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O Ano da Morte de Ricardo Reis, a personagem Saramago destaca-se como autor e

como narrador. Evidencia-se a ficção de Saramago sobre Ricardo Reis, um ser de ficção
construído por Pessoa. Um labirinto de palavras, imagens e representações que
espelham Portugal entre a primeira e a segunda guerras mundiais, bem como a visão
de José Saramago sobre Ricardo Reis, um dos quatro heterónimos mais conhecidos de
Fernando Pessoa, num contexto de amizade e de especulação intelectual entre Ricardo
Reis e Fernando Pessoa, sem deixar de lado a ficção e as profecias para o futuro de
Portugal.

O romance situa-se num ano historicamente crítico: 1936 “estava-se em Junho de mil
novecentos e dezasseis”, ano decisivo para o desencadear dos acontecimentos fatais
que conduziriam à Segunda Guerra Mundial.

Ricardo Reis e Fernando Pessoa encontram-se junto à estátua do Adamastor e


conversam sobre temas como o amor e a morte, a obra Mensagem, a situação em que
o país se encontra, Salazar e alguns acontecimentos mundiais, nomeadamente a
situação de na Alemanha e em Espanha. Ricardo Reis vê o agente Victor à porta de sua
casa. Troca uma palavras com ele e explica a Fernando Pessoa quem é, falando-lhe do
interrogatório a que foi submetido na Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE).
Lídia fala do seu irmão Daniel a Ricardo Reis e, durante as limpezas, Ricardo Reis seduz
Lídia, porém revela-se impotente, repelindo-a, o que a deixa triste. Marcenda visita
Ricardo Reis no seu consultório, onde se beijam novamente. Este pede-a em
casamento novamente, contudo Marcenda acabo por rejeitar.

Lídia apesar de ser simples, humilde e pouco letrada, é uma mulher ativa, perspicaz, e
questionadora, preocupada com os acontecimentos mundiais e nacionais “foi neste
momento que Lídia apareceu à porta do quarto, de mangas arregaçadas, a querer
saber…”, onde revela ter um espírito crítico. Esta demostra ter um carácter pouco
convencional para a época, já que está disposta a manter um relacionamento não
oficial, uma vez que deseja levar a gravidez até ao fim. Esta ao ir fazer limpeza ao
quarto de Ricardo Reis, acabada deitada na sua cama, com o objetivo de se atualizar
das notícias do Mundo. Contudo

Lídia olhava-o desconcertada


Relativamente a Marcenda, tal como o nome indica, é uma mulher que está destinada
a murchar, a desistir. A par disso revela uma obediência extrema, uma inércia e uma
passividade, sendo considerada uma figura etérea, semelhante às deusas das odes. A
mão paralisada de Marcenda que não tem nenhum tipo de ração voluntária representa
a apatia e inércia de Ricardo Reis que age como um mero espetador do espetáculo do
Mundo. Apesar de se mostrar atraída por Ricardo Reis “É que eu gosto de si, Ricardo,
só não sei quanto”, Marcenda recusa o pedido de casamento “Marcenda, case
comigo”. Esta fá-lo não somente pelo facto da sua mão estar morta, mas sim toda ela
revelar uma ausência do mundo, estando presa no labirinto da sua própria
incapacidade, assim como RR. “rapariga simpática, fina, a do braço paralítico” “Não há
nenhum indício de reanimação, de movimento, nenhuma alteração da sensibilidade”,
afirmando que “Não seríamos felizes.”.

O AMRR apresenta-se escrito na forma de romance, contando com a presença


narrador omnisciente intruso. Este não se limita a narrar os factos que se apresentam
aos seus olhos. A sua omnisciência, que lhe permite habitar o cérebro das
personagens, conhecendo os seus pensamentos, as suas ideologias e os traços mais
detalhados do seu caráter, empurra-o para o papel do narrador-intruso que o leva a
comentar aquilo que narra, indo para além do mero papel de contar a história. Além
disso, o narrador revela uma atitude crítica em relação às personagens e aos
acontecimentos ficcionais, tendo um claro posicionamento ideológico, além de se
situar num tempo distinto da narrativa. Este parece estar situado num futuro distante
da narração, de modo que não sabe apenas do destino da narrativa e das suas
personagens, como também do percurso da História. Quanto à presença, este é
heterodiegético, uma vez que não integra o universo narrativo, narrando o romance na
terceira pessoa. “Retirou-se Lídia tristíssima, leva consigo o tabuleiro”.
A deambulação de Ricardo Reis pela cidade de Lisboa serve de ponto de partida pata
reflexões diversas acerca do real circundante. Este será uma espécie de guia que nos
dará a conhecer o espírito citadino lisboeta que vai observando acidentalmente e que
será. Naturalmente, objeto da sua visão crítica. Assim a deambulação geográfica nesta
obra é igualmente uma viagem literária.

Este vagueia por vários lugares como a estátua do Adamastor no Alto de Santa Catarina
“andar a passear à noite no Alto de Santa Catarina”, – “quando o vê sentado, de costas,
no banco mais próximo do Adamastor “- figura monstruosa imaginada por Camões e
descrita n´Os Lusíadas, símbolo do Cabo das Tormentas, que vociferava ameaças aos
navegadores, sendo uma representação datada de 1927. Perto do local de onde habita,
este constituí um dos seus locais de eleição de Ricardo Reis, simbolizando os
obstáculos do passado, opositor à marcha dos portugueses, representando no
romance o princípio de uma sociedade nova. No romance, a estátua do Adamastor um
marco norteador dentro do labirinto da cidade de Lisboa. Geograficamente, o
Adamastor encontra-se num ponto de cruzamento de caminhos. O Adamastor torna-se
no presente a rosa-dos-ventos, que anuncia o novo roteiro do povo., sendo visto como
um marco norteador do caminho do povo. Por outro lado, a ação decorre no
apartamento de Ricardo Reis, virado para o rio, onde está presente um traço da
filosofia de vida de Ricardo Reis pessoano, onde o rio está presente no poema “Vem
sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio”, onde conversa com Fernando Pessoa, na Rua do
Alecrim onde “…agora Marcenda atravessa o largo na direção da Rua do Alecrim, volta-
se para ver se o pombo ainda está pousado no braço de Camões,…”, acabando a ação
no seu consultório onde recebe Marcenda “Foi três dias depois que Marcenda
apareceu no consultório.”. “Aquele rosto nu, sem óculos, com o bigode ligeiramente
crescido, pêlo e cabelo têm vida mais longa, exprimia uma grande tristeza, daquelas sem
emenda, como as da infância, que, por da infância serem, julgamos terem remédio fácil,
esse é o nosso engano.
A intertextualidade será, porém, o ponto forte e central da construção narrativa do
romance. Ao longo deste capítulo estão presentes intertextualidades como uma
referência ao poema Iniciação de Fernando Pessoa “Neófito, não há morte”, onde, por
meio de uma imitação criativa, dado esta mensagem ser rejeita, Pessoa afirma
“Neófito, há morte”, onde o poeta reflete acerca da memória e do esquecimento,
afirmando que “O mundo esquece tanto que nem sequer dá pela falta do que esqueceu,
concluindo que após a morte paira o esquecimento, referenciando a decadência dos
valores sociais da época. Por outro lado, numa analepse referente a junho de 1916,
Ricardo Reis cita “…a mais extensa das suas odes, passadas e futuras…”: “Ouvi contar
que outrora, quando a Pérsia”.

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