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OPSIS, Catalão, v. 10, n. 1, p.

55-73, jan-jun 2010

DIVERSIDADE E PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO:


UM DEBATE SOBRE RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
E DE GÊNERO

DIVERSITY AND IDENTITY: A DISCUSSION ON


ETHNICITY, RACE AND GENDER

Luciana de Oliveira Dias1

Resumo: Neste texto duas categorias Abstract: This text discusses diversity
conceituais contribuem para uma and identity. These two conceptual
melhor compreensão de fenômenos categories contribute to better
socioculturais em contextos de pós- understand the social and cultural
modernidade, quais sejam: diversidade phenomena of post modernity. The
e identidade. O sujeito que empresta black woman is the guy who gives
sua cosmovisão para pensarmos his ethos to think about ethnic and
sobre relações étnico-raciais e de racial and gender discrimination.
gênero enquanto elementos These relationships are thought of as
constitutivos de processos de components of identification
identificação e diversidade é a mulher processes and diversity. In Brazil, the
negra. No Brasil, sobretudo pelas black woman has been investigated
Ciências Sociais, a mulher negra tem mainly by the Social Sciences, as a
sido abordada como duplamente social being doubly stigmatized by
estigmatizada por ser portadora de having signs of inferiority related to
signos de inferioridade relacionados gender and race. Some of the
ao gênero e à raça. Alguns dos questions led to the production of
questionamentos que motivaram a the text presented here, these
produção do texto ora apresentado questions are: What is the specificity
são: Qual a especificidade da mulher of black women in Brazil? What are
negra no Brasil? Quais suas your chances of transit between
possibilidades de trânsito entre identity categories? What are the
categorias identitárias? Quais os social, cultural and political
mecanismos socioculturais e políticos mechanisms that are indicators of
indicadores de processos de re- processes of new signification of
significação de pertencimentos? belongings?
Palavras-chave: Diversidade, Key-words: Diversity, Identity,
Identidade, Étnico-racialidade e Ethnicity, Race and Gender.
Gênero.

_____________________________________________________
1
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília – UnB. Antropóloga
e professora da Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão. Pesquisadora
das relações étnico-raciais e de gênero em perspectiva comparada e interamericana.
E-mail: lucianadeoliveira99@hotmail.com

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Apresentação

Diversidade e identidade são categorias conceituais que


contribuem para uma melhor compreensão de fenômenos socioculturais
em contextos de pós-modernidade e serão exploradas reflexivamente
neste artigo. A complexidade das relações socioculturais experimentadas
contemporaneamente demanda por um aprofundamento reflexivo que
busque uma compreensão mais ampliada das relações sociais e políticas
baseadas nas diferenças e dessemelhanças. Essa complexidade está
associada às sociedades contemporâneas, denominadas por Boaventura
de Sousa Santos (2008), dentre outros, de pós-modernas, e a um sistema
mundial que passa por profundas transformações sociais reivindicando,
por sua vez, um refinamento, ou redefinição, de teorias e conceitos.
Inicialmente vale elucidar que uma apreensão da diversidade implica em
consideração das diferenças como construções culturais, nesse sentido
as diferenças são empiricamente observáveis. Complementar a essa
pressuposição, Nilma Lino Gomes (2003) destaca também a necessidade
da consideração das diferenças como fenômenos construídos ao longo
de processos históricos, nas relações sociais e de poder, enquanto
instrumentos de dominação.
Ao tomarmos como ponto de partida para a discussão esses
dois pressupostos nos deparamos com um desdobramento compreensivo
em que debater sobre diversidade cultural não significa apenas o
reconhecimento do “outro”, ou da existência do “outro”, mas deve
provocar processos em que seja possível repensar a relação estabelecida
entre o “eu” e o “outro”. Uma consideração pura e simples da existência
do “outro” e de sua diferença indica uma centralidade da atenção
insistentemente voltada para o “grupo do eu”, a “história do eu”, o
“povo do eu”. Deste paradigma, a relação que se institui é pautada pela
oposição semelhanças / diferenças. Não é demais lembrar que é grande
a tendência à hierarquização quando usamos esse par de oposições
binárias nos processos de compreensão das alteridades. Importante
afirmar nestes instantes preliminares do artigo que as alteridades
pressupõem diferenças relativas (PEIRANO, 1999, p.3), bem como
interação e interdependência entre os indivíduos. Desta forma, é redutora
uma apreensão da diversidade meramente enquanto oposição entre
semelhanças e diferenças.
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Essa tendência compreensiva, ampla e corriqueiramente


encontrada mesmo nas academias e espaços de produção de
conhecimento, tem dado margem ao etnocentrismo. Nem sempre o
diferente nos encanta até mesmo pela nossa potencialidade etnocêntrica,
ele nos assusta. Todavia, ao mesmo tempo nos desafia a olharmos para
nós mesmos. Embora saibamos que todos os grupos humanos
apresentem inclinações para posturas etnocêntricas, como bem nos
adverte Roque de Barros Laraia (2006), é fundamental não esquecermos
que o etnocentrismo resguarda uma intensa dificuldade em pensarmos
a diferença. Uma postura etnocêntrica ameaça e fere a própria identidade
cultural do “eu” e a hierarquização daí decorrente acaba por reforçar
formulações ideológicas em que as diferenças se convertem em juízos
de valor, ou em desigualdades que nada mais são que as diferenças
apresentadas de maneira hierarquizada. Para contrapor ao etnocentrismo,
a antropologia desponta com a proposta de relativismo cultural que
favorece a compreensão das identidades menos como uma questão de
essência e mais como uma questão de posição e conduta. Da mesma
forma, a antropologia apresenta uma demanda por refletir de maneira
mais densa sobre as particularidades de grupos socioculturais em suas
diversidades.
Ante a aceitação do desafio de repensar a relação entre o “eu”
e o “outro”, ou melhor, a alteridade, o foco reflexivo adquire outra
centralidade, qual seja a relação, a interação, a intersubjetividade, para
usarmos o termo e a compreensão apresentada por Clifford Geertz
(1989). Importante destacar, ainda em concordância com o mesmo
Geertz, que a intersubjetividade favorece a relação dialógica mantendo
seu traço objetivo em que o conhecimento é construído a partir da
mediação entre as subjetividades dos atores envolvidos em uma trama
cultural específica. Para uma apreensão conceitual e reflexiva da
diversidade há que se considerar a dimensão da relação estabelecida
entre os indivíduos e pensar as interações enquanto abrigando sujeitos
agentes que são produtos e produtores de processos históricos,
socioculturais e políticos. Assim sendo, mais que um elogio às diferenças
o que se pretende é assumir a diversidade cultural para favorecer posturas
críticas e questionadoras de situações de opressão vivenciadas por sujeitos
subalternizados.

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Objetivando seguir nos caminhos inicialmente propostos, a


sugestão apresentada neste instante é a de adentrar no debate sobre as
identidades por serem elas relacionais, simbólicas e marcadas pela
diferença (BHABHA, 1998; SILVA, 2000). Enfatizamos a intensa
porosidade que é característica dos elementos acionados para a
consolidação das identidades tornando-as flutuantes e móveis. Como
ressalta Boaventura de Sousa Santos (2008, p.135) as identidades “são
resultados sempre transitórios e fugazes de processos de identificação”.
Desta forma, ainda que as identidades congreguem elementos como os
pertencimentos, elas não se descaracterizam enquanto locus em que
acontecem constantes negociações de sentidos e de significados, sempre
marcados pelas múltiplas vozes, posicionamentos e temporalidades.
Até mesmo identidades aparentemente mais cristalizadas como
aquelas atreladas a um pertencimento, que é muitas vezes tomado como
fixo, contam com essa maleabilidade de que se fala. Para melhor
compreensão basta frisarmos, com o intuito de assegurar a clareza
conceitual, que os pertencimentos são construções socioculturais em
que são articulados elementos estéticos, psicológicos e ideológicos, além
de sincrônicos e diacrônicos (OLIVEIRA DIAS, 2004). Assim sendo,
também os pertencimentos resguardam uma dimensão fluida, dinâmica
e, sobretudo não natural, mas inerentemente social, cultural, histórica,
política, geográfica etc. Destas perspectivas conceituais fica mais viável
um debate sobre processos de identidade e diversidade que marcam as
relações étnico-raciais e de gênero no Brasil.

1. Por uma abordagem das identidades

As Ciências Sociais apresentam compreensões variadas do que


seja identidade, bem como dos fenômenos que estão envolvidos nos
processos de construção identitária, contudo apresentam pontos
convergentes. Um desses pontos de convergência encontra-se na
advertência de que qualquer tendência à naturalização, cristalização ou
essencialização das identidades deve ser evitada, sem perder a
compreensão de que as identidades são marcadas pela diferença, além
de serem também relacionais e simbólicas. Portanto, ainda que as
identidades estejam sujeitas à dinâmica de sistemas classificatórios, é
importante destacar seu potencial de criação e recriação constantes, já
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que contam com elementos compostos por sentidos que compreendem


signos deslizantes (BHABHA, 1998). A concepção de que as identidades
são híbridas e marcadas pela diferença, embora esbarre o ululante,
subverte uma compreensão de identidades inscritas somente no signo
da semelhança, abrindo espaço para as pluralidades de categorias
identitárias que transitam todo o tempo.
Stuart Hall (Apud, SILVA, 2000, p.112) explica as identidades
como construções discursivas e uma efetivação de um “colamento”,
ou uma espécie de “sutura”, do sujeito às estruturas de significação.
Esse autor sugere que a identificação é uma prática de significação
que indica “pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que
as práticas discursivas constroem para nós” (HALL, Apud, SILVA,
2000, p.112, grifo nosso). O dinamismo intrínseco aos processos de
identificação é ratificado ao considerarmos seus aspectos conjunturais
e deslizantes, bem como as especificidades culturais e históricas nas
quais se inserem. A hibridez das identidades assim construídas define
uma condição global extremamente cosmopolita o que nos aproxima
mais uma vez da acepção apresentada por Santos (2008), esta que
gravita em torno da pós-modernidade como caracterizadora do sujeito
contemporâneo. As identidades ao mesmo tempo em que permitem
ao indivíduo uma localização sociocultural e política, dissolvem certezas,
instaurando dramaticidades que favorecem os trânsitos por entre
fronteiras simbólicas. Compreendidas desta forma, os processos de
identificação mais que destacar as homogeneidades enfatiza as
heterogeneidades.
Homi Bhabha (1998) discute a necessidade de forçar os limites
do social visando abarcar interstícios, interpretando narrativas de
intersubjetividades originárias e iniciais e pinçando processos produzidos
na articulação de diferenças socioculturais. É nesses lugares em que
noções como a de deslizamento estão presentes, e que Bhabha chama
de “entre-lugares”, que se iniciam novos signos de identidade e todas
as nuances que eles implicam, tais como negociações de valores culturais,
de interesses comunitários, e também iniciativas de colaboração ou
contestação. O entre-lugar proposto por Bhabha pode ser entendido
como resultante de temporalidades não-sincrônicas das culturas nacionais
e global (ou globais, caso se considere a “glocalidade” singular de cada
ponto na rede de fluxos globais) que abrem um espaço cultural, ou
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uma espécie de “terceiro espaço”, no qual as diferenças podem ser


dramatizadas, negociadas ou traduzidas.
Os processos de identificação, a partir das subalternidades que
resguardam um espaço para a ancoragem de estereótipos, produzem,
na contemporaneidade, uma ambivalência. Essa ambivalência faz com
que os sujeitos ao mesmo tempo em que reivindicam um pertencimento
capaz de incluí-los em contextos socioculturais e políticos como
portadores de direitos, provoquem fissuras nas políticas de oposições
binárias e rígidas das identidades. Estaríamos falando de um processo
de desconstrução da subalternização transformando-a em relação de
reciprocidade em que acontece uma espécie de mudança de paradigmas
de entendimento e de ação a partir da constituição das identidades?
Somente com o um avanço reflexivo poderemos pensar melhor sobre
essa questão, por hora adiantamos que, em geral, em momentos em
que se introduz o inusitado, o inesperado, acontece uma exigência de
mudança de reflexão, bem como a consideração de elementos conceituais
e analíticos inovadores.
Com relação às subalternidades, destacamos que estamos fazendo
referência à produção de identidades interiorizadas que se constroem e
são enunciadas pelos indivíduos a partir de uma perspectiva do
“colonizador”. Assim sendo, a subalternização pode ser entendida como
“complexos germinados no seio da colonização” (FANON, 1983, p.27).
Os indivíduos que reivindicam identidades, ou, melhor dizendo, e como
afirma Frantz Fanon (1983), os indivíduos que acionam processos de
identificação têm como local de fala a subalternização, em que há espaço
para a fixação de estereótipos. O sujeito que aciona uma identidade é
o sujeito que se pensa e se situa – ou ainda, que é pensado e situado,
já que a identidade requer também o exterior que a constitui – como
subordinado. O que se destaca aqui, pensando em contextos
contemporâneos em que a descentralização e o deslocamento dos sujeitos
são desafios reflexivos constantes, é que é na re-articulação da relação
entre sujeitos e práticas discursivas, ou nos entre-lugares, que questões
relacionadas às identidades são re-instauradas e aparecem plenas de
sentido e como suscetíveis de atribuição de significados.
Importante salientar que as identidades são processos nunca
acabados, estão sempre sujeitas a discursividades, temporalidades e
territorialidades. E também que um fechamento desses processos é
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dramatizado e enunciado pelos indivíduos ao reconhecerem uma origem


comum ou ao partilharem características com grupos ou pessoas, gerando
uma solidariedade ou uma fidelidade. Contudo, ao analisar as
dramatizações e os enunciados identitários é fundamental a compreensão
de que essas práticas de significação estão em constante processo de
mudança e transformação. Desta forma, “embora tenha suas condições
determinadas de existência, o que inclui os recursos materiais e
simbólicos exigidos para sustentá-la, a identificação é, ao fim e ao cabo,
condicional; ela está, ao fim e ao cabo, alojada na contingência. Uma
vez assegurada, ela não anulará a diferença” (HALL, Apud, SILVA. 2000,
p.106).
Fundamental advertir que o sujeito - mesmo o pós-colonial que
se inscreve em uma geografia do mundo de forma a problematizar
constantemente as noções de espaço, de tempo e de sujeito - não é
indeterminado. Certo é que não é adequado tomá-lo a partir de
estratificações essencialistas, contudo não há como desconsiderar que
esse sujeito em algum momento enuncia: “Eu sou”. Reflexões sobre
espaços de existência e seus processos de identificação, ou de construção
de posições de sujeito, implicam em reflexões sobre narrativas de
fenômenos contemporâneos e em discussões sobre cultura como
significação. Ora, as identidades, desta forma, fazem jus à compreensão
apregoada por muitos (BUTLER, 2003; CANCLINI, 2003; HALL, 2003;
CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000; BHABHA, 1998, dentre outros) de
que este é um fenômeno sociocultural, histórico e político que apresenta
(des)caminhos e que é dinâmico, híbrido e passível de ser tomado como
objeto de estudo das ciências sociais e humanas.

1.1. Étnico-racialidade em contexto

O contato cultural, a interação e a mobilidade das pessoas,


possibilitam que os indivíduos lancem mão de suas características
simbólicas para a manutenção de sua coesão enquanto grupo.
Considerando que os processos de identificação são enunciados em
espaços de interação, a necessidade de diferenciação constitui um traço
fundamental para a instituição de uma identidade étnica nos grupos.
Roberto Cardoso de Oliveira (1998) em seus ensaios sobre identidade,
etnia e organização social procura dimensionar o significado de
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fenômenos socioculturais classificados como etnicidade. Esse


antropólogo destaca que há uma relação muito próxima entre etnicidade
e antropologia. Essa proximidade em alguns casos conduziu inclusive a
uma espécie de
reinvenção da disciplina em espaços marcados por
antagonismos étnicos, quando deles sequer a disciplina
consegue ficar incólume. A esse cenário é que se aplica o
termo etnicidade, a ser tomado aqui como tendo por referente
um espaço social, interno a um determinado país, onde as
etnias existentes mantêm relações assimétricas (CARDOSO
DE OLIVEIRA, 1998, p.136, grifo do autor).
Roberto Cardoso de Oliveira (1998), citando Abner Cohen,
destaca ainda que etnicidade é uma forma de interação entre grupos
culturais diferentes e assimétricos que operam dentro de contextos sociais
comuns. Desta perspectiva é possível pensar as interações entre
indivíduos e grupos de indivíduos negros e não negros na sociedade
brasileira, caracterizando esses primeiros como grupos étnico-raciais. As
reflexões de Cardoso de Oliveira são ampliadas ao considerar que “pelo
menos uma dessas etnias desfrutaria de um poder emanado de um
Estado, de cuja constituição tal etnia participaria de forma majoritária”
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998, p.136). Estas reflexões são
fundamentais para compreender fenômenos socioculturais ancorados nas
idéias de identidades étnicas, ou étnico-raciais, tais quais os apresentados
neste texto. A assimetria consolidada sobre a noção de étnico-racialidade
permite a visualização de grupos desigualados, sendo um deles
inferiorizado politicamente e subalternizado social e culturalmente.
Neste artigo a opção foi pela utilização do termo étnico-
racialidade porque ele permite articular uma compreensão necessária
que esteja vinculada à etnicidade, sem, contudo, abandonar, ou negar, a
noção de raça. Vale lembrar que contemporaneamente raça ainda é uma
categoria nativa ordenadora das relações sociais que se estabelecem entre
os indivíduos na sociedade brasileira como um todo. Ora, se, ainda
hoje, raça tem orientado ações individuais e coletivas no Brasil, nada
mais coerente que considerar esta categoria nativa como também uma
categoria conceitual e analítica. Assim sendo, quando falamos em étnico-
racialidade o empenho é por contemplar e abranger uma quantidade
maior de elementos subjetivos que, cognitivamente, orientam ações,

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ordenam a realidade vivida e colaboram para a consolidação e re-


significação de identidades.
Vale elucidar que a racialidade é um fenômeno que congrega
pertencimentos étnico-raciais ligados a uma cultura específica, e também
uma construção mental que expressa uma experiência de dominação
colonial. A racialidade, conforme discutida por Walter Mignolo (Apud
LANDER, 2005, p.80), representa “o ponto de articulação do imaginário
construído no – e a partir do – circuito comercial do Atlântico [...] Foi
com – e a partir do – circuito comercial do Atlântico que a escravidão
se tornou sinônimo de negritude.” Destaque-se que é sobre a base da
idéia de raça que as populações da América são classificadas, é esse o
elemento constitutivo que inaugura as relações entre conquistadores e
conquistados nas Américas em que “uma supostamente distinta estrutura
biológica [...] situava a uns em situação natural de inferioridade em relação
a outros” (QUIJANO, Apud LANDER, 2005, p.228). Daí a importância
em apreender essas noções que contemporaneamente orientam ações
individuais e coletivas nos mais variados grupos e não somente no Brasil.
Contextualizado o leitor deste artigo, o convite agora é
pensarmos a possibilidade de identidades negras. Obviamente, que ao
falarmos em negritude não estamos aqui acorrentados a uma concepção
essencialista ou naturalizada, mas reafirmamos que estamos optando
pela étnico-racialidade enquanto fenômeno que pode ser acionado pelos
indivíduos para a consolidação de identidades. Tanto as auto-identidades
quanto as identidades atribuídas (GOMES, 2003) operam com a étnico-
racialidade. Chamamos a atenção para o fato de que os signos associados
a uma identidade negra são majoritariamente estigmatizados e até mesmo
quando sua apresentação é positivada, necessário se fez uma espécie de
reconstrução, ou re-significação de signos estigmatizados de identidade.
Em consonância com Goffman (1982, p.13), relembremos que estigma
é “um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo”.
A partir do que foi exposto até aqui, é importante reconhecer
que ainda que passíveis de re-significação, as identidades negras no Brasil
tem se inserido em um contexto compreensivo marcado pela associação
entre atributo e estereótipo, gerando uma insistente aproximação entre
negritude e estigma. Essas identidades quando construídas e enunciadas
explicitam um conflito racial instaurado no Brasil. Não negamos aqui a
miscigenação que caracteriza a população brasileira, todavia destacamos
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que ela não anula as desigualdades sedimentadas nas relações entre


opressores e oprimidos, entre discriminados e discriminadores, entre
um modelo que remete à superioridade dos brancos em detrimento da
inferioridade dos negros. O que se evidencia em decorrência da
miscigenação tal qual acontecida no Brasil é a construção de uma
gradação imensa de cores. Essa gradação é responsável pela classificação
vertical de indivíduos que são alocados diferentemente a depender de
sua cor ou traços, indo do tom mais claro localizado no topo de uma
escala hipotética até o tom mais escuro na base da mesma escala.
Importante destacar que a inferiorização, via hierarquização do outro é
condição básica para a sustentação de uma ideologia racista.
Ao observarmos interações raciais nos mais variados espaços
de socialização podemos notar ações e reações – não somente individuais,
mas também institucionais, haja vista os arranjos institucionais que
restringem a participação plena em determinados espaços de
determinados grupos raciais – que condenam, rotulam e aprisionam
pessoas negras em uma espécie de teia de preconceitos. As interações
acontecidas nos espaços escolares, por exemplo, tem demonstrado o
quanto discriminações raciais contra pessoas negras no Brasil
transparecem nas ações, sejam elas conscientes ou não. (CASTRO &
ABRAMOVAY, 2006). Chamamos a atenção neste ponto para o caráter
institucional que pode adquirir o racismo. Neste sentido, a escola, que
teria uma importância estratégica por ser uma instituição que deveria se
empenhar no combate ao racismo, promoção dos direitos humanos e
emancipação dos sujeitos subalternizados, acaba por reproduzir situações
de racismo, preconceito e discriminação racial. O que pode ser
visualizado em última instância a partir daquela instituição é uma redução
de possibilidades de mobilidade educacional de estudantes negros.
(CASTRO & ABRAMOVAY, 2006, p.22).
Retomemos as discussões sobre identidades enfatizando, já que
consideramos anteriormente a possibilidade de uma auto-identidade, que
uma identidade consolidada pelo acionamento de signos que remetem a
um pertencimento étinico-racial pode ser construída também como um
instrumento de mobilização política. Nesse último contexto, a tentativa
de indivíduos que “precisam de identidade” (SILVA, 2000, p.125) seria
de busca por superação de uma situação vivida, esta que envolve práticas
discriminatórias que são responsáveis pela marginalização e
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empobrecimento das pessoas negras no Brasil. Assim sendo, o racismo


enquanto ideologia arraigada no colonialismo pode desencadear também
processos de re-significação em que as identidades sejam constituídas
enquanto importantes elementos não somente de pertencimento, mas,
sobretudo de mobilização política. Contemporaneamente, a étnico-
racialidade tem sido apropriada discursiva e simbolicamente por sujeitos
mobilizados em torno de reivindicações, ou denúncias, com teor
marcadamente político.

1.2. Relações de gênero e as muitas faces da opressão

O que chamamos aqui de identidade de gênero pode ser


entendido como signos de feminilidade ou masculinidade sendo
acionados enquanto elementos constitutivos de uma identidade.
Preliminarmente lançamos luz sobre uma compreensão superficial que
toma gênero como um equivalente cultural do sexo, este entendido
rapidamente como uma categoria unicamente natural. Judith Butler (2003)
chama a atenção para o perfil compulsório desta ordem, e critica o
questionamento que interroga sobre a possibilidade de encontrarmos
um sexo natural anterior à cultura. Essa filósofa pós-estruturalista
estadunidense assevera que o sexo pode ser entendido como uma criação
posterior que justificaria a opressão às mulheres, por seu gênero. Estes
construtos (sexo e gênero), por sua vez, seriam “uma repetição estilizada
de atos” passíveis de desconstrução. Um processo de desconstrução da
concepção de gênero, que se dá a partir do desmonte da estrutura binária
sexo/gênero, conduziria, para Butler, a uma possibilidade de emancipação
dos sujeitos, sobremaneira das mulheres.
Elucidados esses pontos torna-se menos essencializador falamos
a partir desse instante reflexivo em identidade de mulher, destacando
que os signos de feminilidade associados a um ser mulher são
estigmatizados na sociedade brasileira como um todo. O pressuposto é
que as mulheres, por serem mulheres, são inferiores, detêm menos
prestígio que os homens e menor poder de tomada de decisão, conforme
discutido por Rita Segato, Judith Butler, Iris Youg, Bell Hooks etc.
Centrando nossas reflexões nas relações pautadas por diferenças entre
homens e mulheres, somos conduzidas a concordar que a “opressão
tem muitas faces” (YOUNG, 1990, 38), uma das quais é a subalternização
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das mulheres pela detonação de processos discriminatórios, inferiorizantes


e opressores.
As expectativas com relação ao desempenho dos papéis de
gênero se frustram quando estes são “mal executados”, e essa frustração
induz a uma punição severa daquelas que executam mal seu papel
(IRIGARY, 1985). Pensando particularmente na sociedade brasileira e
no modelo de relações de gênero estabelecido, não faltam exemplos de
discriminação às mulheres que “ousam” ocupar espaços tradicionalmente
consolidados como masculinos. O Fundo de Desenvolvimento das
Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), dentre tantos outros
organismos e institutos de pesquisa, aglutina uma grande quantidade de
dados que demonstram como a superação do sexismo é necessária para
a emancipação das mulheres. Mulheres são cotidianamente violentadas,
oprimidas, silenciadas, submetidas, inferiorizadas por serem mulheres
que transitam em instâncias construídas como espaços masculinos. Basta
tomarmos como exemplo as mulheres que ocupam o espaço público,
de voz, de comando, de chefia e de tomada de decisão, afastando-se da
casa, contestando o silenciamento e subvertendo a subserviência.

2. Mulher negra no Brasil: tensão e instituição de identidades

Os sujeitos sociais operam com categorias compreensivas e de


entendimento, que uma antropologia bem aplicada permite interpretar
como categorias nativas, sendo que estas possibilitam compreender a
lógica de um sistema cultural. Marcel Mauss (1974) nos lembra que as
categorias são princípios de juízos e de raciocínios não necessariamente
explicitados pelos indivíduos, mas constantemente presentes na
linguagem. Desta perspectiva os hábitos conformadores de consciência,
eles próprios muitas vezes inconscientes aos indivíduos, podem ser
apreendidos de maneira criteriosa para a compreensão de um ser.
Reflexões deste teor habilitam a apreensão da categoria “mulher negra”
enquanto sujeito de análise. Concomitante a essa justificativa destacamos
que a sociedade brasileira como um todo não hesita no reconhecimento
desse sujeito social em suas especificidades e particularidades.
A consolidação de uma identidade de mulher negra no Brasil
hoje, enquanto auto-identificação, ou até mesmo atribuição, expressa,

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dentre outras questões, uma tensão. Essa tensão diz respeito à étnico-
racialidade altamente estigmatizada que demanda por profundos
processos de re-significação para que seja minimamente positivada. Assim
como acontece com os sujeitos negros no Brasil, a mulher negra
despende grande esforço identitário para que a tensão gerada pelo seu
ser não resvale em sua auto-estima reduzindo, ou mesmo inviabilizando,
possibilidades de interações mais equânimes. O complicador desse
esforço identitário unilateral é que mais uma vez recai sobre os ombros
do sujeito subalternizado a responsabilidade total pela reversão de uma
situação de opressão na qual foi inserido de forma inferiorizada. Como
destaca Oliveira Dias (2004), a desconstrução de situações de opressão,
marginalização e subalternização deve ser um empreendimento de todos
os sujeitos que estejam envolvidos em uma trama social. Fanon (1983)
nos lembra que é necessário descolonizar mentes e corações de todos,
já que todos são responsáveis pelas padronizações ordenadoras das
relações socioculturais instituídas.
Conforme destacado anteriormente, a mulher negra pode ser
entendida como um sujeito social que concentra em si signos identitários
duplamente estigmatizados. Desta forma, ao consolidar essa identidade,
além de ter que operar com processos de re-significação da raça, a
padronização das relações de gênero institui o peso de ser mulher.
Historicamente associada ao trabalho mais pesado, portanto ao não
feminino, à mulher negra foram negadas características que pudessem
associá-la à fragilidade, docilidade, meiguice, frescor etc. Assim sendo, a
tensão que seu ser desperta cobra por uma associação de caracteres
entendidos inicialmente como antagônicos. Essas forças aparentemente
contrárias atuam em um mesmo ser e consequentemente provocam uma
sobrecarga nesse ser que responde de maneiras variadas. Seja como
uma expressão de tensão que estampa traços perversos de uma sociedade
opressora, ou enquanto manifestação de um desajuste de um ser que
concentra forças contraditórias, as mulheres negras na sociedade brasileira
atual provocam erosões em certezas associadas a pertencimentos. A
demanda que se apresenta e que não pode mais ser ocultada diz respeito
à extrema necessidade de desestruturação de padronizações responsáveis
pela subalternização de indivíduos que apresentam traços sobre os quais
os mesmos não exercem nenhum controle.

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A instituição de identidades re-significadas, a partir da auto-


identificação, colabora para a consolidação de espaços de interações
socioculturais que pode reduzir dor e sofrimento. A afirmação de
identidades positivadas provoca processos de desestigmatização dos
signos identitários e concomitantemente uma valorização dos
pertencimentos. A partir desse processo, o movimento que se instaura
é de releitura da relação “eu” – “outro”, e não somente do
reconhecimento puro e simples das diferenças. Constatamos que uma
identidade atribuída pode ser re-significada pela construção de uma auto-
identidade (GOMES, 2003), favorecendo a transformação do corpo
oprimido em corpo transgressor. Essa transformação é potencializada
pela sua capacidade de problematização de padrões e valores
estabelecidos arbitrariamente.
Destacamos neste ponto das reflexões a fundamental
importância de envolvimento de todos os atores implicados no processo.
São necessárias ações pontuais que compreendem dimensões individuais,
coletivas e institucionais, além das políticas e pedagógicas. A criação e
execução de políticas públicas em que a história e a cultura de cada
grupo sejam apreendidas em suas especificidades é um exemplo evidente
da necessidade de envolvimento mais ampliado. A geração de práticas
políticas, culturais e pedagógicas coletivas é indicadora do cuidado
responsável e respeitoso capaz de diminuir práticas solitárias, favorecendo
ações coletivas e solidárias. Da mesma forma a geração dessas práticas
pode provocar uma redução em ações caracterizadas pela exclusão ou
subalternização de indivíduos.
Para pensarmos empiricamente todas essas reflexões que estão
apresentadas nos parágrafos anteriores pensemos em um dado da
corporeidade da mulher negra, o cabelo. O cabelo crespo dos negros
auxilia na compreensão de toda a tensão, e “conflito racial” (GOMES,
2003), que experimenta negros e não negros no Brasil. A expressão
amplamente difundida que opõe “cabelo bom” enquanto sinônimo de
“cabelo liso” a “cabelo ruim” como equivalente a “cabelo crespo” é
um exemplo de como o cabelo crespo evidencia uma tensão que é
estrutural e estruturante das relações étnico-raciais neste país. Não são
raros os trabalhos acadêmicos e intelectuais que abordam esse tipo de
discussão demonstrando como elementos de corporeidade dos negros
no Brasil são tornados estigmatizados o que, por sua vez, subalterniza
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os indivíduos que são reduzidos a fragmentos estereotipados. Não


percamos de vista que estética também é política e encontram-se neste
locus, ou nas corporeidades, as categorias que serão acionadas para a
consolidação de processos de identificação. Destaque-se que corpo
compreende uma unidade biológica e um construto social, abrangendo
a concepção de espaço de vivências e interações, bem como
materialização de espíritos e imaginações. As corporeidades podem ser
entendidas como ambiente de valores e idéias, ou seja, e como nos
ensina Marcel Mauss (1974), como artefatos culturais ou representações
sociais onde a identidade cultural se torna aparente e decifrável.
Pensar sobre as mulheres negras implica pensar em um sujeito
sociocultural que permite visualizar, sobretudo via corporeidades, para
a análise, uma espécie de intersecção entre gênero, raça e classe. Essa
análise é possível graças a uma complexa vivência de um sujeito social
que articula múltiplos pertencimentos e constrói uma identidade singular
que fixa categorias, mas ao mesmo tempo desconstrói certezas e
impossibilita cristalizações. Além dessas características, uma identidade
de mulher negra apresenta-se como um complexo que congrega
polifonias e uma multiplicidade de diferenças, de forma que em muitas
situações ser mulher negra implica em ser pobre, provedora, ter seu
corpo altamente sexualizado etc. São as diferenças, os antagonismos, as
solidariedades e o próprio gênero construído segundo posições ocupadas
(tais como as de raça e de classe) que conduzem a uma experiência
feminina compartilhada (HOOKS, 1981).
As mulheres negras no Brasil evidenciam não somente uma
tensão, mas também uma possibilidade de consolidação de uma
identidade que permite inclusive uma crítica à linguagem cifrada em
que o pós-modernismo se expressa. Sem dúvidas, a codificação de
termos para atender a interesses específicos alija alguns sujeitos sociais
de um processo mais democrático. Vale enfatizar que são as vozes
deslocadas e marginalizadas, como as das mulheres neg ras
subalternizadas que passam por processos de re-significação, que
assinalam críticas e debates necessários para que múltiplas vozes ecoem
nos instantes de formulação do conhecimento. É a partir da
intersecção, ou dos entre-lugares, que outras vozes são possíveis e
inegável é a contribuição que essas alteridades têm a oferecer para o
processo de produção de conhecimento.
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Considerações finais

Ao debatermos sobre diversidade nos deparamos com reflexões


que contemplam relações estabelecidas entre grupos humanos e que
envolvem relações de poder. Poder de determinar quais são os padrões
e valores que regulam essas relações. As padronizações, sejam elas
pautadas pelas homogeneidades ou pelas uniformizações, dão margem
para o entendimento das diferenças como desvio, deficiência e
desigualdade. E, não é demais a re-afirmação de que a desigualdade
gera práticas intolerantes e autoritárias. A diversidade é discutida desde
os anos 1990, contudo importante se faz relembrar que a diversidade
cultural é um componente do humano. A conclusão que podemos
apresentar é a de que enquanto sujeitos culturais, sociais e históricos,
somos diferentes.
Ao identificarmos pontos de semelhança – tais quais: o uso da
linguagem, adoção de técnicas, estabelecimento de organização social e
política, elaboração de regras – entre os grupos humanos não podemos
direcionar nossas reflexões a uma compreensão da experiência humana
como invariável. O que há de fato é uma diversidade, e se ela está
presente devem ser criadas condições para que essa diversidade seja
vivenciada, e não oprimida em nome de tentativas de padronização.
As relações étnico-raciais e de gênero, conforme vivenciadas no
Brasil, indicam uma espécie de intersecção em que dimensões múltiplas
se aproximam e são reivindicadas nos instantes de instituição das
identidades. Desta forma, para que apreendamos compreensivamente o
pontual, o específico, as singularidades, necessário se fazer pensar e
entender as complexidades e as totalidades dos mais variados
pertencimentos. Identidade e diferença caminham juntas na consolidação
de sujeitos socioculturais que se auto-afirmam, ou recebem atribuições
afirmativas, tomando como elementos constituidores de suas identidades
exatamente aquilo que os diferencia de uma convenção que é
eminentemente sociocultural. As reflexões sobre uma identidade de
mulher negra no Brasil auxiliam na identificação de pontos de intersecção
que evidenciam a dinamicidade e a porosidade dos pontos de apego
transitórios e temporários, todavia responsáveis pelas elaborações
identitárias.

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Não há como nos esquivar da reflexão acerca da diferença e da


diversidade enquanto elementos acionados pelos indivíduos nos
processos de construção das identidades. Contudo, ainda que
consideremos valores comuns e universais, é importante destacar que a
originalidade de cada cultura reside especialmente na maneira particular
como os grupos sociais resolvem seus problemas, e é esse movimento
que torna os grupos diversos. Uma percepção e uma prática sociocultural
em que a diversidade esteja contemplada não condizem com práticas
discriminatórias, nem com crenças em um padrão único de
comportamento. Para romper com uniformização que ainda impera nos
variados campos das sociedades atuais, como a brasileira, é necessário o
trato pedagógico, sociocultural e político da diversidade, o que por sua
vez exige, além do reconhecimento da diferença, o estabelecimento de
padrões de respeito, de ética e a garantia de direitos.

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Artigo recebido em 27/05/2010 e aceito para publicação


em 07/09/2010

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