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Arte e transformação: uma entrevista com Renata Felinto 07/05/23 22:48

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transformação:
uma entrevista
com Renata Felinto
 25 de fevereiro de 2021  Cultura, Essência Brasileira

Conheça Renata Felinto, artista que está mudando os


rumos da historiografia

tempo estimando de leitura: 6 min


 Renata Felinto é Doutora e Mestre
 em Artes Visuais pela
UNESP e especialista em Curadoria e Educação em
Museus de Arte pelo Museu de Arte Contemporânea da
USP. Artista visual, professora e pesquisadora, a
produção de Felinto é extensa, com enfoque atual nas
25 de fevereiro de 2021 Cultura, Essência Brasileira
narrativas de pessoas de ascendência negro-africana.

Ganhadora do Prêmio PIPA em 2020 e do prêmio de


arte Select na categoria Arapuru, a artista possui obras
em diferentes acervos do Brasil, como Museu Afro
Brasil, Casa Oscar Niemeyer e CCSP.
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Arte e transformação: uma entrevista com Renata Felinto 07/05/23 22:48

Renata
Felinto

Em 2020, Arapuru participou como apoiador do


Prêmio Select, para apoiar projetos artísticos em
andamento, um deles foi a performance “AMOR-
Tecimento”, de Renata Felinto. Conversamos com a
artista sobre sua trajetória e sua visão sobre a arte como
campo de transformação social. Conheça mais sobre
essa artista que está reescrevendo a historiografia
vigente:

Você começou sua formação estudando moda no


Sigbol Fashion Institute e depois seguiu para as
artes visuais. Pode nos contar um pouco de como
surgiu esse desejo de se aproximar da arte?

Em 2020, Arapuru participou como apoiador do


Prêmio Select, para apoiar projetos artísticos em
andamento, um deles foi a performance “AMOR-
Tecimento”, de Renata Felinto. Conversamos com a
artista sobre sua trajetória e sua visão sobre a arte como
campo de transformação social. Conheça mais sobre x
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vigente:

Seu trabalho possui muitas camadas e 

plataformas: você atua como ilustradora,


fotógrafa, educadora, escritora, performer
performer, dentre
outras áreas. Como essa pluralidade potencializa
seu trabalho?

Essa pluralidade me permite perceber a arte em sua


multiplicidade. Paralelamente, me mostra os impactos
distintos que ela tem nas percepções das pessoas
conforme a linguagem ou a mídia por meio da qual as
pessoas acessam meus trabalhos. Potencializa no
sentido de pessoas de círculos distintos ao do sistema
da arte mais hegemônico também terem acesso ao meu

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trabalho.

Você também possui vários livros. Pode nos


contar um pouco sobre sua atuação no campo
editorial?

Eu amo escrever desde criança, aos 12 anos eu escrevia


histórias, ia à biblioteca do bairro, tinha assinatura de
livros e revistas. A escrita, ainda que eu tenha as minhas
fragilidades ortográficas e gramaticais próprias de
quem vem de um contexto histórico como o meu, é um
meio importante de registro no mundo, de
comunicação, de reflexão. Então, meu primeiro livro foi
uma organização com colegas do trabalho. Queria
encontrar formas de extravasar o conhecimento que
produzimos em diálogo com o acervo do museu onde
trabalhávamos, e ao mesmo tempo, socializar subsídios
para que docentes da rede pública com interesse na lei
10.639/03, que tratava especificamente de culturas
africanas e afro-brasileiras, de ministrarem as suas aulas
cumprindo essa fundamental lei com mais propriedade.

Também escrevi por anos na Revista O Menelick 2ºAto


sobre temas variados. Agora, estou organizando dois
livros e um dossiê. Pra mim, a escrita como a
conhecemos é um documento que atravessa os séculos
do qual pessoas historicamente  provenientes de grupos
sociais marginalizados devem se apropriar para
eternizar suas formas próprias de pensar.

Você tem diversas obras e séries, como Afro


Retratos (2010-2018), Também Quero Ser Sexy
(2012), Axexê de A Negra ou o Descanso das
Mulheres que Mereciam Serem Amadas (2017).
Muitas delas falam sobre a experiência que
atravessa gênero e negritude. Como você vê a
simbologia do seu trabalho na história da arte?

É uma simbologia que está aparecendo menos


timidamente nos últimos vinte anos, especialmente

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considerando a produção de artistas como Rosana


Paulino. Assim como muitos homens brancos falaram de
suas vidas, amores, medos, desejos, por meio de
inúmeras linguagens das artes, acho que agora é nosso
momento de também compartilhar sobre nós. Não
sermos mais retratadas a partir do olhar do outro, mas
sim como somos a partir da subjetividade de cada
mulher. É dessa forma que vejo a minha produção.

Quadro da série Afro-Retratos, Renata Felinto

No mundo artístico, existem muitos debates


relacionados à distinção entre prática e teoria.
Você como acadêmica e artista, como vive essa
relação?

Teoria é prática também pra mim, escrever a teoria é


praticar a reflexão, por exemplo. Particularmente, tenho
buscado fazer a cisão entre essas divisões, aos poucos
e com sensatez.

Em entrevista para a Select você comenta sobre


como é “fundamental pensar arte como
educação, como um lugar de criação de novos
mundos e reconfiguração social”. Pode nos contar
um pouco mais sobre sua visão da arte no campo
da transformação social?

Eu faço arte para as pessoas, para entendermos melhor


as nossas existências, as relações sociais engendradas
pela história que foi construída a partir das invasões,
genocídios, epistemicídios, dominações etc.
Considerando esse escopo, como podemos viver, como
podemos ser, ser melhor, ser juntes. Se minhas obras
entram em alguns acervos é uma grande felicidade,
considero importante porque o acervo garante que ela
poderá atravessar a minha existência matérica, caso ela
não fique relegada à reserva técnica. No entanto, busco
propor conversas visuais, compartilhar pensamentos,

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aprecio a escuta das pessoas sobre a experiência delas


em relação ao contato com minha produção. A arte tem
função sim, e pra mim é dar sentido, e fazer sentido pra
quem cria e pra mais alguém, se puder nos
proporcionar nos relacionarmos com a vida de uma
maneira restaurativa, reflexiva, afetiva é melhor.

Pensando um pouco sobre o prêmio de arte


Select, como foi participar dessa edição em que
foi vencedora?

Eu me organizei com o auxílio da minha mãe, aproveitei


o ano da pandemia para organizar meu trabalho, tendo
consciência do meu privilégio de estar em casa.
Quando me inscrevi, eu tinha plena noção da potência
desse trabalho porque o grupo de pessoas que
trabalharam comigo nele ainda estão em contato
constante, foi transformador para algumas delas. Então,
considerei que mais pessoas precisavam saber desse
modo de operar nas feridas pelo toque, pelo afeto, que
é tudo o que o processo de escravização, junto com a
liberdade, nos sequestrou. E que o Brasil como
sociedade ainda tenta sequestrar de nós nos expondo e
nos violentando de muitas formas. A nossa resposta é
nos reunirmos em cuidado e afeto.

Em AMOR-Tecimento, sua obra ganhadora do


Prêmio Select, você trata sobre a tentativa
diminuir o trauma vivido pela separação dos
corpos negros. Como a seu trabalho opera para
realizar esse resgate na sociedade brasileira
contemporânea?

Opera a partir, inicialmente, da escuta, as pessoas


compartilham suas experiências traumáticas com o
racismo. Essa prática pérfida que atravessa nossos seres
não resume quem somos e não é a mesma vivência com
o racismo para pessoas negras. A cor das peles, o
gênero, a classe, tudo interfere no impacto com o
racismo. Então, em vez de responder com a mesma

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violência, não fomos nós que saímos de um continente


para sequestrar pessoas e destruir povos, nós fomos
para outro lugar que é o de resgate de epistemologias
e de tecnologias gestadas a partir do sentido
comunitário, do cuidado, do reconhecimento da outro
pessoa como humana e do afeto. A sociedade brasileira
contemporânea não quer resgatar afeto em relação a
pessoas não brancas, ao contrário, o que vemos em
relação a homens sendo assassinados pelas forças
públicas ou privadas de segurança patrimonial, ou
mesmo o que acontece agora num reallity show de
abrangência nacional com o grupo de participantes não
brancos são sinalizadores de que o afeto não é um
sentimento e uma forma de tratar as pessoas que essa
sociedade entenda que é nosso direito. Então, o
trabalho propõe que uma forma de enfrentamento do
racismo no Brasil é nos munirmos de auto-amor e de
amor por quem, como nós, sofre os mais diversos tipos
de violência. Desse modo, restauramos nossa
importância como pessoa, rompemos com uma
ciclicidade de auto-ódio, nos municiamos de afeto. 

Performance AMOR-Tecimento, Renata Felinto

Como você acha que podemos pensar na ideia da


cura de um trauma coletivo para além do campo
da arte?

Sim, podemos sim. Mas precisa a população sem


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acesso, a que é desassistida pelo Estado, se


compreender no “mesmo barco”. Precisa de
reconhecimento de dificuldades e de privações
parecidas na vida da outra pessoa, da vizinha, do
primo, da pessoa do seu lado no ponto de ônibus.
Criando um respeito pela empatia, pelo conhecimento
da nossa história que é outra narrativa para além dessa
oficializada e ensinada nas escolas. Se não tivermos a
lei 10.639/03 informando a nós que somos pessoas
com importância histórica para o desenvolvimento da
humanidade, resgatando essa potencia que foi rompida
e que nos é ensinada no Brasil a partir do holocausto da
escravização de pessoas chamadas de negras, não
conseguiremos. São muitas camadas para essa cura, a
primeira é a consciência histórica e de comunidade.
Não sou pobre porque meus pais não trabalharam, mas
sim porque nos colocaram nessa condição, houve um
saque de energia. Precisamos de honestidade para
encarar a história.

Ainda sobre AMOR-Tecimento, é uma ação ainda


em andamento. Pode nos contar um pouco sobre
os próximos passos que serão dados após nosso
contexto de pandemia?

Quero dar continuidade na natureza, num lugar mais


privativo que nos coloque em contato com o mundo o
mais natural possível para realizarmos a performance
sem a intervenção de espectadores presenciais. Nessa
continuidade, há uma culminância que não pode
detalhar publicamente que alimenta nossa
ancestralidade. Também gostaria muito de mais
diversidade: pessoas surdas, cegas, com mobilidade
reduzida – toda a gente.

Fotografias: Acervo do site renatafelinto.com

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