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UNIVERSIDADE FEDERAL DE

SERGIPE
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

CINEMA E AUDIOVISUAL

NAJELA CAMILA MAKIO SOUZA

Entre as mudanças de humor e a ruína, a beleza do caos em


MIITO MOVIE (PART I).
A arte como expressão do íntimo e resposta aos tabus da indústria audiovisual coreana
para com os transtornos mentais.

SERGIPE
2023
Entre as mudanças de humor e a ruína, a beleza do caos em MIITO
MOVIE (PART I).
A arte como expressão do íntimo e resposta aos tabus da indústria audiovisual coreana para com
os transtornos mentais.

O k-pop ou pop sul-coreano se consagrou como um gênero único e coringa quando


trata-se de suas super-produções audiovisuais, dezenas de grupos fascinam o público
com conceitos bem elaborados, além da criação de uma diversidade de conteúdos
transmídiaticos desde a composição das músicas até a construção de um imaginário, de
um universo, criado para a própria proposta que eles anseiam demonstrar em seu novo
projeto musical. Diante disso de tantas empresas consagradas no país e reconhecidas
internacionalmente, uma delas chama a atenção do público consumidor do k-pop, por
possuir uma estética própria de videoclipes e músicas que transitam por diversos outros
gêneros musicais, como o R&B, hip-hop, rap, rock, além do pop, além de abarcarem
assuntos pertinentes, porém mal recebidos pela audiência nacional. O coletivo Dream
Perfect Regime, mais conhecida como DPR, é uma gravadora sul-coreana independente
criada por amigos que buscam engajar seu público proporcionando distintas
experiências audiovisuais.

Uma das figuras presentes do grupo é minha inspiração para essa análise, um dos
fundadores, produtores, cantores, principal diretor e editor dos vídeos do coletivo, DPR
Ian (Christian Yu), que em 2022 lançou seu segundo álbum de estúdio “Mood Swings
In To Order”. Esse último lançamento surpreendeu os fãs. Pensado como um filme
curta-metragem, o artista revela 4 das suas 12 faixas. As edições coloridas, caóticas,
disformes e fantásticas (já consagradas do editor em outros vídeos do grupo), junto ás
performances, locações e figurinos nos inserem no mundo entre luz e sombras, sanidade
e insanidade, cura e dor, e os altos e baixos de seu distúrbio de bipolaridade, o qual Ian
transforma em pura arte.

Muito se pode perceber quando relacionamos a corrente artística do expressionismo à


obra de DPR Ian, já que ela busca a interpretação subjetiva do mundo, e isso pode
traduzir-se também em uma verdade individual de realidades que é passível de empatia,
nesse caso, em específico, sobre saúde mental, ele busca representar tal verdade, vinda
de dentro para fora, transformando batalhas e o próprio sofrimento humano diário em
arte sem romantiza-los.

A primeira faixa apresentada no curta é Seraph, e também uma introdução da narrativa


criada por Ian para retomar o personagem principal e também a personificação de seu
transtorno de bipolaridade, Miito. Em um frenesi de luzes coloridas e piscantes (esse
continuado na maior parte do filme), uma conversa entre criador e criação nos introduz
“Miito”, a primeira criação, determinada a ser a última e única, “infectando” as outras
criações a se parecerem com ela. O caráter etéreo, sobrenatural, aparece a partir das
máscaras e efeitos especiais incessantes, que de certa forma distorcem e desnaturalizam
a presença humana. Ian demonstra por meio da montagem e das edições a paixão e o
caos presentes em seus episódios de mania depressiva/obssessiva, assim como as varias
facetas do distúrbio, da sensação de estar pegando fogo, de sofrimento e dor, até a
sensação de ser poderoso capaz de realizar qualquer feito.

A segunda musica é 1 Shot. A primeira cena em plano aberto é de Ian fugindo de


ninguém em especial (ou de si mesmo), enquanto vislumbramos apenas sua silhueta,
como se ele começasse a se desvincular de si, ou iniciasse sua mudança de humor. O
episódio de psicose e paranoia é notado pelo uso das cenas de sequestro, da câmera em
movimentos rápidos, do caos vislumbrado no céu, e das luzes piscando incessantes no
quarto desconfortavelmente colorido, uma provável metáfora sobre sua própria mente, a
agonia é quase palpável e a dor emocional se faz transparecer fisicamente nos
hematomas por todo seu corpo. A paranoia, leva ao medo e isso o faz se render às
medicações. É interessante notar a rapidez com que tudo aparenta acontecer nessa cena,
as distorções, os jump cuts, as luzes entregam a sensação de desconforto facilmente,
assim como o enfoque nas expressões da personagem.

A terceira música é Mood, traz mais referencias além do noir (uma vertente do
expressionismo alemão), como as colagens, a colorização saturada, um flerte
interessante com um surrealismo misturado a animações (ouso citar o pop art), a partir
dos constantes efeitos especiais. Quase um exemplo concreto do “sinistro
contemporâneo”, explicitado na presença de um ser sempre a espreita, cujas intenções
não estão claras, e da ansiedade e agitação causada pelas cores vivas.

E por fim a quarta música, Ribbon, o clímax, após sua ruina em Mood (numa genial
brincadeira com homônimos, “Mood” e “Doom”, que traduzidos do inglês se tornam
humor e ruina respectivamente) o personagem principal se vê fragilizado e depois
encurralado por seres que o transformam em outra “persona”, em outra criação, essa
enérgica e elegante, porém infectada por Miito, evidenciada pela falta do olho direito
característico daquele. Ao retornar para seu estado “equilibrado”, porém ferido, ele
percebe que não há escapatória de seu próprio eu, de sua própria mente, de seu próprio
ser.

Essa batalha ininterrupta contra si mesmo, as metáforas e personificações presentes no


filme recobraram-me muito às obras expressionistas, principalmente na pintura, mas,
também, no próprio cinema, muitas escolhas feitas principalmente nas edições
recheadas de cores vivas, nas extensões de cenas, nas distorções, na aflição das luzes,
suscitam uma agonia real vivenciada por pessoas com transtornos mentais. O artista
encontrar nessa alternativa obstinada, principalmente se tratando da indústria em que
estão inseridos, em resposta a sua bipolaridade, no belo e no grotesco de sua
imaginação, de sua criatividade, uma forma de mostrar as suas vivências, passíveis de
identificação, numa obra essencialmente moderna e intimista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bismuto Labs-Web Design e Marketing Digital. (2022, maio 26). As novas influências
do expressionismo alemão no cinema. Comunidade Cultura e Arte.
https://comunidadeculturaearte.com/as-novas-influencias-do-expressionismo-alemao-
no-cinema/

REGIME, D. P. Dpr Ian - seraph | 1 shot | mood | ribbon | official miito movie (part
i). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=k9EtzlAozOQ>. Acesso em: 20
jan. 2023.

SHOW, Z. S. DPR IAN talks moodswings in to order, his time in the kpop industry
& living with bipolar disorder. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=iPQQnqiq_u0>. Acesso em: 20 jan. 2023.

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