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Carlos Biasotti

A Linguagem do Advogado
(Compilação de Textos sobre a
Arte de bem Falar e Escrever)

2021
São Paulo, Brasil
O Autor

Carlos Biasotti foi advogado criminalista, presidente da


Acrimesp (Associação dos Advogados Criminalistas do Estado
de São Paulo) e membro efetivo de diversas entidades (OAB,
AASP, IASP, ADESG, UBE, IBCCrim, Sociedade Brasileira de
Criminologia, Associação Americana de Juristas, Academia
Brasileira de Direito Criminal, Academia Brasileira de Arte,
Cultura e História, etc.).

Premiado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, no


concurso O Melhor Arrazoado Forense, realizado em 1982, é autor
de Lições Práticas de Processo Penal, O Crime da Pedra, Tributo aos
Advogados Criminalistas, Advocacia Criminal (Teoria e Prática), além
de numerosos artigos jurídicos publicados em jornais e revistas.

Juiz do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo


(nomeado pelo critério do quinto constitucional, classe dos
advogados), desde 30.8.1996, foi promovido, por merecimento, em
14.4.2004, ao cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça.

Condecorações e títulos honorícos: Colar do Mérito


Judiciário (instituído e conferido pelo Poder Judiciário do Estado
de São Paulo); medalha cívica da Ordem dos Nobres Cavaleiros de
São Paulo; medalha cultural “ Brasil 500 anos”; medalha “ Prof. Dr.
Antonio Chaves”, etc.
A Linguagem do Advogado
Carlos Biasotti

A Linguagem do Advogado
(Compilação de Textos sobre a
Arte de bem Falar e Escrever)

2021
São Paulo, Brasil
Índice

1. Preâmbulo.................................................................................11

2. A Linguagem do Advogado......................................................13

3. Advogado: Atributos Primários.................................................21

4. O Advogado e a Defesa Oral nos Tribunais.............................27

5. O Advogado e a Arte de Persuadir............................................43

6. Sustentação Oral nos Tribunais................................................47

7. Coletânea de Exórdios..............................................................55

8. A Oratória Forense e a Tribuna do Júri...................................61

9. A Cultura dos Senhores Advogados..........................................83

10. Palavra: Veículo do Pensamento...............................................89

11. A Linguagem do Juiz................................................................93

12. Carta para Migalhas..................................................................99


10

13. Coisas Inúteis..........................................................................105

14. Fraseologia Latina...................................................................115

15. Do Livro Advocacia Criminal: Teoria e Prática (Prefácios).......131

16. Napoleão Mendes de Almeida, Questões Vernáculas.................145

17. Napoleão Mendes de Almeida, Palavra, Arma do Advogado....167

18. Theotonio Negrão, A Linguagem do Advogado........................197

19. José Carlos Barbosa Moreira, A Ação Civil Pública e a


Língua Portuguesa.....................................................................215

20. Miguel Reale, Variações sobre a Linguagem...............................225

21. Eliézer Rosa, Gramática ou Direito?.........................................231

22. Palavra: Pensamentos e Conceitos.........................................235


1. Preâmbulo

No geral consenso dos doutos, é a palavra o


importantíssimo entre todos os meios ou instrumentos que
servem ao nobre ofício do advogado.
Em abono desta verdade – clara como o olho do Sol
– era fácil invocar a lição de autores que trataram “ex
professo” a matéria.
Lembrou-me, por isso, reunir alguns desses escritos,
assim da minha própria messe (bem mesquinha, por certo)
como do repositório dos cabedais literários de notáveis
juristas, pois não haveria escusas para a grave perda que
importava aos jovens advogados a privação da leitura de
textos de boa doutrina e abalizado magistério, entranhados
nas páginas de vetustos periódicos e revistas em que vieram
a público, maltratados já pela pátina e voracidade do tempo.
Nenhuma inteligência esclarecida, com efeito, poderá
dar de mão a conselhos e ensinamentos de mestres do tope
de Napoleão Mendes de Almeida, Theotonio Negrão, José
Carlos Barbosa Moreira e Miguel Reale.
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Nessa persuasão, e advertindo na clássica metáfora da


abelha(*) – que extrai a diversas flores a matéria-prima do
mel com que irá satisfazer infinitos paladares –, compilei,
de par com os meus, trabalhos avulsos alheios, em cuja
posse direta entrarão desde logo os advogados desejosos de
acrescentar seu pecúlio de saber especializado.
Será também uma forma de render justo preito de
homenagem e gratidão àqueles vultos beneméritos que, de
velha data, puseram timbre em mostrar aos que optaram
pelas carreiras jurídicas os percalços da estrada real do
Fórum e as belezas perenes do Direito.
Os frutos de minha seara (insípidos talvez) deposito-os
a seus pés, bondoso e gentil leitor; mas os que provieram
de outras estâncias e fontes, esses, rogo-lhe do coração,
receba-os de boa sombra e alma agradecida, por amor dos
inestimáveis tesouros de arte e sabedoria que encerram.
Meu fraterno abraço.
O Autor

(*) Sêneca, Epístola nº 84.


2. A Linguagem do Advogado

I - Como “a palavra é por excelência a arma do advogado”(1),


só quem souber manejá-la com propriedade e segurança
conquistará triunfos profissionais invejáveis. O que aspira
aos primeiros lugares da Advocacia deverá, portanto, ou fale
ou escreva, ostentar suas credenciais de cultor das boas
letras.
Ainda que dele se não exijam os mesmos atributos por
que se distinguem e recomendam à pública admiração os
escritores de muito nome (v.g.: torneio clássico da frase,
dicção peregrina e elegante, galas de estilo, etc.), nunca se
dispensará, porém, o advogado da estrita observância dos
requisitos a que se obriga todo aquele que, em razão do
ofício, tenha de enunciar pontualmente seu pensamento:
clareza e correção(2). Nenhuma qualidade se avantaja à
clareza. Dada ao homem para comunicar suas ideias, a
palavra somente alcançará seu fim se clara e inteligível(3).
Pelo que, falha no intuito de expressar-se quem,
por deficiência verbal, não é pronta e cabalmente
compreendido; mas falha gravemente se é advogado, visto
que em seu brasão profissional o campo maior compete por
direito de preferência à arte de persuadir.
Só o argumento que facilmente se percebe é poderoso
a influir no ânimo de terceiro e movê-lo ao talante do
expositor. À disciplina do pensamento há de corresponder,
pelo conseguinte, expressão verbal precisa e livre de tudo o
que o possa tornar obscuro e impenetrável.
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A precisão do termo, intimamente associada ao


conceito de clareza, impõe que ao rigor do raciocínio lógico
suceda representação oral e escrita por palavras que lhe
evidenciem o vero sentido e lhe sejam acomodadas.

II - Da mesma sorte que os outros profissionais, têm os


advogados seu falar próprio: a linguagem forense.
Vocábulos e expressões técnicas do direito, constitutivos
da fraseologia jurídica, haverá de conhecê-los bem o
advogado e empregá-los com severa propriedade. A
primeira providência, pois, de quem deseja adquirir o estilo
do foro é ler os bons textos legais e as obras jurídicas
estimáveis pela castiça locução vernácula portuguesa(4).
A essa mui particular feição de escrever, em que à
ordem lógica dos conceitos corresponda fiel e perfeita
representação gráfica e artística, chamou-lhe Jhering
“elegantia juris”(5).
A expressão clara do pensamento não se mostra
incompatível com o bom gosto literário, antes o aconselha e
encarece. Nenhum espírito culto se recusará, em verdade, a
aplaudir consigo o esforço daquele que imprimiu no seu
escrever o selo da arte e da estética. A duvidar alguém, é
ler uma página de Rui, Castilho ou Herculano, e logo se
convencerá de que a glória literária não lhes cingiu a fronte
a esses eminentes escritores, senão após aturada e constante
dedicação à arte da linguagem.
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III - O método mais seguro e eficaz para adiantar-se


alguém nos segredos de sua língua é conversar
assiduamente os autores que melhor a possuíram: os
clássicos(6). Detendo-se na leitura criteriosa de suas obras,
não será maravilha se lhes vier a adquirir, com o andar do
tempo, as excelências da forma e a riqueza do estilo. Tal
prodígio será simples corolário do processo de assimilação.
Não se cuide fora isto desairoso, por implicar, em certo
modo, imitação de outrem. De todo o ponto inatendível é
semelhante objeção. Primeiro, porque a presunção da
originalidade cede àquele dito profundo e solene do mais
sábio dos homens: Não há nada de novo debaixo do Sol(7)!
Tudo o que hoje dizemos, já o disseram os antigos, e não
raro com mais arte e propriedade. Além disso, a imitação
do autor clássico dará a conhecer ao leitor curioso,
enquanto não alcance o seu próprio estilo, as maneiras mais
expressivas de dizer, os meneios sintáticos mais apurados e
as construções que melhor se conformem ao gênio da
língua. Tanto que o alcance, porém, libertar-se-á do
arquétipo literário. De fato, como observou preclaro
escritor, “saber imitar é aprender a não imitar mais, porque é
habituarmo-nos a reconhecer a imitação e a passar sem ela,
quando já não for precisa”(8).

IV - Os mais crassos defeitos que podem aviltar a pena do


escritor são os erros gramaticais inescusáveis.
“Não há escritor sem erros”, proclamou o exímio Rui(9),
aludindo certamente não aos erros toleráveis e invencíveis,
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mas àqueles que afrontam os cânones elementares de


gramática. Esses não conhecem absolvição. Identificam-se
pela denominação de solecismos, e são infrações gravíssimas
das leis do bem escrever. No evitá-los deve o advogado pôr
toda a sua diligência e tento(10).
É a notar que as petições, sobre constituírem o
assento material de uma pretensão levada a Juízo, valem
como carta de crédito intelectual de quem as elaborou. Por
elas também se homenageia o juiz a quem se destinam. E
não entra em dúvida que nenhum motivo de lisonja
deparará ao magistrado, que a tiver de despachar, uma
petição pejada de erros de português.
Aos lidadores da palavra – os advogados sobretudo
– lembre-lhes sempre esta advertência do venerando
Bluteau: “Indício quase sempre certíssimo de não saber um
homem uma língua é o desprezá-la, porque ninguém despreza o
que sabe”(11).

Notas

(1) Nereu Corrêa, A Palavra, 1972, p. 22.


(2) Donde a exortação de J. Soares de Melo: “O advogado
deve escrever de forma elegante, precisa e clara. Falar com
exatidão” (Perfis Acadêmicos, 1957, p. 97).
(3) Exemplo das consequências, verdadeiramente
funestas do estilo travado e obscuro, traz este
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despacho lançado em confusa petição: “Indefiro, até


onde entendi”.
(4) Será bem que o advogado leia, por acrescentar
os cabedais de sua linguagem forense, as obras
que ao propósito escreveu Eliasar Rosa, eminente
conhecedor assim de nosso idioma pátrio como do
Direito: Os Erros mais Comuns nas Petições, Glossário
Forense, Dicionário de Conceitos para o Advogado, etc;
Ainda: procure ter sempre à mão uma boa gramática
(a do provecto Napoleão Mendes de Almeida,
por exemplo), os dicionários de Caldas Aulete e
Laudelino Freire ou do Aurélio, e alguns livros sobre
questões de linguagem como: Tréplica, de Ernesto
Carneiro Ribeiro; Estudos da Língua Portuguesa, de
Mário Barreto; Língua Vernácula, de José de Sá
Nunes, etc. Tocantemente a leituras, vem a pelo este
alvitre de um sábio: “Ler sem anotar pouco adianta; ler,
sem um bom dicionário ao lado, é perda considerável de
tempo. É que a leitura se faz, palavra por palavra”
(Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 2a. ed., p. 71).
(5) Cf. Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem
Forense, 1980, p. 222.
(6) Do vasto rol de autores que passam por modelos
acabados da boa linguagem podemos citar esta meia
dúzia: Rui Barbosa, “o maior dentre os nossos escritores”
(José Rizzo, Estudos da Língua Portuguesa, 1922, p.
207). Obras: Parecer sobre a Redação do Código Civil,
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Réplica, Oração aos Moços (“a peça mais trabalhada da


língua portuguesa” – cf. Nereu Corrêa, op. cit., p. 42),
etc.; Antônio Vieira, “o clássico mais autorizado da
língua portuguesa” (Francisco José Freire, Reflexões
sobre a Língua Portuguesa, 1842, 1a. parte, p. 10).
Obras: Sermões, História do Futuro, Cartas, etc.;
Manuel Bernardes, “o mais suave e delicioso clássico
português!” (Silveira Bueno, História da Literatura
Luso-Brasileira, 1965, p. 54). Obras: Nova Floresta,
Luz e Calor, Últimos Fins do Homem, etc; Alexandre
Herculano: “A sua palavra é um relâmpago: deslumbra,
fulmina” (Alves Mendes, Discursos, 1879, p. 127).
Obras: Lendas e Narrativas, Eurico, Opúsculos, etc;
Camilo Castelo Branco, “o mais opulento dos clássicos
portugueses” (Castilho, in As Sabichonas, 1872, trad.).
Obras: Amor de Perdição, Boêmia do Espírito, A Queda
dum Anjo, etc; Machado de Assis: “Originalíssimo na
invenção, timbrava outrossim na correção da linguagem”
(Fausto Barreto e Carlos de Laet, Antologia Nacional,
41a. ed., p. 95). Obras: Memórias Póstumas de Brás
Cubas, Memorial de Aires, D. Casmurro, etc.
(7) Eclesiastes, cap. I, v. 10.
(8) Antônio Albalat, A Arte de Escrever, 9a. ed., p. 40;
trad. Cândido de Figueiredo.
(9) Réplica, nº 10. Isto sentia bem Tobias Barreto,
quando disse: “Há três cousas neste mundo que o homem
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não pode ter completamente puras: a consciência, a boca e a


gramática” (Obras Completas, 1926, vol. II, p. 173).
(10) Breve exemplário de solecismos hediondos:
a) “Fazem” 81 dias que o réu está preso (por faz);
b) “Haviam” muitas pessoas no local (por havia);
c) O irmão “interviu” na briga (por interveio);
d) Os policiais “deteram” o réu (por detiveram);
e) O juiz “penalizou” com rigor o acusado (por apenou,
puniu, castigou, etc.);
f) “Interim” (ínterim), “ávaro” (avaro), “púdico” (pudico),
“gratuíto” (gratuito) e aquele que tem sido o mais
frequente dos solecismos de prosódia (ou pronúncia):
“récorde”, em vez de recorde. Sinônimo de proeza,
façanha, marca, etc., recorde é a forma aportuguesada
de “record”. Sua pronúncia: recorde (ó), a despeito do
intolerável sestro de alguns locutores, que persistem,
obdurados, na cacologia “récorde”. Não era caso de se
lhes remeter um memorando fonético?! Estamos que
sim!
(11) Prosas Portuguesas, 1726, 2a. parte, p. 189.
3. Advogado: Atributos Primários

1. Duas coisas, ao aviso de graves autores, deve possuir o


advogado, para que verdadeiramente o seja: bom-senso e bom
texto. Bom-senso, porque nisto mesmo consiste o Direito,
de que será sempre indefesso paladino; bom texto, porque
de sua expressão verbal e literária penderá a sorte dos
pleitos cujo patrocínio lhe tenha sido confiado.
É a própria dignidade de seu claro ofício a que
pressupõe este notável predicado, que antes parece virtude
que aptidão do espírito: o siso. Mesmo que não se tenha na
conta de jurisprudente, o homem do Direito será prudente
por força(1).
Noutros profissionais talvez se pudesse tolerar a falta de
prudência no dizer e no obrar; nunca porém no advogado,
que no desempenho de seu augusto ministério toma as
vezes de conselheiro.
Poucos resultados, de fato, serão mais dignos de
lástima do que aqueles a que der causa sua irreflexão ou
desequilíbrio. Quer fale, quer escreva, o advogado haverá
de mostrar-se em tudo varão de reto juízo e bom acordo.
Provas serão estas de que o advogado se guiou pelas
regras da prudência: entre duas alternativas, escolheu a que
se lhe afigurava melhor ou menos gravosa para o cliente;
não relegou para o último dia do prazo fatal e peremptório
a prática de ato que lhe incumbia; não fiou de outrem a
guarda de autos de processo que lhe foram entregues
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mediante carga em livro próprio; recusou-se a orientar


testemunhas que depusessem contra a verdade real e sabida;
em face das injúrias e da incontinência de linguagem do
adversário, conservou a serenidade de ânimo e repeliu com
argumentos de razão e polidamente as invectivas que
recebeu(2), etc.
Em pontos de bom-senso, como em tudo o mais na
vida, importa atender àquela “primeira máxima de toda
a razão de estado, assim da providência divina, como da
providência humana, que é saber concordar estes dois extremos:
conseguir o intento e evitar o perigo” (Vieira, Sermões, 1959,
t. I, p. 329).

2. Outra característica da formação profissional do


advogado respeita à ciência da linguagem vernácula e da
linguagem do foro. Espadachim da palavra, ao advogado
cumpre cultivá-la com esmero, fidelidade e constância.
Todo o seu arrazoado há de encerrar bom texto (que não
contravenha às regras rudimentares da composição literária,
mas se ajuste aos moldes da gramática e revele galas e
primores de estilo). Sobretudo os princípios básicos da arte
de escrever não pode ignorá-los o advogado, e entre esses a
correção. É intolerável se transforme sua petição em corpo
de delito de infrações graves perpetradas contra as leis
gramaticais(3). A leitura (o estudo, fora melhor dito) dos
manuais que ensinam a bem escrever, e a conversação dos
autores que granjearam nomeada como padrões do dizer
vernáculo(4), aliadas à vontade férrea de possuir em grau
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assinalado sua língua, satisfarão a essa dificuldade. Tudo


vence o trabalho perseverante, já o afirmara quem pôde
prová-lo(5).
Particular da profissão que abraçou, o advogado há de
conhecer e praticar a linguagem forense, empregando-lhe
os termos próprios. O frasear jurídico e o estilo do foro
obtêm-se com a lição dos mestres; daqueles que se
abalizaram igualmente na ciência do Direito que nos
segredos de sua língua(6).
Só o advogado que não subestimou as prendas da
linguagem e do saber jurídico pode-se afirmar que foi cabal
em seu ofício, convindo-lhe pois o famoso conceito de
Catão: “Vir bonus, dicendi peritus”. Homem de bem, perito
na arte de dizer!

Notas

(1) “A prudência compõe-se de ciência e de experiência,


encaminha para o bem e previne o mal, e na milícia é
mais necessária que a força” (J. I. Roquete, Dicionário
dos Sinônimos da Língua Portuguesa).
(2) A altercação que, no debate da causa, substitui pelos
convícios a veemência da linguagem, não se concilia
com os preceitos da urbanidade, a que nos havemos
de sujeitar os advogados, se não por amor da
convivência em sociedade, ao menos para não expor à
fortuna vária o resultado que do pleito justamente
esperamos. “Moderação e urbanidade na expressão, eis o
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melhor meio de convencer; não há outro que seja tão


eficaz”, pontificou o egrégio Machado de Assis (Obras
Completas, vol. VI, p. 149). E Ângelo Majorana: “Tu
gritas? Logo, não tens razão!” (As Formas Práticas da
Eloquência, 1945, p. 209; trad. Fernando de Miranda).
(3) Livros que servem de guia seguro em questões de
linguagem há-os em barda. Ao leitor benévolo não
é preciso que lhe refiramos senão os mais bem
reputados: Mário Barreto (Estudos da Língua
Portuguesa, Novos Estudos da Língua Portuguesa, De
Gramática e de Linguagem, Últimos Estudos, etc.); José
de Sá Nunes (Língua Vernácula, Aprendei a Língua
Nacional, etc.); Cândido de Figueiredo (Problemas de
Linguagem, Lições Práticas da Língua Portuguesa, O que
se não deve dizer, etc.); Ernesto Carneiro Ribeiro
(Serões Gramaticais, Ligeiras Observações, Tréplica, etc);
Napoleão Mendes de Almeida (Gramática Metódica da
Língua Portuguesa, Dicionário de Questões Vernáculas,
etc.); Pedro Adrião (Tradições Clássicas da Língua
Portuguesa).
(4) Por frequentes quanto errôneas, devem evitar-se
estas construções ou grafias: a) “Penalizar” o réu (no
sentido de apenar, impor pena a, etc.). Penalizar quer
dizer causar pena, dor ou aflição a (cf. Caldas Aulete,
Dicionário); b) “Haviam” (por havia) indícios
veementes da autoria criminosa. Haver, com o
significado de existir, não se flexiona. “Houveram”
coisas terríveis – “Este solecismo é realmente feio, é
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quase bestial” (Camilo, in Polêmica de Carlos de Laet e


Camilo Castelo Branco, 1966, p. 49). Outro tanto
com referência ao verbo fazer, na acepção de tempo
decorrido: Faz (e não “fazem”) 90 dias que o réu está
preso; c) Vossa Excelência “fostes” injusto com o réu.
Corrija-se: (…) foi injusto. Os pronomes de
tratamento obrigam o verbo à terceira pessoa; d)
Quero muito falar “consigo”. Falar contigo (com você
ou com o senhor) é como se deve dizer. O pronome
consigo refere-se ao sujeito do verbo. Ex.: O preso
falava consigo, isto é, com seus botões, só, etc.
São também dignas de nota estas cacografias:
“meretríssimo” (meritíssimo), “previlégio” (privilégio),
“indiscreção” (indiscrição), “interviu” (interveio),
“exitar” (hesitar), “excessão” (exceção), “infrigir”
(infringir: transgredir, desrespeitar, desobedecer a,
etc.), “inflingir” (infligir: aplicar, impor, etc.),
“frustar” (frustrar). Ainda que empregadas amiúde,
carecem de foros de vernaculidade as locuções posto
que, em sentido causal (porque), e “vez que” em lugar
de uma vez que. Exemplos: O réu não merecia
condenado, “posto que” nenhuma a prova de sua
culpabilidade. Em vez de “posto que”, era para dizer
porque, porquanto, por isso que, uma vez que, visto que,
como, visto como, etc. Posto que tem lugar só em frases
deste feitio: Posto que (isto é, embora, suposto, ainda
que, mesmo que, a despeito de que, etc.) levemente, o
réu violou a ordem jurídica. Uma vez que (e não “vez
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que”): A defesa desistiu de suas testemunhas, uma vez


que não compareceram à audiência.
(5) “Labor improbus omnia vincit” (Virgílio, Geórgicas,
liv. I, v. 145).
(6) Copioso rol de insignes autores pudéramos desfiar
aqui. Todavia, por não nos alongarmos demasiado,
citamos apenas dois, que, sobre terem sido juristas
exímios, foram também guapíssimos escritores: Rui
(Parecer sobre a Redação do Código Civil, Réplica,
Tréplica, Trabalhos Jurídicos, etc.) e Orosimbo Nonato
(Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, Estudos sobre
Sucessão Testamentária, Curso de Obrigações).
Apraz-nos arrolar ainda os nomes destes autores
cujas obras passam por imprescindíveis à boa
formação jurídica e literária do advogado: Eliézer
Rosa e Eliasar Rosa. Não vem para aqui a apreciação
(que o não sofre a pouquidão do espaço) das
excepcionais contribuições que às letras jurídicas do
País têm dado estes irmãos, ambos sujeitos eminentes
em saber, doutrina, letras e virtudes. Mencionamos-
-lhes somente as obras, e estas por maior, onde muito
se achará que aprender, admirar e aplaudir: Eliézer
Rosa (Dicionário de Processo Civil, Dicionário de Processo
Penal, A Voz da Toga, etc.); Eliasar Rosa (Os Erros
mais Comuns nas Petições, Glossário Forense, Dicionário
Didático do Direito das Sucessões, etc).
4. O Advogado e a Defesa Oral nos Tribunais(*)

Meus amigos, boa noite!


I - É honra imensa a de poder falar-vos neste magnífico
simpósio de estudos sobre ritos processuais penais, promovido
pela Escola de Advocacia Criminal do Estado de São Paulo.
Apenas entro em escrúpulos se em vez de ser eu quem vos
devera ocupar a atenção, não fora melhor devolver a palavra
aos doutos colegas que me precederam, ou transferi-la
desde já ao expositor seguinte, o abalizado penalista Dr.
Hélio Bialski. É responsabilidade grande, com efeito,
discorrer perante plateia tão seleta e corpo docente de tanto
saber e erudição, que transformam este auditório da
Acrimesp numa verdadeira academia de ciência jurídica.
Contudo, sem mais salvas nem ambages, vamos ao
ponto: Sustentação Oral nos Tribunais.

II - Nenhuma profissão humana, mormente a Advocacia,


pode prescindir da palavra como expressão do pensamento.
É ela a arma por excelência do advogado, profissional que o
célebre Catão definiu como “vir bonus, dicendi peritus”(1), o
que em nosso vernáculo quer dizer: homem de bem, perito
na arte de falar.
O nobre ofício do advogado – não há quem o não
saiba – resume-se num verbo: convencer(2). Sua eloquência

(*) Palestra na Acrimesp, em 6.12.1995.


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reduz-se essencialmente a isto: convencer os juízes(3) de


todos os graus de jurisdição.
A sustentação oral inscreve-se, pois, entre os mais
importantes meios que a lei assina ao advogado para prover
à defesa do cliente.
O Estatuto da Advocacia previu-a em seu art. 7º, nº IX,
entre os direitos do advogado. O mesmo passa em relação
aos Tribunais, cujos regimentos internos facultam aos
advogados sustentar suas razões.
Foi tormentosa questão, nos círculos forenses, se o
advogado deveria falar antes ou após o voto do relator. A
controvérsia já perdeu de momento, porque o Supremo
Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade
proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros,
suspendeu a eficácia da cláusula “após o voto do relator”. O
advogado falará, portanto, antes do voto do relator do
processo.
E o principal argumento expendido em favor da praxe
tradicional foi que “a sustentação oral integra a etapa de
discussão da causa, enquanto o voto do relator caracteriza o início
do julgamento”(4). Além disso, o velho Estatuto (Lei nº
4.215/63) já assegurava (e o atual o manteve) o direito de o
advogado “usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou
tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco
ou dúvida surgida” durante o julgamento (art. 7º, nº X).
Todavia, mais do que o momento de usar a palavra, o
que verdadeiramente importa e avulta é o modo de usá-la,
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de tal sorte que seja valioso instrumento de conquista


profissional.

III - A eloquência judiciária está subordinada às mesmas


regras do discurso oratório, conforme a doutrina clássica de
Quintiliano, retórico latino que floresceu pelo séc. I da era
cristã, autor da famosa obra Instituições Oratórias. Dividiu o
discurso em 4 partes: Exórdio, Narração, Confirmação e
Peroração.
No exórdio busca o orador conciliar a benevolência dos
juízes, conquistar-lhes a simpatia e interessá-los para que de
bom ânimo recebam sua mensagem. Aqui o advogado lhes
falará à razão e aos sentimentos.
No Tribunal, a própria saudação à turma julgadora e ao
procurador de justiça poderá servir de matéria para o
exórdio.
Exemplificando:
[Excelentíssimo Senhor Presidente;
Demais nobres Juízes;
Digno Procurador de Justiça, reputado modelo de
honra, austeridade e cultura jurídica:
No intento de promover, quanto em nós couber,
a defesa dos direitos e interesses do cliente é que
comparecemos perante Vossas Excelências, não acaso
movidos da incerteza do veredicto, que este será sempre o
voto perfeito da razão e da consciência.
30

Nossa presença nesta colenda Câmara argui também o


sentido, porque assim o digamos, de um como preito
de homenagem a Vossas Excelências, todos magistrados
insignes, a quem os advogados criminalistas prezamos por
mais de um predicamento louvável. Com respeito e estima
saudamos Vossas Excelências.]
Após o exórdio, que é a preparação do auditório, fará o
advogado a narração (ou exposição) do fato incriminado.
Poderá servir-se deste modelo:
[Eminentes Julgadores, pela prática de furto, o MM.
Juízo de Direito da 1a. Vara Criminal da Capital condenou
o réu-apelante à pena de 1 ano de reclusão. A r. sentença,
no entanto, salvo melhor aviso, rende o flanco a censura,
pois se louvou em elementos inidôneos para definir a
responsabilidade criminal do réu.
Em Juízo, o apelante negou, com a veemência de que
só os inocentes são capazes, a prática delituosa. Não houve
testemunhas presenciais do fato. Somente a vítima o
incriminou, por tê-lo visto a perambular nas imediações de
sua casa, mas em seu poder não foi apreendida a “res
furtiva”. O conjunto probatório, em suma, é precário e
coxo. A condenação, destarte, não pode subsistir.]
Até aqui a exposição do fato e suas circunstâncias.
A terceira parte do discurso é a confirmação. É a fase da
sustentação da tese da defesa.
Parece bem apresentá-la assim:
31

[Doutos Juízes, conforme o sentir de graves autores, só


a certeza pode ensejar condenação. No caso de ela faltar
(ou ceder o passo à dúvida, que, em Direito Penal, é o
outro nome da ausência de prova), a absolvição do acusado
será a única decisão compatível com os ditames da Justiça.
Faz ao nosso propósito a lição de Nélson Hungria, o
maior penalista que ainda houve entre nós: “Condenar
um possível delinquente é condenar um possível inocente”
(Comentários ao Código Penal, 6a. ed., vol. V, p. 65).]
À derradeira parte do discurso denominam os retóricos
peroração ou epílogo. É o remate do discurso. Nesta parte
o orador costuma “dar o último impulso aos corações”(5). Na
sustentação oral, equivale ao pedido.
Poderá ter esta substância:
[Por estas razões, e passando em silêncio outras muitas,
por forçada brevidade e porque facilmente haverá de supri-
-las o notório saber de Vossas Excelências, espera a defesa
dignem-se prover o recurso do réu para absolvê-lo por
insuficiência de provas.
Noutros casos fora só justiça, aqui será também piedade
afastar dos lábios do réu a taça amarga de uma condenação
imerecida!
Obrigado, Excelências!]

IV - Tivestes, ilustres acadêmicos de Direito, um simulacro,


ou imagem muito em sombra, do que seria uma sustentação
oral. Mencionarei agora ligeiramente, ou “per summa
32

capita”, como diria o egrégio tribuno Dr. Antônio Carlos de


Carvalho Pinto, alguns preceitos a que o advogado deve
catar observância, quando lhe couber sustentar razões
perante o Tribunal, nos casos que a lei admite (apelação,
revisão, “habeas corpus”, embargos infringentes e recurso em
sentido estrito).
Primeiro que o mais, cumpre que o advogado se
prepare bem para a tribuna. Procure estudar com afinco o
processo, conhecer o direito aplicável ao caso concreto e
reduzir a escrito a peça oratória. Leia-a, depois, quanto
possível. De suas partes principais faça um resumo, um
esboceto, e entregue-o à memória. Exercite-se entre quatro
paredes, enquanto lhe não chegue a suspirada hora de
arengar diante da luzida Corte de Justiça, que decerto o
escutará com edificação e arrebatamento, como quando fala
o Dr. Mauro Otávio Nacif, aqui presente.
Ao proferir sua alocução, deve o advogado empregar
a linguagem técnica forense, a fraseologia jurídica, e
observar, rigorosamente, os cânones gramaticais. Não
poderá ofender o pudor dessa veneranda matrona que é a
gramática, perpetrando abomináveis solecismos como estes:
“fazem 81 dias” que o réu está preso; “não houveram
testemunhas” presenciais do fato; “o policial interviu” na
briga, etc. Diga o advogado meritíssimo (e não
“meretíssimo” ou, o que fora mais deplorável, “meretríssimo”,
que, sobre ser erro de prosódia, configura também
desacato). Intuito e gratuito é como se pronuncia, e não
“intuíto”, “gratuíto”. Os policiais detiveram o ladrão, e
33

não “deteram”. O advogado que, na tribuna disser que “os


policiais deteram o ladrão”, ainda que esteja enfarpelado
numa rica e perfumada beca de seda do Oriente, provocará
ao menos duas insignes desgraças: terá furado o outro
olho ao divino Camões (agora o esquerdo!) e ter-se-á
recomendado mal àqueles que lhe vão julgar a causa do
cliente.
Não vos esqueça, portanto, aquela profunda observação
de Voltaire: “A maneira pela qual dizemos as coisas, não raro
vale mais do que as coisas que dizemos”(6).
Também a postura do advogado ao discursar requer
algumas ponderações:
a) Sem embargo de o Estatuto rezar que pode “falar
sentado” (art. 7º, nº XII), o advogado deve fazê-lo em
pé. A posição ereta é a que mais se apropria e convém
ao orador, porque o mantém num plano de
superioridade, facilitando-lhe a prolação das palavras,
sem comprimir o órgão fonador e a gesticulação.
Paladino que é do Direito, o advogado, na tribuna,
assemelha-se ao soldado que peleja no campo de
batalha. Sustentar oralmente sentado não se compadece,
portanto, com a nobre figura do advogado, sobretudo
se criminalista, de seu natural valente, intrépido e
garboso!
b) Na sustentação oral é defeso ao advogado ler
memoriais. Poderá consultar breves notas e
apontamentos, ler não(7). Ele discursará sem ler nem
gritar. Pode ser veemente, sem contudo vociferar.
34

Recomenda-se-lhe até que dispense o microfone, se


tiver voz solene de Júpiter Olímpico, ou de trombeta
do Juízo Final. As Câmaras dos Tribunais são exíguas
e nelas de ordinário impera silêncio pouco menos que
sepulcral, o que permite ao orador ser escutado de
todos os presentes, sem precisão de deblaterar, como
fazem alguns pregadores evangélicos da Praça da Sé,
que vivem ameaçando os pecadores com o fogo do
Inferno.
Não se deve todavia cair no vício oposto: o de falar
muito baixo, quase sussurrando. É que, além de
outros inconvenientes conspícuos, isso poderá induzir
os ouvintes ao sono (e transformar o auditório em
dormitório).
Daqui por que afirmara, em conferência, o nosso
distinto e saudoso Theotonio Negrão que não tinha
certeza se era bem ouvido pelos membros das
Câmaras: “(...) é que só depois de suas sustentações orais o
presidente anunciava: Acordam… (como se fora o despertar
do sono dos justos…”(8).
c) Antes de concluir, direi duas palavras acerca do grave
defeito de que se deve eximir todo o orador (e em que
estou incorrendo): a prolixidade, o intumescimento do
discurso. Tudo o que é em excesso desvirtua; até a
bondade morre do excesso. O ponto está em acertar
com o equilíbrio. É o preceito de Horácio: “Esto brevis
et placebis”. (Sê breve e agradarás). Evite, por fim, o
advogado, quanto em si caiba, atos e situações
35

insólitas e desprimorosas como os daquele causídico


paranaense que, indignado com o indeferimento de
uma revisão criminal, cometeu o despautério de
(perdoai-me se ofendo orelhas pudicas), cometeu o
despautério de ficar só de cuecas no sacrossanto
recinto do Tribunal de Justiça. Todos os jornais do
País publicaram a foto (nada pudibunda!) do arrojado
tribuno. (Era vermelha a peça íntima de nosso “herói”,
acaba de esclarecer o Dr. Mauro Nacif, sempre muito
bem informado das coisas jurídicas e profanas;
vermelha de vergonha, certamente!).
Afora os abusos de alguns espíritos galhofeiros, é a
sustentação oral um dos pontos mais altos a que pode
remontar-se o talento do verdadeiro criminalista em
prol daqueles que se encomendaram, confiantes, a seu
patrocínio.

V - Dois pontos, por sua particular relevância, quisera ferir


ainda nesta ligeira alocução: um é a força de vontade, como
fator insubstituível dos triunfos oratórios; o outro, o aparte
na eloquência judiciária.
Diletos colegas e acadêmicos de Direito, desenganemo-
-nos por todo o sempre: ninguém será bom orador,
ninguém haverá de participar da glória tribunícia de
Demóstenes, de Cícero e de Rui, se não se consagrar, como
eles, diuturnamente e sem desalento, à arte de falar em
público.
36

Uma vontade intrépida e inabalável será, portanto, o


primeiro requisito daquele que aspire à palma da oratória,
pois que o orador se faz, não nasce como o poeta.
De sua irresistível vocação poética afirmou Ovídio que
tudo que tentava dizer em prosa era verso(9). Tratava-se de
um pupilo mimoso e afortunado das musas! Não assim com
os oradores: estes se fazem. O dom da poesia é inato no
homem; o da eloquência pode ser adquirido pelo trabalho e
pelo estudo(10).
Enquanto Bilac despertava à noite para “ouvir estrelas”,
que fazia Rui? Ele mesmo no-lo responde na celebérrima
Oração aos Moços: encetava sua banca solitária de estudo às
primeiras horas da antemanhã(11). De madrugada. Não
maravilha, pois, tenha sido “o primeiro talento verbal da
nossa raça”(12). Como Rui, também Demóstenes, que era
tartamudo ou gago de nascença, e mediante inauditos
esforços, declamando com seixos ou pedrinhas na boca, nas
praias do Mar Egeu, e lendo avidamente os grandes
mestres, conquistou o primado da oratória e recebeu a
coroa de ouro. Símbolo e exemplo vivo do que é capaz a
vontade humana. É “O Pai da Eloquência” e o seu eterno
paradigma.
Tudo vence o esforço, meus amigos! O sacrifício é o
pedestal da vitória. Façamos como Demóstenes, isto é,
apliquemo-nos aos estudos com pertinácia e tenacidade, se
quisermos transformar a palavra em valioso instrumento de
nobilitantes vitórias e galardão profissional.
37

Cícero, para adiantar-se na arte da palavra, não hesitou


em ir á Grécia e ali tomar lições com o famoso retor
Mólon. De nós não se exige tanto. Basta que frequentemos
as sessões do júri e as Câmaras dos Tribunais.

VI - E uma vez que mencionei as sessões do júri, cai a


propósito versar a questão do aparte, que é a “interrupção
feita a um orador, no meio do seu discurso”(13).
Os apartes no júri são frequentes e, não raro, motivo de
grande tensão no plenário, porque elevam a temperatura do
debate e obrigam, muita vez, à interferência do juiz-
-presidente, que faz soar o tímpano ou vibra golpes de
malho.
É de preceito que o aparteante, primeiro solicite o
aparte – V. Exa. me concede um aparte? –, o qual, uma
vez concedido (e o orador pode negá-lo), ensejará ao
aparteante formule sua pergunta ou objeção.
À solicitação do aparte do Ministério Público poderá o
advogado responder:
— “Se oportuno e inteligente, será uma honra para a Defesa
concedê-lo a V. Exa.”
Concluído o aparte do Promotor de Justiça, poderá
retrucar o defensor:
— “Temos ouvido apartes de V. Exa. muito mais nobres do
que este”; ou
38

— “Foi sempre um princípio nosso respeitar o direito da


palavra, ainda quando precipitada, injusta e insolente como a de
V. Exa.”

VII - A réplica ao aparte é a pedra de toque, o teste


decisivo do orador, porque revela sua perspicácia, argúcia
intelectual, cultura e conhecimento do assunto que se
discute.
É o instante de que poderá depender a sorte da causa e
do próprio orador.
A História da Eloquência tem registrado apartes
notáveis.
Ouviremos alguns:

Na Tribuna Forense:
1º) Certa feita, depois de longa arenga com o promotor
público, o advogado e poeta cearense José Quintino da
Cunha ouviu dele uma frase comprometedora: “Senhores do
conselho de sentença, eu estou montado no Código Penal”. E,
fulminante, Quintino da Cunha rebateu: “Pois V. Exa. faz
muito mal em montar em animal que não conhece!”(14)

Na Tribuna Parlamentar:
2º) O sogro de Hermes da Fonseca, o velho Almirante
Teffé, senador pelo Amazonas, teria dito: “Não houveram
muitas vítimas. Foram pouquíssimas”. E Rui, prontamente:
39

“Houve agora mais uma: a língua portuguesa, que V. Exa.


acabou de assassinar”(15).

3º) “Um deputado, homem honradíssimo e inteligente,


defendendo a sua candidatura, começou o discurso com as
seguintes frases de retórica:
– Sei que vou morrer, porém, quero morrer como
Mirabeau (o orador mais eminente da Revolução Francesa):
ouvindo as músicas mais belas e melhor concertadas, aspirando os
perfumes mais raros, vendo em riquíssimos vasos de alabastro as
flores mais esquisitas…”
Neste ponto levanta-se José Estêvão (o Cícero do
parlamento português) e diz-lhe:
– “Se o ilustre deputado quer morrer, que morra mais
barato, porque no orçamento não há verba para tanto”.
Músicas, flores, Mirabeau, retórico, deputado e candidatura
caíram fulminados por uma salva de gargalhadas!(16)

4º) Carlos Lacerda foi um dos maiores tribunos de seu


tempo. Este episódio é narrado por Hebert Levy:
Na Câmara dos Deputados discursava Carlos Lacerda,
quando o aparteou Ivete Vargas, nestes termos:
– “O discurso de V. Exa. é um purgante!”
– “E o aparte de V. Exa. o efeito, retrucou prontamente o
temível parlamentar”(17).
40

Por último, há o caso daquele conferencista que,


empolgado com a docilidade heroica dos ouvintes (ou
vítimas, como vós) discorreu por largo tempo e, afinal, já
esgotada sua eloquência, desculpou-se dizendo:
“Queiram perdoar-me, se excedi as balizas cronológicas. É
que esqueci em casa meu relógio”.
Ouviu-se uma voz na plateia:
“Eh! mas havia um calendário aí atrás na parede!”.

Notas

(1) Cf. Arthur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas,


1955, p. 841.
(2) Cf. J. Soares de Mello, Perfis Acadêmicos, 1957, p. 96.
(3) Cf. Ângelo Majorana, As Formas Práticas da Eloquência,
1946, p. 180; trad. Fernando Miranda.
(4) René Ariel Dotti, in Gazeta do Povo (Curitiba, PR), de
10.10.94.
(5) A. Cardoso Borges Figueiredo, Retórica, 1875, p. 67.
(6) Cf. Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional,
1a. ed., p. 359.
(7) Cf. Regimento Interno do Tribunal de Justiça, art.
476.
(8) Cf. In A Linguagem do Advogado, Revista de Processo,
vol. XLIX, p. 83.
41

(9) “Quidquid tentabam dicere versus erat” (Arthur


Rezende, op. cit., p. 644).
(10) “Nascuntur poetae, fiunt oratores” (Idem, ibidem, p. 437).
(11) Cf. 1a. ed., p. 32.
(12) Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira, vol. V,
p. 448.
(13) Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a.
ed.; v. aparte.
(14) Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes
Julgamentos, 1989, p. 154.
(15) Raimundo Magalhães Jr., Rui, o Homem e o Mito, p.
457.
(16) Bulhão Pato, Sob os Ciprestes, 1877, p. 177.
(17) Herbert Levy, Viver é Lutar, 1990, p. 245.
5. O Advogado e a Arte de Persuadir

É do ofício do advogado persuadir. Nenhuma vitória


alcançará, primeiro que tenha sujeitado pela força da razão
o ânimo contrário. Para vencer, importa-lhe antes
convencer. E como são infinitas as formas de persuasão,
deve conhecer, sobre todas, as que melhor o capacitem a
argumentar, isto é, a exprimir verbalmente (e com proveito
seu) o raciocínio lógico, última aspiração dos oradores.
Muitos se afadigaram pelo realizar, porém unicamente de
uns poucos se soube que fossem coroados de magnífico
êxito. Dos mais, ainda que nesse propósito se lhes
rompessem as ilhargas, só nos ficou a confissão de sua
impotência diante de um fato incontroverso: apenas à força
da evidência costumam ceder os ouvintes, não às comuns
razões do orador, exceto se dotado, além de vastos cabedais
de ciências, de uma como centelha divina, com que
prodigiosamente penetre os arcanos da alma humana. Tão
difícil coisa é triunfar em questões polêmicas!
Todavia, conforme disse um que tinha voz no capítulo
e cujo voto é valioso nesta matéria, nosso espírito “rende-se
muito mais pelos olhos que pelos ouvidos”(1). Donde a opinião,
de voga desembaraçada, de que a imagem, ordinariamente
falando, escusa discursos. Uma foto vale por mil palavras,
reza o anexim. Mais facilmente convencerá o argumento
que se ajudar da contemplação do objeto sobre que assenta
o debate.
44

Para mover o povo romano a perdoar a Aquílio,


acusado de furtos, não se dedignou o advogado Marco
Antônio rasgar-lhe as vestes, “descobrindo as cicatrizes das
feridas, que em seu peito tinha recebido em defesa da pátria”(2).
Igual artifício de persuasão garantiu a vida à cortesã
grega Frineia. “Acusada de impiedade, foi defendida perante os
heliastas por Hipérides. Ia ser condenada, quando o orador teve a
ideia de lhe arrancar as finas vestes que a cobriam: a beleza da
mulher desarmou os juízes”(3).
Isto mesmo praticou, haverá alguns anos, arrojado
bacharel paranaense. Abrasado no zelo da causa e jurando
nos protestos de inocência de sua cliente, usou do
argumento “ultima ratio”: com assombro dos colegas, e
muito mais dos graves e austeros desembargadores que lhe
acabavam de indeferir pedido de revisão criminal, despiu
suas calças no recinto augusto do Tribunal de Justiça. A
foto (nada pudibunda!) do escândalo estamparam-na todos
os jornais do País. Ao ser preso em flagrante por desacato,
respondeu com ironia suprarrealista o temerário causídico:
“Se a Justiça é cega, que mal há em tirar a roupa diante
dela?”(4).
Mais que muitas, bem se percebe, são as maneiras de
argumentar. Advirta, no entanto, o orador que, escolhendo-
-as com desacerto, poderão converter-se em argumento de
miseranda inépcia.
45

Notas

(1) Vieira, Sermões, 1959, t. I, p. 15.


(2) Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 5; trad.
Jerônimo Soares Barbosa.
(3) Cf. Lello Universal, vol. III, p. 655.
(4) Cf. O Estado de S. Paulo, 20.8.93.
6. Sustentação Oral nos Tribunais

I - Eduardo Couture, numa obra de raro esplendor que


escreveu para os cultores do Direito(1), pôs em questão
matéria de certa gravidade, e foi esta: para que círculo do
Inferno irão um dia os bacharéis que comparecem à tribuna
das câmaras julgadoras e aí sustentam suas razões e recitam
seus memoriais, não advertindo em que os esclarecidos
juízes que os ouvem conhecem bem o processo e, pois,
escusam o empenho oratório do patrono do réu?! Será
muito de temer, por certo, o fogo desse inferno; muito
mais, no entanto, houvera de confranger a alma do
advogado o anátema com que o pudesse fulminar um dia o
constituinte, por não ter empregado em seu prol algum dos
meios de defesa que o Direito lhe assegura! E a sustentação
oral, por sem dúvida, não é o menos importante deles.
Tem curso desembaraçado, nos círculos forenses, o
preceito de que a Defesa não deve, pelo comum, usar da
palavra em sede recursal. A causa seria porque, uma vez
conhecidas já as razões do recurso, fora supérfluo reeditá-
-las oralmente perante aqueles que o vão julgar. Demais,
encarecendo seus argumentos na superior instância, como
que o réu deixava descobrir sua dúvida acerca da justiça dos
magistrados cuja benevolência invoca, e tal configuraria, se
não absurdo, decerto injúria gravíssima. O silêncio, a essa
conta, não valera menos do que a palavra!
48

II - A sustentação oral de recurso, a nosso aviso, nada tem


de superfetação ou despropósito: ao revés, sobre arguir
clara ciência do ofício, entende-se por documento de zelo
profissional do advogado. Por fim, toda a manifestação da
Defesa é alento e coragem para a inocência oprimida (2).
Mas, porque a sustentação oral colime seu fim
precípuo, que é argumentar para convencer(3), não haverá o
advogado descurar das regras que aproveitam geralmente
aos discursos em suas partes principais: a invenção, a
disposição e a elocução(4).
Conforme Caldas Aulete, é a invenção “a operação mental
que sobre um dado assunto o espírito produz”(5). Tal aptidão se
adquire com os conhecimentos, assim os de cunho geral
como os especiais. Estes se granjeiam com o ativo e aturado
estudo das mais reputadas obras acerca da matéria do
debate.
Não só das leituras, também da conversação com os
excelentes modelos da tribuna judiciária formará o
advogado seu cabedal de ciência particular(6).
Escolhido o assunto e delimitado o raio da controvérsia,
entrará o orador a ordenar seu discurso, catando observância
à disposição clássica: exórdio, narração, confirmação e
peroração(7). No exórdio, buscará conciliar a benevolência
dos juízes, que “não se contentam com ser instruídos na causa,
querem também ser deleitados”(8). Em seguida lhes exporá o
orador os fatos, narrando-lhos com precisão e fidelidade; ao
depois, na confirmação, levará o fito em persuadi-los com
provas e argumentos; na peroração, que é o remate do
49

discurso, porá o intento em fazer triunfar suas ideias pela


força da evidência.
Chamam os retóricos elocução à terceira e última parte
da eloquência, que se ocupa da seleção das palavras e frases
que darão vigor, luz, beleza e majestade aos pensamentos.
Passa pela mais difícil das operações do orador e é a que
lhe demanda maior aplicação e esmero, visto pressupõe o
conhecimento exemplar e firme não somente da língua,
senão também da “linguagem das paixões, a qual só se aprende
bem com o longo exercício e com o profundo estudo do coração
humano”(9).

III - Mais que o gênio ou dom criador, é a arte (conjunto


de preceitos para executar qualquer obra) a que sempre
comunica à elocução oratória o timbre da perfeição.
Benditas, portanto, as longas vigílias de estudo e trabalho,
que a elas deve o advogado o brasão de suas glórias
tribunícias!
Ponto de reconhecida relevância na Oratória, vem aqui
de molde tratarmos por igual da maneira de enunciar o
discurso. Querem uns, alegando com o grave da matéria e
do momento, que se leia como o trouxeram escrito; outros,
fiados de sua feliz memória, têm para si que devem
declamá-lo como o compuseram; há, por último, os que,
após diuturna preparação do tema, que assimilaram
pontualmente, asseveram não precisar mais que de breves
notas esquemáticas para garantir a perfeita comunicação
com os ouvintes. Das três opções de articulação do
50

discurso, é a última a que, por mais segura e natural,


recomendam os mestres da arte de falar. Ler, simplesmente,
o arrazoado forense, o mesmo fora que admitir o advogado
a própria falta ou negligência ao preparar a sustentação
oral, defeito insigne, que ordinariamente se lhe não sofre
nem perdoa(10). Dar de cor a mensagem, será arriscar-se
o advogado às insidiosas contingências dos lapsos e dos
esquecimentos, que lhe poderão comprometer o fluxo
natural das ideias. Se, contudo, a tanto o “ajudar o engenho
e arte”(11); se, pupilo dileto da fortuna, gozar de memória
privilegiada; se, afeiçoado à arte declamatória, preferir o
advogado pronunciar de cor sua sustentação, não há que se
lhe oponha ou objete. Cada qual, enfim, sabe até onde
pode ajudar-se das próprias forças!
Outra questão, a que deve atender o advogado que se
propõe sustentar oralmente perante o Tribunal, é esta da
improvisação. No sentido de produção intelectual repentina
e sem preparo, ela não há; tampouco a tolera a seriedade
do múnus advocatício, o qual tudo quer perfeito e bem
acabado. “Na realidade, a improvisação é o resultado de um
longo trabalho de acumulação”(12).
Ao discutir, habitue-se o advogado a fazê-lo em pé
(ainda que lhe seja idolatrada prerrogativa o falar sentado).
Além de argumento de sua deferência para com os ouvintes
(cuja benevolência haverá de conquistar), é a aprumada
postura de quem trava combate, de que a defesa oral
constitui bom simulacro(13).
51

Mediante a observância destas regras, que para a mais


bela das artes cunharam nossos maiores, é sem dúvida que
os advogados aprendizes colherão merecidos gabos, com
pouca diferença daqueles com que a posteridade cingiu a
fronte imortal de Cícero: “Foi, de todos os oradores, aquele que
melhor fez sentir aos romanos o encanto que a eloquência
acrescenta às coisas honestas e o invencível poder da justiça
quando é sustentada pela força da palavra”(14).

Notas

(1) Os Mandamentos do Advogado, 1979, p. 67.


(2) A defesa oral – escreveu o distinto criminalista
Mauro Otávio Nacif, em brilhante ensaio, no qual
versou com diligência a matéria – “a defesa oral é
a coroação de todo o esforço realizado pelo advogado nos
processos criminais” (Revista Ajuris, nº 3, março/1975,
pp. 141-144).
(3) Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem Forense,
1980, p. 12.
(4) A. Cardoso Borges de Figueiredo, Instituições
Elementares de Retórica, 1875, p. 7.
(5) Oratória, 1875, p. IV.
(6) À imitação, como estímulo criador, consagrou
Aristóteles não poucos lugares de sua Arte Poética (cf.
caps. I, III, etc.). Pelo mesmo teor, Antônio Albalat
(A Arte de Escrever, 1953; trad. Cândido de
52

Figueiredo). Ouvindo os paradigmas de sua classe,


conhecerá o advogado os segredos da arte oratória.
Da gloriosa milícia dos tribunos do foro criminal, leve-
-se-nos em gosto, por isso, mencionemos aqui alguns
dos mais conspícuos, de cuja destreza em desenrolar
o pendão da eloquência até os mestres apurados no
dizer têm muito que aprender e invejar: Paulo Sérgio
Leite Fernandes, José Roberto Batochio, Antônio
Carlos de Carvalho Pinto, José Carlos Dias, Tales
Castelo Branco, Miguel Reale Júnior, Antônio
Cláudio Mariz de Oliveira, Luiz Flávio Borges
D’Urso, Roberto Delmanto, Mário de Oliveira
Filho, João Meireles Câmara, Roberto Podval,
Alberto Zaccharias Toron, Eugênio Malavasi, Mauro
Octávio Nacif, Antônio Sérgio de Moraes Pitombo,
Daniel Bialski, etc. (que, mercê de Deus, oradores
forenses de alta estofa sempre houve entre nós, e isso
em todos os quadrantes da Pátria!). É escutá-los pois
o novel advogado, se aspira deveras à primeira
tribuna!
(7) Simetria: “Até no Inferno, que é o centro da confusão,
há ordem, como adverte Santo Agostinho” (Francisco de
Pina, Retórica, 1766, p. 53).
(8) Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 255;
trad. Jerônimo Soares Barbosa.
(9) A. Cardoso Borges de Figueiredo, op. cit., p. 72.
53

(10) Aliás, como a prevenir inconvenientes, dispôs o


Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo que, “na sustentação oral, é permitida a
consulta a notas e apontamentos, sendo vedada a leitura de
memoriais” (art. 476).
(11) Camões, Os Lusíadas, canto I, v. 16.
(12) Henri Robert, apud Evandro Lins e Silva, A Defesa
Tem a Palavra, 1a. ed., p. 23.
(13) No Diálogo dos Oradores, Tácito “compara o advogado
ao soldado que marcha para a batalha provido de todas as
armas, pois aquele também comparece ao Fórum armado
de todas as ciências” (Alberto Sousa Lamy, Advogados,
Elogio e Crítica, 1984, p. 96). Não apenas é importante
que os advogados falem de pé; ajuntam provectos
oradores, com malícia espirituosa, que deveriam
fazê-lo também apoiados sobre uma perna só, por
advertência que fossem breves!
(14) Plutarco, Cícero e a Queda da República, p. 24; trad.
Lobo Villela.
7. Coletânea de Exórdios

Para desempenhar-se a primor de seu nobre ofício –


que se resume num verbo: persuadir –, há de conhecer o
advogado os preceitos da Retórica, ou “arte de bem dizer”(1),
dos quais um é conciliar a benevolência do juiz(2). Exórdio
é o nome da parte do discurso ou arrazoado forense
destinada a congraçar o orador com os ouvintes e a
excitar-lhes a atenção. De ordinário, toma-se de frase ou
pensamento de autor célebre, que se ajuste à espécie da
causa. Não só no discurso oratório, também nas composições
literárias escritas (conforme se deixa entender de um lugar
de Cícero(3)), cabe o exórdio, de que damos a seguir alguns
exemplos. O advogado diligente, com suas leituras, poderá
acrescentá-los ao infinito:

1. “Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando;


pois esta é a licença e liberdade que tem quem não pede
favor senão justiça” (Vieira, Sermões, 1959, t. XIV,
p. 302);
2. “A suspeita é a justiça das paixões. O crime é a presunção
juris et de jure, a presunção contra a qual não se tolera
defesa, nas sociedades oprimidas e acovardadas. Nas
sociedades regidas segundo a lei, a presunção universal é, ao
revés, a de inocência” (Rui, Obras Completas, vol. XXIV,
t. III, p. 87);
56

3. “A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a


verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma
sentença condenatória. Condenar um possível delinquente
é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria,
Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65);
4. “A causa da justiça porém é a verdade; a condenação do
inocente constitui maior desgraça para a sociedade do
que para o condenado, sendo preferível, segundo a velha
sentença de Berryer, ficarem impunes muitos culpados,
do que punido quem devera ser absolvido” (Firmino
Whitaker, Júri, 5a. ed., p. 89);
5. “Se ao juiz fosse facultado julgar e cominar pena ao
indigitado autor de um delito, de cuja existência ou
realidade não haja plena certeza e sobre cuja autoria paira
dúvida (…), o arbítrio sentar-se-ia no trono da Justiça, e
esta não mais seria a garantia das pessoas honestas e dos
fracos” (Moacir Amaral dos Santos, Prova Judiciária no
Cível e Comercial, vol. I, 3a. ed., p. 18);
6. “Não é a absolvição do culpado, mas a condenação do inocente
que afeta os fundamentos jurídicos, desacredita a Justiça,
alarma a sociedade, ameaça os indivíduos, sensibiliza a
solidariedade humana” (Roberto Lyra, Introdução ao
Estudo do Direito Penal Adjetivo e do Direito Penal
Executivo, p. 12);
7. “Não sigais os que argumentam com o grave das acusações,
para se armarem de suspeita e execração contra os acusados;
como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não
houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e
57

menos perder de vista a presunção de inocência, comum a


todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido
o delito” (Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42);
8. “No processo acusatório, o juiz só tem a decidir qual das
alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do
acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a
absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer,
Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II, p.
285; trad. Alberto Antônio Soares);
9. “Sobre o confuso tumultuar das paixões só a Justiça
resplende, como guia seguro: e é tal a pureza de seu
esplendor que, segundo a imagem aristotélica, não é tão
maravilhosa Vésper, a estrela vespertina, nem Lúcifer, a
matutina” (Giorgio del Vecchio, A Justiça, p. 161;
trad. Antônio Pinto de Carvalho);
10. “Todas as vezes que a culpabilidade não esteja completamente
estabelecida, uma condenação seria injustificada” (R.
Garraud, Compêndio de Direito Criminal, 1915, vol. II,
p. 170; trad. A.T. de Menezes);
11. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não
verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que
a magistratura orna os seus brasões, desde que a Justiça
Criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res sacra
reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui, Obras
Completas, vol. XIX, t. III, p. 113);
58

12. “A mais dura cousa que tem a vida é chegar a pedir e, depois
de chegar a pedir, ouvir um não: vede o que será!” (Vieira,
Sermões, 1682, t. II, p. 87);
13. “A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua
função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou
criminoso, a voz dos seus direitos legais” (Rui, Obras
Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 10);
14. “Jamais devemos apagar de nossa memória três princípios
centrais da processualística tradicional: Reus res sacra;
nemo tenetur se detegere; satius esse impunitum relinqui
facinus nocentis quam innocentem damnare. (O réu é coisa
sagrada; ninguém é obrigado a depor contra si mesmo; é
preferível deixar impune um culpado a condenar um
inocente)” (Nélson Hungria, in Revista Forense, vol.
138, p. 339);
15. “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa,
para os guardas da ordem social, a obrigação de não
aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se
extraviar em conjecturas, de seguir passo a passo as
circunstâncias, deixando a elas a palavra, abstendo-se
rigorosamente de impressões subjetivas, e não antecipando
nada” (Rui, Novos Discursos e Conferências, 1933, p. 75);
16. “A possibilidade de ocorrência de erro judiciário justifica
supremos cuidados” (Roberto Lyra, Como Julgar, como
Defender, como Acusar, p. 11);
17. “É melhor absolver um culpado do que condenar um
inocente” (Idem, ibidem, p. 14);
59

18. “Os delitos mais horrendos, os crimes mais obscuros e mais


fantásticos e, portanto, os mais incríveis são exatamente os
que são tidos como comprovados por simples hipóteses e
indícios fracos e muito equívocos” (Beccaria, Dos Delitos
e das Penas, XIII; trad. Torrieri Guimarães);
19. “A sentença mais penosa, ou que mais fundo possa ferir a
parte, pode sempre ser suavizada, sem prejuízo de sua
eficácia, por um acento discreto de solidariedade humana”
(Cândido Naves, Páginas Processuais, 1950, p. 68);
20. “A prova para uma condenação, principalmente quando se
trata de penas extremadas, há de ser como o véu d’água,
que se escoa ao longo de um paredão granítico: cristalina,
pura, constante. Ela deve ser una, indivisível, convincente
por si mesma, para, ungida pelos óleos sagrados, ficar a
salvo de quaisquer influências que não sejam a da verdade
verdadeira” (Revista de Direito Penal, vol. 11, p. 113).

Notas

(1) Caldas Aulete, Oratória, 1875, p. III.


(2) Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 230;
trad. Jerônimo Soares Barbosa.
(3) “(…) tenho um volume de proêmios, donde costumo colher
algum, quando começo algum tratado” (apud Quintiliano,
op. cit., p. 262).
8. A Oratória Forense e a Tribuna do Júri(*)

Meus amigos, boa noite!


Estou perante Advogados, por isso peço licença para
falar-vos em pé.

I - É honra que tenho pela maior poder estar novamente


convosco, neste aprazível cenáculo de cultura jurídica e
literária, para discorrer da Oratória Forense na Tribuna do
Júri.
À inexcedível (e já proverbial) generosidade de vosso
Presidente, o insigne advogado Dr. Othon Zanoide de
Moraes, e da Coordenadora da Comissão do Júri, Dra.
Eleonora Vieira, é que devo minha presença aqui.
Em boa verdade, talvez devesse ter-me escusado de
aceitar o gentil convite, alegando com os ingentes encargos
do ofício – acabo de chegar da colenda 15a. Câmara
Criminal do Tacrim, onde foram julgados hoje para mais
de 150 processos… – e com a possível temeridade (e até
insensatez) de usar da palavra em presença de advogados
tão notáveis.
Mas, é tão grande a dívida em que estamos todos para
com a intrépida Classe dos Advogados, que recusar-se
alguém a atendê-los, quando pedem coisas nobres e

(*) Palestra na OAB (Subseção de Penha de França), em 29.11.2001.


62

razoáveis, não importava menos que faltar gravemente a um


preceito de ordem natural.
Entendi, pois, de meu dever retornar ao vosso
convívio; e o dever é um dogma, diante do qual todos,
respeitosamente, curvamos a fronte!
Além de que, é muito benéfico para a alma de um
pobre juiz poder privar de novo com os mais distintos
colegas de sua antiga profissão. Isto não apenas lhe servirá
para retemperar as forças, senão também lhe será refrigério
e bálsamo com que aplacar a dor da saudade. Sabeis que
“não há dor maior do que lembrar-se alguém dos tempos felizes
na adversidade”(1)! Ou, por invocar a cláusula predileta dos
saudosistas, “era feliz e não sabia”!

II - Vamos ao ponto; entremos, sem mais salvas nem


rodeios, a tratar da Oratória Forense.
Que a palavra seja a arma, por excelência, do
advogado não há quem o conteste nem ignore. A todos
serve de veículo precioso para a comunicação humana;
apenas do Advogado é também o instrumento imprescindível
ao exercício da profissão.
“A palavra, dom de Deus, é o mais nobre dos atributos do
homem”(2).
Não admira, pois, que o mais nobre dos atributos do
homem seja também a insígnia da mais bela das profissões:
a Advocacia.
63

Catão, romano ilustríssimo, ao traçar o perfil moral


do advogado, não lhe chamou senão “vir bonus dicendi
peritus”, ou em linguagem, “homem de bem, perito na arte de
dizer”.
É próprio do advogado falar; do bom advogado, falar
bem.
Que coisa é falar bem?
Latino Coelho, castiço escritor português – a quem
se deve a erudita e primorosa tradução para o nosso
vernáculo da Oração da Coroa (de Demóstenes) –,
afirmou, com bem de razão, que, “de todas as artes, a mais
expressiva, a mais difícil, é sem dúvida a arte da palavra”(3).
Não nos desalentemos, porém. As dificuldades surgem
para ser superadas. Contra a força de vontade não há
obstáculo na vida. Nunca houve brocardo mais verdadeiro:
querer é poder!
“Poeta nascitur, orator fit”, recitavam os antigos: o
poeta nasce, o orador se faz.
Conheceis, acaso, o edificante exemplo de Demóstenes?
Merece reproduzido. Narra Plutarco, historiador grego e
autor das célebres Vidas Paralelas, que Demóstenes era
tartamudo, ou gago de nascença. Para corrigir esse defeito
de articulação de palavras, que fez? Tomou sobre si a árdua
tarefa de exercitar-se, diariamente, declamando em voz alta,
com seixos ou pedrinhas na boca, nas praias do mar Egeu,
ao mesmo tempo que lia com avidez os grandes mestres.
64

Ao cabo de longo tirocínio e severa disciplina, conquistou o


primado da Oratória e recebeu a coroa de ouro.
Passa por símbolo e paradigma vivo do que é capaz a
vontade humana. É o Pai da Eloquência e seu eterno
modelo.
Tudo vence o esforço, meus amigos! O sacrifício é o
pedestal da vitória!

III - Perguntei-vos que coisa era falar bem, e ainda esperais


pela resposta.
Falar bem é falar corretamente, sem ofender o pudor
da gramática. Em suma, é expor as ideias com ordem lógica
e observância dos cânones da boa linguagem.
A primeira preocupação, pois, de quem fala ou escreve
é guardar as leis da gramática.
O advogado, portanto, há de estar atento e vigilante,
não venha a cair em erros graves, e pois inadmissíveis, de
grafia, pronúncia ou construção.
Quanto à prosódia, não lhe é lícito, ao advogado, v.g.,
dizer “gratuíto” por gratuito nem “interim” por ínterim, ou
“rúbrica” em vez de rubrica.
O rol das pronúncias viciadas ou medonhas é imenso:
avaro (e não “ávaro”), tóxico (cs), e não “tóchico”, frustrar,
ruim, exacerbar, estupro (“estrupo” é crime hediondo
também contra a gramática), meritíssimo (e não “meretíssimo”
ou “meretríssimo”), etc.
65

A despeito de frequentes, devem ser evitadas,


porquanto errôneas, construções deste naipe:
a) “Fazem” 10 min que o orador está falando e já bebeu
um copo d’água”. (Faz 10 min…);
b) “Haviam” mais de 50 advogados na conferência.
(Havia mais de 50 advogados na conferência, e todos
atentos);
c) A Polícia “interviu” e dispersou os torcedores.
Interveio e dispersou os torcedores (do São Paulo
Futebol Clube: estavam exacerbados).

Ainda:
— “Juntou-se” documentos (por juntaram-se documentos);
— Se você “ver” o Dr. Zanoide, cumprimente-o. (Corrija-
-se a linguagem: Se você vir o Dr. Zanoide,
cumprimente-o pela feliz gestão na OAB);
— Vossa Excelência “fostes” demasiado rigoroso. (Forma
correta: Vossa Excelência foi. Os pronomes de
tratamento obrigam o verbo à terceira pessoa).

Apoiados à muleta da força de vontade, cada um de


vós poderá satisfazer plenamente ao imperativo profissional
de falar bem, que deve ser a pedra de toque e o apanágio
do advogado.
Tende à mão também uma boa gramática e um
dicionário. A gramática pode ser a do renomado Napoleão
Mendes de Almeida: Gramática Metódica da Língua
Portuguesa. Quanto ao dicionário, poderá o advogado
66

consultar, nas dificuldades, o Aurélio, sem menoscabar


os outros: Cândido de Figueiredo, Laudelino Freire, Caldas
Aulete, o velho Morais (Antônio de Morais e Silva) e o
benemérito Rafael Bluteau, que compôs, durante 40 anos,
sozinho, seu magnífico Vocabulário (em 10 vols.).
Não vos esqueçais da leitura dos clássicos da língua,
notadamente de seu período áureo (séc. XVII): Antônio
Vieira, Manuel Bernardes, Luís de Sousa, Francisco
Manuel de Melo, etc.

Antônio Vieira (1608—1697)


“O imperador da língua portuguesa” (Fernando Pessoa)
67

E também de Alexandre Herculano e Camilo Castelo


Branco (estes, do séc. XIX).
Dos brasileiros, a leitura das obras de Rui, do genial
Rui Barbosa, deve ser indispensável a todos os que nos
preocupamos com as coisas do espírito, pela excelência das
ideias, pela força arrebatadora do raciocínio lógico e pela
clássica e elegante linguagem vernácula portuguesa. De sua
vasta bibliografia constam: Oração aos Moços, Parecer sobre a
Redação do Código Civil, Réplica, Cartas de Inglaterra, Queda
do Império, O Dever do Advogado, Trabalhos Jurídicos, etc.

Rui Barbosa (1849—1923)


(“O primeiro talento verbal da nossa raça”)
68

Esse foi aquele Rui a quem Sílvio Romero deu, com


justiça, o epíteto de “o primeiro talento verbal da nossa raça”(4)
e cuja morte a Imprensa do tempo anunciou por estas
solenes e impressionantes palavras: “Apagou-se o Sol!”(5).

Gazeta de Notícias, de 2 de março de 1923

IV - Aquele que aspira à Tribuna do Júri não pode,


evidentemente, limitar-se à leitura dos autores profanos;
importa-lhe conversar também, como é de razão, os que
trataram “ex professo” o Direito Penal (como Nélson
Hungria, o Pontífice Máximo do Direito Penal entre nós; o
maior de nossos penalistas, recenseados vivos e mortos; e
o intérprete mais autorizado do Código Penal de 1940, de
que foi o principal elaborador, tendo-lhe escrito ainda
magnífica exposição de motivos, que Francisco Campos,
Ministro da Justiça de Getúlio Vargas, apenas assinou).
69

De Direito Processual Penal merecem particular


menção as obras de José Frederico Marques (Elementos de
Direito Processual Penal), Hélio Tornaghi – “Que homem é
suficientemente Deus para julgar outro homem?” (Curso de
Processo Penal, Prefácio) –, Bento de Faria, Damásio E. de
Jesus, Vicente de Azevedo (Vicente de Paulo Vicente de
Azevedo, o Vicentíssimo).
E também as obras especializadas sobre o Júri:
Firmino Whitaker (Júri), Ary Franco, Edgard de Moura
Bittencourt, Hermínio Marques Porto, etc.
E, além disso, a copiosa literatura dos Casos do Júri:

a) Evandro Lins e Silva (A Defesa tem a Palavra);


b) Dante Delmanto (Defesas que fiz no Júri);
c) Alfredo Tranjan (A Beca Surrada);
d) Evaristo de Morais (Reminiscências de um Rábula
Criminalista);
e) Henrique Ferri (Discursos de Defesa);
f) Carlos de Araújo Lima (Grandes Processos do Júri);
g) Pedro Paulo Filho (Grandes Advogados, Grandes
Julgamentos);
h) E aquele “ao qual entre todos os mortais foi reservada a
palma da humana eloquência”(6): Marco Túlio Cícero
(Orações).
70

Cícero (106—43 a.C.)


(Príncipe dos Oradores e Oráculo da Língua Latina)

Não é só. Cumpre estudar bem o processo, dominar a


causa e elaborar a defesa nos moldes clássicos da Arte
Oratória:
— Exórdio, Narração, Confirmação e Epílogo (ou
Conclusão).

V - Já é tempo de entrarmos, confiantes, no Tribunal do


Júri.
No velho Tribunal do Júri da Capital –
transformado hoje em Museu do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo(7) – ninguém entra sem profundo
71

abalo de ânimo: o ambiente é amplo e austero, o mobiliário


requintado, as pinturas de parede majestosas, o silêncio
eloquente!
Ah! a instabilidade das coisas humanas e os cruéis
caprichos da fortuna! Reina hoje infinito silêncio, onde foi
outrora o capitólio de glórias dos mais soberbos tribunos
do Júri!
Aí vereis, eternizadas no bronze, as efígies de Brasílio
Machado, Marrey Jr., Dante Delmanto, Ibraim Nobre
(Promotor de Justiça e lendário tribuno da Revolução
Constitucionalista de 1932) e do excelso Antônio Covello,
vulto olímpico, o semideus da tribuna do Júri.

Antônio Covello (1886—1942):


Vulto olímpico, o semideus da tribuna do Júri
72

Dele fique apenas este episódio: patrocinou a defesa


de certa mãe que matou o próprio filho, com um tiro de
revólver, porque furtara um chapéu. O júri absolveu a ré
por 7 votos; ela e seu advogado foram carregados nos
ombros pela plebe entusiástica…
(Humberto de Campos escreveu, ao propósito, uma
crônica sublime, que lerei se me favorecer o tempo e se
vós o consentirdes. Tivessem-na lido os jurados antes do
julgamento, e talvez lhe fosse outro o resultado!).

VI - Estamos no plenário do Júri. Tangem as fibras de


nossa alma aquelas palavras grandiloquentes de José Soares
de Mello, que foi Juiz-Presidente do Egrégio Tribunal do
Júri da Capital: “Quando o advogado se alça para falar, na
tribuna do júri, ninguém o iguala. É que está em jogo a
liberdade e a vida de um homem”(8).

Modelo de saudação ao Presidente do Tribunal do Júri


[Excelentíssimo Senhor Juiz-Presidente deste Egrégio
Primeiro Tribunal do Júri da Comarca da Capital, Dr.
(nomeá-lo):
Na pessoa do Magistrado queriam nossos maiores
que conspirassem três predicados fundamentais: que fosse
um homem fidalgo, prudente e letrado(9). A majestade
semidivina do cargo assim o pedia!
Todas essas qualidades, Dr. (nomeá-lo), nós que vos
conhecemos há assaz de anos, fazemos a justiça de supô-las
73

em Vossa Excelência. Tendes nobreza e sabedoria nos atos


e decisões; vastos são também vossos cabedais de ciência. E,
o que é mais: para honra da Magistratura paulista, esses
dotes Vossa Excelência os possui em grau eminente.
Podeis, portanto, manter-vos, com a fronte erguida,
no topo desse honorífico estrado, porque sois digno de ser
visto e ouvido por todos os homens de bem.
Com respeito e estima, saudamos Vossa Excelência.]

Modelo de saudação ao Promotor de Justiça


[O Ministério Público, esse não tem hoje que invejar à
Magistratura, pois igualmente está muito bem representado.
De vós, Dr. (nomeá-lo), o menos que a verdade
manda dizer é que sois modelo da grande Instituição a que
pertenceis.
Tendes o garbo e a têmpera de um legionário, que,
empunhando o estandarte de sua venerável ordem,
empreende soberbas cruzadas em prol da restauração do
império da Lei.
Essas campanhas, é força que o digamos, nem sempre
o adversário aplaude (exceção que ainda hoje, muito a nosso
pesar, não veremos quebrantada). Porém, a figura do
valoroso combatente não há quem deixe de exaltá-la,
sobretudo quando (sendo esse o caso) reúne em si
qualidades de saber e inteligência, de caráter e coração que
dificilmente se encontram exornando uma só individualidade.
74

Receba V. Exa., Dr. (nomeá-lo), nossa merecida e


sincera homenagem.]

Modelo de saudação aos Jurados


[Senhores Jurados, da importância e sublimidade de
vossas funções não é mister que vos falemos, que outros já o
fizeram com mais arte e propriedade.
Pelo que respeita a vossos méritos pessoais, também
escusa proclamá-los, visto que é a própria lei quem o faz
presumir, tendo-vos escolhido dentre cidadãos dignos da
confiança pública pela abalizada cultura e exemplar teor de
vida.
Tais valores e conceitos são inerentes à função de
jurado e, por isso, notórios, e os fatos notórios, dispõe o
Direito que dispensam demonstração, porque a evidência
“é a própria prova”(10).
Apenas um ponto quiséramos ponderar a V. Exas. e é
que nunca um jurado se elevou mais aos olhos de seus pares
do que quando, considerando nas mazelas a que estamos
sujeitos os mortais, preferiu a clemência ao castigo e a
equidade à justiça, porque aí, mais que um simples homem,
obrou verdadeiramente com o estilo e a onipotência de um
semideus!
Senhores Jurados, cumprimenta-vos afetuosamente a
Tribuna da Defesa;
Distinta guarda pretoriana, braço forte da Justiça;
75

Dignos e dedicados serventuários do Júri;


Senhoras e Senhores!]

Tal saudação já serviria a conciliar o auditório,


finalidade do exórdio, primeira parte do discurso.
Se a Defesa, todavia, quisesse cunhar um preâmbulo
que fosse também a súmula de sua tese jurídica, poderia
dizer:
[É próprio do homem aspirar à perfeição. Em todos
os seus atos, persegue-o incessantemente a ideia de que
tanto mais dignificará sua espécie, quanto menor sua carga
de erros e desacertos.
Mas, nenhuma obra da natureza é cabalmente
perfeita(11). Frequentes são as quedas e vacilações… e o
homem não seria feito de barro se tal não acontecesse!
Donde a comum preocupação dos espíritos
verdadeiramente superiores de não averbar de erro ou falta
grave tudo quanto lhes pareça contravir à sábia harmonia
reinante no Universo.
Não sejamos, meus Senhores, prontos em censurar as
ações humanas, ainda as que se nos afigurem abomináveis,
porque poderá dar-se o caso que o homem, onde menos se
mostre digno do epíteto de Rei da Criação, aí talvez mais
justamente o mereça.]
76

Segundo a doutrina de Fábio Quintiliano (As


Instituições Oratórias), compõe-se o discurso forense do
Exórdio, da Narração, da Confirmação e da Peroração (ou
Epílogo).
Para não dilatar além da marca nosso tempo, tratemos
da Peroração. É o remate do discurso. Nesta parte o orador
costuma “dar o último impulso aos corações”(12).

Perante os Jurados discursará deste feitio:


[Honrados Juízes, de todas as máximas que já ouvistes
nesta gloriosa academia de ciência jurídica, que é o
Tribunal do Júri, não há mais importante nem sagrada que
esta: condenação exige certeza. Esta é a regra de ouro de
todo o julgador!
Sem prova plena e incontroversa da autoria da
infração penal, ninguém pode ser condenado.
Ora, no caso, não ficou demonstrada a participação do
réu no crime de homicídio. Sua absolvição, portanto, será a
única decisão compatível com os ditames da Justiça.
Lembrai-vos das palavras de Nélson Hungria, que
mereciam gravadas em lâmina de ouro: “Condenar
um possível delinquente é condenar um possível inocente”
(Comentários ao Código Penal, 6a. ed., vol. V, p. 65).
Quando, na sala secreta, vos propuser o MM. Juiz-
-Presidente a votação dos quesitos, devereis responder não
àquele relativo à autoria, porque o réu, como provamos,
não concorreu para a prática do crime.
77

Noutros casos, fora só Justiça; aqui será também


piedade afastar dos lábios do réu a taça amarga de uma
condenação injusta!

VII - Além da cultura humanística, deve o advogado


abalizar-se nas virtudes.
A trilogia de Justiniano, nas Institutas, ou os preceitos
de Direito são: “Vivere honeste” (viver honestamente);
“neminem laedere” (não prejudicar a ninguém); “suum cuique
tribuere” (dar a cada um o que é seu).
A grande força do Advogado e dos cultores do Direito
é a força moral.
Para vencer na vida profissional, deve o advogado ser
trabalhador, estudioso e honesto!
Não é utopia, mas a realização do verdadeiro ideal do
Advogado: com os pés firmes e resoluto, pisar a terra e,
com as mãos, tentar alcançar as estrelas do céu!
Muito obrigado!
78

Nótula
A respeito do famoso drama judiciário de que foi
protagonista certa mãe, acusada de homicídio – matara o
próprio filho, no dia 24 de abril de 1931, por haver furtado
um chapéu(13) – e, afinal, julgada e absolvida pelo júri, em
veredicto unânime, tendo-se encarregado de sua defesa o
renomado criminalista Antônio Covello (Antônio Augusto
de Covello Jr.), escreveu Humberto de Campos uma página
imortal. Não posso menos de reproduzi-la aqui (adaptado o
texto à ortografia oficial), numa como simples e justa
homenagem a esses dois supremos artistas da palavra.

Mãe
O Tribunal do Júri absolveu ontem, por unanimidade,
em São Paulo, uma senhora que matou, com um tiro de
revólver, o próprio filho. Aglomerado à porta do templo
da Justiça humana, o povo prestou uma grande e ruidosa
homenagem à criminosa, conduzindo-a pelas ruas da
cidade, entre aclamações entusiásticas. O assassinado era
menor, e havia furtado um chapéu num clube de regatas. A
mãe, temendo que seu filho se tornasse, pela vida adiante,
um ladrão, correu a uma casa de armas, comprou uma
“Smith & Wesson”, e meteu-lhe uma bala na cabeça. Presa e
julgada, foi absolvida. Absolvida, foi ovacionada, carregada
em charola, glorificada pela multidão.
Eu não sei se, entre as pessoas que percorreram as
ruas paulistas, justificando publicamente essa criminosa,
havia mulheres, e se, entre as mulheres que lhe batiam
79

palmas, havia alguma que fosse mãe. As noções da honra e


da probidade devem ser profundas, na alma da mulher.
Mais profundo deve ser, porém, no seu coração, o amor a
seu filho. A mãe de Pausânias, correndo a auxiliar os éforos
que muravam as portas do templo de Minerva, em Esparta,
no qual se refugiara o famoso capitão acusado de traição à
pátria, pode parecer admirável aos olhos dos historiadores e
dos poetas antigos. Mais sublime é, porém, Níobe, tornada
em rochedo, petrificada de dor, chorando surdamente os
pedaços do coração que os deuses lhe tinham levado.
— Lembrai-vos de Abraão, senhora, dizia um sacerdote
a uma piedosa dama genovesa que tinha nos braços o seu
filho morto. Deus ordenou que ele matasse a Isaac
pequenino, e a sua mão não tremeu ao erguer o punhal
sobre o coração do inocente.
— Sim! respondeu a dama, inconsolável. Mas Deus deu
essa ordem a Abraão, que era pai; não deu a Sara, que era
mãe, porque sabia que não seria obedecido!
A senhora paulista que matou o filho, unicamente por
temer que ele, furtando agora um chapéu, viesse a assaltar,
mais tarde, uma chapelaria, foi, positivamente, precipitada
no seu gesto e desumana na sua justiça. Nem sempre a
criança, e mesmo o adolescente, leva para a idade adulta os
hábitos maus de que se ressente. As virtudes definitivas
nascem com as noções da responsabilidade. Um mau
menino pode vir a ser um varão virtuoso. Uma criança
exemplar degenera, muitas vezes, num indivíduo nocivo à
sociedade. Assim como se não pode dizer, olhando um ovo,
80

a cor do pinto que ele envolve, é temerário prever, pelas


falhas morais de um adolescente, reminiscência de
características vulgares da criança, o cidadão que ele será.
Entre os catorze e os vinte e dois anos operam-se
revoluções profundas na alma humana. O rio misterioso,
que veio das nascentes correndo entre pedras, só então se
precipita do alto da montanha nativa buscando o seu leito
definitivo. Matasse toda mãe, ou todo pai, o filho jovem
acusado de faltas que são crimes na maturidade, e a
população do globo estaria reduzida, hoje, à quarta parte.
Eu próprio não estaria aqui, escrevendo estas cousas justas,
em linguagem serena, mas partidas de uma alma indignada.
Considero-me um homem honesto e nutro pela
propriedade alheia um respeito religioso. Fui, entretanto,
quando menino, a vergonha de minha mãe. Furtei
brinquedos, furtei latas de leite condensado, e cheguei a
furtar, pouco a pouco, mais de setenta mil réis, que me
tomaram depois. E eu abençoo, hoje, todas essas tristes
lições da vida e do destino, porque aprendi, na prática
do crime, que era ainda apenas pecado, a ter por ele
uma instintiva repulsão. É pelo conhecimento do erro
que se consegue, muitas vezes, distinguir e venerar
conscientemente a virtude.
Recolham-se, pois, as mãos que se ergueram, limpas
ou suadas, para aplaudir aquela que derramou o sangue do
seu sangue. Um dia, em Viena, alguns forçados varriam as
ruas, quando um rapaz de boa aparência desceu de um
carro e correu a beijar a mão de um deles.
81

— Que é isso? Beijas, assim, em público, a mão a um


criminoso? – diz-lhe o comandante da escolta.
— E por que não, se esse criminoso é meu pai? –
respondeu-lhe o moço.
A senhora paulista agora absolvida parece grande aos
olhos dos homens. Eu creio, porém, que ela se tornaria
maior, gigantesca mesmo, aos olhos das outras mulheres,
se, realizado o pensamento que a tornou criminosa, fosse
procurar todos os dias no cárcere o condenado, e dissesse a
quem estranhasse vendo-a visitar um ladrão:
— E por que não, se esse ladrão é meu filho?!(14)

Notas

(1) “Nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella
miseria” (Dante Alighieri, Inferno, canto V, v. 121).
(2) Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, p. 195.
(3) In A Oração da Coroa, de Demóstenes, 1877, p. IX.
(4) Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira, 1949,
t. V, p. 448.
(5) Gazeta de Notícias, 2.3.23 (cf. Revista de Língua
Portuguesa, nº 23, p. 7).
(6) Heitor Pinto, Imagem da Vida Cristã, vol. I, p. 31.
(7) Do Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo é Coordenador o eminente Des. Emeric Lévay,
jurista e historiador de nobre estirpe, a quem muito
82

deve a cultura paulista. (O autor deve-lhe também a


gentileza da foto que ilustra esta página).
(8) J. Soares de Mello, O Júri, 1941, p. 17.
(9) Ordenações, liv. I, tít. 1º.
(10) Cf. Bento de Faria, Código de Processo Penal, 1960, vol.
I, p. 253.
(11) Cícero: “Nihil ex omni parte perfectum natura expolivit”
(apud Bluteau, Vocabulário, 1720, t. VI, p. 420).
(12) A. Cardoso Borges Figueiredo, Retórica, 1875, p. 67.
(13) Cf. Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes
Julgamentos, 1989, p. 153.
(14) Humberto de Campos, Os Párias, 1939, 8a. ed., pp.
128-131; Livraria José Olympio Editora.
9. A Cultura dos Senhores Advogados

I - Desencantados com o nível cultural dos que abraçam


as mais nobres das profissões, em cujo número se conta a
Advocacia(1), críticos veementes (e quase sempre abalizados)
têm vindo a público para verberá-lo. De férula em punho,
arrolam as causas que, a seus avisos, responderiam pelo
despreparo profissional: a eversão dos primeiros valores
do homem, num século que sacrifica precipuamente ao
materialismo; a angústia de tempo, que lhe não deixa vagar
nem ócio para as coisas do espírito; a notória degradação
do currículo das escolas; a deficiência do ensino universitário,
etc. Fatores são estes que, deveras, nenhum estudioso
remete à sombra quando considera nos motivos que
autorizam a opinião, muita vez desfavorável, da ciência e
ilustração dos bacharéis. E, pois que se diagnosticou a
“mazela” (que outro nome não merece a carência dos
cabedais científicos), será força indicar do mesmo passo os
meios de sua cura e erradicação. Este, verdadeiramente, é
o estilo de obrar do crítico sensato e benfazejo, o teor de
proceder do que traz consigo a centelha que outrora
inflamava o peito aos valorosos educadores (não só críticos),
os quais a Humanidade hoje reverencia com chamar-lhes,
muito à própria e gravemente, apóstolos; que o foram:
apóstolos da Civilização.

II - Longe deste augusto padrão, no entanto, parece ficou


a censura que, em jornal de grande circulação no País(2),
84

certo juiz fez aos advogados que atuam nos pretórios da


Justiça Criminal. (Pedem razões de vária ordem lhe
conservemos o nome debaixo de espesso véu: à uma,
porque não está excluída a hipótese de lhe haver recolhido
mal as palavras o jornalista que as publicou; à outra,
porque, ainda que as tivesse dito, bem pode ser que,
havendo-as lido depois, em letras redondas, já lhes não
afiançasse, no recôndito de sua consciência, o modo como
as tirou à luz do dia: à derradeira, porque o conceito em
que, desde a mais alta antiguidade, foram havidos os
críticos(3) – tomado o vocábulo à má parte –, não quadra
nunca à pessoa do juiz, cujo timbre mais precioso ninguém
ignora foi sempre a serenidade.
Vindo agora ao ponto. O que disse o magistrado, a
propósito dos problemas que obstam à boa administração
da justiça, foi que “o nível dos advogados criminais é péssimo”.
Dissera-o com assombro da gente do foro, a qual, mais
que um rude epigrama, interpretou essa desprimorosa
referência por injúria formal contra a verdade e injustiça
manifesta aos criminalistas. Estes, como era forçoso
receberam-na com profunda consternação; mas, habituados
já à poeira de seu caminho – afinal, não houve até quem
lhes quisesse cortar a língua?!(4) –, deram logo de mão às
acerbas invectivas. Contudo, não lhes sofreu o ânimo que
antes não retorquissem: a) que não era de crítico assisado
generalizar afirmações pejorativas; b) que, houvesse alguém
de notar defeitos em outrem, que o fizesse com a atenção
devida à sua pública reputação; c) que, de necessidade, fora
85

injusta a crítica só empenhada em esquadrinhar deficiências,


sem exaltar virtudes.

III - Ao criticar os indivíduos de uma classe, é de mau


exemplo arrojar-se alguém a ofendê-la em sua totalidade.
Concedendo-se que a censura procedesse em relação a uns
poucos, decerto não houvera de prevalecer quanto à
maioria. E tratar (na verdade, maltratar) igualmente os
desiguais passa por gênero grande de injustiça. Repugna
também à consciência crítica bem formada isso de, na
apreciação de eventuais defeitos que se achem num
indivíduo, calar muito de estudo suas qualidades. Ainda:
para ser equânime e reto, não deverá o crítico subtrair ao
aplauso dos sujeitos honestos os fatos e as notícias relativos
à instituição que pretende censurar. É que, da mesma sorte
que os homens, também elas nunca deixarão de ser aquilo
que foram com suas misérias e grandezas. Dito da
Advocacia Criminal, isto importaria a evocação de páginas
imortais de abnegação e sacrifícios. Interrogue a História
aquele que ainda não conhece as excelências da “ínclita
profissão”, e ela haverá de responder-lhe com a lição do
imenso Malesherbes, um dos três defensores de Luís XVI,
de França. Herói e mártir da profissão, teve o mesmo fim
que o seu real constituinte: “pagou com a vida a honra de ter
defendido seu rei”(5).
Por fim, está no modo de fazê-la a alma e o egrégio
merecimento da crítica; há de conformar-se com os
86

princípios da moral social e refletir os sentimentos próprios


do coração probo e virtuoso(6).

IV - Alguma insuficiência, que a crítica implacável se


afadigue em surpreender nos advogados criminalistas(7), não
será senão o comum tributo que os mortais se obrigam a
recolher, à conta de sua própria condição, que nada quer
perfeito e acabado.
E, se arguirem de suspeita esta defesa, porque
deduzida por praticante do ofício, a argumentar “pro domo
sua”, então seja permitido que falem pelos criminalistas dois
titãs do Direito, que não foram só exímios advogados, mas
também juízes modelares: Eliézer Rosa e Alfredo Tranjan.
Escreveu o primeiro, elegante e sabiamente: “Há no
semblante austero dos grandes advogados criminais uma discreta
sombra de amargura que atesta a convivência diuturna com
a angústia alheia, que neles se imprime como a verônica
inapagável da profissão. Eu lhes vi a muitos a cabeça aureolada
pelo forte esplendor da glória e do saber. Eu vi-os passar soberbos
na humildade dos sábios e dos bons” (Eliézer Rosa, Romeiro
Neto, o Último Romântico da Advocacia Criminal, 1984,
p. 21). Alfredo Tranjan, citando Viviani, discursou: “O que
faz a grandeza de nossa profissão é que, quando abraçamos uma
causa justa, nós a defendemos contra a ignorância da multidão,
contra a paixão do povo, contra a tirania dos poderosos. O
advogado é o primeiro homem acima de todos, em volta de nós,
capaz de fazer ouvir, mesmo acima dos clamores da multidão, as
palavras de justiça e verdade” (A Beca Surrada, 1994, p. 309).
87

Donde se mostra claro que aqueles mesmos que


foram, segundo craveira mesquinha, indiscriminadamente
apodados de péssimos, distinguem-se, no juízo de dois
varões da primeira eminência, pelo “esplendor da glória e do
saber” e pelo ideal de “justiça e verdade”.
Ao pio e avisado leitor já não fica difícil aquilatar de
que lado desce a concha da balança!

Notas

(1) À Advocacia chamou Voltaire “a mais bela das profissões


humanas”. “Le plus bel état du monde” (apud Carvalho
Neto, Advogados, 1946, p. 83). Louvor é este que sobe
de ponto quando sabemos que seu autor “foi talvez a
primeira cabeça, o mais fecundo gênio do século XVIII”
(Ernesto Carneiro Ribeiro, Tréplica, 1923, p. 666).
(2) Folha de S. Paulo, 27.9.95.
(3) Vem aqui a pelo o instrutivo conto de Boccalini:
“Tendo certo crítico famoso ajuntado todos os defeitos de um
grande poeta, fez deles presente a Apolo. Este deus os
recebeu graciosamente, e determinou recompensar o autor
de um modo conveniente ao trabalho que tivera. Com este
intento pôs-lhe presente um pouco de trigo por alimpar,
e ordenou-lhe que separasse a palha, e a pusesse à parte.
Começou o crítico a trabalhar com muita indústria e
diligência; e depois de ter feito a separação, Apolo lhe deu a
palha pelo seu trabalho” (apud Cardeal Saraiva, Obras
Completas, 1883, vol. X, p. 154).
88

(4) Napoleão: “Quero que se possa cortar a língua ao


advogado, se dela usar contra o governo” (apud Rui, Obras
Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 57).
(5) Cf. Romeiro Neto, Fora do Júri, 1970; p. 98.
(6) Sentenciou o erudito Cardeal Saraiva “não ser jamais
decente que o homem bem nascido e bem educado note ou
repreenda com expressões de desprezo, com ditérios picantes
e com amargosa sátira qualquer gênero de defeito que
observe nos seus semelhantes” (op. cit., p. 159).
(7) Advogado criminalista – ensinou o reputado Prof.
Napoleão Mendes de Almeida (a quem pedimos nos
soltasse a dúvida) – é a designação correta daquele
que professa a Advocacia Criminal. Eliézer Rosa,
jurista de prol e escritor de exemplar vernaculidade,
prefere a expressão advogado criminal. “Grammatici
certant”!
10. Palavra: Veículo do Pensamento

I - “Dom mimoso de Deus”, na frase de um de nossos


clássicos(1), é a palavra o instrumento da ideia. Mas,
consequência da imperfeição mesma do homem, nem
sempre a pode representar fielmente. Ao invés, tanta é a
dificuldade para traduzir-se a ideia na sua inteireza, que o
insigne Carlos Maximiliano, sem alguma injúria à verdade,
antes com grande respeito dela, afirmou que “a palavra
é mau veículo do pensamento”(2). Isto mesmo escreveu o
talentoso Saint-Exupéry, em sua obra-prima imortal: “A
linguagem é uma fonte de mal-entendidos”(3).
Não maravilha, pois, que, expressão literal de uma
ideia, a palavra seja de igual passo causa e ocasião de
incidentes, e estes muita vez graves.

II - Temos entre mãos exemplo que faz ao caso. Certo


advogado, narra uma folha carioca(4), empregara em petição
a palavra quadrilheiro em referência a um oficial de justiça,
o que este não levou em paciência, comunicando-o logo a
seu juiz (o Dr. Paulo César Salomão), o qual, tomando o
vocábulo à má parte, representou à Ordem dos Advogados
do Brasil contra o Dr. Salomão Velmovitsky (assim havia
nome o nobre causídico). Aquela entidade, órgão a um
tempo de disciplina e defesa dos que pertencem à ínclita
profissão, rejeitou o libelo proposto pelo juiz, preferindo
acolher os argumentos do advogado, reputados da primeira
intuição: quadrilheiro não significava só o indivíduo que
90

fazia parte de quadrilha, era também sinônimo de oficial de


justiça. O que tudo bem visto e examinado, foi força achar
razão ao perspicaz bacharel (íamos quase a dizer nosso herói).
Em verdade, registraram a palavra quadrilheiro, na última
acepção, os mais autorizados lexicógrafos da língua.
Depara-no-lo o bissecular Rafael Bluteau, com a seguinte
definição: “Quadrilheiro, oficial humilde de justiça”(5). Pelo
mesmo teor o velho Morais(6) e o Constâncio(7). As próprias
Ordenações Filipinas, “de autoridade clássica entre os clássicos”,
na opinião de Rui(8), reservaram aos quadrilheiros não
menos de um título(9). Portanto, da mesma sorte que
meirinho, beleguim e aguazil, a palavra quadrilheiro tem carta
de vernaculidade portuguesa entre os sinônimos de oficial
de justiça.

III - No intuito de justificar a exação de sua linguagem,


o conspícuo advogado (jamais rábula) louvou-se no
argumento de autoridade, “in verbis”: “Descobri, num artigo
do jurista Eliézer Rosa, que quadrilheiro era sinônimo de oficial
de justiça”. E, tendo-se abordoado à lição de autor de tanto
crédito, de nenhuma outra havia ele mister, em firmeza do
acerto do tratamento dispensado ao oficial de diligências.
Falara contudo verdade, quando disse ter reproduzido
o magistério de Eliézer Rosa, não só mestre na ciência do
Direito, senão cultor exímio das boas letras? Estamos que
sim.
Temos, com efeito, diante dos olhos cópia do artigo
que, debaixo do título Estudinhos de Processo, aquele
91

eminente magistrado tirou à luz em jornal do Rio de


Janeiro. Dele transcrevemos este relanço: “Em nosso
vernáculo, são sinônimos dicionarizados de oficial de justiça
os seguintes: oficial de diligências, beleguim, esbirro, alcaide,
aguazil, sargente, ovençal, meirinho, quadrilheiro”(10). De
seguida, ajuntou esta judiciosa advertência: “Desses termos,
muitos se tornaram obsoletos, caíram em desuso muito
justamente, porque não significam nada em nossos dias, sobre
serem muito pejorativos, injustamente pejorativos” (ibidem).
O ponto, logo se vê, está em usar com discrição
aqueles vocábulos, dos quais uns caíram em mortório,
outros porém têm curso livre e são vernáculos de lei.
Quadrilheiro, posto que de fidalga genitura, termo é que
hoje se não deve empregar por sinônimo de oficial de justiça,
à conta de seu cunho notoriamente injurioso.
Matéria é esta, pois, digna de especial cautela, não se
converta em pedra de escândalo, de que mal puderam
eximir-se dois altos sujeitos, que traziam por timbre de sua
muita ciência e raro aviso o nome de Salomão, “o mais sábio
de todos os que nasceram”(11).

Notas

(1) Silvério Gomes Pimenta, in Discursos Acadêmicos, 1936,


p. 65.
(2) Cf. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 1933, p. 131.
92

(3) O Pequeno Príncipe, 35a. ed., p. 71; trad. D. Marcos


Barbosa.
(4) O Dia, 17.8.95.
(5) Vocabulário, 1720, t. VII, p. 7.
(6) Dicionário da Língua Portuguesa, 1813, t. II, p. 531.
(7) Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 1877, p. 816.
(8) Cf. Réplica, nº 2.
(9) O LXXIII do liv. I, que dispunha: “Em todas as cidades,
vilas, lugares e seus termos, haverá quadrilheiros, para que
melhor se prendam os malfeitores”.
(10) Cf. Jornal do Comércio, 5.6.78.
(11) Vieira, Sermões, 1959, t. IX, p. 256.
11. A Linguagem do Juiz

I - Com esse título, tirou a público o eminente


Desembargador Geraldo Amaral Arruda livro em extremo
útil àqueles que se consagraram ao serviço da Justiça(1).
Forte no argumento de que o teor literal das decisões
judiciais está comprometido com a linguagem culta(2),
entrou Sua Excelência a tratar “ex professo” de pontos, cuja
inobservância tem levado muitos a distanciar-se daquele
áureo padrão de que justamente se ufanava o jurista
Bertrand: O Palácio da Justiça é o conservatório da língua(3).
Como é do ofício do juiz dizer o Direito, está além de
toda a disputa que unicamente na palavra achará o veículo
de sua realização. Daqui procede, pois, que deverá
conhecer bem o idioma vernáculo e saber exprimir-se nele
com discreta e pontual correção(4).
No juiz não é mister concorram os dotes que
distinguem os exímios artistas da palavra e lhes asseguram a
imortalidade no panteão da glória literária; tampouco é
preciso traga na fronte o louro de Apolo; basta-lhe que, não
podendo possuir todas as excelências de sua língua, ao
menos se empenhe por evitar as faltas graves que amiúde
contra ela se cometem e lhe abatem o esplendor(5).

II - Mas, visto pressupõe largo tirocínio, a ciência da


linguagem não se adquire sem o trato paciente e
94

ininterrupto dos mais acabados modelos da vernaculidade


– os clássicos –, que Horácio mandava correr com mão
diurna e noturna(6).
A primeira objeção que nos fará algum colega é que,
verdadeiros reféns do tempo, e eternamente ocupados em
leituras e estudos de autos de processo, já não têm os juízes
ócio para a conversação dos mestres do bom dizer, que lhes
regale a alma.
Verdade é esta que se não pode refutar cabalmente!
Todavia, àquele, em cujo peito ainda não feneceu a
centelha do entusiasmo pelas coisas belas e grandes, sempre
deparará a fortuna alguns instantes, nos quais possam
reconciliar-se com os egrégios varões que deram lustre e
majestade à formosa língua portuguesa. Eis a melhor
maneira de alcançar a riqueza do saber literário!
Não é para aqui a menção de todos os escritores cujas
obras importam muitíssimo à formação do gosto literário, à
aquisição dos cabedais da língua e à apuração do estilo.
Alguns poucos, no entanto, de nomeada clássica, merecem
referidos: Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Luís de
Sousa, Alexandre Herculano, Latino Coelho, Camilo
Castelo Branco, Machado de Assis…, demais dos que
figuram também no cânon dos juristas conspícuos: Rui,
Lafaiete, Nélson Hungria, Orosimbo Nonato e Eliézer
Rosa. (O que escreveram estes beneméritos espíritos
constituirá sempre boa lição de vernaculidade e excelente
doutrina jurídica).
95

III - Entretanto, porque nem o talento supre a gramática, o


livro prestantíssimo de Geraldo Amaral Arruda também
adverte o leitor dos erros e impropriedades mais comuns
que desprimoram sentenças e outros escritos forenses.
Alguns damos aqui de amostra:
a) “Recomende-se-o na prisão” (p. 23). Frase incorreta.
Deve-se dizer: “Recomende-se na prisão; recomende-se ele
na prisão ou seja ele recomendado na prisão”(7);
b) “Posto que, conjunção concessiva, que não deve ser usada como
causal. Posto que equivale a embora, ainda que, conquanto,
etc., e se usa com o verbo no subjuntivo” (p. 109)(8);
c) “De vez que…, vez que”: “muito comuns, tanto em peças
redigidas por advogados como até em sentenças” (p. 22),
tais locuções constituem solecismo condenável;
d) “Procedida a penhora” (p. 56). “Mas não será correto dizer
procedida a penhora… Por se tratar de verbo transitivo
indireto, não é correto seu uso em expressão passiva”. Diga:
“procedeu-se à penhora”;
e) Reprimenda. “Tem essa palavra aparecido em sentença
como sinônima de pena. Há equívoco. Não há fundamento
para o uso de reprimenda no sentido de punição criminal”
(p. 8). “No direito penal haverá impropriedade em se
denominar reprimenda qualquer pena detentiva. Apenas
pretendendo referir-se à admonição resultante da suspensão
condicional da pena é que se pode falar, sem impropriedade,
em reprimenda ao réu” (p. 9). O Dicionário de Caldas
96

Aulete e Santos Valente dá ao verbete reprimenda os


seguintes sinônimos: admoestação severa; crítica acerba;
censura forte;
f) Inobstante. “Nenhum dicionário autoriza esse neologismo,
que circula nos meios forenses a par de outras expressões de
formação semelhante. Preferível o uso das expressões
vernáculas já consagradas não obstante ou nada obstante”
(p. 23);
g) “… a aberrante expressão datissima venia” (p. 11).

A segurança e a clareza com que foi escrito e a grande


utilidade que sua doutrina representa para os cultores do
Direito e das boas letras, notadamente os juízes, valem por
idônea carta de recomendação do livro A Linguagem do
Juiz, no qual até os que se presumem de doutos e sabedores
terão muito que aprender e louvar.

Notas

(1) Geraldo Amaral Arruda, A Linguagem do Juiz, 1996,


Editora Saraiva.
(2) Op. cit., p. 5.
(3) Edgar de Moura Bittencourt, O Juiz, 1966, p. 287.
(4) “Não há bom Direito em linguagem ruim”, afirmou
com assaz de razão Hildebrando Campestrini (Como
Redigir Ementas, 1994, p. 40).
97

(5) Ao juiz não lhe é defeso cultivar em grau assinalado a


arte de bem escrever. Disse-o Mário Guimarães:
“Pode o juiz, se a tanto lhe ajudar o engenho e arte, dar
contorno elegante a cada frase. A elegância não se opõe à
simplicidade. Coexistem uma e outra, e até bem vai que
se associem” (O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958,
p. 360).
(6) Arte Poética, v. 268.
(7) Vem aqui de molde o ensinamento do preclaro
filólogo Mário Barreto: “Todos, em letra redonda,
já se referiram à combinação se o e unanimemente lhe
assentaram o ferro em brasa de sua condenação, por
monstruosa em face dos documentos exemplares do nosso
idioma” (De Gramática e de Linguagem, 1922, t. I,
p. 47). Ainda: “Os pronomes se e o jamais podem vir
juntos na mesma oração; nunca devemos dizer: não se o
sabe, faz-se-o, vê-se-o” (Napoleão Mendes de Almeida,
Gramática Metódica da Língua Portuguesa, 29a. ed.,
p. 177; Edição Saraiva).
(8) Posto que, em lugar de porque: “É locução conjuntiva, de
sentido concessivo, e não causal; significa ainda que, bem
que, embora, apesar de: Um simples cavaleiro, posto que
ilustre. E, posto que a luta fosse longa e encarniçada,
venceram” (Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário
de Questões Vernáculas, 1981, p. 242). Outros exemplos,
em abono da lição do saudoso Mestre: “(…) alguns
exemplos temos, posto que poucos” (Antônio Vieira,
98

Sermões, 1959, t. V, p. 74); “O tempo ia sereno, posto


que frio” (Alexandre Herculano, O Monge de Cister,
21a. ed., t. I, p. 46); “Estou melhor, posto que não
inteiramente restabelecido” (Idem, Cartas de Vale de
Lobos, 1980, vol. I, p. 59; Livraria Bertrand).
12. Carta para Migalhas

São Paulo, 24 de fevereiro de 2017

Senhor Diretor:
I - Atraído pela excelência do debate suscitado por dúvida
de um leitor de Migalhas – a forma correta qual seria:
“Subsume ou Subsome?” –, cuja resposta saiu à luz em
2.2.2017, na página virtual Gramaticalhas, sob os auspícios
de José Maria da Costa, insigne jurista e mestre em
linguagem, peço vênia para, terceiro de boa-fé e interessado,
aduzir breves razões acerca do ponto controverso.
Faço-o também num como preito de gratidão e
homenagem àquele benemérito cultor e paladino das boas
letras, com quem contraímos (os que lidamos na esfera
judicial) dívida insolúvel, bem que imprescritível.
A substância da questão que pareceu inquietar o
espírito do aplicado consulente era se, de par com subsume,
tinha foros de cidade na língua portuguesa o emprego de
“subsome”, como forma verbal de subsumir, na terceira
pessoa do singular do presente do indicativo.
A lição do abalizado Professor – que se ocupara
já do tema em sua prestantíssima obra Manual de Redação
Profissional (3a. ed., p. 1151; Millennium Editora) –
desatou pontualmente a dúvida. Advertiu, contudo, que,
no tocante à conjugação do verbo subsumir, não se
encontravam “grandes subsídios”.
100

Não há que dizer contra a exação deste asserto: com


efeito, salvo engano (de que me dou pressa a pedir escusas),
nenhum gramático, lexicógrafo ou filólogo de inconcussa
nomeada ainda tratara “ex professo”, entre nós, a flexão do
aludido verbo.
A tese, que pretende justificar a forma “subsome” por
semelhança com o verbo sumir (que faz some na 3a. pessoa
do singular do presente do indicativo), carece, ao parecer,
de bom fundamento nos padrões da vernaculidade.
Deveras, dificilmente alguém, mesmo após ter
percorrido de espaço a literatura jurídica, terá acertado com
um só lugar onde a forma vicária “subsome” aparecesse na
acepção em que o estilo do foro emprega o verbo subsumir:
“enquadrar um fato na lei, gênero ou espécie” (cf. Leib
Soibelman, A Enciclopédia do Advogado, 3a. ed., p. 337).
É a forma subsume a que tem aí voga desembaraçada e
prevalente. Haja vista os exemplos seguintes:

1. “Por ser típico é que o fato pode produzir efeitos jurídico-


-penais. Pois não há pena sem o antecedente da descrição
legal em que se subsume a conduta humana” (José
Frederico Marques, Curso de Direito Penal, 1956,
vol. II, p. 47; Edição Saraiva; São Paulo).
2. “Portanto, por exemplo, a subtração de coisa com a
simples intenção de usá-la (furto de uso) é fato
irrelevante para a nossa legislação penal, pois não se
subsume à norma penal incrimindora do art. 155”
(Damásio E. de Jesus, Codigo Penal Anotado, 18a.
ed., p. 33; Editora Saraiva; São Paulo).
101

3. “A adequação típica imediata ocorre quando o fato


se subsume imediatamente no modelo legal, sem a
necessidade da concorrência de qualquer outra norma
(…)” (Cezar Roberto Bitencourt, Tratado de Direito
Penal, 10a. ed., vol. I, p. 324; Editora Saraiva;
São Paulo).

II - O argumento, impressionável ao primeiro aspecto, de


que subsumir devia conjugar-se pelo paradigma sumir
(de que é composto) não se mostra atendível, “data venia”.
É que nem todas as formas cognatas seguem à risca seu
modelo de conjugação. Algumas caem sob a regra geral:
consumir é composto de sumir, que lhe serve de modelo; o
que também ocorre com os verbos construir e instruir, que
derivam do mesmo radical latino (“struere”); têm, por isso,
idêntica desinência nos tempos e modos verbais: constrói,
constroem; destrói, destroem. Outras, no entanto, constituem
exceção: instrui (que provém da mesma raiz latina (“in +
struere”) discrepa daqueles cognatos na forma verbal da 3a.
pessoa (instrui e não “instrói”). Subsumir está nesse caso:
embora derivado de sumir, dele se afasta na conjugação das
terceiras pessoas do presente: subsume(m).
É no falar comum que está a gênese desse fenômeno
linguístico; ou, por melhor dizer, no uso, “que é o árbitro,
o senhor e o regulador único do falar” (José de Sá Nunes,
Aprendei a Língua Nacional, vol. II, p. 124).
102

Eis por que a ninguém lembra dizer “presome” (em vez


de presume), ou “assome” (por assume), ao empregar a 3a.
pessoa dos verbos presumir e assumir, conquanto fale e
escreva consome (3a. pessoa do presente de consumir) e
tenham esses verbos uma só e a mesma origem: “con +
sumere”, “prae + sumere” e “ad + sumere”).

III - À luz da tradicional fraseologia jurídica, da prática


reiterada do foro e da lição de acatados modelos do bom
dizer, é preferível pois a forma verbal subsume – que
é moeda boa e corrente – à outra (“subsome”), inusitada,
desnecessária e de ressaibo clandestino.
Em suma, para exprimir a ideia de adequação do fato
concreto ao paradigma legal, não andará mal-avisado aquele
que falar e escrever: que se subsume ao tipo legal.
Para aferir a tipicidade da imputação, recorrem os
mais dos penalistas à vasta sinonímia de verbos: Subsumir-se
a (ou em), aceder a, adaptar-se a, adequar-se a(*), afeiçoar-se a,
amoldar-se a, coadunar-se com, conformar-se a (ou com),
compadecer-se com, corresponder a, frisar com, enquadrar-se em,
responder a, etc.
Por não dilatar sobremodo este artiguelho, aqui faço
ponto, prezado e ilustre Diretor de Migalhas. Saúdo-o com
todas as veras e agradeço-lhe a generosa acolhida em seu
portal de informação e cultura. Congratulo-me também
com os milhares de leitores que se honram de frequentar
essa prestigiosa fonte de saber e comunicação.
103

Cordialmente,
Carlos Biasotti

(*) Sobre a flexão do verbo adequar vem a propósito o


magistério de Arnaldo Niskier: “O verbo adequar é
defectivo, só possui as formas arrizotônicas, isto é, aquelas
cujo acento tônico não recai sobre a raiz do verbo.
Portanto, não existe adequo, adequas, etc.; utilize nesses
casos o verbo adaptar ou ajustar” (Questões Práticas da
Língua Portuguesa, 1992, p. 75; Consultor; Rio de
Janeiro).
13. Coisas Inúteis

1. (“Zero à esquerda”?!)

No universo das realidades, infinito é o número de


coisas que afirmam a vida e lhe abrandam os rigores e
demasias, pelo que se consideram úteis ou benéficas; outras,
aos revés, trazem em si mesmas uma como tacha de
deformidade que as desmerece e torna dispensáveis (e talvez
repugnantes, por afrontosas do siso comum).
Quando queremos dizer que algo é imprestável (e, pois,
despiciendo), costumamos juntar-lhe, para encarecer e
avivar seus atributos e notas particulares, certos termos de
comparação, deste feitio: inútil como verruga, fósforo
apagado, trem fora da linha, barata (dentro ou fora de casa),
sino sem badalo, ferramenta cega, lápis sem ponta, etc.(1)
Nesse rol de coisas reputadas inúteis averbou o vulgo,
desde tempos imemoriais, a locução “zero à esquerda”, que
Antenor Nascentes recolheu numa de suas obras: “Ser um
zero à esquerda. Nada valer, não ter a menor importância,
a menor consideração”(2).
Onde, porém, o “zero à esquerda” (ou cifra da
mediocridade, segundo os irreverentes) irradia sua estéril
presença é no enunciado da numeração cardinal, notadamente
na representação gráfica dos dígitos (ou números inteiros
de 1 a 10), assim (“horribile dictu”!): 01, 02, 03…, etc.
106

Em verdade, é ordinário ver em todo lugar (placas


em vias públicas, repartições administrativas, agências
bancárias, locais de trabalho, áreas de lazer, peças de
vestuário, papéis impressos, petições forenses, calendários,
etc.) o tal símbolo excrescente:
107
108

Feriu o ponto, de forma cabal e irrespondível, o


Comendador DeRose, num interessante opúsculo em que
trata de certas mazelas da língua portuguesa. Parece bem
reproduzi-lo aqui:
“Está grassando um cacoete do zero à esquerda. Na data,
assim como em qualquer outro número, lembre-se de que zero à
esquerda não tem valor. Portanto, nada de escrever 01, 02, 03,
etc. Isso é cafona.
Se você escrever dia 03, vou querer escrever que no dia 018
de fevereiro de 02013 fiz 069 anos.
A desculpa esfarrapada de que o zero à esquerda é para
evitar confusão não convence ninguém. Uma placa com a
informação portão 03 é claramente mais confusa do que portão 3.
Tal praxe é incompreensível, pois, inclusive, sai mais caro
mandar fazer 20 ou 30 placas com um algarismo a mais, um
desnecessário zero, antes do número que se quer indicar.
E todas as vezes em que alguém colocar o zero à esquerda,
deveríamos ler em voz alta: Dia zero três, na sala zero quatro,
às zero duas horas, só para fazer gracinha!” (Falando Bonito,
2013, p. 31; Editora Gráfica Vida & Consciência; São
Paulo).
À vista de tal lição – que se firma em argumentos de
muita força e alcance, capazes de render os mais refratários
entendimentos –, persistir na prática acintosa de grafar
“zero à esquerda” seria mais do que teimosia de espírito,
porque fora também chapada estultícia (vênia!).
109

2. (“Boa noite a todos e a todas”?!)

O poder atrativo da novidade e certa perversão do


gosto, eis os responsáveis por atentarem muitas pessoas
(algumas até da primeira esfera) contra o pudor da
gramática. Exemplo frisante é o do orador que, ao proferir
sua arenga, rompe cerimonioso: “Boa noite a todos e a todas!”.
A flexão feminina “todas” mostra-se aí, evidentemente,
por demais. Com dizer todos, por sua feição de coletivo
universal, já se entende a totalidade dos ouvintes, sendo de
todo o ponto supérfluo aditar ao pronome indefinido a
forma genérica feminina.
Nem suponha algum espírito de contradição que a falta
do termo específico importava desdouro ou menoscabo ao
elemento feminino. É especioso o argumento!
O próprio vocábulo “homem”, de per si só (e em senso
lato), máxime no plural, já presume o sexo oposto, visto
encerra a ideia de gênero humano.
Numa assembleia, quando o conferencista apregoa:
“Adianto aos senhores que serei breve”, ninguém duvida que
exultarão homens e mulheres (se as houver no recinto). Isto
é dos livros!
Advertiu, com efeito, o imperador Justiniano em seu
Digesto(3): É fora de dúvida que o termo homem compreende
assim o varão como a mulher. Donde o haver proclamado
a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de
110

dezembro de 1948, em seu art. 1º: Todos os homens nascem


livres e iguais em dignidade e direitos. Portanto, essa “página
mais brilhante do pensamento jurídico da Humanidade”(4) é o
paládio ou garantia suprema, simultaneamente, do homem
e da mulher!
Muita vez, o exagerado empenho do orador de dirigir-
-se a cada um dos ouvintes – dando-lhes “todos” e “todas”
– sói interpretar-se menos por lance de galantaria e
urbanidade do que por ingênuo e desgracioso bordão
retórico. Evitá-lo, pois!

3. (“A poeta” Cecília Meireles?!)

Conta-se do diabo que, tanto se extremou em enfeitar a


cara do filho, que acabou por vazar-lhe um olho.
Estão nesse caso os que, para armar ao efeito, não
trepidam em remeter inconsideradamente o disco além da
meta, esquecidos de que o ótimo é inimigo do bom!
Descendo ao particular: em beleza, eufonia e acepção,
poucas palavras há, na língua portuguesa, que possam
apostar primazia com poetisa.
Não é este, porém, o vocábulo que, ao presente –
ainda mal! –, empregam alguns (ia a escrever excêntricos)
– para designar, por escrito ou verbalmente, o feminino
de poeta. Quando acerta de aludirem a Cecília Meireles,
justapõem-lhe, muito de estudo, a forma de tratamento “a
poeta” (que não a poetisa, conforme os cânones gramaticais).
111

Poetisa (falando-se de mulher) é a forma que praticaram


sempre os mais acreditados padrões da boa linguagem:
a) “…Safo, poetisa grega (VII-VI séc. a.C.)” (Pequeno
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.;
v. sáfico; Editora Civilização Brasileira S.A.; Rio de
Janeiro).
b) À filha do poeta português Tomás Ribeiro (a qual
também o era das musas) chamara-lhe Cândido de
Figueiredo, com sua reconhecida competência de
lexicógrafo e escritor de nota, “(…) Branca de Gonta,
a poetisa das Matinas” (Os Meus Serões, 1928, p. 40;
Livraria Clássica Editora; Lisboa).
c) À derradeira, como quem tem voz no capítulo, Paulo
Bomfim, O Príncipe dos Poetas Brasileiros, além de
prosador elegante e vernáculo: “Certa vez me disse
(Ruy Apocalypse) que a única pessoa que poderia fazê-lo
feliz era a poetisa Renata Pallottini” (O Caminheiro,
2001, p. 124; Editora Green Forest do Brasil; São
Paulo).
Na doutrina gramatical não se conhece discrepância:
o feminino de poeta é poetisa (cf. Eduardo Carlos Pereira,
Gramática Expositiva, 91a. ed., p. 88; Ernesto Carneiro
Ribeiro, Gramática Portuguesa, 1932, p. 70; Júlio Ribeiro,
Gramática Portuguesa, 1900, p. 87; Cândido de Oliveira,
Dicionário Gramatical, 1967, p. 525; Francisco da Silveira
Bueno, Gramática Normativa da Língua Portuguesa, 1968,
p. 166; Napoleão Mendes de Almeida, Gramática Metódica
da Língua Portuguesa, 1980, p. 104, etc.
112

A Academia Brasileira de Letras, que, por disposição de


seus Estatutos, “tem por fim a cultura da língua e da literatura
nacional” (art. 1º), assentou que o feminino de poeta é
poetisa(5).
José Maria da Costa, jurista de prol e cultor exímio de
nosso idioma, exarou: “(…) uma forma própria para o
masculino (poeta) e outra para o feminino (poetisa), não se
admitindo seu emprego como se fosse substantivo comum de
dois gêneros” (Manual de Redação Jurídica, 6a. ed., p. 570;
Migalhas; Ribeirão Preto SP).
O que fica dito autoriza esta forçosa conclusão: atribuir
à palavra poeta o caráter – que não tem – de substantivo
comum de dois gêneros e dizer “a poeta” (em vez de poetisa)
seria contravir a regra elementar de gramática, sobre
sancionar um desconchavo, que os sujeitos avisados
geralmente aborrecem e proscrevem.
Em suma: honremos, quanto em nós couber, a memória
de Cecília Meireles(6), Francisca Júlia e Colombina, poetisas
notáveis pelo estro e primor de estilo!

Notas

(1) Ao cadoz das coisas inúteis também Agrippino


Grieco deitou sua cota-parte: “Inútil como um tenor
resfriado” (Gralhas & Pavões, 1988, p. 106; Editora
Record; Rio de Janeiro).
113

(2) Tesouro da Fraseologia Brasileira, 1945, p. 447; Livraria


Editora Freitas Bastos; Rio de Janeiro.
(3) “Hominis appellatione tam foeminam quam masculum
contineri nemo dubitat” (Dig. 58,16, 152).
(4) Jayme de Altavila, Origem dos Direitos dos Povos, 4a.
ed., p. 185; Edições Melhoramentos; São Paulo.
(5) Cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, 5a.
ed., p. 662.
(6) “Falecida em 1965, viveu sempre no Rio de Janeiro.
Professora primária, soube elevar-se aos mais altos
píncaros da poesia lírica, tornando-se a primeira poetisa
contemporânea” (Francisco da Silveira Bueno, História
da Literatura Luso-Brasileira, 6a. ed., p. 195; Edição
Saraiva; São Paulo).
14. Fraseologia Latina

Juntamente com o Latim (idioma que falava o povo


do Lácio, antiga região da Itália), a civilização romana
herdou-nos as noções fundamentais do Direito. Nessa
língua, mercê de sua concisão e majestade, correm os
aforismos ou brocardos jurídicos. Nela foi também que Marco
Túlio Cícero, o mais eloquente advogado que o mundo
nunca viu, pronunciou suas belíssimas e imortais orações(1).
Não é muito, pois, que os artífices do Direito, ao elaborar
suas petições, escritos e arrazoados, continuem a servir-se
da voz latina, sempre que lhes caia a propósito, “cum caute
et judicio”.

I - Palavras e Locuções de uso frequente no Foro

1. Ad hoc — Para isto, para este caso. Ex.: “Se o promotor,


invadindo as atribuições da defesa, solicitar a absolvição do
réu, cumpre ao juiz presidente do tribunal declarar vaga a
cadeira da acusação e nomear um promotor ad hoc que a
desempenhe” (Inocêncio Borges da Rosa, Processo Penal
Brasileiro, 1942, vol. III, p. 116).
2. Ad perpetuam rei memoriam — Para a perpétua
memória do fato. Ex.: “As vistorias, arbitramentos
e inquirições ad perpetuam rei memoriam serão
determinados mediante prévia ciência dos interessados
(…)” (art. 684, parágrafo único, do Código de Processo
Civil de 1939).
116

3. Alea jacta est — A sorte está lançada. Célebres palavras


que, no ano 49 a.C., pronunciou Júlio César, um dos
maiores vultos da História, ao atravessar o Rubicão,
pequeno rio que separava a Itália da Gália Cisalpina.
Emprega-se quando alguém, após certa hesitação,
toma decisão importante, ousada e irrevogável.
4. Alibi — Em outro lugar, alhures, longe do local
do crime. Pronúncia: álibi. “Em Direito: ausência do
acusado no lugar do crime, provada por sua presença noutro
lugar. Já considerada palavra vernácula (álibi) por muitos
dicionaristas” (Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim,
1980, p. 23; Editora Nova Fronteira). Está no caso
o lexicógrafo Antônio Houaiss, que registrou o
vocábulo, aportuguesando-o: “Álibi — Defesa que o réu
apresenta quando pretende provar que não poderia ter
cometido o crime por, p.ex., encontrar-se em local diverso
daquele em que o crime de que o acusam foi praticado
(um vizinho proporcionou-lhe o á. de que precisava)”
(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 1a. ed.;
v. álibi). Diz-se também “negativa loci”: O álibi (ou
“negativa loci”) constitui exceção de defesa e, pois, cabe
ao réu o ônus da prova, aliás não se eximirá da tacha
de réu confesso (art. 156 do Cód. Proc. Penal). Isto de
álibi, “quem alega deve prová-lo, sob pena de confissão”,
adverte Damásio E. de Jesus (Código de Processo Penal
Anotado, 23a. ed., p. 159).
117

5. Animus necandi — Intenção de matar; intuito homicida.


O mesmo que animus occidendi. Ex.: “Não se pode
deduzir o animus necandi da natureza dos meios
empregados (…)” (Nélson Hungria, Comentários ao
Código Penal, 1981, vol. V, p. 73).
6. Communis opinio doctorum — A comum opinião
(entendimento ou sentir) dos doutores. Ex.: “É o
ensinamento geral dos juristas, a communis opinio
doctorum, e menção expressa de alguns Códigos Civis”
(Orosimbo Nonato, A Coação como Defeito do Ato
Jurídico, 1957, p. 275; Editora Forense).
7. Cum grano salis — “Com um grão de sal, isto é, com
um pouco de brincadeira, não inteiramente a sério” (cf.
Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a.
ed., Apêndice). Ex.: “Trata-se, porém, de um raciocínio
imperfeito ou que deve ser aceito cum grano salis: (…)”
(Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1980,
vol. VII, p. 187); “Mas a distinção precisa ser entendida
cum grano salis” (Costa e Silva, Comentários ao Código
Penal, 1967, p. 100).
8. De cujus — Primeiras palavras da expressão tradicional
de cujus successione agitur. Aquele de cuja sucessão se
trata. É o autor da herança, o falecido. Se mulher, será
também de cujus: a de cujus. É para evitar o que
praticou aquele bisonho advogado, em petição de
inventário: O de cujus deixou uma “de cuja” e dois
“de cujinhos” (…).
118

9. Ex adverso — Do lado contrário; do adversário. Termo


da língua forense que designa o advogado da parte
contrária. Não diga ex adversus. Ex é preposição latina
que rege o caso ablativo; portanto: ex adverso. Exemplo:
o Código de Ética manda tratar com urbanidade o
advogado ex adverso, ou da parte contrária (art. 44).
10. Flatus vocis — Sopro de voz. Ex.: “(…) se reduziria a
um flatus vocis, a uma expressão vazia de sentido, a um
preceito falecido de eficácia” (Orosimbo Nonato, in
Revista Forense, vol. 91, p. 98).
11. Fumus boni juris — Fumaça do bom direito (ou justa
causa). “Sem o fumus boni juris, a providência cautelar se
torna inviável” (José Frederico Marques, Elementos de
Direito Processual Penal, 1965, vol. IV, p. 15).
12. Lato sensu — Em sentido amplo. Antônimo: stricto sensu
(em sentido estrito). Aqui vem a ponto o reparo de
Eliasar Rosa: “Para guardar essas grafias corretas, e não
escrever, ou dizer, strictu senso e lato senso, há um meio
mnemônico. Basta lembrar que, no alfabeto, a letra o vem
antes da letra u” (Os Erros mais Comuns nas Petições, 9a.
ed., p. 240).
13. Non liquet — Não está claro; não convence; estou
em dúvida; a coisa não está bem esclarecida.
Abreviadamente: N.L. No processo criminal romano,
por ocasião da votação no julgamento de um acusado,
entregava-se a cada jurado uma tabuinha de madeira
revestida de cera, na qual, sem se comunicar com o
seu colega, inscrevia a letra A. (absolvo), ou a letra C.
(condemno) ou as letras N.L. (non liquet): não está
119

esclarecido (cf. V. César Silveira, Dicionário de Direito


Romano, 1957, vol. II, p. 456). “Quando a hipótese de
inocência não está subordinada a suposições totalmente
gratuitas ou despropositadas, ao arrepio do curso normal
dos acontecimentos, terá de ser pronunciado o non liquet
e absolvido o acusado” (Nélson Hungria, in Revista
Forense, vol. 138, p. 339).
14. Prima facie — “Ao primeiro aspecto” (Saraiva, Dicionário
Latino-Português, 9a. ed., p. 469); à primeira vista; à
prima vista; à primeira face; ao primeiro lanço; ao
primeiro olhar; ao primeiro súbito de vista; à primeira
visada; ao primeiro lancear de olhos, ictu oculi, etc.
Exemplos: “Bom êxito é o que, ao primeiro aspecto, se
diria expressar ali o termo sucesso” (Rui, Réplica, nº 453);
“Essas duas opiniões (…), posto que à primeira vista
pareçam repugnantes, vêm a dizer o mesmo” (Heitor
Pinto, Imagem da Vida Cristã, 1940, vol. II, p. 200);
“Grande dificuldade de à prima vista negar a procedência
etimológica de tal ou qual vocábulo” (Ernesto Carneiro
Ribeiro, Estudos Gramaticais e Filológicos, 1957, p. 92);
“Todos estes termos estão à prima face mostrando que Deus
(…)” (Manuel Bernardes, 1726, t. IV, p. 151); “Esta
razão não é tão judiciosa como parece ao primeiro lanço”
(Camilo, Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado,
1907, p. 8); “(…) podia parecer, ao primeiro súbito de
vista, que só a sentença lhes serve de causa, àquelas
nulidades” (Orosimbo Nonato, Da Coação como Defeito
do Ato Jurídico, 1957, p. 277); “Onde encontrar
apoio para reconhecimento de direito líquido e certo,
perceptível à primeira visada (…)” (Revista Trimestral
120

de Jurisprudência, vol. 41, p. 487); “Agora, veja Mário


Barreto se este trecho do eminente prelado não está, ainda
que o não pareça ao primeiro lancear de olhos, no mesmo
caso dos apontados como defeituosos” (Melo Carvalho, in
Revista de Língua Portuguesa, nº 12, p. 136); “Não existe
o crimen falsi quando a mutatio veri é reconhecível ictu
oculi ou prima facie” (Nélson Hungria, Comentários ao
Código Penal, 1980, vol. VII, p. 216).
15. Quandoque bonus dormitat Homerus — Às vezes até o
bom Homero toscaneja. Também os sábios erram.
Todos conjugamos o verbo errar. Emprega-se no
sentido figurado este verso de Horácio (Arte Poética, v.
359) para significar que ainda nas obras dos homens
de gênio há fraquezas e imperfeições. É o tributo à
“eterna falibilidade humana, cujos estigmas ninguém evita
neste mundo” (Rui, Réplica, nº 10).
16. Vexata quaestio — Questão muito controvertida. Ex.:
“(…) a síntese enunciada merece repetida como tomada de
posição na perdifficilis ac vexata quaestio” (Orosimbo
Nonato, Da Coação como Defeito do Ato Jurídico, 1957,
p. 74). Pron.: vekçata qüéstio.

II - Brocardos Jurídicos

1. Ad impossibilia nemo tenetur. Ou: Ad impossibile


nemo tenetur. Máxima de jurisprudência. Tradução:
Ninguém é obrigado ao impossível; a cada um,
segundo suas forças; quem faz tudo quanto está em
suas mãos (ou em suas posses) não pode ser obrigado
a mais.
121

2. Allegare nihil, et allegatum non probare paria sunt.


Em vulgar tem esta significação: Nada alegar, ou
não provar o alegado, tudo é um. “Não esquecer a
advertência de Maynz, de que o magistrado não acredita
em nada, tudo deve ser provado” (Washington de Barros
Monteiro, Curso de Direito Civil, 3a. ed., Parte Geral,
p. 257).
3. Audiatur et altera pars. Seja também ouvida a parte
contrária. Famoso aforismo jurídico em que assenta o
denominado princípio do contraditório, que é a “ciência
bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de
contrariá-los” (Joaquim Canuto Mendes de Almeida,
A Contrariedade na Instrução Criminal, 1937, p. 110).
Ver também Inaudita altera parte.
4. Cogitationis poenam nemo patitur. Aforismo jurídico.
Ninguém pode ser punido por pensar. Reproduziu-o
elegantemente, num lugar de sua estimada obra, o
saudoso Prof. E. Magalhães Noronha: “O que se passa
no foro íntimo de uma pessoa não é dos domínios do Direito
Penal. Persiste ainda hoje a máxima de Ulpiano —
Cogitationis nemo poenam patitur. Ou como falam os
italianos — Pensiero non paga gabella (o pensamento não
paga imposto ou direito). Em intenção todos podem cometer
crimes” (Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).
5. Cui prodest? — A quem aproveita? Palavras extraídas do
conhecido verso de Sêneca: Cui prodest scelus, is fecit.
Procurai a quem aproveita o crime, e encontrareis
o culpado (cf. Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 1955, p. 188). Cassiano, famoso jurisconsulto
122

de Roma, “quando se devassava de algum homicídio,


costumava aconselhar e era acostumado a dizer: Que se
atendesse a quem a morte fora de utilidade, e a esse se
atribuísse” (Cícero, Orações, 1948, p. 15; trad. Pe.
Antônio Joaquim).
6. De minimis non curat praetor. O pretor não se ocupa
de questões insignificantes. Não só o pretor, nome
por que na Roma antiga se conheciam os magistrados,
também os membros do Ministério Público e os
advogados caem sob a jurisdição do sobredito preceito.
É de péssimo exemplo fazer caso e cabedal de
ninharia; não há dar peso à fumaça.
7. Inaudita altera parte. Sem ouvir a parte contrária. “Em
ambos os casos, porém, a tramitação procedimental se opera
inaudita altera parte” (José Frederico Marques,
Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. IV,
p. 62; Millennium Editora). Nota: Exemplo de sintaxe
latina denominada ablativo absoluto, deve grafar-se a
frase inaudita altera parte (e não pars); os nomes e os
adjetivos empregam-se no caso ablativo (parte). Ver
também Audiatur et altera pars.
8. In dubio pro reo. Na dúvida, em favor do réu. Somente
a certeza pode ensejar condenação; dúvida, em
Direito, significa o mesmo que ausência de prova.
Daqui por que sabiamente dispunha o art. 36 do
Código Criminal do Império do Brasil: “Nenhuma
presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para
imposição de pena”. Lição, a mais de um respeito
notável, de João Mendes Jr.: “A Defesa tem direitos
123

superiores aos da Acusação, porque, enquanto houver


uma dúvida, por mínima que seja, ninguém pode
conscientemente condenar o seu semelhante” (Processo
Criminal Brasileiro, 4a. ed., p. 388).
9. Juris praecepta sunt haec. Honeste vivere; neminem
laedere; jus suum cuique tribuere. Os preceitos do
Direito são estes: Viver honestamente; não ofender a
ninguém; dar a cada um o que é seu. Aforismo
extraído das Institutas do Imperador Justiniano (liv. I,
tít. I, § 3º).
10. Necessitas non habet legem. “Frase do famoso Santo
Agostinho, autor das Confissões, que se traduz por:
A necessidade não conhece leis” (R. Magalhães Jr.,
Dicionário de Provérbios e Curiosidades, 1960, p. 181).
“A necessidade exige do homem o que quer” (Públio Siro,
Máximas, 1936, p. 89; trad. Remígio Fernandez).
Forma variante: Necessitas caret lege: A necessidade
não se sujeita às leis. É causa excludente de ilicitude
jurídica (art. 23, nº I, do Cód. Penal).
11. Nemo tenetur se detegere. Ninguém é obrigado a
acusar-se. Fórmula variante: Accusare nemo se debet nisi
coram Deo. Tradução: Ninguém é obrigado a acusar a
si próprio, salvo perante Deus. Donde a exortação de
Jacques Isorni: “Reservemos a confissão à Justiça do
Altíssimo e o silêncio à dos homens” (apud Eliasar Rosa,
Dicionário de Conceitos para o Advogado, 1974, p. 63).
12. Non bis in idem. Não duas vezes pela mesma razão.
Variante: Ne bis in idem. Apotegma de Jurisprudência
pelo qual ninguém pode ser duas vezes punido pelo
124

mesmo crime. Lê-se em José Frederico Marques:


“Um dos efeitos de litispendência é o de impedir o
desenrolar e a existência de um segundo processo para
o julgamento de idêntica acusação. Resulta, pois, da
litispendência, o direito processual de arguir o bis in idem,
mediante exceptio litis pendentis” (Elementos de Direito
Processual Penal, 2a. ed., vol. II, pp. 264-265).
13. Onus probandi. “A obrigação de provar. O onus probandi
compete a quem afirma; cabe ao acusador e não ao acusado.
Onus probandi ei qui dicit — O ônus da prova compete a
quem alega” (Arthur Rezende, Frases e Curiosidades
Latinas, 1955, p. 547). “A prova da alegação incumbirá
a quem a fizer”, reza o art. 156 do Código de Processo
Penal.
14. Qui tacet, consentire videtur. Velha máxima que,
em português, responde assim: quem cala consente.
Embora direito seu (cf. art. 5º, nº LXVIII, da
Constituição Federal), vai mal-advertido o réu que,
dando de mão à primeira oportunidade de autodefesa,
na Polícia, prefere ficar calado (ou mudo como um
peixe). É que a própria razão natural o intima a
defender-se com o vigor da palavra, sobretudo se
inocente. Ilustra-o que farte o soberbo lugar de
Vieira: “É cousa tão natural o responder, que até os
penhascos duros respondem, e para as vozes têm ecos. Pelo
contrário, é tão grande violência não responder, que aos que
nasceram mudos fez a natureza também surdos, porque se
ouvissem, e não pudessem responder, rebentariam de dor”
(Cartas, 1971, t. III, p. 680; Imprensa Nacional;
Lisboa).
125

15. Quod abundat non nocet. O que é em abundância não


prejudica. O que abunda não dana. Famigerado
aforismo jurídico, de curso frequente nos pleitos
judiciais, serve de alvitre aos que devem desempenhar-
-se do ônus da prova, ou demonstrar uma alegação.
Melhor é que sobejem provas (ou argumentos),
em prol da causa, do que escasseiem. Há situações,
contudo, em que se mostra o brocardo contraproducente;
prevalecerá então o virtus in medio (a virtude é o meio
termo). O que é em excesso desvirtua. Até a mesma
bondade morre do excesso. O muito é muito, lembra
o adágio português; Il tanto nuoce, recitam os italianos,
como se quisessem dizer: o muito prejudica. Ainda:
Ne quid nimis (Terêncio). Nada de mais; em nada
o demasiado. Todo o excesso é uma imperfeição.
Tão mau é o sobejo, como o minguado (cf. Arthur
Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 5a. ed., p. 459).
16. Reformatio in pejus. Reforma para piorar (a sorte do
réu). É a “reforma empiorativa da sentença”, no dizer de
Eliézer Rosa (Dicionário de Processo Penal, 1975, p.
184). Sendo o acusado o que unicamente recorreu,
não pode a superior instância prover-lhe o recurso
para prejudicá-lo.
17. Res sacra reus. O réu é entidade sagrada. Por este
princípio, ainda o mais vil dos homens tem direito à
proteção da lei.
126

18. Secundum id quod plerumque accidit. Segundo aquilo


que geralmente sucede. À luz da experiência comum;
conforme a observação material dos fatos; na
conformidade da ciência experimental; de acordo com
a lição da experiência vulgar; segundo as máximas e
experiências dos séculos, etc. Ex.: “O homem normal
deve ser entendido sob um ponto de vista estatístico, isto é,
tendo-se em conta id quod plerumque accidit” (Nélson
Hungria, Comentários ao Código Penal, 1978, vol. I,
t. II, p. 188).
19. Summum jus, summa injuria. Justiça excessiva é
injustiça. Esta parêmia traz Cícero em seu Tratado dos
Deveres (liv. I, cap. XI, p. 29; trad. Miguel Antônio
Ciera): “(…) donde teve origem o provérbio a suma
injustiça se converte em iniquidade”. Isto mesmo sentia
Salomão, “o mais sábio de todos os que nasceram” (Vieira,
Sermões, 1959, t. IX, p. 256): Noli esse justus multum
(Ecl 7,17). Não sejas por demasiado justo.
20. Testis unus, testis nullus. Uma só testemunha,
testemunha nenhuma. Faz ao caso a lição do
Conselheiro Ramalho: “Uma só testemunha regularmente
não prova o fato; e daí resulta a regra — dictum unius,
dictum nullius, ainda que o depoente seja dotado de grande
autoridade e dignidade” (Praxe Brasileira, 1869, pp.
311-312).
21. Vim vi repellere licet. É lícito repelir a força com a
força. Argumento que se invoca para os casos de
legítima defesa (art. 25 do Cód. Penal). Matar, para não
morrer, não é crime! Ulpiano, célebre jurisconsulto,
127

deixou escrito para todo o sempre que a razão natural


permite ao indivíduo defender-se: Naturalis ratio
permittit se defendere (cf. José Eduardo Fonseca,
Justiça Criminal, 1925, p. 10).
A legítima defesa, afirmou Cícero num rapto de
eloquência, não tem história, porque é uma lei sagrada,
que nasceu com o homem, anterior à tradição e aos
livros, gravada que está no código imortal da natureza
(cf. “Pro Milone”, cap. IV).
Todas as leis e todos os direitos permitem repelir a força pela
força, escreveu no bronze eterno o jurisconsulto Paulo:
“Vim vi defendere omnes leges omniaque jura permittunt”
(Dig. 9,2).
Isto mesmo significou o elegante Manuel Bernardes:
“A justiça concede a todos repelir a força com a força” (Nova
Floresta, 1726, t. IV, p. 207).
De igual sentir, o imenso Vieira: “Haveis de ferir
necessariamente a quem vos afrontou, porque a mancha de
uma bofetada no rosto só com o sangue de quem a deu se
lava” (Sermões, 1959, t. XIII, p. 135).
Aquele, portanto, que for injustamente agredido (ou
estiver na iminência de sê-lo) poderá afastar seu
agressor até com violência, que o autoriza a lei. É
a clara dicção do art. 23, nº II, do Código Penal.
Oráculo do Direito Penal pátrio, escreveu Nélson
Hungria: “Tanto na legítima defesa, quanto no estado
de necessidade, não há crime, o que vale dizer: o fato é
objetivamente lícito” (Comentários ao Código Penal, 1981,
vol. V, p. 92).
128

Todavia, quem invoca a descriminante da defesa


própria, a esse cabe demonstrá-la acima de dúvida,
que a falta aqui de prova equivale a confissão de
crime.

Bibliografia

• Arthur Rezende, Frases e Curiosidades Latinas, 1955;


• F.R. dos Santos Saraiva, Novíssimo Dicionário Latino-
-Português, 9a. ed.;
• Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1995;
• Hildebrando de Lima e outros, Pequeno Dicionário
Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a. ed.;
• Isidoro de Sevilha, Etimologias, 2018;
• L. de-Mauri, Flores Sententiarum, 1926;
• Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões
Vernáculas, 1981;
• Paulo Rónai, Não Perca o seu Latim, 5a. ed.;
• Rafael Bluteau, Vocabulario Portuguez e Latino, 1712,
10 vols.;
• R. Magalhães Júnior, Dicionário de Provérbios e
Curiosidades, 1960;
• V. César da Silveira, Dicionário de Direito Romano,
1957, 2 vols.
129

Notas

(1) Ao advogado criminalista muito aproveitará a leitura


dos discursos de defesa de Cícero, modelos acabados
da arte de argumentar e convencer. Dentre esses têm
lugar conspícuo os seguintes: Pro Milone(*), Pro Roscio
Amerino, Pro Q. Ligario, Pro Archia, etc. Tito Lívio
“tributou à sua memória a maior homenagem, declarando
que, para elogiar Cícero, só o talento do próprio Cícero”
(César Zama, Três Grandes Oradores da Antiguidade,
1896, p. 585).
(*) Pleito em favor do assassino de Clódio; este
discurso é considerado o mais belo de Cícero
(Bernardo H. Harmsen, Cícero, Antologia, 1959,
p. 10).
15. Do Livro Advocacia Criminal: Teoria e Prática

I. Preâmbulo

A profissão da vida forense, o trato diuturno com os


candidatos ao Exame de Ordem e com os alunos dos cursos
ministrados pela Acrimesp (Associação dos Advogados
Criminalistas do Estado de São Paulo) e pela Escola de
Advocacia Criminal do Estado de São Paulo depararam-
-nos o ambicionado intento, que ora vamos pondo por
obra, de editar um breviário que pudesse atenuar as
dificuldades com que, ao redigir suas petições judiciais(1),
geralmente se abraçam os novéis advogados.
Temerária e despicienda afigurara-se-nos de princípio
a trabalhosa empresa, que altos e claros espíritos já haviam
encetado e concluído com justos gabos. E tal objeção fora
invencível, se nos não alentasse o ditame de que, a despeito
da excelência dos numerosos trabalhos congêneres a este,
não parecia repugnar-lhes à índole didática a justaposição
de breves glosas literárias à fraseologia jurídica de seus
textos.
Essa a que chamáramos pequena lacuna metódica
estaria o seu tanto suprida, e com grande proveito dos
neófitos da Advocacia, desde que a uma com as lições da
prática rudimentar judiciária se lhes fossem acrescentando
os cabedais linguísticos. É que unicamente na palavra têm
sua arma de pelejar os que se ungiram paladinos do Direito
e arautos da Liberdade. Bem como é a espada a melhor
132

insígnia do combatente, assim a palavra o é do advogado.


Cumpre-lhe, a essa conta, havê-la sempre temperada, polida
e eficaz.
Donde nosso estudado empenho de tirar à luz esses
poucos de modelos de petições, em que a frase não fosse
eclipsar a terminologia jurídica, antes lhe imprimisse força
e relevo, pois, a jurarmos no testemunho do saudoso
Ministro Mário Guimarães (cujo nome estará eternamente
gravado no frontão do templo da Justiça Criminal de São
Paulo), “o aprimorado da linguagem facilita a veiculação das
ideias e revigora os meios de convencimento”(2).
Na composição literária das petições e respectivas
nótulas tomamos a craveira àqueles que o comum da crítica
arrolou entre as primeiras eminências na arte de bem
escrever. A todos, como era forçoso, antepusemos o nosso
Rui(3), porque a um tempo jurista de prol(4) e consumado
escritor(5). Em seus livros, como em jazidas inesgotáveis,
sempre os advogados teremos muito ouro que extrair, e esse
do mais fino quilate.
As locuções autorizamo-las com os mais abalizados
cultores do Direito. São desse número Lafaiete Rodrigues
Pereira, João Mendes de Almeida Jr., Franklin Dória,
Francisco Morato, Alfredo Pujol, Nélson Hungria,
Orosimbo Nonato e Eliézer Rosa.
A sintaxe elegante e a exação gramatical ostentam o
sinete dos graves autores que as praticaram, isto é, os
clássicos, os verdadeiros guias e alumiados exemplares do bom
dizer(6). Neste panteão de glória literária avultam para logo
133

as efígies de Vieira, Bernardes, Luís de Sousa, Jacinto


Freire, Francisco Manuel de Melo, Amador Arrais, Heitor
Pinto, Antônio Feliciano de Castilho, Alexandre Herculano,
Matias Aires, Silvério Gomes Pimenta, Machado de Assis e
Carlos de Laet.
Dos gramáticos valemo-nos, sobre todos, de Napoleão
Mendes de Almeida; não nos esqueceram, porém, Ernesto
Carneiro Ribeiro, Júlio Ribeiro, Sotero dos Reis, Mário
Barreto e José de Sá Nunes.
A Revista Jurídica e O Direito foram searas pingues
onde muito forrageamos. O mesmo passou com outras
publicações, que mencionamos em seu lugar.
Pusemos tento em ensejar ao leitor que pela petição-
-paradigma outras pudesse elaborar, tão só com substituir
por sinônimos os passos rubricados no texto original.
Este artifício, demais de enriquecer-lhe o vocabulário,
conspirará consideravelmente para a composição futura de
seus arrazoados jurídicos. Nisto é que levamos o fito,
publicando este despretensioso opúsculo. Se lhe escasseiam
méritos (o que temos por de fé), sirva-nos contudo de
escusa a sinceridade do propósito que lhe permitiu as
honras do prelo: cooperar para que a Advocacia jamais
decaia de sua invejável condição de a mais ínclita das
profissões.

São Paulo, 31 de agosto de 1996


O Autor
134

Notas

(1) O vocábulo petição é aqui empregado na acepção


ordinária de “pedido por escrito, requerimento” ou
arrazoado forense (cf. Caldas Aulete, Dicionário, 2a.
ed.).
(2) Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 359.
(3) “É frequente entre os melhores escritores o emprego do
articular antes de nomes próprios de pessoas célebres”
(Vittorio Bergo, Erros e Dúvidas de Linguagem, 1944,
vol. II, p. 175).
(4) “É o maior dos jurisconsultos” (Laudelino Freire, Rui,
1958, p.16).
(5) “O primeiro talento verbal da nossa raça” (Sílvio
Romero, História da Literatura Brasileira, 1949, t. V,
p. 448).
(6) Ernesto Carneiro Ribeiro, Páginas de Língua e
Educação, 1939, p. 68.
II. “Ecce Iterum Crispinus…”(*)

Esta nova edição de Advocacia Criminal e Civil


confirma o propósito de seu autor ao escrevê-lo: cooperar,
quanto lhe estava nas posses, com aqueles que se iniciam na
fascinante arte da Advocacia Criminal.
Ante a verdade de que ninguém nasce ensinado, quis
transmitir aos que se alistaram na valorosa milícia de
Justiniano alguns conhecimentos que lhe pareceram úteis.
São fatos da experiência que têm geralmente os mais
velhos. E daqui veio dizerem os espanhóis (e talvez com
razão) que o diabo sabe muito, não por ser diabo, senão
porque muito velho!
Também o prazer de acompanhar os jovens em seu
belo, ainda que difícil, percurso pela estrada do Direito,
serviu-lhe de argumento ao obscuro autor para reeditar o
livrinho.
Os que sentirem temores e incertezas a abalar-lhes o
ânimo, esses não esmoreçam: fortaleça-os a confiança de
que triunfa sempre o Advogado trabalhador, estudioso e honesto!
O sábio professor Napoleão Mendes de Almeida, cujo
nome o autor inscrevera no pórtico da primeira edição

(*) Eis outra vez Crispim. Frase de Juvenal que se emprega, as mais das
vezes, para anunciar a volta de um importuno (André Rezende, Frases e
Curiosidades Latinas, 1955, p. 183). Assim denominou Camilo Castelo
Branco a um dos capítulos (o XV) de seu notável romance A Queda dum
Anjo.
136

deste livrinho, dedicando-lho, já passou desta vida: aos


24 de abril de 1998 veio buscá-lo a morte. Mas, talento de
eleição, deixou-nos, além de muita saudade, seu testamento
espiritual, com cláusula expressa: “É erro de consequências
imprevisíveis acreditar que só os escritores profissionais têm a
obrigação de saber escrever. Saber escrever a própria língua
faz parte dos deveres cívicos” (Gramática Metódica da Língua
Portuguesa, 29a. ed., p.7).
Vem aqui a lanço, por fim, consignar formal
reconhecimento, que é também testemunho de admiração,
ao benemérito Alfredo T. Abe, sócio-diretor da Millennium
Editora Ltda., por sua fé na boa causa do livro.

São Paulo, 11 de agosto de 2001


O Autor
III. Nótula da 3a. Edição

Armado de ponto em branco para a luta – a luta pelo


Direito(1) –, deve saber o advogado manejar as armas de seu
ofício, em especial a palavra. É com ela que provê à defesa
dos direitos e interesses daqueles que se fiaram de seu
patrocínio.
A missão do advogado – escreveu notável jurista –
resume-se num verbo: convencer, o que somente “se obtém
com a palavra”.
Ainda: “O advogado deve escrever de forma elegante,
precisa e clara. Falar com exatidão”(2).
Incumbe-lhe, pois, cultivar a linguagem-padrão e
possuir o estilo do foro.
Ao que se propõe realizar essa ambicionada meta
urge, primeiro, dominar a técnica da redação e esmerar-se
na arte da composição literária; em resumo: escrever bem!
Não o desalente nem perturbe o temor de errar, que
todos estamos sujeitos a erros. “Não há escritor sem erros”,
sentenciou o grande Rui(3).
O mesmo sentiu Mário Barreto, filólogo e
vernaculista de largo tiro: “Nisto do falar e do escrever, como
nas outras cousas, o bom peca sete vezes ao dia, e setenta vezes sete
o mau”(4). O ponto está em que emende seu erro quem o
cometeu e não perdoe a esforços por evitá-lo daí avante:
seria indecoroso tropeçar duas vezes na mesma pedra!
138

Cai a propósito a lição de Alexandre Germano:


“Escrever bem, antes de ser uma arte, é uma técnica, que exige
conhecimentos de gramática e estilo, mas se desenvolve e
aperfeiçoa com a prática da redação. Para isso, são necessários
recursos técnicos (…), adquiridos com o constante exercício da
reflexão, da leitura e do trabalho silencioso de escrever, sem medo
de errar e sem preguiça de corrigir os erros e melhorar o texto”(5).
A petição bem elaborada não só qualifica o advogado:
pode ainda – por permitir ao juiz que lhe alcance melhor
as ideias e argumentos – influir decisivamente no êxito da
causa.
Não deve ignorar tais circunstâncias, portanto, aquele
que, ao receber a prestigiosa carteira profissional, protestou
iria sempre dignificar e enobrecer a Advocacia(6).
Tomara lhe seja este livrinho(7) de alguma utilidade!
Bem haja!

São Paulo, 11 de agosto de 2008


O Autor
Notas

(1) “Opúsculo imortal, que fala à razão e ao sentimento,


convencendo e comovendo”, segundo o juízo de Clóvis
Beviláqua, A Luta pelo Direito é o título do famoso
livro de Rudolf von Jhering, cuja leitura se recomenda
em especial aos neófitos ou aprendizes da Advocacia.
Aí se lhes deparam ideias e conceitos muito de
admirar, verbi gratia: “Palavras de Kant: Aquele que
139

anda de rastos como um verme nunca deverá queixar-se de


que foi calcado aos pés” (p. VIII); “A luta pela existência é
a lei suprema de toda a criação animada; manifesta-se em
toda a criatura sob a forma de instinto de conservação”
(p. 17); “O covarde que foge do campo de batalha salva
precisamente o que os outros sacrificam: a vida; mas salva-a
à custa da própria honra” (p. 31); “A defesa do direito é
um dever para com a sociedade” (p. 39); “A luta é o
trabalho eterno do direito” (p. 78), etc. (A Luta pelo
Direito, 20a. ed.; trad. João de Vasconcelos, Ed.
Forense).
(2) José Soares de Mello. Perfis Acadêmicos, 1957, pp. 96-
97.
(3) Réplica, 1a. ed., p. 29.
(4) Através do Dicionário e da Gramática, 1a. ed., p. 185.
(5) Técnica de Redação Forense, 2a. ed., p. 7. Essa obra, útil
em extremo, escreveu-a o eminente Desembargador
Alexandre Moreira Germano, Coordenador do
Museu do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Como quem está acostumado a empunhar
o gládio da divina Têmis sob a forma de estilo
(ponteiro de ferro para escrever), Sua Excelência vem
contribuindo insignemente para o aprimoramento da
linguagem do foro. A cruzada que promove, sem
tréguas, em defesa da tradição cultural do Poder
Judiciário, é serviço entre todos benemérito, digno a
um tempo de louvor e gratidão!
140

(6) “Prometo exercer a advocacia com dignidade e


independência, observando os preceitos de ética e defendendo
as prerrogativas da profissão, não pleiteando contra o
Direito, contra os bons costumes e a segurança do País, e
defendendo, com o mesmo denodo, humildes e poderosos”
(art. 64 da Lei nº 4.215, de 27.4.63).
(7) Aparece com outro título: Advocacia Criminal (Teoria e
Prática). Na essência, O Caderninho do Criminalista
continua o mesmo; apenas lhe atribuiu o autor
denominação mais acomodada a seu fim: acompanhar
os passos daqueles que trilham o caminho áspero (mas
belo!) da Advocacia Criminal.
São Paulo, 8 de outubro de 1991
Excelentíssimo Senhor
Doutor Napoleão Mendes de Almeida
Rua Senador Paulo Egídio, 72, conj. 1.111
Capital

Querido Mestre:
No intento de celebrar condignamente a efeméride
natalícia de Rui Barbosa, que se comemora aos cinco dias
do mês de novembro, lembrou a esta Associação dos
Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo
(Acrimesp) promover um ciclo de palestras acerca da vida e
obra daquele egrégio varão.
Que foi Rui dos maiores cultores (se não o maior),
entre nós, assim do Direito como do Idioma, não há quem
o não saiba.
Daqui veio o pretender esta entidade figurasse entre
os conferencistas aquele, a quem, no geral consenso dos
que falam a língua de Camões, foi conferida a palma de o
mais importante gramático da atualidade: Prof. Napoleão
Mendes de Almeida.
A adesão ao convite que lhe fazemos para que, no dia
8 de novembro vindouro, às 18h30, venha discorrer em
nosso grêmio sobre pontos de linguagem, deparar-nos-á
ensejo não somente de ouvi-lo, como a extremado
vernaculista, senão também de nos desempenharmos da
142

imensa obrigação em que os brasileiros estamos para com


Vossa Excelência.
Demais, o só comparecimento seu houvera de subir
de ponto a magnificência do evento!
Alenta-nos, pois, a esperança de que despachará de
boa sombra nossa pretensão; preiteamos-lhe, pelo que,
nosso profundo e sincero reconhecimento.

Carlos Biasotti
Presidente
143
16. Questões Vernáculas(*)

Ilustríssimo senhor presidente da Associação dos


Advogados Criminais do Estado de São Paulo;
Prezados associados;
Senhoras e senhores:
Sinto grande responsabilidade em falar à plêiade
de membros desta associação e muito receio de não
corresponder à delicadeza do convite do seu presidente, Dr.
Carlos Biasotti, mas espero não esgotar a paciência de
nenhum dos presentes com discorrer em primeiro lugar
sobre os anseios de Rui Barbosa quanto à pureza do nosso
idioma e, em segundo, ventilar apenas dois assuntos da
nossa gramática.
Senhoras e senhores:
De nada valerá preocupar-nos com o idioma enquanto
houver governantes que não demonstrem convencer-se de
que educação é fator primeiro de progresso, e não exijam
oito anos de curso primário com oito horas diárias de aula.

(*) Texto integral da conferência que, em 8.11.91, pronunciou, na


Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo
(Acrimesp), o Prof. Napoleão Mendes de Almeida (1911-1998),
gramático, filólogo, escritor e intrépido apóstolo do ensino da língua
portuguesa. É autor, dentre outras, das obras assaz conhecidas e
estimadas: Gramática Metódica da Língua Portuguesa, Dicionário de Questões
Vernáculas e Gramática Latina.
146

Há alguns anos, tivemos em São Paulo um


governador com a desfaçatez de afirmar que havia
conseguido, após alguns meses de governo, duplicar o
“número de vagas” do curso primário. Que tinha ele feito?
Reduzira de quatro para duas as horas de aula. Não
consegui ver uma única reprovação, em nenhum dos nossos
jornais, da pretensa insinuação de que ele havia facultado
aumento de presença nas escolas com sacrifício de
cinquenta por cento da instrução.
No Jornal da Tarde de 30 de outubro passado, em
notícias sobre matrícula em escolas estaduais e municipais
de São Paulo, esta declaração oficial: “A criança que tiver sete
anos completos (repito: sete anos completos) ou a completar até
fevereiro de 92 pode ser matriculada na escola mais próxima de
sua residência”.
Meu filho foi alfabetizado com quatro anos, e igual
idade tinham seus trinta coleguinhas; nenhum deles era
gênio, e todos eles foram alfabetizados em português e
em inglês ao mesmo tempo. Devo aqui declarar que foi
intenção da Secretaria da Educação do Estado da época
fechar a escola britânica em que estava matriculado. Essa
mesma pessoa, mais tarde como ministra de educação,
declarava perfunctoriamente que não podiam ser
matriculadas no curso primário crianças com menos de
sete anos.
Enquanto cuidamos de salvar a economia do País, não
podemos descurar da educação. A programação oficial do
ensino oferece a estrangeiros espetáculo de circo de
147

cavalinhos e de casas de lanche gratuito; em dar


divertimento e comida passou a consistir a educação em
nossa terra? Leem nossos filhos histórias para criança para
aprender a dizer “tá bão”? Comicidade para quem? Não
está ao alcance da criança a diferença entre o errado e o
cômico; nem dele nem da mãe estrangeira ou caipira.
Ainda, poucas semanas faz, vimos num jornal a
declaração de nosso atual governador de que “pretende” ele
(note-se: pretende) aumentar para cinco o número de horas
diárias do curso primário. Outra vez, nenhuma alusão ao
verdadeiro número de aulas diárias e ao total de anos do
curso primário de países adiantados.
Precisarei dizer que a indústria tem seu adiantamento
e solidez na educação do povo? Precisarei aqui dizer que a
Inglaterra, primeiro país a industrializar-se, é também
ainda hoje o primeiro na educação?
Tradição, tanto política quanto religiosa, deve ser
desprezada uma vez comprovado que impede o progresso.
Nos próprios países altamente industrializados a instrução
primária é dirigida com objetivo concreto e generalizado, e
não abstrato e teocrático, sem objetivar necessidades.
A escola e a comunidade devem estar entrosadas, sem
nenhuma distinção social. O humanismo não distingue
adultos de crianças, não admite compartimentos étnicos. O
que o humanismo não pode é correr o risco de ver-se
perdido pelo desenfreado crescimento da população.
O curso universitário assume aspectos diversos,
vocacionais, pessoais, como administração, comércio,
148

agricultura, magistério, profissão liberal, não porém o


curso humanístico.
Em todos esses aspectos educacionais ressalta-se a
importância do conhecimento do idioma do país e de pelo
menos mais um idioma de país desenvolvido, quer more o
cidadão em cidade, em aldeola ou em fazenda.
Senhoras e senhores:
A língua falada por Camões e por Rui vai no Brasil de
mal a pior; tão mal que tentam, até oficialmente, infamar
a palavra português quando a ela referente, procedimento
inexistente há duas décadas.
Visitando um colégio de São Paulo, o mais afamado
deles pelos anos de existência e pela história de sua
fundação, fui pelo diretor levado à sala dos professores;
após apresentação a cada um deles, dei uma volta na sala;
que vejo? Uma sequência de armários, cada qual com o
nome da disciplina e do professor que aí guardava os seus
pertences. Onde o armário do professor de português? Um
havia com a designação Comunicação. Que matéria seria
esta? Não perguntei ao diretor, mas aos prezados ouvintes
pergunto: Por que a língua falada na Inglaterra, a falada na
França, a falada em outros países têm todas elas o próprio
nome para distingui-las, e a língua falada em nossa terra
não tem?
Se o malogro do ensino da nossa língua repousa hoje
nesse procedimento, sua origem teve as primeiras raízes
há 61 anos, quando, após a revolução gaúcha contra São
Paulo, foram criadas as férias de julho; o ano letivo ia de
149

primeiro de fevereiro a 30 de novembro, não interpolado


com feriados, dias de vadiagem mais do que comemorativos.
Empreguemos agora a palavra comunicação de forma
correta; os meios de comunicação constituídos por
impressos, estações de rádio e canais de televisão têm
influência incomensurável, de todos reconhecida, já para o
mal, já para o bem, e a linguagem é a arma desses meios;
com essa arma, o mundo todo é atingido e, quando se trata
do mal, impiedosamente. Não a empreguemos, porém, em
substituição da palavra português.
Senhoras e Senhores:
Vejamos este imperativo, visto em comunicação
nacional, na televisão: “Vem você também”. Impressos, rádio
e televisão parecem mancomunar-se no desbarato do nosso
idioma; sem curso primário sólido, sem base secundária
séria, sem cultivo da língua pátria, quem exerce essas
profissões deixa-se dominar pelo prurido novidadeiro, e
expõe a público erros de toda a sorte, léxicos e sintáticos, e
aí aparece um nojento “récor” em vez de “recorde”, ribomba
um “mandei eles saírem” em vez de “mandei-os sair”, estoura
um “se papai ver” em vez de “se papai vir”, e outras
parvoíces. Observe-se que na televisão aparece a palavra
escrita na tela com todas as letras – recorde – e o locutor
diz “récor”; que nome dar a esse proceder?

Não faço careta nem gesto de repulsa diante de tais


dislates por julgar procedimento inútil, dada a profundeza
das raízes das ofensas acima apontadas do idioma; o mal
150

não se desarraíga(1) numa geração nem em duas; sua


extirpação implica procedimento governamental imediato e
parmanente para que daqui a três gerações haja no Brasil
um vernáculo uno, agradável, imponente, como o de há
muito existente em diversos países.
No rádio e na televisão podemos encontrar um
entrevistador do idioma, mas que dizer do português das
pessoas que ele entrevista? Tratando-se de um esportista,
seus erros de técnica esportiva podem ser corrigidos quase
imediatamente, mas os erros de português do entrevistador
e do entrevistado exigem anos para completo expurgo.
Os profissionais da política – se podemos chamar
política profissão – não estão isentos do mal causado pela
fraqueza do curso primário e pela deficiência do secundário

(1) Nisto da escorreita prosódia da forma verbal “desarraíga” vem aqui


de molde a lição peremptória do saudoso Mestre:
“Os verbos que possuem na última sílaba do radical os ditongos crescentes
ou hiatos au (saudar, abaular), ai (arraigar, enraizar, judaizar, embainhar), ui
(arruinar) e iu (enviuvar), devem ser conjugados de maneira tal que, nas
formas rizotônicas, o acento caia na segunda dessas vogais, porquanto tais grupos
constituem ditongos crescentes ou hiatos e não ditongos decrescentes: aba-ú-lo,
arra-í-go, arru-í-no, envi-ú-vo.
Observe-se, com toda a atenção, o seguinte: Nos verbos em que há o grupo
au ou ai, é necessário ver a procedência; em pautar, pausar, saraivar e outros, o
acento cai no a, visto provirem esses verbos de nomes em que há ditongo
decrescente (pauta, pausa, saraiva; quando provindos de nomes em que há
ditongo crescente ou hiato (ba-ú, sa-ú-de, ra-iz, ju-iz, vi-ú-vo) é que os verbos se
conjugam como ficou indicado: O mal se arra-í-ga mais facilmente que o bem.”
(Napoleão Mendes de Almeida, Dicionário de Questões Vernáculas, 1981; v.
arraigar).
151

no tocante ao estudo da gramática. Ainda que tenha feito


um curso superior de letras, não tem o político segurança
no seu discurso; consegue-a somente quando a busca
autodidaticamente.
É do dia 13 do mês passado a publicação nas Questões
Vernáculas(2) deste trecho de carta a mim endereçada por
uma brasileira, professora de português na universidade
L’Aquila de Roma, trecho referente ao aprendizado de sua
filha: “Os adolescentes do liceu (nome que aqui se dá ao curso
secundário) têm 8 horas semanais de latim e 4 de grego durante
cinco anos”.
Na minha resposta, esta afirmação: Deve orgulhar-se
de sua filha, longe do descalabro educacional do Brasil,
onde autoridades do ensino público pregam com a maior
desfaçatez: “Falem como quiserem”.
Quando praticados por jornalistas, recorto os erros
para, sem identificar o jornal, mostrar aos meus alunos, pois
os erros ensinam, mas é trabalho quase baldado – uma
andorinha não faz verão – e de um diretor de jornal já
ouvi esta reprimenda: “Você lê jornais para encontrar erros de
português?”. Poderia ter-lhe respondido: “Do que você sofre eu
não sei, mas posso assegurar que não é da vista”; engoli, porém,
a resposta.

(2) Título da coluna semanal que, sobre assuntos de gramática e de


linguagem, o Prof. Napoleão Mendes de Almeida manteve, por 45 anos,
no jornal O Estado de S. Paulo.
152

Deslize do vernáculo quem os não tem? Quantas


vezes não me pilho a empregar o verbo “falar” em vez de
“dizer”?
Nosso vocabulário já foi rico, mas o saco furou, e pelo
buraco escaparam os verbos exprimir, enunciar, proferir,
pronunciar, exclamar, bradar, preceituar, contar, narrar, referir,
denotar, mostrar, indicar, expor, declarar. Hoje, no Brasil, já
não se pergunta: “Você falou com o chefe? Que é que ele disse?”.
O que ouvimos é: “Você falou com o chefe? Que é que ele
falou?”.
Que dizer do verbo ter em vez de haver? Como,
porém, explicar ser a errada construção “Hoje tem
espetáculo" ouvida com a mesma assiduidade da construção
correta “Naquela fábrica não há vaga”? O erro e o acerto
têm força de igual propagação. A correção opera-se na
escola.
Não vou falar do malefício da extirpação do latim,
assunto para muitas laudas, mas vou pedir permissão para
uma digressão.
No mundo inteiro impõe-se cada vez mais, e com
justiça, a língua inglesa, e dentre os que me honram com a
presença, creio não haver quem não se faça entender na
língua de Webster.
Por que diz o inglês “Let me see”, e não “Let I see”, se
o sujeito da 1a. pessoa gramatical inglesa é “I” e não “me”?
Por que, insisto, não diz o inglês “Let I see”?
153

Porque, respondo, o inglês, que tem 50 por cento dos


vocábulos provindos do latim, segue o latim também nessa
construção.
Fiz o carro andar. Aqui, a pergunta: Qual a função
sintática do carro?
Nem a crase escapa de erros; não sei se ainda se
encontra numa de nossas faculdades oficiais um busto que
traz um “a” escandalosamente craseado antes do nome do
professor. Terão os professores de português de colocar na
sacola a viola em que dedilham as regras de gramática e
deixar ao acaso nossa sintaxe e a própria morfologia? Se em
tabuletas, avisos, circulares, comunicados oficiais e até em
decretos nosso idioma se apresenta esfarrapado, como
exigir do povo correção linguística? Qual a razão desses
disparates, que não são distrações de revisão mas
verdadeiros erros de palmatória?
Para remate destas laudas, valho-me da própria
Associação dos Advogados Criminais do Estado de São
Paulo, que nos transcreve esta passagem de Rui Barbosa:

De tanto ver triunfar as nulidades,


de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se
os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto.
154
Advogado Criminal ou Advogado Criminalista?

Pode-se afirmar, sem contradita plausível, que a


principal virtude dos clássicos era a propriedade com que
empregavam os vocábulos e as construções vernáculas.
“Adaptar e apropriar sempre as palavras e o estilo à
natureza das ideias e dos pensamentos enunciados”(1), esta a
pedra de toque por onde se conheciam e encomendavam à
estima pública.
Que se trata de mais que árduo ofício, bem se infere
destas palavras do insigne Rui a propósito de Flaubert:
“(…) na escola dos grandes escritores de outros tempos se matava
em escavar le mot propre, vocábulo consubstancial à ideia, cerne
do pensamento, específico e insubstituível na sua função de o
revestir”(2).
Este, unicamente, é o modo por que um escritor
logra altear-se além da craveira mediana e comunicar
durabilidade às produções de seu espírito.
Nisso de propriedade no falar e no escrever, cai a talho
a sentença de Carlos Lacerda, notável tribuno e infatigável
lidador da palavra: “Saber o nome de cada coisa, e não chamá-la
coisa, chamá-la exatamente pelo nome, eis o que é saber um
idioma”(3).
Ao advogado importa-lhe muito conhecer, à uma com
os termos e palavras de sua língua, os do estilo jurídico ou
do foro. Vocábulos, que na linguagem vulgar podem ter
cabida, são de todo o ponto insofríveis na locução jurídica.
156

Assim, não é muito que o comum dos escritores empregue


inconsideradamente roubo por furto e crime por contravenção,
que esses vocábulos a maioria dos léxicos portugueses
registra como sinônimos. Ao advogado, contudo, por
amor da propriedade (ou precisão) a que deve atender a
linguagem jurídica escrita, será defeso fazê-lo. Para ele,
cada uma dessas palavras haverá de constituir termo
próprio. Outro tanto com as vozes interrogar e inquirir,
citar e intimar, etc. Usá-las indiferentemente, sem olhar por
sua acepção restritiva, seria infringir de rosto um dos mais
importantes cânones do estilo do foro: a propriedade. São os
outros: a expressão lógica, a brevidade e a clareza. Este
conjunto de atributos é que dá à linguagem do Direito, na
frase cunhada por Jhering, a “elegantia juris”, ou estética
jurídica(4).
Foi a preocupação da propriedade terminológica e
certo gosto, que os temas relacionados com a Advocacia
Criminal soem infundir no espírito dos que a professam
com todas as veras, o que nos moveu a pôr em questão a
seguinte matéria: a forma qual seria mais correta advogado
criminal ou advogado criminalista?
A usança do pretório depara-nos, com efeito, ambas as
expressões. Os que fazem profissão da vida forense, por
outra parte, empregam-nas indistintamente. Uma só,
porém, cuidamos que satisfaz do mesmo passo ao requisito
da precisão da linguagem e ao rigor da lógica.
À mingua de documentos jurídico-literários que nos
pudessem desatar a dúvida, lembrou-nos confiá-lo àquele
157

que em pontos de boa linguagem era, por unânime


consenso dos doutos, árbitro competentíssimo: o Prof.
Napoleão Mendes de Almeida (v. Anexo I). Rogamos a Sua
Excelência a especial mercê de escrever-nos se convinha ao
gênio da língua, se dizia com os preceitos da lógica e
preservava a exação da gramática a locução advogados
criminais, elementar e distintiva da associação que, no
Estado de São Paulo, congrega os profissionais que atuam
nas instâncias da Justiça Criminal.
Com igual solicitude que sabedoria respondeu-nos o
provecto e abalizado mestre da boa linguagem, firme em
Caldas Aulete e Laudelino Freire (que houve pelos maiores
dicionaristas), que “é criminal o que concerne ao julgamento dos
crimes, e não ao advogado. É criminalista o advogado ou
jurisconsulto que trata especialmente de assuntos criminais”.
Advogado criminalista, ou simplesmente criminalista, é,
pois, como se deve chamar ao “que trata especialmente
de assuntos criminais”. A não ser assim, houvéramos de
designar também por advogado comercial, constitucional ou
tributário quem milita nestas áreas do Direito, o que seria,
sobre incurial, insólito. Por força do sufixo ista – que
inculca a ideia de atividade, profissão, partido, dedicação,
etc. –, forjou a língua viva extenso rol de locuções
substantivas. “Exempli gratia”: médico legista, cirurgião
dentista, filósofo tomista, partido trabalhista, estado
militarista, teoria finalista da ação, etc.
Nisto, portanto, já não há que debater: “Napoleo locutus,
causa finita”!
158

A dicção advogado criminalista, aliás, já recebera de


Teófilo Braga, em 1923, foros de cidade na língua
portuguesa(5).
Fora entretanto imprudência, não só injustiça, calar
os nomes dos que, pela haverem correta e vernácula de
lei, não se desdenharam de empregar a forma advogado
criminal. E, o que é mais: à conta de sua muita autoridade,
não parecera bastante escrever-lhes os nomes neste papel;
era mister gravá-los com letras de ouro, que são estas as
que convêm aos varões de grande esfera, como Eliézer
Rosa(6), Romeiro Neto(7) e Alfredo Tranjan(8).
E, pois estamos falando do advogado criminalista, leve
em paciência o pio leitor traslademos aqui este lanço
primoroso de quem, por mais de um predicamento
louvável, como tal merece havido: Paulo José da Costa Jr.
Ser criminalista, ao parecer desse eminente cultor da
Ciência Penal, “ser criminalista, enfim, é dar tudo de si.
Dedicação, sacrifício. Sem temor e sem nenhuma esperança de
gratidão ou de recompensa. A grande recompensa é a paz
interior. A tranquilidade serena de consciência. A sensação
confortadora do dever cumprido”(9).

Notas

(1) Ernesto Carneiro Ribeiro, Páginas de Língua e de


Educação, 1939, p. 68.
(2) Réplica, nº 475.
159

(3) Uma Rosa é uma Rosa, é uma Rosa, 2a. ed., p. 77.
(4) Cf. Edmundo Dantès Nascimento, Linguagem
Forense, 1980, p. 222.
(5) Cf. Magalhães Lima, Episódios da Minha Vida, 2a. ed.,
p. 17; Livraria Universal; Lisboa.
(6) “Há no semblante austero dos grandes advogados
criminais uma discreta sombra que atesta a convivência
diuturna com a angústia alheia” (Romeiro Neto, o Último
Romântico da Advocacia Criminal, 1984, p. 21).
(7) “Eis a missão do advogado criminal em três palavras:
humanizar a Justiça” (Fora do Júri, p. 101).
(8) “Tratou do tema, em famosa carta escrita aos filhos, o
maior dos advogados criminais que o Brasil produziu:
Evaristo de Moraes” (A Beca Surrada, 1a. ed., p. 90).
(9) In Folha de S. Paulo, 6.3.77.
160

Anexo I

1. Transcrição da carta-consulta, com estabelecimento do


texto:

São Paulo, 8 de setembro de 1992


Ao Excelentíssimo Senhor
Doutor Napoleão Mendes de Almeida
Rua Senador Paulo Egídio, 72
Nesta
Querido e abalizado Mestre:
Vimos hoje desempenhar-nos, bem que serodiamente,
de grave e natural obrigação, em que os criminalistas de
São Paulo estamos para com Vossa Excelência, (“omissis”),
………………………………………………………………
Estimado Professor, antes de concluir esta missiva
gratulatória, tomáramos nos declarasse tormentosa dúvida,
e é: convém ao gênio da língua, orna com os cânones da
lógica e preserva a boa exação da gramática a locução
advogados criminais, elementar e distintiva da associação
dos que professamos a advocacia criminal (Associação dos
Advogados Criminais do Estado de São Paulo)? Não lhe seria,
acaso, preferível a denominação advogados criminalistas
ou criminalistas simplesmente? Associação Paranaense dos
Advogados Criminalistas, de feito, é o nome por que se
conhece, no vizinho estado das araucárias, a entidade nossa
coirmã…
161

Árbitro competentíssimo em pontos de linguagem, far-


-nos-á Vossa Excelência particular mercê, desatando-nos
esta controvérsia.
Com a mais viva afeição e profundo respeito,
subscrevemo-nos cordialmente.

________________________
Carlos Biasotti
Presidente
162

2. Carta-resposta (no lugar que interessa à consulta):


São Paulo, 14 de outubro de 1992

Excelentíssimo Senhor
Professor Doutor Napoleão Mendes de Almeida
Rua Senador Paulo Egídio, 72, conj. 1.111
Nesta

Mui digno e estimado Mestre:


Vai por um ano que os advogados criminalistas de São
Paulo, reunidos em sessão comemorativa do nascimento
de Rui, tiveram a insigne honra de ouvir sua edificante
palestra a respeito das Questões Vernáculas.
Tão benéficos efeitos deitou a palavra de Vossa
Excelência no ânimo da atenta e numerosa plateia; tão
copiosos frutos produziu entre os advogados, que
publicamente votaram logo duas proposições, a saber:

1a.) que de dois livros jamais houvesse de carecer


a biblioteca do criminalista: Comentários ao Código Penal,
de Nélson Hungria, e Gramática Metódica da Língua
Portuguesa, do Professor Napoleão Mendes de Almeida;

2a.) que para a Semana de Rui Barbosa fosse


oficialmente convidado, de preferência a outra individualidade
conspícua, o Professor Napoleão Mendes de Almeida.
E as razões que deram os criminalistas para assim
obrar foram estas:
164

I - Da mesma forma que os celebérrimos Comentários


de Hungria constituíam o melhor corpo de doutrina da
Ciência Penal, a justamente louvada Gramática Metódica
da Língua Portuguesa, de autoria do Professor Napoleão
Mendes de Almeida, encerrava, com segurança de método e
notável clareza expositiva, os mais preciosos ensinamentos
para bem falar e escrever alguém a língua portuguesa;

II - Se foi Rui, como geralmente se concede, “o


primeiro talento verbal da raça” (Sílvio Romero, História da
Literatura Brasileira, 1949, t. V, p. 448), que mais natural e
acertado modo de homenageá-lo, que fazê-lo mediante o
concurso e sob o alto patrocínio daquele que, na atualidade,
sem voto discrepante, detinha o primado no magistério da
língua: o Professor Napoleão Mendes de Almeida?!
O devotamento não vulgar de Vossa Excelência à
causa do idioma pátrio e a conhecida generosidade com que
lhe acolhe o coração ainda as súplicas mais difíceis de
despachar, estimulam-nos a convidá-lo a proferir palestra,
no dia 10.11.92, às 19h, no auditório da Acrimesp, sobre o
tema A Palavra, Arma do Advogado.
Esse obséquio é dos que se não podem retribuir senão
com a vassalagem, o respeito e o apreço de toda uma classe:
a dos criminalistas.
165

Cordialmente,
Carlos Biasotti
Presidente
166
17. Palavra, Arma do Advogado(*)

Mais uma vez fui honrado com o convite para


participar de uma Semana de Rui Barbosa na Associação dos
Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo, partido
da bondade de seu operoso presidente, Dr. Carlos Biasotti.
Foi-me dado o tema “Palavra, arma do advogado”;
a este tema procurarei ater-me, colhendo em livros de
literatura que importantes expoentes das nossas letras foram
advogados.
Considero-me quase um intruso entre os que
proferiram palestra esta semana, pois até hoje não sei em
que na prática consiste uma petição inicial, não obstante os
excelentes catedráticos da São Francisco(**).
Como corresponder um mero professor do idioma
pátrio à gentileza de convite para falar a uma plêiade de
lutadores que diariamente e horas a fio procuram
solucionar problemas da luta social em que estão
empenhados?

(*) Texto da conferência que, em 10.11.92, pronunciou, na Associação


dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp),
o insigne Prof. Napoleão Mendes de Almeida, de feliz memória (1911-
1998).
(**) Alusão à Faculdade de Direito de São Paulo, também conhecida por
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e Faculdade das Arcadas,
criada por Dom Pedro I (Lei de 11 de agosto de 1827).
168

Por que estudei Direito? É pergunta que julgo partir


de algum dos prezados ouvintes. Fui impulsionado a
estudar leis para conhecer o verdadeiro significado de
palavras não encontrado em simples dicionários. Somente
códigos poderiam elucidar-me, e códigos somente em
faculdade como a São Francisco eram realmente ensinados.
Waldemar Ferreira, Basileu Garcia, Gabriel Rezende,
Siqueira Ferreira, Soares de Faria, Cesarino Júnior, Canuto
Mendes de Almeida, Lino de Moraes Leme, Mário
Mazagão, Miguel Reale, Spencer Vampré, Teotônio
Monteiro, Luiz Gama e Silva formavam verdadeira
constelação de professores, amantes das leis e da palavra.
Tivemos não há muito um ministro que ao chuchu
atribuiu a causa da inflação; temos agora um que atribui a
causa da dificuldade da educação ao hífen.
Deixemos tempos atuais; voltemo-nos para outras
épocas, sem fazer distinção de países. Que homens de letras
tiveram base no estudo das leis? Que advogados mostraram
força jurídica na palavra? Solecismos e barbarismos não
entram em conta de editores interesseiros.
O advogado tanto mais se afirma quanto mais se
impõe pela pureza dos períodos que elabora nos seus
arrazoados. O desprezo da palavra acompanha a fraqueza
do advogado, e despreza a palavra quem a não tem
temperada na gramática e nos dicionários.
Teremos todos nós ouvido falar que o primeiro
sintoma de desgoverno, e pois de desrespeito à lei, revela-se
no descaso do idioma , ou seja, da palavra?
169

Queremos destruir uma nação? Destruamos sua


palavra. Queremos impor um governo? Imponhamos a
palavra nossa.
Como falar em lei em meio de libertinagem da
palavra? A fibra cívica tem na palavra a seiva. Se não se
impõe o legislador que não sabe expressar-se, também não
se impõe o executor da lei que não sabe expressar-se em sua
defesa.
Admiro o empenho de um estudante de direito, mas
sinto ser minha obrigação neste momento advertir os que
aqui se encontram para a importância do conhecimento
da armação sintática da palavra. Advogado não é mera
máquina, não é computador operante por som ou luz,
não é robô; é ser pensante, de base linguística, senhor da
gramática do seu idioma.
O Exame de Ordem não tem por fim verificar a simples
existência de diploma, mas submeter o pretenso advogado à
demonstração oral, e também escrita, de conhecimento da
matéria.
Se Rui estudou, aprendeu e ensinou gramática sem
que disso fizesse finalidade mas instrumento, também nós,
quando de Rui lemos já as conferências ou os discursos,
já os pareceres ou os projetos, já as polêmicas ou as
apreciações, já as cartas ou os versos – qualquer dos
trabalhos do imponente legado de quase 300 obras – não
o português nem minúcias de gramática iremos perseguir,
mas o teor, o ensino, as lições de civismo, o incentivo ao
estudo, o amor ao trabalho, o devotamento à causa pública,
170

o desprendimento de si próprio, a dedicação ao estudo, a


elevação da dignidade humana, a defesa da honestidade e da
justiça.
Convencido de que o conhecimento do idioma pátrio
deve ser bagagem normal e comum de todo o homem, tal
qual se dava com as armas dos soldados romanos, cujo peso
estava compreendido no do seu corpo, tentarei focalizar o
aspecto filológico de Rui não em casos concretos, não em
minúcias gramaticais, mas no que de mais encorajador se
nos apresente e no que mais bom senso nos patenteie.
Se malograr no meu intento, minha não será culpa,
mas do grande presidente da Associação dos Advogados
Criminalistas do Estado de São Paulo, Dr. Carlos Biasotti,
que me pediu trabalho muito honroso mas superior às
minhas forças.
Falar em Rui filólogo é pensar imediatamente na
Réplica; estai porém tranquilos, que da Réplica tirarei
lições de alta cátedra e não minúcias de flexão nem
particularidades de sintaxe; não só da Réplica, mas de outras
obras; não só das obras, mas da vida do ínclito Rui.
Começarei por mostrar uma faceta de Rui pouco conhecida
e muito pouco divulgada. Em imponente português, Rui
não só fez prosa, mas versos também. Aos 16 anos escreve
um soneto, experiência destituída do rigor da forma que
caracteriza as composições literárias do gênero e sobre um
tema na exploração do qual Castro Alves arrebatou a
palma, mas aos vinte e um anos e já senhor de expressão
poética.
171

Esse soneto Rui o acompanhou de uma nota em que


nos diz não ser o verso alexandrino ideia sua, nem nova,
mas muito pouco cultivado em português, apesar de não
inferior ao verso decassílabo e, a seu ver, mais formoso e
amplo. O poeta estreante, no entanto, perpetrava o
alexandrino, como se pode verificar nessa estreia, ora com
doze sílabas, ora com treze… Apesar disso, nos catorze
versos de Ao 2 de Julho, há algo que os valoriza, colocando-
-os, pelo conteúdo, em plano inatingível pela mediocridade,
hábil apenas no cômputo de sílabas e na colocação de
tônicas, único mérito de tantos versejadores encanecidos,
louváveis tão só pela teima em que se consomem a vida
inteira. Rui não tardaria, porém, em melhorar a métrica
de seus versos alexandrinos, como bem o atestam os
fragmentos de uma ode contra o trono, não concluída:

“É colossal o trono! É um pigmeu


Que sobre uma montanha a hipocrisia ergueu.
É sacrossanto o rei! Também o foi Tibério.”(1)

O versos prosseguem, no mesmo ritmo de violência e


harmonia.
Vendo-se na idade propícia, Rui tivera amores aos
quais dedicou versos sentimentais à maneira da época,
enviando-lhes recados… Sabe-se que Rui, antes de unir-se
a dona Maria Augusta, modelo de esposa e mãe, seu anjo
tutelar nas horas de alegria ou tristeza, tivera, pelo menos,
dois outros romances de amor, desses enleios cândidos e
172

efêmeros, mas infalíveis na adolescência e na juventude das


criaturas humanas, ainda que estas sejam forjadas para
numes nacionais através de toda uma existência austera e
preocupada com as chamadas coisas sérias do mundo.
Daquelas que o enlevaram quando acadêmico, uma chegou
a ser sua noiva; falecendo no noivado, Rui a invoca
amargurado, cheio de dor de a ter perdido, dedicando-lhe
poesias repassadas de ternura e de saudade. Enquanto
noivava, seus versos eram assim:

“Virgem, no fundo de minha alma ardente


Tu me incutiste uma paixão fervente
Que com a minha existência se enlaçou.
Foi de teus olhos o fulgor sereno,
Foi teu sorriso sedutor, ameno,
Que este vulcão no seio me ateou.”(2)

E a poesia continua, nesse ritmo e nesse calor, num


total de 24 versos decassílabos.
Morta a que seria a estrela da manhã no porvir, Rui,
na sua viuvez aos dezenove anos, põe-se a cantar de
maneira elegíaca, lamentando a perda da noiva:

“Triste saudade que me punges tanto,


Vaga saudade em que meu ser se afunde,
Dor infinda e cruel,
Por que me secas à nascente o pranto,
Por que o não deixas que minha alma inunde
Já tão farta de fel?”.
173

Num total de 36 versos, termina a composição:

“Correi, correi sem medo, silenciosas,


Jorrai, celestes pérolas preciosas,
Não temais vos turvar:
Tudo é puro neste íntimo sacrário;
O amor fez-me desta alma um santuário,
Do meu seio um altar.”(3)

E outras composições deixou. Com 19 anos,


incompletos, escreve a poesia Humaitá, que recitou no
Teatro São José, de São Paulo. Lenda de Sangue, de 120
versos, constitui página digna de Castro Alves, no que
tem este de mais característico. Humanidade foi outra
composição poética admirável, de l81 versos, composta
com 19 anos, composição a que o próprio Rui tinha
justificado apreço. Traduziu de Leopardi, em quase l50
versos, Canto Noturno de um Pastor Errante da Ásia.
Quanto a Rui poeta, deixemo-nos ficar por aqui.
Quanto a Rui prosador já discorreram ilustres advogados
que me precederam na semana que hoje se encerra, mas
não me lembra ter ouvido que Rui aprendeu a ler com
cinco anos de idade, o que fazia com admiração do
seu mestre após 3 meses; aprendeu em escola, e não
particularmente.
Não façamos, porém, comparações, nem de
professores nem de sistema educacional entre o tempo de
Rui menino e o atual. Passemos a algumas considerações,
sob as ordens do Sr. Presidente desta reunião, Dr. Carlos
174

Biasotti, sobre o que constitui arma de todo o advogado,


a palavra.
Da palavra, que disse o ínclito Rui? Ouçamo-lo:
“Todos os que nos dessedentamos nessa fonte, os que nos
saciamos desse pão, os que adoramos esse ideal, nela vamos buscar
a chama incorruptível. É dela que, ao espetáculo ímpio do mal
tripudiante sobre os reveses do bem, rebenta em labaredas a
indignação, golfa a cólera em borbotões das fragas da consciência,
e a palavra sai, rechinando, esbraseando, chispando como o metal
candente dos seios da fornalha”(4).
Que pensamento mais apropriado para o advogado
criminalista?! A palavra, a mostrar reações da luta de
advogado com promotor. A palavra, bem escolhida e
entrelaçada, a revigorar o pensamento de quem a profere.
Impõe-se quem se expressa em linguagem correta,
despreza-se quem o faz em linguagem estropiada: é o que a
experiência nos ensina. Essa imposição e esse desprezo são
idênticos na linguagem, na magistratura e na advocacia,
atividades que têm a maior manifestação de entrelaçamento.
No dizer de San Tiago Dantas, “o culto da língua,
a correção no escrever, a fixação das normas sintáticas e
morfológicas malbaratadas pelos escritores do segundo reinado,
tudo isso que a geração literária do fim do século começara a
praticar, assume, a partir da polêmica Rui-Carneiro Ribeiro,
a natureza e o relevo de investigação científica”(5). Dois anos
depois Heráclito Graça publica Fatos de Linguagem, e a
filologia portuguesa constitui o seu ramo brasileiro, em que
175

alguns dos nossos mais significativos homens de letras se


iriam distinguir.
Para mim, não existe sinceridade, não existe
franqueza, não existe lealdade sem palavra e correção de
emprego. Notícias hoje se publicam com a finalidade de
mostrar tolas construções de português e partes do corpo
humano. A diferença entre o tempo de Rui e o nosso
é gritante. Peca-se hoje em português por ação e por
omissão.
O trato da lei exige, no dizer de Rui, ciência da língua,
vernaculidade, casta correção do escrever. E “o teor de um
código há de ser irrepreensível. Qualquer falha na sua estrutura
idiomática assume proporções de deformidade”(6).
Erros de sintaxe, impropriedade de vocábulos,
neologismos disparatados, obscuridade de construção e
outras mazelas nos noticiários. Gramática e dicionário
tornaram-se objetos desprezíveis. Se para eficácia social a
lei deve ter linguagem cuidada, para que linguagem cuidada
para propaganda de crime e de obscenidade?
Ocorrem aqui estas palavras de Rui: “Vida, propriedade,
honra, tudo quanto nos é mais precioso, dependerá sempre da
seleção das palavras”(7).
O advogado vive, como o jornalista, empurrado pelo
ponteiro do relógio, mas ambos devem ter à mão uma lima
chamada gramática e uma chave de fenda chamada
dicionário. É na falta destas duas ferramentas que está
a justificação da afirmação de Rui de que no surrão da
176

chamada língua brasileira cabem “todas as escórias da


preguiça, da ignorância e do mau gosto”(8).
Se a correção da linguagem revela a pessoa, o
advogado mostra nela prova do apuro da sua formação.
A palavra, instrumento mundial de educação social, é,
também, no mundo inteiro, a arma defensiva e a um tempo
ofensiva do advogado, tanto mais violenta quanto mais bem
fabricada e exercitada. Procurarei ater-me ao tema imposto.
Os conhecedores da Réplica sabem até onde a arma-palavra
alcança.
Deixando de lado observações gramaticais, vejamos
quão valorosa foi essa arma no manuseio profissional de uns
tantos advogados. Vejamos, sem ordem cronológica e sem
distinguir nacionalidades, alguns causídicos de brilho
jurídico paralelo ao da palavra:
Guerra Junqueiro — Quem foi Abílio Manuel Guerra
Junqueiro? Advogado, que se bacharelou em direito por
Coimbra. Seu brilho não se limitou aos versos, impôs-se
em brilho também nos discursos que pronunciou no
exercício de cargos públicos. Várias vezes deputado
monárquico, depois político republicano e embaixador em
Berna, na Suíça, falecido no mesmo ano em que faleceu Rui
Barbosa, em 1923.
Gonçalves Dias — Onde foi armar-se para poder com
a palavra rimada revelar-se uma das maiores glórias da
poesia brasileira? Na faculdade de direito de Coimbra.
Morreu em 1864 após ter regido as cadeiras de História
pátria e Latim no Colégio Pedro II.
177

Franklin Távora — Onde encontrou arma para seus


debates políticos em sua terra, Ceará, o escritor Franklin
Távora? Na faculdade de direito de Recife.
Macedo Costa — Não foi D. Antônio de Macedo
Costa, após estudo em Paris, doutoramento em Roma,
advogado em própria defesa para libertar-se, juntamente
com D. Vital de Oliveira, da prisão em que ficaram dois
anos e meio? Foi depois D. Macedo Costa o defensor do
estudo de direito para as donas de casa, para conhecimento
dos diversos regimes dos bens do casamento, a diferença
que existe entre um testamento e uma doação, o que é
contrato, o que é partilha, o que é necessário para a validez
desses atos, para saber, ainda, como a jurisprudência varia,
quanto tudo depende dos juízes, e por mais que pareça,
torna-se incerto, quanto as delongas dos melhores negócios
são ruinosas e insuportáveis. É preciso que elas conheçam a
agitação do foro, o furor da chicana, as tricas dos processos,
as custas enormes que acarretam e a desgraça dos que têm
demandas. Tudo isso com o estudo, todo o estudo com a
palavra esclarecida do advogado.
Luís Guimarães Jr. — Tendo estudado direito em São
Paulo e em Recife, em que se apoiou o poeta fluminense
Luís Guimarães Júnior para chegar a ser ministro
plenipotenciário senão na palavra?
Bernardo Guimarães — Formado em direito por São
Paulo, professor de Retórica e Filosofia em sua terra natal,
Ouro Preto (MG), de que se valeu para chegar a juiz de
178

Catalão (GO), Bernardo Joaquim da Silva Guimarães senão


da palavra sempre aprimorada?
Firmino Rodrigues — Em que se apoiava o advogado
niteroiense Firmino Rodrigues Silva, que, formado pela
São Francisco, foi exercer a advocacia no Rio, foi juiz em
Ouro Preto e depois chefe de polícia do Rio de Janeiro, em
que se apoiava ele senão na palavra, de cujo conhecimento
deu prova com assídua colaboração em jornais, opúsculos,
discursos políticos e ainda com várias poesias, dentre as
quais Niterói, de 40 versos decassílabos?
Sílvio Romero — Temos no sergipano Sílvio Romero,
bacharel em direito por Pernambuco, outro exemplo de
advogado que fez da palavra sua potente arma nos poucos
anos de vida advocatícia e em sua obra Doutrina contra
Doutrina.
Diogo Hurtado de Mendoza — Foi na universidade de
Salamanca e a seguir em Pavia, Pádua e Bolonha que
estudou jurisprudência Diogo Hurtado de Mendoza, autor
de Guerra de Granada.
Giambattista Vico — Que foi o filósofo e historiador
Giambattista Vico, napolitano falecido em 1744, senão um
jurista, considerado um dos fundadores da filosofia da
história, estudante das leis da evolução progressiva dos
povos?
Carlos Goldoni — Que foi Carlos Goldoni, autor de
250 peças teatrais em italiano e em francês, senão um
advogado que começou a exercer a advocacia logo após sua
formação pela universidade de Pádua em 1731?
179

Rodrigues Lobo — As escolas literárias, desde a


seiscentista, têm entre seus autores bacharéis em leis;
confundem-se direito e letras. É exemplo Francisco
Rodrigues Lobo, de Leiria, bacharel de 1602.
Padre Vieira — Quem nega ter tido a força literária do
Pe. Vieira o alicerce no estudo e defesa do direito
canônico? Foi de tal nomeada na tribuna que chegou a
pregar perante o papa Clemente X, junto a quem defendeu
a causa dos judeus de Portugal, “injusta, tirânica e
barbaramente perseguidos pela inquisição”(9).
Padre Bernardes — A seguir, temos este lisboeta de
1644, graduado em direito canônico por universidade de
Coimbra. Onde a força do direito canônico e civil desses
dois luminares do séc. XVII? Acaso em canhões, em
espadas?
Cruz e Silva — A seguir, vemos entre os árcades
Antônio Diniz da Cruz e Silva, formado em direito por
Coimbra, falecido no Rio em 1799.
Antônio José da Silva — Formou-se por Coimbra em
1733, começou a seguir a exercer a profissão de advogado
este autor de oito óperas, levadas à cena no teatro do Bairro
Alto, em Lisboa.
Anchieta — Como não considerar também advogado
um padre José de Anchieta, a defender por lei a fundação
do Rio de Janeiro e de Piratininga, e a defender a educação
dos filhos de índios no ainda hoje existente Pátio do Colégio
em São Paulo?
180

Gregório de Matos — Poeta satírico brasileiro, da


Escola Baiana, que não poupou a ninguém, nem ao clero
nem às autoridades constituídas, bacharelou-se em leis por
Coimbra.
Manoel Botelho de Oliveira — Outro brasileiro da
Escola Baiana, falecido em 1711, estudou Jurisprudência
Cesárea, como se chamava então o Direito Romano,
em Coimbra. De volta à pátria, exerceu a advocacia.
Conhecedor do latim, espanhol e italiano, foi senador.
Frei Vicente do Salvador — Historiador anedótico e
folclórico, considerado cronologicamente o nosso primeiro
clássico, estudou direito em Coimbra.
Santa Rita Durão — Nascido em Mariana (MG),
estudou humanidades no Rio e foi depois aluno e professor
da Universidade de Coimbra; faleceu em Lisboa em 1784.
Cláudio Manuel da Costa — Após estudos no Colégio
dos Jesuítas do Rio de Janeiro, foi estudar direito canônico
em Coimbra. De volta ao Brasil, tomou parte na
Inconfidência. Faleceu em 1789.
Tomás Antônio Gonzaga — Nasceu de pai fluminense
em Portugal, veio para o Brasil como desembargador após
ter-se formado em leis em 1768.
Eça de Queirós — Estrela de primeira grandeza na
eloquência, Eça formou-se em direito em Coimbra, após
ter estudado certo tempo com o pai. Novelista de técnica
realista, celebrizou-se com O Crime do Padre Amaro, obra
graciosa e irônica. Autor de um punhado de obras célebres
181

pelo humorismo e pela ironia, até hoje muito procuradas,


foi cônsul em Havana, New Castle, Bristol e Paris.
A impressão que nos dá a literatura dos expoentes das
letras portuguesas é a de que uma condição existe para
atingir forma e fama literárias: diploma de bacharel de
direito.
Teófilo Braga — Temos em Teófilo Braga mais um
exemplo de advogado e literato que soube manusear a arma
da palavra.
Manuel Inácio da Silva Alvarenga — O último
representante da Escola Mineira, nascido em Vila Rica
em 1749, foi respeitado por mestres e condiscípulos em
Coimbra. De volta ao Brasil em 1777, fixa-se no Rio de
Janeiro como advogado e professor de retórica e poética.
Faleceu em 1814.
Álvares de Azevedo — Invejável poeta e romancista,
Álvares de Azevedo morreu em 1852, quase formado pela
São Francisco, deixando célebres suas últimas palavras:
“Que fatalidade, meu pai!”.
Castro Alves — Um dos mais pronunciados
abolicionistas, falecido em 1871, não se formou; mas,
transferido da Faculdade de Direito de Recife para São
Paulo, em 1868, exerceu grande influência sobre o espírito
da mocidade acadêmica.
Tobias Barreto — O poeta pernambucano de Dias e
Noites formou-se pela faculdade de Recife, falecido em
1889, magoado com as tacanhices de uma multidão de
182

inimigos gratuitos, invejosos de seu talento jurídico.


Sergipe editou em 1926 suas Obras Completas.
José de Alencar — Falecido em 1877, foi deputado pelo
seu estado, Ceará, em várias legislaturas; de vigor dialético,
brilho e elegância não comuns nos seus romances,
bacharelou-se em direito pela São Francisco.
João Francisco Lisboa — Nascido em 1812,
político, jornalista, secretário da presidência do estado do
Maranhão, arquivista do império, historiador, autor da
Vida do Padre Vieira e de outros 4 volumes editados em
Lisboa, foi dedicado advogado em sua terra natal.
Raul Pompeia — Colaborador na imprensa de São
Paulo e do Rio de Janeiro, diretor do Diário Oficial e da
Biblioteca Nacional, teve a base de sua competência
literária no curso de ciências jurídicas e sociais, iniciado
em São Paulo e terminado em Recife em 1886. Autor
nevrótico e impulsivo d’O Ateneu.
Agora no Romantismo, a começar do século XIX,
temos como manuseadores da arma da palavra quem se
formou em cânones pela Universidade de Coimbra,
Castilho, o cego Antônio Feliciano de Castilho, que tinha
na fala e na audição substitutos da vista, a terceira figura
mais representativa do romantismo em Portugal, que
conheceu o Brasil numa viagem feita em 1855, esse
extraordinário homem que traduziu obras escritas em
grego, latim, francês, inglês e alemão. Nesses longes
tempos, isentos de processos de comunicação maléficos ao
183

idioma, talento e força de expressão confundiam-se com


graça e harmonia em nossos escritores.
Com Castilho temos Camilo Castelo Branco,
formado pela Universidade de Coimbra, fundador, com
alguns colegas de faculdade, Rodrigues Cordeiro, Serpa,
Augusto Lima e Couto Monteiro, do jornal O Trovador.
Em 1856 temos a obra de Soares Passos, também ele
formado por Coimbra.
Mais um advogado de alto padrão temos entre os
romancistas, Tomás Ribeiro, formado em direito por
Coimbra.
Que dizer agora dos realistas criadores da Escola do
Elogio-Mútuo?
João de Deus — Bacharelou-se em Coimbra em 1859.
Foi jornalista e político. Como educador, escreveu
a Cartilha Maternal, adotada oficialmente como método
nacional de leitura.
Antero de Quental — Formado por Coimbra.
Gonçalves Crespo — Nascido no Rio de Janeiro,
naturalizado português, bacharel por Coimbra.
Antônio Nobre — Formado em direito por Paris.
Eduardo Prado — O vigoroso polemista e grande
jornalista paulistano Eduardo Prado é da turma de 1881 da
São Francisco.
184

Afonso Arinos — Nascido em Minas, formou-se na


São Francisco em 1889, foi por algum tempo advogado no
Rio de Janeiro.
Luiz Guimarães e Teófilo Dias são parnasianos
formados em direito por São Paulo.
Raimundo Correia — Outro parnasiano formado em
direito por São Paulo foi Raimundo da Mota Azevedo
Correia.
Luiz Delfino e Luiz Murat — São dois parnasianos
formados em direito. Mais próximos de nós, a dispensar
dados biográficos, temos, formados em direito, Vicente
de Carvalho, Adelmar Tavares, Guilherme de Almeida,
Harold Daltro, Vargas Neto.
Não está completo o quadro de grandes brasileiros
formados em direito.
Jango Mendes — Advogado considera-se somente o
portador de diploma de faculdade? Seria muito injusto em
não falar de pelo menos um rábula (assim chamado o
advogado não portador de diploma), grande conhecedor de
português e latim, que exerceu a profissão a princípio em
Itaporanga (SP), onde elaborava suas laudas à luz de vela,
depois em Itapetininga, onde faleceu, há vinte anos, tinha
fama de não perder causa em toda a região paulista, com
um mínimo sempre de 70 em sua banca, João Batista de
Macedo Mendes, o célebre Dr. Jango Mendes.
185

Voltemos a Rui, e com Clemenceau terminemos: “Foi


eloquente como advogado, como político, como jornalista, como
escritor, como cidadão do Brasil e do mundo”(10).

Bibliografia:
(1) Obras Completas de Rui Barbosa, vol. I, t. II, p. 236.
(2) Ibidem, p. 251.
(3) Ibidem, p. 227.
(4) Elogios Acadêmicos e Orações de Paraninfo, 1924, p. 352.
(5) Rui Barbosa e o Código Civil, 1949, p. 33.
(6) Obras Completas de Rui Barbosa, vol. XXVI, t. IV,
p. 93.
(7) Réplica, nº 424.
(8) Ibidem, nº 22.
(9) Estêvão Cruz, História Universal da Literatura, p. 40.
(10) Georges Raeders, Rui Barbosa et la France, 1949, p. 10.
186
187

São Paulo, 21 de julho de 1993

Estimado Professor Napoleão:


Porque não lance Vossa Excelência à conta de
ingratidão meu silêncio, torno-lhe hoje à presença. Faço-o,
como sempre, entre exultante e receoso (que bem este
costuma ser o estado de ânimo de quem se dirige ao maior
vulto das boas letras de seu país). A muita satisfação minha
não se desacompanha, portanto, de certo escrúpulo de o
estar amofinando com desenxabidos escritos; fio-me,
contudo, de sua provada benevolência.
Professor, persuadido de que a notável conferência
que, no dia 10.11.92, pronunciou para os advogados
criminalistas de São Paulo é assaz digna de se não deixar
escurecer do tempo, diligencio tirá-la a público no Digesto
Econômico, revista que tem por diretor-responsável o
jornalista e acadêmico João de Scantimburgo, seu amigo
e franco admirador. Para isso, datilografei de novo a
magnífica oração Palavra, Arma do Advogado (pois a cópia
que me enviou, o passar dos dias implacavelmente
esmaeceu).
Por outra parte, com ser de grande momento o
assunto de que se desempenhou, pareceu-me curial fossem
referidas as fontes donde se extraíram as oportunas citações,
a que a bela composição literária deu merecido relevo.
Constam da Bibliografia (estampada na última folha) que
188

preparei, ajudado do acaso. Com bem de pesar meu, não


acertei com a ubicação concernente às transcrições ns. 9 e
10).
Tomara sinceramente que Vossa Excelência nada
suspeite de sacrílego ou arrojado nesse meu teor de
proceder, eu que ajuntei acidentes ou superfluidades à áurea
substância de sua palavra. Fi-lo por atender a altiva
inspiração (que é também aspiração): concorrer, quanto em
mim fosse, para fazer chegar ao prelo a mensagem com que
tanto Vossa Excelência encantou os criminalistas. Demais,
serve ao intento aquilo do evangelista: “Nem os que acendem
uma luzerna a metem debaixo do alqueire, mas põem-na sobre o
candeeiro (…)” (Mt 5,15; trad. Pe. Antônio Pereira de
Figueiredo).
A consentir Vossa Excelência na sobredita publicação,
olharei que lhe sejam tempestivamente remetidas as provas
para revisão, não triunfe alguma nódoa tipográfica.
Deus guarde as vidas de Vossa Excelência, de D.
Maria Lizette e do Saulo!
Respeitosamente,
Carlos Biasotti
189
190

São Paulo, 18 de agosto de 1993

Excelentíssimo Senhor
Professor Napoleão Mendes de Almeida
Rua Senador Paulo Egídio, 72, conj. 1.111
Capital

Querido e egrégio Mestre:

1. Breve correrá o Digesto Econômico e, com ele, o


texto da notável conferência (Palavra, Arma do Advogado),
cuja prova tipográfica, para a última lima, estou ora
passando às mãos de Vossa Excelência.

2. Onde me parece haver lugar para pequeno reparo


é na cabeça do artigo (olho tipográfico), na legenda alvitrada
pelo jornalista Francisco Cantero (produtor industrial da
revista): intentou elaborar uma súmula do pensamento de
Vossa Excelência (p. 65); não sei se lhe guardou fidelidade.
Havendo ele escrito “mostra através dela”, entro em dúvida
se não fez rosto à boa doutrina da linguagem. (Tenho entre
mãos o precioso Dicionário de Questões Vernáculas, com a
exegese que o Mestre, na página 33, supeditou ao verbete
através…). Para mais, não haveria dissonância em “mostra
através”?
191

Tudo são cuidados de leigo, que o sou, em pontos de


linguagem, mas desejoso de lhe dar sempre gosto.

No caso que proceda minha arguição, consulto Vossa


Excelência a respeito do seguinte:

Haverá de permanecer a referida legenda ou será


melhor eliminá-la? Seria bem substituí-la? Neste caso, uma
das fórmulas abaixo diria com o pensamento do Autor?

Disponha de minha fiel obediência para tudo o que


lhe for do agrado. Deus o conserve anos sem conto!

Atenciosamente,

Carlos Biasotti

Fórmulas substitutivas:

I. A correção da linguagem revela a um tempo (ou


juntamente) a pessoa e o apuro de sua formação.

II. A correção da linguagem não revela somente a


pessoa; evidencia-lhe também o apuro da formação.

III. A correção da linguagem do mesmo passo que revela


a pessoa trai-lhe o apuro da formação.
192

Prof. Dr. Napoleão Mendes de Almeida:

Às mais pessoas, todas as coisas podem ordinariamente


servir de dádiva. A Vossa Excelência, contudo, só as que
o seu mesmo fecundo espírito obrou, tal a maravilhosa
conferência que se lê nas páginas 68 a 72 do Digesto
Econômico: Palavra, Arma do Advogado. Legítimo brasão de
glória de seu eminente autor!
Aceite Vossa Excelência os protestos sinceros de meu
profundo reconhecimento.

SP 24.9.93 Carlos Biasotti


193
194

Semana de Rui Barbosa (10.11.92)

Dr. ARY BELFORT (Desembargador do TJ);


Prof. NAPOLEÃO MENDES DE ALMEIDA (Conferencista);
Dr. CARLOS BIASOTTI (Presidente da Acrimesp);
Dr. RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO (Juiz de Direito);
Dr. FRANCISCO LOBO DA COSTA RUIZ (Vice-Presidente da Acrimesp).
195
196
18. A Linguagem do Advogado(*)
Theotonio Negrão

Prezado Prof. Dr. Calixto Antônio;


Prezado Prof. Dr. Sidnei Beneti;
Meus alunos:

Confesso que estou um pouco preocupado por ter de


falar algumas coisas a vocês, porque não tenho o hábito de
fazer palestras.
Sou um advogado militante há quarenta e tantos anos;
tenho o hábito de falar aos juízes nos Tribunais, mas não a
estudantes de Direito.
Quanto aos juízes, tenho a dizer o seguinte: nem sei
mesmo se sou bem ouvido, porque geralmente, depois que
faço minhas sustentações, os juízes “acordam”. Leio sempre,
no final das decisões coletivas, que os juízes “acordam”…
A impressão é de que não me devem ouvir com muito
prazer.

(*) Palestra de Theotonio Negrão (1917-2003) na Faculdade de Direito


de São Bernardo do Campo, em 11.11.86. Advogado, escritor e jurista
de nomeada, seu Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor (já
na 51a. edição pela Saraiva), é, no gênero, uma das mais bem reputadas
obras da literatura jurídica nacional.
Texto publicado na Revista de Processo, vol. 49, 1988, pp. 83-90.
198

Peço, por isso, a indulgência de vocês, e esta


indulgência deve ser revestida de certo tom sentimental,
porque, voltando a São Bernardo do Campo e encontrando
aqui meu querido Prof. Dr. Calixto Antônio, sou levado ao
passado, a 1961, quando tive a honra de presidir aqui um
Congresso de Associações de Advogados.
Tivemos, naquela oportunidade, 15 entidades de
classe que resolveram salvar o País; só que não tomaram
muito conhecimento de nossa deliberação…; mas a verdade
é que fizemos o que estava ao nosso alcance.
O Prof. Sidnei Beneti propôs-me o seguinte tema:
A Linguagem do Advogado.
Sei por experiência própria, pois tenho ouvido uma
porção de palestras, que o orador nunca se atém ao tema, e
as partes mais interessantes são exatamente as que estão
fora dele. Por isso, peço licença para não falar apenas do
advogado. Falarei um pouco mais, também sobre o estilo
do advogado, sua conduta, que está mais ou menos ligada à
linguagem do advogado, e que talvez seja mais importante
que esta.
A nossa profissão, e muito me orgulho de ser
advogado – sou advogado há quase cinquenta anos –,
é uma profissão que tem um Código de Ética Profissional,
e esse código tem validade não só legal, como também
pessoal e moral.
Ninguém pode ser um grande advogado, e desempenhar
a sua profissão como deve, se não cumprir os preceitos da
ética profissional.
199

A isso retornaremos. Comecemos pela linguagem.


Que seria possível dizer a respeito da linguagem?
À primeira vista, a correção da linguagem é
fundamental para o advogado. E por que fundamental?
Não só por patriotismo, mas porque o advogado que não
consegue ter uma linguagem correta não tem possibilidade
de se comunicar perfeitamente com alguém.
A nossa função é convencer e, se vamos convencer,
temos de exprimir essa arte, que é a comunicação, com o
perfeito domínio da linguagem.
De que maneira se obtém esse perfeito domínio? A
primeira coisa em que o advogado deve pensar é que
existem estilos, e entre eles o estilo forense; o estilo forense
é mais ou menos clássico: o advogado não pode dar-se
ao luxo de usar expressões coloquiais, assim como na
Faculdade de Direito não pode o professor utilizar
expressões chulas.
O advogado não pode recorrer à gíria, usar expressões
menos adequadas ou vulgares.
A linguagem tem certa dignidade, que o advogado
deve respeitar, sem transigir.
E, quando falo em linguagem, refiro-me também à
apresentação física do trabalho do advogado.
Um saudoso mestre, o Prof. Noé Azevedo, contava
que, certa vez, Aristides Malheiros, que foi seu secretário,
levou uma petição para despachar. Quando Aristides
voltou, disse: “Professor, nós vamos ganhar esta causa!”; ao que
200

o mestre perguntou: “Por quê?”. A resposta de Aristides foi:


“Porque o juiz disse: Que beleza de trabalho de datilografia!”.
Realmente, devo acrescentar que ganharam. E por
quê? Porque a limpeza do trabalho dá a impressão de
honestidade, de seriedade, de vontade de colaborar com a
Justiça.
Eu me permito dar-lhes algumas sugestões. Sei que
vocês talvez ainda não estejam advogando, mas estarão
dentro em breve; então, pensem nisto: há algumas coisas
que são importantes no trabalho forense, a começar pelo
modo de datilografar.
Deve haver um espaçamento razoável entre os
assuntos; há quem escreva em espaço simples; espaço
simples é mais ou menos ilegível. E mais adiante vou dizer
qual a regra mais importante, aquela que considero áurea
para o advogado, e vocês verão por que o espaço simples
não deve ser utilizado.
Entre cada parágrafo, deve haver um espaço maior.
Os parágrafos compridos desesperam os leitores e o juiz é
um mau leitor, porque ele se vinga de quem escreveu, e sua
vingança é muito mais séria: é julgar contra o advogado.
Pensem nisso!
Tenho um amigo a quem muito prezo, mas não
consigo ler o que escreve, porque seus períodos têm três
páginas. Não consigo ler períodos de três páginas; fico
aflito, desesperado, sinto-me sufocado.
201

Em todo caso, estou dando minha experiência,


estou-lhes dizendo isto: por favor, tenham pena do juiz,
porque, assim, estarão ajudando o próprio cliente.
Evitem as orações compridas, os longos parênteses e
as digressões. Infelizmente, tenho o defeito de escrever com
muitos parênteses, mas devo dar-lhes uma explicação: é
que tenho um trabalho, que vocês devem ter aí, Código de
Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, e fui forçado a
escrever com muitos parênteses, porque não podia fazer
notas sobre notas. Mas não é um bom estilo. Os parênteses
devem ser evitados, deve-se escrever em liguagem direta.
Tenho uma outra experiência com um livro, um
“best-seller”, que me foi dado por um grande e saudoso
amigo. Esse livro se chama Anatomia do Crime e principia
com a seguinte frase: “O telefone tocou”. Comecei a ler o
livro, esperando que atendessem o telefone. Pois, olhem,
até o quinto capítulo o cidadão não tinha atendido o
telefone… Não consegui ler o livro. Desisti.
Aí, então, vamos entrar mais um pouquinho no estilo
do advogado.
Tenho para mim que existe uma regra de ouro para o
advogado, quando escreve nos autos. Ele está escrevendo
para convencer o juiz. Então, qual a regra mais importante?
É pensar da seguinte forma: “Se eu fosse juiz, como é que
gostaria que esse trabalho fosse apresentado?”. Pois, é claro,
estou trabalhando para convencer o juiz; devo, por isso,
facilitar a vida dele.
202

Vamos ver, portanto, quais as coisas que poderiam


facilitar a vida do juiz.
Uma delas é a clareza. E a clareza é absolutamente
necessária. Escrevam com a melhor clareza possível, voltem,
refaçam a frase, procurem ser claros. Principalmente, não
se preocupem muito com a repetição de palavras. Em
estilística, existe a ideia de trocarem-se as palavras por
sinônimos, para que se evitem repetições. A linguagem
da lei, a linguagem do jurista, porém, não é avessa a
repetições. Se eu digo posse, tenho de dizer posse, porque é
um termo técnico; se eu digo servidão, tenho de continuar a
dizer servidão, porque é um termo técnico. Devo evitar, até,
mudar as palavras, porque facilito ao juiz acompanhar o
meu raciocínio, usando sempre as mesmas palavras.
O Código de Processo Civil, que é um modelo de boa
linguagem, feito pelo Prof. Alfredo Buzaid, teve uma
correção sistemática, em matéria de agravo de instrumento.
Fora aprovada uma modificação no Código de Processo,
quando entrou em vigor; na parte de agravo de instrumento,
ela dizia o recorrente e o recorrido. Então, veio uma nova
modificação no texto, para o agravante e o agravado. Por
quê? Porque aquele era o sistema da lei, que se manteve
coerente.
Isto é importante num arrazoado. Um arrazoado deve
ter uma estrutura arquitetônica. Gosto de dizer isto, porque
sinto, pelo menos no trabalho que faço, que procuro fazê-lo
como se fosse uma obra de arquitetura. Ele tem início, tem
meio e tem fim; ele se desdobra em ideias, eu passo de uma
203

ideia para outra e, sempre que o encerro, faço um resumo


da ideia, porque tenho a impressão de que o juiz – e peço
licença para dizê-lo – ou está muito atarefado, ou não
percebeu exatamente aonde eu queria chegar. Resumo
minha ideia e meu argumento, e é só ali que me repito,
porque acho que o advogado não tem o direito de se
repetir: o que disse, está dito. Só se deve repetir quando
resume seu argumento, a cada vez que o encerra.
E deem primeiro a exposição dos fatos, para depois
dar a exposição do direito.
Há advogados que escrevem, escrevem, e até a terceira
ou quarta página e, às vezes, até o fim, não se fica sabendo
se o caso é de uma ação de despejo, um compromisso de
compra e venda, ou até mesmo uma separação judicial
litigiosa… O leitor fica pensando: “Acho que é uma ação de
despejo” ou, então, “não, não, deve ser uma ação possessória”…
e nunca se fica sabendo exatamente o de que se trata.
Figuremos o seguinte: se estou a defender uma
senhora, cujo imóvel está sendo despejado, direi na
exposição dos fatos: “Trata-se de uma ação de despejo movida
contra uma octogenária”. Claro que o fato de estar sendo
movida a ação contra uma octogenária não traz nenhuma
consequência jurídica. Mas, vejam bem, será que o juiz já
não ficou com pena só de ver que a ação de despejo era
contra uma velhinha?! Coitadinha da velhinha!
Depois, é preciso selecionar os fatos. Primeiro, tem o
advogado necessidade de expor sistematicamente a matéria,
para que o juiz trabalhe sobre ela, e dar umas “deixas”, umas
204

oportunidades, para que o juiz verifique não só que temos


direito, mas que a causa é simpática. A simpatia é muito
importante.
Agora, falo da clareza. Já disse que as palavras podem
ser repetidas, e devem ser repetidas, para maior clareza.
Por exemplo, o pronome seu; o seu tem de relacionar-
-se com o substantivo mais próximo. Agora, este e aquele são
problema. O juiz tem de dar atenção a este (o autor). E qual
é aquele? O réu. É muito comum o advogado enganar-se, e
não saber dizer se é o autor ou o réu, principalmente
porque às vezes se sente meio réu, quando é, na verdade,
autor…
Agora, expressões pedantes devem ser extirpadas,
evitadas. Há uma porção de coisas que, francamente, não
me agradam. Vejam, por exemplo, peça exordial. Deus do
Céu! O Código de Processo fala em petição inicial… Tão
simples!
Havia um professor da Faculdade que falava em
retomada edilícia. Mas não é uma “delícia”? Retomada de
imóvel para uso próprio, retomada edilícia!
Acho, por exemplo, muito esquisita a expressão decisão
monocrática, porque o prefixo “mono” dá duas ideias: dá
ideia de uno e ideia de macaco.
Além do mais, monocrática tem também a segunda
parte da palavra: “crática”, sugere a ideia de que é o juiz
quem governa; eu sei que ele me governa, mas não gosto.
Há certas coisas que não se devem admitir…
205

Expressões vulgares absolutamente não podem ser


utilizadas. A Justiça tem a sua dignidade.
Agora, uma coisa que não parece tão contraindicada,
mas que às vezes acontece: é o ser claro demais. Vocês
devem evitar o óbvio, aquilo que se chama de “óbvio
ululante”, aquilo que todos percebem, acredito que “até o
juiz perceberá!”… Não há necessidade de ser tão claro. Essas
coisas acontecem até no Supremo Tribunal Federal. Um de
seus ministros cunhou a seguinte ementa para um acórdão:
“Ao início do processo, cada parte alega que tem razão; mas só no
fim do processo é que o Tribunal dará razão a quem efetivamente
a tem” (Revista Trimestral de Jurisprudência, vol. 103, p.
465). Ora, acho que não preciso dizer mais nada, não é?!
É duro ter de chegar até o Supremo para ouvir isso!
Evitem as palavras em demasia. Isto é tão importante
nos escritos como, principalmente, na parte verbal: na
audiência e na sustentação oral.
Eu diria que o advogado deve ter, quanto possível, um
estilo ático. Cada palavra deve ser necessária, não deve
haver palavras sobrando, nem faltando. E, quando digo
estilo ático, sinto-me muito à vontade, porque já uma vez
disse que o Prof. Beneti tem “um estilo ático”; lembra-se,
Professor?
De maneira que vocês estão em boa companhia,
porque têm exatamente um professor com estilo ático.
Outra coisa: há algumas expressões que enfraquecem
um pouco a linguagem. O uso de gerúndio, por exemplo.
206

O gerúndio é uma construção fraca da língua portuguesa;


é pouco incisiva e pouco clara. Evitem o gerúndio.
Evitem o excesso de subordinadas: que… que… que,
e o período não termina mais. Coloquem um ponto final,
e sigam adiante. Frases curtas, diretas.
O livro Como se Faz uma Tese, de Umberto Eco, autor
de O Nome da Rosa, dá uma porção de conselhos que são
úteis até para o advogado, e dá também alguns conselhos
úteis apenas aos que vão fazer uma tese na Faculdade de
Direito. Por exemplo: diz que as reticências não devem ser
usadas. Claro, um trabalho científico deve ser um trabalho
firme, e não deve ter insinuações. Mas acho que o
advogado pode perfeitamente usar reticências, porque estas
fazem pensar, insinuam muita coisa que o advogado não
quer ou não quis dizer, ou não teve a capacidade de dizer e
espera que o juiz lhe complete o pensamento. As reticências
são importantes quando usadas com sobriedade, porque
fazem com que o juiz se detenha sobre aquele ponto da
argumentação.
Os grifos. Aí eu retomo outra vez Umberto Eco. Ele
diz que os textos grifados devem ser de palavras e frases e
que os grifos devem ser evitados; só as palavras e as frases
essenciais devem ser grifadas. Notei que ele grifa parte das
orações, e não o todo. Não considero isto bom, porque
quero crer que os juízes, muitas vezes, não leem tudo o que
está escrito; eles olham o texto por alto e, assim, algumas
vezes veem apenas o grifo e, então, este tem de ser uma
ideia completa, para chamar a atenção.
207

Existe outra forma de grifar, que nem todos utilizam.


Se quero chamar a atenção para determinado argumento,
uso um texto latino, ou cito em francês, ou mesmo em
inglês, porque aí o juiz, que está lendo meio distraído, fica
um pouco assustado com o meu latim, ou o meu francês,
e aquilo chama a atenção fortemente. É outra forma de
grifar.
Já falei nos argumentos metajurídicos, parajurídicos
ou extrajurídicos. São inteiramente vedados na parte em
que se discute o direito, mas são muito aconselháveis se
usadas modicamente na parte da exposição dos fatos.
Agora, chego a um ponto que se acha fora do nosso
tema, porque não se refere exatamente à linguagem do
advogado, mas à sua conduta.
É a conduta do advogado que inspira a sua linguagem.
A conduta é muito importante, antes mesmo que ele se
torne advogado da causa.
Quando pode o advogado aceitar a causa e quando
não a deve aceitar?
Há duas posições que devem ser examinadas: a
primeira é a do advogado do autor; a segunda é a do
defensor do réu. Num processo penal, todo réu tem direito
a defesa e, portanto, o advogado que defende o réu num
processo criminal está inteiramente à vontade para aceitar a
causa.
Mas falemos sobre o advogado do autor.
208

O advogado do autor, antes de aceitar a causa (não se


esqueçam disso), é juiz da causa. Ele não pode aceitar
qualquer causa, não deve fazê-lo. Só pode aceitar a que
tenha base legal ou base moral.
Há causas que têm base moral, embora não tenham
base legal, e um dos méritos do advogado é exatamente
fazer com que o rigor dos textos acabe sendo elidido
por um sentimento de piedade e justiça; isto é muito
importante.
O advogado, procurado por um cidadão que lhe diz:
“Olhe, eu quero que o senhor faça isso”, pode responder: “O
que o senhor pretende é considerado ilegal, mas, dentro de meu
sentimento de justiça, o senhor tem razão”, e estará mais do
que justificado para aceitar a causa.
Sabemos que nem tudo o que é lícito é honesto. O
advogado deve recusar uma causa que considere desonesta;
mas sabemos que muita coisa que é honesta não é
reconhecida pela justiça ou, mais propriamente, pelo
direito. E aí está a beleza da profissão, porque o advogado
esclarece o juiz, que poderá, assim, fazer justiça.
Tive na minha vida como advogado algumas alegrias,
para fazer prevalecer aquilo que era o verdadeiro espírito da
lei, acima do texto frio da lei. Acho que esta é uma das
alegrias do advogado. E não digo isso por glória, estou
dizendo para contar-lhes uma experiência, porque todos
podem e devem fazer isso. Esta é a beleza de nossa
profissão.
209

Há uma coisa que é muito importante na advocacia, e


que se refere tanto ao advogado do autor quanto ao do réu,
principalmente, talvez, ao advogado do réu: é evitar o
recurso a expedientes protelatórios. O advogado não tem o
direito de procrastinar o andamento do feito. Não tem o
direito de criar incidentes, de sonegar provas, de dificultar
a apreciação, a distribuição da justiça. O advogado é um
auxiliar da Justiça, não um inimigo dela. Ele está para servir
a algo mais alto do que o cliente: a Justiça. Pode até perder
uma causa, mas não pode perder sua ética profissional!
Ganhar tempo indevidamente é contra a ética profissional.
E por que usei o advérbio indevidamente? Porque, às
vezes, o advogado o faz licitamente. Primeiro, o advogado
tem certos prazos que a lei lhe concede e, neste caso, está
ganhando tempo de acordo com a lei. Está absolutamene
dentro da ética profissional.
O advogado que espera um fato superveniente, que
poderá modificar a situação processual em que se encontra
o seu cliente, tem o direito de protelar o andamento da
causa.
Vamos dar um exemplo próximo. Dizia-se que ia ser
promulgada uma lei suspendendo as ações de despejo.
Muito bem: está para ser executado um despejo; qual é a
conduta do advogado, sabendo que a lei está para ser
aprovada? Deve permitir que o imóvel de seu cliente seja
despejado? Não; deve usar de todos os meios protelatórios
válidos por evitá-lo. Direi sinceramente, pois não quero ser
hipócrita: eu usaria de todos os meios para que o imóvel
210

de meu cliente não fosse despejado, e por isso não posso


aconselhar que vocês ajam de outra forma.
Ainda recentemente, tive um problema semelhante. O
Supremo Tribunal Federal modificou a regra do recurso
extraordinário a partir do começo do ano, dificultando a
sua admissibilidade. Havia um caso que ia ser julgado no
fim do ano passado; se fosse julgado naquele fim de ano,
haveria maior possibilidade de dar recurso extraordinário.
Eu tinha ganho, na apelação, por dois a um e, agora, iam ser
julgados os embargos. Como entraram mais dois juízes
novos, aritmeticamente havia maior possibilidade de ganhar
que perder esses embargos; então, eu poderia correr o risco
calculado de tentar o adiamento, para que os embargos
fossem julgados sob a vigência Emenda Regimental nº 2
do Supremo Tribunal Federal. Foi o que fiz. A lei me
permitia, o Código de Processo me permitia e eu o fiz
tranquilamente. Felizmente, deu tudo certo, porque já na
vigência dessa emenda, ganhamos por 3 a 2.
O advogado deve expor os fatos com honestidade
total. Essa honestidade começa, inclusive, pela obrigação de
citar as folhas dos autos. O advogado cuidadoso de verdade
jamais menciona fato que se encontra nos autos sem,
imediatamente, dar a contraprova de que se acha a folhas
tais. Mesmo porque o advogado da parte contrária pode ser
mais minucioso do que ele e citar um documento oposto
que está em outra folha, que o juiz vai ler porque este
advogado citou a folha, e não vai ler o documento que o
primeiro advogado citou, sem dizer onde podia ser
localizado…
211

Menos ainda se pode entender que o advogado faça


alterações em citações para atender às necessidades da
argumentação, isto é, que colabore com o autor citado, ou
modifique um pouco o português para que a frase fique
melhor. Não; ele tem de citar exatamente como está;
quando omitir, tem de colocar reticências; se, no final, a
citação ainda não estiver completa, será bom que coloque
um etc., para mostrar ao juiz que, se lhe interessar ler a
citação na íntegra, ainda encontrará aí algo mais. Isto tudo,
para não parecer que o advogado está faltando com a
verdade, porque a coisa mais importante que há para o
advogado é a sua credibilidade. O juiz tem de acreditar no
advogado. Isto é importante, porque o advogado, na
realidade, não se pertence; ele se pertence a todos os
clientes. O advogado que às vezes faz uma citação pouco
correta num processo, com a ideia de favorecer seu cliente,
corre o risco de prejudicar outro cliente mais adiante,
porque o juiz vai pensar: “Este advogado eu ponho sob reserva,
porque não acredito nas citações que ele faz”.
Outro problema de conduta é o que diz com o
respeito aos juízes, aos colegas e aos clientes.
Quanto ao respeito aos juízes, existe uma disposição
do Estatuto da Ordem dos Advogados que situa a questão
de maneira precisa, tanto para os advogados como para os
magistrados: o advogado deve respeito ao juiz, mas não
subserviência; e nenhum temor de desagradar o juiz deve
deter o advogado no exercício de sua profissão; do
contrário, se tiver receio do juiz ou das consequências,
212

estará prevaricando. O advogado não pode fazer isso. Mas


tem de respeitar o juiz.
E esse respeito começa pela forma de tratamento:
Meritíssimo Juiz. Começa aí, inclusive por não fazer
menções pessoais ao juiz. Não é permitido fazer menção
pessoal ao juiz. Na realidade, nem mesmo é recomendável
que se diga: “O MM. Juiz decidiu assim”, mas: “A respeitável
sentença apelada julgou”, etc. A atividade do juiz é impessoal,
ele é apenas o intérprete da lei. O juiz não está em causa.
E digo a mesma coisa com relação ao advogado.
Geralmente os advogados recém-formados têm a intenção
de levar a ferro e fogo a sua conduta, e sua atitude em
relação ao colega também é a de que não lhe devem fazer
concessões. É preciso distinguir: o advogado não deve fazer
concessões ao adversário, mas ao colega ele pode e deve
fazer concessões, quando justas.
Conto um caso pessoal meu, para me penitenciar, de
público: um colega, cujo pai falecera, enquanto seu prazo
para falar estava correndo, perguntou-me se concordaria
com uma dilação de prazo. Pensei duas vezes: “Acho que
vou dizer não”, mas, de qualquer modo, indaguei de outro
colega mais idoso como proceder, e ele me disse: “Você
não pode negar-se, você não está advogando contra o colega,
está advogando contra a parte contrária”. Quero que vocês
aprendam isto: que estão advogando contra a parte
contrária, e aí devem ser intransigentes; mas contra o
colega, não. O respeito ao colega, a deferência, isto é
fundamental para o advogado.
213

Geralmente os clientes têm péssima impressão do


advogado quando o veem a conversar com o colega
adversário; logo pensam: esse advogado aí está conchavando,
porque está conversando com o colega… Nada disso.
As brigas entre as partes são brigas entre as partes. O
advogado não tem absolutamente nada com elas.
Lembro-me que certa vez um velho advogado, que
muito respeitei, ouviu de outro a seguinte observação: “O
seu cliente não presta”. Ao que ele respondeu: “Olha, eu não
tenho nada com isso, é problema de meu cliente; eu só defendo os
direitos dele”.
E, realmente, o advogado não tem o direito de
ofender a parte contrária. Uma expressão mais viva, sem
entretanto ser contundente, ofensiva, pode-se usar. O
advogado não deve ter um estilo frio; deve fazer o juiz
sentir que ele acredita na causa, porque isto é importante.
É importante para ele, porque lhe dá entusiasmo para
defender a causa, e é importante para o juiz, que, sentindo a
sinceridade do advogado, também pode sensibilizar-se.
Eu me lembro de que, uma vez, um grande juiz, que
fora meu colega de turma, disse-me, depois de minha
sustentação oral: “Você sabe por que perdeu esta questão?
Porque você sustentou sem nenhuma convicção!”. Até ali, ele
tinha razão. O que não esperava era a resposta que lhe dei:
“Eu sustentei sem convicção porque sabia que neste Tribunal ia
perder, mas vou ganhar no Supremo Tribunal Federal”. E,
realmente, ganhei.
214

Então, eu dizia que nem mesmo o adversário merece


comentários desairosos. Não se deve dizer senão o
necessário. Manter a questão numa dignidade tal que não
pareça uma campanha eleitoral…
Creio que examinei, mais ou menos, os aspectos
importantes do tema que me foi proposto, e talvez tenha
ido um pouco além, com digressões…
Coloco-me à disposição dos senhores para quaisquer
esclarecimentos, e agradeço-lhes a atenção e a paciência.
Foi um prazer falar a vocês!
19. A Ação Civil Pública e a Língua Portuguesa
José Carlos Barbosa Moreira (*)

1. O Brasil pode orgulhar-se de ter uma das mais


importantes e avançadas legislações em matéria de proteção
de interesses supraindividuais. E não é de hoje: a ação
popular, contemplada em mais de uma das nossas sucessivas
Constituições e regulamentada pela Lei nº 4.717, de
29.6.1965, já colocava à disposição dos cidadãos instrumento
dotado de grandes potencialidades nesse terreno. Viria o
sistema a ser enriquecido por subsequentes diplomas legais,
dentre os quais sobressaem a Lei nº 7.347, de 24.7.1985, e
o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de
11.9.1990).
Não é a carência de meios processuais que responde
pela subsistência, entre nós, de uma situação ainda
largamente insatisfatória no que diz respeito à tutela
daqueles interesses.
Decerto não há esperar que leis e pleitos judiciais
sejam capazes de encaminhar a solução cabal problemas

(*) José Carlos Barbosa Moreira (1931-2017) — Desembargador do


TJRJ, Professor da Faculdade de Direito da UERJ e renomado jurista; de
subido valor foi sua contribuição doutrinária para o Direito, na esfera do
Processo Civil: Temas de Direito Processual Civil (9 vols.), Comentários ao
Código de Processo Civil e O Novo Processo Civil Brasileiro.
Artigo publicado na Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro
(RJ), nº 13, pp. 185-189; 2001.
216

tão vultosos e complexos. Muito depende de uma ação


administrativa que precisa exercer-se espontânea e
continuamente, sem aguardar provocações veiculadas
através do Judiciário. Muito depende também do
comportamento dos membros da comunidade: aos
interesses supraindividuais correspondem, para todos nós,
deveres omissivos ou comissivos, que nem sempre nos
dispomos a cumprir. Basta lembrar a frequência com que
contribuímos para degradar o ambiente, por meio de
condutas distribuídas num amplo espectro: desde atos
aparentemente insignificantes como o de lançar detritos
ao logradouro público, até enormidades como o
desmatamento proposital de vastas áreas.
Em todo caso, alguma melhora vem-se fazendo notar,
e sem dúvida tem crédito nisso a ação civil pública, ora em
seu décimo quinto aniversário. Não pretendemos dar aqui
exemplos da serventia que ela vem demonstrando em
ocasiões diversas. Antes nos acode que seria útil olhar o
panorama pelo ângulo oposto, para indicar aspecto que
ainda não mereceu atenção, ao que nos consta, por parte
dos legitimados à propositura: aspecto que – se assim se
pode falar, tirando proveito da equivocidade da palavra final
–, está, como os seis famosos personagens pirandellianos,
“à procura de um autor”.

2. Reza o art. 15, “caput”, da Constituição de 1988: “A


língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do
Brasil”. A disposição insere-se em contexto da mais alta
217

significação política e, ousamos ajuntar, espiritual. Veja-se


que o § 1º enumera os símbolos da República: a bandeira,
as armas e o selo nacionais. Por seu turno, o art. 216,
relativo ao “patrimônio cultural brasileiro”, arrola como
elementos constitutivos dele “os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores
de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira” e, em termos
expressos, inclui aí “as formas de expressão” (inciso I), das
quais a mais importante não pode deixar de ser a linguagem
falada e escrita.
Disposições legais – e, por mais forte razão,
disposições constitucionais – não se presumem supérfluas
nem anódinas. Não é razoável enxergar na qualificação da
língua portuguesa como idioma oficial do País e na sua
inclusão como elemento do patrimônio cultural brasileiro
meras declarações abstratas, sem repercussão alguma
no mundo real. Desses textos defluem necessariamente
consequências jurídicas. Uma, aliás, vem mencionada
“expressis verbis” no § 1º do próprio art. 216, onde se cria
para o Poder Público, “com a colaboração da comunidade”,
o dever de proteger o patrimônio cultural, “por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação,
e de outras formas de acautelamento e preservação”.

3. Os comentários à Constituição de 1988 não têm


extraído muito do texto do art. 13; mas vale a pena
explorar-lhe as virtualidades. Designar um idioma como
218

“oficial” ou nada significa – conclusão inaceitável – ou só


pode significar que se lhe atribui condição jurídica especial,
diferente da condição jurídica de quaisquer outros idiomas.
Visto que a língua é essencialmente instrumento de
comunicação, infere-se com facilidade que, no território
nacional, o português deve ser considerado “o instrumento de
comunicação por excelência”; em outras palavras, a comunicação
há de fazer-se prioritariamente nessa língua.
Dizemos “prioritariamente”; não dizemos “exclusivamente”,
e por motivos óbvios. Haverá no Brasil, inclusive entre
povos autóctones, quem não conheça a língua portuguesa;
sinal de que o legislador constituinte levou em conta o fato
é o disposto no art. 210, § 2º, que assegura às comunidades
indígenas a utilização de suas línguas maternas no ensino
fundamental. Estrangeiros circulam pelo nosso território
sem que se lhes exija como condição de ingresso ou
permanência, o conhecimento do português. Brasileiros
utilizam amiúde outros idiomas, pelos motivos mais
variados, muitos deles perfeitamente legítimos.
O que interessou à Constituição, bem se compreende,
foi o curso regular dos acontecimentos, “id quod plerumque
accidit”. No Brasil, e de forma particular entre brasileiros,
o curso regular dos acontecimentos, em matéria de
comunicação, é (e tem de ser) o emprego da língua
portuguesa. Não é indiferente, aos olhos da Constituição,
que se empregue esse ou qualquer outro idioma. Ao idioma
“oficial” deve assegurar-se, em regra, prioridade sobre todos
os outros. A qualificação de “oficial” implica por força
posição de supremacia e por conseguinte de preferência.
219

O emprego de idioma distinto há de fundar-se em razão


especial; o do português dispensa tal justificação.

4. Deixaremos de lado, no presente trabalho, o caso da


comunicação entre particulares, que, por exigir consideração
matizada, reclamaria tempo e espaço de que ora não
dispomos. Vamos referir apenas a comunicação entre órgãos
públicos e a população em geral.

A matéria, diga-se de passagem, é versada em termos


mais amplos num projeto de lei (nº 1.676, de 1999), de
autoria do deputado Aldo Rebelo, o qual, no momento
em que escrevemos, tramita na Câmara dos Deputados, já
tendo sido aprovado pela Comissão de Educação. Não nos
ocuparemos agora dele, nem das inúmeras questões de que
cuida, com maior ou menor acerto. Fique dito unicamente
que nos parece sobremodo louvável a iniciativa de tentar
dar ao assunto alguma disciplina, por mais criticável que
possa afigurar-se esta ou aquela posição específica adotada
no projeto.

Seja como for, é nossa convicção que o problema, em


certa medida, comporta solução em plano constitucional, e
portanto pode e deve ser enfrentado com abstração da
eventualidade de que se venham a editar normas legais ao
propósito. Para os fins enunciados no início deste tópico,
bastam, ao nosso ver, as disposições insertas na Carta da
República e as da Lei nº 7.347.
220

5. Que os órgãos públicos, ao se comunicarem com a


população em geral, estão obrigados a empregar o idioma
oficial é ponto que prescinde de demonstração. Pode-se
afirmar que essa é a consequência mínima do fato de existir
uma língua a que a Constituição dá o “status” de oficial.
Pensar de outra maneira importaria negar toda e qualquer
relevância ao art. 13: riscá-lo, pura e simplesmente, do texto
constitucional.

Dê-se um exemplo, intencionalmente elementar. A


legislação brasileira, em todos os níveis, tem de ser editada
em português. Não se concebe lei, decreto, resolução,
portaria, ordem de serviço, que se expresse noutra língua. A
nenhuma autoridade, de qualquer dos Poderes públicos,
lembraria violar essa regra. O Código de Processo Penal,
anterior embora à Constituição, harmoniza-se com o art.
13 ao estatuir que em todos os atos e termos do processo
seja obrigatório o uso do vernáculo (art. 156) e que
documento em língua estrangeira só se possa juntar aos
autos quando acompanhado de tradução para o nosso
idioma oficial (art. 157).

Há, porém, o reverso da medalha. Nem todas as


entidades administrativas ou vinculadas à Administração
observam o dever de respeitar o preceito constitucional. A
Caixa Econômica lança cartão a que chama “federal card”.
O Banco do Brasil oferece a seus correntistas um pacote de
serviços sob o título “BB Personal Banking”. No quadro do
aeroporto internacional do Rio de Janeiro, anunciam-se
voos destinados às cidades de “Lisbon, Rome, Milan”. E
221

assim por diante. Serão tais práticas compatíveis com o art.


137? Não nos parece.

Convém precisar, a fim de evitar mal-entendidos:


nada obsta, para ficarmos num exemplo, a que o quadro de
avisos contenha também nomes de cidades em outra língua
além do português. É medida que facilitará as coisas para
viajantes estrangeiros. O que não se admite é que deixem de
figurar as denominações portuguesas – com a ressalva, a rigor
ociosa, de topônimos que por uso tradicional e consolidado
não se traduzem: ninguém vai pretender que a capital da
Argentina apareça no quadro como “Bons Ares”…

6. Se falamos de infrações constitucionais, cumpre saber


qual o remédio adequado à correção do mal. A resposta
encontra-se na Lei nº 7.347. Nos termos de seu art. 1º,
nº IV, a ação civil pública é cabível para a proteção de
qualquer interesse difuso ou coletivo. Ora, não há
dificuldade em verificar que, no caso sob exame, está em
causa um interesse difuso.

Com efeito. Segundo a definição constante do art. 81,


nº I, do Código de Defesa de Consumidor, reputam-se
difusos os interesses “transindividuais, de natureza indivisível,
de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato”. O interesse na observância do
art. 13 da Constituição é obviamente transindividual. É,
igualmente, indivisível: se o respectivo objeto consiste –
para retomarmos ainda o mesmo exemplo – na inserção de
222

palavra de língua portuguesa em quadro de aeroporto, uma


de duas: ou se insere a palavra, e todos os membros da
comunidade interessada estarão satisfeitos, ou não se
insere, e todos estarão lesados. Os titulares, enfim, são
indeterminados e ligados pela circunstância de fato de
habitarem país que adota certo idioma oficial.

A ação civil pública pode ter por objeto o


cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (Lei nº
7.347, art. 4º). É exercitável, por conseguinte, para pedir
que se substitua denominação noutra língua por denominação
em português, ou para que se acrescente esta àquela.
Legitimam-se a propô-la as entidades arroladas no art. 5º;
e dentre as associações civis a que alude o inciso II
naturalmente se distinguem as academias de letras – a
brasileira e outras congêneres.

7. Começa a manifestar-se, em vários setores da


sociedade, justificável preocupação ante o tratamento que
se está dando à língua portuguesa. Em muitos casos, tem-se
a impressão de que é outro o idioma oficial do País. Os
próprios órgãos públicos, segundo se registrou, têm sua
culpa no particular. Sintoma daquela preocupação é, entre
outros, o projeto de lei a que acima nos referimos.

Como intuitivamente se compreende, o problema


reveste aspectos multiformes, e nem todos podem ser
enfrentados de modo eficaz por instrumentos jurídicos, os
quais, no entanto, têm um papel – modesto que seja –
223

a cumprir. Nosso propósito, neste despretensioso trabalho,


é indicar uma das possíveis frentes de combate. A via
judicial não será a mais promissora como caminho para
uma solução global; mas vitórias parciais, em pontos
específicos, já contribuirão para abrandar a feitura do
panorama. E nesse campo a ação civil pública estará em
condições, se encontrar autor que habilmente a maneje, de
acrescentar outros títulos ao seu já imponente “curriculum
vitae”.
20. Variações sobre a Linguagem
Miguel Reale (*)

Não sei se é de Heidegger ou de Gadamer, ou


de qualquer outro grande pensador contemporâneo, a
afirmação de que “a linguagem é o solo comum da cultura”,
mas sei que se trata de uma asserção que veio esclarecer
uma série de problemas fundamentais.
Em primeiro lugar, foi superada a pretensão de se
reduzir tudo à cultura, ou seja, ao que a espécie humana
tem logrado pensar e constituir ao longo do processo
histórico; e, em segundo lugar, que a cultura tem como
base a linguagem, que é um dado natural, só próprio do ser
humano. Com isso, era reconhecido, em suma, que a
natureza está na base da cultura, a partir do fenômeno da
linguagem, que, digamos assim, representa o ponto comum
de intersecção entre o que é natural e o que é cultural.

(*) Miguel Reale (1910-2006) – Nome que dispensa apresentação; aqui e lá


fora, sabem todos os espíritos cultos que foi uma das mais claras e privilegiadas
inteligências do Brasil. Por seus raros talentos, engenho, vasta erudição e
acendrado amor às letras, passa por verdadeiro brasão de glória nacional.
Consagrado filósofo, jurista e escritor (membro da Academia Brasileira de
Letras), em sua assombrosa bibliografia — que deita para além de 60 títulos —
disputam especial relevo: Introdução à Filosofia; Filosofia do Direito; Lições
Preliminares de Direito; Teoria Tridimensional do Direito; Liberdade e Democracia;
Projeto do Código Civil; Das Letras à Filosofia, Memórias (2 vols.), etc.
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 12.12.98, p. A2.
226

Desse modo, ficaram superados tanto o naturalismo


como o culturalismo extremados, conferindo-se à linguagem
um papel básico, mas sem o exagero de se afirmar que, no
fundo, todos os problemas da ciência não seriam mais que
problemas de linguagem.
Donde se conclui que cada língua constitui um
patrimônio histórico pelo qual cada povo deve zelar de
forma prioritária, evitando a invasão desnecessária de
palavras alienígenas, afeiçoando, sempre que possível, os
novos termos, criados pela ciência e pela tecnologia, às
raízes de nosso idioma, ou seja, às suas propensões naturais.
Nesse sentido, os franceses e alemães cuidam, com
esmero, de preservar a própria língua, evitando a adoção
imediata e passiva de palavras que não se ajustam às
características de sua fala, o que, infelizmente, não vem
acontecendo no Brasil, marcado por atos de contínuas
renúncias linguísticas.
Longe de mim qualquer exclusivismo nacionalista,
inadmissível em um mundo cada vez mais interligado
por formas expressionais comuns de conhecimentos e
experiências, mas tudo tem limites, nada justificando a
existência de “Antonio’s Bar” e quejandas denominações
comerciais. Nem tampouco que se acolha um neologismo
dispensável, visto existir palavra adequada em nosso idioma.
Não é apenas sob esse prisma que se manifesta o
desamor de nossa gente pela língua portuguesa, como o
comprova o número cada vez mais reduzido de palavras
empregadas, não somente pelo povo, em sua fala corrente,
227

mas até mesmo em obras eruditas. Quanto a um mínimo


de correção gramatical, nem é bom falar, pois já vem se
tornando habitual dizer que se vai “na” cabeleireira, ou
que não admiramos “ele”, ou se faz referência à fita “que”
gostamos, etc.
A falta de conhecimento da língua é tão grande que,
nos concursos para a Magistratura ou para o Ministério
Público, os candidatos são reprovados, em sua maioria, por
absoluta incapacidade de expressar o que sabem ou pensam.
Se lembro esse exemplo é porque os estudiosos do Direito
têm bela tradição de amor pelos valores linguísticos, até o
ponto de alguns não pretenderem mudar o Código Civil
em vigor, por dever-se sua redação final à participação de
Rui Barbosa, ao tempo em que, ao contrário do que se
dá hoje, se debateram mais questões gramaticais do que
jurídicas…
O povo brasileiro, forçoso é confessá-lo, não dá
o devido valor à própria língua, por mais que tenha
aumentado o comércio de livros, o que é um fenômeno
deveras intrigante, a demonstrar que se lê mais, mas não se
assimilam os valores verbais, sem se excluir a hipótese de
serem estes que escasseiam na obra lida.
O pior é que as reformas de ensino se sucedem sem se
dar solução à questão básica da alfabetização, tomado este
termo no seu sentido pleno, que não se reduz ao mero ato
de rabiscar palavras, sem um mínimo de aptidão para
escrever com um mínimo de correção.
228

Quanto à falta de todos os dias, o que predomina,


além da já invocada pobreza vocabular, é a carência
alarmante de concordância, sem o menor cuidado pela
estrutura das frases, reduzidas, no mais das vezes, a
uma sucessão de substantivos e adjetivos desprovidos de
qualquer nexo lógico, o que me faz lembrar com saudade
da época em que se estudava latim, ou, então, havia lições
de análise lógica.
Prova disso é o emprego constante e enfadonho de
locuções intercaladas entre um pensamento e outro, tais
como “e aí”, ou “então”, desprovidas de qualquer sentido.
Por outro lado, tenho observado que a gente do povo
parece ter o privilégio de falar errado, em uma curiosa
espécie de solidariedade de classe. Há dias, indaguei de um
motorista se lhe cabia ir a Diadema, e a resposta veio
pronta: “é eu”: e, como observasse que ele seguramente
sabia dizer “sou eu”, ele retrucou: “nós fala assim”.
Nesse ponto, em minhas frequentes idas a Portugal,
tenho notado como o povo luso tem orgulho da própria
língua, procurando falar com correção, recordando-me
sempre da lição que recebi de uma empregada, recém-
-chegada da Beira. Ao ver-me comer mamão, indagou se
eu apreciava também as pevides. Respondi que sim, e fui
ao dicionário para ficar sabendo que pevide é o nome da
semente que se acha no centro de certos frutos. Não chego
a exigir tanto, mas é deplorável nosso desprezo por esse
bem incalculável que é a palavra.
229

Por fim, observo que, nesta era de globalização, a


exigir uma língua comum como foi o latim durante séculos
na Europa, assistimos ao império da língua de Shakespeare,
mesmo porque o computador geralmente fala inglês…
Compreende-se, assim, o aparecimento, também no
Brasil, de revistas científicas escritas em inglês, porque, se
a ideia tem livre curso, legitima-se que os nossos
pesquisadores queiram que seus trabalhos não fiquem
adstritos à limitada área de nosso idioma. É uma razão a
mais, no entanto, para fazermos tudo a fim de que a língua
portuguesa adquira ressonância universal.
21. Gramática ou Direito?
Eliézer Rosa (*)

Querem-se ambos nos trabalhos forenses, detinados aos


autos, ou mesmo ao Juiz, nos debates da causa. Se se
indagar qual deles deve prevalecer, responderia que é
o Direito. A luta pela expressão do pensamento requer
qualidades do orador e do escritor. Mas, não podendo
prevalecer a boa linguagem, que, ao menos, se sobreponha
o Direito, com seu largo conhecimento.

(*) Eliézer Rosa (1909-2002) – Magistrado fluminense de grandes


letras e virtudes, que honrou deveras a toga. À laia de quem instruía com
a palavra e o exemplo, professou que a inteireza de caráter e a dignidade
de inteligência eram o apanágio de todo Juiz, a quem importava muito
falar sempre a linguagem da verdade, ter bom-senso e bom texto (“scilicet:
exprimir-se corretamente).
Espelho da Magistratura, mereceu dos colegas, advogados e
membros do Ministério Público, pelos rasgos de equidade e nobreza de
sentimentos, o grato e prestigioso epíteto de “o bom Juiz”.
Processualista de primeira ordem, foi também escritor castiço, que
possuía e praticava a mais estreme e pontual vernaculidade, como se vê
dos livros com que se recomendou à estimação pública: Dicionário de
Processo Civil, Cadernos de Processo Civil (3 vols.), Leituras de Processo Civil,
Novo Dicionário de Processo Civil, Dicionário de Processo Penal, A Voz da
Toga, etc.
Este artigo é reprodução fiel de verbete do Novo Dicionário de Processo
Civil (1986, pp. 151-152; Livraria Freitas Bastos S.A.).
232

Desde há muitos anos, mais de vinte e cinco, venho


vendo serem citados perante um tribunal literário alguns
advogados, para serem convencidos de delitos de lesa-
-língua e de leso-estilo. Nunca soube qual foi o resultado
do julgamento. Vi continuarem advogando alguns daqueles
especialíssimos réus. Ultimamente, tenho ouvido falar que
novas citações se estão fazendo perante o mesmo tribunal e
pelos mesmos crimes contra a gramática e contra o estilo.
Que se quer de um advogado: que seja ele um escritor,
um estilista, ou que seja um jurista? A resposta parece clara:
um jurista que saiba expressar-se com clareza e com
propriedade.
Na minha longa estada no Foro, vi muitas coisas
exemplares em relação a advogados e a solicitadores.
Perante mim atuou inúmeras vezes um velho solicitador
que advogava sabiamente. Sua perícia na condução da prova
era de admirar. De pé, com os óculos na ponta do nariz,
autos abertos na mão, ia perguntando. A cada pergunta
uma resposta cabal, direta, decisiva, definitiva. Terminada a
inquirição, tudo estava muito claro. Nada restava de pé da
acusação. Quatro vezes, numa mesma ação, ele anulou as
sentenças proferidas, arguindo nulidades. Escrevia mal.
Mas conhecia empiricamente a arte de advogar. Conhecia o
Código de Processo Penal a fundo. Nunca alegou autores,
nunca se autorizou com doutrinas. Tudo simples, chão e
convincente. Acho que nunca teve máquina de escrever.
Suas falas nos autos eram manuscritas, sem ortografia,
sem caligrafia. Todavia, lia-se e entendia-se o que aquele
solicitador trazia aos autos da causa.
233

Conheci outros exímios profissionais do Foro, que não


eram formados em Direito. Machado Guimarães, o egrégio
processualista, ensinante universitário, mediante concurso,
velho e experiente advogado, parecerista procurado em
difíceis demandas, foi convidado a compor uma banca
examinadora, perante a qual deveria comparecer certo
advogado, inimigo pessoal de Camões, de Rui, de Machado
de Assis, mantendo ódio mortal a gramáticos, segundo
propalava a fama.
Machado não aceitou o convite, não sei com que
razões. Mas a mim, seu aluno e amigo, me disse apenas
isso: não aceitei ser examinador daquele advogado que
escreve mal, porque fui derrotado por ele numa demanda
em que fomos adversários. Se não sabe escrever, sabe,
entretanto, advogar. O caso é verídico. Isso se passou há
uns vinte ou trinta anos.
No que se propõe advogar o importante é saber
advogar. E saber não é necessariamente saber escrever com
apuro, com asseio gramatical e com primores de estilo.
É muito claro que se o profissional do Foro puder saber
bem o direito e a língua, para postular bem e dizer bem,
será ouro sobre azul. Mas, se só souber advogar, creio que é
suficiente.
Não advogo a incultura literária no Foro. Todos sabem
disso. Mas não entendo passível de punição, qualquer que
ela seja, o advogado que escreve mal.
No Foro, há uma evidente seleção natural, por força da
qual sobrevivem os mais aptos. A clientela sabe escolher.
234

É ela que opera a seleção. Ela pune naturalmente, não


escolhendo os menos aptos. E nessa rejeição está o castigo.
É essa pena que corrige, que adverte, que revela ao
profissional seus eventuais defeitos.
Na “luta antitetânica” (**) pela sobrevivência profissional,
os mais apercebidos de conhecimentos, os sabedores,
vencerão sempre.
Há um sucumbimento na causa, e há um sucumbimento
na profissão. Em ambos os casos o sucumbido paga. Diversa
a modalidade de pagamento, mas paga dolorosamente.
Portanto, é deixar a cura do mal à própria vida. Ela sempre
sabe o que faz.
Leio com assiduidade um celebrado autor E num de
seus livros topei nessa monstruosidade: “(…) agulha muito
delicada, muito fina, e por isso inodora”). Laet mostrou erros
em Camilo, Carneiro Ribeiro apontou erros em Rui, e este
naquele. Erros de escrita, erros de linguagem.
Seria desejável que todos escrevêssemos bem. E pode
qualquer pessoa chegar a escrever bem, porque se aprende
a escrever, como o mostram os manuais de estilo.

(**) Evidentemente,“per jocum” (mero brinco ou facécia); leia-se: luta


titânica.
22. A Palavra: Pensamentos e Conceitos

Em todos os séculos, a palavra mereceu a preeminentes


autores lances de primor e raptos de eloquência, como o
persuade esta breve antologia:

1. “Uma raça, cujo espírito não defende o seu solo e o seu


idioma, entrega a alma ao estrangeiro, antes de ser por ele
absorvida” (Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XXIV,
t. I, p. 19).

2. “A palavra, dom de Deus, é o mais nobre dos atributos


do homem” (Júlio de Castilho, Os Dois Plínios, 1906,
p. 195).

3. “Assim acontece com a palavra do homem. Maravilha que só


não espanta por ser comum a todos os homens” (D. Silvério
Gomes Pimenta, in Discursos Acadêmicos, vol. 5º, p. 65).

4. “A palavra é um dom do céu, quase tão precioso como a


mesma razão que constitui a essência humana, e tão
apreciável que, se nos faltasse, de pouco nos serviria a mesma
razão” (Idem, ibidem, p. 65).

5. “É, pois, a palavra dom mimoso de Deus, e por aí vemos


como deve ser por nós tratada” (Idem, ibidem, p. 66.).

6. “O aprimorado da linguagem facilita a veiculação das ideias


e revigora os meios de convencimento. Voltaire observava que
a maneira pela qual dizemos as coisas vale mais que as coisas
236

que dizemos. Tirante o exagero, subsiste, nesse conceito, uma


base de verdade” (Mário Guimarães, O Juiz e a Função
Jurisdicional, 1959, p. 360).

7. “A palavra foi dada ao escritor para que lhe fosse possível


repetir a lição de Deus, quando tirou do verbo, no princípio
da criação, todas as coisas objetivas” (Josué Montello,
Discursos na Academia Brasileira, 1956, p. 11).

8. “O melhor retrato de cada um é aquilo que escreve” (Pe.


Antônio Vieira, Sermões, 1959, t. VII, p. 435; Lello &
Irmão — Editores; Porto).

9. “Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao


coração, são necessárias obras” (Idem, ibidem, t. I, p. 15).

10. “A inteireza do espírito começa por se caracterizar no


escrúpulo da linguagem” (Rui Barbosa, Réplica, nº 426).

11. “Na educação mental da mocidade há três conhecimentos


verdadeiramente propedêuticos, sem os quais é impossível
qualquer progresso racional, na marcha educativa da
inteligência: o primeiro é a língua vernácula (…)”
(Liberato Bittencourt; apud José de Sá Nunes, Língua
Vernácula, 1938, p. 371).

12. “A palavra é o instrumento da ideia e não é dado ter ideia


clara, conhecimento perfeito na confusão e incorreção da
linguagem” (Timon, Estadistas e Parlamentares, 1883,
p. 14).
237

13. “Seu rude labor, penosíssimo, de todas as horas, de toda a


vida, o advogado desempenha com a palavra. Aí por que
deve esmerar-se no estudo da língua vernácula. Na defesa de
seus constituintes, não lhe servirá estar com a razão e possuir
provas concludentes, se não estiver em condições de apresentá-
-las. Pouco lhe valerá estear-se em textos de lei e coligir os
argumentos mais irrefragáveis, se não souber transmiti-los”
(J. Soares de Melo, Perfis Acadêmicos, 1957, p. 96).

14. “O advogado deve escrever de forma elegante, precisa e


clara” (Idem, ibidem, p. 97).

15. “(...) de todas as artes, a mais expressiva, a mais difícil


é, sem dúvida a arte da palavra” (Latino Coelho; in
Oração da Coroa, de Demóstenes, 1877, p. IX).

16. “O advogado tanto mais se afirma quanto mais se impõe


pela pureza dos períodos que elabora nos seus arrazoados”
(Napoleão Mendes de Almeida, in Digesto Econômico,
julho-agosto/93, p. 69).

17. “Veículo da ideia, é a palavra o mais belo e útil apanágio


da humanidade” (Eduardo Carlos Pereira, Gamática
Histórica, 5a. ed., p. III).

18. “(…) tinha (Catão) uma máxima que ficou célebre: Domina
bem o assunto, e as palavras brotarão por si mesmas” (Hélio
Sodré, História Universal da Eloquência, vol. I, p. 131;
Editora Forense).

19. “Duas coisas, sobretudo, levam a bem falar: que tenhas um


conhecimento profundo do tema sobre o qual hás de falar e,
238

em seguida, que o coração e os sentimentos se encarreguem


das palavras” (Erasmo de Roterdã, Diálogo Ciceroniano,
2013, p. 96; trad. Elaine C. Sartorelli; Editora Unesp).

20. “A palavra foi dada ao homem para exprimir os seus


pensamentos” (Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo,
2a. ed.; v. palavra).

21. “A mentira é velha como o mundo. A crer-se no famoso


conceito de Talleyrand, a palavra foi dada ao homem para
esconder o pensamento” (Nélson Hungria, Novas Questões
Jurídico-Penais, 1945, p. 233).

22. “Deve ter sido um deus o que inventou a divina arte de


escrever” (Said Ali, Dificuldades da Língua Portuguesa, 5a.
ed., p. 179).

23. “Deus, antes mesmo de formar os céus e a terra, criou a


palavra. Porque do escrito no livro de Moisés se conclui que a
manifestação inicial da vontade divina se traduziu naquela
expressão de suma eloquência: Fiat lux!” (César Salgado,
A Excelência da Palavra, 1962, p. 5).

24. “(…) nisto de bem falar e escrever ainda o bom peca sete
vezes por dia” (José de Sá Nunes, Aprendei a Língua
Nacional, 1938, p. 126).

25. Cai a propósito a lição do Des. Alexandre Germano:


“Escrever bem, antes de ser uma arte, é uma técnica, que
exige conhecimentos de gramática e estilo, mas se desenvolve
e aperfeiçoa com a prática da redação. Para isso, são
necessários recursos técnicos (escrever o que, para quem?),
239

adquiridos com o constante exercício da reflexão, da leitura e


do trabalho silencioso de escrever, sem medo de errar e sem
preguiça de corrigir os erros e melhorar o texto” (Técnica
de Redação Forense, 3a. ed., p. 1; Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo; Artes Gráficas).

26. “É fundamental, em síntese, que o operador do Direito, o


profissional de qualquer área e o estudante, que precisem
escrever um texto que obedeça às regras do padrão culto, não
apenas apliquem as regras de Redação e de Gramática, mas,
verdadeiramente, as tenham como parte integrante de
si próprios” (José Maria da Costa, Manual de Redação
Jurídica, 6a. ed.; Migalhas; Ribeirão Preto (SP).

27. “Nenhum profissional, talvez, sofra mais que o advogado os


efeitos da incorreção da linguagem. Noutro qualquer, poderá
a correta expressão verbal do pensamento parecer apenas um
complemento de suas maneiras. No advogado, entretanto, a
par disto, a boa linguagem significa importante aspecto no
exercício da profissão. Nele, o saber exprimir-se corretamente
não é só um ornamento, nem condição meramente subsidiária
de bom êxito. É, sim, um requisito substancial para alcançar
esse objetivo” (Eliasar Rosa, Os Erros Mais Comuns nas
Petições, 6a. ed., p. 11; Livraria Freitas Bastos S.A.).

28. “Churchill ascendeu ao poder e teve de usar a principal


arma à sua disposição para se defender do arsenal de Hitler:
a palavra” (André Cáceres, in O Estado de S. Paulo,
6.2.21, p. H1).
240

29. “A palavra é o sinal e o instrumento por excelência do


espírito. De todas as ações humanas, é a mais perfeita e a
mais pura. Ela é um milagre sempre disponível e sempre
renascente… Ela é invisível e palpável. Até parece que não
é corporal” (Pe. Orlando Vilela, A Pessoa Humana no
Mistério do Mundo, 2a. ed., p. 64; Editora Vozes).

30. “Indício quase sempre certíssimo de não saber um homem


uma língua é o desprezá-la, porque ninguém despreza o
que sabe” (Rafael Bluteau, Prosas Portuguesas, 1728, vol.
II, p. 188).

31. “É o idioma de um povo a mais eloquente revelação da sua


nacionalidade e da sua independência” (Latino Coelho;
apud Guilherme Bellegarde, Subsídios Literários, p. 248).

32. “(…) a perfeição da linguagem faz parte da glória nacional,


pelo testemunho que dá da civilização e força intelectual
do povo que a fala” (Francisco Antônio de Campos,
A Língua Portuguesa é Filha da Latina, 1843, p. 11).

33. “Há três cousas neste mundo que o homem não pode ter
completamente puras: a consciência, a boca e a gramática”
(Tobias Barreto, Obras Completas, 1926, vol. II, p. 173).

34. “(…) quem fala muito não pode ser verdadeiro em tudo”
(Pe. Antônio Vieira, Cartas, 1971, t. I, p. 110: Imprensa
Nacional; Lisboa).
Trabalhos Jurídicos e Literários de
Carlos Biasotti

1. A Sustentação Oral nos Tribunais: Teoria e Prática;


2. Adauto Suannes: Brasão da Magistratura Paulista;
3. Advocacia: Grandezas e Misérias;
4. Antecedentes Criminais (Doutrina e Jurisprudência);
5. Apartes e Respostas Originais;
6. Apelação em Liberdade (Doutrina e Jurisprudência);
7. Apropriação Indébita (Doutrina e Jurisprudência);
8. Arma de Fogo (Doutrina e Jurisprudência);
9. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (1a. Parte);
10. Citação do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
11. Crime Continuado (Doutrina e Jurisprudência);
12. Crimes contra a Honra (Doutrina e Jurisprudência);
13. Crimes de Trânsito (Doutrina e Jurisprudência);
14. Da Confissão do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
15. Da Presunção de Inocência (Doutrina e Jurisprudência);
16. Da Prisão (Doutrina e Jurisprudência);
17. Da Prova (Doutrina e Jurisprudência);
18. Da Vírgula (Doutrina, Casos Notáveis, Curiosidades, etc.);
19. Denúncia (Doutrina e Jurisprudência);
20. Direito Ambiental (Doutrina e Jurisprudência);
21. Direito de Autor (Doutrina e Jurisprudência);
22. Direito de Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
23. Do Roubo (Doutrina e Jurisprudência);
24. Estelionato (Doutrina e Jurisprudência);
25. Furto (Doutrina e Jurisprudência);
26. “Habeas Corpus” (Doutrina e Jurisprudência);
27. Legítima Defesa (Doutrina e Jurisprudência);
28. Liberdade Provisória (Doutrina e Jurisprudência);
29. Mandado de Segurança (Doutrina e Jurisprudência);
30. O Cão na Literatura;
31. O Crime da Pedra (Defesa Criminal em Verso);
32. O Crime de Extorsão e a Tentativa (Doutrina e Jurisprudência);
33. O Erro. O Erro Judiciário. O Erro na Literatura (Lapsos e
Enganos);
34. O Silêncio do Réu. Interpretação (Doutrina e Jurisprudência);
35. Os 80 Anos do Príncipe dos Poetas Brasileiros;
36. Princípio da Insignificância (Doutrina e Jurisprudência);
37. “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?”;
38. Tópicos de Gramática (Verbos abundantes no particípio;
pronúncias e construções viciosas; fraseologia latina, etc.);
39. Tóxicos (Doutrina e Jurisprudência);
40. Tribunal do Júri (Doutrina e Jurisprudência);
41. Absolvição do Réu (Doutrina e Jurisprudência);
42. Tributo aos Advogados Criminalistas (Coletânea de Escritos
Jurídicos); Millennium Editora Ltda.;
43. Advocacia Criminal (Teoria e Prática); Millennium Editora Ltda.;
44. Cartas do Juiz Eliézer Rosa (2a. Parte);
45. Contravenções Penais (Doutrina e Jurisprudência);
46. Crimes contra os Costumes (Doutrina e Jurisprudência);
47. Revisão Criminal (Doutrina e Jurisprudência);
48. Nélson Hungria (Súmula da Vida e da Obra);
49. Ação Penal (Doutrina e Jurisprudência);
50. Crimes de Falsidade (Doutrina e Jurisprudência);
51. Álibi (Doutrina e Jurisprudência);
52. Da Sentença (Doutrina e Jurisprudência);
53. Fraseologia Latina;
54. Da Pena (Doutrina e Jurisprudência);
55. Ilícito Civil e Ilícito Penal (Doutrina e Jurisprudência);
56. Regime Prisional (Doutrina e Jurisprudência);
57. Alimentos (Doutrina e Jurisprudência);
58. Estado de Necessidade (Doutrina e Jurisprudência);
59. Receptação (Doutrina e Jurisprudência);
60. Inquérito Policial. Indiciamento (Doutrina e Jurisprudência);
61. A Palavra da Vítima e seu Valor em Juízo.
http://www.scribd.com/Biasotti
A Linguagem do Advogado Carlos Biasotti

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