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Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Instituto de Artes
CINEMA
Prof. Jorge Cruz
Estudante: Pedro Metri Almeida Moreira
Matrícula: 202010226011 TURMA 1 Manhã Setembro, 2022

Trabalho final: Transparência ou opacidade na vídeo arte – um estudo de proposta

O trabalho consiste na descrição de um experimento audiovisual em videoarte a partir


de um trecho do documentário Marina Abramovic - A artista está presente (2012) dirigido pelo
diretor norte-americano Matthew Akers. No experimento que realizo tento tratar da dicotomia
entre transparência e opacidade, para discutir as escolhas estéticas que buscam revelar
mensagens que através de um determinado uso da imagem e de elementos a ela acrescidos
podem reforçar ou questionar o paradigma de verdade que pairam sobre as imagens. O
automatismo com que são apreendidas (Bento et al., 2018). Facilitado por seu poder de mimese
e captura da realidade através da imagem fotográfica, especialmente em movimento.

No trecho retirado do filme que acompanha os preparativos e a execução da


performance The Artist is Present (2010) de Marina Abramovic no Museu de Arte Moderna de
Nova Iorque temos a presença de uma trilha sonora não diegética. Ou seja, uma trilha que não
fazia parte do momento que se vê no filme quando ele de fato aconteceu. Só nós enquanto
espectadores ouvimos. É uma música para causar uma reação emotiva em quem assiste e não
para quem estava lá presente.

Assim, discutirei como o documentário, que se apresenta como uma captura retirada
diretamente da realidade, faz uso de recursos estéticos artificiais para direcionar o sentido do
que vemos, apagar perguntas, e mistérios, dúvidas: automatismo. 1 Assim reforçando uma
perspectiva de transparência das cenas filmadas da realidade. Na segunda parte, adentro no
experimento que faço usando essa mesma cena do filme na modalidade de vídeo arte.
Manipulando o fragmento com outras camadas sonoras, irei argumentar que esta é uma
proposta para subverter construções destinadas a erguer ilusões prontas a cerca do que é
exibido, ou seja, criar opacidade suficiente que leve a questionamentos sobre o que nos é
apresentado.

1 Bento et al. (2018) acredita que o automatismo na formação do sujeito advém da racionalização
fomentada pela relação entre homem e aparelhos/máquinas, e que para os autores se tornaram
indissociáveis.
1. Elementos para criar hiper-realidades

Na performance, Marina Abramovic está sentada a uma mesa e do outro lado da mesa,
de frente para ela, uma cadeira para que uma pessoa de cada vez pudesse estar sentada cara a
cara, olho no olho com a artista durante um minuto. Muitos artistas conhecidos nos círculos do
sistema de arte frequentado por Marina compareceram, como Björk e James Franco. E dentre
eles seu ex parceiro de trabalho e na vida pessoal, o artista performer alemão Ulay.

A performance durou vários semanas e deixava Abramovic horas sem se levantar a cada
dia durante a temporada inteira. Quem se sentasse na cadeira deveria respeitar certas regras
como não tocar ou falar com Marina. A troca era no olhar. Ou seja, na pré-produção da própria
performance já se considera garantir as condições ideais para que a ação da artista desenrolasse
da forma mais fluída e orgânica, uma execução com efeitos de transparência, que na verdade
minimiza e disfarça sua fabricação. E a pretensa simplicidade que estaria por trás de uma
performance em que a artista está simplesmente sentada a uma mesa, e que o nome da
performance ev

Quando passamos para o documentário, o jogo de símbolos muda quando


consideramos a transparência nesta modalidade de imagem. Aquilo que poderia ser
considerado sangramentos, aparecimento de câmeras em reflexos de espelho, ou a vara boom,
indesejados em filmes de ficção clássico-narrativos pois perturbam a ilusão de que aquilo seja
real, já no documentário esses elementos sustentam a percepção de veracidade desse gênero
de filme. Ou seja, sua transparência é fabricada para que não se questione a forma como a
imagem nesse filme nos é apresentada. Ela é naturalizada através de seus cortes, passagens de
cena, trilha sonora. Todos esses recursos artificiais que no documentário criam a atmosfera
adequada para a recepção das mensagens, que pegam pra si tal naturalização. Uma imagem que
não questiona a si, só resta servir o melhor que puder a mensagem que carrega. A imagem
reforça a ideia. Ismail Xavier (1976) fala das providências que podem ser tomadas para que o
espectador mergulhe, como se fosse possivelmente um mundo real. E não no sentido da
verossimilhança, mas como um mundo autônomo com seu desenvolvimento próprio. Isso é a
transparência.

No trecho em questão retirado do filme, Abromovic está com os olhos fechados na


espera de um novo participante. Quando percebe a nova presença, abre os olhos e se depara
com o Ulay. O encontro causa comoção em ambos e em quem está presente na sala junto com
eles. Ulay e Abramovic se olham fundo, Ulay sorri para ela com os olhos cheios d’água. Ela se
emociona e num gesto inesperado lhe estende as mãos. Ele estende as suas. Ela beija suas mãos
e ele as dela. Eles soltam as mãos um do outro. Ele se levanta. Ele continua presente. Essa cena
é acompanhada de uma trilha sonora. Uma música instrumental que reafirma o encontro épico
e reconciliatório entre os dois artistas radicais, entre dois cânones da arte contemporânea. Tudo
é grandioso e inequívoco nesta montagem: e sua transparência convence de uma realidade
exagerada, uma hiper-realidade que nos parece crível.

2. Video arte: opacidade como desestabilizadora da imagem

Marina Abramovic e Ulay criaram performances radicais registradas em vídeo que


tencionavam ideias de representação da relação idealizada entre uma mulher e um homem.
Desafiaram tais representações que através da exacerbada transparência das imagens de filmes,
programas de TV e comerciais as estabilizaram como modelos a serem almejados no mundo
real, desconsiderando as complexidades do ser humano em seu constructo psicossocial.

Com isso, trabalhos como Light / Dark (1977), Relation in Time (1977), AAA AAA (1978),
The other rest energy (1980) que nos chegam hoje através da mídia de vídeo são potentes
exemplos de trabalhos performáticos que carregam uma opacidade proveniente do próprio ato
performático. Pois aqui não é mais um mergulho numa ficção a que eles estão remetendo a
respeito de um mundo autônomo criado pelos artistas, mas sim chamar a atenção para a
materialidade corpórea da ação. No trabalho AAA-AAA, os dois artistas se olham e gritam um
para o outro, gritos que reagem a gritos que respondem a gritos. Seria para ver quem grita mais
alto numa relação? Seria sempre assim que se comunicam? Seria parte da dinâmica romântica
gritar? Os artistas questionam as representações de relação a partir de seus próprios elementos,
o homem e a mulher, porém desestabilizados pois as regras de construção de comportamento
são descartadas. Assim, fazem um comentário, um contraponto, uma subversão da própria
imagem, que eles, um casal heterossexual branco carregam enquanto casal real que foram, e a
custa dessa própria performatividade do romântico na vida real. Podemos ver como a cena é
fabricada (Xavier, 2018).

Ao retomar a cena do reencontro que é um dos momentos mais celebrados do filme,


penso que a trilha sonora melodramática tira a possibilidade de interpretações à cerca dele,
seus pontos cegos ofuscados na fusão entre imagem e trilha. Como proposta de conferir algum
grau de opacidade, ou seja, algum questionamento sobre a fabricação do que estamos vendo
ao assistir o filme, mudo a trilha sonora desde trecho. Capturo o fragmento do filme com o
reencontro. Até Marina abrir os olhos, um novo som que escolhi entra: os gritos de Marina e
Ulay da performance AAA-AAA. A dissociação entre imagem e som cria um estranhamento que
evidencia a fabricação do vídeo arte. Suas expressões de compaixão e afeto, não casam com os
berros que eles mesmos proferiram na performance de 1978. Aqui não há dúvidas de que o que
se ouve é uma tentativa de desenquadrar as relações que vemos na cena. Tudo neste novo vídeo
perde o rastro de que estamos na mera representação de um casal. Os códigos dos jogos de
cena apresentados não encaixam com nossas expectativas sobre o que se espera daquelas
imagens: sussurros emocionados (imagem) aos sons de gritos (som).

Essa é uma proposta que busca desestabilizar a própria crença naquilo que consumimos
como imagem, contra uma corrente que automatiza a formação do sujeito que se quer
representar. Dessa maneira, com a imagem do reencontro e o som dos artistas gritando tento
chamar a atenção para as diferentes materialidades do audiovisual apresentado: som e imagem
conflitam, gerando um estranhamento que esteja apto a tornar a janela do vídeo arte opaca,
denunciando seus cantos de sereia que nos levam para o mergulho.
Bibliografia

ABRAMOVIC, M. & Ulay. AAA-AAA. 1978


BENTO, R. & CARVALHO, V. de. A estética do ruído na imagem: da videoarte dos anos
1960 às novas manifestações da imagem contemporânea. UFRJ, 2018

KRAUSS, Rosalind. Os espaços discursivos da fotografia. In: Artes e Ensaios, EBA;UFRJ,


v.13, 2002
MARINA Abromovic – A artista está presente. Direção: Matthew Akers. EUA, Son., Col.,
106m, 2012
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico. 1976

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