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O ANO DA MORTE DE RICARDO

REIS
de
José Saramago

As representações do amor no romance

Oficina de Formação
Vanda Gouveia, 2017
"Escrevi o romance para resolver o choque entre
uma admiração e uma rejeição sem limites"
José Saramago, entrevistado por Adelino Gomes (O Público)
Entrevista

Público: E quanto às personagens? Por exemplo as


duas mulheres, Lídia e Marcenda, sendo figuras
literárias [das "Odes" de Ricardo Reis], onde foi buscar
o corpo e os tiques que lhes deu?

Saramago: Marcenda não é uma "personagem


literária" de Reis, não é sequer um nome feminino com
presença nos vocabulários onomásticos. A palavra
aparece na ode "Saudoso já deste Verão que vejo"
designando uma rosa emurchecida. Achei que estava a
carácter com a "minha" personagem.
Quanto a Lídia, uma vez que me tinha proposto
mostrar a Ricardo Reis o espetáculo do mundo, pensei
que seria uma boa partida dar a uma criada de hotel o
nome de uma das suas quase incorpóreas musas...
Saudoso já deste Verão que vejo.
Lágrimas para as flores dele emprego
Na lembrança invertida
De quando hei de perdê-las.
Transpostos os portais irreparáveis
De cada ano, me antecipo a sombra
Em que hei de errar, sem flores,
No abismo rumoroso.
E colho a rosa porque a sorte manda.
Marcenda, guardo-a; murche-se comigo
Antes que com a curva
Diurna da ampla terra.

Ricardo Reis
“Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio…”

• https://www.youtube.com/watch?v=RKFUzFjf
Fbc

• Declamado por Paulo Autran


Na poesia de Horácio…

• Lídia começa por ser apenas um nome,


utilizado por Horácio nas Odes em que o
poeta pretende expor, de forma vívida e
personalizada, as suas ideias sobre o amor e a
paixão amorosa. A poesia de Horácio é muitas
vezes reduzida à manifestação literária de um
espírito conformado pelas restritivas regras
estoico-epicuristas.

António Manuel Ferreira, “As vozes de Lídia”, Revista Ágora


Horácio na literatura portuguesa…

• Lídia é apenas uma das muitas figuras femininas


referidas na poesia de Horácio. Há, no entanto,
outros nomes que podem merecer alguma
atenção, como, por exemplo, Neera, Cloe,
Glícera…

• Lídia é, todavia, um dos casos mais interessantes,


porque foi o nome que conseguiu adquirir maior
visibilidade na literatura portuguesa.

António Manuel Ferreira, “As vozes de Lídia”, Revista Ágora


Na poesia de Fernando Pessoa…
• Nos poemas de Ricardo Reis, as figuras femininas
perdem os contornos corpóreos e as variações de
caráter, transformando-se em “presenças quase
metafísicas”.

• Lídia é a figura feminina mais vezes convocada por


Ricardo Reis, e é, em alguns momentos, “heterónima da
de Ophélia”. A presença de Lídia não é tão álgida como a
de Neera, mas também não desperta os assomos de
sensualidade propiciados por Cloe. Lídia é, sobretudo,
uma companheira de viagem, uma presença silente e
silenciada que ouve, sem responder e sem agir, os
conselhos sapientes de uma voz masculina dominadora.
António Manuel Ferreira, “As vozes de Lídia”, Revista Ágora
No romance de Saramago…
• No romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, José
Saramago resolve confrontar o poeta com a realidade
do mundo. Incomodado com um verso de Reis (“Sábio
é o que se contenta com o espetáculo do mundo”),
Saramago pretende demonstrar que a ataraxia
desejada por Ricardo Reis é condenável; e inventa,
então, um prodigioso espetáculo verbal, que põe em
cena o universo pessoano, misturando as vozes de
Fernando Pessoa com a voz do romancista. É nesta
linha de textura compósita que a figura de Lídia é
retratada.

• A Lídia do romance é mais de Saramago do que de


Ricardo Reis, a voz de Lídia já não é, portanto, a do
poeta, mas a do romancista.
António Manuel Ferreira, “As vozes de Lídia”, Revista Ágora
No romance de Saramago…
• O Reis de Saramago não se fixa apenas em Lídia; surge
no romance uma outra mulher, inventada pelo
romancista a partir de uma palavra colhida nas odes:
Marcenda.

• Marcenda oferece um verdadeiro contraponto a Lídia e


é, talvez, o sintoma mais claro da improbabilidade de
Lídia no universo pessoano. Marcenda tem as mãos
frias, e além disso, tem uma paralisia total na mão
esquerda. As mãos de Marcenda reificam o desenlace
e a distância.

• Lídia é, por conseguinte, uma presença proveniente


do mundo de Saramago, não do de Ricardo Reis.
António Manuel Ferreira, “As vozes de Lídia”, Revista Ágora
Na poesia contemporânea…
Não creias, Lídia, que nenhum estio
Por nós perdido possa regressar
Oferecendo a flor
Que adiámos colher.
Cada dia te é dado uma só vez
E no redondo círculo da noite
Não existe piedade
Para aquele que hesita.
Mais tarde será tarde e já é tarde.
O tempo apaga tudo menos esse
Longo indelével rasto
Que o não-vivido deixa.
Não creias na demora em que te medes.
Jamais se detém Kronos cujo passo
Vai sempre mais à frente
Do que o teu próprio passo.

Sophia de Mello Breyner, Antologia Poética


Entrevista

Público: Qual o lugar dele (O Ano da Morte de Ricardo


Reis) na sua lista pessoal da obra escrita até agora?
Porquê?

Saramago: Apenas direi que nada poderia consolar-me se


por alguma arte diabólica o "Ricardo Reis" desaparecesse
da minha bibliografia. Não sei se é ele o melhor dos que
escrevi, mas sei que pelo menos dessa vez toquei o teto.
E toquei algo mais, se se me permite uma nota pessoal:
foi O Ano da Morte de Ricardo Reis que nos juntou.
Refiro-me a Pilar, claro está...
Porquê o Amor?
As relações amorosas no romance

Trabalho prático

(1ª parte - 45m)


Trabalho prático – 1ª parte
1. Quem é Lídia?
2. Quem é Marcenda?
3. Que relação têm estas mulheres com as musas
das Odes?
4. Atração, sexo ou amor por Ricardo Reis?

Nota:
- Sublinhar no texto as frases-chave;
- Anotar as atitudes, os sentimentos, as emoções,
os gestos…
Grupo 1 – Capítulo II, “Ouviu passos no corredor (…) até “O senhor doutor
chamou.”, p. 45-47 e “Meia hora depois (…) adormeceu logo”, p. 52-53

Grupo 2 – Capítulo III, “Ricardo Reis (…) obra já citada.”, p. 55-57

Grupo 3 – Capítulo IV, “Não se cuide (…) levar a bandeja”, p. 82-83 e “Nos dois
dias seguintes (…) que triste pensamento.”, p. 92-95

Grupo 4 – Capítulo V, “Ainda faltam duas horas (…) que chorará.”, p. 98-100

Grupo 5 – Capítulo V, “Não jantou (p. 103) (…) “indecentes.”, p. 105 e


“Encontraram-se (p. 107 até “culminante.”, p. 109

Grupo 6 – Capítulo VI, “Não tardou Marcenda a descer (…) “em dezembro.”, p.
121-123

Grupo 7 – Capítulo VII, “Não podia durar” (…) “está”, p. 144-5 e


Capítulo VIII, “Tenho de me levantar” (p. 163) até “vento”, p. 165

Grupo 8 – Capítulo VIII, “Nesse dia (…) muito melhor.”, p. 165-167.


As relações amorosas no romance

1. Ricardo Reis e Lídia Martins: Sexo e amor

2. Ricardo Reis e Marcenda Sampaio: atração


platónica

• Hesitação de Ricardo Reis entre as duas mulheres;


• Indecisão e falta de verdade / de coragem;
• Incapacidade de amar por parte de Reis…
Lídia e Marcenda

• Mulher-que-passa…

• Mulher fatal…

• Mulher ideal…

• Mulher enigma…
• Capítulo IX, p. 196-197
(notícia da saída do hotel)

• “O Pimenta disse hoje…”


até “todos sabemos o quê.”

• Capítulo X, p. 203 (1º parágrafo)


(A admiração do narrador por Lídia)
• Capítulo XII (erotismo)
“Foi um dia de grandes trabalhos (…)” (pp. 244-
248)
Amor e… ciúme

• Capítulo XIV, pp. 295-6


“Ricardo Reis está deitado (…) “apareço”.
“O amor é difícil…”

Cap. XV:
• “Lídia não tem aparecido…”, p. 316
• “Marcenda deixou de existir (…) pensa de si
mesmo.”, p. 318
• “Lídia é inteligente (…) espalhados na cozinha”,
pp. 318-321
• “Não consigo imaginá-lo a namorar (...) Não o
quis o império.” pp. 324-5
“… o menino já está feito.”

• Capítulo XVI
“Aqui bem perto (…) governo do mundo.” pp.
345-349
O amor não salva…

• Capítulo XIX
“Não volto aqui (…) outra vez”, pp. 395-398
As mulheres…

Se virmos a realidade, as mulheres são mais sólidas,


mais objetivas, mais sensatas. Para nós, são
opacas: olhamos para elas, mas não conseguimos
entrar lá dentro. Estamos tão empapados de uma
visão masculina, que não entendemos. Em
contrapartida, para as mulheres nós somos
transparentes. O que me preocupa é que, quando a
mulher chega ao poder, perde isso tudo.

José Saramago, El Tiempo (2007)


Bibliografia
• Saramago (1984), O Ano da Morte de Ricardo
Reis, 11ª ed. Lisboa: Editorial Caminho

• Entrevista a José Saramago, Adelino Gomes, O


Público, 29 de maio de2002

• António Manuel Ferreira (2001), “As vozes de


Lídia”, Ágora: Estudos Clássicos em Debate

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