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Aula 5

Cultura e Linguagem Conversa Inicial

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Prof. Cícero Costa Villela

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Sujeito e identidade cultural

Nosso objetivo nessa aula é definir o que é


identidade, apontar as questões que entram Três Concepções de Identidade
em jogo nessa redefinição, entender o que
possibilita essa nova configuração
sociocultural e, assim, apontar para os
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efeitos que estão sendo produzidos no sujeito


com essas mudanças

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Na sociologia da cultura contemporânea, a


ideia de identidade – como um elemento
fundador do sujeito e de como ele estabelece
suas relações com o outro – é central Eles são
Por meio dela se pode pensar o sujeito O sujeito do iluminismo
situado no mundo e, ao mesmo tempo, O sujeito sociológico
produto e produtor da realidade em que vive
O sujeito pós-moderno
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(Hall, 2015)

Conforme dissemos, nem sempre se pensou o


sujeito da mesma forma, por isso destacamos
três momentos centrais desse processo

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O sujeito do Iluminismo teve como seu principal Essa concepção do sujeito foi a base do
autor o filósofo Renè Descartes racionalismo da idade moderna, bem como abriu
Ele se baseava em sua máxima do “penso, logo o flanco para o pensamento utilitarista – com
existo”, e extraiu disso uma concepção que base na concepção de que o indivíduo age para
colocava o indivíduo como autocentrado, ou
maximizar seus interesses
seja, como uma totalidade, unificado, sem
contradições, capaz de se utilizar da razão para Apesar de importante para o desenvolvimento
construir o mundo, prenhe de consciência e das ciências, ela mantém de fora elementos
senhor absoluto de suas ações
7 8 fundamentais da vida, como a coletividade, os
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Tal forma de conceber o sujeito pode ser 57

valores sociais compartilhados e o processo de


chamada de “individualista”, já que a pessoa
nasce dotada de razão, esta que se desenvolve incorporação desses valores na sociedade,
com o amadurecimento do indivíduo, mas de fazendo com que o indivíduo se bastasse a si
forma com que ele seja sempre igual a si mesmo mesmo

7 8

Dessa forma, a identidade não vai ser mais


A noção de sujeito sociológico refletia a
pensada como um processo único de cada
crescente complexidade do mundo moderno e
indivíduo, esse “interior” que se sustenta
a consciência de que esse núcleo interior do
apesar dos acontecimentos “exteriores”
sujeito não era autônomo e autossuficiente,
mas era formado na relação com “outras Ela passa a ser pensada como um processo
pessoas importantes para ele”, que de interação entre o “eu” e a sociedade
(Goffman, 1985)
mediavam para o sujeito os valores, os
Há um “eu” real, interior, mas este se
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sentidos e os símbolos – a cultura – dos


modifica de acordo com os contatos com o
mundos que ele/ela habitava (Hall, 2015. p.
“outro”, com a sociedade, com a cultura,
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que disponibilizam as identidades

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Pode-se dizer que nós projetamos nosso eu no


mundo de determinada maneira, estas que são
disponibilizadas pela sociedade e pela cultura
A identidade do sujeito pós-moderno é,
Isto é, nós produzimos nossa identidade a
portanto, móvel, passando mais pela forma
partir do papel social que assumimos no
como nos reconhecemos nas representações
mundo, a partir de uma relação com os valores
sociais que estão presentes na cultura
sociais do que por um certo núcleo duro no
qual incorporamos os valores sociais
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A identidade se dá no processo de incorporação


desses valores culturais pelo sujeito, fazendo
com que eles sejam “parte de nós”

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Ela é definida historicamente, e não Com isso, o sujeito contemporâneo é constituído
biologicamente a partir das formas como ele é interpelado pela
cultura e pelos sistemas de significação
O sujeito assume identidades diferentes em
Esses elementos passam pela mídia, por
diferentes momentos, identidades que não
exemplo, ao estabelecer determinados padrões
são unificados ao redor de “eu” coerente
de comportamento ou dizer o que é ou não
Dentro de nós há identidades saudável
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57 contraditórias, empurrando em diferentes 14
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Essa multiplicação dos sistemas de significação
direções, de tal modo que nossas faz com que, a cada momento, nos
identificações estão sendo continuamente confrontemos com identidades possíveis e, de
deslocadas (Hall, 2015, p. 12) alguma forma sejamos capturados por elas

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Tal processo está marcado pela aceleração


provocada pelos meios de comunicação, ou
como diz Hall (2015), uma compressão do
espaço-tempo, no qual as relações passam a
As Mudanças no Mundo ser mediadas pelas técnicas comunicacionais,
Contemporâneo fazendo com que as identidades não mais
sejam construídas apenas a partir da
incorporação de valores da comunidade mais
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próxima, mas que se relacionem com os


valores que circulam no mundo
interconectado, independentemente do local

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Pode-se dizer que houve um deslocamento


dos centros de poder Pensar na descentralização do poder é trazer
Se na modernidade havia uma liderança, mais um elemento para a questão das
fosse o dono do local de trabalho, ou identidades
mesmo lideranças locais e até o Estado Isto é, quando falamos em cultura agora
nacional, na pós-modernidade esse centro não estamos apenas falando de valores
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fica disperso, exatamente pelo caráter de 18
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culturais supostamente neutros, mas de
compreensão do espaço-tempo, fazendo que a cultura, a linguagem e as identidades
com que as relações de poder sejam são questões políticas
descentralizadas

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Esse deslocamento nos possibilita o
entendimento das reivindicações O que vemos com isso, portanto, é uma
contemporâneas de grupos minoritários como a
população LBTQIA+, movimento negro, os mudança na forma de percepção do sujeito,
movimentos ecológicos e o movimento feminista cuja própria existência se torna um elemento
Pois, se na modernidade havia uma de luta política de reconhecimento
possibilidade de unificação das pautas em
torno das reivindicações sobre melhorias nas Além disso, não é mais possível falar de
condições de trabalho, hoje, com o uma identidade estável, há, na verdade,
deslocamento das questões da identidade para
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uma série de identificações, muitas vezes
a representação, a luta passa a ser por
reconhecimento e integração ao sistema contraditórias, disponíveis socialmente que
jurídico, ou seja, reconhecimento de modos de capturam o sujeito de determinada forma
vida diferentes do hegemônico

19 20

O sujeito é, com isso, uma posição social de


caráter móvel
As Comunidades Imaginadas
O sujeito muda e carrega consigo essas
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identificações, buscando alinhavar de 22
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alguma forma as contradições que o move 57

21 22

O conceito de Comunidades Imaginadas de


Benedict Anderson (2008)
Essa narrativa cria uma amálgama de
Ele vai dizer que as culturas nacionais são pertencimento de grupos heterogêneos, o
formadas por um tipo de vínculo que não é caráter dessa criação nem sempre é
natural, ele se dá a partir de narrativas
pacífico, basta lembrarmos o número de
produzidas sobre a nação, seus heróis, suas
indígenas mortos no processo de
tradições, seu mito fundador
23 24 colonização no Brasil para o
57
Esse é caráter da comunidade imaginada, 57

estabelecimento da história do
ela é sempre uma articulação de histórias e
“descobrimento” do país
discursos que criam o pertencimento à
nação

23 24
Essa forma de organizar discursos Esse movimento de reconhecimento por meio das
historicamente, de se produzir coerência é a base representações sociais é que marca a identidade
das identidades plurais que e a diferença, já que só há identidade quando há
diferença
Em vez de pensar as culturas nacionais como
unificadas, deveríamos pensá-la como Ou seja, ela é sempre uma marca de
diferenciação em relação a um outro, ao
constituindo um dispositivo discursivo que
mesmo tempo em que marca a igualdade com
representa a diferença como unidade ou tantos outros
identidade
25
57
26
57 Nessa relação entre “Nós” e “eles” entra o
Elas são atravessadas por profundas divisões sentido político das reivindicações, já que em
internas, sendo “unificadas” apenas através do sociedades desiguais, como a nossa, é sempre
exercício de diferentes formas de poder preciso a busca pelo reconhecimento de
cultural (Hall, 2015, p. 36) direitos em relação ao Estado

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Um meio que o sujeito deverá subjetivar, onde


A linguagem vai ser um elemento central ele deverá se reencontrar nele em sua própria
para a gênese do sujeito, na sua relação com história, e que Lacan designa como o lugar do
o outro, isso pode ser visto no texto sobre o Outro
Estádio do Espelho A linguagem é então, originariamente, menos
um meio de comunicação do que uma função
Segundo Auroux que permite a identificação do sujeito no
reconhecimento dos traços que definem a
27
A linguagem, que dá forma à gênese do 28 condição de um ser ao mesmo tempo sexuado
sujeito (o “cenário familiar”) é o meio no e mortal
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qual o indivíduo é mergulhado desde o O Outro, no qual o sujeito se aliena como Eu de


nascimento um modo imaginário, é definido pelas leis
próprias do significante (2001, p. 266)

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Podemos dizer, que ao construírem suas


histórias, suas narrativas e suas memórias, os
diferentes grupos de identidades formam uma
comunidade imaginada
Esta não está mais presa a um território, mas Uma Questão Prática
se multiplica, já que as relações não dependem de Identidade
mais do contato face a face, elas circulam,
29
57
gerando reconhecimento em diferentes 30
57

lugares, mas fazendo com que diferentes


pessoas se identifiquem aos mesmos valores
culturais independentemente do lugar em que
habitam

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Falamos, até o momento, do processo teórico Todavia, tal processo é contraditório e coloca
de como se estabelecem as identidades os sujeitos em impasses nas lutas cotidianas
sociais de reconhecimento
Mostramos seu caráter cultural político e de Com isso, vamos trazer um exemplo
como as contradições são absorvidas na concreto nesse quarto tema, para vermos
31
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construção de narrativas coerentes sobre a 32
57
como essas questões permeiam a sociedade
identidade e o pertencimento a
determinados segmentos sociais Retiro o exemplo de Hall (2015)

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Em 1991, o presidente americano Bush indica Sua tentativa foi de ganhar apoio em
para a Suprema Corte o juiz Clarence Thomas relação aos conservadores americanos, já
Seu objetivo era restaurar uma maioria que Thomas defendia tais pautas e,
conservadora na casa judicial e, ao mesmo acenava também aos movimentos negros a
tempo, buscar representatividade, já que o o apoiarem, pois se tratava de um homem
Juiz Thomas era um negro negro, proveniente de uma parte da
população que sofre com o racismo na
33
Tal movimento do presidente americano 34

sociedade
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vem como resposta às acusações de que ele


era racista e que jamais indicaria um juiz Bush estava, com isso, jogando o jogo das
negro para a Suprema Corte identidades com tal aceno contraditório

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Durante as audiências no Senado para a As mulheres negras também ficaram


indicação de Thomas, o juiz foi acusado de divididas em relação à questão, a depender
assédio sexual por uma mulher negra, Anita de qual identidade prevalecesse na análise da
Hill, uma ex-colega dele questão, a racial ou a de gênero
As acusações causaram um grande Mulheres e homens brancos também
escândalo e polarizou a sociedade ficaram divididos, de acordo com as
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americana em torno da questão 36
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identidades conservadoras ou liberais em
Alguns homens negros apoiaram Thomas, relação ao tema
baseados nas questões de raça, outros se Muitas pessoas o apoiaram por se tratar de
opuseram a ele devido à questão sexual um juiz alinhado aos valores conservadores

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Nenhuma identidade singular – por exemplo,
Esse exemplo nos leva a considerar a questão de classe social – podia alinhar todas as
a partir dos seguintes elementos diferentes identidades com uma “identidade
mestra” única, abrangente, na qual se pudesse,
As identidades eram contraditórias de forma segura, basear uma política
Elas se cruzavam ou se deslocavam As pessoas não identificam mais seus
mutuamente interesses sociais exclusivamente em
termos de classe; a classe não pode servir
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As contradições atuavam tanto “fora”, na 38
57 como um dispositivo discursivo ou uma
sociedade, atravessando grupos políticos categoria mobilizadora através da qual
estabelecidos, quanto “dentro” da cabeça todos os variados interesses e todas as
de cada indivíduo variadas identidades das pessoas possam
ser reconciliadas e representadas [...]

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Uma vez que a identidade muda de acordo


com a forma como o sujeito é interpelado O Global e o Local
ou representado, a identificação não é
automática, mas pode ser ganhada ou
perdida. Ela tornou-se politizada (Hall, 2015, p. 15-16)
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39 40

Durante toda a década de 1990, o debate sobre a


Hoje, as identidades são construídas pelas
globalização afirmava um medo da
identificações com comunidades imaginadas
homogeneização cultural dos países ao redor do
que circulam pelo mundo nas redes globo, havia um medo de que ela fosse capaz de
É possível ter uma posição acerca da guerra solapar culturas locais e, com isso, colocar em
na Ucrânia, se identificar e se manifestar a risco a “unidade” das culturas nacionais
favor de povos oprimidos na Síria e, ao Porém, não foi esse o movimento que ocorreu, há
mesmo tempo, consumir produtos voltados uma grande capacidade de adaptação do
41
57 para nichos de mercado 42
57 mercado global na construção de nichos de
consumo, voltados para públicos locais,
A globalização, em sua forma econômica,
adaptados às demandas de determinados países,
também faz o jogo político das identidades
ao mesmo tempo em que mantém seu
por meio do consumo movimento enquanto uma cultura hegemônica

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Esse elemento de pressão feito pela globalização
A globalização possui a tendência sobre as culturas gera dois tipos de fenômenos
contraditória de tentar homogeneizar, mas O primeiro deles diz respeito a um
enfrenta como reação a construção de novas fortalecimento dos nacionalismos
culturais locais que se dão por meio dela Com o aumento do fluxo de pessoas e
informações, há uma tendência à autoproteção
Podemos dizer que as culturas locais se
das culturas nacionais, gerando muitas vezes
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apropriam de uma cultura global e, a partir 44 discursos xenófobos e racistas
57
dela, refazem seus laços não apenas 57

Por outro lado, há também a valorização de


localmente, como se inserem em um culturas que antes sequer podiam ser
movimento global reconhecidas e que ganharam visibilidade em
sua luta

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Outro exemplo de movimento mundial de O que essas comunidades têm em comum,


reconhecimento se deu pelas identidades que o que elas representam através da
emergiram em torno do significante “black”, apreensão da identidade black, não é que
segundo Hall (2015), ela fornece elas sejam cultural, étnica, linguística ou
[...] um novo foco de identificação tanto mesmo fisicamente a mesma coisa, mas
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57
para as comunidades afro-caribenhas 46
57
que elas são vistas e tratadas como a
quanto para as asiáticas [poderíamos dizer “mesma coisa” (isto é, não brancas, como
para as latinas também] outros) pela cultura dominante (p. 51)

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Esse processo contraditório de luta de


identidades é que caracteriza a dinâmica
social e política hoje Na Prática
É em torno delas que o debate público e os
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57
conflitos inerentes ao social, em especial na 48
57

sua face cultural, se fazem

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A partir disso, busque matérias on-line e
Em 2016, o jogador de futebol americano procure identificar como se deu o debate
Colin Kaepernick se ajoelhou durante a acerca das identidades “negra” e
execução do hino nacional americano em “americana” com o gesto de Colin
uma partida Quais foram os termos do debate?
Seu gesto, segundo ele mesmo, foi feito Como cada um dos grupos designavam os
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57
como forma de denúncia aos abusos 50
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outros?
cometidos por policiais em relação à Quais foram os efeitos sociais desse
população negra americana processo, tanto para a sociedade quanto
para Colin Kaepernick?

49 50

Vimos que a globalização gera efeitos tanto


para o avanço de pautas civilizatórias, quanto
Finalizando para seu recuo. Ela produz efeitos de
expansão das lutas e ao mesmo tempo
51
57
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resistência na forma de nacionalismos,
xenofobia e racismos

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Pudemos perceber que as identidades são


históricas, construídas por meio de
comunidades imaginadas que se multiplicam Tais representações e identidades possuem
no mundo atual e que buscam articular as alcance mundial, fazendo com que haja uma
contradições a partir de narrativas e articulação em níveis globais que pressionam
discursos as culturas locais à mudança

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Com isso, a identidade se torna uma 54
Essas, por sua vez, se apropriam dessa
57
questão de representação, fazendo com que 57
cultura global à sua forma, gerando novas
o sujeito veja a si mesmo e a sociedade a formas de vida e identidade
partir das diferentes identidades que ele
assume em sua trajetória

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Em meio a todo esse processo o sujeito vai se
produzindo, a partir das interpelações feitas
pela cultura, nas quais ele se reconhece
Tal fato nos mostra que o sujeito - seus
Referências
valores e sua forma de enxergar o mundo -
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57
é limitado pela cultura, pela sociedade e 56
57

pelos valores que absorvemos durante todo


esse processo de contato com o outro

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ANDERSON, B. Comunidades imaginadas:


reflexões sobre a origem e a difusão do
nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2008.
GOFFMAN, E. A representação do eu na vida
cotidiana. Tradução: Maria Célia Santos Raposo.
Petrópolis: Vozes, 1985.
HALL, S. A identidade cultural na pós-
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modernidade. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva & 58
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Guaciara Lopes Louro. Rio de Janeiro: Lamparina,


2015.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido
Comunista, 1848. Porto Alegre: L&PM, 2009.

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