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Ao longo de Memorial do Convento, vários são os elementos que assumem uma dimensão simbólica; esses
elementos, conjugados com o universo “real” e histórico do romance, conferem ao texto saramaguiano
características que fazem lembrar o “realismo maravilhoso” sul-americano.
• A máquina voadora - constitui um símbolo de liberdade, mas igualmente de luz, de guia. A memória
da passarola mantém Baltasar e Blimunda esperançados, durante o longo período obscuro e solitário
do trabalho na construção do convento. Bartolomeu e Scarlatti, cúmplices, no modo como olham a
realidade, acreditam um no outro, conseguindo “sobrepor-se ao determinismo histórico”.
Os nomes destas duas personagens (sóis e luas), em conjunto, funcionam como um todo, porque
elas são o verso e o reverso de uma mesma realidade, o dia; é o próprio Bartolomeu que na hora do
“batismo” afirma “Tu és Sete-Sóis porque vês às claras, tu serás Sete-Luas porque vês às escuras” [p.
94]; eles são igualmente, a união do princípio masculino e do princípio feminino: “dormiram nessa
noite os sóis e as luas abraçados enquanto as estrelas giravam devagar no céu” [p. 94].
• Algarismo sete – o número sete indicia totalidade complete e perfeita: os sete dias da criação do
mundo, os sete dias da semana, os sete pecados mortais, as sete cores do arco-íris… No romance,
são várias as referências simbólicas a este algarismo, sendo a mais relevante a perfeita completude
de Baltasar e Blimunda, bem como a escolha do momento da sagração do convento: 7 da manhã, do
dia 17 de Novembro de 1717. Para além disso, há outras ocorrências do número sete: as sete igrejas
visitadas pelas mulheres na Quaresma [p. 31]; a infanta baptizada por sete bispos [p. 75]; quando
Scarlatti vem para Portugal, a língua portuguesa já lhe era familiar há sete anos [p. 168]; Blimunda
passa por Lisboa sete vezes em busca de Baltasar [p. 372].
• Algarismo nove - segundo alguns estudiosos, o “nove parece ser a medida das gestações, das
buscas frutíferas e simboliza o coroamento dos esforços, o concluir de uma criação”. Esta
interpretação espelha-se na demanda exaustiva de Blimunda por Baltasar – “Durante nove anos,
Blimunda procurou Baltasar” [p. 369].
• A figura feminina - a mulher, como nos restantes romances do autor, assume um papel relevante e
simbólico: no mundo dos pobres, ela cultiva as virtudes de um heroísmo anónimo que nunca lhe é
reconhecido e é a única capaz de amar como verdadeiramente deve ser o amor, com generosidade.
São as conversas das mulheres que “seguram o mundo na sua órbita” [p. 121].
• O sonho - são constantes as referências aos sonhos das personagens: de Baltasar, do rei, da rainha,
do infante D. Francisco, de Blimunda. Todos têm o seu espaço onírico, mas é sobretudo o sonho de
voar de Bartolomeu Lourenço que domina o romance. Há, assim, uma clara intenção de sublinhar a
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• A trindade - a referência à trindade terrestre, constituída por Bartolomeu, o pai, Baltasar, o filho, e
Blimunda, o espírito, é reiterada ao longo do romance, simbolizando a tríade indissociável,
harmoniosa e perfeita.
Para além dos elementos referidos, também as personagens assumem um valor simbólico, o que, mais
uma vez, atenua o carácter exclusivamente histórico de Memorial do Convento. Vejamos o caso do Padre
Bartolomeu de Gusmão, o “padre voador”, cujo sonho de construir uma passarola é, simultaneamente, um
facto histórico e a expressão de que a vontade dos homens supera os seus próprios limites. Um dos aspectos
característicos e distintivos do romance de Saramago reside, precisamente, na conjugação entre real e
simbólico.