Você está na página 1de 4

Nome: Juliana Rodrigues Alves Costa

DRE: 118061370
Habilitação: Letras: Português/Literatura
Disciplina: Cultura Portuguesa
Professora: Mônica Genelhu Fagundes

QUESTÃO 02

Justifique a importância de Fernão Lopes para a cultura portuguesa, tendo em


mente o momento histórico em que o autor escreve suas Crônicas, a matéria que as
compõe e o modo como esta matéria é aí apresentada.

Para a cultura portuguesa, é indiscutível a contribuição das crônicas de Fernão


Lopes. Essa afirmação categórica conversa, sem dúvidas, com a ideia de que foi o
cronista o responsável por desenvolver, pela primeira vez, uma ideologia nacionalista
lusitana. Essa questão é facilmente compreendida quando se analisam as obras de sua
autoria: o trabalho do autor dialogava com uma abordagem histórica à qual se
associavam aspectos ficcionais que culminaram com a formulação de um ideário
imagético enaltecedor de Portugal. De fato, no que concerne a produção literária de
Fernão Lopes, entende-se que o autor inaugura, por meio de suas crônicas, a ideologia
dominante de uma Portugal gloriosa: a ideia de uma sociedade fadada ao destino divino
de levar a moral e os bons costumes às demais. Esse movimento, é claro, encontra-se
fundamentado na tentativa de validar a coroação de D. João I como rei soberano de uma
dinastia aclamada – a de Avis.

É dessa forma, pois, que Fernão Lopes auxilia na construção de uma identidade
nacional pautada no verdadeiro ideal de amor à pátria. Devido ao fato de D. João I não
possuir, em teoria, direito ao trono português, a narrativa do cronista auxilia o monarca
a difundir uma ideologia doutrinadora por meio da qual aquilo que faz alguém ter
direito à coroa não reside em laços sanguíneos, mas, sim, em valores de enaltecimento e
devoção plena à mãe maior – Portugal. Com isso, há a propagação de um nacionalismo
arraigado que não apenas legitima a Dinastia de Avis, como também fomenta a difusão
da cultura portuguesa pelo mundo – o que, é claro, perpassa a disseminação da língua,
dos mitos e da história de um povo a partir de uma exaltação ufanista.
Nota-se, portanto, que, em um momento histórico marcado por lutas e
conquistas inúmeras, há um contexto extremamente propício à exaltação de uma nação
que deveria orgulhar-se de seu povo – um povo cuja face era construída por uma
metáfora com os nobres heróis conquistadores. Fernão Lopes, por sua vez, por ser o
grande cronista de sua época, desenvolve, em suas narrativas, o processo de elogio às
grandiosas proezas dos nobres heróis do povo que, bravamente, lutaram para tornar
Portugal a nação mais proeminente da época. Assim, ao narrar o milagre de Ourique, o
amor avassalador de D. Pedro e Inês de Castro, a paixão que levou D. Fernando a
cometer loucuras em nome de D. Leonor e as sucessivas guerras que levaram ao poder a
Dinastia de Avis, o artista mistura história e ficção e, então, alcança a sublimação da
anuência de um nacionalismo português nunca visto. É, pois, a partir de sua narrativa
que a população lusitana vê surgir de forma clara, pela primeira vez, uma nação
conquistadora e à frente de seu tempo; uma nação de heróis desbravadores que se
lançarão ao mar em busca da difusão de um poder que lhes foi concedido por Deus e
que lhes é de direito, portanto.

QUESTÃO 03

Pode-se ler o “Auto da Índia” como um contra-discurso, que põe em questão a ideologia
dominante que justifica o projeto ultramarino português, no tempo ainda de sua glória.
Identifique e explique as estratégias por meio das quais Gil Vicente constrói e comunica
sua crítica na peça teatral.

Quando se analisa, logicamente, o vasto trabalho de Gil Vicente, um fato


inquestionável relacionado à figura do dramaturgo é a sua posição como patriarca do
teatro português. Embora estivesse inserido em um contexto histórico de glória da nação
portuguesa, não se pode afirmar que a escrita de suas obras tentava agradar as classes
mais abastadas da população lusitana. Isso porque, ao desenvolver um lapidado exame
de “Auto da Índia”, constata-se a ironia sutil por meio da qual o artista denunciava as
mazelas sociais causadas pelo projeto político ultramarino de Portugal. Considerado um
autor cuja produção se caracteriza pelo caráter moralizante, Gil Vicente propõe a
desmistificação da ideologia formadora de Portugal a partir da deflagração da hipocrisia
que sustenta a sociedade de aparências lusitana. Por meio da comicidade, vê-se a
construção de uma literatura que desvela uma história marcada pela propagação
generalizada de uma nódoa que recai sobre o falso decoro que sustenta a máscara
portuguesa. Nota-se, pois, que o intuito da estética de Gil Vicente, em “Auto da Índia”,
é demonstrar como uma infinidade de dissimulações desencadeia uma forte crítica ao
projeto político de Portugal.

Para tal, percebe-se que, a partir do tópico do adultério, descrito em aspectos


nímios, o autor leva o leitor a não só experienciar a questão da imoralidade de uma
forma leve, fruto da abordagem risível pela qual a temática é desenvolvida, mas,
também, lança mão de uma análise irônica que parte do particular para o geral a fim de
culminar com uma crítica latente à expansão marítima portuguesa. Por essa razão, por
mais que seja fácil compreender o objetivo de Gil Vicente ao desvendar a sociedade de
aparências lusitana, torna-se sútil a exploração da grande metáfora por trás de “Auto da
Índia”: a comparação implícita e subjetiva entre a traição da mulher para com seu
marido e a da mãe-pátria, que ilude seus filhos com a venda de uma ideologia sublime
que, em verdade, traz objetivos meramente comerciais. Nesse sentido, é por meio da
ausência de uma postura de apologia à Era das Grandes Navegações que se nota
claramente a presença de um olhar que denuncia a tentativa de enriquecimento de
Portugal. O que se percebe, portanto, é que a obra se caracteriza pela dualidade, pois
aspectos do âmbito da vida particular dos indivíduos conversam diretamente com os
ideários políticos da época a fim de possibilitar uma forte reflexão sobre a sociedade
lusitana ultramarina. A partir da apresentação de personagens estereotipados, portanto,
Gil Vicente dá à “Auto da Índia” uma vertente cômica que deflagra as imoralidades de
uma sociedade que precisava, urgentemente, redefinir suas prioridades a fim de evitar
um declínio de seus valores a favor de obtenção de lucro. Torna-se evidente, portanto,
que, com o intuito de revelar os vícios de uma Portugal que caminhava para a ruína
moral, o autor se vale não só do aspecto cômico para criticar e, por consequência,
reforçar os ideais moralizantes da época, como, de igual modo, de jogos metafóricos e
irônicos para lançar mão da junção de aspectos da vida particular dos portugueses aos
do projeto político ultramarino, o que, sem dúvidas, auxilia no desenvolvimento crítico
a respeito da sociedade da época.

Desse modo, ao construir metáforas para demonstrar como a vida privada


funcionava como uma metonímia da vida pública, o intento do teatro de Gil Vicente era
o de mostrar como Portugal era, em seu interior, um reflexo das atitudes de seus filhos:
embora fosse vendida uma imagem de grande moralidade e forte decoro, as ações,
quando analisadas a fundo, em nada convergiam com a ideologia comercializada. Tal
fato se comprova, por exemplo, na forma como a Ama trai deliberadamente o marido
com inúmeros amantes. De igual modo às ações da mulher, Portugal exibe um discurso
que em nada condiz com os objetivos reais da empreitada das Grandes Navegações, o
que se verifica, até mesmo, pela falsa ideia de obtenção de lucro para todos – já que, na
prática, era a própria Pátria que tomava para si os ganhos sem, no processo, dividi-los
com aqueles que, de fato, auxiliaram-na a obtê-lo. Para além disso, vê-se, na figura da
criada, uma metonímia para aqueles que apenas agem a favor de seus próprios objetivos
– fato que, mais uma vez, em nada dialogava com os valores morais de uma sociedade
fundada em preceitos católicos fervorosos. A partir dessas figuras, pois, o público pode,
então, refletir sobre a veracidade do discurso comercializado pela Portugal das Grandes
Navegações e, por si só, desvelar a ironia sutil entrevista em críticas que quase passam
despercebidas dada a comicidade que sustenta a obra.

É, portanto, por meio de ironias, metáforas, jogos metonímicos e críticas sutis


que Gil Vicente formula, em “Auto da Índia”, um discurso que põe em xeque a questão
da ideologia dominante que justifica o projeto ultramarino português. Nota-se, então,
que, segundo o autor, não há como uma sociedade de aparências, cujos valores, há
muito, já estavam em ruínas, desenvolver um projeto ideologicamente bem construído;
as ideologias, afinal, perderam-se a favor de uma política mercantilista que acreditava
que a melhor Pátria era aquela que mais detinha conquistas e lucro. Perdera-se, pois, o
foco em princípios morais e cristãos que culminavam com o desenvolvimento ético do
indivíduo para valores comerciais que os deixavam fadados à perda da essência
portuguesa. Assim, Gil Vicente formula a maior crítica dessa obra: o interior será
sempre um reflexo do exterior caso as bases sustentadoras não sejam sólidas o bastante.

Você também pode gostar