ou, em um sinônimo, uma homologação
expressa, mas tacitamente verificada.
O ato administrativo que encerra o procedimento fiscalizatório,
dessa forma, também revela uma homologação expressa tacitamente
verificada, que tem o efeito de homologar a atividade do contribuinte
relativa aos fatos geradores inspecionados. É, por isso, declarativo, pois
preserva a situação anterior (os atos de quantificação praticados pelo
contribuinte). Ademais, é dotado de eficácia preclusiva, pois, tendo em
vista os limites à revisão do lançamento, faz com que, em relação aos
elementos jurídicos que a compõem, a situação nele declarada desprenda-
se da situação original (operações do contribuinte) e, transcorrido o prazo
dos arts 149, parágrafo único, e 150 do CTN, desvincule-se totalmente.
Observe-se, finalmente, que não é necessário que o termo de
encerramento ateste a completa ausência de lançamentos de ofício. Na
verdade, a experiência demonstra que é mais comum que esse termo
mencione o período fiscalizado e, de maneira discriminada, os fatos
geradores cujo recolhimento tributário se deu irregularmente, caso em
que a informação é acompanhada do valor lançado de ofício. Nessas
hipóteses, assim, verifica-se quais foram os fatos geradores homologados
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
168 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

por exclusão: serão aqueles que, compreendidos no período fiscalizado (o


qual é atestado expressamente), não foram lançados de ofício.

3.1.2 Sob o ponto de vista da estrutura do ato administrativo:


confronto entre o ato de homologação e o ato de
encerramento de procedimento fiscalizatório
Retomando-se a teoria de Bandeira de Mello sobre a estrutura do
ato administrativo, cabe iniciar pelos elementos do ato, que são, como
vimos, conteúdo e forma.
(i) O conteúdo do ato, como também visto, é ele próprio, é a
norma jurídica que ele significa; a sua essência. No caso
do ato de homologação, não há como dizer que não seja a
homologação em si; é dizer, seu conteúdo será a manifestação
inequívoca da Administração de que a atividade de lançamento
do contribuinte foi realizada em conformidade com a lei.
Manifestação esta que também ocorre, como visto acima, nas
situações de encerramento de procedimentos fiscalizatórios
que, em relação a determinados fatos geradores inspecionados,
conclui pelo não lançamento de ofício. Sob o ponto de vista
do conteúdo, assim, não diferença substancial entre ato
homologatório e termo de encerramento.
(ii) Quanto à forma do ato, viu-se que é a maneira pela qual
o conteúdo é exteriorizado (levado ao conhecimento do
destinatário). Conforme demonstrado, não há disposição
explícita no CTN sobre isso. Contudo, também se viu que,
dada a natureza da mensagem que veicula, bem como o
próprio princípio da segurança jurídica, que, em uma de suas
acepções, impõe que o Direito possa ser conhecido, não se vê
forma mais adequada que a escrita, devidamente notificada
ao destinatário. Sobre isso, inclusive, é de se reiterar o art.
196 do CTN, que impõe (também com fins de segurança
jurídica), a documentação dos atos de fiscalização. Portanto,
como antecipado, o ato homologatório haverá de ser levado ao
conhecimento do seu destinatário por escrito, o que é, como se
sabe, o que ocorre com os atos de encerramento de fiscalizações.
No tocante aos pressupostos do ato, expôs-se que se dividem em
de existência e de validade. Os pressupostos de existência são o objeto e
a pertinência com a função estatal administrativa.
(iii) O objeto, como aquilo sobre o que o conteúdo se refere, é, no caso
do ato de homologação, a atividade do sujeito passivo; é ela,
CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA
169

como se viu, que é homologada pela autoridade administrativa.


No caso do termo de encerramento de procedimentos de
fiscalização, não há dúvidas que seu objeto também seja
a atividade do contribuinte, levada a efeito com o intuito
de cumprir suas obrigações tributárias, em atendimento à
sistemática do lançamento tributário por homologação.
(iv) A pertinência, por sua vez, que se refere à necessidade de que o
ato jurídico reflita o exercício da função administrativa, é clara
no caso: a homologação é resultado da atividade de controle de
regularidade dos atos praticados pelo sujeito passivo. Como é,
igualmente, o termo de encerramento; este também vem como
consequência do exercício de tal controle.
Quanto aos pressupostos de validade, são os seguintes:
(v) O sujeito, que é, por força do CTN, a autoridade administrativa,
sendo que as leis dos respectivos entes políticos estabelecerão
quais os cargos (funções) são responsáveis para tal. Como
se disse, por razões lógicas, a autoridade responsável pelo
lançamento de ofício – Auditores Fiscais da Receita Federal do
Brasil, por exemplo – deveria ser a competente para a prática do
lançamento por homologação (observe-se que, diz-se deveria,
pois não se tem conhecimento de lei interna – de algum ente
tributante – que expressamente atribua competência a algum
agente público para a prática do ato de homologação). Bom,
de qualquer forma, sabe-se, pela experiência, que a autoridade
que encerra o procedimento de fiscalização é a mesma (e
justamente) aquela competente para autuar/lançar.
(vi) O motivo do ato de homologação – que é, como esclarecido, a
situação fática que deve ocorrer para que o ato seja realizado – é
o encerramento da fiscalização, pela autoridade administrativa,
com a conclusão de que não há irregularidades na atividade
adotada pelo sujeito passivo. E o motivo do ato de encerramento
de fiscalização, como é óbvio, é precisamente o mesmo. Quanto
à motivação, por sua vez – que não é pressuposto, consoante
advertido, mas é de relevante apontamento – no caso do
lançamento por homologação, é o esclarecimento de que o
ato foi praticado em virtude da análise, pela Administração
Tributária, da atividade de quantificação de tributo realizado
pelo contribuinte. O termo de encerramento, quando não
conclui pela exigência de qualquer tributo, possui a mesma
motivação. Ainda quanto à motivação, deve-se observar que
é bastante comum que, ao lado da informação de que, em
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
170 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

relação a determinados fatos geradores, irregularidades não


foram encontradas, há também aquela pela qual a autoridade
administrativa se reserva no direito de “refiscalizar” os períodos
inspecionados. Esse tipo de advertência não deve comprometer
a natureza homologatória do termo de encerramento de
procedimentos de fiscalização. Principalmente porque, como
visto de forma exaustiva, o ato de encerramento tem conteúdo
de homologação, até porque, como igualmente explicitado,
ele não poderia ter outro conteúdo. Além disso, conforme se
demonstrará, a homologação da atividade do contribuinte não
significa a impossibilidade de “refiscalização” pelo Fisco; o ato
de homologação é revirável nos termos dos art. 149 do CTN.
(vii) Os requisitos procedimentais, que são atos dos particulares e da
própria Administração necessários à prática do ato, são, no caso
do lançamento por homologação, a realização das operações
de quantificação pelo sujeito passivo e a própria fiscalização
pelo Poder Público. No caso do termo de encerramento
de procedimentos fiscalizatórios, têm-se exatamente os
mesmos requisitos procedimentais; para encerrar algo, a
Administração Tributária precisa antes fazer esse algo; é
dizer, para terminar uma fiscalização, ela precisa efetivamente
fiscalizar. Por outro lado, ela fiscaliza justamente os atos
praticados pelo contribuinte, de forma espontânea, destinados
ao adimplemento de suas obrigações fiscais (no curso do
procedimento de lançamento tributário por homologação).
(viii) A finalidade, que fala por si só, é, no ato de homologação, a
estabilização das expectativas normativas do sujeito passivo,
o qual, após ter procedido como posto pela legislação, espera
ter procedimento de lançamento por ele iniciado devidamente
encerrado. Também no termo de encerramento se tem a mesma
finalidade: a dar por formalmente terminada uma situação
jurídica iniciada pela autoridade administrativa (a fiscalização).
(ix) A causa, a seu turno, como explicado, é pressuposto lógico
que exprime a necessidade de pertinência do conteúdo do
ato administrativo com o motivo justificador de sua prática.
Assim, pela causa, da mesma forma em que o conteúdo
“homologação” deverá advir de uma situação em que a
sua prática era possível, uma situação de encerramento de
fiscalização em que não se verificar qualquer irregularidade
na atividade do sujeito passivo haverá de conduzir a ato
cujo conteúdo consista em uma homologação. O termo de
CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA
171

encerramento, nesse contexto, mais uma vez tem os mesmos


contornos; o ato de encerramento advém de uma situação que
sua prática era possível, que é a conclusão de fiscalização sem
lançamentos de ofício; ao mesmo tempo em que essa situação
– inspeção sem exigências de tributos ou multas – condiz com
o encerramento formal do processo fiscalizatório.
(x) Finalmente, tem-se o pressuposto formalístico, que é, como
se viu, a específica maneira, imposta pela lei, pela qual
o ato administrativo será exteriorizado. No caso do ato
homologatório, também se disse, dependerá da regulação
específica, a qual, no entanto, não existe (ao menos que se tenha
conhecimento). Os modos específicos de se praticar o ato de
homologação, no entanto, por todos os motivos anteriores,
num exercício de lógica que ora se faz, não deverão ser muito
distintos daqueles para o encerramento formal de um processo
fiscalizatório (o termo de encerramento). Materialmente, alias,
hão de ser os mesmos.
Como se pode ver, ainda que em relação a alguns itens a análise tenha
tido que ser feita em abstrato, o ato de homologação e o ato de encerramento
são, estruturalmente (levando-se em conta a estrutura do ato administrativo
teorizada por bandeira de Mello), senão iguais, muito similares.

3.1.3 A “relação jurídica administrativo-tributária”


Como visto anteriormente, segundo a regulação do CTN,
as relações jurídicas instauradas entre Fiscos e contribuintes são
essencialmente unilaterais. Vistas pela lupa da “obrigação tributária”,
categoria jurídica específica, denotam interação, de mão única, em
que há o dever do sujeito passivo de recolher o tributo e o direito do
sujeito ativo à sua arrecadação. Sob esse paradigma, vê-se adimplida a
obrigação, nos casos de lançamento por homologação, com a simples
conclusão da atividade do contribuinte de quantificação e recolhimento
do tributo. A homologação expressa, por parte da autoridade
administrativa, perde relevância sob esta ótica, vez que o foco de exame
é a prestação devida pelo sujeito passivo.
Quando se reconhece, no entanto, que, com o fato gerador, surge uma
relação jurídica administrativa, é dizer, com direitos e deveres para ambas
as partes, que as equipara juridicamente, a questão ganha outra roupagem:
a homologação, nesse caso, passa a ser vista como um verdadeiro dever da
Administração (nunca deixou se ser, mas a percepção da relação jurídica,
em detrimento da perspectiva estrita da obrigação tributária, torna evidente
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
172 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

o descumprimento), que é, enxergado sob outro viés, direito do sujeito


passivo. Neste caso, o fim da relação jurídica instaurada entre ambos com
o fato gerador passa a ser o ato homologatório, situação em que ambas as
partes cumpriram com os seus deveres.
Aqui, conforme se observa, toma-se a “relação jurídica administrativa”
a que a doutrina administrativista referencia há algum tempo: com a
evolução dos paradigmas constitucionais, em que se reconhece a força
normativa dos direitos e das garantias individuais, bem assim a democrática
exigência de participação do particular na função administrativa, a
atividade estatal já não mais se desenvolve sob a (unilateral) perspectiva
do ato administrativo; ganham força (e centralidade), o “procedimento
administrativo” e a “relação jurídica administrativa”, que melhor retratam
o atual contexto normativo.
Esta relação jurídica “administrativo-tributária”, que se desenvolve
sob a perspectiva do procedimento – e aqui está outra razão para encarar
o “lançamento” como tal – é preenchida com a extensa gama de direitos
a que fazem jus os contribuintes. É dizer, os direitos e os deveres dessa
relação não estão todos expressos e diretamente previstos; na realidade, a
maioria deles é sacada de normas jurídicas gerais, de proteção do cidadão
em face do Estado. Do princípio da boa-fé objetiva, também se viu, vários
deles são extraíveis, conforme já observou Misabel Derzi (2009), em análise
dos estudos de Antônio Menezes Cordeiro. Dentre os citados, dois deles
assumem grande relevância à presente análise: os deveres de lealdade e de
cooperação, que impõem as partes o dever de não frustrar as expectativas
umas das outras. Há expectativa maior do contribuinte que cumpre com os seus
deveres em sede de lançamento por homologação do que a própria homologação?
Dessa forma, enxergado o liame instaurado entre o Fisco e os
contribuintes, com a ocorrência do fato gerador, como uma “relação jurídica
administrativo-tributária”, a ausência da prática do ato homologatório ao
final de um procedimento de fiscalização é conduta claramente antijurídica,
eis que escancaradamente desleal. Quando se reconhece, pois, que
contribuinte e Administração figuram como partes em uma relação jurídica
tributária, vê-se o absurdo de não se praticar expressamente a homologação.

3.2 Quanto ao segundo questionamento: revisibilidade do


termo de encerramento de efeitos homologatórios
Questionou-se, ainda, de forma subsidiária, se o termo de
encerramento, considerado como lançamento por homologação (ato
homologatório), poderia ser revisado e, nesse caso, quais seriam os limites.
A resposta, aqui, também é afirmativa. A revisão haverá de observar todos
CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA
173

aqueles limites previstos nos arts. 145, 146 e 149 do CTN – de ordem
temporal e objetiva, conforme análise feita linhas acima – para que possa
se efetivar (os quais refletem, saliente-se, a positivação, em regras jurídicas,
dos princípios da irretroatividade, da proteção da confiança, da boa-fé
objetiva e da moralidade).
Cabe ressaltar, aqui, também, que, mesmo nos casos em que a revisão é
possível, como na verificação de fatos novos, os princípios da moralidade, da
boa-fé objetiva e da proteção da confiança deverão ser observados. Assim, por
exemplo, constatado fato novo que gere o recolhimento de tributo, estando
o contribuinte de boa-fé, poder-se-á cogitar do afastamento das penalidades
porventura incidentes, como medida de proteção de sua confiança.
A proteção da confiança, nesse caso, haverá de produzir efeitos
para o futuro também: tendo o contribuinte pautado a sua conduta fiscal
por aquela que fora confirmada como válida pelo termo de encerramento
(ato homologatório), os seus “não recolhimentos” subsequentes também
não poderão ser penalizados.
O contribuinte de boa-fé que conforma seu comportamento
com base em ato da Administração não pode ser punido por eventual
descumprimento da legislação. Tal seria, além de violador da segurança
jurídica, completamente injusto. A proteção da confiança para o futuro é
a medida de Direito, uma vez que atende à justiça prospectiva.4

3.3 Em arremate: a confiança sistêmica e o lançamento


tributário por homologação
Esses tempos pós-modernos são hipercomplexos. A sociedade
passou por diversas mudanças; tornou-se, entre outros predicados,
extremamente globalizada, ambivalente e marcada pelo risco. A
segurança, nesse contexto, foi elevada a bem essencial, a ponto de
alguns autores propugnarem a sua centralidade em meio aos anseios dos
excluídos. Beck (1999), partidário dessa linha de pensamento, observa
que o apelo dos mais desfavorecidos não é mais “tenho fome”, próprio
da sociedade industrial; a ascensão do risco, vivificada em episódios
como o desastre ambiental de Chernobyl, os recentes derramamentos
de petróleo nos oceanos e atentados como o de 11 de setembro (pelo
qual as torres do World Trade Center, situadas em Nova Iorque, Estados
Unidos, foram postas no chão), fez com que tal clamor transformasse-se
em “tenho medo”. A segurança, é fato, assumiu posição central.

4
DERZI. Justiça prospectiva no imposto sobre a renda, 2006.
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
174 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

O Direito, em tal conjuntura, possui relevantíssimo papel. O sistema


jurídico, conforme Niklas Luhmann (1996), é redutor de complexidade,
pois arrefece, com as previsões dos comportamentos proibidos, quistos
e permitidos, as infinitas possibilidades de acontecimentos próprios do
mundo atual (cuja hipercomplexidade intensifica o fenômeno). Fá-lo, pois,
gerando confiança. Quem confia, antecipa o futuro; e, ao confiar, a partir
dos padrões fixados pelo sistema jurídico, reduz as inúmeras possibilidades
vindouras. Com confiança, assim, a vida se torna mais simples, tendo o
Direito, nesse contexto, destacada tarefa: é um dos importantes meios de
outorga de confiança. Para que cumpra esse papel eficazmente, é necessário
que se proteja a confiança por ele próprio outorgada, pois, em assim não
procedendo, ele passa a deixar, paulatinamente, de gerar confiança e, via
de consequência, minorar complexidade, seu mister fulcral.
Como se viu, a regra do lançamento por homologação é
exemplo de norma jurídica que busca gerar confiança: ao possibilitar a
transferência, para o contribuinte, das atividades de verificação do fato
gerador, identificação da matéria tributável, quantificação do tributo
e o recolhimento deste, estabelece que as autoridades administrativas,
“[...] tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa...” (art. 150, caput, do CTN). Ou seja, por fazer
com que o contribuinte realize ações naturalmente administrativas (isto é,
estatais), determina que o Fisco, caso delas tome conhecimento, e com elas
concorde, as confirme, validando, assim, a conduta adotada pelo devedor
tributário. É, portanto, clara medida de estabilização de expectativas.
A homologação, todavia, nunca é intencionalmente praticada. Sabe-
se que a Administração Tributária simplesmente a ignora; mesmo quando
em face de situações que legitimariam a sua prática, como o encerramento
dos procedimentos fiscalizatórios, ela não é propositalmente perpetrada. Tal
conduta é creditada pela doutrina, a exemplo de Coêlho (2005), ao intento
de manter sempre “em aberto” os períodos passíveis de fiscalização.
Demonstrou-se, na verdade, que os termos que encerram procedimentos
de fiscalização, no que se refere aos fatos geradores inspecionados e não lançados
de ofício, possuem efeitos homologatórios. Isto é: embora as autoridades fiscais
não homologuem a atividade de quantificação e recolhimento tributários de
modo intencional, acabam por fazê-lo implicitamente, ao reduzirem a termo
o término do procedimento fiscalizatório. À aferição do conteúdo dos atos
administrativos, foi visto, interessa o que foi objetivado, não importando as
intenções psíquicas dos respectivos autores.
Reconhecer dita natureza em tais termos é reconhecer a efetividade
do sistema jurídico enquanto instrumento de redução de complexidade.
É percebê-lo, ao modo de Canaris (2008), como um todo ordenado e
CAPÍTULO 3
A HOMOLOGAÇÃO EXPRESSA TACITAMENTE VERIFICADA
175

coerente, que tem, em qualquer resultado de sua aplicação, traços seus


bem definidos. O Direito almeja, nuclearmente, a justiça, que deve ser
entendida de forma tripartida, como igualdade, bem comum e segurança
jurídica.5 Esses ideais, sempre que possível, haverão de estar presentes
em qualquer ato de aplicação do Direito e, quando tal não for factível, ao
menos um deles, o mais adequado àquela situação concreta, conclusão
que advirá de consciente processo de sopesamento.
O trato dado à sistemática do lançamento por homologação, todavia,
não reflete essa necessidade de “adequação valorativa”, para se referir,
novamente, a Canaris (2008). Reflete, lado outro, a desconfiança que
permeia as relações entre contribuintes e Estado desde a época do Brasil
Colonial, em que os tributos eram exemplo da dominação da metrópole
portuguesa. A figura do “santo do pau oco” é emblemática: os religiosos
brasileiros furtavam-se ao pagamento do quinto escondendo o ouro que
encontravam nos interiores das imagens. A desconfiança fiscal está, pois,
arraigada nessas terras, o que não quer dizer que não seja combatível.
Singela medida de reconhecer eficácia homologatória nos termos
que encerram os procedimentos de fiscalização (quanto aos fatos geradores
não lançados de ofício) auxilia em tal tarefa, pois oferece a oportunidade
ao contribuinte de ter a sua conduta fiscal validada e, ao mesmo tempo,
incute maior responsabilidade às autoridades fiscais brasileiras.

5
KAUFMANN. Filosofia do direito, 2007.
CONCLUSÕES

1. O ato administrativo, enquanto expressão da agir estatal em sua


função administrativa, é norma jurídica, mais concreta que a que lhe dá
fundamento, produtora de efeitos em relação aos particulares, bem assim
o processo de sua criação, o ato da autoridade propriamente dito, que
consiste na atividade de interpretação-aplicação do Direito.
2. Estruturalmente, o ato administrativo possui (a) dois elemen-
tos, o conteúdo, que é o ato administrativo propriamente dito, a norma
jurídica que encerra, e a forma, que é o modo pelo qual o conteúdo é
exteriorizado, é dizer, levado ao conhecimento de seus destinatários; e
(b) dois pressupostos, os de existência (objeto e pertinência do ato ao
exercício da função administrativa) e os de validade (sujeito, motivo,
requisitos procedimentais, finalidade, causa e formalização). A intenção
psicológica do agente não compõe o ato; o que lhe interessa é vontade
objetivamente declarada, isto é, aquela exteriorizada com a prática do
ato. Desimporta, portanto, à aferição dos efeitos jurídicos dos atos ad-
ministrativos, verificar-se a vontade psíquica do agente.
3. Dada a hodierna realidade do direito administrativo, (a)
privilegiadora da participação e da consensualidade na execução da
função administrativa, (b) palco de ações administrativas multilaterais
(não restringindo os seus efeitos aos seus naturais destinatários, mas
também atingindo terceiros); (c) ações estas que passam também a
redundar em atos de características gerais e abstratas, tal como as leis,
que, por isso mesmo, geram conflitos ante os variados interesses dos
seus múltiplos destinatários; (d) na qual a tecnização é a tendência,
o que tem mitigado a característica de exercício de poder da função
administrativa, nela revelando uma atividade técnica de gestão; e,
(e) em que se reconheceu (e.1) a normatividade positiva dos direitos
fundamentais dos administrados, hoje sujeitos jurídicos equiparados à
Administração, pois igualmente subordinados ao Direito, bem assim (e.2)
a necessidade da participação destes (cidadãos), para tornar o processo de
tomada de decisões mais legítimo; o ato administrativo, o meio típico da
atuação estatal administrativa unilateral e impositiva, não é atualmente
apropriado: já não é mais a única forma de concretização da atuação da
Administração Pública, tampouco esta se resume aos momentos de sua
prática. Por isso, focar o exame da atuação estatal administrativa também
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
178 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

em figuras como a relação jurídico-administrativa ou o procedimento


administrativo, formas abarcantes da realidade desenhada, mostra-se mais
adequado que fazê-lo exclusivamente com base no ato administrativo,
instituto construído noutro paradigma social e jurídico.
4. E ambas as formas não são excludentes; antes complementares,
quando se concebe o procedimento como o ambiente adequado para que
se desenvolvam as relações jurídicas administrativas. Mesmo não tendo
sido o procedimento, inicialmente, pensado para a defesa dos direitos do
cidadão, a sua evolução demonstrou que nele esse objetivo é plenamente
concretizável, além de possibilitar que o cidadão não só aja em guarda
dos seus direitos, mas também que participe da execução da função
administrativa. E ele não deve ser encarado como substitutivo da relação
jurídica, por supostamente abarcá-la; é importante a percepção da ideia
de relação para o efetivo reconhecimento de equivalência de posições
jurídicas entre administrados e Administração.
5. Considerando-se que a definição legal, quando existente (em
um ou mais dispositivos), vincula intérpretes e aplicadores, e tendo-se
em vista o disposto no arts. 142 a 150 do CTN, por lançamento tributário
deve-se entender: (a) o ato administrativo (a.1) pelo qual as ações insertas
no art. 142 do CTN são efetuadas pela autoridade administrativa, seja
originalmente, seja em razão de anterior inadimplência; e (a.2) aquele
mediante o qual a atividade do contribuinte, quando sob regime do
lançamento por homologação, é homologada; (b) as normas jurídicas de
correntes da prática desse ato; e (c) os procedimentos adotados para a
prática desses atos, que podem envolver (sendo, inclusive, iniciados) os
sujeitos passivos.
6. Reconhecer o lançamento tributário como procedimento, nos
dias de hoje, não é simplesmente admitir que ele também é um conjunto
ordenado de atos (as atividades de apuração e recolhimento do tributo,
predominantemente realizada pelo contribuinte nos dias de hoje,
eventualmente seguidas pela atuação fiscalizatória da Administração
Pública); mas sim, e sobretudo, perceber que Fisco e contribuintes
interagem em uma relação jurídica administrativa, em que ambos se
equivalem enquanto portadores de deveres e de direitos, e não em
submissão, com o Estado figurativamente se sobrepondo ao cidadão. Esta
é a “relação jurídica administrativo-tributária”.
7. São três as hipóteses de lançamento: (a) o ex officio, meio pelo
qual o tributo é exigido originalmente, sem a participação do sujeito
passivo, ou como um sub-rogado das demais modalidades (declaração
e por homologação), caso em que o sujeito passivo, atuando, de alguma
forma descumpriu seus deveres tributários; (b) por declaração, quando
CONCLUSÕES 179

o sujeito passivo verifica a ocorrência do fato gerador da obrigação


tributária, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo
devido, declara essas informações (daí o nome) e aguarda a notificação
do lançamento, procedido pela autoridade administrativa, para efetuar
o pagamento correspondente; e (c) o por homologação, hipótese em que
as atividades de quantificação e posterior recolhimento do tributo são
exclusivamente realizadas pelo sujeito passivo, cabendo ao sujeito ativo,
apenas quando fiscalizar ditas atividades, confirma-las, efetuando a
homologação (lançamento por homologação).
8. As atividades realizadas pelo contribuinte, com o intuito de
“[...] verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,
determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido....”,
eventualmente recolhendo a quantia quantificada (caso haja tributo a pagar;
pode ser que, em relação a tributos, por exemplo, não cumulativos, em
que créditos deles decorrentes são utilizados para “pagá-los”, em relação
a dado fato gerador, não se precise desembolsar dinheiro, sendo suficiente
o creditamento) integram o procedimento de lançamento tributário.
9. O art. 142 do CTN não veda que o procedimento de lançamento
seja também praticado pelo sujeito passivo; a competência privativa nele
estampada é para constituir o crédito tributário pelo lançamento, não para
intervir no procedimento de lançamento. A redação desse dispositivo é
bastante clara, ao afirmar que “[...] compete privativamente à autoridade
administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento...”. O exame
sintático da sentença é um só: o que compete privativamente à autoridade
administrativa é constituir o crédito tributário. E ela faz isso por meio
do lançamento. O art. 150 confirma essa interpretação, pois afirma que
a atividade praticada pelo contribuinte é lançamento por homologação.
10. Tendo em vista que as operações realizadas pelo sujeito passivo
podem redundar na ausência de pagamento do tributo, percebe-se que o
que se homologa é a atividade realizada pelo contribuinte (ou responsável
tributário). Nesses casos, o que são homologadas são as operações do sujeito
passivo. Os atos homologáveis são as obrigações acessórias cumpridas
pelos particulares (que o são com o intuito de permitir, ao Fisco, o controle
de regularidade das atividades do contribuinte) e o recolhimento tributário
que eventualmente façam, seja em “pagamento” (do art. 162 do CTN) ou
não (como se valendo do creditamento nos impostos não cumulativos).
11. O Código Tributário Nacional, ao estatuir a possibilidade de
homologação de atividade do sujeito passivo, não contraria norma alguma.
Exerce, aliás, a sua função constitucional de estabelecer as normas gerais
relativas a lançamento (art. 146 da Constituição). Não há qualquer vedação
de ordem jurídica que o proíba de estabelecer um conceito particular de
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
180 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

homologação. Se ele não o fez totalmente, como de fato ocorreu, deve-se


conjugar a acepção vigente com os traços explicitamente fixados, de modo
que se entenda no ato homologado, atos praticados por particulares.
Somente assim é possível emprestar eficácia ao art. 150 do CTN.
12. O lançamento tributário como ato de homologação nada se
difere do lançamento tributário como ato de exigência, pois, sob o ponto
de vista de seus conteúdos, ambos são idênticos. Da mesma maneira em
que, para exigir o tributo, a autoridade administrativa deve “[...] verificar
a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o
sujeito passivo...”, para homologar a atividade realizada pelo contribuinte,
ela deve fazer exatamente o mesmo, uma vez que a homologação,
semanticamente, pressupõe a comparação (quem homologa, compara
o ato homologável com aquele que deveria ser praticado; somente se
ambos se identificam é que a homologação – a chancela, a confirmação
– é dada). Noutras palavras, para homologar, o agente fiscal “pratica”
internamente o ato de exigência (um lançamento de ofício materialmente
considerado, verificando fato gerador, identificando matéria tributária,
calculando tributo e apontando o sujeito passivo) para depois contrapô-lo
à atividade do contribuinte, devendo homologar se houver identidade, e
lançar diferenças se esta não for visualizada.
13. O procedimento de lançamento por homologação, iniciado
pelo sujeito passivo a partir da verificação da ocorrência do fato gerador,
encerra-se por três diferentes situações: as duas primeiras delas, quando
o sujeito passivo sofre a atividade fiscalizatória estatal, casos em que, ou
a autoridade verifica irregularidades e efetua o lançamento de ofício, ou
manifesta sua concordância com a atividade do contribuinte por meio
da prática do lançamento por homologação (o ato de homologação); já a
segunda, pelo decurso do prazo de cinco anos contados do fato gerador
(art. 150, §4º, do CTN), hipótese em que se consuma a decadência do direito
da Fazenda de lançar (hipótese de silêncio administrativo).
14. O silêncio administrativo, nome dado às situações em que o
administrador, tendo a obrigação de agir, mantém-se inerte, nada manifestando,
não é ato administrativo, eis que não encerra a atuação da Administração. Por
isso, em regra, não produz efeitos jurídicos. Pode acontecer, todavia, de a
lei lhe conferir dita aptidão, caso no qual consubstanciará o que a doutrina
denomina de fato jurídico. Distinguem-se, todavia, dos atos implícitos, que
ocorrem quando a Administração Pública, embora não pratique determinado
ato, manifesta-o, inequivocamente, pelo desempenho de outro.
15. O ato homologatório (lançamento por homologação) goza de
dupla eficácia: (a) declarativa, eis que atesta a existência da obrigação
CONCLUSÕES 181

tributária e de sua adimplência; e (b) preclusiva, pois, uma vez realizado


(o ato de homologação), algumas das características da situação jurídica
declarada se desprendem da situação anterior, tornando-se impassíveis
de serem modificadas pela Administração Tributária.
16. O ato administrativo terá determinado aspecto vinculado
quando, da atividade de interpretação e de aplicação do Direito, que
leva em consideração o ordenamento jurídico em sua inteireza (como
um todo coerente e ordenado), bem assim as circunstâncias fáticas de
aplicação, chegar-se a um só melhor comportamento; será o aspecto
discricionário, lado outro, quando, da mesma atividade, obter-se mais de
um melhor comportamento, que, comparados, signifiquem indiferentes
jurídicos. A prática do ato homologatório é vinculada, o que quer dizer
que a autoridade administrativa, quando se defrontar com a atividade
regular do sujeito passivo no curso de um procedimento de lançamento
por homologação, haverá de homologá-la.
17. Estruturalmente, o ato de homologação, (a) quanto aos seus
elementos, possui como conteúdo a homologação propriamente dita e
como forma mais adequada à escrita, embora caiba à lei de cada pessoa
política tributante fixá-la; (b) quanto aos pressupostos de existência, tem,
como o objeto, a atividade do sujeito passivo, que é homologada pela
autoridade administrativa, e sua pertinência está em que a homologação
é resultado da atividade de controle de regularidade dos atos praticados
pelo sujeito passivo; e (c) quanto aos pressupostos de validade, o
sujeito é a autoridade administrativa; o motivo é o encerramento da
fiscalização, pela autoridade administrativa, com a conclusão de que não
há irregularidades na atividade adotada pelo sujeito passivo; os requisitos
procedimentais são a realização das operações de quantificação pelo
sujeito passivo e a própria fiscalização pelo Poder Público; a finalidade
é a estabilização das expectativas normativas do sujeito passivo, que
aguarda a confirmação da regularidade de suas ações, a causa está em
que a homologação decorre logicamente da finalização de fiscalização
em que irregularidades não são verificadas e o formalístico advirá da lei
do ente político. A motivação, por sua vez, é o esclarecimento de que o
ato foi praticado em virtude da análise, pela Administração Tributária,
da atividade de quantificação de tributo realizado pelo contribuinte.
18. Como lançamento, o ato de homologação somente é alterável
dentro das bitolas postas pelo Código Tributário Nacional, que estão
arroladas nos arts. 145, 146 e 149 desse diploma. Centrando-se na revisão
ex officio da Administração Tributária, pois não há interesse do sujeito
passivo em recorrer do ato homologatório, esta se sujeita a limite de
ordem temporal, é dizer, somente pode ser exercida dentro dos cinco anos
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
182 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

posteriores aos fatos geradores respectivos; e a limites objetivos: o ato


homologatório não poderá ser revisado com base em erro de direito, ou
com base em fato passível de conhecimento ou comprovação quando de
sua prática. Ademais, em todos os casos possíveis de revisão, os princípios
da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, antes
apenas refletidos nas regras específicas (arts. 146 e 149 do CTN), terão
eficácia direta, de modo a proteger os sujeitos passivos de boa-fé.
19. Partindo-se de Kaufmann, pode-se entender a justiça numa
concepção lata, equivalente à própria ideia de direito, composta por
três diferentes vertentes, que não seriam antinômicas entre si, mas
representantes de um “conflito da justiça consigo mesma”, na medida
em que representam tendências normativas em constante necessidade de
conciliação: a “igualdade”, que seria a justiça estritamente considerada,
a “adequação”, ou, para outros, a justiça social ou do bem comum, e a
“segurança jurídica”, também tida por a paz jurídica;
20. A segurança jurídica, vista sob o paradigma do Estado
Democrático de Direito, no atual contexto social, que é complexo,
multiforme, instável e conflitual, é ressignificada pelo reconhecimento
da necessidade de se proteger a confiança (a qual, viu-se com Luhmann e
Derzi, é essencial para a vida e para o sistema jurídico), passando a trazer,
em seu interior, (a) a possibilidade de conhecer o direito mesmo antes de
sua materialização; (b) a confiabilidade na aplicação fiel do ordenamento;
(c) a confiabilidade na permanência ou na continuidade das relações
jurídicas, e (d) a possibilidade de saber o direito na sua aplicação (ter como
conhecer, objetivamente, o conteúdo das normas jurídicas aplicadas).
21. Como princípio, a segurança jurídica é norma jurídica detentora
de dupla eficácia, posto que é (a) dotada de eficácia normativa direta, hábil
a produzir, por si própria, efeitos jurídicos concretos; e (b) influencia a
interpretação de outras normas, conformando-as semântica, axiológica
e finalisticamente. Se não é diretamente aplicável, portanto, caso em que
uma norma mais específica se afigura incidente, o princípio da segurança
jurídica intervém na aplicação da norma mais específica, de modo a
evitar que os resultados da atividade aplicativa destoem do seu conteúdo
normativo (do princípio da segurança jurídica). Da segurança jurídica,
outros subprincípios são retirados.
22. A irretroatividade, que goza de dupla dimensão normativa.
É normalmente concebida como irretroatividade das leis, caso em que
determina que lei nova não poderá atingir fatos jurídicos verificados
em momento anterior à sua vigência. Nessa hipótese, pela precisão com
que impõe seus efeitos, aproxima-se do conceito de regra. É, também,
no entanto, princípio jurídico, cujo conteúdo normativo é preenchido
CONCLUSÕES 183

pelos ideais de previsibilidade, de estabilidade e de cognoscibilidade


normativas. A uma primeira vista, a sua aplicação é desnecessária aos
atos administrativos, pois, se, de um lado, já não podem retroagir, eis
que estritamente vinculados às leis que já não retroagem, de outro,
voltam-se, em regra, para o passado: para a lei, que está no passado, e
para os casos concretos, que também aí estão. A irretroatividade exsurge
aplicável, todavia, em casos de mudanças administrativas significadoras do
adensamento das obrigações dos cidadãos e da restrição de direitos seus,
situação em que, juntamente com outros princípios, como o da proteção
da confiança e da boa-fé objetiva, vedará a retroação de entendimentos
administrativos desfavorecedores.
23. A legalidade administrativa, vista em uma tríplice dimensão
normativa: como regra, obrigando à Administração agir estritamente
segundo manda a lei, como princípio, que determina comportamentos
pautados pela previsibilidade, e como postulado, que impõe a
conformidade da atuação administrativa com todo o ordenamento
jurídico. Da legalidade, advém duas importantes características dos atos
administrativos: a prática em uma relação jurídica de administração e a
intenção de concretizar o interesse público. É perpetrado em uma relação
de administração, pois visa concretizar interesses que não são próprios do
agente, mas sim, de terceiros, os administrados. E tais interesses são os
anseios públicos, que são aqueles resultantes do conjunto de interesses que
os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade
de membros da sociedade e pelo simples fato de o serem.
24. O principio da boa administração, diante da subordinação da
atividade administrativa a todo o ordenamento jurídico e da finalidade e
modo de sua atuação (interesse público e relação de administração), impõe
o melhor comportamento do administrador público e não meramente
qualquer comportamento. Essa exigência se reforça pela necessária aplicação
do postulado da proporcionalidade à atuação estatal administrativa,
infligindo o administrador, por seus três aspectos (adequação, necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito), a praticar atos que, a um só tempo,
lesem menos direitos e concretizem o maior número deles.
25. Os princípios da proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da
moralidade, que compõem, para alguns, a face subjetiva da segurança
jurídica, e que gozam de dupla eficácia normativa: (a) direta, impondo ao
Poder Público, (a.1) observados os requisitos e a depender da situação,
a preservação de situações jurídicas, a formação de outras e, ainda, o
pagamento de indenizações; e (a.2) deveres de proteção, cooperação,
lealdade, colaboração e informação para com os cidadãos; e (b) mediata
ou indireta, intervindo na interpretação e na aplicação de outras normas,
MARCO TÚLIO FERNANDES IBRAIM
184 SEGURANÇA JURÍDICA E LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO POR HOMOLOGAÇÃO

conformando-as a partir de seus ideais de estabilidade, de confiabilidade,


de lealdade, de previsibilidade e de mensurabilidade.
26. Não há uma antinomia in abstratctu e per definitionem entre a
legalidade e os princípios da proteção da confiança, da boa-fé objetiva
e da moralidade. Todos os comandos são componentes do princípio
maior da segurança jurídica, visando, por essa razão, com a produção de
seus respectivos efeitos, concretizá-lo. A ratio essendi de todos, por isso,
é exatamente a mesma: a obtenção de um estado de segurança jurídica.
Entender, portanto, pela preservação de um ato claramente desconforme
com a lei, eis que determinado particular confiou, legitimamente, em
sua continuidade, não é medida contrária ao Direito (por ser contrária
à legalidade, vista estritamente), mas sim, que o reverencia, eis que
direcionada a concretizar a segurança jurídica.
27. No que se refere à ponderação da supremacia do interesse
público com os princípios da proteção da confiança, da boa-fé objetiva
e da moralidade, deve-se observar que (a) não há, a priori, supremacia
do interesse público sobre o privado, mas sim, constante necessidade de
ponderação. Em toda hipótese concreta, somente após o sopesamento
dos interesses envolvidos, pelo postulado da proporcionalidade, é que
se chegará ao prevalecente; e (b) a tutela das expectativas legítimas dos
particulares em relação à atuação (positiva ou negativa) da Administração
não consiste em mera proteção de interesses privados. A estabilização das
expectativas normativas é interesse de qualquer particular como cidadão
(interesse público, portanto), mormente se se considerar, como Luhmann,
que a “saúde” do sistema jurídico (indubitável interesse público) depende
do resguardo da confiança por ele gerada.
28. Ao término do procedimento fiscalizatório (perpetrado em
sede de tributo sujeito a lançamento por homologação), levadas em
conta todas as normas jurídicas aplicáveis, bem assim as circunstâncias
fáticas, duas são as condutas possíveis da Administração Tributária
(que representam o melhor comportamento), que são excludentes
entre si: se entender pela regularidade da atividade de quantificação
de tributos realizada pelo sujeito passivo, deverá homologá-la; se
entender pela irregularidade, haverá de lançar de ofício. Não há
terceira alternativa. Assim, se a autoridade administrativa não lançou
oficiosamente, é porque homologou. O ato administrativo, pois, que
encerra procedimento de fiscalização sem apontar irregularidades, é
inequivocamente ato homologatório.
29. Sob o ponto de vista da estrutura do ato administrativo, o ato
de homologação expressa e o ato de encerramento de procedimento
fiscalizatório são, senão iguais, muito similares, pois: (a) quanto aos seus
CONCLUSÕES 185

elementos, ambos possuem como conteúdo a homologação propriamente


dita e como forma mais adequada a escrita, embora caiba à lei de cada
pessoa política tributante fixá-la; (b) quanto aos pressupostos de existência,
os dois atos também têm, como o objeto, a atividade do sujeito passivo,
que é homologada pela autoridade administrativa, e sua a pertinência
está em que a homologação é resultado da atividade de fiscalização dos
atos praticados pelo sujeito passivo; e (c) quanto aos pressupostos de
validade, nos dois casos, o sujeito é a autoridade administrativa; o motivo
é o encerramento da fiscalização, pela autoridade administrativa, com a
conclusão de que não há irregularidades na atividade adotada pelo sujeito
passivo; os requisitos procedimentais são a realização das operações de
quantificação pelo sujeito passivo e a própria fiscalização pelo Poder Público;
a finalidade é a estabilização das expectativas normativas do sujeito passivo,
que aguarda a confirmação da regularidade de suas ações, a causa está em
que a homologação decorre logicamente da finalização de fiscalização em
que irregularidades não são verificadas e o formalístico advirá da lei do
ente político. A motivação, por sua vez, é o esclarecimento de que o ato foi
praticado em virtude da análise, pela Administração Tributária, da atividade
de quantificação de tributo realizado pelo contribuinte.
30. Quando se reconhece, que, com o fato gerador, surge uma
relação jurídica administrativo-tributária entre Fisco e contribuinte,
em que ambos são titulares de direitos e deveres (que são ditados pelo
ordenamento como um todo, não se restringindo ao conceito legal de
obrigação tributaria, unilateral nesse sentido), fica ainda mais evidente
a atitude antijurídica perpetrada pela Administração (pois não só
contrária à lei, mas também a toda ordem legal): enquanto o sujeito
passivo faz a sua parte, cumprindo com seus deveres acessórios e
principais, aquela se omite em também fazê-lo, por mera conveniência,
ininvocável no caso (o ato é vinculado).
31. O termo de encerramento, considerado como ato homologatório,
é revisável nos termos do CTN. Como lançamento tributário que é,
está sujeito à revisão ex officio da Administração, bem assim aos limites
impostos a esta, que são a positivação, em regras jurídicas, dos princípios
da irretroatividade, da proteção da confiança, da boa-fé objetiva e da
moralidade administrativa. Assim é que, por exemplo, revisão fundada
em fato novo (possível), de que resulte lançamento de ofício, haverá de
ter seus efeitos mitigados, de forma que o sujeito passivo de boa-fé não
seja penalizado pela inadimplência. Além disso, também como meio de
proteção da confiança manifestada pelo contribuinte, as inadimplências
subsequentes (em adoção de procedimento já homologado pelo Fisco)
também deverão ter as penalidades incidentes afastadas.
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Esta obra foi composta em fonte Palatino Linotype,


corpo 10 e impressa em papel Offset 75g (miolo)
e Supremo 250g (capa) pela Gráfica e
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