Você está na página 1de 34

XXIX Encontro Anual da ANPOCS

25 a 29 de outubro de 2005
GT "Imagens e sentidos: a produção de conhecimento nas ciências sociais".
Entre reflexividade e estetização da violência
Paulo Jorge Ribeiro
Professor do Departamento de Sociologia e Política – PUC-Rio

Sinopse:
As recepções possíveis encontradas ao filme Cidade de Deus (2001) são centrais às
controvérsias que dizem respeito à dimensão estética do cinema brasileiro contemporâneo.
E isto porque o filme de Fernando Meirelles possui como um de seus atributos dominantes
as polêmicas travadas a respeito tanto da possível estetização da violência que o filme
provoca, como, diversamente, do prestígio pelo tom imagético forçosamente
neonaturalístico que apresenta.
Pretendo daqui analisar como que algumas destas polêmicas propiciadas por Cidade
de Deus se cruzam em novas áreas de enunciação culturais, criando assim experimentações
interpretativas e mapas políticos singulares – e problemáticos –, questões estas que dizem
respeito às próprias fundamentações da análise fílmica como também são pertinentes para a
crítica cultural contemporânea.
1

As práticas representacionais são ideologicamente


significativas, mas acredito ser importante resistir
ao que podemos chamar de determinismo
ideológico a priori¸ isto é, a noção de que modos
particulares de representação estão estreita e
necessariamente ligados a uma dada cultura,
classe ou sistema de crenças, e de que seus efeitos
são unidimensionais.
Stephen Greenblatt – Possessões Maravilhosas

É notória a presença no filme de Meirelles, co-dirigido por Kátia Lund, Cidade de


Deus (2002), de vários campos de tensão presentes no livro homônimo de Paulo Lins
(1997). Observo que vários dos movimentos sísmicos se reduplicaram, o que insere – a
partir de novos e velhos atores, em novos e velhos campos e cenários – também um caráter
provocador à narrativa fílmica. Quais os modelos de representação seriam válidos ou
adequados para se observar o tema da violência em nosso cenário? Qual o verdadeiro
campo que confere valor aos produtos construídos pelo sistema da filmografia nacional?
Em que gênero – documental ou fictício – o filme Cidade de Deus poderia ser indexado? A
estas discussões foram incorporadas outras, como a procura da observância de qual o nível
da estigmatização fora produzida por Cidade de Deus contra a própria favela que leva seu
nome? Como realizar uma versão em forma de roteiro cinematográfico de uma gigantesca
epopéia narrativa como a produzida por Lins?
De toda forma, não tenho a intenção aqui de realizar um inventário das questões que
envolvem Cidade de Deus, questões estas que ocuparam – e ainda preenchem – várias
páginas dos suplementos culturais, políticos, econômicos e policiais nacionais e
internacionais, com reportagens e discussões que claramente ajudaram a comercialização
de Cidade de Deus no Brasil e mesmo no exterior.1 Algumas destas polêmicas, entretanto,
serão destacadas aqui, já que estas podem iluminar aquilo que poderia ser denominado de
zonas de contato que Cidade de Deus provoca.

1
Não é possível aqui abordarmos as discussões a respeito de Cidade de Deus no exterior, o que muito poderia
alterar os enfoques aqui discutidos. Porém, ressalto que o grau de espetacularização gerado pelo filme foi
certamente superior na Europa e fundamentalmente nos Estados Unidos do que em nossas plagas. As próprias
matizações entre indexá-lo como um filme ficcional ou um documentário ficam também mais complexas, já
que o próprio DVD que contém Cidade de Deus em sua versão americana vem acompanhado do premiado
documentário de João Moreira Salles, Notícias de uma guerra particular (1999). A aproximação destes, longe
de somente ser um claro componente que frisaria a leitura documental do filme baseado na obra de Lins,
também pode problematizar os pontos de contato entre estes dois artefatos, o que buscarei ressaltar adiante.
2

Pretendo, neste momento, discutir duas matrizes observadas nas polêmicas que se
seguiram ao lançamento do filme que considero centrais aos campos discursivos
produzidos por este artefato cultural. Em um primeiro momento, almejo considerar quais os
problemas causados pelas possíveis performances desta narrativa em vários cenários do Rio
de Janeiro. Mais exatamente, como foi diversamente apropriado o filme em campos e
cenários diversos? Em seguida, e complementarmente, irei buscar compreender um
problema que atravessa a relação entre cinema e violência: o que poderia ser definido como
uma “estética da violência”? Obviamente que não tenho a pretensão de discutir as variáveis
estéticas da narrativa fílmica – já que outros já o fizeram de forma bem mais rigorosa do
que eu poderia fazê-lo. Diversamente, pretendo sugerir que a questão das representações
possíveis da violência pode nos direcionar a perguntas a respeito de parâmetros de
reflexividade que poderiam surgir a partir de determinados enfoques narrativos e
pedagógicos.
Almejo, assim, analisar como que algumas destas questões se cruzam em novas
áreas de enunciação culturais, criando assim experimentações interpretativas e mapas
políticos singulares – e problemáticos – para a crítica cultural contemporânea.

Entre a estigmatização e o mercado

A primeira destas polêmicas é a respeito da estigmatização social que o filme


poderia produzir na população da Cidade de Deus. O administrador regional de Cidade de
Deus chegou a afirmar: “Será que o nordeste vai pagar a vida toda pelo que fez Lampião?
Temos que enfatizar que a Cidade de Deus reúne trabalhadores honestos e não bandidos
que passam o dia vendendo drogas e cometendo outros crimes” (Motta, 2002). Momentos
diversos da história da Cidade de Deus foram lembrados por outros entrevistados da Cidade
de Deus como fortes temáticas que deveriam ser filmadas – como a enchente de 1996, que
matou vários moradores e deixou centenas de desabrigados, ou ainda a formação da
comunidade, aqui se enfatizando de forma indelével o lado positivo da construção da
sociabilidade do conjunto habitacional. A questão que se anuncia aqui não é o que se deseja
que seja lembrado, mas sim o que se gostaria que fosse esquecido, pois a dor da
3

rememoração é que fundamenta a experimentação do trauma 2 tanto da guerra ocorrida nas


décadas de 70 e 80 na Cidade de Deus quanto no próprio processo de estigmatização social
que os moradores sofrem a partir daquele momento.
Dialogando indiretamente com estes moradores e saindo em defesa de seu projeto, o
diretor Fernando Meirelles, ao ser questionado sobre como as pessoas veriam a Cidade de
Deus após seu filme, disse que “(...) a gente não inventou aquela história. É como um
espelho: a culpa não é do reflexo, é da realidade que está sendo refletida” (apud Moretz-
Sohn, 2002:3). O próprio Paulo Lins, defendendo (e simultaneamente rebatendo) as críticas
que frisavam categoricamente que o filme Cidade de Deus acabou por produzir um
aumento do estigma em relação aos moradores da Cidade de Deus, Lins afirmou seu ponto
de vista daquele processo – “Omitir o lado ruim é mostrar uma realidade falsa. Mostrei o
que eu vivi. Eu passei por tudo aquilo” (apud Globo Barra, 2002).
É preciso salientar que o título do filme reproduz (por razões mercadológicas
óbvias) o título do livro, o que gerou parte das críticas efetuadas por Alba Zaluar.3
Possivelmente que com outro nome – por mais espetacular que fosse – estas questões
seriam abordadas diversamente. Pode parecer algo menor, mas indiscutivelmente o
problema do estigma passa necessariamente pelo título, porque não foram as favelas no seu
conjunto atingidas, foi uma entre várias. De qualquer forma, é necessário notar que os
primeiros filmes de Nélson Pereira dos Santos, Rio 40 graus (1955) e Rio zona norte
(1957), tratavam de questões cotidianas da violência e do crime na cidade do Rio de
Janeiro, porém sem uma referência explícita a uma determinada favela. Porém, como
salientou o próprio Nélson Pereira dos Santos, na polêmica sobre Cidade de Deus, também
seus filmes receberam censuras na época “por mostrar aspectos negativos da cidade”, como
afirmou o longevo diretor (cf. Polêmica Cidade de Deus, 14/2/2003). Pode-se até mesmo
considerar a hipótese de que a canonização destes filmes de Nélson Pereira dos Santos fez
com que não mais lêssemos aqueles trabalhos a partir dos pressupostos da possível

2
As relações com a obra de Freud, nesta questão, são óbvias. A resenha da discussão entre trauma e a
memória são exemplarmente mapeadas pelo trabalho de Selligmann-Silva, 2000. Em relação aos processos
“pedagógicos” que envolvem o trauma, ver também o clássico trabalho de Caruth, 1996.
3
Certamente que as críticas mais contundentes e severas a Cidade de Deus foram produzidas pela
antropóloga carioca Alba Zaluar, em uma polêmica iniciada no site do Viva Favela, do Viva Rio. Esta
polêmica ainda se encontra no ar, e merece ser observada, o que não pode ser realizado aqui devido à própria
dimensão da polêmica e da proposta deste ensaio.
4

estigmatização gerada pelas narrativas, e, sim, através de lentes mais generosas e


compreensivas.

A segunda grande controvérsia aberta pelo filme Cidade de Deus ainda está longe
de se esgotar. Ela diz respeito à transformação em mercadoria das temáticas abordadas no
filme de Meirelles e Lund. A crítica a esta mercadorização visa colocar sob suspeita as
manifestações de engajamento dos diretores no desarme da “bomba da violência” brasileira
(Globo, 2002:2), a partir da crítica ao enfoque estético que os diretores conferiram à
narrativa de Cidade de Deus.4 Podemos nos perguntar, seguindo o argumento de Bentes
(1999:373) em seu provocador panorama dos “sintomas” pelos quais a violência é
representada no cinema brasileiro – ainda que acredite que seja esta uma perspectiva
excessivamente monológica de análise –, se Cidade de Deus não daria continuidade a uma
tradição, presente no cinema nacional a partir dos anos 80, de uma “estética da violência”
espetacularizada destituída de mediações e contextualizações, em mais um “(...) espetáculo
da impotência do ‘sem saída’”, ou mais especificamente, passando de uma “estética” a uma
“cosmética’ da fome”, da apropriação da temática local por uma estética “internacional”
(365)?
A polêmica sobre a “cosmética da fome” que Cidade de Deus lançaria mão
perversamente, sinalizada por Ivana Bentes em várias oportunidades (2002 e 2003) – e
acompanhada por uma vasta gama de críticos ao trabalho de Meirelles e Lund –, pode ser
resumida no artigo publicado no Estado de São Paulo (central ao argumento), artigo este
que poderia fazer parte da própria crítica de Bentes à espetacularização da violência vista
no filme de Meirelles: “‘Cidade de Deus promove turismo no inferno”.
Parto da objeção que esta versão crítica à possível espetacularização promovida por
Cidade de Deus reduz o “público” – como se este fosse singular, estável e, além de tudo,
absolutamente permeável às mensagens externas ou que este não produza mediação alguma
de resistência a estes dispositivos – a uma condição de massa amorfa passiva, transformada
assim em material maleável para o triunfo da vontade do artista/produtor/político.
Percebendo este processo dentro de sua abordagem do público de cinema, Odin (2005)
4
Esta questão traz consigo a perspectiva que o cinema brasileiro do final dos anos 90 constitui a respeito da
crise urbana e mesmo da civilização brasileira, tema este presente em Como nascem os anjos (Murilo Salles,
1996), Os matadores (Beto Brant, 1997) e O primeiro dia (Walter Salles, 1998), entre uma filmografia mais
extensa. Para uma análise da filmografia a respeito das imagens das favelas cariocas e da violência nela
representada, cf. Leite, 2000.
5

alerta-nos que a própria idéia do “público” deve conter uma severa precaução quanto às
suas limitações. Isto porque nem todo o público pode ser observado, como nem mesmo se
pode dizer tudo sobre o público (32). Por isto que, para o teórico americano, “(...) o texto
está sendo construído pela leitura do público; atribuímos aos textos uma intencionalidade
da qual somos a fonte. Existem tantos ‘públicos’ construídos pelos textos quantos textos
construídos pelos diferentes públicos” (28). Daí a necessidade de nos atermos com

“(...) insistência no papel das imposições externas no processo


comunicacional [, o que] é essencial. O espectador constrói o
texto, porém sob a pressão de determinações que o tomam sem
que frequentemente tenha consciência desse fato. O espectador
não é livre nem individual: ele compartilha, com outros, de
algumas imposições. Existe então não somente um, mas vários
públicos em função das limitações compartilhadas” (30).

As observações de Odin podem nos fazer crer que, sem cairmos na falácia do
império do leitor/consumidor absolutamente livre e transgressor, podemos, ao contrário,
visualizar as diferentes posições discursivas que ele ocupa, podendo então perceber que as
políticas de apropriações que são realizadas pelos atores sociais não devem esquecidas, já
que elas envolvem o desvio, a desconfiança ou possíveis resistências ao produto (Certeau,
1996; Chartier, 1987 e 1998; Greenblatt, 1996:19-20;22; Schusterman, 1998).
Deixo de lado estes espinhosos problemas por alguns momentos, posto que procuro
destacar aqui o tensionamento que estas questões introduzem nas arenas culturais e
políticas que irrompem no cenário cultural brasileiro a partir das leituras que são
produzidas a partir de Cidade de Deus em cenários não-hegemônicos. Cartografar como
estas polêmicas se movimentam dentro de uma lógica agonística, procurando perceber suas
margens e áreas de contato, pode possibilitar que se tornem visíveis as potências históricas
que estão aqui em conflito.

A regra da exceção

As críticas, sejam elas proferidas pelos especialistas em cinema ou ainda em várias


reportagens que se seguiram ao lançamento de Cidade de Deus, ressaltaram em diversos
6

momentos os efeitos perniciosos que o filme provocou, tanto a partir de sua formalização
estética, como no aumento de estigmatização que o filme de Meirelles e Lund provocava no
próprio bairro da zona oeste carioca. Tentarei compreender estes dois momentos
nevrálgicos e, a partir daí, buscarei reler este artefato a partir de outras comunidades de
espectadores, para tentar compreender outras leituras e usos possíveis deste complexo
cenário.
Como ressaltado anteriormente, a crítica de Bentes advertiu-nos para os aspectos
espetacularizadores contidos em Cidade de Deus. Fruto direto desta análise, Prysthon e
Carrero (2002) enfatizaram que

“Cidade de Deus (...) opta por uma estilização visual tão


intensa que compromete esse equilíbrio. Essa estilização
excessiva aparece na profusão de filtros coloridos para
demarcar as três diferentes épocas do recorte temporal
escolhido pelo filme; giros de 360 graus, com a velocidade
de projeção variando entre o lento o rapidíssimo, um truque
muito usado em propagandas de automóveis para a TV;
cenas que são narradas das perspectivas de três diferentes
personagens; desobediência a uma cronologia temporal
rígida, o que permite que a ação vá e volte em períodos
curtos de tempo. Todos esses são elementos técnicos usados
em profusão nos filmes contemporâneos de Hollywood.
Cidade de Deus é pop, sob influência direta de Quentin
Tarantino, Steven Soderbergh, David Fincher, Guy Ritchie.
É um filme tão pop que chega quase a ser kitsch.” (65).

Esta crítica vai de encontro a outros trabalhos que analisaram severamente o filme de
Meirelles e Lund. Todas têm em comum se ater na desqualificação estética e política de
Cidade de Deus (cf. Pires, 2002; Adler Pereira, 2003), vendo-o como uma confirmação de
estereótipos pela mídia e na essencialização das personagens do filme (Rosito, 2004), em
vê-lo como uma “excrescência política” (Werneck, 2002), ou ainda como uma forma de
safári protegido para as classes médias (Lima, 2002).
De toda forma, mesmo persistindo as fragilidades formais e políticas de Cidade de
Deus anotadas por vários analistas, creio ser bem mais grave a questão derivada da
estigmatização provocada na própria Cidade de Deus pelo filme de Meirelles, o que reforça
as proposições levantadas acima. Ainda mais quando vários moradores do bairro se
mostraram contrários ao filme, a partir de facetas e diagnósticos diversos a respeito de seus
7

efeitos. Em uma das mais contundentes e bem elaboradas destas críticas, Kátia Santos,
antiga moradora da Cidade de Deus e hoje doutoranda em Literatura Afro-americana na
Universidade da Geórgia (EUA), afirma:

“Acredito ser esse um dos pecados do filme Cidade de Deus.


A desumanização de tudo e de todos, disfarçada de ‘ficção
verossimilhante’. E não é bem assim, sabemos que não.
Alguém gerou o Dadinho. Alguém chorou pelo bandido Zé
Pequeno. Mas a impressão que fica, a partir do filme, é que
gente preta brota na terra da noite para o dia, vem do nada, e
já de arma na mão. Tudo exatamente como se o filme tivesse
sido feito a partir do saco azul de crimes – a coleção da
minha mãe. No saco também não havia nada sobre as raízes
daqueles bandidos ou vítimas. Afora o filho do peixeiro,
ninguém mais tinha família, não há famílias na CDD de
Fernando Meirelles. Só há um amontoado de gente preta
matando ou morrendo. Essas informações não vendem
jornais - e nem entradas para o cinema.” (Santos, 2003).”

Esta não é uma opinião isolada. MV Bill, o famoso rapper da Cidade de Deus,
também foi incisivo, em um artigo publicado dentro da polêmica inaugurada pelo site Viva
Favela, do Viva Rio. Nele, MV Bill asseverou:

“Vou colocar todo mundo na bola. O mundo inteiro vai saber


que esse filme não trouxe nada de bom para a favela, nem
benefício social, nem moral, nenhum benefício humano. O
mundo vai saber que eles exploraram a imagem das crianças
daqui da CDD. O que vemos é que o tamanho do estigma
que elas vão ter que carregar pela vida só aumentou, só
cresceu com esse filme. Estereotiparam nossa gente e não
deram nada em troca para essas pessoas. Pior, estereotiparam
como ficção e venderam como verdade.” (MV Bill,
20/1//2003).

Por fim, o desabafo de Gilcinei Sant’Anna, também morador da Cidade de Deus, no


mesmo site (17/10/2002). “Quem está lucrando com isso? Se o filme fala do cotidiano da
favela, ou seja, daquilo que todo mundo já sabe... Então, que fale um pouco daqueles que
põem a violência na sociedade. Lembram do filme Pixote, a lei do mais forte? Quantos
pixotes não apareceram nas favelas e, agora, quantos manes-galinhas e zés-pequenos serão
construídos?” Vários comentários ao filme de Meirelles e Lund ressaltaram que crianças,
8

principalmente as moradoras da Cidade de Deus, saíam da exibição do filme gritando:


“Quero ser o Zé Pequeno!” “Quero ser o Mane Galinha!”5
Certamente que outros moradores da Cidade de Deus também foram favoráveis ao
filme, por verem nele uma forma de se visibilizarem ou ainda por acreditarem que ele
realmente retratava aquilo que havia acontecido (cf. site Viva Favela). Mas não é possível
negar que alguns efeitos produzidos por Cidade de Deus realmente foram prejudiciais à
imagem e à auto-estima da população local, como também é relevante observar que o
retorno em investimentos e projetos sociais para a própria Cidade de Deus foi limitada – ao
menos nos primeiros momentos da polêmica. Mas o que me interessa neste momento é
ressaltar dois pontos, que farão a contraposição dialógica aos argumentos aqui expostos.

A exceção da regra

Em março de 2002, fui convidado a ministrar três aulas em um curso para meninos
e meninas de diversos projetos sociais no Rio de Janeiro, “Curso de Formação e Cidadania
para Jovens Lideranças”, coordenado por João Trajano Sento-Sé, no projeto IPÊ.6 E lá fui
para uma experiência inédita: dar aulas para vinte e quatro jovens, meninos e meninas,
rapazes e moças, entre 15 e 23 anos. Moradores de favelas como Vigário Geral, Alemão,
Vila Aliança, Vila Cruzeiro, entre outras menos conhecidas pelo noticiário policial – que,
na verdade, é corriqueiramente o espaço discursivo que tomamos ciência da existência
destes locais. Possuíam aqueles alunos histórias que pasmavam, já que os temas abordados
durante as aulas eram muitas vezes catárticos para eles: jovens que entraram e se retiraram
do tráfico por questões várias, mães de 15 anos, estupros, violência familiar, racismo... Não
é irrelevante ressaltar que alguns daqueles jovens, todos do sexo masculino, já haviam tido
envolvimento direto ou indireto com o mundo do crime, seja através de pequenos assaltos
ou mesmo ligados especificamente ao tráfico de drogas em suas respectivas favelas. 7

5
As críticas à Cidade de Deus produzidas pelos moradores do bairro carioca ficam latentes na reportagem
“Cidade de Deus renega Cidade de Deus”. Cf. “Polêmica Cidade de Deus”, no site Viva Favela
(www.vivafavela.com.br).
6
Instituto de Pesquisas em Educação.
7
Para uma leitura a respeito da “visão de mundo” destes jovens, principalmente em relação ao tráfico de
drogas, cf. Sento-Sé, 2003.
9

E todos ali para serem “Jovens Lideranças”, cada qual envolto em um universo de
extrema escassez, buscando conhecimentos para lidar com um mundo novo que poderia ser
aberto aos seus olhos e fornecer a eles novas oportunidades – ou, quem sabe, a única.
Estavam ali sendo aprendendo ferramentas teóricas e políticas para desnaturalizar o mundo
em que vivem, de extrema inequidade social, econômica e política, onde sempre são vistos
como objetos de representação, e não enquanto sujeitos de ação e de representação (cf.
Spivak, 1988).

Para eles ofereci um módulo que se intitulava “Cultura e política


brasileira”. Buscava compreender com eles questões básicas que se referiam aos processos
de sociabilização, para posteriormente discutir alguns temas ligados ao “autocontrole das
paixões” e ao “monopólio da violência estatal” (Elias, 1990 e 1994). A partir destes
pressupostos, e de forma mais detida, procurei com eles discutir algumas constelações
interpretativas a respeito do Brasil contemporâneo – e do Rio de Janeiro em particular –, a
partir das leituras que acredito serem as mais significativas para abordar estas questões,
obviamente que realizadas as devidas traduções: a relacionalidade da sociedade brasileira,
com Roberto DaMatta (1990 e 1997), questões ligadas à violência, com Alba Zaluar
(1983)); e racismo, com Oracy Nogueira (1985). Somente três aulas, mas um cardápio mais
do que sofisticado. Os resultados daqueles momentos ainda rendem frutos fortes e
duradouros.

O filme Cidade de Deus foi lançado naquele mesmo ano. Ainda na primeira semana
de exibição, fui assistir ao filme em um shopping da Barra da Tijuca, o Downtown,
localizado na Barra da Tijuca, lugar que certamente me daria uma perspectiva da percepção
do filme pelo filtro de certa classe-média alta carioca, como a definida pelos estereótipos
correntes (a definição lapidar de Barthes do estereótipo como o “vírus da essência” poderia
muito bem servir de conselho a muitas destas experiências...). Muitos risos. Foi esta a
experiência que muitos de meus colegas me retratavam, me vendo fascinado – e assustado
– pelo que estava se desenrolando. E o riso – como indiferença – era assustador para a
minha contrastante leitura do romance de Paulo Lins.

Tinha de experimentar novamente: shopping Tijuca, zona norte do Rio, com um


público formado, em sua maioria, de jovens da classe média daquele bairro. Risos, porém
10

mais cadenciados. Não estava satisfeito ainda. Foi quando resolvi experimentar algo
assustador: fui assistir com meus alunos do curso “Jovens Lideranças” aquele filme. Não
sabia o que se passaria com eles, já que, em sentido estrito, estavam ali, comigo, sujeitos
e/ou objetos daquele filme.

Meu experimento com eles ocorreu logo no primeiro mês de exibição do filme, na
primeira sessão. Fomos ao cinema Odeon, um dos mais clássicos do Centro da cidade do
Rio de Janeiro, localizado em plena área da boemia carioca, a Cinelândia. Sua imensa tela
poderia ressaltar o espetáculo que se seguiria, e era isto que eu estava disposto a perceber
naqueles jovens. Estava eu balizado pelas críticas severas que Cidade de Deus estava
recebendo por parte da mídia especializada, que frisava o riso cínico ou indiferente das
platéias. Mesmo sendo o filme adulado nas reportagens que se seguiram ao seu lançamento,
principalmente as que frisavam seu estupendo sucesso de bilheteria. Antes de assistirmos
ao filme, combinamos que dias depois, em um horário fora das aulas do curso, mas ainda
na sede do IPÊ, discutiríamos o filme.
Durante a sessão, meu primeiro choque. A atitude que percebia em alguns
espectadores do filme que assistiam a ele nos cinemas da classe média carioca, e que tão
criticados por parte da crítica, o riso, também era praticado por aqueles jovens. Eles riam,
comentando entre si as cenas. Em alguns momentos pude perceber que sempre se faziam
referências às suas próprias situações sociais, procurando encontrar naquele filme pontos de
contato – não sempre de similaridade – com suas próprias realidades. Rapidamente me
recordei da lembrança que Pierre Clastres faz aos antropólogos (1990), ao comentar a
interpretação dos mitos entre os chulupi. Para o autor de A sociedade contra o Estado, os
antropólogos esquecem-se que “um mito pode ao mesmo tempo falar de coisas graves e
fazer rir aqueles que o escutam”, já que a exacerbação do narrado, até mesmo seu
“ridículo”, pode fazer com que estes índios tenham a capacidade de “caçoar de seus
próprios temores”(90-1). O mito, assim, possui uma função extremamente catártica para os
índios chulupi: “ele desvaloriza no plano da linguagem aquilo que não seria possível na
realidade” (102). Nada mais do que uma função catártica envolvida naquele riso.
Logo após assistirmos ao filme, vi que todos saiam comentando o que viram, mas a
cacofonia que se produzia me impediu, sinceramente, de poder observar com maior
acuidade as impressões daqueles jovens. Procurei, antes de nos despedirmos, frisar nosso
11

futuro compromisso com aqueles que desejassem discutir o filme. Tudo certo. Somente
com um deles, Jota8, um jovem negro de 20 anos e morador da Vila Aliança, que atuava no
projeto Soldados Nunca Mais9, travei um breve diálogo . Para puxar papo, já nas
despedidas, perguntei a ele: “E aí, Jota, o que achou?” E sua resposta me surpreendeu: “É
por isto que a gente não toca em crianças lá na favela”. Não entendi nada naqueles
primeiros momentos, e aí perguntei o porquê da sua observação. E ele prontamente se
prontificou a me explicar: “Lembra da cena final, com as crianças que matam o Zé
Pequeno?10 Pois é, na favela, ou a gente não toca neles ou mata. Porque se a gente bater,
eles depois vêm pra cima. Quem bate esquece; quem apanha, não.” Fiquei chocado com
aquela percepção, que ultrapassava todo meu entendimento a respeito daquele universo.
Passado aquele momento, fui ao encontro com os jovens do curso, quase todos os
que assistiram ao filme. Dos vinte e quatro jovens que cursavam o curso “Jovens
Lideranças” daquele ano, 15 assistiram ao filme – sendo que onze deles participaram das
discussões. Com eles discuti o que acharam daquele filme. Os demais faziam parte do coro,
em sua função de problematizar as questões levantadas pelos colegas. Suas respostas me
impressionaram. Joana, Jaílson, Jota, Janaína, Juca, Julia e Jonas, me falaram mais
longamente a respeito de seus pontos de vista a respeito do filme.
Jota, um dos mais participativos, reiterou a força do negócio do tráfico, baseado no
lucro, e a necessidade que possui o próprio traficante “em aparecer”. Chegou a pensar nos
custos a serem impostos a Buscapé na publicação da foto em que ele retrata os policiais –
Cabeção ao fundo – recebendo propina de Zé Pequeno, antes deste ser morto pelos
integrantes do “caixa baixa”, ou na publicação da foto em que Zé Pequeno está morto. Jota
disse que, antes, aquela foto não se publicaria, e pergunta a todos: “Será que a própria
imprensa tinha medo da polícia?” Completou o argumento de Jota a estudante Janaína, que

8
Todos os nomes dos alunos citados são ficções, para que se protejam suas identidades.
9
Um dos mais interessantes casos de ONGs do Rio de Janeiro, que não pode ser tratado aqui em toda a sua
complexidade, por não ser este o espaço adequado. Em linhas gerais, o projeto Soldados nunca mais é
estruturado a partir da presença de seu coordenador, Samuel, um homem de seus pouco mais de quarenta
anos, que foi um dos mais procurados criminosos do Rio de Janeiro, seqüestrador e dono do tráfico de drogas
na Vila Aliança. Após cumprir uma pena de seis anos, Samuel prometeu que, saindo vivo daquela
experiência, se dedicaria a retirar jovens do tráfico e viver do seu trabalho. Ele ainda coordena este projeto,
além de fazer parte de atividades musicais com seu grupo.
10
A cena final a que Jota se refere, da morte de Zé Pequeno, é deflagrada quando um dos anjos diz que iria
vingar a morte brutal de um de seus amigos pelas mãos do antigo dono do tráfico na Cidade de Deus, em uma
das mais espetaculares e comentadas cenas do filme.
12

disse que há o constante medo nas favelas da denúncia, pois todos sabem que há muito
mais por trás daqueles acontecimentos.
Uma das jovens, Joana, também estudante, frisou que em Cidade de Deus não há
personagens estereotipados: eles, na verdade, fazem “pose de mal”, pois são todos
“crianças”. Jota lembrou que faltam oportunidades no mundo do trabalho, o que Joana
complementou afirmando que, “quanto menos tenha [recursos materiais], mais fácil de ser
seduzido [pelo negócio do tráfico]”. E complementa exemplarmente, mesmo que de forma
ambiguamente trágica: “Como que um jovem se torna honesto?” E responde: “É por
esperança”, pois “há momentos da vida de decisões: [é necessário] dar uma resposta”.
Durante duas horas de conversa, eles também escreveram alguns pontos a respeito
do que acharam do filme. Suas respostas ainda hoje me surpreendem quando releio aquelas
anotações. Uma, sem identificação, sempre me é recordada quando estou discutindo com os
outros jovens, que ano após ano, que entram naquela mesma sala: “Na vida do crime o
reinado é curto onde o rei é sua corte estão condenados a guilhotina”.
Testei essas impressões obtidas junto aos jovens alunos do IPÊ em outras
oportunidades. Duas foram marcantes: a primeira com alguns coordenadores do projeto
CEASM11 e a segunda com integrantes do projeto Nós do cinema, uma ONG construída
pelos atores que saíram do filme Cidade de Deus. Se estes últimos podem ser suspeitos em
suas avaliações, por estarem ainda procurando incorporar em suas trajetórias os caminhos
do cinema, o que em muito o papel do filme de Meirelles é um significativo cartão de
apresentação,12 fica claro porém uma janela aberta pelo filme: um novo espaço no mercado
para aqueles jovens. Do projeto Nós do cinema não se capacitavam somente atores:
operadores de câmera, editoração, montagem, enfim, várias partes do processo de
elaboração fílmica são ali contempladas, na busca da profissionalização daqueles jovens
através da produção cultural.13

11
Centro de Ações Solidárias da Maré.
12
Uma exceção conhecida desta trajetória foi desempenhada pelo ator Rubem Sabino, que trabalhou tanto no
curta Palace II como em Cidade de Deus, onde interpretou a personagem Neguinho, o traficante que mata
acidentalmente Bené no baile de despedida deste. Rubem Sabino foi preso, em 2003, após furtar uma bolsa.
Este fato levou a que se chamasse atenção para o destino que Sabino estar próximo ao do também ator
Fernando Ramos da Silva, que foi protagonista de Pixote (1980), de Babenco, que fora assassinado após não
mais ter oportunidades no mundo real e ser levado a entrar na vida criminosa.
13
Agradeço à Tula, coordenadora pedagógica do Nós do cinema, pelo espaço aberto no projeto e pelas
entrevistas e contatos concedidos.
13

Porém, no CEASM, um projeto voltado para educação dos jovens moradores da


favela da Maré, um dos maiores e mais violentos complexos do Rio de Janeiro, um de seus
coordenadores, Lucas, afirmou em entrevista (23/8/2004) que Cidade de Deus era utilizado
como uma ferramenta pedagógica por alguns professores dos cursos oferecidos pelo
CEASM, por ressaltar a curta trajetória que os criminosos dispunham. Reportagens também
publicadas no site Viva Favela também revelavam que este tipo de empreendimento se
repetia não somente na Cidade de Deus, mas em outras favelas cariocas, como a Rocinha
(cf. Polêmica Cidade de Deus, 20/10/2003).
Os caminhos aqui ficaram cruzados. O que pensar destes movimentos de
reflexividade e performatividade construídos a partir deste artefato espetacularizado?

* * *

Algumas das conclusões a que cheguei a partir daquelas conversas me levam a um


comentário realizado por Spivak, onde a crítica indiana discute o possível poder que a
interpretação pode conter em nossas sociedades.

Depois da minha primeira palestra pública sobre “Literatura


e vida”, em março de 1980, na Riyahd University Center for
Girls (sic), uma aluna perguntou com rigidez: ‘Está tudo
muito bom se eu tentar viver como num livro; mas e se mais
ninguém esteja preparado para lê-lo? E se você for tratada
como uma sonhadora irresponsável?’ Achei a resposta para
sua pergunta ao fim de uma metáfora: ‘Todo mundo lê a vida
e o mundo como se fosse um livro. Ainda os chamados
‘analfabetos’. Mas, especialmente os ‘líderes’ da nossa
sociedade, os não sonhadores mais ‘responsáveis’: políticos,
homens de negócios, aqueles que realizam planos... e,
entretanto, esses líderes lêem o mundo nos termos de uma
racionalidade e de médias, como se fosse um livro didático.
Na verdade, o mundo se escreve com os múltiplos níveis e a
indeterminável complexidade e abertura de uma obra
literária. Se, através do nosso estudo da literatura, podemos
aprender e ensinar os outros a lerem o mundo da maneira
arriscada ‘apropriada’, e a nos portarmos de acordo com esta
lição, talvez nós da literatura não fôssemos eternamente
vítimas tão abandonadas.” (Spivak apud Beverley, 1983:1).
14

Obviamente que minhas “comunidades interpretativas”, para tomar emprestada a


noção de Stanley Fish (1980) – e certamente também a exposição de Spivak – podem ser
consideradas como não representativas, ou ainda como viciadas, por estarem os atores
motivados a ler aquele artefato a partir de suas próprias preocupações. Discordo totalmente
desta avaliação, já que considerar isto seria uma forma de congelar as imagens que temos
dos grupos sociais, realizando uma atualização dos estereótipos que mantém os grupos
subalternizados ou inferiorizados culturalmente (cf. Bhabha, 1998 e Freire Filho, 2004).
Além do mais, esta motivação de leitura produzida a partir das preocupações ou molduras
singulares formula não somente o pensar de senso-comum, mas não se deve esquecer que
também constitui este processo parte imprescindível das operacionalizações conceituais
produzidas pelas ciências modernas (cf. Latour e Woolgar, 1997).
Se os jovens que observei conseguiram produzir uma leitura performática e
reflexiva de Cidade de Deus, é porque eles foram instrumentalizados para isto. Certamente
que um esteta mais rigoroso e canônico diria que certamente eles estarão perdendo algo
com esta operação, redutora em seu instrumentalismo pedagógico. Mas um epistemólogo
também rigoroso poderá observar, de forma correlata, que certamente é impossível não se
perder algo neste e em qualquer processo que envolva o conhecimento.
Por isto creio que a validade desta leitura pode ser conferida em um interessante
pressuposto de Richard Rorty (1994), quando este estuda a literatura de um Nabokov. Para
Rorty, fugindo às sísificas procuras metafísicas da Verdade, do Belo e do Bem, do Mundo
como Realmente É, uma das funções do pensamento é nos possibilitar nos tornarmos
“menos cruéis”. Quem sabe esta seja uma das leituras possíveis de um artefato como
Cidade de Deus: um empreendimento que foge às suas próprias formalizações, gerando
desterritorializações e territorializações constantes em nossos posicionamentos e
perspectivas.

Uma estetização ou uma performance da violência?

Cidade de Deus não pode ser interpretado somente como um filme violento: pode
ser compreendido como uma distopia contemporânea, uma espécie de romance de
deformação [Antibildungsroman]. Nele se percebe a baixa presença da ação societária sobre
o indivíduo, num contínuo processo de sociabilização, como demonstrou argutamente Elias
15

(???). Diversamente, aqui as crianças – partes fundamentais do modelo clássico do romance


de formação –, não podem se formar, crescer a partir de um contínuo processo de acúmulo
de experiências. Aqui o tempo não ensina, havendo assim a confirmação da fratura
pedagógica da história que nos falou Kosseleck (1993), a partir do modelo de Cícero,
reinante até a Revolução Francesa, da Historia magistra vitae. Como ressaltou Diken
(2003), tendo em vista os cruéis cenários dizimados que foram estruturantes das
experiências concentracionários que ocorreram durante todo o século XX, o espírito da
narrativa de Cidade de Deus aproxima-se de um constante “lógica da exceção” [logic of
exception].
A relação entre obra de arte e violência novamente entra aqui em cena, a partir dos
cenários de perversa espetacularização que o filme baseado na obra de Lins pareceu
provocar em parte da crítica. Parece que esta mesma crítica retornou ao medo de que uma
onda de violência atávica, representada em um barbarismo pré-moderno – quem sabe
representado exemplarmente pela onda de suicídios que se sucederam à leitura do Werther,
de Göethe, na Alemanha –, regresse das cinzas. Justifica-se aqui a batalha entre as estéticas
do gosto por parte desta mesma crítica, pela necessidade imperativa de uma justaposição
entre uma pedagogia artística e o medo da decadência – em todas as suas acepções –
ocidental.
A inevitabilidade de uma censura artístico-pedagógica, desta forma, se eleva
reiteradamente a uma categoria transhistórica e assim a uma necessidade social, mesmo que
problemática à consciência liberal a que nós pertencemos e que é representada por igual
crítica liberal. 14 Desta forma, as problemáticas que envolvem esta (muitas vezes desejável)
censura artístico-pedagógica circulam as próprias nuances pertencentes à conjugação das
responsabilidades do artista na sociedade que, como nos lembrou Thomas Mann, sempre
serão dilemas que abrangem (envergonhadamente) a política e, porque não, a moral (Mann,
1988).
Tratando-se assim das tensas relações que envolvem a política e a arte – e
transversalmente os códigos de moralidade presentes nas sociedades contemporâneas e suas
conexões ambíguas com a indústria cultural15 –, obviamente que não foi Cidade de Deus

14
Problematizar o nós a que esta crítica liberal se faz representar é obviamente o cerne de toda esta discussão.
15
Entre uma imensa bibliografia a respeito destas relações, cf. Lunn, 1982, onde é realçada a perspectiva do
marxismo, fundamentalmente em Lukács, Benjamin e Adorno.
16

que anunciou pela primeira os dilemas elencados acima. Como também não foi somente a
partir das polêmicas travadas ao redor do filme de Meirelles que se discute os sistemas de
representação da violência. Desde ao menos o Cinema Novo, na década de sessenta, que
esta é uma preocupação central da filmografia nacional.
Indo de encontro a este terreno envolto em aporias de várias ordens e consistências,
desde seu lançamento que o filme de Meirelles, um publicitário – o que para muitos críticos
representa um verdadeiro mal em si –, demonstrou que seria motivo de controvérsias tanto
estéticas quanto morais – fundamentalmente na justaposição crítica entre estas duas esferas.
Esta posição pode ser facilmente destacada na posição de Werneck (2002), em seguida ao
lançamento nacional de Cidade de Deus.

“Como filme político, Cidade de Deus é uma fraude, resulta


em um dos maiores desserviços já prestados, não só à
sociedade que busca soluções para o problema que o filme
(diz que) apresenta, mas também ao cinema que a produziu.
Cidade de Deus é uma excrescência estética e política, um
frankstein retórico que, como foi dito, apenas produz
cúmplices” (Werneck, 2002:2).

De toda forma, não foi somente os comentários posteriores à exibição de Cidade de


Deus que constituem o interesse neste filme. A relação entre estética fílmica e violência é
assunto de destaque na crítica há longa data. Dentro do cenário americano, onde estas
discussões são reincidentes, filmes como “Laranja Mecânica” (The clock-work orange –
Stanley Kubrick, 1971), “Taxi Driver” (Taxi Driver – Martin Scorsese, 1975), “Cães de
Aluguel” (Reservoir dogs – Quentin Tarantino, 1992), “Assassinos por Natureza” (Natural
born killers – Oliver Stone, 1994), os filmes de Sam Pechimpah e de John Woo, entre uma
vasta filmografia, são uma constante pauta para discussões a respeito do papel da imagem
na produção da violência na sociedade contemporânea, fundamentalmente a partir da
dimensão ética da questão (cf. Mongin, 1997; Baptista, 1995; Bernardet, 1994). No Brasil,
para ficarmos com as produções mais recentes, Pixote, a lei do mais fraco e Carandiru
(Babenco, 1980 e ???), Como nascem os anjos (1996) e o documentário Notícias de uma
guerra particular (João Moreira Salles, 1999) fazem parte destas mesmas controvérsias.
Porém, quais as temáticas que absorvem e/ou interpenetram a questão da violência
na filmografia contemporânea? Realmente estes filmes realizam somente uma
“espetacularização da violência”? Serão eles – ou sua maior parte – ousados na forma, mas
17

pobres no conteúdo? Serão os filmes contemporâneos realmente mais violentos do que os


anteriores?

Cenários de insegurança

O que Cidade de Deus realiza, indo de encontro ao argumento, não é a exacerbação


de um dito “culto à violência” a partir de sua espetacularização apologética. O que é
constituído em sua expressividade pode ser percebido como uma determinada performance
da violência – caso entendamos por performance, como faz Said (1992:27-71) em uma
crítica a Adorno, impulsos deslocadores e perturbadores à ordem e à tradição que se
reinventam a partir de uma experiência originária.
Esta própria violência – passada a era em que esta violência deixou de ser vivida
pelos atores sociais para ser vista pelos espectadores e leitores (cf. Chesnais apud Hikiji:49;
1981; Imbert, 1992) – passa a ser , em um mundo onde as regras sociais nos inibem a ponto
de configurarem-se como uma “segunda natureza”, é realizar um desejo (de violência ou de
sexo, por exemplo) que são pouco realizáveis no mundo de progressivas normatizações
sociais, conforme nos mostrou Norbert Elias (1993:203-4). De todo modo, este universo em
chamas não deixaria também de conter como sua tarefa

“(...) refletir sobre os possíveis limites na representação da


perversidade. Limites externos – a questão da censura, a
existência ou não de temas proibidos às artes, os prejuízos
que essa exposição pode ocasionar – e internos – o fracasso
de vários discursos em dramatizar o fenômeno da gratuidade
do mal, em transformar o Inominável em matéria de reflexão
comunicável, o desafio à tendência teleológica de certas
narrativas que se vêem na obrigação de apresentar uma
justificativa final – assimilável e indubitável – para as
metódicas carnificinas perpetradas por seus personagens”
(Freire Filho, 1996:15).

Estes limites – ou melhor, o cenário ambíguo e trágico por ele constituído – é a zona
cinza onde foi composto Cidade de Deus. Uma distopia que faz com que os indivíduos
possam ou viver na obscuridade daquele espaço social (cf. Diken, 2003), alimentando
sonhos de consumo e continuando a ser invisíveis ao mundo; ou aceitem alguma saída
messiânica negativa, onde a violência seja meio e fim. Como afirma Benjamin, é com estes
18

seres que compõe esta zona híbrida, cinza, impotente, que temos que cotidianamente nos
confrontar. Um “estado de exceção” que, segundo Benjamin, faz parte não só de uma
conjuntura histórica particular, mas de uma “regra geral” da sociedade moderna (Benjamin,
1994a:226).16
Afinal de contas, a complementaridade do filme de Meirelles é emblemática. O
personagem Buscapé, em sua própria cena inicial, funciona como uma metáfora da
comunidade refém do fogo-cruzado entre traficantes e policiais, anunciando assim a própria
leitura interna construída pelo jovem fotógrafo – ele obviamente um “caçador de imagens”
(Soares, 2002). Penso que este momento anuncia a impossibilidade de qualquer
aprendizado e, ao mesmo tempo, a inevitabilidade de algum grau de espetacularização.
Somos, no filme, mediados por Buscapé, mas nunca deixamos de ser os repórteres que
compram as fotos do jovem repórter, usando sua presença para nos deleitarmos ou ainda
conhecermos aquela outra realidade, mediada por uma câmera. A diferença é que agora ele,
o morador da favela, é quem tira a foto, retirando o monopólio da interpretação da redação
– mesmo que com isso não desapareçam as relações assimétricas de poder entre os atores.
Cidade de Deus, desta forma, compõe este universo não como um subproduto que
propõe esta realidade (a vida imita a arte), como deseja muitas vezes persuadir certa crítica
conservadora, pensando em uma inerente brutalidade do filme significando para a
sociedade uma apologia da violência a partir de uma mensagem de destruição dos bárbaros,
a partir de um código de conduta redentor para indivíduos desiludidos. Diversamente,
penso que também é possível percebermos o filme de Meirelles e de Lund como a partir do
estranhamento17 que este produziu em determinados públicos desta sociedade, revelando
uma face extremamente perversa desta: como que chegamos neste estado e não nos demos
conta, invisibilizando nossos constantes processo de desertificação da imaginação em troca

16
Para uma análise da sociedade contemporânea como um "estado de exceção", além dos próprios textos de
Benjamin, fundamentais são os trabalhos de Taussig, 1992, Buttler, 1997, Žižek, , 1992 e fundamentalmente
Agambem, 2004.
17
Chkolovski, um dos mais importantes formalistas russos, cunhou a expressão “estranhamento”
[ostranemie], segundo Stam (2003:65), “como a arte que intensifica a percepção e provoca um curto-circuito
nas representações automatizadas”. Hansen, (2001:506-9) chamou a atenção para o fato de que o cinema, a
partir dos pressupostos teóricos de Kracauer, em sua capacidade de observar a “superfície”, possuía como
diferenciação com o mundo do romance do século XIX por suas “(...) capacidades formais de deslocamento e
estranhamento”, sendo então capaz de se ajustar para “ (...) captar um ‘mundo sem substância e em processo
de desintegração’; como conseqüência, ele cumpre uma função cognitiva, diagnóstica, em relação à vida
moderna, mais verdadeira do que a maioria das mais refinadas obras de arte” (507).
19

de uma determinada moral que, inversamente ao que se pensa, reestetiza a violência como
uma manifestação perversa, mas necessária, da redenção do mundo. Fundamentalmente, é
preciso estarmos atentos a questionar nossa propensão em tentar definir, a partir de nossas
próprias invisibilizações ao cotidiano, que este lado sombrio somente possa estar do outro
lado a que não pertencemos ou que ainda não desejamos ver.
Seja como for, Cidade de Deus é um sintoma deste estado de exceção presente em
nossos cotidianos, que autores modernos de tradições tão díspares tanto nos alertam, a
partir de diagnósticos igualmente singulares: Benjamin, Foucault, Canetti, Deleuze, Judith
Buttler, Žižek, Agamben... É um filme onde podem ser abertos espaços para
problematizarmos as ambigüidades dos universos sociais nos quais estamos inseridos. Isto
porque ora naturalizamos o mundo com demasiado otimismo (como querem os adeptos do
“fim da história” ou ainda aqueles que somente vêem os desenvolvimentos tecnológicos
proporcionados pelo século XX como um diagnóstico preciso e indiscutível dos avanços da
sociedade ocidental); ora adotamos uma perspectiva do mundo de forma também
extremamente melancólica, pois os “tempos acabaram” de forma abrupta e, por isto
mesmo, inexoravelmente.
O estado de exceção está assim no próprio estado de tensionamento em que nos
encontramos, cindidos entre um mundo que tudo nos promete e que, paradoxalmente, tudo
nos nega, levando a um estado de cissiparidade constante dos indivíduos, como
demonstram as próprias ambigüidades de nossas recepções a este artefato. Por isto que
podemos pensar, a partir de Žižek, que a chave de Cidade de Deus é que “[n]ão estamos
lidando, aqui, com a simples tensão entre a injunção ideológica excessivamente rigorosa e a
resistência oposta a ela pelo sujeito, mas com o dilema inerente à própria injunção: sua
mensagem explícita é complementada por uma mensagem implícita e obscena que diz
exatamente o contrário” (2001:3).
Ao revelar um lado sombrio e seu outro, melancólico e distópico, não assistimos à
violência de ou em Cidade de Deus: vimos a nós mesmos em nosso “ovo da serpente”. Até
mesmo porque em nossas guerras civis, o sujeito acuado pelo mal-estar da civilização –
seja no sentido de Freud, Elias ou Foucault –, que inventa pela negatividade da violência
uma metafísica do encontro expressivo com o outro, é uma possibilidade estética muito
remota nessa cultura – mesmo que a cada momento mais presente. Em nosso “deserto do
20

real”, para falarmos novamente como Žižek, a brutalidade tem código e é socializada, e
paradoxalmente temos uma linguagem pública para pensarmos esta mesma violência.

A volta do parafuso

Em um dos mais contundentes ensaios produzidos a respeito de Cidade de Deus, na


prestigiada revista Sight and Sound, Ismail Xavier (2003) sinaliza, com contundência, para
a constatação de que outros filmes tocaram o mesmo assunto abordado pelo filme de
Meirelles, mas não obtiveram o mesmo êxito de público e de crítica. Daí que Cidade de
Deus tornou-se, para o crítico uspiano, um “evento social” a partir dos debates que se
seguiram (28), sucesso este estabelecido a partir do enfoque de um filme de ação, onde este
estilo foi a forma encontrada para interpretar, de forma “palatável” para uma audiência de
massa, o tema da violência encontrada no filme.
A atuação dos jovens atores, naqueles momentos ainda semi-profissionais, também
foi um ponto mais do que destacado. Eles conferiram a “credibilidade” necessária a uma
narrativa fílmica daquele porte, gerando, para Xavier (29), “um novo padrão de
verossimilhança no cinema brasileiro, que estimula futuros projetos sociais”. Por isto a
força da “retórica da autenticidade” apresentada no filme, como demonstrado ao final do
filme, com cenas reais do depoimento de Mane Galinha à televisão. Daí que, em Cidade de
Deus, o “(...) neorrealismo é combinado com o sentido da imagem como artifício”. 18 Esta
hipótese certamente esclarece melhor o que Esther Hamburger (2005) denominou de um
“(...) mecanismo de produção da representação” contido em Cidade de Deus.
É este certamente um dos mais complexos pontos de discussão a respeito de Cidade
de Deus: se a linguagem é parte determinante de sua estratégia narrativa, demarcada, por
um lado, pelas referências constantes a autores como Coppola, Tarantino e Scorsese e suas
respectivas estéticas da violência, também se faz presente um caráter inovador quanto da
apresentação dos cenários que compõem esta linguagem. A atuação dos jovens atores semi-
profissionais e ainda o presente, ao final do filme, depoimento de Mané Galinha, criam este
híbrido onde o ficcional e o documental tornam-se muitas indistintos. Retorna-se à

18
Hipótese também compartilhada por Nagib (2003:181), por considerar a autora que o “aspecto realista”
tanto do filme como do romance levam à “(...) produção da aparente ‘espontaneidade’ reinante em ambas as
obras”, o que, continuando Nagib, “requer boa dose de artifício”.
21

discussão entre o teor documental ou ficcional, agora tendo como palco o filme de
Meirelles.
Alguns críticos apostaram mais severamente no aspecto documental do filme. Calil
(2005:170), por exemplo, percebe que Cidade de Deus faça parte da tradição documental
brasileira, ao lado de Carandiru, Narradores de Jevé e Cronicamente inviável. Já Saraiva
(s.d.:15) enfatiza o lado ficcional de Cidade de Deus, percebendo que as próprias
contradições presentes no filme de Meirelles e Lund “(...) são o resultado da ousadia da
realização. Ousadia que tem por impulso a necessidade de jogar luz num grave ponto cego
do cinema nacional contemporâneo, realizado com todos os recursos técnicos
disponíveis.”19
Penso assim, de forma complementar, que Cidade de Deus seria melhor entendido
caso possamos desconstruir a própria idéia de realismo como uma estrutura fixa,
substancialista. Isto porque muitas vezes nos esquecemos que o próprio realismo possui
uma história, seja na literatura (cf. Auerbach, 1994 e Watt, 1996), como no cinema.
Nichols, em algumas oportunidades (2005 e 2001), destacou que as estratégias e estilos
usados no cinema documentário e no próprio filme narrativo são alteradas historicamente.
E estas estratégias e estilos são alterados pelo esgotamento dos topos expositivos
dominantes de uma determinada época, bem como pelas alterações de natureza ideológica.
O que determinada época define como realismo certamente parecerá um logro para a
geração que se segue. Assim, novas estratégias deverão ser inventadas para Representar o
Mundo, bem como se gastará igual ou maior tempo para se contestar estes modelos.
Hayden White, um dos mais severos críticos do realismo historiográfico, percebe
que determinadas obras patinam em um terreno híbrido entre ficção e realidade. Como
definiu o historiador americano (1999:67-8), este modelo seria concebido como um
docudrama, ou seja, formulado a partir da superação do romance histórico modernista:

“O que ocorre no docudrama pósmodernista ou na metaficção


histórica não é tanto esta inversão (na qual os eventos reais
acolhem marcas de imaginários e os imaginários são dotados de
realidade) mas, antes, é colocada em suspensão a distinção entre
o real e o imaginário. Tudo é proposto como se pertencesse à

19
Para uma análise dos recursos técnicos utilizados para a produção de Cidade de Deus, de sua montagem aos
seus efeitos de som, cf. cf. Hamburger, 2005:211-2.
22

mesma ordem ontológica, tanto real quanto imaginária –


realisticamente imaginária ou imaginariamente real – e, como
resultado, a função referencial das imagens de eventos decai.
Assim, o contrato que originalmente mediava o relacionamento
entre o leitor (burguês?) do século XIX e o autor do romance
histórico foi dissolvido.”

É nesta dissolução entre o fictício e o documental que se encontra o cerne das


polêmicas destacadas – tanto a que se refere ao trauma que possui aquela população pelos
acontecimentos ocorridos na Cidade de Deus após a guerra envolvendo Zé Pequeno e Mané
Galinha e o a posteriori (?) processo de estigmatização produzido pela guerra que sofreu a
população, como na transformação em mercadoria desta mesma guerra. Estas questões
inexoravelmente ultrapassam, em longa data, o filme de Meirelles e Lund, já que remetem à
premissa de que “levar a sério as formas de representação significa reconhecer o seu poder
de mover, influenciar, ofender e ferir” (Hartman, 2000:208).
Cidade de Deus, na verdade, pode ser considerado como um filme onde não existem
possibilidades de construções de totalidades nem unidades, logo de uma síntese satisfatória.
Seu caráter híbrido pode ser invocado até a partir do caráter “politicamente ambivalente”
das produções midiáticas: “Nem mesmo o mais mainstream dos filmes hollywoodianos são
monoliticamente reacionários” (Stam, 2003:339). É neste espaço, que foge tanto a
distinções dicotômicas entre apocalípticos e integrados, para usarmos a clássica distinção
de Umberto Eco, que poderíamos começar a pensar este tipo de versão – mesmo que ainda
confusa.

A política na zona de contato: apropriações e resistências no discurso cultural

O nome de Adorno se faz presente, aqui, quase que como um espectro a assombrar
ciclicamente as relações entre arte, política e cultura. Mesmo que não seja este o momento
e o local para que seja discutida a reincidente – e certamente louvável – presença do
pensador frankfurtiano na crítica ilustrada brasileira, é inegável que o peso da “dialética
entre a cultura e a barbárie” nos vem à mente como uma advertência culpada: “Escrever um
poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por
que hoje se tornou impossível escrever poemas” (Adorno, 1998:26).
23

Mesmo acreditando que a crítica de Adorno seja excessiva e necessita, para sua
análise, de várias mediações – algumas realizadas até mesmo pelas possibilidades (remotas)
de existência do processo de Bildung no mundo contemporâneo, tema discutido pelo
próprio Adorno em outros textos20 – é inegável que a narrativa fílmica de Cidade de Deus
se apropria de uma “estética brutalista” da violência, expressão esta também presente em
outros títulos da literatura brasileira contemporânea.21

Todavia, é absolutamente descabido dizer que esta opção estética presente em


Cidade de Deus assuma algum tipo de glorificação da violência, ou mesmo conceba esta
violência a partir de alguma “tarefa histórica” ou “regeneradora”, como a presente na obra
de Glauber Rocha nos anos 60, formulando alguma forma de pedagogia da ou pela
violência. Pelo contrário: existe, como no premiado documentário de João Moreira
Salles,“Notícias de uma guerra particular (1999), um gigantesco esforço político para que
a discussão a respeito da violência no Rio de Janeiro saia de seu regime discursivo
repressivo e explicativo para um registro mais democrático e plural. Não seria errôneo
afirmar que Notícias... pretende ampliar a própria compreensão e papéis da esfera pública
brasileira, mesmo com todas as ambigüidades manifestamente presentes também neste
documentário (Ribeiro, 2001).

Estas ambigüidades, este entre-lugar – para tomarmos emprestada a poderosa


imagem formulada por Santiago (2000) para compreender os complexos processos de
hibridismo cultural que ocorrem no continente latino-americano – pode nos sinalizar aqui o
que Pratt denominou de uma zona de contato. Segundo Pratt (1999:27), as zonas de contato
são “espaços sociais onde culturas díspares se encontram, se chocam, se entrelaçam uma
com a outra, freqüentemente em relações extremamente assimétricas de dominação e
subordinação”, onde estes encontros são marcados por diálogos provisórios e localizados
entre os atores envolvidos.

20
É significativo um pronunciamento de Adorno (1982) onde este afirma que “Não possuo nenhuma intenção
de amenizar o dito que de que escrever poesia após Auschwitz é um ato de barbárie (...) Porém, a resposta de
Enzensberger de que a literatura deve resistir a este veredicto também permanece verdade. Agora é
virtualmente somente na arte que o sofrimento ainda pode achar sua voz própria, consolação, sem ser
imediatamente por ela traído.” E continua: “Hoje, todos os fenômenos da cultura, mesmo sendo um modelo
de integridade, são passíveis de serem reprimidos pelo cultivo do kitsch. Porém, paradoxalmente, é às obras
de arte que restou o lastro de demandar sem palavras aquilo que foi barrado para a política” (Adorno apud
Felman, 2000:47), grifado pelo autor.
21
Para uma análise deste argumento, cf. Bosi, 1975, Lucas, 1989, Schollammer, 2000.
24

Acreditamos que Cidade de Deus marca uma intricada rede de posições provisórias,
debates e articulações em sua recepção, ampliada pelo que Foucault chamou de “princípio
de refração de um discurso” – “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua
volta” (1996:26). Como pode ser facilmente discernível nestas problematizações, todas as
polêmicas sumariamente destacadas acima têm de levar em consideração as apropriações
que Cidade de Deus envolve e seus respectivos posicionamentos políticos e as resistências
a estas apropriações.

Artefatos culturais22 como Cidade de Deus não mais conferem espaços para a
constituição de sujeitos fixos ou genéricos de representação. Tanto sua eficácia política,
estética e cultural como seus agenciamentos estão hoje claramente condicionados pelos
lugares que ocupam em suas redes de enunciação, em suas especificidades históricas. A
clareza com que se expõe, contemporaneamente, a impossibilidade de enunciações de um
lugar sub specie aeternitatis por algum demiurgo social, artístico ou intelectual exemplifica
até mesmo a melancolia com que este papel é expresso por muitos intelectuais durante a
modernidade (cf. Lepenies, 1979). A própria pretensão à formulação de uma arte política
genérica – e é disso que estamos falando caso não admitamos todos os processos sociais,
políticos e culturais que atravessam estes produtos – nos recolocaria novamente na busca de
uma concepção de arte política onde a nomeação (ou seja, uma teoria clássica da
Representação) e o julgamento se fundem em um mesmo objeto (cf. Foster, 1985).

Até mesmo a delicada questão da mercadorização de Cidade de Deus deve ser


atravessada pela questão do trauma que a guerra travada na neofavela carioca – e
rememorada pelo livro e com maior intensidade pelo filme – provoca. Como nos lembra
Huyssen (2000), não há nada que diga que o processo de mercadorização e de
espetacularização (como o que ocorre com o paradigmático caso das mais diversas
apropriações do Holocausto) banalize um determinado evento histórico. Mesmo que não
existam mais espaços fora desta cultura da mercadoria, ainda está em nossas mãos as
“estratégias singulares de representação e mercadorização e do contexto no qual elas são
representadas”. Afinal de contas, em nosso contexto entrópico, há mais necessidade de
rememorações produtivas do que de esquecimentos produtivos.
22
Utilizo o conceito de artefato cultural a partir da definição de Greenblatt (1991:244) de que “(...) [o]s
artefatos culturais não ficam parados, imóveis, mas existem no tempo e estão ligados a conflitos, negociações
e apropriações pessoais e institucionais.”
25

Por isto que creio que mesmo as percepções que frisam um possível lado cruel – ou
ainda cínico ou indiferente – observável em alguns espectadores do filme de Meirelles e
Lund, pode ser observada também outra perspectiva, menos monológica, onde o filme se
transforma em um momento de reflexividade e mesmo de riso. Isto ressalta que posições
divergentes não precisam ser concebidas de forma maniqueísta, onde o riso se contraponha
a priori à reflexividade.

Podem os dois momentos ser compartilhados pelos diferentes espectadores, mesmo


que de forma tensa. A divergência de posições revela-se, assim, em uma complexa relação:
por um lado, conjuga-se uma imagem traumática fornecida por Cidade de Deus;
coexistentemente, fomenta-se o mito de indignação (ética) juntamente com a sedução da
violência e da câmera – o que também poderia lembrar a composição proposta por “Cães de
aluguel” [Reservoir Dogs], de Tarantino (cf. Bernardet, 1993 e Hizigui, 2001).23 Porém,
diferencialmente do filme de Tarantino, Cidade de Deus não se fecha em si mesmo, como
em um pulp. 24 E isto mesmo possuindo experimentos estéticos que também se utilizam da
tecnologia criada pela imagem eletrônica e pela multimídia. Só que estes elementos não
remetem em Cidade de Deus à constituição de somente um comentário interno ao próprio
cinema e a pura fruição estética do espectador, uma espécie de arte pela arte de violência,
como em “Cães de aluguel”.

Creio que o comentário de Oricchio (2003:160) pode muito bem expressar “nossa”
– dentro de todas as aspas possíveis – impressão ao vermos Cidade de Deus: “Sentimo-nos,
ao assisti-lo, como espectadores de classe média diante da energia pulsante de um baile
funk, um pouco assustados, mas seduzidos pelos que vemos. É o olhar da classe média
sobre a favela, mas sem folclorizá-la. Prova disso é a grande aceitação do filme pelo
público favelado, que nele tem se reconhecido”.

23
Em uma das mais interessantes análises antropológicas da ficção fílmica destas produções, Hizigui (2001:
51) delineia que filmes como os produzidos por Tarantino criam uma “exposição da banalidade desta
violência, não sua valorização”, enfatizando assim o aspecto performático e ambíguo destes filmes, que
“alimentam o espectador carente de experiência com a representação da experiência violenta. Mas, às vezes,
através de mecanismos reflexivos, retiram o espectador da confortável posição voyerista. Fazem-no cúmplice.
Questionam seu lugar” (55).
24
A própria composição, em forma de imagem-câmera, através do enquadramento em forma de um
videoclipe, formula uma intensidade singular, traumática e obscena (cf. Ramos, 1994:18-19).
26

Qual então o público – não tutelável ou ainda (não) infantilizado – pode ser descrito
como o significativamente representativo para percebermos as implicações contidas neste
artefato cultural? Os intelectuais? Somente os moradores da Cidade de Deus? As classes
médias? Nossos modelos privados de compreensão dos pacientes sociais? Para fugirmos –
ou assumirmos definitivamente – a estes dilemas, não é possível esquecermos, como frisa
Odin (op. cit.:45), que a “(...) definição de público não implica obrigatoriamente um espaço
localizável: existem públicos que transbordam os espaços de visão. É porque as
determinações que regem a produção de sentido também estão dentro de nós”. Por isto que
as determinações são de várias ordens: institucionais, de gênero, de raça, sociais...
“Consequentemente, em um mesmo espaço real existem diferentes públicos, e um mesmo
indivíduo espectador se encontra sempre no ponto de encontro de diferentes públicos e,
portanto, de diferentes modos de produção de sentido que ele mobiliará simultânea ou
sucessivamente. Nessas condições”, continua Odin, “acredito que seja necessário deixar de
pensar que podemos estudar um público real como tal”.

Estas observações podem ser complementadas pelas de Stam (2003:340), quando


este frisa que, em “[c]ontextos alterados (como em filmes alternativos projetados em
sindicatos e centros comunitários) também ocasionam leituras alteradas. A confrontação
não se dá simplesmente entre o espectador individual e o autor/filme individual – uma
formulação que reprisa o tropo do indivíduo versus a sociedade –, mas entre comunidades
diferentes, em contextos diferentes, assistindo a filmes diferentes, de maneiras diferentes”.

Todavia, é uma posição salutar não nos esquecermos dos riscos de superestimarmos
esta versão da possível generosidade que pode ser encontrada na dimensão apropriativa das
discursividades. Isto porque um dos grandes perigos que ocorrem no aceite sem restrições
na aposta desta dimensão disruptiva ocasionada pela ampliação da generosidade social é
ficarmos reféns das apropriações discursivas hegemônicas vendidas pelo discurso
midiático-associativo. Como ressalta Foster (1985:213), em nossos contextos midiáticos
globais, “(...) a mídia transforma os signos singulares de discursos sociais contraditórios
numa narrativa normal, neutra, que nos fala. (...) Desta forma, os grupos sociais são
silenciados e, pior, são transformados em consumidores seriais – em simulacros de suas
próprias expressões.”
27

A resistência a esta hegemonia também deve levar em consideração ainda que há,
hoje, um número considerável de turistas – externos e internos – interessados no burlesco e
no exótico, fundamentalmente quando a pauta é a da violência brasileira. O repertório
discursivo da violência operado pelo roteiro de Cidade de Deus pode ser realçado
claramente pela forte estética que este conteúdo apresentou. O que indubitavelmente foi um
dos motivos da forte recepção do projeto – o que pode também questionar que o próprio
trabalho de Lins também foi uma apropriação da violência ocorrida nos anos 70 e 80 na
Cidade de Deus, o que poderia nos levar a um trabalho sísifico e absolutamente inócuo
criticamente. Torna-se claro, então, o dilema que procura distinguir que os que são tornados
“visíveis” pela mídia e, por conseguinte, pela esfera pública, e que procuram reivindicar seu
lugar na cidade, são também aqueles que têm seus discursos e imagens naturalizadas pelo
novo “tráfico discursivo” operado por esta mesma mídia (Bentes e Herschmann, 2002:10-
1).

Mesmo sendo uma função estar atento a este novo tipo de apropriação, a
reapropriação discursiva também se faz possível aqui. Foucault muito bem nos esclareceu
que os discursos são bem mais do que peças imóveis: são jogos estratégicos, constituem
acontecimentos, produzem novos discursos: “o discurso não é simplesmente aquilo que
traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder
do qual queremos nos apoderar” (1996:10).
Por isto acredito que um artefato cultural como Cidade de Deus pode fazer parte de
uma aposta que leve em conta a maior complexidade da crise de que se alimenta a crítica
cultural. Como afirma Paul de Man (1983), não devemos mais ter a pretensão de
desmistificarmos as obras que estudamos, mas devemos, sim, ter a simplicidade de
admitirmos que, na verdade, somos desmistificados por ela. A necessidade de estarmos
atentos à compreensão destes processos de apropriação e de resistências é mais importante
do que a lamentação pela perda de uma política (e de uma estética, de uma cultura, de
sociedade...) pura, completa e transcendente.

Devido a este quadro complexo e volátil é que é possível, hoje, aos moradores da
Cidade de Deus, discutir os efeitos das teses, do romance e do filme, discutir suas
imprecisões e efeitos – até porque, hoje, muitos deles podem falar nestas linguagens,
lutando pelas vagas, méritos, verbas e orçamentos que compõem suas vidas, buscando
28

definir onde, quando e como desejam falar de sua favela ou ainda de sua comunidade. O
escritor Paulo Lins pode preencher as lacunas da história da Cidade de Deus (e da violência
brasileira) de formas imprevisíveis, tornando-se exposto a um presente volátil e tenso,
sendo esta uma faceta possível do intelectual engajado em tempos de diásporas cognitivas e
políticas. E os diretores de Cidade de Deus podem buscar novas redes societárias para
redimensionar os discursos da violência no Brasil contemporâneo, procurando amalgamar
novos agentes sociais para a reinvenção de novos contratos de sociabilidade, mesmo que
para isto se utilizem das estratégias ligadas a uma sociedade de consumo muitas vezes
sedenta por espetacularização, que, de certa forma, também alimenta o próprio processo de
estigmatização que estas populações sofrem.

Este seria o momento adequado para pensarmos na aporia de Cidade de Deus: este é
o filme de Kátia Lund, dos jovens atores que invadiram a rede Globo, do projeto Nós do
cinema e dos novos projetos sociais – ainda muito aquém do desejado e do necessário – que
começaram a ser realizados na Cidade de Deus posteriormente à exibição do filme,
fundamentalmente do fluxo discursivo (crítico, político e ético) que surge a partir da
experiência de Cidade de Deus; ou este é o filme de Meirelles – estritamente comercial, um
vídeo-clipe produzido a partir da vida de crianças negras e pobres que se matam em uma
favela do Rio de Janeiro, onde personagens são construídos de forma lombrosiana? A
pergunta que não quer calar seria: existiria o primeiro sem o segundo?

No melhor dos mundos possíveis certamente que o primeiro filme seria produzido
sem as técnicas de sedução do público, que são constitutivos do segundo. E sem provocar
estigmatizações, traumas e espetacularizações perversas. Diversamente, seria este o filme
perfeito produzido para o deleite dos espectadores perfeitos – obviamente que sem a
necessidade de críticos perfeitos – aguçarem sua pura reflexividade crítica – todos em um
plural círculo habbermasiano com seu exemplar de Kant em francês. Arquitetar tal obra de
arte – combinando previamente com os russos – é conceber o já acabado, o canônico, o
transhistórico, o transcendente. Ou então assistirmos indefinidamente à BBC.

Todavia, e acredito que seja este o caso, estamos bastante distanciados do melhor
dos mundos possíveis. Certamente que é uma obrigação moral e crítica almejarmos a este
mundo habitável, pois este é um dos papéis que compomos. Mas, se este fosse o caso, esta
discussão não faria o menor sentido, pois o que assistimos na tela – espetacularmente – não
29

existiria. Canja de galinha e um pouco de generosidade pragmática – a partir da tradição


oriunda filosoficamente de Rorty e esteticamente de Schusterman – não faz mal a ninguém.

Não poderia ser diferente, então, que o embate entre a pluralidade de perspectivas e
de versões das apropriações e resistências político-culturais não ocorre, obviamente, em
uma solitária arena comunicativa ou imparcial, nem através de uma linguagem transparente
– posto que as próprias relações de enunciação estão também marcadas pelas “relações
assimétricas de dominação e subordinação”, como vimos acima com Pratt. A presença
destes novos lugares que se anunciam e que exigem que suas vozes sejam ouvidas, lutam
por sua re-apresentação, reconhecimento e legitimidade no interior de uma esfera púbica
mais ampla, processo este mais tenso e dinâmico do que poderíamos supor em um curto
espaço de 20 anos de invenção democrática brasileira. De toda forma, isto não quer dizer
que nossas vidas sejam mais cômodas do que antes, e que tentar falar também do lugar que
aqui estou hoje tenha sido mais fácil no Período Clássico, onde cada macaco ficava no seu
galho. Mas, sim, que esta é também uma aposta na luta pelo poder interpretativo (Franco,
1988) que agora exige que estes novos atores sejam ouvidos, constituindo este processo –
em suas tensões, hiatos, silêncios e paradoxos – parte dos próprios conflitos que atravessam
todos os trágicos cenários constitutivos de Cidade de Deus.

Filmografia nacional

Cidade de Deus (Fernando Meirelles e co-direção de Kátia Lund, 2002).


Como nascem os anjos (Murilo Salles, 1996).
Rio 40 graus (Nélson Pereira dos Santos,1955).
Os matadores (Beto Brant, 1997).
O primeiro dia (Walter Salles, 1998)
Palace II. Série Brava Gente, da Rede Globo (Fernando Meirelles e Kátia Lund, 2001).
Pixote, a lei do mais fraco (Héctor Babenco, 1980).
Rio zona norte (Nélson Pereira dos Santos, 1957).

Filmografia americana

“Assassinos por natureza" (Natural born killers). Direção de Oliver Stone. 1994.
"Cães de Aluguel" (The reservoir dogs). Direção de Quentin Tarantino. 1992.
"Laranja Mecânica" (The clock-work orange). Direção de Stanley Kubrick. 1971.
"Taxi Driver" (Taxi Driver). Direção de Martin Scorsese, 1975.
30

Bibliografia

ADLER PEREIRA, Vitor Hugo. “Cidades fragmentadas e intelectuais partidos”. In: Dialogando
com culturas: questões de memória e identidade. Maria Conceição Monteiro e Tereza Marques
de Oliveira Lima (orgs.). Niterói, Vício de Leitura, 2003.
ADORNO, Theodor. “Crítica cultural e sociedade”, in Prismas – crítica cultural e sociedade. São
Paulo, Ática, 1998.
AGAMBEM, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo, Boimtempo, 2004.]
AUERBACH, Erich. Mímesis – a representação da realidade no mundo ocidental. São Paulo,
Perspectiva, 3ª edição, 1994.
BAPTISTA, Mauro. "A violência no cinema contemporâneo – o policial". Comunicação&Política.
Rio de Janeiro, Ano I, vol. I, nº 2, nova série, dez/94-mar/95.
BENJAMIN, Walter. “Sobre o conceito de História”, in Obras escolhidas – vol. 1. São Paulo,
Brasiliense, 1994a.
BENTES, Ivana. “O copyright da miséria e os discursos da exclusão”. In: Cinemais, n. 33, jan/mar,
2003.
“Cidade de Deus promove turismo no inferno”. Caderno 2, Estado de São Paulo, 31/8/2002.
___________. “Estéticas da violência e cultura nacional” e “Do nacional ao transnacional”. In:
Ângela Maria Dias (Orga.) A missão e o grande show. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1999.
___________. “O devorador de mitos”. In: Ivana Bentes (orga.) Glauber Rocha – cartas ao mundo.
São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
BENTES, Ivana e HERSCHMANN, Micael. O espetáculo do contra-discurso. Caderno Mais. FSP,
18/08/2002.
BERNARDET, Jean-Claude. “O atrevido provocador” (entrevista com Jean-Claude Bernardet).
Revista de cinema, n. 39, 2003.
___________. "A crueldade irônica – a nova fórmula da violência no cinema dos anos 90".
Imagens. Ed. Unicamp, agosto/1994.
BEVERLEY, John. Against literature. Minneapolis-London, University of Minessota Press, 1993.

BHABHA, Homi. “a outra questão – o estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo”.


In: O local da cultura. Minas Gerais, Editora UFMG, 1998.
BILL, MV. “A bomba vai explodir?”. In: “Polêmica Cidade de Deus”. vivafavela.org.br,
20/1/2003.
BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo, Cultrix, 1975.
BUTLER, Judith. The psychic life of power. Theories in subjection. Stanford, Stanford University
Press, 1997.
CALIL, José Augusto. “A conquista da conquista do mercado”. In: O cinema do real. MOURÃO,
Maria Dora e LABAKI, Amir (orgs.). São Paulo, Cosac & Naify,2005.
CARUTH. Cathy. Unclaimed experience. Trauma, narrative, and history. Baltimore and London,
The Johns Hopikins University Press, 1996.
CERTEAU. Michel. A invenção do cotidiano – artes de fazer. Petrópolis, Vozes, 2a edição, 1996.
CHARTIER, Roger. Au bord de la falaise. Paris, Albin Michel, 1998.
___________. História cultural. Lisboa, Difel, 1987.
CLASTRES, Pierre. “De que riem os índios?”, in A sociedade contra o Estado. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1990.
DA MATTA, Roberto. A casa e a rua. Rio de Janeiro, Rocco, 1997.
_________. “Com quem você pensa que está falando?”. In: Carnavais, malandros e heróis. Rio de
Janeiro, Guanabara, 1990.
DE MAN, Paul. “Criticism and crisis”. In: Blindness and insight. Minneapolis, University of
Minesota Press, 1983.
31

DIKEN, Büllent. “City of god”. Lancaster University,


http://www.lancs.ac.uk/fss/sociology/papers/diken-city-of-god.pdf, 2003.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Vol. 1. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1990.
__________. O processo civilizador - Vol. 2. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1994.
FISH, Stanley. Is there a text in the class? The authority of interpretative communities. Cambridge,
Harvard University Press, 1980.
FOSTER, Hal. Recodings – Art, spectable, cultural politics. Seattle, Bay Press, 1985.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo, Loyola, 1996.
FRANCO, Jean. "Si me permiten hablar: la lucha por el poder interpretativo". In: Casa de las
Américas, Nº 171, La Habana, noviembre-diciembre, 1988.
FREIRE FILHO, João. “Mídia, estereótipo e representação das minorias”. Eco Pós. Pós-Graduaçào
em Comunicação e Cultura, UFRJ, v. 7, n. 2, ago/dez, 2004.
__________. Palavras, pênis e punhos - A musa perversa e os limites da representação. Tese de
Mestrado, Departamentos de Letras, PUC-Rio, 1996.
GREENBLATT, Stephen. Possessões maravilhosas. São Paulo, Edusp, 1996.
HAMBURGER, Esther. Políticas da representação: ficção e documentário em Ônibus 174”. In: O
cinema do real. MOURÃO, Maria Dora e LABAKI, Amir (orgs.). São Paulo, Cosac &
Naify,2005.
HANSEN, Miriam Bratu. “Estados Unidos, Paris, Alpes: Kracauer (e Benjamin) - sobre o cinema e
a modernidade”. In: O cinema e a invenção da vida moderna. CHARNEy, Leo, Schwartz,
Vanessa R. (orgs.). Prefácio de Ismail Xavier. SPK, Cosac & Naify, 2001.
IMBERT, Gerard. Los escenarios de la violencia. Barcelona, Icaria Editorial, 1992.
HALL, Stuart. “Cultural Studies and Its Theoretical Legacies”. In: David Morley and Kuan-Hsing
Chen (eds.) Stuart Hall. Critical dialogues in Cultural Studies. London, Routledge, 1996.
HARTMAN, Geoffrey. “Holocausto, testemunho, arte, trauma”. In: Arthur Netrovski e Márcio
Seligmann-Silva (orgs.) Catástrofe e Representação. São Paulo, Escuta, 2000.
HUYSSEN, Andreas. “Present pasts: media, politics, amnesia”. In: Enrique R. Larreta (edited) Time
in the making and possible futures. Rio de Janeiro, UNESCO/ISSC/EDUCAM, 2000.
KOSSELECK, Reinhart. “Sobre la relación entre o pasado y el futuro en la historia reciente”. In:
Futuro pasado – para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona, Ediciones Paidós,
1993.
LATOUR, Bruno e WOOLGAR, Steve. A vida de laboratório – a produção dos fatos científicos.
Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1997.
LEITE, Márcia. “Vozes e imagens do morro: as favelas cariocas no cinema brasileiro”. In:
Cadernos de Antropologia e Imagem, n. 11, 2000.
LEPENIES, Wolf. Ascenção e declínio dos intelectuais na Europa. Lisboa, Edições 70, 1979.
LIMA, Eduardo Souza. “Chacina fashion”. Caderno “Rio Show”, O Globo. 30/8/2002.
LINS, Paulo. Cidade de Deus. São Paulo, Companhia das Letras, 1997.
LUCAS, Fábio. “A violência como reflexo temático”. In: Do barroco ao moderno. São Paulo,
Ática, 1989.
LUNN, Eugene. Marxism and modernism. Berkeley, University of California Press, 1982.
MANN, Thomas. “O artista e a sociedade”, in Ensaios. São Paulo, Perspectiva, 1988.
MANTOVANI, Bráulio, MEIRELLES, Fernando e MÚLLER, Anna Luiza. “Cidade de Deus – O
roteiro do filme. São Paulo, Objetiva, 2003.
MONGIN, Olivier. La violence des images ou comment s’en débarrasser? Paris, Éditions du Seuil,
1997.
MORETZ-SOHN, Claúdia. Entre câmeras e traficantes (entrevista com F. Meirelles). Globo.com ,
06/08/2002.
MOTTA, Cláudio. “Cidade de Deus reage à violência na tela”. Globo Barra, Globo, 28/1/2002.
Polêmica Cidade de Deus. In: Site Viva Favela (www.vivafavela.org.br).
32

NAGIB, Lúcia. “A língua da bala – realismo e violência em Cidade de Deus”. Novos Estudos
CEBRAP, n.67, nov, 2003.
NICHOLS, Bill. “O evento terrorista”. In: O cinema do real. MOURÃO, Maria Dora e LABAKI,
Amir (orgs.). São Paulo, Cosac & Naify,2005.
__________. Representing reality. Bloomington and Indianápolis, Indiana University Press, 1991.
NOGUEIRA, Oracy. “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem”. In: Tanto preto
quanto branco: estudos de relações raciais. São Paulo, T.A. Queiroz Editor, 1985.
ODIN, Roger. “A questão do público: uma abordagem semipragmática”. In: Teoria contemporânea
do cinema – Documentário e narratividade ficcional. Vol. 2. Fernão Pessoa Ramos
(organizador). São Paulo, Ed. Senac, 2005.
ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema denovo – um balanço crítico da retomada. Introdução de Ismail
Xavier. São Paulo, Estação Liberdade, 2003.
PIRES, Paulo Roberto. “MV Bill é mais consistente”. “Caderno B”, Jornal do Brasil, 2/9/2002.
PRATT, Mary Louise. Os olhos do império. Florianópolis, EDUSC, 1999.
RIBEIRO, Paulo Jorge. "Notícias desta e outras guerras". Cadernos de Antropologia e Imagem –
Campo da Imagem. No. 10, PPCIS/NAI/UERJ, 2001.
PRYSTHON, Angela e CARRERO, Rodrigo. “Da periferia industrial à periferia fashion: dois
momentos do cinema brasileiro”. Eco Pós, v. 5, n. 2, 2002.
RAMOS, Fernão Pessoa. "Imagem traumática e sensacionalismo". Imagens. Ed. Unicamp,
agosto/1994.
RORTY, Richard. “O barbero de Kasbeam: Nabokov e a crueldade”. In: Contingência, ironia e
solidariedade. Lisboa, Editorial Presença, 1994.
SANT’ANNA, Gilcinei. “Vi e não gostei”. “Polêmica Cidade de Deus”. Site Viva Favela,
17/10/2002.
SANTIAGO, Silviano. “O entre-lugar do discurso latino-americano”. In: Uma literatura nos
trópicos. Rio de Janeiro, Rocco, 2ª edição, 2000.
SANTOS, Kátia. “Um saco de crimes”. www.afirma.inf.br . 21/2/2003.
SARAIVA, Leandro. “Cidade de Deus: maestria e contradições”. Sinopse – revista de cinema da
USP. S.d.
SCHøLLAMMER, Karl Erik. "Os cenários urbanos da violência na literatura brasileira". Carlos
Alberto Messeder Pereira et. alli. In: Linguagens da violência. Rio de Janeiro, Rocco, 2000.
SCHUSTERMAN, Richard. Vivendo a arte. São Paulo, Editora 34, 1998.
STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. São Paulo, Papirus, 2003.
SPIVAK, Gaiatry C. “Can the Subaltern Speak?” In: Cary Nelson and Lawrence Grossberg,
eds.,Marxism and the Interpretation of Culture. Urbana, University of Illinois Press, 1988.
SAID, Edward. “A performance como situação extrema”, in Elaborações musicais. São Paulo,
Imago, 1992.
SENTO-SÉ, João Trajano. “O discurso público sobre violência e juventude no Rio de Janeiro”.
Lusotopie, Paris-França, v. 2, 2003.
SOARES, Luiz Eduardo. “Cidade de Deus e do diabo”. In: nominimo.com.br, 2003.
TAUSSIG, Michel. The nervous system. New York and London, Routledge, 1992.
XAVIER, Ismail. “Angels with dirty face”. Sight and sound, Londres, jan, 2003.
__________. O cinema brasileiro moderno. São Paulo, Paz &Terra, 2001.
WATT, Ian. A ascenção do romance. São Paulo, Companhia das Letras, 1996.
WERNECK, Alexandre. “Excrescência política”. “Caderno B”, Jornal do Brasil, 2/9/2002.
WHITE, Hayden. “The modernist event”. In: Figural realism – studies in the mimesis effect.
Baltimore and London, The Johns Hopikins University Press, 1999.
ZALUAR, Alba. “Trabalhadores e bandidos: juventude e crime”. In: A máquina e a revolta. São
Paulo, Brasiliense, 1983.
ŽIŽEK, Slavoj. “Bem-vindo ao deserto do real”. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 23/9/2001.
33

_________. Eles não sabem o que fazem – o sublime objeto da ideologia. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editor, 1992.

Você também pode gostar