Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução:
2. Período de Formação1
1
Também fica clara a importância da sociedade francesa do séc. XVIII para a ficção do Marquês, além de o
próprio ser um libertino. Os diversos clubes franceses dedicados à libertinagem serviram de inspiração.
OBS.: Não se objetiva aqui dar a biografia detalhada do marquês, mas sim desenvolver os
aspectos principais de sua obra de acordo com o contexto de sua criação. Apenas a fim de
esclarecer o seguinte observa-se que Sade foi preso por libertinagem excessiva.
3. Escritos da Bastilha
Em 1783, em outra carta à sua esposa, confessa que "o lado mais sombrio
de sua natureza estava estabelecendo rápido e permanente controle sobre sua
mente". Mas antes de tal fato se consumar literariamente o Marquês foi
transferido da sua atual prisão (Vincenmes) para uma nova, a Bastilha. Nessa
cela, em 1785 inicia a redação de seu primeiro romance, Os 120 Dias de Sodoma,
começando do seguinte modo:
"As grandes guerras que impuseram tão pesado fardo a Luís XIV
esgotaram tanto os recursos do tesouro quanto do povo. Mas mostraram também
a um bando de parasitas o caminho da prosperidade. Tais homens estão sempre
a espreita de calamidades públicas, que não se preocupam em aliviar, antes
procurando criá-las e alimentá-las a fim de que possam tirar proveitos dos
infortúnios alheios."
Entre os homens supracitados, Sade tirou seus quatro heróis ficcionais (em
sua maior parte religiosos) que iriam recolher-se durante o inverno no castelo de
Silling, junto a uma série de pessoas visando dar-lhes toda a assistência em
matéria de libertinagem. Esses 120 dias dividem-se de acordo com os tipos de
vícios a serem executados: paixões simples, paixões complexas, paixões
criminosas e paixões assassinas. Mais do que o relato incessante de desvios
sexuais, é a criação, no romance, onde Sade parece desenvolver seu próprio
mundo, onde o prisioneiro é o senhor. Um lugar onde "já não há repressões, já
não há obstruções. Não há nada a não ser a consciência.". Só a primeira parte do
livro foi escrita, o restante foi desenvolvido em anotações.
O romance seguinte, Aline e Valcour, o qual ocupou os três próximos anos
de sua prisão, tem a forma de uma troca de cartas entre o herói e a heroína do
título, cuja felicidade é frustrada pela determinação de seu pai em casá-la com
um velho devasso. Se há alguma coisa no romance que seja peculiarmente
sadeano, é a história de Sainville e Léonore, que é contada como uma longa
interpolação no meio da tragédia de Aline e Valcour. Há muito que Sade se
deixara fascinar pelas excentricidades tanto do comportamento social quanto
sexual nas remotas partes do mundo. Ele se interessara particularmente pelos
descobrimentos do capitão Cook. Tal esquema, possibilita a Sade se utilizar de
aspectos culturais para tratar de novas perversões, entre elas, a antropofagia.
Nesse romance, Sade repisa o tema do absurdo que para ele se constituía em
tentar estabelecer códigos de moral, posto que para ele, o que é virtuoso em uma
outra parte do mundo, é considerado abominável em outra.
Um ato virtuosos não era apenas sem sentido em si, mas, num universo
regido pelo que os incultos chamam de vício, essa pretensa virtude era tratada
com violência tanto pelo homem quanto pela natureza. Há dois aspectos
dedutíveis a partir disso:1) a moralidade e a religião são negadas pelos próprios
princípios da natureza; 2) os sofrimentos da virtude são permitidos por Deus para
serem recompensados na outra vida. Apesar disso, a vitória da virtude é retratada
no próximo livro de Sade, Justine, Os Infortúnios da Virtude. Entretanto,
ironicamente, também pode se observar o prazer encontrado em grande parte das
personagens em maltratar uma garota virtuosa e religiosa. Independente da
intenção verdadeira do autor, ele chegou através do argumento antireligioso a um
ponto que os pensadores do Iluminismo pouco trataram. Insistia que a
moralidade, separada da religião, feneceria; sendo então impossível haver leis
superiores às da natureza e do instinto às quais o moralista pudesse apelar.
Sugerir que um instinto é mais criminoso ou virtuoso que o outro é um absurdo
lógico. A humanidade deve escolher entre dois destinos alternativos. Deus e a
moralidade devem ser dispensados ou mantidos. Um mundo sem Deus e,
conseguintemente, sem qualquer justificativa para a moralidade, era precisamente
o que a ficção de Sade buscava relatar. A moralidade não é indipensável, mas, se
deve ser mantida, só o pode na base da autoridade divina.
Semelhante à Justine, também são as pequenas histórias intituladas Contos
de Amor, nos quais Sade aproveita-se consideravelmente de seus conhecimentos
acerca da tradição e do quotidiano franceses. Tanto Justine como os contos
supracitados não trazem os excessos explícitos de Os 120 Dias, entretanto, além
dessa escrita pública, Sade continuava a produzir textos que denunciavam
claramente todas as formas de religião e virtude, admirando apenas a natureza,
entre eles, A Verdade2.
2
"Tudo permite a natureza por suas leis assassinas: / O incesto e o estupro, o furto e o paricídio, / Todos os
prazeres de Sodoma, os jogos lésbicos de Safo, / Tudo aquilo que destrói e envia os homens para o túmulo.
1789, apenas dias seriam necessários para a realização das ambições políticas ca
classe média.
Sade, acompanhava todo o movimento de sua cela na Bastilha, A Torre da
Liberdade, chegando a crer que fosse libertado, para tal, improvisa um alto-
falante e se dirige à multidão ao redor da Torre, insistindo para que assaltassem a
Bastilha antes que atrocidades iminentes se efetuassem. Porém, dez dias antes da
queda da Bastilha, o marquês é removido para o manicômio de Charenton, sendo
os outros prisioneiros postos em liberdade.
Em 1790 a primeira Assembléia Nacional reuniu-se em Paris. O marquês
não era o tipo de figura que suscitasse simpatia entre os revolucionários. Mesmo
sem nenhuma esperança de ser libertado, em 2 de abril viu-se livre, posto que
fora emitido um ato de anistia aos presos pelo regime anterior por força das
lettres de cachet. Nesse caso, sua primeira urgência era a sobrevivência
financeira, os primeiros atos revolucionários haviam secado suas fontes.
A riqueza e o título da família Sade eram perigosas, tornando-o suspeito
aristocrata; logo Sade viu-se obrigado a trabalhar, voltando-se ao teatro, com a
vantagem de possuir um grande número de peças já escritas. Submetia-se peças
ao novo regime através da leitura da mesma diante dos membros de um teatro, o
qual posteriormente procederia uma votação. Alguma peças foram aceitas, mas
houve adiantamentos e nenhuma peça foi produzida. A penas a peça O
Subornador fora realmente encenada, mas altamente vaiada por um grupo de
revolucionários. O único modo de Sade ganhar dinheiro seria através de suas
antigas rendas.
Para tanto, Sade começou a manter correspondência com seu antigo
advogado Gaufridy, tentando reaver alguns lucros sobre suas terras em La Coste.
Em suas cartas dizia adorar o rei, mas execrar os abusos cometidos durante o
antigo regime. A única revolução a que daria o seu consentimento voluntário
seria a que propusesse uma constituição do tipo inglês. Sendo aristocrata, a idéia
de se aliar a população revolucionária - cujos integrantes eram descritos em suas
cartas como idiotas ou criminosos vulgares - parecia-lhe extremamente
desagradável. Entretanto, em uma correspondência de julho de 1791, observa que
também há os revolucionários burgueses, para os quais a revolução seria apenas
um meio de promover suas próprias carreiras. Acerca desses, Sade escreve
posteriormente em Juliette, dizendo que não tem o menor interesse em qualquer
tipo de bem-estar além do próprio, sendo a revolução apenas o meio de transferir
os poderes do governante atual para eles. É óbvio que Sade não poderia emitir
tais opiniões publicamente, logo, passa a simular respeito por organismos
públicos como a Assembléia Nacional, tomando suas primeiras precauções contra
a possibilidade de ser denunciado como contra-revolucionário.
Sade vivia na Section de Piques, tornando-se ativo e posteriormente
secretário da mesma . Também tornou-se membro da Guarda Nacional. Era
altamente solicitado como autor e como secretário, tendo sido nomeado pela
seção comissário para a administração de hospitais. Através desse estratagema,
Sade passou a gozar de certa influência e prestígio.
Como panfletista, Sade produziu seu primeiro trabalho em decorrência da
fuga de Luís XVI em junho de 1791, aproveita-se de tal fato para redigir Uma
Alocução de um Cidadão Francês ao Rei de Paris, no qual, apesar de reconhecer
a traição real, continua dizendo que a única solução para a França é a monarquia.
"A França jamais pode ser governada a não ser por um rei. Mas o governo de
um rei deve ser aceito por um povo livre, e ele deve permanecer fiel à lei desse
povo".
Após os massacres de setembro de 1792, Sade continuava a pregar a
democracia revolucionária em seu trabalho Idéias sobre a Maneira de Sancionar
Leis, cujo texto é feito de acordo com as instruções da Séction de Piques. Louva
os que tomaram o poder das mãos dos revolucionários que apoiavam a
monarquia. É curioso ver Sade como um autor da Revolução, publicando
panfletos por cujo conteúdo não era totalmente responsável. Escrevera a seu
advogado dizendo que o maior bem consistia em poder viver sem os outros, não
obstante a Revolução exaltou uma obrigação do coletivismo.
Pensando no controverso caráter do marquês, é curiosa sua observação
acerca dos massacres de setembro de 1792, porquanto ele poderia ter participado
a fim de dar liberdade a seus desejos recônditos. Em vez disso, observou que o
comportamento daqueles que propunham ser os líderes do povo, dizendo que o
que realmente ocorria era uma fome desmesurada de poder, assim como um
desejo de violência. Vista a experiência de Sade na revolução, não é de todo
improvável que os horrores descritos em Juliette sejam baseados nas violências
de setembro de 1792.
No início de 1793, algum tempo após o degolamento do rei, Sade começou
a ser visto como anti-patriótico e contra-revolucionário, e o Comitê de Segurança
Pública começou a ouvir rumores de que Sade era culpado de opinar que a utopia
a que o novo regime se propunha era de qualquer modo inevitável. A fim de
melhorar a sua situação, escreve, em setembro de 1793, Alocuções aos Espíritos
de Marat e La Pelletier, no qual Sade louva o altruísmo de Marat, o qual
desaprova o egoísmo como lei universal; também louva La Pelletier, pela sua
coragem em votar a favor da morte do rei. Como facilmente se observa, Sade
encobre suas verdadeiras opiniões com o objetivo de salvar a própria pele: critica
o egoísmo - tido por ele como verdadeira lei universal - e mostra-se contrário à
monarquia.
Em julho de 1793 Maximilien Robespierre ingressa no Comitê de
Segurança Pública, suas palavras adquirem grande autoridade sobre o espírito de
muitos franceses. "A essência do republicanismo é a virtude", "a Revolução é a
transição de um governo de crime para um governo de justiça" e "a natureza é o
verdadeiro templo do sacerdote supremo; o universo é o seu templo, e a conduta
virtuosa é o meio pelo qual ele é adorado." são frases suas. Apesar disso, a
guilhotina é utilizada em grande escala, visando exterminar todos os inimigos da
nova sociedade. Nesse contexto, Sade recebeu um mandato do Comitê
Revolucionário, o qual ia julgá-lo por atividades contra-revolucionárias. Motivo
de acusação: procurar emprego na guarda real em 1791.
Foi inicialmente aprisionado no convento das Madelonettes, tendo sido
freqüentemente transferido à espera de julgamento. Recebeu acusação formal,
sendo finalmente transferido para a casa de detenção em Picpus; sua cela
possuindo visibilidade para o espaço em que a guilhotina funcionava. Escreveu a
Gaufridy, "vi mais de 1000 homens e mulheres encontrarem a morte para
satisfazer o fanatismo de Robespierre pela virtude".
Novamente na prisão, o marquês retoma sua atividade como ficcionista,
escrevendo Filosofia na Alcova, o qual mostra um deliciar-se com toda espécie
de crueldade sexual, justificando o vício e a brutalidade sob a alegação de que tal
proceder é republicano, o texto trata-se de uma irônica denúncia à República de
Robespierre. O livro desmascara toda e qualquer religião, exceto a de Satã, a
bondade e a filantropia são desencorajadas como motivadoras da revolta dos
oprimidos. A república da moralidade natural é descrita por Sade em relação à
sua atitude para com pretensos crimes; não haverá pena capital aplicada pelo
governo, nem em caso de assassinato. É claro que na fase final de sua obra Sade
procurava desmantelar a Revolução Francesa, mesmo em Juliette, também se
pode observar um semelhança entre a jacobina "Sociedade dos Amigos da
Constituição" e a fictícia "Sociedade dos Amigos do Crime".
No dia 15 de outubro Sade é novamente libertado vivendo em estado de
penúria, tendo sido novamente aprisionado no dia 8 de março de 1801,
novamente no manicômio de Charenton, onde se dedicou a escrever romances
históricos e a encenar suas peças.
______________________________
Bibliografia:
ALEXANDRIAN: Sade ou o Terror Sexual in História da Literatura Erótica.
Rio de Janeiro. Rocco. 1994. 4ª ed. págs. 200 - 205.
.
Marquês de Sade:
Sua Obra no Contexto do
Séc. XVIII Francês