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in loco - 5o cineop
O restauro e o encontro da experiência
por Paulo Santos Lima
Esse anonimato do autor dessas captações dá à câmera uma certa identidade própria, como
se ela, nas tantas tomadas captadas a bordo dos bondes cariocas, fosse a própria fusão
homem-câmera. A máquina, invisível mas atuante, tomando o espaço e o trazendo à tela.
Imagens, por definição “matemática” (e simplificada, anterior e, certamente, ingênua), puras,
diretas, “sem intervenção”, sem um dedo humano. Imagens frias, mecânicas, engrenais e, por
conseguinte, sem alma. Nessas imagens fragmentadas que não foram nem editadas, a
manipulação é ínfima, algo entre um still ou uma colorização em certo elemento na cena. São
planos fortes, carregados de muita informação sobre uma metrópole de um tempo remoto,
jamais indicado antes dos créditos finais. É na inserção sonora, reproduzindo quais ruídos
poderia haver nessas cenas, como o rascar da correria dos bondes nos trilhos, pessoas
passando, o comércio local etc, que o filme dá voz à experiência.
Os sons, por vezes, surgem sobrepostos aos “da rua”, mas remetendo aos arredores, como
um trecho de diálogo entre Humphrey Bogart e Lauren Bacall em À Beira do Abismo (1946)
quando a porta de um cinema aparece na tela. O que Na Trilha do Bonde consegue é um belo
looping, ou seja, utilizar essas imagens para que se reencontre essas mesmas imagens com
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mais índices humanos, com mais substância material. No falseio que o cinema se permite, não
é errado, assim, adicionar uma leva de criações pessoais dos cineastas para devolver vida (e
contexto) ao material. Em outras palavras, num mundo (e cinema) tão ligados ao som e à
palavra, o média não deixa de ser uma empreitada ilusionista, convidando o espectador ao
mergulho naquelas imagens. A quem acha equivocadamente que o filme julga, ao passar por
um túnel e chegar ao mesmo Rio de Janeiro dos anos 60, agora órfão de bondes e
freqüentado por ônibus poluentes, fica ainda mais claro que a imersão se faz mais total quanto
maior é a narrativização. De certo modo, nosso senso tende a narrativizar qualquer objeto à
nossa frente, impondo-lhe um contexto e lógica dramática. Pois Na Trilha do Bonde, como seu
título já expressa, está junto ao bonde e seus trilhos, à máquina e sua estética, que bem
poderia ser a tal câmera (con)fundida ao bonde, o que é, por fim, a história da vida e morte de
um estilo de vida, de um momento humano, de um certo homem que se foi junto ao
esvaziamento dos trilhos.
Um tanto sutil (e difícil) de justificar em texto, mas o que Fer e Picolomini fazem não é estetizar
seres e seus ambientes, mas encontrar a estética desses seres e seus ambientes. Temos
cabos, ferros, trilhos, fazendo um emaranhado geométrico na tela. Há, também, grandes
massas humanas entrando e saindo dos trens, câmera filmando-as um tanto do alto – mas,
além do movimento, há de fato homens e mulheres trespassando os vagões. Encontrar a
experiência dessas pessoas, cuja heterogeneidade pede a mesma fragmentação e coleta
diversa e difusa de elementos ao longo do filme, é exemplar perto do que seria uma
(hipócrita?) coleta de vozes, que seria mais a expressão de um indivíduo que, na verdade,
jogo de cena, diria mais sobre os diretores e suas escolhas e bem menos do próprio
entrevistado. Sem espaço “amigo” à voz de alguém, foge-se do ninguém e Variante estabelece
muito bem sua coisificação, que é forte, mas concentrada apenas nas coisas que fazem parte
do cotidiano dessas pessoas que usam os serviços da CPTM, das plataformas aos áudios de
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jogos de futebol. Aqui, no caso, a imagem já nos coloca perto da matéria desses espaços e
seus seres, e os sons adicionam polivalentemente extratos das tantas experiências dessas
pessoas. Experiências que se confundem com as próprias imagens geométricas e em moto-
perpétuo, ou seja, experiências que encontram sua própria imagem.
Julho de 2010
editoria@revistacinetica.com.br
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