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O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago

Resumo da obra (1º documento):

Este é um romance fascinante, denso, com incursões inesperadas a propósito de tudo e de


nada, desde expressões da nossa linguagem do dia-a-dia, até às deambulações sobre a
vida, a morte, o ser, o existir, o sonho… sobretudo nos encontros de Ricardo Reis com
Fernando Pessoa. É um livro surpreendente, para ser lido com calma, saboreando os
caminhos que Saramago nos convida a seguir, ao longo das páginas deste romance.

Em finais de dezembro de 1935, Ricardo Reis chega de barco a Lisboa, vindo do Brasil
onde esteve dezasseis anos a viver. É o reencontro com a sua cidade, ficando alojado no
Hotel Bragança na Rua do Alecrim, não sabendo ainda por quanto tempo lá vai ficar. Sem
planos definidos, Ricardo Reis é uma personagem solitária que vai observando e
apreendendo a realidade da cidade, do país e do mundo, sem se envolver diretamente,
antes colocando-se de fora.

No entanto, o cemitério dos Prazeres onde está sepultado Fernando Pessoa, falecido em 30
de Novembro de 1935, é o primeiro local que Ricardo Reis visita mal chega a Lisboa. No
primeiro dia do ano de 1936, quando a euforia do novo ano é vivida lá fora e Ricardo Reis já
se recolheu ao seu quarto no hotel Bragança, Fernando Pessoa (ou o seu fantasma) visita-o
pela primeira vez e avisa-o de que só poderão ter mais oito meses para se encontrarem e
explica que tal como quando estamos no ventre das nossas mães não somos ainda vistos,
mas todos os dias elas pensam em nós, após a morte cada dia vamos sendo esquecidos
um pouco “salvo casos excepcionais nove meses é quanto basta para o total olvido”.

O “Senhor Doutor Reis” como é tratado pelos empregados e hóspedes do hotel é um


homem solitário, embora goste de almoçar em pequenos restaurantes pedindo ao
empregado que não levante o prato à sua frente e deixe cheios o seu copo e o do seu
companheiro imaginário. Gosta de observar e imaginar histórias sobre alguns hóspedes que
jantam e frequentam o hotel e cria uma familiaridade por vezes forçada com o gerente –
Salvador – com Pimenta que lhe carrega as malas e com Lídia a empregada que lhe limpa
o quarto e lhe leva o pequeno almoço. Por outro lado, sendo alguém que se instala durante
algum tempo no hotel sem ocupação nem ligações familiares ou sociais conhecidas, é
observado não só pelo gerente e pelo empregado do hotel, mas também pela polícia
política que quer saber as motivações daquele estranho doutor Ricardo Reis que regressou
a Portugal vindo do Brasil. As notícias que lê todos os dias nos jornais para se pôr a par do
que se passa no mundo e em Portugal pintam um retrato idílico de um país em que o
salazarismo começa a fazer o seu caminho. O país da ideologia da família unida e feliz, em
paz, em confronto com as convulsões que se vivem na vizinha Espanha e no Brasil. O país
da sopa dos pobres e das obras de caridade em todas as paróquias e freguesias. O país
onde se morre de doença e de falta de trabalho. O país dos milagres de Fátima e da
devoção ao chefe, arregimentando os seus seguidores na Mocidade Portuguesa, na Legião
e em outros instrumentos de propaganda como a Obra das Mães pela Educação Nacional.
O país dos filhos de pais incógnitos. O país da discricionariedade e da devassa da vida
privada, dos interrogatórios e da intimidação sem quaisquer motivos, o início da triste
história da PVDE/PIDE. No fim do interrogatório à saída de António Maria Cardoso, Ricardo
Reis sentiu um fedor a cebola que exalava Victor, o informador. Mas também noutros
momentos esse fedor rondava por perto.

Lisboa, a cidade de Pessoa, a cidade onde Ricardo Reis veio para morrer, é uma cidade
cinzenta e triste em que a chuva cai impiedosa. O Carnaval também é molhado e sem
graça. No Verão, o calor é sufocante. A condizer com o ambiente de suspeição e
desconfiança do Estado Novo, a cidade é mesquinha, coscuvilhheira, intromete-se na vida
dos outros. Seja primeiro no hotel Bragança, ou mais tarde quando Ricardo Reis aluga um
andar na Rua de Santa Catarina, as vizinhas espreitam, conjeturam, mexericam,
imiscuem-se. Até para os dois velhos que se sentam junto à estátua do Adamastor, aquele
novo morador de Santa Catarina não deixa de ser um motivo de interesse para matar as
horas de ócio e de conversa. Felizmente para Ricardo Reis, daquele segundo andar há uma
vista deslumbrante para o Tejo.

Em Espanha, depois da vitória das esquerdas nas eleições, é para Lisboa que fogem e se
refugiam os detentores de riquezas, aguardando a reviravolta que não tardará com o golpe
fascista liderado por Franco. Na Alemanha e na Itália, os ditadores lançam os seus
instrumentos de propaganda e preparam os seus seguidores para um dos períodos mais
negros da história da humanidade. No Brasil o comunista Luís Carlos Prestes é preso. As
notícias dos jornais portugueses dão conta de que no estrangeiro Portugal é visto como o
país que finalmente vive um período de paz e prosperidade.

E agora, as duas personagens femininas que se relacionam com Ricardo Reis. Lídia – a
musa das Odes de Ricardo Reis – e Marcenda são duas personagens centrais nesta obra e
neste período da vida de Ricardo Reis. Como é apanágio de Saramago, as suas heroínas
são sempre mulheres fortes e decididas. Lídia, empregada no hotel onde Ricardo Reis vai
viver os primeiros tempos após a sua chegada a Lisboa, é senhora de si, apaixona-se pelo
doutor Ricardo Reis mesmo sabendo das diferenças sociais que a impedem de poder ter
uma vida social sem ambiguidades com aquele com quem se relaciona sexualmente.
Marcenda, a jovem hóspede do hotel que todos os meses vem com o pai para uma consulta
médica, encontra em Ricardo Reis uma pessoa mais velha que a trata como uma adulta e
não como uma criança a quem se escondem verdades dolorosas.

O romance irá apresentar o panorama político da maior parte dos principais países
envolvidos nestas crises – que culminarão com a eclosão da Segunda Guerra Mundial – em
especial através das notícias dos jornais portugueses que serão lidas pelo protagonista,
Ricardo Reis. 1936 (ano em que decorre a maior parte da ação).

Período conturbado, devido às crises de natureza política que ocorriam na Europa, em que
oscilavam tendências democráticas e totalitárias, estas últimas de caráter fascista.
- Portugal – Consolida-se o Estado Novo, conduzido por Salazar. É fundada a
Mocidade Portuguesa. O campo de concentração do Tarrafal entra em
funcionamento.
- Espanha – Emergem os conflitos sociais, políticos e econômicos que impulsionarão
o povo espanhol para a Guerra Civil, sob o comando do General Franco.
- Itália – Mussolini, líder fascista, ascende ao poder. Trava-se a guerra contra a
Etiópia.
- Alemanha – O poder de Hitler, que compartilha dos ideais totalitários dos nazis, é
fortalecido. Intensificam-se os ataques aos judeus.

Estado Novo: regime ditatorial


- Equilíbrio financeiro, conseguido com o aumento dos impostos e com a redução de
gastos com a educação, saúde e salários dos funcionários públicos.
- Modernização do país, através da política de obras públicas.
- Estabilidade forçada com a criação de meios de controlo da sociedade: Censura
Polícia política (PVDE, mais tarde PIDE) Mocidade Portuguesa, Propaganda
Nacional
- Aliança com a Igreja (instrumento capaz de persuadir e manipular as populações),
assente na visão de Salazar como o salvador da moralidade cristã e da pátria.

O espaço da cidade. Deambulação geográfica e viagem literária


A cidade de Lisboa (palco da ação) é descrita como um labirinto, monótona, pobre, sombria,
silenciosa, chuvosa, de águas turvas. Metáforas que remetem para as circunstâncias
políticas e históricas vividas em Portugal, em 1936: estado de estagnação, miséria e
conformismo em que o povo estava mergulhado, clima de ameaça e perseguição e restrição
da liberdade de expressão exercidos pelo regime
No seu regresso à pátria, após dezasseis anos de exílio no Brasil, Ricardo Reis constata
que pouco mudou em Portugal – sinal de estagnação do país. No entanto, o espaço exterior
conduz a outro tipo de deambulações, estas de natureza literária, por parte de Ricardo Reis
(e do próprio narrador).
Assim, a cada passo da personagem pelas ruas de Lisboa, assistimos a referências a vários
autores e textos da literatura portuguesa e mundial.
Os textos evocados, muitas vezes, não são fiéis ao original, surgindo sob a forma de
alusões, paráfrases ou imitações criativas/paródias. Visita a locais como a rua do Comércio,
o Terreiro do Paço, a rua do Crucifixo, o Chiado, a Praça da Figueira, a rua do Alecrim, ou o
Bairro Alto. Evocação de textos, entre os quais a Bíblia, e de autores como Fernando
Pessoa, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Camões, Eça de Queirós,
Cesário Verde, Almeida Garrett, Jorge Luís Borges, Dante, Cervantes ou Virgílio.

Paródia do verso de Os Lusíadas “Onde a terra se acaba e o mar começa” no início e no


fecho da obra.
Citação de versos de Os Lusíadas como “esta apagada e vil tristeza”, com vista a
ridicularizar determinadas situações.
Presença constante da estátua de Camões e do Adamastor, como forma de destacar a
produção camoniana como um marco de fundamental importância na literatura portuguesa
(“todos os caminhos portugueses vão dar a Camões”).
Denúncia da subversão e do aproveitamento das palavras e da figura de Camões por parte
do regime.

Configuração do espaço da cidade de Lisboa como uma realidade confinadora e destrutiva


(“Ricardo Reis atravessou o Bairro Alto, descendo pela Rua do Norte chegou ao Camões,
era como se estivesse dentro de um labirinto que o conduzisse sempre ao mesmo lugar”).
Comiseração e identificação do narrador com certas figuras do povo observadas. Remissão
para a evocação de um passado glorioso contrastante com a estagnação de um presente
moribundo.
Visualismo de pendor impressionista e convergência dos sentidos.
Construção do personagem Ricardo Reis à luz das características físicas, psicológicas e
literárias fixadas pelo seu criador, patentes, por exemplo, nas conversas entre o heterónimo
e o ortónimo.

A personagem principal: Ricardo Reis


A imagem traçada por Saramago coincide com a projetada por Fernando Pessoa na criação
deste heterónimo: “homem grisalho” (uma vez nascido em 1887, em 1936 teria 49 anos)
“seco de carnes” (na carta a Adolfo Casais Monteiro, Fernando Pessoa afirma que ele é um
homem forte, mas seco)
Esteve emigrado no Brasil (Saramago parte deste pressuposto e coloca Reis
de regresso à pátria, ao fim de 16 anos).
É poeta e médico. Tem:
- dificuldade em tomar decisões ou avançar explicações, dado acreditar no peso
do destino;
- enorme autodisciplina, evitando as paixões e a inquietude da alma;
- rigor, enquanto poeta, nas formas estróficas e métricas.
Permanecem também alguns traços da filosofia de vida e do credo poético do
heterónimo.

Representações do amor Marcenda e Lídia


Retrato físico | Retrato psicológico
Marcenda - Jovem com cerca de 20 anos, delgada, de pescoço esguio, queixo fino e de
contornos pouco definidos. Sofre de paralisia na mão esquerda, o que condiciona muito a
sua postura. Mulher virgem e inexperiente, passiva, sem grandes convicções e sem vontade
própria (está disposta a ir a Fátima simplesmente para agradar ao pai), que anula os
projetos futuros (desiste de ser feliz, recusando o pedido de casamento de Ricardo Reis).
Representa a inércia, a apatia, a desistência de Ricardo Reis. Representa a possibilidade
de Ricardo Reis vingar sem o seu criador, transformando-se num agente ativo e não num
mero espetador do mundo. Etimologicamente, o seu nome significa “aquela que murcha”,
que não é eterna – contrasta com as musas das odes.
Lídia - Tem cerca de 30 anos, é bonita, morena, relativamente baixa e de formas bem feitas.
Mulher emancipada, perspicaz e questionadora. Apesar de ser simples, humilde e pouco
letrada, é uma pessoa informada e preocupada com o mundo que a rodeia, revelando ter
espírito crítico. É ainda uma mulher ativa, trabalhadora e lutadora. Contrasta com a Lídia
das odes, caracterizada pela serenidade, pureza, passividade e não envolvência em
paixões ou problemas.

Estrutura da obra:
Externa 19 capítulos
Estrutura circular:
Uso paródico do verso de Camões “Onde a terra se acaba e o mar começa”; viagem de
Reis para Lisboa e, depois, em direção ao cemitério dos Prazeres.
Linguagem e estilo
Tom oralizante.
Marcas de coloquialidade. Diálogo entre o narrador e o narratário. Comentários do narrador.
Estruturas morfossintáticas simples. Provérbios e expressões populares com ou sem
variações. Mistura de vários modos de relato do discurso. Coexistência de segmentos
narrativos e descritivos sem delimitação clara. Ausência de pontuação convencional: uso
exclusivo do ponto final e da vírgula, que funciona como o sinal de maior relevância, já que
marca as intervenções das personagens, o ritmo e as pausas. (É o contexto que ajuda o
leitor a perceber quando se trata de uma declaração, de uma exclamação ou de uma
interrogação). Uso de maiúscula no interior da frase.

2º documento:

Ricardo Reis:
Heterónimo de Fernando Pessoa que se autonomiza, tornando-se uma figura independente
no romance, mas mantendo as características do heterónimo pessoano (contemplativo e
distante).
O contacto com o mundo faz-se através da leitura de jornais – incapaz de compreender
cabalmente o tempo histórico e os acontecimentos políticos, Reis revela-se um espectador
da realidade ditatorial implantada no seu país (“Sábio é o que se contenta com o espetáculo
do mundo”).

Fernando Pessoa:
Motor dos acontecimentos (a sua morte desencadeia a ação).
Personagem histórica, mas com natureza fantasmagórica (que participa na ação depois de
morta), dialogando com Ricardo Reis sobre a sua vida e conduta.
Tece comentários irónicos sobre o contexto social e a postura de Ricardo Reis relativa à
vida.
Valor simbólico: “tutor de uma língua e de uma poética, resposta da modernidade
portuguesa ao mito secular camoniano, como a querer provar que, da glória passada ao
tempo presente, Portugal deixou acesa a aura de um discurso modelar para sempre relido”.

Lídia:
Personagem autêntica, real, verdadeira, que se distingue das outras personagens do
romance.
Mulher do povo, criada de hotel, humilde, torna-se amante de Ricardo Reis, vivendo de
forma completa a sua feminilidade – cede completamente ao prazer do gozo do amor.
Consciente, lúcida e crítica, questiona o contexto social e político que a rodeia e rejeita os
códigos sociais.
≠ Musa etérea e distante das odes de Ricardo Reis → Inversão de dados preexistentes na
literatura

Marcenda:
Jovem pertencente à alta sociedade, com a mão esquerda paralisada; oprimida pelo pai,
assume uma atitude passiva perante o mundo, política e afetivamente.
Encara o não comprometimento amoroso como menos doloroso – prefere não se entregar
ao gozo do amor.
Nome que apresenta semelhanças com marcescível (que murcha) e que aponta para o
caráter etéreo da personagem (“são palavras doutro mundo, doutro lugar, femininos mas de
raça gerúndia”).
Invenção do romancista → Pontos comuns com as musas etéreas e distantes das odes de
Ricardo Reis

Ricardo Reis - Lídia:


Relação carnal, marcada pelo envolvimento físico:
- Lídia apaixona-se por Ricardo Reis, provocando nele um duplo efeito de atração e
de menosprezo;
- Lídia sofre por amor, consciente de que a relação não tem futuro, devido a
preconceitos sociais/ diferença de classes sociais (doutor vs. criada);
- Lídia engravida.
COMPROMETIMENTO AMOROSO “Enlacemos as mãos”

Ricardo Reis - Marcenda:


Envolvimento poético-afetivo/misto de atração espiritual e física:
- Marcenda exerce sobre Ricardo Reis um efeito de fascínio, devido à sua fragilidade
(mão paralisada); inexperiente mas desejosa de conhecer o amor, Marcenda
aproxima-se de Ricardo Reis;
- A relação assume contornos predominantemente platónicos/espirituais (é
consumada por dois beijos);
- Ricardo Reis pede Marcenda em casamento, mas esta recusa a proposta.
DESCOMPROMETIMENTO AMOROSO “Desenlacemos as mãos”

Referências a Cesário Verde


Deambulação pela cidade de Lisboa.
Descrição minuciosa e pormenorizada da cidade enquanto espaço físico e social – Lisboa
oprimida e miserável.

Referências a Fernando Pessoa


Poesia do ortónimo Ex.: “O poeta é um fingidor”
Odes de Ricardo Reis Ex.: “Sereno e vendo a vida à distância…” “A palidez do dia é
levemente dourada”
Referência a figuras clássicas da poesia de Reis Ex.: “Lídias, Neeras e Cloes”
Referência a estéticas da poesia pessoana Ex.: paulismo, intersecionismo

Referências a Camões
Início da narrativa: “Aqui o mar acaba e a terra principia”
Inversão do sentido do intertexto camoniano (“Onde a terra se acaba e o mar começa” – Os
Lusíadas, Canto III), que remete para a mudança de perspetiva (viagem de regresso, virada
para a terra – ano de 1936, ditadura de Salazar).
Intertextualidade com o episódio do Adamastor (estátua do Adamastor)
Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, o privilégio das referências intertextuais cabe, é claro,
ao complexo pessoano […], mas a épica camoniana também comparece na inversão do
célebre verso do Canto III – “[…] aqui […] / onde a terra se acaba e o mar começa” – que
ilustra de forma magistral uma certa visão de Portugal enquanto cais de partida que
alimentou fantasmaticamente a glória portuguesa muito tempo depois de já ter sido
reconhecido como falacioso. […] A proposta de Saramago, num tempo em que o país se
esforçava por recordar o delírio da grandeza, tinha de forjar-se nos antípodas dessa
imagem.
Referência a figuras da poesia de Camões (ex.: Natércia)
A frase emblemática do romance, tanto no epigráfico da cena primeira – “Aqui o mar acaba
e a terra principia” […] como na variante chave de ouro da narrativa – “Aqui, onde o mar se
acabou e a terra espera.” –, marca de vez a mudança do olhar para a terra. É sintomático
que o romance abra com uma viagem de retorno a Portugal, a de Ricardo Reis, por mares
agora longamente navegados […], a bordo do Highland Brigade, um vapor inglês da Mala
Real Britânica, o que desfaz definitivamente a possibilidade de evocação das naus gloriosas
de outrora.

Outras referências textuais


- The god of the labyrinth
A referência ao escritor fictício Herbert Quain (recuperado de um conto da obra Ficções, de
Jorge Luis Borges) congrega o universo da heteronímia pessoana e da própria ideia de
ficção. A intercalação entre a realidade que Ricardo Reis lê nos jornais, no ano de 1936, e a
recuperação da história policial de Borges simbolizam este aspeto labiríntico da
fragmentação do sujeito poético. Temos, portanto, um jogo de espelhos, que reflete uma
personagem inventada, num tempo histórico (1935/1936), que lê um livro de um escritor
fictício, que surge numa obra real.
- Jornais da época: O Século, Diário de Notícias…
- Bíblia
- Cantigas, provérbios e ditos populares
- Afirmações históricas famosas

Capítulo a capítulo
- Cap. I
Chegada de Ricardo Reis a Lisboa no Highland Brigade.
Deambulação de táxi pela cidade.
Alojamento no Hotel Bragança.
Ricardo Reis vê Marcenda na sala de jantar do hotel.
Leitura de jornais: notícias nacionais (comemorações nas colónias) e internacionais (avanço
do fascismo).
- Cap. II
Deambulação pelas ruas da cidade: mudanças arquitetónicas.
Leitura de jornais: forma como foi noticiada a morte de Fernando Pessoa.
Ida de elétrico ao Cemitério dos Prazeres e regresso de táxi.
Primeiro encontro com Lídia, a criada do hotel.
Leitura do jornal: demissão do governo espanhol; emergência da ditadura de Mussolini em
Itália.
- Cap. III
Segundo encontro com Lídia.
Último dia do ano de 1935.
Passeio pelas ruas da cidade: passagem pelas estátuas de Eça de Queirós e de Camões.
Visão de uma cidade vigiada, oprimida e em ruína.
O bodo do Século: degradação social e autoridade policial.
Festejos de Ano Novo a que Ricardo Reis assiste na rua.
Ricardo Reis regressa ao Hotel Bragança; ao jantar, pensa em Marcenda.
Primeiro encontro com Fernando Pessoa.
- Cap. IV
Publicação pelos jornais de notícias nacionais e estrangeiras: anúncio da afirmação da força
do Estado Português aquando da futura derrocada dos grandes Estados.
Segundo encontro com Fernando Pessoa: diálogo existencial.
Ricardo Reis elogia a beleza de Lídia (primeira noite juntos).
Preconceitos de Ricardo Reis face à diferença de classe social.
- Cap. V
Ida de Ricardo Reis ao teatro.
Primeira conversa com Marcenda, no final do espetáculo.
Deambulação e observação do rio Tejo: presença militar naval.
Terceiro encontro com Fernando Pessoa: crítica de Pessoa ao envolvimento de Ricardo
Reis com Lídia devido às diferenças sociais.
Lídia e Ricardo Reis voltam a passar a noite juntos.
- Cap. VI
Leitura de jornais: avanço do nazismo na Alemanha; demissão do governo francês;
instabilidade política em Espanha.
Conversa com Marcenda na sala de estar do hotel: situação de saúde da jovem.
Troca de ideias políticas com o Dr. Sampaio, pai de Marcenda.
- Cap. VII
Referência aos antecedentes da Guerra Civil Espanhola e ao estado caótico da Europa;
política expansionista e militarista alemã; Portugal favorecido pelas colónias.
Preparação de golpe militar pelo general Franco.
Refugiados de Espanha começam a chegar a Lisboa.
Festejo do Carnaval.
- Cap. VIII
Doença de Ricardo Reis; Lídia assume o papel de enfermeira.
Ricardo Reis recebe uma contrafé.
Marcenda tem conhecimento da contrafé pelo pai.
Quarto encontro com Fernando Pessoa no Alto de Santa Catarina: diálogo sobre Lídia e
Marcenda.
Marcenda e Ricardo Reis encontram-se no mesmo local.
Acontecimentos históricos: oficiais do exército japonês querem declarar guerra à Rússia.
- Cap. IX
Ida à polícia a propósito da contrafé: clima de medo e repressão.
Interrogatório policial.
Impotência de Ricardo Reis face à situação.
Aluguer de casa no Alto de Santa Catarina.
- Cap. X
Comunicação da decisão de permanência em Portugal.
Quinto encontro com Fernando Pessoa na nova casa de Ricardo Reis.
- Cap. XI
Visita de Lídia à casa do Alto de Santa Catarina: amor sensual.
Lídia anuncia que irá visitar Ricardo Reis às sextas-feiras, dia de folga,para estar com ele e
fazer limpeza à casa.
Leitura da imprensa: títulos de carácter nacional e internacional.
Marcenda visita Ricardo Reis na sua casa.
Beijo entre Ricardo Reis e Marcenda: atração física e espiritual.
- Cap. XII
Ricardo Reis escreve uma carta a Marcenda.
Ricardo Reis começa a dar consultas, em substituição de um médico, na Praça Luís de
Camões, e escreve nova carta a Marcenda, dando conta disso.
Aclamação de Hitler na Alemanha.
Sofrimento dos portugueses: fome e privação.
Festejo da Páscoa: bodo geral pelo país oferecido pelo Governo.
Receção de carta de Marcenda.
Deambulação de elétrico até ao cemitério.
- Cap. XIII
Sexto encontro com Fernando Pessoa: conversa sobre o amor, a situação do país e a obra
Mensagem.
Visão enaltecida de Salazar, o ditador português, e propaganda política em jornais
estrangeiros.
Marcenda visita Ricardo Reis no consultório; o médico pede a jovem em casamento, mas
esta rejeita-o.
- Cap. XIV
Marcenda despede-se por carta.
Ricardo Reis vai a Fátima com a expectativa de encontrar Marcenda.
- Cap. XV
Propaganda do regime ditatorial português.
Diálogo com Lídia sobre o seu irmão Daniel.
Sétimo encontro com Fernando Pessoa.
Simulacro de ataque aéreo na capital.
- Cap. XVI
Notícias dos jornais: revoluções na Europa; sofrimento dos portugueses – fome e privação.
Lídia revela a Ricardo Reis a sua gravidez.
Oitavo encontro com Fernando Pessoa.
- Cap. XVII
Participação de Victor num filme de propaganda política, de Lopes Ribeiro.
Instabilidade política pela Europa.
Golpe militar em Espanha.
- Cap. XVIII
Ricardo Reis escuta as notícias pela rádio.
Ricardo Reis vê comício político de exaltação ao Estado Novo.
- Cap. XIX
Revolta dos Marinheiros (8 de setembro de 1936).
Cruzamento da História com a ficção: Daniel, irmão de Lídia, participa na revolta.
Ricardo Reis parte com Fernando Pessoa.

Tom oralizante
Visível, sobretudo, nos diálogos das personagens e nos comentários do narrador.
Marcado pela presença do registo informal (popular), ao nível do léxico e da sintaxe
(construção frásica).
Pontuação
Supressão de quase todos os sinais de pontuação, com exceção da vírgula e do ponto final.
Intencionalidade do uso da pontuação: incumbir o leitor da tarefa de pontuar os textos.

Reprodução do discurso no discurso


Uso peculiar do discurso direto – não seguimento das convenções associadas à formatação
gráfica do discurso direto; marcação do discurso direto com inicial maiúscula (início de fala)
e vírgula (fim de fala). Uso peculiar do discurso direto – não seguimento das convenções
associadas à formatação gráfica do discurso direto; marcação do discurso direto com inicial
maiúscula (início de fala) e vírgula (fim de fala).

Recursos expressivos usados


Antítese
Comparação
Enumeração
Ironia
Metáfora

Traços da filosofia e do credo poético de heterónimo:


Dificuldade em tomar decisões ou avançar explicações, dado acreditar no peso do destino;
Enorme autodisciplina, evitando as paixões e a inquietude da alma;
Rigor, enquanto poeta, nas formas estróficas e métricas.

Resumo
Representações do século XX: o espaço da cidade, o tempo histórico e os acontecimentos
políticos.
Deambulação geográfica e viagem literária.
Representações do amor.
Intertextualidade: José Saramago, leitor de Luís de Camões, Cesário Verde e Fernando
Pessoa.
Linguagem, estilo e estrutura:
- a estrutura da obra;
- o tom oralizante e a pontuação;
- recursos expressivos: antítese, comparação, enumeração, ironia e metáfora;
- reprodução do discurso no discurso.

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