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11 fev
2015 (ou da falta dele) na
percepção do mundo
por Camille Paglia
Polêmica ao falar que as mulheres contemporâneas sufocam os homens,
polêmica ao defender que as escolas devem ter aulas de educação
sexual diferenciadas para cada gênero. Polêmica até por afirmar que há
gêneros. A escritora norte-americana Camille Paglia é conhecida por
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desafiar as ideias em voga nos mais diversos campos. Professora de
Humanidades e Estudos Midiáticos da University of the Arts da Filadélfia,
é autora de obras que misturam cultura pop, história da arte, sexualidade Tweets Follow
e os diferentes meios que tornam o homem um espectador: seja na
frente da televisão, de um Pollock ou de sua própria vida. Peter
Singer 18h
@PeterSinger
Em sua mais recente obra, Imagens cintilantes — uma viagem através
da arte desde o Egito a ‘Star Wars’ (Apicuri, 2014), Camille retorna ao My answer to a question on @Quora: What is the
local que a consagrou, a crítica à arte contemporânea. No livro, a autora significance of utilitarianism?
de Personas sexuais analisa 29 obras que considera fundamentais na quora.com/What-is-the-si…
história da arte e afirma, com certa decepção, que os jovens deixaram Retweeted by Fronteiras
ofícios como a pintura e a escultura para emprestar sua lealdade à tecnologia e ao design industrial.
Expand
Em entrevista, Paglia resumiu o panorama que motivou a produção do livro: “O olho sofre com anúncios
piscando na rede. Para se defender, o cérebro fecha avenidas inteiras de observação e intuição. A Fronteiras 19h
experiência digital é chamada interativa, mas o que eu vejo como professora é uma crescente passividade @fronteirasweb
dos jovens, bombardeados com os estímulos caóticos de seus aparelhos digitais. Pior: eles se tornam tão Todos precisamos de comunidade, mas o que faz
dependentes da comunicação textual e correio eletrônico que estão perdendo a linguagem do corpo.” De um coletivo político ser tão forte? Perry Anderson
acordo com ela, esta degeneração gradativa da percepção/expressão tem um grande inimigo: o mercado – em vídeo inédito youtu.be/3oOlm-JMXL0
das galerias às instituições de ensino.
Tweet to @fronteirasweb
Segundo a norte-americana, este mercado não é apenas um objeto a ser combatido, mas sim um profundo
problema de visão sobre a vida, que parte, também, do espectador. Ensinado a enxergar o mundo apenas de
forma política e ideológica, o homem contemporâneo teria perdido a esfera do sensível, do invisível, do
metafísico. A isso, somam-se a rapidez da tecnologia e a promessa de lucro aos artistas, que acabam
trocando o lento processo de aprendizado por contratos exclusivos ou por telas digitais.
Longe de ser uma questão restrita a quadros e esculturas, este contexto de constante estímulo atinge a
sociedade como um todo, como Camille argumenta logo na introdução da obra:
“A vida moderna é um mar de imagens. Nossos olhos são inundados por figuras reluzentes e blocos de texto
explodindo sobre nós por todos os lados. O cérebro, superestimulado, deve se adaptar rapidamente para
conseguir processar esse rodopiante bombardeio de dados desconexos. A cultura no mundo desenvolvido é
hoje definida, em ampla medida, pela onipresente mídia de massa e pelos aparelhos eletrônicos servilmente
monitorados por seus proprietários. A intensa expansão da comunicação global instantânea pode ter
concedido espaço a um grande número de vozes individuais, mas, paradoxalmente, esta mesma
individualidade se vê na ameaça de sucumbir.
Como sobreviver nesta era da vertigem? Precisamos reaprender a ver. Em meio à tamanha e neurótica
poluição visual, é essencial encontrar o foco, a base da estabilidade, da identidade e da direção na vida. As
crianças, sobretudo, merecem ser salvas deste turbilhão de imagens tremeluzentes que as vicia em
distrações sedutoras e fazem a realidade social, com seus deveres e preocupações éticas, parecer estúpida
e fútil. A única maneira de ensinar o foco é oferecer aos olhos oportunidades de percepção estável – e o
melhor caminho para isso é a contemplação da arte.”
Ainda em seu texto introdutório, Camille critica as instituições de ensino por falharem
completamente no ensino da visão que nos tiraria desta vertigem. Se precisamos reaprender a
ver, as faculdades de arte, para ela, poderiam ser consideradas mais um empecilho do que uma
parceira nesta tarefa. Leia, abaixo, o que ela tem dizer sobre isso a partir de excerto do livro
Imagens cintilantes:
“É de uma obviedade alarmante que as escolas públicas norte-americanas têm feito um mau
serviço na educação artística dos estudantes. Da pré-escola em diante, a arte é tratatda como uma prática
terapêutica – projetos com cartolina do tipo “faça você mesmo” e pinturas com os dedos para liberar a
criatividade oculta das crianças. Mas o que de fato faz falta é um quadro histórico de conhecimentos objetivos
acerca da arte. As esporádicas excursões ao museu, mesmo que haja um por perto, são inadequadas. Os
cursos de história da arte deveriam ser integrados ao currículo do ensino primário, fundamental e médio -
uma introdução básica à grande arte e a seus estilos e símbolos. O movimento multiculturalista que se seguiu
à década de 1960 ofereceu uma tremenda oportunidade para expandir o nosso conhecimento do mundo da
arte, mas suas abordagens têm com demasiada frequência sacrificado a erudição e a cronologia em favor de
um partidarismo sentimental e de queixumes rotineiros.
Era de se esperar que as faculdades que oferecem cursos de artes liberais dessem ênfase à educação
artística, mas não é esse o caso. O atual currículo, de estilo self-service, torna os cursos de história da arte
disponíveis, mas não obrigatórios. Com raras exceções, as universidades abandonaram toda noção de um
núcleo de aprendizado. Os departamentos de humanidades oferecem uma mixórdia de cursos feitos sob
medida para os interesses de pesquisa dos professores. Tem havido um gradual eclipse, nos Estados
Unidos, do curso de história geral da arte, que cobria magistralmente, em dois semestres, da arte das
cavernas ao modernismo. Apesar de sua popularidade entre os estudantes, que se recordam deles como
pontos culminantes em suas vivências universitárias, os cursos gerais são cada vez mais vistos como
excessivamente pesados, superficiais ou eurocêntricos – e não há mais vontade institucional de estendê-los
para a arte mundial.
Jovens professores, criados em meio ao pós-estruturalismo, com sua suspeita mecânica da cultura,
consideram-se especialistas, e não generalistas, e não foram treinados para pensar sobre trajetórias tão
vastas. O resultado final é que muitos alunos de humanidades se formam com pouco senso da cronologia ou
da deslumbrante procissão de estilos que constituía a arte ocidental.
A questão mais importante acerca da arte é: o que permanece e por quê?
A civilização é definida pelo direito e pela arte. As leis governam o nosso comportamento exterior, ao passo
que a arte exprime nossa alma. Às vezes, a arte glorifica o direito, como no Egito;; às vezes, desafia a lei,
como no Romantismo.
O problema com abordagens marxistas que hoje permeiam o mundo acadêmico (via pós-estruturalismo e
Escola de Frankfurt) é que o marxismo nada enxerga além da sociedade. O marxismo carece de metafísica –
isto é, de uma investigação da relação do homem com o universo, inclusive a natureza. O marxismo também
carece de psicologia: crê que os seres humanos são motivados apenas por necessidades e desejos
materiais. O marxismo não consegue dar conta das infinitas refrações da consciência, das aspirações e das
conquistas humanas.
Por não perceber a dimensão espiritual da vida, ele reduz reflexivamente a arte à ideologia, como se o objeto
artístico não tivesse outro propósito ou significado além do econômico ou do político.
Hoje, ensinam aos estudantes a olhar a arte com ceticismo, por seus equívocos, suas parcialidades, suas
omissões e ocultos jogos de poder. Admirar e honrar a arte, exceto quando transmite mensagens
politicamente corretas, é considerado ingênuo e reacionário. Um único erudito marxista, Arnold Hauser, em
seu épico estudo de 1951, A história social da arte, teve bom êxito na aplicação da análise marxista, sem
perder a magia e o mistério da arte. E Hauser (uma das influências iniciais do meu trabalho) trabalhava com
base na grande tradição da filologia alemã, animada por uma ética erudita que hoje se perdeu.
A arte é o casamento do ideal e do real. Fazer arte é um ramo da artesania. Artistas são artesãos, mais
próximos dos carpinteiros e dos soldadores do que dos intelectuais e dos acadêmicos, com sua retórica
inflacionada e autorreferencial. A arte usa os sentidos e a eles fala. Funda-se no mundo físico tangível.
O pós-estruturalismo, com suas origens linguísticas francesas, tem a obsessão pelas palavras e, com isso, é
incompetente para interpretar qualquer forma de arte além da literatura. O comentário sobre arte deve
abordá-la e descrevê-la em seus próprios termos. Deve-se manter um delicado equilíbrio entre os mundos
visível e invisível. Aqueles que subordinam a arte a uma agenda política contemporânea são tão culpados de
propaganda e rigidez literal como qualquer pregador vitoriano ou burocrata stalinista.
- Leia na íntegra este ensaio introdutório por Camille Paglia, o primeiro da obra Imagens cintilantes