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Leitura da História da Arte Moderna de Giulio Carlo Argan (Clara Cavendish)






O método crítico da historiografia de Argan tem a dialética de Hegel como fio condutor para sua interpretação do
desenvolvimento da arte moderna. A afirmação da autonomia da arte e a ideia de superação estão sempre presentes em suas
análises históricas (superação = Aufhebung → [superar conservando] resultantes de um conflito dialético das partes em uma
síntese, onde esta superação preserva elementos anteriores).

Como consequência desta visão suas interpretações são frequentemente surpreendentes e inusitadas. São significativamente
reveladoras suas abordagens de enfoques relativos a combinações e avaliações que fogem às concepções usuais e estabelecidas
em diversas versões da historiografia da arte.

Como no caso de Ingres e Delacroix, dois artistas que representam a grande tensão moderna, mais especificamente entre o
clássico e o romântico, onde o clássico teria como referência o mundo antigo greco-romano e o romântico estaria ligado à arte
cristã da idade média, sempre relacionada a uma revelação do sagrado. A argumentação de Argan nos esclarece a respeito de
aspectos da história da arte moderna aparentemente contraditórios, que através de sua interpretação, se revelam muitas vezes
complementares ou como partes de uma mesma tendência. A visão sempre renovadora que dirige ao seu objeto de estudo,
inaugura possibilidades onde as duas mencionadas tendências artísticas seriam complementares e de fato pertenceriam a um
mesmo ciclo de pensamento.

O Iluminismo e a ruptura da tradição abrem caminho para novas interpretações e funções da arte, que conquista sua
autonomia em relação às outras áreas do conhecimento. A natureza já não é mais a fonte de todo conhecimento e sim objeto da
pesquisa cognitiva. O fato político substitui o lugar da natureza-revelação e o homem esclarecido torna-se transformador da
realidade. Argan dissolve os clichês do que seria considerado moderno ao explicitar alguns momentos intrínsecos de sua
dialética. A visão simplista que afirma a modernidade de Delacroix em contraposição a Ingres é desconstruída por ele quando
afirma a complementaridade destes dois artistas. Para ele a verdade do romantismo seria uma resultante necessária do
momento neoclássico.

Demonstra este fato ao revelar a postura substancialmente moderna de Ingres que concebia a arte como pura forma. Em sua
análise da banhista de Valpinçon observa que Ingres priorizava a relação entre as coisas no quadro ao objeto representado.
Valorizava mais a forma enquanto forma e não enquanto a explicitação de um conteúdo. A obra não teria funções cognitivas ou
morais, ou seja, ela teria uma razão em si mesma, um sentido intelectual e moral. O sentimento puramente estético
preponderava em sua ação. Argan chama a atenção para a desproporcionalidade da figura na banhista de Ingres que é
deformada em função da harmonia do todo e de sua necessidade expressiva. Esta é sua maneira de imprimir autonomia à obra.
Ao descrever a postura de Ingres por ‘inserir uma vértebra a mais’, na odalisca docemente deformada, divide com o leitor o
prazer estético que experimenta na criação de sua linguagem poética, como se ele próprio estivesse pintando um outro quadro,
a partir daquele que vê e analisa. A mesma liberdade que tem Ingres com seu objeto é experimentada por Argan em sua
narrativa espirituosa e sedutora. Seu olhar diagnóstico percebe em Ingres uma postura revolucionária ao não aceitar nenhum
ideal formal a priori, inaugurando o ‘fazer’ da arte e a ‘ação’ deste fazer enquanto constituintes da própria arte. Com Ingres
inicia-se uma nova maneira de ver e experimentar a realidade, sendo este o “primeiro a reduzir o problema da arte ao problema
da visão”. (1)

Argan é um historiador e crítico de arte que adota um ponto de vista rigorosamente fenomenológico, realiza sua tarefa através
da análise viva dos trabalhos artísticos: “É justamente neste movimento que conduz das obras analisadas a questões éticas,
prático-cognoscitivas e existenciais _ isto é a questões históricas _ que está a grandeza e boa parte do interesse dos estudos de
Argan.” (2) O ‘fazer’ da arte que deixa de ser um mero executar de uma idéia pré-concebida, submetido a um procedimento
puramente operacional, passa a ser determinante na concepção da obra em si e de sua ideação, passando a ser parte integral do
processo estrutural, ou seja, “a seqüência de operações mentais e manuais com que um conjunto de experiências culturais de
diferente importância e extração se condensa e compendia na unidade de um objeto para se dar simultaneamente, como um
todo à percepção”.(3) A presença do objeto artístico no momento presente abre a possibilidade de mediação entre diferentes


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Disponível em: http://claracavendish.blogspot.com.br/2010/01/yeah-we-have-bananas.html (último acesso: abril-21016)
épocas e momentos históricos, condensando futuro, passado e presente o que congrega o agir artístico e o agir histórico, unindo
a arte à sua historicidade e exercendo a função de medida para a consciência do valor do agir humano.

Ao mesmo tempo em que a arte conquista sua autonomia, torna-se cada vez mais premente a questão de como ela se relaciona
com os outros saberes. Argan tece sua rede de significações históricas em um regime da livre pesquisa destes saberes, partindo
em uma “busca de todas as relações possíveis” para a realização de sua historiografia da arte. Não existe um nexo prévio de
‘idéia’ como conseqüência da História. Ele extrai o nexo histórico da própria estrutura das obras de arte, pois a arte no seu
‘fazer’ instaura esse nexo e a historicidade de um trabalho de arte não seria uma entidade, presa em si mesma, mas a sua
possibilidade de leitura acontece sempre em um plano contemporâneo que une a história da arte à crítica de arte. (4)

Podemos tomar como referência da historicidade da obra de arte sua análise da famosa pintura histórica “A liberdade guia o
povo” de Delacroix. Ali Argan dá mostras de sua capacidade de leitura contemporânea de uma obra do passado e a partir desta
desenvolver sua narrativa histórica. Ele explicita o drama da história vivido por Delacroix em uma obra que se tornou o símbolo
da liberdade, das transformações e rupturas. Os indicadores formais e simbólicos que o pintor utiliza nesta obra, através de
ambientações, vestimentas e posturas que caracterizam os personagens daquela cena histórica, são elementos para a
decodificação da conjuntura política e social que Argan realiza com extrema agudeza. Toda a situação paradoxal vivida pela arte
e pelo artista moderno indica que vão percorrer um novo caminho na sociedade capitalista que já se desenha nesta conjuntura.
Argan traz à tona o caráter ambíguo da postura dos românticos no contexto revolucionário da luta de classes. Ele decifra o
“significado político ambíguo” e denuncia a postura paradoxal de Delacroix que, apesar de se declarar anti-burguês, freqüenta
os nobres salões, numa postura mais aproximada àquela da alta burguesia financeira. O historiador define o quadro de Delacroix
como realista e chama a atenção para seus detalhes. Alude, com acurado poder de observação e sensibilidade, ao “macabro
apelo emotivo das polainas brancas nos pés do soldado morto”, e explicita a “vontade de caracterizar” de Delacroix. Ao
decompor a estrutura do quadro ressalta seu poder de manipulação da emoção feita através da representação ficcional
figurativa, imprimindo maior dramaticidade à obra. Assim, afirma a necessidade de Delacroix de, ao referenciar-se à obra de
Gericault, corrigi-la e negá-la, afirmando seu discurso explicitamente moderno, através da franqueza da execução pictórica,
onde a liberdade da cor (raiz da arte romântica) é o principal ponto de ruptura entre a arte do passado e a arte do seu próprio
tempo. (5)

A partir do desenvolvimento das forças produtivas que atingem o momento capitalista da industrialização, colocando em crise a
forma artesanal de produção, a arte moderna virá a tornar-se a “própria história desta crise”. Neste momento o artista moderno
explicitará o conflito desta relação entre o fazer ético do homem e o fazer racional da máquina (produção em série) revelando
sua crescente situação de isolamento em relação à sociedade. Isto significa o fim das afinidades entre a arte e o novo modo de
produção capitalista. Estas contradições se revelam no conflito do indivíduo frente à coletividade na sociedade industrial e o
questionamento do lugar da arte nesta configuração (onde ela não mais opera em termos de dualismos entre teoria e práxis).
Esta situação vivida pelo artista seria de fundamental importância para as transformações na arte moderna. O artista está no
centro da problemática do mundo moderno servindo de referência para um trabalho criativo em oposição ao trabalho alienante
da indústria.


Em sua preocupação com as relações sociais no sentido da libertação do homem, Argan veria na arte o “modo perfeito e
exemplar do fazer” que serviria de modelo para a atividade do trabalho humano, no sentido de liberá-lo de suas negatividades
sociais (6). A arte exerce a função de criação de valores éticos com sua “exatidão no realizar não tanto a própria função quanto o
próprio dever, e é o meu querer ser alguma coisa de diferente daquilo que de fato sou; o meu querer fazer-me com a mesma
precisão com que a técnica mecânica faz um objeto. E esse querer ser é ainda um momento do meu ser, e precisamente aquele
da minha individualidade ou personalidade, já que para os outros sou aquilo que sou, e aquele eu eidético, aquele meu querer
ser, aquela minha intenção de ser de outro modo é a única parte de mim que me pertence exclusivamente”. (7)

No modernismo, o panorama do pensamento e o papel da arte estão em transformação dinâmica. As concepções de tempo e
espaço não seriam ali mais concebidas como dados à priori e a natureza não seria mais a natureza revelada e sim o ambiente da
existência humana, sendo o homem parte integrante deste ambiente e objeto de observação e conhecimento. O modo de
apreensão da realidade ocorre assim a partir da consciência humana, pois não existiria uma realidade fora desta consciência. A
consciência pura não existe e sim a consciência de algo. O belo em si, também não existe, mas o processo de saber. Para Hegel,
ao contrário do idealismo transcendental kantiano, o real é racional, adequadamente cognoscível pela razão e o racional é real,
pois tudo que o homem pensa pode vir a se concretizar. Segundo este pensador, o poder de transformação e de criação de
realidade do pensamento se dá na História. Se para Hegel, não há coisa em si incognoscível, não existe realidade independente
do pensamento. O pensamento e a realidade estão juntos, tudo pode ser cognoscível pelo pensamento.

A afirmação de que, “para o artista o mundo é somente fenômeno”, (8) e a suspensão de juízo (epoché) fenomenológica de
Husserl, seriam as condições que possibilitariam um deslocamento de sentido nas interpretações históricas de Argan, que
desenvolve conexões e significações a partir das obras, levando em conta com igual importância todos os elementos
constitutivos destas. Ele está ciente de que “o caráter das relações estabelecidas numa obra de arte – sua forma - traz ao
mesmo tempo o vínculo e a diferença com os demais aspectos da sociabilidade”. (9) Estas premissas são decisivas na nova
concepção dos conceitos de forma e conteúdo em uma obra de arte que seriam substancialmente transformados em função da
reflexão de que ela não preexiste à sua expressão. O conteúdo e a forma não mais seriam elementos separados, sugerindo uma
dicotomia, mas sim se mesclariam em conexão direta com o ‘fazer’ da arte, em uma conformação livre onde a expressão seria já
o seu dado formativo, afirmando a sensibilidade enquanto valor de conhecimento. “Na obra de arte a atividade doadora de
forma encontra seu termo exterior, o conteúdo da obra de arte não é mais que o próprio processo de formalização”. (10)

Argan observa que a arte já não mais cumpre a função de intérprete ou reveladora do real, mas conquista paulatinamente sua
independência. “A atividade artística torna-se uma experiência primária e não mais derivada, sem outros fins além do seu
próprio fazer-se. À estrutura binária da mímesis segue-se a estrutura monista da poiesis, isto é, do fazer artístico, e, portanto, a
oposição entre a certeza teórica do clássico e a intencionalidade romântica (poética)”. (11) A arte torna-se processo, uma arte
que pensa a si mesma onde a transparência do fazer e seus questionamentos são partes integrantes da própria obra, numa
tentativa de alcançar uma nova configuração em um mundo em transformação.

Frequentemente Argan encontra elucidações para questões da história da arte através do confronto de pares de oposições cujos
componentes contém elementos de afinidade entre si muitas vezes ignorados nas avaliações convencionais. Sua análise
transforma concepções até então tidas como verdades inelutáveis. Ao avaliar a periodização histórica dos movimentos artísticos
de fim de século XVIII e meados do século XIX, Argan subdivide estes movimentos de forma dialética e as fases pré-romântica e
neoclássica resultam em uma superação, que seria a reação romântica. Argan desvenda as lacunas de tal periodização
explicitando como as diferentes tendências se interpenetram e produzem o núcleo que dará origem a uma nova tendência. Este
seria o caso das poéticas do sublime, do Sturm und Drang, que revelam o sentido da individualidade do sujeito e acentuam o
aspecto trágico da existência. Argan observa as divergências entre o neoclássico e o romântico apontando elementos que
denotam que pertencem ao mesmo ciclo de pensamento, e que sua maior diferença seria da ordem da postura assumida, a
postura racional para o neoclássico e a passional para o romântico. O mesmo acontece quando analisa as poéticas do sublime e
do pitoresco; o sublime enquanto poética do absoluto em contraposição à relatividade do pitoresco. Argan nos mostra a
interação entre as duas poéticas que se completam na sua contradição dialética e como estas tendências se interpenetram e
interagem no tempo e no espaço. Em um exemplo desta análise conclui que: “A poética do sublime exalta na arte clássica a
expressão total da existência, e nisso é neoclássica. Entretanto, visto que considera esse equilíbrio como algo que não continua
e que está perdido para sempre, podendo apenas ser reevocado, já é romântica, já é concepção da história como revival.” (12)

O Sturm und Drang, por adotar formas clássicas em suas poéticas, pertence ao neoclássico, mas a sua idealização reflete uma
tensão tipicamente romântica. Argan conclui que o neoclassicismo seria uma fase de formação do romantismo, movimento que
dá origem a toda a transformação moderna da arte resultando em uma nova forma de pensar o mundo e a própria arte. Estas
seriam transformações da arte e do pensamento ocidental que, em velocidade exponencial, abrangeriam todos os domínios da
vida humana, onde a natureza não seria mais a origem de toda a arte e pensamento. Os sentidos humanos, a própria visão,
seriam agora também objetos de investigação. Podemos observar como Argan subverte as concepções estabelecidas e revela a
limitação destas interpretações para a evolução do pensamento crítico. Seu grande diferencial é a visualização das ambiguidades
das diferentes tendências que constituem esta nova ordem de pensamento explicitando suas afinidades e intercessões.

Um dos exemplos de historiografia da arte que Argan realiza através da análise das obras está no confronto que faz entre as
obras de Turner e Constable, (artistas de fundamental influência no desenvolvimento inicial do romantismo francês). Ao
contrapor este último, para quem não existiria um espaço dado a priori, com Turner, que seria sempre intuição à priori. Argan
contrapõe o sentimento de uma visão emocionada e a outra emocionante, mas como em suas reflexões dialéticas dos pares
opostos, estas confluem para um denominador comum: “No primeiro caso é o sentimento humano (com o fundamento ético
que o pensamento iluminista lhe reconhece) que atribui um sentido ao ambiente natural, no segundo é este que suscita uma
reação passional. Em ambos os casos, de qualquer forma, a natureza não é concebida como o reflexo do criador na imagem do
criado, e sim como o ambiente da vida: um ambiente que pode ser acolhedor ou hostil, mas com o qual se tece sempre uma
relação ativa, não diversa da que liga o individuo à sociedade” (13) O confronto das concepções do espaço destes dois artistas
seria para o autor a fonte das concepções antagônicas que irão se desenvolver na arte da modernidade. Argan ressalta a forma
como estes artistas espelham as posturas a serem assumidas pelo artista na época moderna, frente a realidade natural em suas
atitudes opostas em relação ao espaço na arte. Constable constrói o espaço, para ele este não é dado a priori. O pintor capta e
representa fielmente a impressão que se grava no olho e na mente sendo ele o sujeito da cena, é também natureza, não se
exclui enquanto objeto a ser observado. Povoando o espaço pictórico com pinceladas que vão compor o espaço total do quadro,
equivalentes a objetos dados da realidade, faz deste espaço um somatório de partes onde cada nota teria um equivalente no
real.

A concepção do espaço em Turner escapa ao controle da razão, mas pode arrastar a alma humana em êxtases paradisíacos ou
precipita-la na angústia. Para ele o espaço é ilimitado, universal e cósmico, dado a priori. Partindo de sua concepção de espaço
enquanto totalizante e equivalente ao infinito, a tela seria uma fração deste todo, capturada em um instante contínuo. (14)

Com o pensamento iluminista a relação do homem com a natureza passa de uma postura de contemplação a uma atitude
transformadora. Ele mantém uma relação equivalente à que mantém com a sociedade interagindo e modificando-a. Nesta nova
sociedade da tecnologia moderna em mutação, o belo romântico, mutável, subjetivo, definido pelo juízo, substitui o belo
clássico imutável e perene. O conceito do belo já não é universal, mas o particular, contingente. A transformação do conceito de
belo vai alcançar seu extremo oposto dando origem a poética do feio no expressionismo. Seria a “beleza, que passando da
dimensão do ideal para a dimensão do real, inverte seu próprio significado, tornando-se fealdade.” O “belo decaído e
degradado” (15) seria o equivalente do “feio expressionista”, subvertendo o sentido da palavra, ampliando o conceito de belo,
por incorporar novas formas de expressão até então inaceitáveis. Os expressionistas recusam toda linguagem constituída,
afirmando a gênese do ato artístico. Para ser criação do real a arte deve prescindir de tudo que preexiste à ação do artista: é
preciso recomeçar a partir do nada. (16) Neste sentido, investigam o ato primitivo buscando a ampliação do poder expressivo da
forma estética. Nesta análise sempre com uma visão dialética Argan interpreta o movimento expressionista como resultante de
uma superação (Aufhebung) do caráter essencialmente sensorial do impressionismo, contrapondo à atitude sensitiva
impressionista a atitude volitiva, por vezes até agressiva, expressionista.

Este contraste se explicita na comparação feita por Argan entre as obras, ‘Marcela’ de Kirchner e ‘Mulher de combinação’ de
Derain. Ele elucida o contraste entre o expressionismo francês, de características ainda nitidamente impressionistas e o alemão
com sua rudeza nórdica. O expressionismo alemão da die Brücke tem qualidades bem mais agressivas numa estética da
dissonância onde o feio transmuta-se em beleza. A sinuosidade da linha de Derain, ao contrário, traz a leveza da luminosidade
impressionista tipicamente francesa. O corte da incisão da xilogravura alemã é reproduzido na pintura. Podemos perceber
através de suas linhas secas e rasgadas que mantém a resistência da matéria enquanto um ruído necessário à expressividade
alemã. Os dois simplificam a imagem em amplas áreas de cor pura, que em Derain mantém o ‘esquema impressionistas de
contrastes simultâneos’. Em Kirchner as cores são tratadas a partir de uma necessidade expressiva particular em combinações
ousadas e arbitrárias, além de incorporar o uso da cor preta, talvez uma herança da xilogravura, acentuando ainda mais a
agressividade de suas relações de cor. Derain tem o desenho de linha sinuosa, delicada e sensual, a postura da figura está bem à
vontade dentro do espaço da composição, em contraposição à figura de Kirshner que está contorcida e visivelmente
desconfortável e anatomicamente desproporcional, como uma afirmação do ‘não-saber-fazer’ e do ‘primitivo’, tipicamente
expressionista. A amargura cítrica, quase desagradável, se transforma em apego pela menina desprotegida e angustiada.

O estado de desequilíbrio voluntário seria uma afirmação da desarmonia. A relação entre os elementos do quadro se dá de
forma incômoda e conflitante e a instabilidade e deformação da figura soa como uma revolta contra o ideal clássico de beleza. O
temperamento alemão está implícito nas linhas cortantes e duras. O estado de perplexidade triste do olhar da menina nos
mostra o sentimento de angústia e ansiedade do expressionismo como um manifesto da alma. “É em suma algo inquietante,
quase monstruosamente vivo, que o pintor introduz no mundo, comunica: é exclusivamente essa descarga de tensão volitiva
que caracteriza a estrutura expressionista, em face da estrutura ainda representativa dos impressionistas, dos fauves e do
próprio cubismo.” (17) (18).

Argan nos esclarece como ambos os movimentos ainda preservam a base de sua poética na realidade. O expressionismo,
contrapõe ao realismo impressionista que capta, o realismo que cria a realidade, tendo a arte como veículo de uma
comunicação ativa e contínua entre sujeito e objeto. Entretanto a questão da realidade ainda é o fundamento dos dois
movimentos. A relação sujeito objeto ainda fundamenta sua estética. O expressionismo a despeito de negar o impressionismo
só foi possível por tê-lo entendido com extrema agudeza. Ele o pressupõe.

Notas

(1) GIULIO CARLO ARGAN - Arte Moderna, p.52.

(2) GIULIO CARLO ARGAN Ibid.p. Prefácio de Rodrigo Naves, p.12.

(3) Ibid.p.18, em nota n. (38) Giulio Carlo Argan, “Progetto e destino”, em Progetto e Destino, Milano, Il Saggiatore, 1968, p. 58

(4) Ibid.p.19.

(5) Ibid.p.56.

(6) Ibid.p.18, em nota n. (34) Giulio Carlo Argan, “Salvezza e caduta nell’arte moderna”, em Salvezza e caduta nel’larte moderna,
p.42.

(7) Ibid.p.19,, em nota n. (41) Giulio Carlo Argan, “ Salvezza e caduta nell’arte moderna”, p. 68.

(8) Ibid.p.17, em nota 26 Conrad Fiedler, “Über die Berurteilung von Werken der bildenden Kunst”, em Schriften über Kunst,
Köln, Dumont, 1977, p.51.

(9) Ibid., p.21.

(10) Ibid.17, em nota n. (24) : Conrad Fiedler, “Über die Beurteilung von Werken der bildenden Kunst”, em Schriften über Kunst,
Köln, Dumont, 1977, p. 59.

(11) GIULIO CARLO ARGAN op. cit. p.11.
(12) Ibid.p.20.
(13) Ibid.p.40.
(14) Ibid.p.40.
(15) Ibid.p.40.
(16) Ibid.p.237
(17) Ibid.p. 253-256
(18) Ibid.p. 227


Bibliografia:

ARGAN, G. C. Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

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