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4. DANO MORAL
O advogado responderá por danos morais que cliente afirma ter suportado pelo não-
cumprimento de deveres de diligência? A indenização por dano moral, como se sabe, é uma
realidade (arts. 5º, V e X, da CF e 186 do novo CC) digna de intensa reflexão no âmbito da
prestação de serviços em advocacia.
Antes de responder a essa indagação, é preciso escrever que a inexecução de uma obrigação
ou falha contratual poderá resultar em prejuízos materiais e morais. O que particulariza o
prejuízo não é a relação de direito subjetivo que se rompeu, mas, sim, o efeito da lesão. O
próprio STJ, pela Súm. 37, admite a cumulação dos danos materiais e os morais, oriundos
do mesmo fato. 66
A responsabilidade civil constitui um microssistema jurídico que pretende ganhar
autonomia para se impor como ícone de uma política de controle de condutas e, na medida
em que a sociedade reclama maior segurança e proteção diante dos perigos da vida agitada
e atribulada do mundo globalizado, esse microssistema adapta-se, aperfeiçoa-se e
engrandece-se, criando modelos e figuras para eliminar a impunidade civil. Foi esse
movimento que fez surgir a teoria do risco (e, agora, da responsabilidade objetiva) em
substituição ao velho e tradicional pressuposto da culpa (teoria subjetiva) como fundamento
do dever de indenizar.
Dentro desse contexto receptivo da política de dano zero, quer patrimonial ou simplesmente
moral, a indenização por dano moral floresceu e desenvolveu-se com uma vitalidade
assustadora. As indenizações pecuniárias prometem resgate da auto-estima do lesado, pela
pressuposição de que a concretude das expectativas de consumo previstas pelo poder
monetário minimizam os efeitos nocivos da lesão de personalidade que a ilicitude alheia
provocou. Os repertórios de jurisprudência indicam a incidência do dano moral em todas as
variantes do cotidiano das pessoas, como já consignei: 67 "O progresso é ótimo para a
ciência e muito bom para o direito, e a força do tempo modificou, para melhor, muitos
princípios processuais, como a eficácia da sentença, que deixou de ser propriedade
particular dos litigantes, para se transformar em um tipo de coisa pública ou farol luminoso
que sai dos gabinetes dos juízes, vagueando em busca de consciências vazias, com o
propósito de preenchê-las com lições de cidadania".
A execução de contrato de advogado não é uma exceção.
Consta da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Porto Alegre, nº 12, jul./ago.
2001, p. 122, verbete nº 1269) ementa de Acórdão do TJDF (Ap 1999.01.1.033288-6) do
seguinte teor: "Responsabilidade civil. Ausência do patrono em audiência. Não tendo o
advogado comparecido à audiência, causando desamparo e insegurança ao cliente,
configurado, restaram os danos morais a serem ressarcidos".
Faltar a uma audiência configura um erro de conduta praticamente indesculpável. É certo
que o art. 183, § 1º, do CPC, permite que se justifique a falta a uma audiência na qual a
parte deveria contestar a ação, o que encaminhou o TJSP, com indiscutível prudência, a
relevar a ausência de uma advogada que, por invencível congestionamento de trânsito na
região central da capital paulista, em dia de inundação, não chegou ao fórum no horário
agendado (AI 114.481-4, Des. CEZAR PELUSO, in JTJ-Lex 229/220).
Abstraindo do fato as conseqüências do processo civil (que o advogado faltoso poderá
reverter, praticando, depois, o ato judicial que não realizou), o seu não-comparecimento
poderá potencializar um efeito no fator confiança, nutriente personalíssimo do vínculo
contratual. Nessa situação e não existindo um motivo que explique a falha ao sentido de
assiduidade, poderá o cliente sentir-se traído e órfão da assistência que buscava obter com a
presença física do advogado, sem dúvida, fonte de uma perturbação.
É preciso avançar com rigor na aferição do dano moral. O simples desconforto, incômodo,
desassossego, que a ausência do advogado provoca, implica, na maioria das vezes, amargor
que se absorve pela má escolha do profissional (culpa exclusiva da vítima). Paga-se um
preço por selecionar advogado pelo valor dos honorários. Portanto, é preciso que o juiz,
quando examina a falta do advogado, estude as razões da definição do advogado, sem o que
não se apura a previsibilidade da ocorrência. Trata-se de pressuposto valoroso nesse
segmento (art. 945, do CC).
Em se tratando de uma contratação cautelosa, definida pelos critérios razoáveis do
mercado, a ausência do advogado poderá materializar um quadro fático diferente, com
cenário sem espaço reservado para ser preenchido pela culpa do cliente. Nessa hipótese,
continua o juiz subordinado a um segundo raciocínio, qual seja, a conferência da efetiva
situação de constrangimento social, em virtude das aptidões pessoais da vítima.
Quando o advogado deixa na mão, pela falta, um cliente do tipo empresário bem articulado
e que, mesmo indefeso, consegue, de alguma maneira, manter-se com frieza na audiência,
procedendo de forma a não comprometer a estratégia da defesa no ato a que comparece
sozinho (uma tentativa de conciliação, por exemplo, quando o empresário recusa,
categoricamente, a possibilidade de acordo), não se caracteriza a situação de dano
ressarcível. Isso porque o processo e a parte sobrevivem ao fim do ato, sem traumas, apesar
da ausência do advogado. Evidente que, nessa hipótese, não se poderá cogitar de lesão de
um direito íntimo (sentimento de humilhação, desamparo, vergonha, etc.), por absoluta
falta de confirmação do dano indenizável.
Diferente será, contudo, no caso de o advogado desamparar, com sua ausência, uma mulher
na audiência final de uma ação de separação judicial litigiosa. O Juiz, como se sabe, deverá
iniciar a audiência, se não se provar o impedimento do advogado em comparecer até a
abertura (§ 1º do art. 453, do CPC). Em se verificando que a parte sofreu um desgaste
emocional profundo, por presenciar testemunhas falseando a verdade de fatos da vida
conjugal (que não poderia contraditar por falta de advogado), essa etapa do processo poderá
se transformar em um episódio insuportável, capaz de gerar um colapso nervoso
(incontinência urinária, crise de choro, desmaio, etc.), um golpe para atributo de
personalidade da pessoa (honra, reputação, saúde psíquica). É possível estabelecer a causa
do dano à desassistência jurídica imotivada, justificando a indenização para ressarcir a dor
da vergonha e da humilhação desnecessárias. 68
Portanto, a indenização por danos morais, fundada na ausência do advogado à audiência,
embora possível, não é, assim, uma conseqüência automática ou de ordem objetiva; para
que se produza uma sentença justa desse teor, ou adequada à obrigação do contrato, o juiz
deverá filtrar aspectos subjetivos (perfil da vítima diante do processo e seu comportamento
pré-contratual), para, a partir desse quadro, avaliar a lesão diante da natureza do processo e
da importância da audiência.
Outra variante do serviço profissional do advogado, diretamente relacionada com o dano
moral, poderá ser extraída da experiência do processamento das ações que buscam
estabelecer a verdade biológica das pessoas (investigação de paternidade prevista no art.
1.606, do CC). A prova da filiação, como é indiscutivelmente reconhecido, foi facilitada
pelo exame DNA, a sigla que designa o ácido desoxirribonucléico, portador de nucleotídeos
ou substâncias que provam a transferência hereditária pelos cromossomos, responsáveis
pelo mapeamento genético da pessoa, os quais provam o vínculo da filiação. 69
Passou a ser obrigatório o exame pericial nessas ações, tanto que, em julgamento da 3ª
CDPriv., por mim relatado, foi anulada sentença emitida em ação de investigação de
paternidade, sem perícia, para que se produzisse a prova, por constituir a omissão ofensa ao
art. 5º, LV, da CF, que obriga formar o processo justo (Ap 189.691.4/7, in Revista
Brasileira de Direito de Família, Síntese & Ibdfam, v. 10, p. 130, verbete nº 1094). O novo
CC inovou na regulamentação da prova e, pelo art. 231, estimula uma presunção de
confissão da paternidade diante da recusa do investigando em comparecer ao exame.
Ora, se a prova pericial (DNA) identifica a paternidade, não mais se justifica utilizar com
veemência da exceptio plurium concubentium (má conduta notória da mãe do investigante -
ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA). 70 É de se aguardar, com prudência, o resultado
da perícia, que, pela sua força probatória, no caso de exclusão da paternidade, atesta,
oficialmente, a multiplicidade de parceiros ou vida desregrada da mulher, na época da
concepção que fundamentou o pedido. Se não fosse assim, como se justificaria o ataque à
honra de uma mulher honesta, a pretexto de defender o cliente (inegavelmente pai da
criança), diante do resultado positivo do DNA?
O resultado do DNA, nesse caso, chega com função dúplice: confirma a filiação que foi
indevidamente rejeitada e, por outro lado, desestrutura a lógica da imputação de conduta
desonrosa da mulher. Poderá resultar, daí, responsabilidade civil do advogado?
Quanto ao direito de o autor da ação investigar a paternidade, sendo ele vítima da rejeição
paterna, o ilustre professor gaúcho, ROLF MADALENO, 71 afirma que o pai deverá ser
condenado a compor danos morais: "É altamente reprovável e moralmente danosa a recusa
voluntária ao reconhecimento da filiação extramatrimonial e certamente, a intensidade
desse agravo cresce na medida em que o pai posterga o registro de filho que sabidamente é
seu, criando em juízo e fora dele, todos os obstáculos possíveis ao protelamento do registro
de paternidade, que ao final, termina por ser judicialmente declarada". 72
O acerto dessa doutrina é indiscutível. A rejeição é, por si só, causa de dano psíquico ao
rejeitado. Contudo, embora se deva assimilá-la por constituir coisa do destino (ter a filiação
que nos foi outorgada), quando a rejeição é imposta por um sentimento ruim, com um
egoísmo que extrapola a razoabilidade, o propósito de se recusar a paternidade, sem a
prudência da sensibilidade que se admite até mesmo em casos em que se deve ou pode
negar a filiação não desejada, passa a ser ilícito, porque produz o dano íntimo capaz de
informar crise de identidade e de personalidade. A indenização teria o dom de resgatar a
auto-estima do lesado.
E os direitos da mãe do investigando, diante do libelo redigido com animus diffamandi? 73
CUNHA GONÇALVES 74 escreveu, ao versar o tema responsabilidade civil do advogado,
que "difamação será, porém, a alegação de fatos ofensivos do bom nome ou reputação da
parte adversa, que sejam estranhos à causa e inteiramente desnecessários (grifei) para a boa
decisão dela, e, por tal fato, será devida indenização, nos termos do CC". Com o exame de
DNA confirmando a paternidade, sem que se faça prova da má conduta argüida, não
ocorreu ofensa à honra e reputação da mulher? Não se hesita em declarar que, na forma dos
arts. 186 e 953, do CC, é possível responsabilizar o cliente e o próprio advogado pela
defesa ofensiva à reputação e dignidade da mulher. 75 A responsabilidade do cliente
decorre da imprudência em denunciar, publicamente, fatos desonrosos à mãe de seu filho,
enquanto o advogado responderá por culpa profissional, por deduzir defesa incompatível
com a natureza da cognição, uma vez que, como operador do direito, está com a
consciência repleta de conhecimento da desnecessidade de defesa ofensiva à honra da
mulher, dada a auto-suficiência da prova pericial. Poderá o advogado negar o coito
conceptivo e suscitar dúvida da identidade do fertilizador, porque essa defesa é
tecnicamente possível e consentânea com a fundamentação do pedido da prova pericial.
Não é preciso, contudo, denominar a mãe do investigando de prostituta, mulher de vida
promíscua e coisas do gênero, sem ter munição para confirmar, na fase probatória, a
vulgaridade feminina. O erro, aqui, por ser imperdoável, passa a ser de ordem voluntária, o
que atrai a responsabilidade direta do advogado. É mister atuar com atenção para as
conseqüências do DNA.
Poder-se-ia argumentar que o que se passa em ação de investigação de paternidade, por ter
trâmite velado ou em segredo de justiça (art. 155, II, do CPC), não produz efeito social, o
que excluiria a idéia de ilicitude. Essa é uma verdade processual relativa, porque, na
prática, os fatos comprometedores da intimidade dos personagens dos processos, mesmo
sob guarda do sigilo, ultrapassam, de forma inexplicável, os umbrais dos cartórios e
espalham-se pela comunidade, para desespero dos interessados. 76 Mas, ainda que fosse o
processo engavetado com a vigilância de um diligente escrevente, a honra subjetiva
(conceito de si próprio ou auto-estima) 77 termina ultrajada, sugerindo a indenização que
promete curar o sofrimento de um processo carregado de inverdades. Recorde-se que o
dinheiro que se manda pagar não cura a dor, embora apresente "função meramente
satisfatória, procurando, tão-somente, suavizar certos males, não por sua natureza, mas
pelas vantagens que o dinheiro poderá proporcionar, compensando até certo ponto o dano
que foi injustamente causado". 78
É importante observar que também não exclui a responsabilidade do advogado que introduz
um libelo ofensivo à honra da mulher, a alegação de que agiu no exercício regular de um
direito, qual seja, o de defesa do réu (art. 188, I, do Código Civil de 2002). Não importa as
informações ou instruções transmitidas pelo cliente sobre a conduta da mãe do
investigando, que, repita-se, não é parte no processo. EDUARDO ESPÍNOLA já afirmava
que o "advogado não obedece à orientação do cliente, mas empreende um serviço
autônomo, exerce sua profissão de acordo com os seus conhecimentos técnicos". 79 Ora, se
é desnecessário desafiar a reputação da mulher (principalmente a honesta), pela auto-
suficiência do exame DNA, cumpre ao advogado abandonar essa estratégia de defesa,
mesmo que a gosto do cliente, porque potencialmente comprometedora no aspecto
profissional e, eventualmente, suscetível de gerar o dever de reparar o dano moral.
Como o direito de família está intimamente relacionado com o fator dignidade humana (art.
1º, III, da CF), o processo que o serve procura meios para reconstruir planos de vida.
Portanto, na medida em que o uso do processo de ações de família ganha em dignidade,
maior importância alcança no seu papel de representante da cultura da sociedade. Sem
dúvida que esse caminho, aberto para ser trilhado, elimina de seu campo de atuação a
agressão inútil que em nada contribui para que os personagens, que quase criaram uma
família, se aproximem para uma convivência saudável. Golpes de papel serão severamente
censurados por intermédio da responsabilidade civil.
Efetivar o registro da penhora passou a ser diligência obrigatória, porque de sua efetividade
depende o êxito ou satisfação completa da execução (presunção absoluta de conhecimento
de terceiros, impedindo a sustentação de alienações em fraude de execução). Pergunto: se o
advogado não providencia o registro da penhora de imóvel que é, depois, alienado pelo
devedor e, por conta disso, se reconhece a predominância da boa-fé do terceiro adquirente,
é possível responsabilizar o advogado por ter o cliente perdido a chance de levar o imóvel
do devedor à arrematação?
Parece evidente a afirmativa. O sistema processual foi remodelado para proteger o instituto
da penhora e, por isso, facilitou-se o registro do ato para que terceiros não disputem o
domínio do bem do devedor que será alienado em juízo para pagar os credores. É erro de
conduta, de técnica, não providenciar o registro da penhora. Portanto, falhando o advogado
com esse dever primário, ciente da jurisprudência que reprime tal omissão, com
conseqüências gravíssimas para o credor, confirma-se o nexo de causalidade, ou seja, a
certeza de que o prejuízo do cliente (com a execução impossível) decorreu da desídia de
seu advogado. Não encontrei causa que exonere o profissional da responsabilidade civil,
salvo se houver culpa exclusiva do cliente (não recolher as custas do registro da penhora).
Muda-se o enfoque em caso de ocorrer a descapitalização imobiliária do devedor, no curso
da ação de conhecimento. Elaboro outro quesito em conseqüência disso: "deve o advogado
providenciar, sempre que ajuizar ação de ressarcimento de danos, o registro da citação para
garantir a execução futura, sob pena de responder, se não o fizer, pela 'execução impossível'
que se verifica quando não se consegue penhorar os bens do devedor, porque adquiridos
por terceiros de boa-fé no curso do processo?".
Essa situação não é típica de responsabilidade objetiva que a falha do registro da penhora
cria, porque, aqui, não existe obrigação legal da providência (registro da
citação/distribuição da ação) e, na forma do art. 5º, II, da CF, poderá o advogado recorrer
ao elemento dúvida jurídica legítima, para exonerar-se da obrigação de reembolsar o cliente
que, depois de obter a condenação do réu, não consegue penhorar bens do devedor.
É importante assinalar que o advogado ERNESTO ANTUNES DE CARVALHO 96
apontou três razões para dispensar o registro da citação ou distribuição da ação: não
obrigatoriedade do ato, ao contrário do que ocorre com a penhora; alto custo financeiro do
registro (onerando, ainda mais, o autor) e falta de especificidade do bem a ser penhorado no
futuro. Acrescento mais uma a esse excelente estudo: o risco de ter o autor que providencia
um registro dessa ordem e que, naturalmente, restringe a expectativa do réu, como
proprietário, de dispor de seus bens, de responder, em caso de improcedência da ação, por
prejuízos que essa restrição provocou, inclusive não patrimoniais. Todo esse debate mostra
que a matéria é polêmica, sem unanimidade jurisprudencial, o que, em termos de obrigação
de diligência, não vincula o advogado.
8. IMUNIDADE JUDICIÁRIA
O advogado conta com imunidade no exercício de sua função (art. 7º, § 2º, da L. 8.906/94).
FÁBIO KONDER COMPARATO 99 considera que o advogado equipara-se ao
parlamentar no que concerne à imunidade prevista no art. 142, I, do CP, porque "assim
como o parlamentar deve atuar com total liberdade de palavra, iniciativa e opinião na
fiscalização dos demais Poderes, com a mesma liberdade e independência deve o advogado
agir em juízo, sem receio de ver sua atuação coartada pelo temor de ofensa à honra alheia".
Como a atividade depende de materialização de arrazoados forenses, pode ocorrer que, no
auge da fundamentação, o profissional exceda os limites da recatada prudência que
imprime sobriedade na linguagem dos processos. O TJSP não admitiu a condenação de
advogado, por danos morais, pelo emprego de expressões "candentes" e que feriram a
suscetibilidade da parte adversa (Ap 085.813-4/7, Des. PAULO MENEZES, in RT
774/240).
O processo é um amontoado de papéis que conta uma história de vida. Exatamente por sua
finalidade, poderá ser instrumento não só da realização do direito material, como se
transformar em veículo de ofensas à dignidade humana dos seus personagens (arts. 1º, III e
5º, V e X, da CF). Contudo, porque os juízes são acostumados a interpretar os ânimos dos
contendores, sabem que o processo se forma com mensagens duras, verdadeiramente
contundentes. Esse conhecimento dos magistrados é uma garantia contra a censura das
manifestações pesadas que são necessárias para revelar a verdade de um fato ou de uma
ação tendenciosa e o exemplo do que se diz está no julgamento da AC 57.605-4, do TJSP
(JTJ-Lex 217/79), pelo qual um advogado estava sob acusação de ter ofendido a parte
adversa, com expressões pessoais como "frívolo, não quer trabalhar e que o dinheiro da
desejada indenização não lhe servirá para nada, salvo de pretender permanecer na
vadiagem". O digno Des. LAERTE NORDI, declarando voto-vencedor, considerou que as
frases empregadas pelo advogado são apropriadas para a controvérsia sobre pedido de dano
moral e livrou o profissional da indenização que o Juízo de Primeiro Grau havia declarado
(20 salários mínimos).
A imunidade não é um privilégio corporativista; é uma bandeira erguida para defesa da
soberania da função, sem o que o profissional não se encoraja na luta pela preservação da
liberdade e dos demais direitos alheios. Tal como os políticos que são escalados para
combater os abusos e que contam com a inviolabilidade em suas opiniões para que não
fiquem "sujeitos a incômodos, perseguições e reações", 100 deverá o advogado merecer,
igualmente, essa proteção. Nesse sentido a mensagem do Min. SYDNEY SANCHES, do
STF, emitida quando do IV Seminário de Valorização Profissional do Advogado: "E
exercido (advocacia) com a segurança necessária, para que o advogado não se atemorize
diante dos poderosos, dos truculentos e dos arbitrários, pois esse temor enfraquece a defesa
do direito de seu constituinte e repercute na obtenção da verdadeira Justiça". 101
Porém, o excesso foi censurado com indenização por danos morais pelo STJ (REsp
151.840/MG, DJU 23.09.1999, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, in RSTJ
124/361 e Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, vol. 2, pág. 64). O processo
em epígrafe revela que realmente o advogado ultrapassou os limites ao analisar a atuação
do advogado da parte adversa, imputando-lhe, sem provas, uma série de atividades ilícitas,
o que, sem dúvida, caracterizou ofensa à honra. Constou da ementa: "A imunidade
profissional, garantida ao advogado pelo novo Estatuto da Advocacia e da OAB não
alberga os excessos cometidos pelo profissional em afronta à honra de qualquer das pessoas
envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do MP, o serventuário ou o
advogado da parte contrária. Segundo firme jurisprudência da Corte, a imunidade conferida
ao advogado no exercício da sua bela e árdua profissão não constitui um bill of indemnity".
O excesso verbal não se compraz com a importância do trabalho do advogado. MIGUEL
REALE 102 escreveu que a "linguagem é o solo da cultura" e daí "poder-se dizer que o ser
do homem é o seu dever-ser consubstanciado na linguagem que o tornou capaz de realizar-
se como pode e deve fazê-lo. Parece-me essencial essa dupla compreensão do ser humano
em seu dever-ser através da linguagem". Convém registrar que o STJ não admite a exclusão
da ilicitude (estrito cumprimento do dever legal - art. 23, III, do CP) no crime de calúnia,
mas tão-somente a injúria e a difamação (RHC 11.324/SP, DJU 12.11.2001, Min. JOSÉ
ARNALDO DA FONSECA, in RT 798/559 e Revista Síntese de Direito Penal e Processual
Penal, vol. 12, pág. 88): "Não está acobertado pelas causas de exclusão da ilicitude do
estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular do direito, nos termos do art. 23,
III, do CP, o advogado que, através de petição assaca ofensas caluniosas contra o
magistrado da causa, pois os poderes do causídico na sua esfera de atuação profissional não
são absolutos e incontestáveis, devendo ser puníveis os eventuais excessos e abusos
cometidos pelo profissional".
Portanto, é por meio da linguagem lançada nas peças do processo que o advogado revela o
seu dever-ser na organização jurídica que, por certo, não será desrespeitoso, ofensivo,
ultrajante. O processo, não obstante um mecanismo (meio) de fazer o direito material, na
verdade se transforma em corpo e alma da justiça no caso concreto, com sentido público, de
modo que passa a ser inconveniente a falta de recato na linguagem a ser empregada nos
atos formadores do processo justo (art. 5º, LV, da CF), ainda que o ressentimento que mova
o impulso ou a reação violenta possa ser explicado, quer pela temeridade da lide, quer pelo
abuso de direito de defesa da parte adversa e, inclusive, pela morosidade da justiça. Os
expedientes próprios para debelar esses incidentes de percurso existem e, entre eles, não
está situada, como legítima, a ofensa verbal aos demais protagonistas do processo. O
desabafo com ofensas implica a responsabilidade do advogado por lesões de ordem moral
aos destinatários de suas mensagens, porque a atuação descomedida, no uso das palavras e
gestos, consubstancia ato personalíssimo ou de culpa profissional.
Em recente sessão de conferência de votos, o Des. ALFREDO MIGLIORE, da 3ª CDPriv.
do TJSP (Ap 172.666-4/4), apresentou proposta (que foi recepcionada sem dissenso dos
demais membros da Turma Julgadora) de representar a OAB, na forma do art. 7º, § 2º, da
L. 8.906/94, para que a Comissão de Ética e Disciplina examine (e, eventualmente,
censure) a postura do advogado da apelante, por ter qualificado a sentença apelada como
"desprezível e execrável", além de "abjudicável e desprezável", termos absolutamente
impróprios, desnecessários e incompatíveis com o dever de recorrer e comprovar o acerto
da tese de inconformismo.
O advogado não é censurado somente quando dirige impropérios aos juízes. Em processo
de concordata, o advogado de um dos credores assinou petição, com as seguintes
expressões em face do ex adverso: "engendrar uma chicana"; "expedientes obscuros e
escusos"; "safadeza" e "desonestidade", "patrocinado uma das maiores desonestidades que
a Justiça capixaba tinha notícias". O advogado destinatário dessas ofensas ingressou com
ação de ressarcimento de danos e obteve sentença favorável (o TJES, no entanto,
determinou que se fixasse o quantum em liquidação). O advogado réu, em causa própria,
foi ao STJ, que não conheceu do recurso especial (REsp 163.221/ES, DJU 05.08.2002, in
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, nº 19, p. 97, ementa nº 1925), com a
seguinte observação do relator, Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: "O
advogado, assim como qualquer outro profissional, é responsável pelos danos que causar
no exercício de sua profissão. Caso contrário, jamais seria ele punido por seus excessos,
ficando a responsabilidade sempre para a parte que representa, o que não tem respaldo em
nosso ordenamento jurídico, inclusive no próprio Estatuto da Ordem".
10. PRESCRIÇÃO
O novo CC estabeleceu que prescreve, em três anos, a pretensão de reparação civil (art.
206, § 3º, V). Contudo, continua a prevalecer, em ações de responsabilidade civil face ao
advogado, o prazo prescricional previsto no art. 27, da L. 8.078/90 (CODECOM). É que a
interpretação, no conflito de normas, deve ser pró-consumidor (arts. 47, 7º e 1º, da lei
consumerista), porque, mais dilatado, é que o predomina em benefício dos consumidores.