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Apresentação escrita do capítulo XIX da obra

“O ano da morte de Ricardo Reis”

O capítulo XIX começa com o regresso de Lídia a casa de Ricardo Reis passado
algum tempo, após esta ter tomado a decisão de o deixar devido ao seu estado lastimavél e
desleixo pessoal mas também por não perceber o que faz em casa de Ricardo Reis “ser a
criada do senhor doutor, a mulher-a-dias, nem sequer a amante porque há igualdade nesta
palavra […] e então já não sabe se chora pelos mortos de Badajoz, se por esta morte sua que
é sentir-se nada.”(Capítulo XVIII)

Lídia bate então á porta, não fazendo uso das chaves que possuí, pois não se sente
bem por não ter aparecido, desculpa-se de imediato e ao observar Ricardo Reis acha o com um
ar envelhecido. “Lídia começa a chorar baixinho”. Antes de partir, Lídia limpa e arruma a casa
uma última vez e confidencia a Ricardo Reis que Daniel participará numa revolta, em que os
navios de guerra Afonso Albuquerque, Dão e Bartolomeu Dias partirão para o mar.

“A ideia é irem para Angra do Heroísmo, libertar os presos políticos, tomar posse
da ilha” e esperar levantamentos no continente. No dia seguinte Ricardo Reis vai observar os
navios de guerra, a partir do jardim em frente ao seu apartamento. Enquanto isso, surge “um
enorme dirigível, devia ser o Graf Zeppelin ou o Hidemburgo” do outro lado do rio.

Na descida até ao Chiado observa os barcos de perto, de repente aparece Vitor que
o deixa sobressaltado. Acaba por regressar a casa e janta dois ovos rapidamente. De manhã,
ouve o primeiro tiro de peça. Chega ao jardim e observa o forte da Almada a disparar contra os
navios de guerra. Por volta das nova horas, tudo volta á normalidade, Ricardo Reis “entra em
casa, atira-se para cima da cama desfeita, escondeu os olhos com o antebraço para poder
chorar à vontade, lágrimas absurdas, que esta revolta não foi sua, sábio é o que se contenta
com o espetáculo do mundo”.

Decide ir ao Hotel Bragança ter com Lídia porém esta não se encontrava lá. “Bons
dias, Pimenta, aquela criada como é que ela se chama, a Lídia, está, Ah, não,senhor doutor,
não está, saiu e ainda não voltou ...”. Nos jornais da tarde, Ricardo Reis vê o nome do irmão
de Lídia na lista dos marinheiros mortos e de repente “ficou parado no meio da rua, com o
jornal aberto, no meio de um silêncio absoluto, a cidade parara, ou passava em bicos de pé
com o dedo indicador sobre os lábios fechados”.

Fernando Pessoa visita Ricardo Reis e anuncia que não o tornará a ver pois o seu
tempo chegara ao fim. Ricardo Reis sem mais demoras pega no “The God of the Labyrinth” e
decide acompanhar Pessoa pois tem consciência de que não poderá valer a Lídia e nem poderá
ler. “Não lhe posso valer, E esse livro, para que é, Apesar do tempo que tive, não cheguei a
acabar de lê-lo, Não irá ter tempo, Terei o tempo todo, Engana-se, a leitura é a primeira
virtude que se perde, lembra-se”.
Características dos personagens presentes neste capítulo:

Ricardo Reis é, até ao fim, o homem indeciso que não se compromete, embora
não seja cruel. É a incapacidade de se envolver com a vida, esta recusa de sofrer com a dor
alheia que lhe provoca o sofrimento. Reis é um homem que atravessa este romance
atormentado, alvo de críticas por parte do narrador devido á filosofia estoicista que este
defendia. De certa forma Reis recusa a sua humaninade e quem recusa a própria humanidade
talvez não mereça viver. Ao abandonar o mundo dos vivos, já incapaz de ler Ricardo Reis leva o
mistério sob a forma de livro para deixar o mundo livre de mais um enigma.

Lídia é mais autêntica das personagens deste romance, abandona o homem que
não é capaz de se envolver. No entanto, confia-lhe os seus receios. Lídia terá o filho de Ricardo
Reis, criá-lo-á sozinha (tal como a sua própria mãe criou os filhos). Lídia é assim a esperança de
um mundo melhor que se projeta para o futuro, através da sua condição de mulher. Ela não
recusa o mistério, vai dar-lhe forma, vida e um nome.

Fernando Pessoa é também uma personagem bastante importante não só neste


capítulo em particular mas em toda a obra, tendo sido o motor dos acontecimentos pois foi a
sua morte que fez desencadear a ação. Para além de personagem histórica e criador de
Ricardo Reis, Pessoa apresenta uma natureza fantasmagórica sendo que participa na obra
mesmo depois de morto. Dialoga com Ricardo Reis sobre a vida e conduta que este leva e tece
diversas vezes comentários irónicos sobre o contexto social e postura de Ricardo Reis sendo o
seu relacionamento com Lídia o mais ridicularizado.

Relação de Reis e Fernando Pessoa:

Fernando Pessoa era para Ricardo Reis a sua única companhia em Lisboa, a quem
podia confessar as suas aventuras e também dúvidas. É no fim destes oito meses que Ricardo
Reis acompanha Pessoa para o mundo dos mortos. São dois Ricardos Reis, mas esta dualidade,
encontrámo-la também no par Ricardo Reis-Fernando Pessoa. Ricardo Reis sente Pessoa como
“sombra, espírito, fantasma, mas que fala, ouve, compreende, apenas deixou de saber ler”.
Se, no princípio, Ricardo Reis se alegra com as visitas de Pessoa, à medida que a narrativa
avança ficamos com a sensação de que se criou uma dependência forçosa entre eles e que
Reis, mesmo querendo, não pode desfazer-se dela (e assim também da presença dele). Reis,
neste momento da história, vive a sua vida como num sonho, como se ele próprio já não fosse
real, como se fosse um fantasma. É como se sonhasse que não sonha ou que não quer sonhar
e viver. Já não tem vontade de viver, de ter uma vida conforme a maioria das pessoas. Reis
perdeu todos os seus desejos e a sua existência tornou-se numa rotina, com a qual não tem
nenhuma relação O médico torna-se cada vez mais fantasma, recuando no caminho de
humanização que vinha sendo feito Ricardo Reis está a perder o seu contorno de pessoa
humana, a perder a sua existência humana.

Contexto histórico-político:

No Panorama Nacional, assistimos á censura jornalística , em que as notícias


sofriam com o filtro da censura e em que a verdadeira situação de ditadura era ocultada. Ação
policial atenta e controladora da PVDE (depois passou a ser designada por PIDE), com os
interrogatórios e a intimidação da população, a devassa da vida privada, ausência de liberdade
por parte dos cidadãos portugueses. Presença da Ditadura Salazarista , na qual era idealizada
uma imagem da família portuguesa unida e feliz em oposição ás convulsões que se viviam no
resto da Europa e no mundo. Era incentivada a devoção ao chefe de Estado, e Salazar era até
comparado a Hitler. Assistimos a peregrinações e milagres de
Fátima foram registados, provando que o povo português detinha uma grande crença
religiosa, e com este facto, a Igreja oportunista como sempre, apoia cria uma aliança com o
Estado. Milhares de pessoas a recorrerem á sopa dos pobres para sobreviverem devido á
miséria em que se encontravam, criação de obras de caridade em todas as paródias e
freguesias, uma enorme falta de trabalho, doenças a alastrarem-se, o que em parte , levou a
atos revolucionários em Portugal como medidas desesperadas para mudarem a sua situação. A
instabilidade política e a constante opressão dos cidadãos levou a que ocorresse a revolta por
parte dos marinheiros com o intuito de pôr um fim á ditadura de António Salazar em Setembro
de 1936 no século XX (20).

O espaço da cidade (físico e social):

Lisboa

Tem uma dupla função no romance: conseguir o efeito do real, contextualizando a


ação juntamente com as referências históricas, políticas e literárias feitas; e o espaço assume
uma dimensão simbólica pois a descrição da cidade como sendo silenciosa, labiríntica e
alagada pelas chuvas funciona como uma metáfora para o ambiente político e social durante a
ditadura, que entristece e silencia toda a sociedade portuguesa.

Espaços interiores:

Casa alugada de Ricardo Reis

Outro local bastante importante é a casa alugada por Ricardo Reis no Alto de Santa
Catarina. Ao mudar se para lá, também muda, radicalmente, de vida, começando a trabalhar
numa clínica no Largo de Camões onde exerce medicina durante três meses. Tornando-se mais
consciente do que se passa a nível sociopolítico em Portugal. Perto da sua altura de morte
afasta-se da sua naturalidade perante as emoções e sentimentos e deixa-se absorver por eles.
Neste caso em consequência das mortes ocorridas na revolta dos marinheiros. Este espaço
simboliza a tentativa de Ricardo Reis se assumir como uma personagem fora da ficção
pessoana.

Intertextualidade:

“... como puros observadores do espetáculo do mundo,” intertextualidade com Ricardo Reis
heterónimo de Pessoa (Página 480)

“...turvam-se-lhe os olhos de lágrimas, também foi assim que começou o grande choro do
Adamastor.” Intertextualidade com o Adamastor do Lusíadas. (Página 483)

Na importância atribuída aos sentidos, no relacionamento da personagem com o mundo que a


rodeia, sugere uma certa proximidade com a poesia de Cesário. Por exemplo, na passagem do
silêncio para o ruído, quando Reis toma conhecimento da morte do irmão de Lídia:

“de repente o barulho voltou ensurdecedor, a buzina dum automóvel, o despique de dois
cauteleiros, o choro duma criança a quem a mãe puxava as orelhas.” Intertextualidade com
Cesário Verde. (Página 492)
“Então bateram à porta. Ricardo Reis correu, foi abrir, já prontos os braços para recolher a
lacrimosa mulher, afinal era Fernando Pessoa. Ah, é você, Esperava outra pessoa, Se sabe o
que aconteceu, deve calcular que sim, creio ter-lhe dito um dia que a Lídia tinha um irmão na
Marinha, Morreu, Morreu. Estavam no quarto, Fernando Pessoa sentado aos pés da cama,
Ricardo Reis numa cadeira. Anoitecera por completo. Meia hora passou assim, ouviram-se as
pancadas de um relógio no andar de cima, É estranho, pensou Ricardo Reis, não me
lembrava deste relógio, ou esqueci-me dele depois de o ter ouvido pela primeira vez.
Fernando Pessoa tinha as mãos sobre o joelho, os dedos entrelaçados, estava de cabeça
baixa. Sem se mexer, disse, Vim cá para lhe dizer que não tornaremos a ver-nos. Porquê, O
meu tempo chegou ao fim, lembra-se de eu lhe ter dito que só tinha para uns meses,
Lembro-me, Pois é isso, acabaram-se. Ricardo Reis subiu o nó da gravata, levantou-se, vestiu
o casaco. Foi à mesa de cabeceira buscar The God of the Labyrinth, meteu-o debaixo do
braço, Então vamos, disse, Para onde é que você vai, Vou consigo, Devia ficar aqui, à espera
da Lídia, Eu sei que devia, Para a consolar do desgosto de ter ficado sem o irmão, Não lhe
posso valer ,E esse livro, para que é, Apesar do tempo que tive, não cheguei a acabar de lê-
lo, Não irá ter tempo, Terei o tempo todo, Engana-se, a leitura é a primeira virtude que se
perde, lembra-se. Ricardo Reis abriu o livro, viu uns sinais incompreensíveis, uns riscos
pretos, uma página suja, Já me custa ler, disse, mas mesmo assim vou levá-lo, Para quê,
Deixo o mundo aliviado de um enigma. Saíram de casa, Fernando Pessoa ainda observou,
Você não trouxe chapéu, Melhor do que eu sabe que não se usa lá. Estavam no passeio do
jardim, olhavam as luzes pálidas do rio, a sombra ameaçadora dos montes, Então vamos,
disse Fernando Pessoa, Vamos, disse Ricardo Reis. O Adamastor não se voltou para ver,
parecia-lhe que desta vez ia ser capaz de dar o grande grito. Aqui, onde o mar se acabou e a
terra espera." Intertextualidade com Pessoa ortónimo presente no 11º diálogo e último entre
Ricardo Reis e Fernando Pessoa.(Página 493-494)

E por meio de imitação criativa acaba com “Seguiram em frente para onde o mar se acabou e
a terra espera” intertextualidade com os Lusíadas de Camões. (Página 494). A variação da
frase inicial demonstra que o país está parada e limitado à contemplação mas também o
carácter circular da obra.

Simbolismos:

Quanto aos simbolismos,

Sabemos que Ricardo Reis revela o interesse em se hospedar no hotel perto do rio e mesmo
quando compra a sua própria casa, tem proximidade e a vista para o rio como um requisito.

O rio que é uma referência que aparece repetidamente na obra, simboliza o fluir das
águas, a fertilidade, a morte, a renovação e a mudança constante. Reis manifesta a sua
existência através do rio, procurando inspirar-se nele para seguir o seu rumo de forma
contínua, constante e irreversível.
“The God of the Labyrinth”, livro que Ricardo Reis transporta consigo,
acompanha o dilema do heterónimo na procura do “eu” e da sua existência, simbolizando o
aspeto labiríntico da fragmentação do sujeito poético. Lisboa é uma imagem exterior do seu
labirinto interior. O labirinto simboliza a procura de identidade tanto a nível pessoal, por
Ricardo Reis, como a nível nacional. Existe portanto, um jogo de espelhos, que reflete uma
personalidade inventada, num tempo histórico (1935/1936), que lê um livro de um escritor
fictício, que surge numa obra real.

As estátuas de Camões e do Adamastor revestem um importante papel simbólico


na obra por terem a capacidade de intervenção da arte e da cultura no poder, mas também no
pensamento e na história.
O adamastor, símbolo de todos os obstáculos, no passado dos Descobrimentos,
tem no romance, a função de representar as forças opressoras da ditadura. No presente,
dentro do labirinto da cidade de Lisboa, torna-se na rosa-dos-ventos, que anuncia o novo
roteiro do povo. Representa agora a aurora de uma nova sociedade.

E por último mas não menos importante o número 9, dos 9 meses que restavam a Fernando
Pessoa para deambular pela terra e que restaram a Ricardo Reis até á sua morte. 9 meses é
também o tempo de gestação, que será o tempo que o filho de Lídia demorará para nascer,
que poderá simbolizar o nascimento de um novo ciclo para Portugal.

Passagens preferidas da obra:

Passagem preferida do capítulo XIX (Sofia):

“Vim cá para lhe dizer que não tornaremos a ver-nos. Porquê, O meu tempo chegou ao fim,
lembra-se de eu lhe ter dito que só tinha para uns meses, Lembro-me, Pois é isso, acabaram-
se. Ricardo Reis subiu o nó da gravata, levantou-se, vestiu o casaco. Foi à mesa de cabeceira
buscar The God of the Labyrinth, meteu-o debaixo do braço, Então vamos, disse, Para onde é
que você vai, Vou consigo...”. Fernando Pessoa veio pela última vez ter com Ricardo Reis,
“para lhe dizer que não tornaremos a ver-nos”. O seu tempo entre a vida e a morte acabou,
chegou o momento de ir para o além de vez, de deixar o mundo dos vivos aos vivos. E assim é
também para Ricardo Reis, que com a sua reação mostra que não pertence ao mundo dos
vivos, que pertence ao mundo dos fantasmas e da morte, na qual decide mergulhar para
sempre. Ricardo Reis sente que já não tem nada a fazer nesta vida, que já não tem forças para
fazer mudar ou avançar alguma coisa. Já não há caminho para trás. Esta passagem emerge o
leitor nas profundezas da insensibilidade de Ricardo Reis, quase como se este não existisse.

Passagem preferida do capítulo XIX (Xavier):

“Devia ficar aqui, à espera da Lídia, Eu sei que devia, Para a consolar do desgosto de ter
ficado sem o irmão, Não lhe posso valer ,E esse livro, para que é, Apesar do tempo que tive,
não cheguei a acabar de lê-lo, Não irá ter tempo, Terei o tempo todo, Engana-se, a leitura é a
primeira virtude que se perde, lembra-se. Ricardo Reis abriu o livro, viu uns sinais
incompreensíveis, uns riscos pretos, uma página suja, Já me custa ler, disse, mas mesmo
assim vou levá-lo, Para quê, Deixo o mundo aliviado de um enigma. Saíram de casa,
Fernando Pessoa ainda observou, Você não trouxe chapéu, Melhor do que eu sabe que não
se usa lá. Estavam no passeio do jardim, olhavam as luzes pálidas do rio, a sombra
ameaçadora dos montes, Então vamos, disse Fernando Pessoa, Vamos, disse Ricardo Reis.”

Quando Fernando Pessoa lhe pergunta se não devia ficar à espera da Lídia ele diz: “Não lhe
posso valer.” Com esta frase, expressa a convicção total de que ele é fantasma, não semi-
fantasma, e que sempre o foi, embora tivesse empreendido algumas incursões para encontrar
a sua própria identidade. Reis é, desde o princípio, o fantasma de Fernando Pessoa, como este
o era de si mesmo nos últimos nove meses em que apareceu varias vezes ao seu heterónimo.
O que Ricardo Reis responde sobre o livro, com o seu título enigmático The god of the
labyrinth, a Fernando Pessoa, também fala por si. Diz “apesar do tempo que tive, não cheguei
a acabar de lê-lo.”Ricardo Reis entrou no labirinto, quando partiu do Brasil e sobretudo
quando pisou o solo português. É esta a simbologia do livro que levou sempre consigo. Entrou
no labirinto que é Lisboa, que por sua vez representa a busca interior. O livro com o seu título
significa a procura que não acabou e nunca vai acabar, porque ele desistiu dela e não vai obter
resultados. Falhou ao tentar. Fernando Pessoa sabe que não há solução e anuncia o seu fim
tanto como pessoa como poeta e homem de letras. “Não irá ter tempo, Terei o tempo todo,
Engana-se, a leitura é a primeira virtude que se perde, lembra-se.”Fernando Pessoa diz a Reis
que as suas horas estão contadas nesta terra, o que se confirma, quando Ricardo Reis abriu o
livro e ao tentar ler “viu uns sinais incompreensíveis, uns riscos pretos, uma página suja”,o que
só pode significar que já era um fantasma, que estava quase morto. Depois, saíram da casa,
“olhavam as luzes pálidas do rio, a sombra ameaçadora dos montes”, tudo parece sinistro,
tudo lembra o lado escuro, a vinda da morte. “Então vamos, disse Fernando Pessoa, Vamos,
disse Ricardo Reis” e foram, para sempre.

Estilo de escrita de José Saramago:

No que toca à escrita saramaguiana, o capítulo 19 não é diferente dos demais, neste
encontramos um tom oralizante visível, sobretudo, nos diálogos das personagens e nos
comentários críticos do narrador.

É marcado pela presença do registo informal/popular, ao nível do campo lexical e da sintaxe.


Quanto à pontuação apenas usufrui da vírgula e do ponto final, tendo como objetivo incumbir
o leitor da tarefa de pontuar os textos.

Por fim recorre inúmeras vezes aos seguintes recursos expressivos: antítese, comparação,
enumeração, ironia e metáfora, para o comprovar iremos mostrar alguns exemplos.

Recursos expressivos:

Metáfora: “Traz no bolso a chave da casa, mas não se serve dela, tem os seus melidres, disse
que não voltaria, mal parecia agora meter a chave à porta como em casa sua, que nunca foi,
hoje ainda menos, se esta palavra nunca admite redução, admitamo-la nós, que das palavras
não conhecemos o último destino” (Página 479). A metáfora presente tem como objetivo
mostrar a distância por parte de Lídia de compartilhar a casa e a vida daquele homem.

Comparação: “Os barcos, vistos do meio da praça, pousados sobre a água luminosa, parecem
aquelas miniaturas que os comerciantes de brinquedos põem nas montras, em cima de um
espelho, a fingir de esquadra e porto de mar.” (Página 485) Compara os barcos do cais com as
miniaturas que os comerciantes de brinquedos vendiam.

Enumeração: "...e as fragatas de água-acima, e os cacilheiros no seu incessante ir e voltar, e as


gaivotas, o céu azul, descoberto, e o sol, que tanto refulge lá onde está como sobre o rio
expectante..." (Página 486)

Resolução dos exercícios (Página 277 do Manual):

1. No início do texto, Ricardo Reis mostra-se “nervoso, inquieto” (l. 6) com as notícias de Lídia
dando conta da preparação de uma insurreição entre os marinheiros. Esse estado de espírito
revela-se na sua ida ao Terreiro do Paço para observar os barcos, depois do almoço (ll. 1-2), e
na deslocação ao jardim de Santa Catarina, depois do jantar, “para olhar os barcos uma vez
mais” (l. 7).

2. Citado após os acontecimentos envolvendo o barco com o irmão de Lídia, o verso de Reis
funciona como uma quase repreensão a si próprio por se ter envolvido com a realidade, por
ter deixado de ser “sábio” e de se “contentar” com “o espetáculo do mundo”, sem nele
interferir. Quando tal aconteceu, foi impossível manter a ataraxia.
3. A personificação da cidade sugere e sintetiza o ambiente da capital e do país (que o cartoon
da página anterior representa graficamente): face à dura realidade, apenas o silêncio e o leve
envolvimento podem permitir uma existência cómoda.

4. a. Confrontado com a impossibilidade de viver de acordo com a filosofia que fora a sua, até
então, desacreditada a possibilidade de indiferença, como as relações com Marcenda e com
Lídia mostraram, Ricardo Reis opta por, ainda assim, seguir uma das linhas dessa mesma
filosofia: “Abdica/E sê rei de ti próprio”. Opta, pois, por deixar o mundo em que não consegue
manter a passividade do sábio espectador e decide acompanhar Fernando Pessoa, quando
este vem despedir-se, na sua última visita.

b. Com a decisão de Reis, o poeta termina a sua viagem na “terra”, que principiara no início do
romance (e a transformação do verso de Camões sugerira), que deixa de ser o espaço
simbólico de realização para passar a ser apenas o local de uma espera.

Imagens relevantes sobre o capítulo XIX

Fig 1. Revolta dos Marinheiros em 1936

Fig 2. Um dos navios de guerra de Afonso Albuquerque

Fig 3. Fernando Pessoa criador de Ricardo Reis

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