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INTRODUÇÃO
Nesta dissertação iremos analisar o conto “Venha ver o pôr do sol”, escrito por Lygia
Fagundes Telles e publicado em 1970 na coletânea Antes do Baile Verde. Lygia foi escritora,
romancista, contista e uma grande representante do movimento pós-modernista. O
pós-modernismo surgiu a partir dos anos 60 e tinha como principal característica a
combinação de várias tendências. Isso é relevante, pois veremos na produção contística de
Lygia uma mistura de perspectivas sobre uma mesma temática, como é o caso do amor.
Em “Venha ver o Pôr do Sol”, temos a história de Raquel e Ricardo, um casal de
ex-namorados. Ricardo, inconformado com o término do relacionamento, convida Raquel
para um último passeio, que será em um cemitério. Mesmo relutante com a ideia de estar em
um lugar inapropriado, Raquel aceita:
– Ver o pôr do sol? Ah, meu Deus…. Fabuloso, fabuloso! Me implora um último encontro, me
atormenta dias seguidos, me faz vir de longe par aesta buraqueira, só mais uma vez, só mais uma!
E para quê? Para ver o pôr do sol num cemitério (TELLES, 1970)
Nesse momento, então, vemos que Ricardo, na verdade, queria se vingar de Raquel,
por conta do término que ela teve com ele para ficar com um homem mais rico e
principalmente, por tê-lo deixado. Ricardo guardou esse rancor durante muito tempo e
arquitetou todo o crime para deixá-la presa na catatumba, alegando que ela veria o pôr do sol
mais lindo de todos.
A partir da fábula do conto, podemos identificar que a narrativa se trata, portanto, de
uma relação amorosa fracassada, que despertou sentimento de raiva e vingança decorrente de
um ego ferido do protagonista Ricardo. Nesse sentido, a dissertação em questão irá tratar
sobre como Lygia Fagundes Telles construiu o relacionamento amoroso entre Raquel e
Ricardo a partir desses sentimentos mencionados.
A PAIXÃO DE RICARDO
Ricardo em diversos momentos da narrativa se mostra submisso a Raquel, sempre se
colocando em uma posição inferior à ex-namorada, o que indica ao leitor que Ricardo ainda
nutre sentimentos por Raquel; sentimento esse que entrou em colapso após o término e
desenvolveu sofrimento a Ricardo. Esse sofrimento pode estar relacionado ao ferimento de
sua identidade, como veremos a seguir.
Sigmund Freud (1856 - 1939) desenvolveu a ideia de que os seres humanos possuem
um instinto, sendo impulsivo e egocêntrico, conceituada no que ele intitula como o “id”, o
que nós podemos dizer que se resume na identidade do indivíduo, o que está em seu
inconsciente, ele é formado pelas pulsões e desejos inconscientes. Esse instinto pode estar
relacionado com a necessidade de Ricardo em ter o amor de Raquel ainda, mesmo ela o tendo
deixado por um homem mais rico. Essa insistência de Ricardo em ter um último encontro com
a amada, pode sugerir ao leitor de Lygia que Ricardo nutre não somente o ódio de se vingar de
Raquel por tê-la deixado, mas também um desejo de ainda tê-la por perto, para ser sua, haja
visto que ele a deixou presa em um lugar distante da sociedade para que ninguém a possa
ouvir:
Durante algum tempo ele ainda ouviu os gritos que se multiplicaram, semelhantes aos de um
animal sendo, estraçalhado. Depois, os uivos foram ficando mais remotos, abafados como se
viessem das profundezas da terra. Assim que atingiu o portão do cemitério, ele lançou ao
poente um olhar mortiço. Ficou atento. Nenhum ouvido humano escutaria agora, qualquer
chamado. -Acendeu um cigarro e foi descendo a ladeira.(TELLES, 1970)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Infere-se, portanto, que uma das interpretações de “Venha Ver o Pôr do Sol” é sobre a
suposição que trata sobre a relação entre vida e morte e como esse sentimento de amor não
correspondido - ou a paixão enlouquecedora, defendida por Bataille - afeta a subjetividade
humana, mais especificamente, a psiquê de Ricardo, que ao entrar em estado de transe, após
perder seu relacionamento com Raquel, decide consumar esse amor, mesmo não tendo ainda o
objeto amado vivo.
Nesse sentido, podemos supor que o desejo Ricardo se constrói a partir do desejo de
ainda possuir sua amada. Ele age a partir do que Freud intitula como as pulsões de morte que
seriam definidas como traumáticas, inicialmente voltadas para o interior, tendendo à
autodestruição, e secundariamente dirigidas para o exterior, manifestando-se então sob a
forma da pulsão de agressão ou de destruição:
A pulsão de morte era entendida por Freud (1920/1996b) como uma tendência que levaria à
eliminação da estimulação do organismo. Assim, o trabalho dessa pulsão teria como objetivo a
descarga, a falta do novo, a falta de vida, ou seja, a morte. Então, o organismo não teria em sua
base constitucional o desejo pela mudança, pois estaria fadado a buscar sempre estados
anteriores. (AZEVEDO E NETO, 2015, p. 70)
Ricardo age impulsivamente porque seu sofrimento por não ter um amor não
correspondido é tanto que não consegue conciliar essa paixão a perdê-la para um homem que
é mais rico que ele, então ele prefere matá-la do que perder sua amada para outro.
A construção da relação amorosa entre ambos se constrói a partir de uma dependência
emocional de Ricardo, seu egoísmo e narcisismo, que submetem Raquel a uma armadilha, por
não corresponder o amor de Ricardo, ela merece uma punição, por deixá-lo, ela merece a
morte.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. O Mal-estar na civilização, Editora Imago, Londres, 1930.
A construção do conceito de psicose de Freud a Lacan e suas implicações na prática clínica Beatriz de
S. Silva1 Júlio Eduardo de Castro2
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v7n13/02.pdf
Battaille, o erotismo
https://revistacrescer.globo.com/guia-de-nomes/raquel/#:~:text=Sua%20etimologia%20remonta%20ao
%20termo,um%20significado%20espiritual%20e%20simb%C3%B3lico.
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rs/v15n1/08.pdf
file:///G:/Meu%20Drive/INICIA%C3%87%C3%83O%20CIENT%C3%8DFICA/IMPASSES%20E%
20SA%C3%8DDAS%20%20%20%20O%20AMOR%20EM%20CONTOS%20DE%20LYGIA%20F
AGUNDES%20TELLES.pdf
file:///C:/Users/letic/Downloads/RESENHA_DA_OBRA_O_EROTISMO_DE_GEORGES_BATAILL
E.pdf