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O SILÊNCIO É O BARULHO MAIS ALTO.

Repare bem no que não digo. Disse Paulo Leminski certa vez, e o rapper Emicida,
que já diz muito sobre tudo, nos propôs uma densa reflexão sem dizer
absolutamente nada. Quando sobe ao palco, nos mostra uma cena corriqueira que
vive e que posteriormente viverá após o lançamento do seu álbum. E após a
primeira cena somos imergidos em um universo de personagens da vida real em
seus cotidianos, podendo desfrutar de cada cultura, raças, credos na pureza da
simplicidade.

"Quando estamos diante de algo grandioso, há tanto para se dizer que a melhor
forma de se manifestar é apenas com a contemplação do silêncio", diz Emicida.

Em tempos de guerras de narrativas, guerras políticas, guerra de nação contra


nação, o rapper nos convida a observar as diferenças e riquezas de todos os
lugares e pessoas, do meio da floresta Amazônica a um terreiro de candomblé, de
uma mineradora a uma igreja evangélica. Mas, que tanto que as imagens falam que
não poderia ser dito em palavras? Por que Emicida utilizou de uma linguagem não
verbal para uma reflexão?
W. J.T. Mitchell nos responde com a seguinte reflexão: “todos sabem que uma foto
de sua mãe não é algo vivo, mas relutariam em destruí-la. Nenhum indivíduo
moderno, racional e secular considera que imagens devem ser tratadas como
pessoas, mas sempre estamos dispostos a fazer algumas exceções para casos
especiais".
Emicida é um rapper da geração da nova escola, que enfrenta um sistema
cauterizado de racismo, desigualdade, corrupção, critica as desvantagens para o
morador da periferia, entre tantos problemas sociais, em forma de versos e rimas. E
não é diferente nas imagens dos vídeos, ele chama a atenção de todos, em nome
de quem viveu e ainda vive em silêncio.

Freud disse uma vez que o inconsciente se diz de diversas maneiras, e é assim que
o cantor relata o inconsciente de milhares e milhares de pessoas. Se repararmos as
imagens e os cortes da câmera em cada cena, percebemos a fala no olhar de cada
personagem, o pastor da cena na igreja, a submissão de uma mulher na terceira
cena, o semblante do homem frente à mulher, a transferência de força e
personalidade na cena das danças de origem africana, sentimos empatia quando
somos levados ao rio e fitamos o olhar na senhora indígena e que aparentemente
está no seu habitat intacto, e todas as demais cenas, os olhares, as paisagens, as
cores, a expressão corporal falam, nos dão um recado. Mas o que nos chama a
atenção é que na última cena, o cantor não olha para a câmera, e sim para o
público, o que nos leva a pensar é que toda a atenção precisa ser nas pessoas
mesmo, e não nele.
Tudo isso traz reflexões:
- O que precisamos saber sobre as religiões? Ou como podemos respeitar a
cultura dos diferentes povos, a começar em nosso país?
- Será possível pensarmos que um dia a mulher terá o mesmo tratamento em
todas as esferas da sociedade que o homem hoje tem?
- O que querem, o que pensam os indígenas?
- Um caminhão lotado com pessoas de cor preta, estariam contentes com o
trabalho que estão aderindo para sustentar sua família? Estão em condições
próprias para trabalho?
- Trabalho análogo à escravidão é raridade mesmo hoje em dia?

São tantas reflexões que precisaria de uma franquia de filmes para tentar
respondê-las. Filmes que não precisam de atores ou de enredo adaptado,
bastam as imagens do cotidiano das cidades urbanas, rurais, áreas
indígenas…

O silêncio definitivamente é o barulho mais alto.


Quando todos querem falar, ele é definitivamente um convite à reflexão.

A ideia de Aristóteles de que a “arte imita a vida”, chama a atenção para as


situações que cada pessoa, comunidade, sociedade, etnia, enfrenta em suas
trajetórias de vida, inclusive no que diz respeito à invisibilidade social em que as
minorias são submetidas.

O paradoxo é que esse silêncio é um grito de desespero que incita à reflexão de


que precisamos rever as práticas sociais, para que haja diálogo entre os povos e as
nações, e não um silêncio.

Por
Ana Carolina Cassiano.

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