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Bairro Militar de Nampula

Edições FAPF
Participantes ao projecto de pesquisa
pesquisadores: Mohamad Arif, Luciano Cupelloni, Gian Piero Donin, Vicente Joaquim, Idálio Juvane, Maria Spina
levantadores: Mahomed António Narotamo, Fernando Manuel Nguenha, Munir Zahedali Mamodhai, Samsone Micheque Zicai

Ficha técnica
título: Bairro Militar de Nampula
coordenação: Vicente Joaquim, Maria Spina
registo legal: 4587/RLINLD/05

capa e layout: Maria Spina


edição: FAPF, Maputo 2005
UEM - Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico
Avenida Mártires da Machava 181, Maputo — Moçambique
http://www.architecture.uem.mz
Índice

LAGOS HENRIQUE LIDIMU Prefácio 15

JÚLIO CARRILHO Apresentação 17

VICENTE JOAQUIM Nota histórica 10

VICENTE JOAQUIM O processo de levantamento 11

Documentos de levantamento
– a casa uni/bifamiliar 15
– a casa multifamiliar 39

GIAN PIERO DONIN – IDÁLIO JUVANE De Nampula a Maputo:


confrontando tipologias em bairros militares 52

MOHAMAD ARIF – LUCIANO CUPELLONI Nota sobre a conservação e reabilitação 59


ESBOÇO DA PLANIMETRIA GERAL. Esta base foi usada para identificar as tipologias bem como
analizar os espaços físicos do aglomerado. Foi igualmente utilizada para a distribuição do
trabalho de levantamento por grupos.

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Recebi com muito prazer a cópia da publicação que a Faculdade de Arquitectura e Planeamento
Físico da Universidade Eduardo Mondlane dedicou ao Bairro Militar de Nampula. Através dos desenhos e
das fotografias é documentado um episódio importante da vida da cidade de Nampula e uma parte
fundamental da história deste País.

Agradeço aos estudantes e professores que contribuíram para o resultado durante muitas semanas
de trabalho no campo e agradeço também aos moradores do bairro que acolheram com amizade os partici-
pantes nas operações de levantamento e participaram com informações e lembranças na reconstrução da
história do próprio assentamento.

O Património que pertence ao Ministério da Defesa, distribuido em todo o País, é de grande


importância seja económica, em quanto consiste de áreas que muitas vezes estão em posição estratégica
em muitas cidades do País, seja histórica e arquitectónica pela qualidade dos edifícios e do espaço. A
reutilização deste património é uma das tarefas mais delicadas que cabe a este Ministério. As decisões a
serem tomadas caso por caso de maneira a garantir os direitos dos utilizadores, e a rentabilidade económica
da operação, serão difíceis e complexas. É pois, uma nova oportunidade de desenvolvimento equilibrado das
cidades interessadas. É portanto, em função deste objectivo, que julgo eficaz e apropriado o estudo dirigido
pela Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane, que espero seja
contínuo visando a valorização de um património edificado que agora pertence à nossa história e à nossa
cultura.

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MORADIAS NO CONTEXTO FORMAL DA CIDADE DE NAMPULA. O “Regionalismo nacionalista”, em
voga na casa civil, se afirma também nas casas do Bairro Militar que apresentam cober-
turas em telha de várias águas, beirais, varanda ou portal de entrada e chaminés
conspícuas.

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Apresentação

A presente publicação dedicada ao Bairro Militar da cidade de Nampula é a segunda deste tipo depois da que
foi dedicada ao Antigo Bairro Militar da cidade de Maputo. Ela resulta igualmente de uma feliz articulação entre
os imperativos da didáctica e as vantagens da ligação com os problemas da realidade concreta do país,
permitindo-se assim a integração das actividades de ensino, de investigação e de extensão. Esta integração
que, neste caso específico, foi feita no âmbito da leccionação da disciplina de levantamento arquitectónico e
urbano, só foi possível devido à generosa colaboração do Estado-Maior General, que é sem dúvida de louvar.

Os assentamentos edificados destinados às guarnições militares são frequentemente exemplos interessantes


e fecundos da exaltação de valores e elementos de poder dos seus mentores. Eles também são muitas vezes
o núcleo inicial e estruturante do desenvolvimento do tecido da futura cidade colonial que nele se ancora.
Constituindo a arquitectura um domínio do saber cujo resultado é fortemente marcado por concepções funda-
das em referenciais de cultura e até de ideologia, o estudo dos bairros militares do último período da ocupação
portuguesa em Moçambique constitui uma oportunidade de exercitação, de pesquisa, de conhecimento e de
compreensão do enquadramento histórico-espacial que explica opções formais e de expansão inicial de algu-
mas das nossas actuais cidades.

No contexto formal é interessante notar que muitos dos exemplares habitacionais levantados denotam um
posicionamento marcado pela tentativa de afirmação de um “regionalismo nacionalista”, em voga particu-
larmente no princípio do século passado em Portugal e realçado no período do Estado Novo. Nas moradias,
em particular, nota-se como que uma busca, nem sempre erudita como acontece nas casas de Raul Lino,
da representação formal de elementos da arquitectura popular portuguesa e de modismos de tipo mediter-
rânico, tão ao gosto de certas elites da época, na metrópole e nas colónias. Não se trata no entanto da casa
do tipo “casal de família” com “jardim floreiro e legumeiro” e com “indumentária e estética camponesa” como
preconizava Fialho de Almeida, no início do século passado, mas sim de exemplares de moradias – particu-
larmente em Maputo – que se socorrem de elementos tipológicos da casa tradicional à portuguesa, com
coberturas em telha de várias águas, beirais, varanda ou portal de entrada e chaminés conspícuas.

Realizados longe da metrópole colonial, o traçado urbano e a arquitectura modernizaram-se no desenho,


adoptaram outras tipologias de edificações e elementos tropicalizantes de protecção ambiental, libertando-se
e adaptando-se aos condicionamentos de clima o que, sobretudo no período inicial, se traduziu mesmo na
adopção, nalguns casos, do tipo de habitações com varanda perimetral à maneira das casas tradicionais
locais. Podemos que dizer que, não obstante as motivações que lhe deram origem, esta arquitectura erguida
com o esforço anónimo de muitos moçambicanos, técnicos, artífices, operários, é uma realidade merecedora
de realce no quadro do património edificado de que hoje nos apropriamos e de que temos necessidade de
fazer o uso e tratamento adequado. O seu valor económico, o seu significado histórico-cultural, a sua
dimensão, a sua unidade e coerência aconselham-no.

Júlio Carrilho
Maputo, 2 de Julho de 2005

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Nota histórica

No prosseguimento da ocupação do então distrito de Moçambique, com


o início da campanha na capitania do norte, em 1907 instalaram-se vários
postos militares entre os quais o de Nampula1, posto que pela sua notável
importância na luta contra a guerrilha nacionalista moçambicana, nos
anos sessenta e setenta foi transformado em quartel general das Forças
operacionais portuguesas. Com a independência de Moçambique em
1975 esta unidade militar continuou a assumir uma importância estratégi-
ca, desenvolvendo entre outras actividades a de formação militar.
Funciona ainda nesta unidade o Comando da Região Norte, o Comando
da Polícia Militar, Hospital Militar e quartel. Grupos de casas residenciais
destinadas exclusivamente aos militares fazem também parte deste aglo-
merado. A semelhança dos outros bairros militares espalhados em todo o
território moçambicano é notória no Bairro Militar de Nampula a atitude
das autoridades coloniais em Moçambique de construir instalações milita-
res próprias que garantissem maior seguraça das suas forças. Das análi-
ses efectuadas constatou-se não haver alterações significativas deste
núcleo urbano, quer no que respeita ao seu enquadramento geral na
estrutura da cidade, como no que respita as suas instalações em relação
ao plano inicial. Algumas zonas e também instalações sofreram apenas
adaptções tendentes a adequar as novas estratégias de defesa militar. A
actividade de formação militar ganhou novo ímpeto, com a criação recen-
te da Academia Militar em funcionamento neste bairro. Esta Academia
funciona nas instalações onde antes se desenvolviam as actividades da
Escola Militar, passando esta última para as instalações do quartel ainda
no mesmo bairro. Como resultado da situação politica, económica e social
do País, este núcleo urbano deixou de ter um carácter exclusivamente
militar. O Hospital Militar passou a prestar cuidados de saúde também à
população civil. Outras infraestruturas, tais como o Cinema Militar, o Clube
de Desportos, o Campo de Futebol, todos localizados neste aglomerado,
servem também a população civil. É portanto notória a importância que
este aglomerado exerce em toda a cidade, nos vários domínios da vida
da população que nela vive.

1
Teixera BOTELHO, A História Militar e a Política dos Portugueses em Mocambique, vol. 1,

parte IV, Centro Tipográfico Colonial, Lisboa, 1936, pag 581.

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O processo de levantamento

Com entrada em vigor de um novo currículo na Faculdade de Arquitectura


a Universidade Eduardo Mondlane introduziu a disciplina de Levantamen-
to arquitectónico e urbano. Em função do plano temático desta disciplina
várias actividades têm sido desenvolvidas, visando essencialmente dar
um contributo ao processo de construção da historiografia da arquitectura
em Moçambique. As abordagens têm sido dirigidas para actividades
didácticas, de pesquisa e extensão. Neste âmbito e para esta disciplina
foram efectuados trabalhos de levantamento do antigo Bairro Militar de
Maputo, localidade da Catembe e agora o Bairro Militar de Nampula. Os
trabalhos de levantamento têm em vista um conhecimento, uma cataloga-
ção e uma análise histórico-crítica tendo por isso se limitado a documentar
as características gerais dos sectores urbanos escolhidos e os edifícios
residenciais neles construidos, sem contudo efectuar-se levantamentos
com elevado grau de detalhe e precisão. No caso concreto do Bairro
Militar de Nampula foi usado o método directo de levantamento assu-
mindo como documentação de base uma planimetria geral deste sector
urbano. O levantamento dos edifícios foi feito isoladamente com dese-
nhos executados pelos estudantes envolvidos. Estes desenhos foram
esquemáticos, porém, em tamanho que permitisse o registo de informa-
ção suficiente para a sua restituição. O processo de levantamento foi
precedido de algumas consultas e outras fontes, Ministérios (Ministério da
Defesa Nacional e Ministério das Obras Públicas e Habitação) e bibliográ-
ficas, com intuito de se obter informações sobre eventuais modificações
verificadas neste sector urbano. Com o conhecimento de alguma realida-
de histórica, um profundo conhecimento físico dos espaços e da estrutura
que define este sector urbano, mantendo um diálogo sempre profundo
com as obras a levantar foi possivel efectuar-se este trabalho com suces-
so. Em linhas gerais o trabalho consistiu em:
1. levantamento da cartografia e de toda a documentação de
apoio;
Em baixo, uma folha de rascunho.
2. visita à zona de estudo e identificação das tipologias;
3. elaboração das bases de levantamento: desenhos
esquemáticos (plantas, alçados e cortes);
4. levantamento métrico e fotográfico de todos os edifícios e
ambientes.
Feito o levantamento segui-se a fase de restituição dos desenhos dos
edifícios e ambientes estudados, finalizando com as análises e sínteses
que são objecto da presente publicação.

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MAPA DA CIDADE DE NAMPULA, ANTES DO 1970, ESCALA 1:5000. A dedicatória, à esquerda em cima, diz: “Oferecida ao AHM em 1970 pela
Câmara Municipal de Nampula. A implantação a cor de rosa figura o posto militar em 1910 e caminhos para o mato”.

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ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES OCORRIDAS NOS

ANOS SESSENTA, a volta da zona da Escola

Militar e da Praça dos Herois Moçambi-


canos, obtida pela sobreposição do
Mapa da situação actual e o Anteplano
geral de urbanização.

ANTE-PLANO GERAL DE URBANIZAÇÃO, 1940, ESCALA 1:5000. Detalhe (mapa 449, Arquivo
Arquitectónico, Direcção Provincial de Obras Públicas e Habitação de Nampula).

NAMPULA HOJE. A construção do Bairro Militar constitui uma importante ocasião para definir a estrutura da cidade. Algumas vias de aces-
so, que antigamente desenpenharam as funções esclusivamente de caracter militar, são ainda de particular importância na ligação com
outros pontos da Província.

Antiga estrada para


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RUA
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RUA 3024 ARIED
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Antiga estrada RUA
para Chinga
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Antiga estrada E
para Murrupula

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Equipa de trabalho

Mohamad Arif – Vicente Joaquim – Idálio Juvane – Maria Spina


Mahomed António Narotamo
Fernando Manuel Nguenha
Munir Zahedali Mamodhai
Samsone Micheque Zicai

Auxiliares:
Mahari Tecle, Alberto Isabel Raúl da Costa, Salvador Raimundo Fernando
e os moradores do Bairro Militar

Agradecimentos

Ficam aqui expressos os nossos sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuiram directa ou indirectamente
para este trabalho. Pela sua disponibilidade, pelo interesse manifestado pelo trabalho e pelo apoio que nos proporciona-
ram registamos aqui, em especial, os nossos agradecimentos ao General Lagos Henrique Lidimu, Chefe do Estado Maior
General das Forças Armadas de Defesa de Moçambique, e aos Oficiais abaixo descriminados:

Brig. Daniel Frazão Chale


Maj. Abdala Assane Capanganha
Maj. Abel Pirilão
Tt. Coronel Tadeu Elias Chuluma
Tt. Coronel Vieira Tomás Francisco
Tne. Arlindo Quicério Botão
Tne. Alberto Catorze Massave

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Documentos de levantamento:
a casa uni/bifamiliar
16
Casas bifamiliares geminadas
Casas com dois quartos e sala de estar. Evidenciam-se igualmente as zonas de
cozinha, casa de banho exterior e arrecadação. Entre o muro de vedaçâo prin-
cipal e as casas existe um espaço de uso comun. Todas as cinco casas deste
grupo têm uma galeria/varanda em sua volta. A diferência reside apenas nos de-
talhes arquitectónicos: duas casas apresentam janelas com arcos, bases de pila-
grupo A
res decoradas, bem como corrimãos curvos nas escadas de acesso.

Vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.

17
Em cima, planta de piso. Original em papel vegetal, desenho a
tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.
Ao lado, análise funcional. Desenho original colorido, escala
1:200. Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.

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A partir de cima, alçado principal, alçado posterior e alçado late- Em baixo à esquerda, vista lateral do edifício sendo visivel a
ral esquerdo. Originais em papel vegetal, desenhos a tinta de entrada ao logradouro posterior (Arquivo Fapf).
china, escala 1:100. Em baixo à direita, vista do logradouro posterior, sendo visiveis
Elaboração: Fernando Manuel Nguenha. as entradas para a cozinha e arrecadação (Arquivo Fapf).

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Casas unifamiliares isoladas
Beneficiam-se de um jardim frontal junto à rua pública e possuem um pórtico de
acesso principal bem como uma varanda, localizada no lado poente da casa.
Esta tipologia é a unica que apresenta uma característica diferente na zona da
recepção. Ao contrario das outras tipologias, a zona de recepção prolonga-se
para o interior do edifício através de um pequeno corredor.
grupo B

Vista axonométrica. Original em papel vegetal,


desenho a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Samsone Micheque Zicai.

21
pág. 22 pág. 23
Em cima à esquerda, planta de piso. Original em papel vegetal, A partir de cima, alçados: principal, lateral esquerdo, posterior e
desenho a tinta de china, escala 1:100. Elaboração: Samsone lateral direito. Originais em papel vegetal, desenhos a tinta de
Micheque Zicai. Em cima à direita, vista frontal e lateral, sendo china, escala 1:100. Elaboração: Samsone Micheque Zicai.
visiveis o pórtico da entrada principal e a varanda do lado poen-
te. Em baixo, análise funcional. Desenho em ArchiCad, escala
1:200. Elaboração: Samsone Micheque Zicai.

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Casas unifamiliares isoladas de dois pisos
Estes edifícios beneficiam de uma área de jardim localizado de fronte de cada
um deles. O terreno onde estão construídos apresenta um declive considerável
e, como resultado, os jardins encontram-se a uma cota relativamente alta se
comparada com a cota do resto do pátio da casa. Em casas localizadas nos

grupo C lotes com pendência ainda maior foram construídas caves, servindo neste caso
como arrecadações ou garagens.

Ao lado, implantação. Original em papel vegetal, desenho a tinta de china, escala 1:400.
Elaboração: Mahomed António Narotamo
Em baixo, vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho a tinta de china, esca-
la 1:100. Elaboração: Mahomed António Narotamo

Estes edifícios são marcadamente identificados por um jogo de volumes e


coberturas de várias inclinações a diferentes alturas. O chaminé constitui um
dos elementos marcantes na fachada posterior.

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26
pág. 26 pág. 27
A partir de cima, planta do rés-do-chão e do primeiro andar. A partir de cima: à direita, alçado principal e alçado posterior; à
Originais em papel vegetal, desenhos a tinta de china, escala esquerda, alçado lateral direito e alçado lateral esquerdo. Origi-
1:100. nais em papel vegetal, desenhos a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Mahomed António Narotamo Elaboração: Mahomed António Narotamo

27
Casas unifamiliares geminadas
Edifícios com três quartos, sala e ante sala, cozinha e casa de banho. Existe
também um espaço que serve de transição entre a sala e a cozinha. O acesso
à única varanda existente é feito pela sala comum.
Os edifícios, embora simples na sua forma e distribuição espacial, têm uma pre-

grupo D sença marcante devido ao aspecto rígido que transparece e pela sua repetição
ao longo da via.

Em baixo, vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho


a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Samsone Micheque Zicai.

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Em cima, alçado frontal; à esquerda, alçado lateral. Originais em
papel vegetal, desenhos a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Samsone Micheque Zicai.
Em baixo, planta de piso. Original em papel vegetal, desenho a
tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Samsone Micheque Zicai.

30
Em cima, alçado posterior. Original em papel vegetal, desenho
a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Samsone Micheque Zicai.
Em baixo, vista de uma casa. Os edifícios são construídos em
alvenaria, com cobertura em lusalite, onde o chaminé aparece
como o elemento mais destacável.

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Casas unifamiliares geminadas
Casas compostas por dois quartos, uma sala de estar, casa de banho, cozinha,
arrecadação e varanda de entrada. Os seus logradouros frontal e posterior têm
dimensões relativamente pequenas. Como resultado do desnível do terreno, o
logradouro posterior se encontra a uma cota baixa se comparada ao nível da

grupo E casa e também da via principal.

Vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho a tinta


de china, escala 1:100.
Elaboração: Munir Zahedhali Mamodhai.

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pág. 34 pág. 35
A partir de cima, alçados: principal, lateral esquerdo, lateral direi- Em cima, planta de piso. Original em papel vegetal, desenho a
to, posterior. Originais em papel vegetal, desenhos a tinta de tinta de china, escala 1:100.
china, escala 1:100. Elaboração: Munir Zahedhali Mamodhai.
Elaboração: Munir Zahedhali Mamodhai. Em baixo, vista da casa

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Casas unifamiliares geminadas
Casas com dois quartos, uma sala, cozinha (com a respectiva arrecadação) e
casa de banho. Dois espaços junto a sala servem de transição tanto para a
parte frontal da casa como para a zona de serviços. Esta situação faz com que
alguns vãos de janelas da sala não sejam abertos directamente para o exterior.

grupo F

Vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho a


tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Mahomed António Narotamo

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Em cima, planta de piso. Original em papel vegetal, desenho a No centro, alçado principal e posterior. Originais em papel vege-
tinta de china, escala 1:100. tal, desenhos a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Samsone Micheque Zicai. Elaboração: Samsone Micheque Zicai.

Análise funcional. Desenho em


ArchiCad, escala 1:200.
Elaboração: Samsone
Micheque Zicai.

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Documentos de levantamento:
a casa multifamiliar

I
40
Predio G
Prédio de rés-do-chão mais treis andares com trinta e dois apartamentos Tipo 1 sendo oito apartamentos em cada piso.
O edifício dispõe de uma escada de acesso central, sendo a distribuição ao nível dos pisos feita por corredores longos
localizados na parte frontal. A parte posterior é reservada às varandas de serviço de cada um dos apartamentos.

Em cima, vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho


a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.

Em baixo, alçado principal. Original em papel vegetal, desenho a


tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.

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Em cima, alçado posterior; ao centro, planta de piso. Originais em papel vegetal, desenhos a tinta de china, escala
1:200. Elaboração: Fernando Manuel Nguenha. Em baixo, planta detalhe dos apartamentos. Original em papel vege-
tal, desenho a tinta de china, escala 1:100. Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.

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Em cima à esquerda e em baixo, à esquerda e à direita, vistas sensação visual e estética diferente. Em cima à direita, alçado
do predio. Os parapeitos dos corredores de circulação e das lateral. Original em papel vegetal, desenho a tinta de china, esca-
varandas posteriores foram executados por forma a criar una la 1:100. Elaboração: Fernando Manuel Nguenha.

43
44
Predio H
Prédio de rés-do-chão mais dois andares com vinte e quatro apartamentos Tipo 1 sendo oito apartamentos em cada piso.
O edifício dispõe de duas escadas de acesso laterais. A distribuição pelos apartamentos ao nivel de cada piso é feita por
um corredor longo localizado na parte frontal.

Vista axonométrica. Original em papel vegetal, desenho a tinta Esboço em perspectiva. Original em papel vegetal, desenho a
de china, escala 1:100. tinta de china.
Elaboração: Mahomed António Narotamo. Elaboração: Mahomed António Narotamo.

Alcado posterior. Original em papel vegetal, desenho a tinta de


china, escala 1:100. Elaboração: Mahomed António Narotamo.

45
46
pág. 46
A patir de cima:
Alçado frontal. Original em papel vegetal, desenho a tinta de
china, escala 1:100. Elaboração: Mahomed António Narotamo.
Planta de piso. Original em papel vegetal, desenho a tinta de
china, escala 1:200. Elaboração: Mahomed António Narotamo.
Análise funcional. Original em Archicad, escala 1:200.
Elaboração: Mahomed António Narotamo.
Planta detalhe dos apartamentos. Original em papel vegetal,
desenho a tinta de china, escala 1:100. Elaboração: Mahomed
António Narotamo.

pág 47
Á esquerda, alçado lateral esquerdo. Original em papel vegetal,
desenho a tinta de china, escala 1:100. Elaboração: Mahomed
António Narotamo.

47
48
Predio I
Prédio de rés-do-chão mais dois andares com vinte e quatro apartamentos Tipo 1 sendo oito apartamentos em cada piso.
A comunicação vertical està garantida por meio de uma escada central e a distribuição pelos apartamentos por um cor-
redor longo localizado na parte frontal. Todos os apartamentos possuem uma varanda localizada na parte posterior.

Em cima, vista axonométrica. Original em papel vegetal, desen-


ho a tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Munir Zahedali Mamodhai.

Em baixo, alçado frontal. Original em papel vegetal, desenho a


tinta de china, escala 1:100.
Elaboração: Munir Zahedali Mamodhai.

49
50
pág. 50 pág. 51
A partir de cima: Em cima à esquerda, alçado lateral direito. Original em papel
Alçado posterior. Original em papel vegetal, desenho a tinta de vegetal, desenho a tinta de china, escala 1:100. Elaboração:
china, escala 1:100. Elaboração: Munir Zahedali Mamodhai. Munir Zahedali Mamodhai.
Planta de piso. Original em papel vegetal, desenho a tinta de
china, escala 1:200. Elaboração: Munir Zahedali Mamodhai.
Planta detalhe dos apartamentos. Original em papel vegetal,
desenho a tinta de china, escala 1:100. Elaboração: Munir
Zahedali Mamodhai.

51
De Nampula a Maputo: confrontando tipologias em
bairros militares

O estudo no bairro militar de Nampula, enriquece e completa uma expe-


riência didáctica e de pesquisas iniciada com o bairro militar de Maputo o
que permitiu entender e preservar, nos levantamentos e nas entrevistas
aos habitantes, um património arquitectónico e urbano de inquestionável
interesse. Geralmente considerada arquitectura “menor”, a militar nas
colónias representou do seu lado, muitas vezes, uma importante ocasião
de criação/concepção urbanística e adaptação e enquadramento da tipo-
logia habitacional ao clima, cultura e hábitos diversos.
A centralidade na implantação da área edificada, as suas maiores salubri-
dades, a possibilidade de construir em tempo útil breve o conjunto do
bairro, os recursos económicos proporcionais a importância e imagem,
permitiram um bom investimento em termos urbanísticos, arquitectónicos
e de qualidade tecnológica das construções.
Tal como Maria Spina e Vicente Joaquim ilustram na publicação sobre o
histórico Bairro Militar de Maputo, a atitude dos países colonizadores em
construir instalações militares próprias, também diferentes, no tempo, nas
condições variadas de colónia em colónia e da filosofia colonizadora em
comunicar, teve objectivos comuns: (a) o de exportar, para os oficiais e
suas famílias, residências que permitiram uma vida saudável adaptável
ao clima, (b) concepção e agregação de espaços interiores e exteriores
em função do hábito e standard de vida, (c) um papel urbano que, mais
ou menos em osmose com os tecidos existentes, representava o peso
político e cultural na nação dominante. Os bairros militares das principais
cidades Moçambicanas, seguem este princípio, com algumas variações.
Do ponto de vista urbanístico, embora projectado para oficiais portugue-
ses como corpos autónomos do resto da cidade, reflectia na concepção
de implantação, intenção de integrar-se aos tecidos circunvizinhos com
algumas funções importantes como por exemplo, o hospital e a igreja,
para uso e benefício comum ao resto da cidade.
Em Nampula, objecto do presente estudo, o bairro assume nitidamente
no desenho urbano, um papel de criação de polaridade, constituindo -
como no caso do castelo medieval nas antigas cidades europeas - o
núcleo de orientação e desenvolvimento dos três eixos principais a partir
dos quais, organizam-se paralela e ortogonalmente as ruas da cidade. No
interior as casas multifamiliares, provavelmente destinadas aos oficiais
subalternos, alinham-se ao redor de um grande pátio central; as casas
unifamiliares destinadas aos oficiais e aos militares de grau superior,
colocam-se mais ao exterior e mais perto do confim da cidade.

52
As tipologias seguem mais ou menos o esquema experimentado pelos
portugueses em Maputo, evidenciando-se três tipos principais: (1) a
unifamiliar isolada, (2) a geminada bifamiliar e, (3) a multifamiliar de um
ou mais pisos.
As casas unifamiliares isoladas seguem um esquema de planta habitual:
entrada principal, destaca-se um pórtico de acesso principal, à cota signi-
ficativamente elevada, voltado para o pequeno jardim frontal junto à via
pública. Mais recolhido para o quintal maior, acedesse a entrada de ser-
viço ligando funções complementares de serviço como cozinha, higiene
pessoal. Os espaços de dormir e de estar e zona de serviços comunicam-
se entre si através das várias portas no mesmo compartimento principal.
Complementar às funções de serviço da casa, localiza-se uma pequena
edificação independente no fundo do grande quintal recolhido. A casa é
implantada centralmente, a volta do qual se desfruta de amplo espaço
livre privado também, complementar às vivências diárias de oficiais supe-
riores. Pórticos, varandas e janelas seguem as linhas de uma arquitectura
vernácula as quais são somados elementos como os enfáticos sistemas
de ventilação dos telhados e os planos horizontais, como o quebra-sol
nas janelas, prolongamentos curiosos das paredes externas para formar
falsas fachadas e outras “astúcias” decorativas.
Uma variação da tipologia habitacional unifamiliar isolada é a casa unifa-
miliar isolada de dois andares, certamente destinada aos oficiais de grau
superior. Verdadeira residência “patronal” articula os seus espaços em
dois pisos ligados por uma escada vagamente hollywodiana, situada no
hall entrada em dupla altura no qual um corredor distribui aos quartos no
primeiro andar. No piso térreo, a partir de uma varanda frontal acede-se
ao hall de distribuição em dupla altura, é o espaço-chave da casa. A sala
comum volta-se simultaneamente para o jardim frontal e posterior em
ventilação cruzada. A zona de serviços que inclui cozinha e sanitário para
visitas usufrui do pátio posterior mais amplo, de onde parte a escada de
serviço ligando o estacionamento de viaturas na cave. Pela topografia do
local a cave não é perceptível pela via pública. Os espaços de repouso e
respectivos sanitários distribuem-se ao longo de um corredor no piso
superior. Uma tipologia rica com volumes articulados e suspensos, com
projecções, entalhes, e uma sucessão de coberturas variadamente orien-
tadas.
Mais sóbrias e regulares as casas bifamiliar geminadas. O eixo de
simetria, que coincide com a parede de divisão entre as residências e o
talhão, constitui elemento dominante da composição e, representando-se
como um único elemento de negação da seu uso bifamiliar. Um caso par-
ticular, é a destacada por dois acessos laterais em pórticos simétricos,
confundindo-se como única residência, com um murro de vedação e de

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separação do lote baixo e subtil. A distribuição interna evidencia zonas
noite e dia, separados com um corredor central não iluminado natural-
mente. A linguagem é caracterizada por uma cobertura unificadora mar-
cando e identificando claramente os volumes mais salientes, elementos
de ventilação horizontalmente distribuídos sobre as janelas que repetem-
se, sem a mesma função, verticalmente nos pórticos de acesso lateral.
Outro caso interessante é a geminada bifamiliar com galeria/varanda em
sua volta. Aqui pelo contrário, a separação das casas é mais evidenciada
pelas entradas simetricamente implantadas lado a lado denunciando a
sua natureza bifamiliar do conjunto. A sua peculiar volumetria destaca três
componentes: (a) o quadrado onde funcionam os quartos e ambiente de
estar e refeições; (b) o rectângulo da zona de cozinha e banho e, (3) a ar-
recadação incorporada ao edifício voltada para o pátio posterior. Esta ti-
pologia, que é a mais antiga, exemplifica sua adaptação às condições
locais de clima e vivência. Com semelhantes características de distribui-
ção funcional, existe outra tipologia sem a galeria/varanda que caracteriza
a anterior tipologia, com uma volumetria que se assemelha a uma cruz.
Próximo a experiência racionalista da casa colectiva resulta a tipologia
multifamiliar em altura. Trata-se de um bloco habitacional com escadas de
acesso vertical nas extremidades laterais do edifício que servem a um
corredor comum de acesso aos oito apartamentos por piso, simétricas
duas a duas. Pelas suas características e dimensões visam servir jovens
e simples oficiais. As casas são constituídas por uma pequena sala
comum, um quarto com varanda e um quarto de banho. A tipologia é
caracterizada por um extenso corredor de acesso a casa, funcionando
também como elemento de protecção ambiental dos espaços interiores.
Os acessos simétricos aos apartamentos são destacados por volume sa-
liente, também evidenciado na correspondente fachada oposta, pelas
varandas. A linguagem manifesta claramente uma intenção de contenção
de custos de construção, com elementos construtivos simples, modulares
e repetitivos. Outra variante tipológica é aquela com apenas uma escada
de acesso vertical aos pisos superiores centralmente localizada.
Em geral, salvo qualquer excepção, manifesta-se evidente no Bairro Mili-
tar de Nampula menor qualidade linguística das construções. Os peque-
nos burgueses vernáculos exportados na colónia para reproduzir condi-
ções de vida consideradas desejáveis sem uma procura mais inovadora
da linguagem que decididamente produzem exemplos mais interessan-
tes, por exemplo, no Antigo Bairro Militar de Maputo. De facto aqui se
produziram exemplos mais interessantes, seja do ponto de vista mera-
mente projectual seja pelo esforço de adaptação que os racionalistas
enfrentaram ao implantar na região sub-sahariana.

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Confrontando tipologias: alguns exemplos
CASA UNIFAMILIAR COM UM ÚNICO PISO

Bairro Militar de Nampula Antigo Bairro Militar de Maputo Antigo Bairro Militar de Maputo

CASA UNIFAMILIAR DE DOIS PISOS

Bairro Militar de Nampula e Antigo Bairro Militar de Maputo

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CASA BIFAMILIAR GEMINADA

Bairro Militar de Nampula

Antigo Bairro Militar de Maputo

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Bairro Militare de Nampula. O mesmo tipo se encontra nos bairros militares de Maputo, Catembe e Boane

Antigo Bairro Militar de Maputo

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CASA MULTIFAMILIAR

Bairro Militar de Nampula Antigo Bairro Militar de Maputo

Bairro Militar de Nampula Antigo Bairro Militar de Maputo

Como se pode depreender através dos desenhos, a casa multi-


familiar apresenta características completamente diferentes nos
bairros onde foram encontradas. A casa multifamiliar no Bairro
Militar de Nampula se desenvolve em altura, pelo contrário no
Antigo Bairro Militar de Maputo a tipologia prevalecente é a da
unidade habitacional horizontal.

Bairro Militar de Nampula

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Nota sobre a conservação e reabilitação

Tal como as pessoas, as sociedades e os povos possuem uma memória


colectiva que constitui parte essencial da sua identidade como grupo e
cuja perda poderá causar graves perturbações. A arquitectura moderna
e contemporânea, em particular a compreendida entre os finais de ‘800
e a primeira metade de ‘900, produziu no mundo um “património” que é
considerado manifestação relevante da cultura dos Homens e dos luga-
res, analogamente às representadas pelos bens monumentais. Uma vez
que se trata de ver as próprias obras de arte, cheias de testemunhos
emblemáticos, tratando-se sempre de um bem social e económico.
Em Moçambique, onde os monumentos históricos não são certamente
uma presença significativa, parece agora mais importante tutelar este
particular património arquitectónico que, de facto, constitui a “cara” mais
evidente da “Cidade de cimento”. Trata se de uma arquitectura de notável
relevo, até no panorama internacional, seja pela qualidade específica,
seja pela dimensão e papel urbano. Falamos de muitíssimos edifícios
mas também de inteiros quarteirões e cidades de raiz, cujas tipologias,
esquemas e linguagens formais, apesar de serem cronologicamente tar-
dias em relação às experiências europeias semelhantes, parecem
regenerar-se em originais interpretações “africanas”. A consequência
mais evidente é um carácter difuso e rico de valores. Valores que estão
entrançados nas linhas e nos materiais dos edifícios mas também nas
avenidas, nas praças, nas arvores... valores certamente em risco pelo
avanço dos processos de degradação provocados pelas mais recentes
e mais vulgares demolições-novas construções, obras de investidores
internacionais.
Naturalmente a cidade moçambicana é também, e sobretudo, a “Cidade
de caniço”, uma realidade separada que gera muitas vezes problemas
dramáticos para a vida das pessoas. Por definição cidade é um organis-
mo complexo, lugar de relação e de transformação, e a sua dinâmica exi-
ge um critério de análise à qualidade que não pode ser complicada. Não
é somente por um interesse académico que pusemos o tema do patrimó-
nio moderno, mas porque pensamos que se trata de um verdadeiro
problema do País, ligado à sua identidade física, bem como à sua forma
urbana e também porque a requalificação da cidade pode ser um factor
de desenvolvimento, portanto um factor económico e social relevante.
Nesse sentido apresentamos o tema da requalificação do património mo-
derno como projecto arquitectónico, como projecto sensível à reconver-
são funcional mas sobretudo como projecto urbano.
Conservar de facto não é uma pequena actividade, restaurar não signifi-

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60
ca renunciar aos projectos e muito menos opor-se a qualquer transfor-
mação, ao contrário se pode identificar um particular âmbito profissional
que vê diferentes níveis de conservação/transformação. São várias de
facto as “orientações” de intervenção sobre o património contemporâneo,
e não é possível derivá-la esquematicamente de uma classificação
básica: da manutenção ordinária à requalificação arquitectónica, da rea-
bilitação estrutural a ambiental, é o projecto de arquitectura que define as
soluções mais correctas e viáveis. Seja no caso das obras dos mestres
do Movimento Moderno que dos testemunhos do período colonial, seja
em presença de estruturas de betão armado, de guisa ou ferro. E por
tudo isto é necessário dispor de consciência histórica e sensibilidade
projectual, de métodos e técnicas especializadas.
A conservação, restauro e reconstituição dizem respeito à intervenção no
edifício por meio de obras que visam a sua manutenção, mas, enquanto
que a conservação implica apenas pequenas reparações periódicas, o
restauro e a reconstituição envolvem uma intervenção mais profunda,
determinada por um estado mais adiantado de degradação. Na Carta de
Atenas, publicada por Le Corbusier, se refere que, embora a salvaguarda
de edifícios ou de conjuntos urbanísticos com valor cultural seja muito
importante, não se pode sacrificar a qualidade de vida das populações,
defendendo-se a necessidade de construir novas cidades que respon-
dessem aos direitos fundamentais do indivíduo.
Reabilitação, reutilização e revitalização de zonas urbanas: a reabilitação
é um processo integrado sobre uma área que se pretende manter ou
salvaguardar. Envolve o restauro ou conservação dos imóveis, a que por
vezes se considera de reabilitação física, e a dinamização do tecido eco-
nómico e social, chamada revitalização funcional (manutenção de um
bairro implica a conservação das suas características funcionais e o
aumento da sua capacidade de atracção, quer para as pessoas que lá
habitam quer para o exercício de actividades económicas e sociais com-
patíveis com a residência). A cidade e os seus edifícios representam tes-
temunhos vivos de épocas passadas. Os conceitos de património e de
métodos usados para com ele lidar têm vindo a ser alargados. Aos
valores culturais juntam-se também os sociais e os elementos naturais,
considerando não apenas o monumento isolado como também o conjun-
to com valor, que pode ser estético, cultural ou social.
A intervenção nestas áreas não se pode fazer sem a participação dos
habitantes e utilizadores, que devem ser beneficiados com o processo.
Página ao lado, a falta de manutenção
Para a programação e coordenação de operações na cidade, com ori-
ordinária, bem como de pequenas
reparações periódicas, é a causa princi-
gem nos mais variados sectores e agentes, torna-se necessário um
pal de degradação das casas do Bairro quadro de planeamento e programação municipal que verifique a coerên-
Militar de Nampula. cia dos objectivos e da delimitação das áreas de intervenção, permitindo

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avaliar os prováveis impactos de outros programas municipais –
transportes, equipamentos importantes conjuntos de habitação colectiva,
etc.
Não existe receita para estas intervenções, que têm de ser adequadas
às condições locais da cidade e do País, tendo em conta os instrumentos
legais e meios financeiros disponíveis. É preciso definir uma metodologia
de análise para intervir na cidade ou num determinado edifício ou monu-
mento, desde a fase de diagnóstico até a fase de projecto. Uma metodo-
logia que a partir da análise e levantamento do estado de facto do bem,
possa clarificar o seu papel na cidade e as suas relações, identificando o
estado de origem e de conservação para alcançar e definir o projecto de
requalificação.
Cada uma desta actividade contém competência e capacidade técnica,
para proceder ao levantamento ou às pesquisas sobre a consistência
material e seus fenómenos de envelhecimento e de degrado. Para avan-
çar na pesquisa histórica, arquivista e documental. Para escolher ou con-
firmar a utilização funcional, para efectuar a melhor adequação tecnológi-
ca, estrutural e construtiva. Se de facto o projecto de restauro e requalifi-
cação é projecto de arquitectura a pleno título, para lá da mesma especi-
ficidade de “restauro do Moderno”, ou talvez mesmo por esta razão da
complexidade da categoria, tal projecto não pode exprimir-se se não a
partir da compreensão profunda da obra, que é sempre interpretação
subjectiva através da qual a arquitectura como processo vive uma nova
estação. E portanto a mesma instrumentação para o projecto não pode
assumir-se univocamente mas é essa também cada vez objecto de pes-
quisa, a partir de uma metódica rigorosa: se não é dado o modelo de
intervenção semelhante não se pode generalizar ambientes e níveis de
análise. Ao contrário do arquivista, que tem apenas a neutra competência
de conservar os documentos na sua totalidade tendo o cuidado de dispo-
nibilizá-los materialmente de forma lógica, o arquitecto que tende a
delinear uma estratégia de intervenção pode e deve operar em termos
sensíveis e pragmáticos já nas primeiras actividades de documentação e
análises.

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Reprodução e encadernação: Académica, Lda - Maputo
Setembro de 2005

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