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Das informações inadmissíveis: conversas e currículo na escola

Autor: Pedro Metri Almeida Moreira

Ao ler o tema do dossiê para a presente chamada, eu pensei em duas possibilidades de leitura:
a primeira no sentido em que os currículos escolares reverberam nas narrativas e conversas; a
segunda, numa direção oposta, como as conversas e narrativas tensionam e complementam
os currículos dependendo daquilo que se intende engendrar através das aulas.

Pomian (1984), ao discorrer sobre linguagem, ele diz que esta engendra o invisível que está
entre aquilo que se apercebe (se vê) e aquilo que é discursivo. A partir desse par, imaginei
fazer um paralelo entre essee um outro par, sugerido no nome do dossiê: conversas e
currículo.

Tendo a pensar que conversas possibilitam percepções do contexto local no qual se está
presente. Já o currículo é a construção escrita oficializada, ou seja, ela é marcada por um
processo de controle e disputa do que irá ser escolhido para compor a construção do que se
entende por conhecimento escolar oficial. É pré-determinado, e muitas vezes indiferente aos
contextos locais das escolas. E existe aí uma atitude impositiva, pois o modelo padrão de
conteúdo e de aluno, de aprendizagem e ensino partem de um lugar construído a partir de
recortes que refletem relações de ppoderosa da escola. O currículo corre o risco de
instrumentalizar o conhecimento, como se o conhecimento escolar fosse um manual.
Conteúdos imaginados para gerar resultados. Escolas diferentes, resultados diferentes.
Determinados tipos de escola, para determinados tipo de vida segundo a hierarquia social que
categoriza as pessoas. Nesse sentido, a escola sendo uma instituição inserida na sociedade e
fruto desta, encontra um desafio grande que é o repensar criticamente os símbolos e valores
hegemônicos marcado por preconceitos, apagamentos culturais e uma relação de
aprendizagem e ensino que privilegia padrões que desconsideram várias cosmologias e
práticas anticoloniais. E que pelo contrário, os reforçam.

1.Contextos, leituras e fazeres para o devir

Conversas tem rumos indefinidos. Idealmente envolveria escuta. Envolve embate. Pode ser
formal e marcada por cerimônias. Como também improvisada e rasgada. Pode levar da lágrima
ao escárnio, tudo muito próximo ou ainda ao mesmo tempo. Pode levar à empatia e
compreensão das amarras estruturais na qual se está imerso. As conversas teletransportam os
envolvides de um assunto para o outro. Um tempo que é ou sempre muito pouco, e também
muitas vezes sem hora para acabar. Conversas surgem do cruzamento de experiências e se
pode apreender o que vivenciamos na experiência social em diversos contextos. Daí leituras do
mundo que nos cerca e nos afeta e ao outro. Leituras compartilhadas das hierarquias que
permeiam as relações sociais: como somos tratados. A teórica e professora Martha Ribeiro do
Instituto de Artes da Universidade Federal Fluminense levanta a discussão, em seu artigo
Refazer o corpo, esculpir afetos ou o que aprendemos com Antonin Artaud (2021), acerca das
estruturas de subjetivação de corpos considerados impróprios:

“O modelo fabular tradicional, que se organiza


em torno do fazer, do agir, da ação, se auto
autoriza a produzir representações “válidas”
sobre o outro, sem levar em conta, justamente,
o outro, a “outridade”. Sovando em uma
organização arbitrária, um certo recorte
inteligível e familiar, uma espécie de retrato do
outro, seu objetivo final é legitimar um modelo
de comportamento que satisfaça uma
organização social. Essa organização, a priori
do corpo observado-representado, será
responsável por permitir ou não a permanência
deste “outro” objetivado na sociedade-
organismo.” (Ribeiro, 2021, p.1)

A conversa pode servir como a possibilidade do encontro para discutir tais fabulações do outro
e de si própria. Rompendo com concepções que buscam tornar certas corpas, corpos (dóceis).
A possibilidade de desenhar discursos e performatividade às avessas é o que Martha Ribeiro
(2021) aponta como saída inventiva das subjetivação

Já as aulas são planejadas. Os currículos tem as aulas como plataforma da base ideológica que
carrega. Planos que puxam um assunto com propósito determinado de ensinar. Esses muito
assuntos são organizados por meio de um acúmulo de lições. A disputa do que é indispensável
e dispensável na formação ética e cidadã pelos diversos agentes que compõem a vida escolar
(corpo docente, corpo discente, direção...). Uma vez traçada, a figura do professor é vista pelos
demais como sendo a que possui autoridade no assunto. A disposição tradicional das salas de
aula com as carteiras dos alunos todas voltadas para a figura do professor apontam nesse
sentido de reafirmar a voz do professor que, a princípio, organiza o espaço da sala de aula. Faz
sentido aqui levantar a perspectiva disciplinadora das práticas pedagógicas: uma expectativa
civilizatória. Joe Garcia (2006), em seu artigo Indisciplina, incivilidade e cidadania na escola,
coloca:

“Encontramos na ideia de cidadania uma


representação de uma expectativa civilizatória.
Assim, quando avança esse processo
civilizatório, tem-se a possibilidade ou a
necessidade do surgimento de noções mais
complexas e diversas de cidadania. É nesse
sentido que, na atualidade, aquelas noções de
cidadania herdadas do pensamento filosófico
grego clássico, que nos falam sobre cidadania
como determinadas formas de participação
política, por exemplo, embora ainda sejam
capazes de informar nossa concepção de
cidadania, não dão conta de preencher todo o
espaço de significados que aquele conceito
ocupa no pensamento ocidental
contemporâneo, particularmente nas
sociedades industrializadas.” (Garcia, 2006, p.
128)

Conversas e currículos enfrentam algo em comum, os assuntos inadmissíveis. Uma escritora e


poeta americana, Anne Boyer (2015), escreveu sobre esse tipo de informação que traduzo aqui
de forma livre: “

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