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81 | 2022
História do Brasil
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Uma das questões que os especialistas na produção literária de Eça de Queirós têm trabalhado
com maior assiduidade é a reflexão sobre a história que ele desenvolveu nas páginas do seu
romance A Ilustre Casa de Ramires (1900). Como é sabido, esta reflexão levou o escritor à crítica
das principais formas de representação do passado nacional no Portugal da Regeneração: o
romance histórico ultrarromântico e a historiografia historicista. Este artigo foca um elemento
dessa crítica que não tem sido abordado com profundidade suficiente. Especificamente, examina
☝🍪
o ataque de Eça ao substrato metafísico imanente nos relatos históricos convencionais da nação
portuguesa. Postula-se que A Ilustre Casa de Ramires merece ser lida como um discurso que,
através
Este sitedeutiliza
um repertório
cookies ede estratégias ficcionais, questionou a meta-narração histórica
pressuposta nas representações narrativas do passado nacional em vigor no Portugal pós-
dá-lhe controle sobre o que
Ultimatum.
quer ativar
One of the problems that scholars of the literary production of Eça de Queirós have most
assiduously addressed is the reflection on history that he developed in the pages of his novel A
Ilustre Casa de Ramires (1900). As is well known, this reflection led the writer to criticize the
✓ OK, aceitar tudo
main forms of representation of the national past in Portugal during the Regeneração: the ultra-
romantic historical novel and historicist historiography. This article focuses on an element of this
✗critique
Proíbe thattodos
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been addressed in sufficient detail. Specifically, it examines Eça’s attack on
the metaphysical substratum inherent in conventional historical accounts of the Portuguese
nation. I argue that A Ilustre Casa de Ramires deserves to be read as a discourse that, through a
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repertoire of fictional strategies, questioned the historical meta-narrative presupposed by
representations of the national past during post-Ultimatum Portugal.
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L’une des questions sur lesquelles les spécialistes de la production littéraire d’Eça de Queirós ont
travaillé le plus assidûment est la réflexion sur l’histoire développée dans les pages de son roman
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A Ilustre Casa de Ramires (1900). Comme on le sait, cette réflexion a conduit l’écrivain à
critiquer les principales formes de représentation du passé national dans le Portugal de la
Regeneração: le roman historique ultra romantique et l’historiographie historiciste. Cet article se
concentre sur un élément de cette critique qui n’a pas été abordé de manière suffisamment
approfondie. Plus précisément, il examine les attaques d’Eça de Queirós contre le substrat
métaphysique immanent aux récits historiques conventionnels de la nation portugaise. Il est
postulé que A Ilustre Casa de Ramires mérite d’être lu comme un discours qui, à travers un
répertoire de stratégies fictionnelles, a remis en question le métarécit historique présupposé par
les représentations narratives du passé national en vigueur dans le Portugal post-Ultimatum.
Entradas no índice
Mots-clés : métarécits historiques, histoire de Portugal, Ultimatum, Eça de Queirós
Keywords: historical meta-narratives, history of Portugal, Ultimatum, Eça de Queirós
Palavras-chave: metanarrativas históricas, história de Portugal, Ultimatum, Eça de Queirós
Texto integral
1 Ao longo do século XIX, como foi o caso em muitas outras latitudes europeias,
desenvolveu-se em Portugal uma cultura histórica marcante e complexa. Os sectores
burgueses, que tinham ascendido recentemente ao poder político através do processo
das guerras liberais, promoveram e cultivaram, através de uma vasta gama de formas
culturais como a historiografia, a literatura, as ciências sociais, a música e a pintura, a
recuperação de um passado nacional que iria legitimar a ordem política – o estado-
nação – que tinha vindo substituir a monarquia absoluta. Em termos gerais, poderia
dizer-se que, em todas estas disciplinas, ainda que a partir de estratégias
epistemológicas e representacionais muito diferentes, triunfou a noção romântico-
historicista – de matriz herculaniana – que assinalava que Portugal possuía uma “alma
nacional” nascida durante a Idade Média peninsular, e que, embora extraviada durante
o período de expansão ultramarina, era historicamente destinada a uma vocação ou
missão universal de natureza quase messiânica. Por volta do último terço de
Oitocentos, no âmbito do Scramble for Africa, e particularmente no contexto do
conflito com a Grã-Bretanha em 1890, aquela conceção da história portuguesa recebeu
um impulso radical, principalmente nos discursos poéticos e doutrinários que
promoveram a defesa patriótica dos interesses portugueses em África sob ameaça
estrangeira (Matos 2008, 95 e 101-102).
2 No conjunto de discursos produzidos na década que se seguiu ao Ultimatum
britânico,1 o romance A Ilustre Casa de Ramires (1900), de Eça de Queirós, destaca-se
pela sua excentricidade. Críticos como Salvato Trigo (1990, 293), João Medina (1974,
107-110), Teresa Rita Lopes (1995, 496-507) e Maria Teresa Pinto Coelho (1996, 204),
entre outros, embora defendam a ideia de que, no pensamento do “último Eça”, ainda
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era válida a noção da possibilidade de uma regeneração nacional inspirada no
prestigiado passado medieval português, reconhecem no entanto o seu questionamento
Este site utilizanacional”
da “identidade cookies e – isto dada a analogia que, no final do romance, e na voz da
dá-lhe controle sobre o que
personagem do administrador João Gouveia, o escritor fez entre o seu protagonista
quer ativar
aparentemente “triunfante”, o fidalgo Gonçalo Mendes Ramires, e Portugal. Marie-
Hélène Piwnik (2012, 32-35), por seu lado, rejeita esta perspetiva, argumentando que o
tratamento dado por Eça à história portuguesa, especialmente na sua crítica às imagens
convencionais do romance histórico tradicional, não teve “papel regenerativo” nenhum,
mas “trata-se, nada menos, que dos efeitos da irrisão queirosiana”, que acaba por dar à
narrativa “as dimensões de uma verdadeira farsa”. O argumento que pretendo
desenvolver neste artigo concorda com a interpretação de Piwnik (2012, 35), segundo a
qual as evocações do passado nacional e as estratégias discursivas de representação
ficcional e histórica contidas neste romance estão cheias de “comicidade”, de “discretas
deslocações que afastam essa história de uma síntese que ofereça todas as garantias de
seriedade”.
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1. Os discursos nacionalistas do
Ultimatum e o caso Eça
4 A reação discursiva das elites letradas portuguesas ao Ultimatum britânico de 11 de
janeiro de 1890 tem sido extensivamente comentada na historiografia especializada. É
hoje bem conhecido, por exemplo, o impulso que a imprensa inteira deu,
independentemente da sua filiação partidária Regeneradora, Republicana e até
Progressista, aos protestos populares de natureza patriótica que foram organizados,
primeiro em Lisboa e mais tarde no Porto e em Coimbra, após a divulgação da posição
do governo de José Luciano de Castro em relação ao memorando enviado por Lord
Salisbury (Teixeira 1987, 705-713). Do mesmo modo, temos abundantes notícias das
revistas literárias que, nos meses e anos que se seguiram ao evento, dedicaram números
especiais cheios de artigos e poemas de ardor patriótico e antibritânico, entre as quais
se destacam Luzitania, Jornal Comemorativo da Revivescência Pátria (Porto) e
Anatema (Coimbra) (Coelho 1996, 89, 95, 122). Não obstante a diversidade de formatos
e, sobretudo, de posições políticas apresentadas por estes discursos – pois enquanto
alguns atribuíram a humilhação ao declínio da monarquia de Bragança, outros
apontaram para o governo Progressista como único responsável –, é possível afirmar
que todos eles tiveram como denominador comum a construção sobre argumentos
nacionalistas moldados por referências explícitas ao percurso histórico português.
5 No que diz respeito à referida característica comum dos discursos do Ultimatum,
deve ser notado que teve precedentes importantes nos anos que antecederam a fase
mais radical do conflito com o Reino Unido. Pelo menos desde o início da década de
1880, no âmbito do Scramble for Africa, múltiplos atores políticos e sociais tinham
sistematicamente utilizado a história para legitimar o projeto de um império português
transafricano. Especialistas na história de Portugal no último terço do século XIX, tais
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como Maria Teresa Pinto Coelho (1996, 46), Ângela Guimarães (1984, 48-49), Nuno
Severiano Teixeira (1987, 688-689), Sérgio Campos Matos (2008, 102) e Miguel
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Jerónimo e 1-3, 15), destacam como atributo específico do chamado
(2015,
dá-lhe controle sobre o que
“Terceiro Império Português”,2 a marca “passadista” subjacente ao argumento
quer ativar
colonialista habitual da “missão civilizadora”. Potências como o Reino Unido, a França,
a Bélgica ou a Alemanha, para justificar a expansão dos seus abundantes recursos
económicos em África, usaram uma retórica marcadamente “presentista” de um
alegado interesse em “civilizar”, ou seja, em “proteger as tribos nativas africanas” e
“promover” o seu “bem-estar moral e material” com os benefícios atuais da “civilização
europeia”. Portugal, por seu lado, legitimou o seu interesse imperial ao revindicar
“direitos históricos” ancorados numa “antiga vocação civilizadora” considerada como
“destino histórico nacional”.
6 Assim, por exemplo, durante as conferências de antiescravatura de Bruxelas (18 de
novembro de 1889 e 2 de julho de 1890), os representantes portugueses, Henrique de
Macedo, Augusto Castilho, Brito Capelo e Batalha Reis, apresentaram-se “armados de
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Dizia-se outrora que antes morrer que má sorte. Dantes, a ficar desonrado,
preferia-se morrer. Era no tempo de D. Nuno Álvarez Pereira, de Afonso de
Albuquerque, de D. João de Castro e, mais modernamente, do Marquês de
Pombal. Era no tempo em que nós eramos grandes, fortes, poderosos,
respeitados! Hoje, no tempo destes bandidos que aí poluem todos os sentimentos
de honra, todos os princípios de dignidade, todas as noções de brio, a covardia é
prudência, o servilismo é sensatez, o medo é tino, a infâmia é juízo, e a coragem, e
a valentia, e a dignidade e a honra é loucura! (Coelho 1996, 98)
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Outras espécies de discursos de natureza mais doutrinária não foram estranhas à
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mesma estratégia crítica. Veja-se o caso dos artigos publicados a 16 de janeiro de 1890
na edição especial que o jornal A Província dedicou ao Ultimatum. O dossier intitulado
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“Pela Pátria” reuniu trabalhos de colaboradores como Luís de Magalhães, Alberto
dá-lhe controle sobre o que
Sampaio, Queirós
quer ativarVeloso, Oliveira Martins e Jaime Magalhães Lima, os quais, com base
num espírito patriótico inspirado nas ideias expressas por Antero de Quental no seu
artigo “Expiação”, apelavam efusivamente ao “ressurgimento” nacional (Quental 1982,
447-448; Coelho 1996, 89, 95). Entre esses artigos, “O Desagravo”, de Oliveira Martins,
ilustra como poucos o uso político de imagens do passado histórico português, não só
para fixar uma posição perante o conflito que se desenvolvia, mas também para
impulsionar a “regeneração” do país.
9 Nas páginas desse texto, Oliveira Martins (1891c, 55-67) salienta, acima de tudo, “a
vibração produzida [na sociedade portuguesa] pelo ultraje da Inglaterra”. Com base
neste reconhecimento, tenta direcionar o “brio nacional” utilizando um argumento de
natureza histórica: Portugal, cujas forças andavam espalhadas pelos quatro cantos do
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Luto, nudez, desolação,
12 O excerto aqui citado é retirado da famosa cena XXI de Pátria, aquela em que a
personagem principal do poema, o Doido-Portugal, reconhece finalmente a sua “alma”,
ou seja, o espírito de Nun’Álvarez Pereira identificado “com um passado luminoso qual
Idade de Ouro” que regressa para lamentar a situação atual e redimir Portugal (Coelho
1996, 175). Antes do clímax temos, no entanto, um conjunto de cenas que gradualmente
referem o curso inteiro da história portuguesa. Na cena VIII, por exemplo, Astrólogus,
cronista-mor d’el-rei, narra a história de “mil anos” do Doido-Portugal: o seu “heroico”
e “glorioso” começo como povo montanhês que, talvez devido ao seu “vigor” e “alento”,
um dia mau enlouqueceu e foi para o mar; enlouqueceu, quase morreu, e num último
lance heroico, foi para o mar novamente e para a batalha, só para ser mantido em
cativeiro durante quase seis anos, e lentamente desmaiar enquanto é envenenado pelos
seus parentes (Junqueiro 1896, 58-64). Mais tarde, nas famosas cenas XIII a XXI, a
narração histórica continua, agora a partir da dramatização das sucessivas aparições
dos reis e rainhas da dinastia Bragança – de D. João IV a D. Luís –, cujos atos
decadentes são comentados pelo Doido, que consegue então narrar a sua vida e
reconhecer, no aparecimento do último “fantasma” – o do corajoso condestável –, a sua
própria “alma” (Junqueiro 1896, 111-172).
13 O esquema da história portuguesa, poética e extensamente elaborado por Guerra
Junqueiro na sua Pátria, é o que de facto está subjacente a todos os outros discursos
jornalísticos, doutrinários e literários até agora citados. A ideia é clara: a vida de
Portugal estende-se desde um passado medieval em que o seu carácter histórico –
heroico, nobre, corajoso, aventureiro – é conformado e desenvolvido até uma
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modernidade que, a começar pelo período das descobertas e conquistas de além-mar, e
chegando ao final do século XIX, leva à traição progressiva da sua natureza original. A
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de alcançar e
a regeneração nacional é mesmo idêntica à daqueles outros,
dá-lhe controle sobre o que
embora neste caso com um evidente preconceito republicano: nos parágrafos finais de
Pátria,quer ativar
a partir da imagem do velho e da criancinha que encontram a espada de
Nun’Álvarez junto ao Doido-Portugal crucificado pelos corsários ingleses, Guerra
Junqueiro (1896, 186-187) reclama simbolicamente o ressurgimento futuro do passado
português – e em particular, de um Portugal camponês como aquele que, imagina, foi o
do período medieval.
14 Tal esquematização da história portuguesa, bem como a designação dos seus
momentos e personagens-chave, não foi, afinal, uma contribuição original do
pensamento de Guerra Junqueiro, nem de qualquer um dos seus colegas
contemporâneos que escreveram artigos, poemas, dramas ou textos doutrinários após o
Ultimatum. Aquela foi antes uma reinterpretação da conceção romântico-historicista
da história de Portugal desenhada havia quase sessenta anos por Alexandre Herculano
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(Catroga 1996, 40), e que, no final do século XIX se tinha tornado em certa medida
convencional graças à sua reavaliação, não sem modificações consideráveis, nas obras
históricas de Antero de Quental e Oliveira Martins (Catroga 1982, 43; Matos 2008,
101). Poder-se-ia até dizer – recuperando as formulações teóricas de Arthur Danto
(2002, 292-296) e Frank Ankersmit (2004, 210-234) – que muitos dos escritores e
políticos da última década do século XIX pensaram e agiram a partir do “conceito” ou
“representação” da realidade histórica formulado por Herculano nas suas Cartas sobre
a História de Portugal (1842), e desenvolvido na sua História de Portugal (1846-1853)
e na sua História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal (1853-
1857):3
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dos principais vultos intelectuais daquele período foram ainda mais longe, assumindo,
face ao conflito com a Grã-Bretanha, o corolário prático da interpretação herculaniana
da história
Este nacional:
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do recurso
dá-lhe controleao sobre
passado medieval. Ironicamente, a despeito das críticas que tinham
o que
lançadoquer
anosativar
antes contra os poetas ultrarromânticos herculanianos, escritores como
Guerra Junqueiro e Oliveira Martins, após a lição do Mestre, fizeram do período da
dinastia Avis, e especificamente da figura de Nuno Álvares Pereira, modelo histórico
capaz de conduzir à ressurreição nacional – “Exemplo superior da conceção cristã da
vida”, diz Oliveira Martins em A Vida de Nun’Álvarez, “ e por isso venerado como
santo, Nuno Álvarez é porventura o tipo culminante da energia própria desta nossa raça
peninsular ibérica, idealista na alma, e afirmativamente heroica” (Martins 1984, 314).
17 Todavia, no contexto do Ultimatum em que ganhou força a ideia de que só a
recuperação da “índole portuguesa” do passado medieval poderia salvar Portugal da sua
queda trágica de três séculos, houve alguns intelectuais que se distanciaram dessa
perspetiva e apresentaram uma posição crítica face à esquematização herculaniana da
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história portuguesa e ao nacionalismo exacerbado. Entre eles o vulto mais conspícuo foi
Eça de Queirós.5 O conflito de 1890 com a Grã-Bretanha não foi, todavia, o primeiro
momento em que Eça deixou claras as suas reticências quanto ao uso político da
história nacional (Coelho 1996, 196-197). Já desde As Farpas (1871) tinha criticado
fortemente a forma como os seus contemporâneos, políticos e intelectuais, empregavam
o passado renascentista para defender o projeto colonial em África. À invocação dos
feitos heroicos das descobertas e conquistas de além-mar como justificação e defesa do
império, Eça replicava: – “Sim, sim! Bem sabemos! A honra nacional, Afonso
Henriques, Vasco da Gama, etc. Mas somos pobres, meus senhores! E que se diria de
um fidalgo (quando os havia), que deixasse em redor dele seus filhos na fome e na
imundície – para não vender as salvas de prata que foram dos seus avós?” (Queirós s.d.,
108).
18 Mas talvez um dos momentos mais interessantes da precoce censura de Eça ao uso
tendencioso da memória histórica se encontre no quadro da sua famosa e longa
polémica com Pinheiro Chagas. Falo sobretudo da segunda fase da contenda, aquela
que se segue ao artigo “O Brasil e Portugal” (31-10-1880) publicado por Eça na Gazeta
de Notícias do Rio de Janeiro (Queirós s.d., 592-599), ao qual Pinheiro Chagas
respondeu intemperadamente no seu artigo de 28 de novembro de 1880 em O Atlântico
(Matos 1998, 245-249; Reis 1999, 108-109; Mónica 2001, 720). Na série de réplicas que
o primeiro fez ao segundo também nas páginas de O Atlântico (29-12-1880 e 06-02-
1881), encontramos uma condenação mordaz dos “patriotacas, patriotinheiros,
patriotadores, ou patriotarrecas” como Pinheiro Chagas, para quem, diz Eça, “a pátria
não é a multidão que em torno dele palpita na luta da vida moderna – mas a outra
pátria, a que há trezentos anos embarcou para a Índia ao repicar dos sinos, entre as
bênçãos dos frades, a ir arrasar aldeias de mouros e traficar na pimenta” (Queirós 1983,
vol. 2, 51). Nesses mesmos artigos, Eça também censura a indolência dos referidos
“patriotarrecas” perante os males da sociedade portuguesa do presente, dada a sua
incapacidade de fornecer qualquer outra solução a não ser cantar os louvores do
passado glorioso:
Esse, a sua maneira de amar a pátria é tomar a lira e dar-lhe lânguidas serenatas
[…] Esse, cousa pavorosa! não ama a pátria, namora-a: não lhe dá obras, impinge-
lhe odes. Esse, quando a pátria se aproxima dele, com as mãos vazias, pedindo-lhe
que coloque nelas o instrumento do seu renascimento – põe lá (ironia magana!) o
quê? Os louros de Ceuta! Quando o povo lhe pede mais pão e mais justiça,
responde-lhe, torcendo o bigode: – Deixa lá. Tu tomaste Cochim. (Queirós 1983,
vol. 2, 51)
☝🍪
memorando de Lord Salsbury teve a virtude de evidenciar “o respirar, o mover, o
palpitar de um corpo que muitos julgavam morto, gelado, fácil de pisar e talvez de
retalhar”,
Este adverte,
site utiliza no entanto,
cookies e sobre os perigos do nacionalismo exacerbado e inútil em
que as
dá-lhe elites e as
controle classes
sobre populares estavam imersas:
o que
quer ativar
Esse movimento se começa a perder em direções desviadas, transversais, inúteis –
à maneira de uma torrente que, em lugar de correr direita ao moinho para o fazer
trabalhar, se espalha pelos lados em riachos esguios e lentos que bem depressa a
areia suga! (Queirós 1965, 240-241)
20 Na mesma veia, a sua carta a Oliveira Martins de 28 de janeiro de 1890, talvez devido
à sua natureza íntima, revela um Eça muito mais agressivo e em discordância com a
verbosidade discursiva dos seus contemporâneos:
Não estou certo do que deva pensar desse renascimento do Patriotismo, esse
gritos, esses crepes sobre a face de Camões, esses apelos às Academias do mundo,
esses renunciamentos heroicos das casimiras e do ferro forjado, essas joias
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oferecidas à Pátria pelas senhoras, essas pateadas aos Burnays e Mózers, esse
ressurgir de uma ideia coletiva, toda essa barafunda sentimental e verbosa, em
que o estudante do liceu e o negociante de retalho me parecem tomar de repente o
comando do velho Galeão Português. (Queirós 1983, vol. 2, 34)
21 Embora seja possível observar nestas linhas um intelectual que diz “duvidar” da
contribuição oferecida ao problema com o Reino Unido pelas manifestações de
patriotismo dos seus conacionais – manifestações que achava tão inocentes que, sugere,
o país dava a impressão de ser conduzido por um “estudante do liceu” ou um
“negociante de retalho” –, a verdade é que o tom satírico do seu discurso insinua algo
mais do que uma antipatia ingénua pelo “renascimento do Patriotismo”. Acontece que,
talvez por ter vivido desde Paris aquele episódio que feriu “a consciência pública
nacional de um país subitamente acordado para as suas fragilidades” (Reis 2014, 15),
ainda que talvez nisto tivesse mais peso a distância espiritual que caracterizava o seu
pensamento (Piwnik 2012, 43), Eça parece começar a desligar-se ou a localizar-se fora
do conceito de realidade histórica que era convencional em Portugal no final do século
XIX – ou seja, do esquema e das implicações práticas da conceção herculaniana da
história nacional partilhada pelos seus amigos e colegas Antero, Oliveira Martins e
Guerra Junqueiro. No entanto, foi num texto posterior – A Ilustre Casa de Ramires
(1900)6 – que o romancista expressou, de uma forma mas ampla e acabada, a partir de
recursos simbólicos ou metafóricos, a sua distância em relação ao nacionalismo
português contemporâneo e à ideia da história nacional nele implícita. No centro desse
intempestivo distanciamento crítico, Eça destacou a natureza ficcional das
esquematizações ou metanarrações da história nacional.
À sua carta recebida em Bristol, respondo de Londres, onde vim indagar sobre
pedras, nomes de ruas, mobílias e toilettes para a minha Jerusalém. Digo minha –
e não de Jesus, como pedia a devoção, ou de Tibério, como pedia a história –
porque ela realmente me pertence, sendo, apesar de todos os estudos, obra da
minha imaginação. Debalde, amigo, se consultam in-fólios, mármores de museus,
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estampas, e coisas em línguas mortas – a História será sempre uma grande
Fantasia. (Queirós 2008, I, 370)
23 A Ilustre Casa de Ramires não é apenas, como é dito frequentemente, uma sátira do
romance histórico tradicional e ultrarromântico – uma ridiculização da linguagem
arcaica, das reconstruções de espaços, trajes e atitudes medievais, e da inclusão de
enredos amorosos entre cavaleiros e donzelas, característicos de obras tais como
Eurico, o Presbítero, de Herculano (1844); Ódio Velho Não Cansa (1848), de Rebelo da
Silva; ou Novelas Históricas (1869), de Pinheiro Chagas (Pimpão 1972, 561; Earle 1988,
515-519; Marinho 1999, 106; Monteiro 2014, 34). É muito mais do que isso. É
sobretudo uma crítica ao fundamento da consciência romântico-historicista da história
portuguesa, ou seja, à filosofia ou metanarrativa da história nacional subjacente não só
ao romance histórico e à poesia, mas também à historiografia, aos discursos políticos e
aos artigos jornalísticos do período pós-Ultimatum. Todavia, o aspeto mais interessante
do questionamento desenvolvido por Eça neste romance é, sem dúvida, a sua
apresentação: no mais puro estilo irónico (Sacramento 1945, 258), ele configurou-o
como uma ficção que acabou por revelar a própria ficcionalidade – a “grande Fantasia”,
como dizia na carta ao conde de Ficalho – das esquematizações convencionais do devir
histórico português.
24 A fim de compreender esta afirmação, que é, de facto, o principal argumento deste
artigo, é necessário partir de uma breve descrição das características formais que
conferem singularidade a A Ilustre Casa de Ramires. Em primeiro lugar, convém
salientar que se trata de um “romance metadiegético”, ou seja, de um romance que,
como parte da sua trama, envolve a configuração de um outro romance cujo argumento
é, por sua vez, baseado numa estrutura de feitos desenhados por outras narrações (Reis
e Lopes 1998; Pageaux 1990; Monteiro 2014, 34; Reis 2014, 19). Especificamente, o que
encontramos nas páginas do livro é o relato de alguns meses da vida – junho-dezembro
– de Gonçalo Mendes Ramires, fidalgo da velha aldeia de Santa Ireneia, em que se
narra como este último, na sua ânsia de entrar na vida política portuguesa, participa
nas eleições para deputado do círculo de Vila Clara (possivelmente uma localidade do
distrito de Viseu), e procura ganhar prestígio social escrevendo um romance histórico,
A Torre de D. Ramires, estimulado pelo seu antigo colega coimbrão, José Lúcio
Castanheiro, editor de uns Anais de Literatura e de História. É importante notar que
uma boa parte da narrativa do romance principal é dedicada ao processo de escrita do
romance histórico acima mencionado, e que existem também grandes segmentos dos
capítulos do livro que fazem referência direta à narrativa que vai configurando Gonçalo.
Esta última, por sua vez, é um relato dos feitos guerreiros do antepassado medieval do
próprio “Fidalgo da Torre”, Tructesindo Ramires, alferes de D. Sancho I, e que Gonçalo
toma a liberdade de “recuperar” – quase literalmente – de um poema escrito pelo seu
tio Duarte, O Castelo de Santa Ireneia, e de “completá-lo” a partir do recurso à História
de Portugal de Herculano (Queirós 2014, 52, 83, 91).
25
☝🍪
Como se pode ver, A Ilustre Casa de Ramires tem uma estrutura narrativa bastante
complexa, que alguns críticos definem como “figuração poliédrica”. A técnica da
“metadiégesis”
Este site utilizaou de mise-en-abyme
cookies e – a narração dentro de outra ou outras narrações
– parece,
dá-lhe desde
controle o início,
sobre o queconferir ao romance um “rendimento irónico”, dada a sua
queraoativar
referência próprio processo de escrita. Esta ironia é confirmada pela prioridade que
Eça dá às modalidades subjetivistas de enunciação: refiro-me ao pouco peso concedido
à narração heterodiegética – à narração “objetiva” enunciada por um narrador exterior
à ação –, que é apenas usada para dar a informação necessária para desencadear ou
iniciar a ação ficcional, e ao privilégio que outorga à narração de acordo com o ponto de
vista das personagens – principalmente ao que Gonçalo “vê, faz, diz, pensa e até sonha”
(Monteiro 2014, 24).
26 Com estas considerações formais em mente, é possível observar, desde as primeiras
páginas do romance, a crítica de Eça ao esquema da história portuguesa partilhado
pelos seus contemporâneos. Refiro-me à famosa analepse do capítulo I que se segue à
cena introdutória em que Gonçalo, sentado na livraria da sua casa senhorial em Santa
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27 A história familiar dos Ramires e dos seus feitos ligados à história de Portugal,
referida pelo narrador do romance depois deste eloquente preâmbulo, vai desde
Lourenço Ramires, “colaço de Afonso Henriques” e participante na batalha de Ourique,
ao próprio Gonçalo, passando por personagens como Diogo Ramires, lutador em
Aljubarrota; Paulo Ramires, “pajem do guião” que desaparece em Alcácer Quibir
juntamente com D. Sebastião; ou Nuno Ramires, cortesão de D. João V., que esbanja a
fortuna da casa com “sumptuosas festas de Igreja”, entre outros tantos Ramires
(Queirós 2014, 41-42). Este relato, aparentemente recuperado da fictícia História
Genealógica do morgado de Cidadelhe, e que dá a impressão de seguir à letra a
interpretação romântico-historicista da história de Portugal esquematizada por
Herculano – estendendo-se desde o passado medieval supostamente cavalheiresco e
glorioso dos Ramires-Portugal, até aos séculos mais recentes em que, “como a nação,
degenera a nobre raça” (Queirós 2014, 42) –, não pode ser lido sem reconhecer a sua
tonalidade irónica (Piwnik 2012, 35).
28 Vários exemplos podem ser apontados. De Lourenço Ramires, chamado “o Cortador”
– talvez antecipando, com este cognome, a observação mordaz que mais tarde no
romance, mas na voz de Gonçalo, é feita sobre o provável “avô carniceiro” de qualquer
fidalgo (Queirós 2014, 238) –, Eça diz que durante a batalha de Ourique “também
avista Jesus Cristo sobre finas nuvens de ouro, pregado numa cruz de dez côvados”. De
Diego Ramires, “o Trovador”, assinala que, através da sua espada, o pendão real de
Castela cai em Aljubarrota – aquele pendão no qual, ao fim da batalha, o seu irmão de
armas, D. Antão de Almada, “se embrulha para o levar, dançando e cantando, ao Mestre
de Avis”. No auge da época em que “Portugal se faz aos mares”, refere sobre o capitão
do Golfo Pérsico, Baltasar Ramires, que, embainhado na sua “pesada armadura”,
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afunda-se “hirto” e em silêncio durante o naufrágio do Santa Bárbara. Do período
bragantino, conta como Inácio Ramires, que acompanha D. João como “reposteiro
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faz fortuna e negreiro, perde tudo para um velho frade capuchinho e
como
dá-lhe controle sobre o que
morre no seu solar de uma “cornada dum boi” (Queirós 2014, 40-42). Ao contrário dos
quer ativar
seus predecessores historicistas, o narrador desta analepse desenvolve, de facto, uma
paródia subtil que remove o ar de seriedade, seja este épico ou trágico, dos episódios
mais relevantes do referido esquema histórico, dando-lhes em vez disso uma tonalidade
satírica.
29 Contudo, a analepse do capítulo de abertura de A Ilustre Casa de Ramires não é o
único trecho onde encontramos a apreciação satírica de Eça sobre a história
portuguesa. Existem outras secções em que ele ironiza principalmente em relação
àquele período medieval que, como já vimos, não só os ultrarromânticos, mas também
os seus colegas da Geração de 70, concebiam como a quintessência do heroísmo
português, capaz de fazer sair o país do seu declínio secular. É verdade que aquele
passado é constantemente lembrado, sobretudo pela voz e o pensamento da
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Mas agora, abandonada a banca onde tanto labutara, não sentia o contentamento
esperado. Até esse suplício do Bastardo lhe deixara uma aversão por aquele
remoto mundo afonsino, tão bestial, tão desumano! Se ao menos o consolasse a
certeza de que reconstituíra, com luminosa verdade, o ser moral desses avós
bravios… Mas quê! Bem receava que sob desconsertadas armaduras, de pouca
exatidão arqueológica, apenas se esfumassem incertas almas de nenhuma
realidade histórica… Até duvidava que sanguessugas recobrissem, trepando dum
charco, o corpo dum homem, e o sugassem das coxas às barbas, enquanto uma
hoste mastiga a ração!... Enfim, o Castanheiro louvara os primeiros capítulos. A
multidão ama, nas Novelas, os grandes furores, o sangue pingado: e em breve os
Anais espalhariam por todo o Portugal, a fama daquela Casa ilustre, que armara
mesnadas, arrasara castelos, saqueara comarcas por orgulho e pendão, e afrontara
arrogantemente os Reis na cúria e nos campos de lide. (Queirós 2014, 341-342)
30 Como este extrato mostra, por um lado, Gonçalo não só considera o passado afonsino
“bestial” e “desumano”, mas até duvida da sua realidade, isto é, que a morte do
Bastardo tenha ocorrido como o seu tio e Herculano tinham registado; por outro lado,
ele é notoriamente orgulhoso dos seus heroicos antepassados que enfrentaram
“arrogantemente os Reis na cúria e nos campos de lide”. Eça faz, pois, coincidir numa
mesma mente, duas posições em relação ao passado medieval – desprezo e exaltação –,
dando assim lugar à perceção de uma conceção ambígua ou irónica da história. Mas o
passado medieval não é o único período da história portuguesa sobre o qual vemos Eça
ensaiar a representação de pontos de vista ou interpretações contraditórias que
eliminam as pretensões autoritárias dos discursos históricos unívocos e ideológicos
(Kellner 1989, 117). Outro exemplo desta “multivocalidade” está numa das cenas finais
de A Ilustre Casa, aquela em que Titó, Gracinha, Videirinha e o administrador João
Gouveia, por ocasião do regresso esperado de Gonçalo da sua aventura na Zambézia,
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discutem a questão do império português em África. Assim, enquanto pela voz de
Gracinha contemplamos uma verdadeira atualização dos elogios históricos
convencionais
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cookies e portuguesas de além-mar do século XVI – “O quê!
vender
dá-lhe o que tanto
controle custou
sobre a ganhar, com tantos trabalhos no mar, tanta perda de vida e
o que
fazenda” –, através
quer ativar da do administrador João Gouveia participamos numa completa
ridicularização daquelas mesmas empresas – “Quais trabalhos, minha senhora? Era
desembarcar ali na areia, plantar umas cruzes de pau, atirar uns safanões aos pretos…
Essas glórias de África são balelas. Está claro, V. Ex.ª fala como fidalga, neta de
fidalgos. Mas eu como economista. E digo mais…” (Queirós 2014, 370).
31 Com base nas estratégias ficcionais de índole irónica analisadas até este momento o
esquema convencional da história portuguesa é relativizado, revelando assim a sua
ficcionalidade, ou seja, a sua natureza como uma perspetiva entre outras possíveis. Em
resumo, as ditas estratégias são: (1) a metadiégese que permite observar os mecanismos
de elaboração tortuosa, e até plagiária, de um romance histórico; (2) a analepse
paródica dos episódios da história de Portugal em que os Ramires participaram; e (3) a
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3. Conclusão
33 Extrapolando para o caso português o modelo do “desenvolvimento ontogenético da
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consciência histórica” de Jörn Rüsen (2005, 9-39), proposto por este último para
compreender a transição da consciência histórica pré-moderna para a moderna durante
o século XIX, poder-se-ia postular que o pensamento do “último Eça” (Monteiro 2014,
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7 constitui a fase “crítica” na história da consciência histórica portuguesa
15-16)controle
dá-lhe sobre o que
moderna. No período pós-Ultimatum existia uma “narrativa-mestra” da história
quer ativar
portuguesa que, afirmando a continuidade essencial entre a realidade social do passado
medieval e o presente liberal-constitucionalista, e sendo replicada por um grande
número de políticos, poetas e historiadores – entre eles Pinheiro Chagas, Antero de
Quental, Oliveira Martins e Guerra Junqueiro –, tinha adquirido o estatuto de
“tradicional” e “exemplar”. Esta metanarrativa romântico-historicista esquematizava a
história portuguesa em três fases: em primeiro lugar, uma época medieval concebida
como o berço daquele vigoroso e heroico “carácter nacional” que levara um povo a olhar
para além das costas ocidentais da Europa; a seguir, um período de três séculos, onde o
ser nacional quase tinha perecido sob o absolutismo, a corrupção e a decadência; e
finalmente, uma época presente liberal-democrática que, embora representando um
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Notas
1 Intimação que o governo britânico fez a Barros Gomes – ministro dos Negócios Estrangeiros do
governo progressista de José Luciano de Castro – para que as forças portuguesas sob as ordens
do governador de Moçambique, o major Serpa Pinto, se retirassem dos territórios dos Macololos,
do Chire e da Maxonalândia (atuais Zâmbia e Zimbabué).
2 O “Terceiro Império Português” insere-se na fase crucial do novo imperialismo europeu em
África, impulsionado pela descoberta de depósitos de diamantes na África do Sul (1869) e de ouro
no Transvaal (1873).
3 Existiu nessa altura uma outra interpretação da história portuguesa discordante com a
conceção herculaniana. Trata-se da que promoveram figuras como Rebelo da Silva e Pinheiro
Chagas. Consistente com o projeto do império transafricano, essa ideia procurava esbater a
imagem da decadência de três séculos que se seguiu à expansão ultramarina, enfatizando os
valores históricos que a tornaram possível: o espírito aventureiro, a propensão para a emigração,
e a vocação marítima e universalista (Matos 2008, 98).
4 Embora seja verdade que Oliveira Martins teve uma conceção mais positiva das descobertas
ultramarinas, a sua esquematização da história portuguesa manteve marcantes características
herculanianas. Tal como o mestre, Oliveira Martins (1887, 10; 1891a, XII) dividiu a história
portuguesa em duas fases: o período ascendente da Idade Média – culminando nas descobertas –
e o período absolutista moderno “decadente” (Matos 1998, 248). Algo semelhante pode ser dito
de Antero (2008, 38-39).
5 Na terceira edição da sua História de Portugal e no seu “Prólogo“ a Camões, Os Lusíadas e a
Renascença em Portugal, Oliveira Martins (1887, 9-10; 1891, X-XII) foi também crítico do
patriotismo retórico e passadista do período pós-Ultimatum. No entanto, Eça foi muito mais
longe do que o seu colega na sua ironia para com os discursos patrióticos.
6 A Ilustre Casa de Ramires foi publicada em 1900, editada por Júlio Brandão. Antes dessa
época, entre 1897 e 1899, nove capítulos e meio do romance tinham aparecido nas páginas da
Revista Moderna. Todavia, sabe-se que, desde 1890 e 1891, Eça tinha anunciado a obra na
Revista de Portugal editada por ele próprio em Paris. Ao longo da década de 1890, o romance vai
crescer ao lado de obras como A Correspondência de Fradique Mendes, A Cidade e as Serras,
José Matias ou São Cristóvão.
7 A última fase da carreira literária de Eça de Queirós, que corresponde à escrita de livros tais
como A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras.
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Referência eletrónica
Ricardo Ledesma Alonso, «A ficção da história nacional portuguesa em A Ilustre Casa de
Ramires», Ler História [Online], 81 | 2022, posto online no dia 12 dezembro 2022, consultado no
dia 28
Este junho
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e DOI:
https://doi.org/10.4000/lerhistoria.11026
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Autor
Ricardo Ledesma Alonso
Universidad Nacional Autónoma de México, México
ricardoledesmaalonso@comunidad.unam.mx
Direitos de autor
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https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
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