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SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DOM PEDRO II


RUA INDEPENDÊNCIA 714, CEP: 89888-000 CAIBI – SC.
FONE: (49) 3462-4105 E-MAIL: eebdompedro@sed.sc.gov.br
TRABALHO AVALIATIVO

VIDA E OBRA DE UMA ESTRELA: A DUQUESA DA


LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

JHONATAN GABRIEL DAL MORO


JOÃO LUIZ DE OLIVEIRA TODESCATO
ONEIDE CAROLINE GOETZ
TAINARA PICCOLI

Caibi, SC, Abril de 2022


SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
ESCOLA DE EDUCAÇÃO BÁSICA DOM PEDRO II
RUA INDEPENDÊNCIA 714, CEP: 89888-000 CAIBI – SC.
FONE: (49) 3462-4105 E-MAIL: eebdompedro@sed.sc.gov.br 
TRABALHO AVALIATIVO

PROFESSORA: Darlise Vaccarin Fadanni e Edinaura de Sordi


DIRETORA: Salete Cecon
ALUNOS: Jhonatan Gabriel Dal Moro, João Luiz de Oliveira Todescato, Oneide
Caroline Goetz e Tainara Piccoli
SÉRIE: 3º 01
DISCIPLINA: Língua Portuguesa e Literatura/Arte

VIDA E OBRA DE UMA ESTRELA: A DUQUESA DA


LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Caibi, SC, Abril de 2022


INTRODUÇÃO:
Uma mulher que possui coragem e força, criticada por muitos, adorada
por ainda mais pessoas, chamada de alienada, cerebral, intimista e tediosa,
Clarice Lispector é a verdadeira imagem feminina que surgiu na sociedade
brasileira do século XX.
Período caracterizado pela iniciativa da semana de arte moderna e do
consequente surgimento do movimento modernista, o desabrochar de Clarice
Lispector vai muito além da forma como essa mulher é vista pela sociedade.
Suas obras são tidas como um verdadeiro mistério, escrituras que possuem
uma característica própria e única.
Para entender melhor como essa mulher tão aclamada conseguiu mudar
a visão de uma sociedade inteira sobre a figura da mulher, esse trabalho
abordará a vida de Clarice Lispector, desde seu nascimento, até sua morte,
uma análise sobre as suas obras de modo geral, explicando e contextualizando
elas. Para finalizar, será estabelecido um paralelo entre a vida e as obras de
Clarice com artigos acadêmicos que retratarão assuntos marcantes presentes
nas histórias escritas por essa autora.
BIOGRAFIA DA AUTORA:
Clarice Lispector nasceu no dia 10 de dezembro do ano de 1920, na
cidade ucraniana de Tchetchelnik. Filha de Pinkhouss e Mania Lispector,
sofreu, durante o período de migração da Europa para o Brasil, ataques russos,
que resultaram em traumas tanto na família como na própria Clarice.
Nos anos que se sucederam à Primeira Guerra Mundial, enquanto ainda
residiam na Ucrânia, a família Lispector, devido ao fato de serem judeus, sofreu
atentados russos, provenientes da guerra civil russa, conhecidos como
“pogroms”, em que os soldados invadiam as cidades, destruíam o comércio e
as casas, além de estuprarem as mulheres que encontravam.
Nesse mesmo período, a mãe de Clarice, Mania, acabou sendo
acometida por um desses “pogroms”, onde, infelizmente, sofreu um estupro de
um soldado russo. Por conta disso, Mania desenvolveu sífilis, uma doença que
na época era muito perigosa, já que não havia cura.
Por conta de uma crença que havia na época, em que mulheres que
tinham alguma doença grave precisavam engravidar para se curar, Pinkhouss
e Mania resolveram tentar a sorte, já que uma gravides somada a sífilis
representava um grande risco tanto para a mulher quanto para a criança.
Como forma de refúgio da guerra, Pinkhouss, Mania e suas outras duas
filhas Leia e Tanya, resolveram sair de Tchetchelnik e ir para outra cidade
próxima, onde puderam ficar em uma casa de um amigo da família por algum
tempo. Porém, Mania recebeu de sua irmã, que morava no Brasil, uma
proposta que viria para mudar a vida da família Lispector mais uma vez, a
chance de se mudarem para o Brasil para poder construir uma vida nova. Logo
de início, a proposta foi bem avaliada, mas, por fim, foi decidido entre os
membros da família que seria o melhor a se fazer. Desse modo, enquanto
estavam seguindo o caminho para entrar no barco que viria para o Brasil,
passaram por Tchetchelnik novamente, onde nasceu Chaya Pinkhasovna
Lispector, que futuramente mudaria seu nome para Clarice Lispector.
Assim que chegaram ao Brasil, a primeira coisa que todos da família
fizeram foi trocar de nome. Pinkhouss virou Pedro, Chaya virou Clarice, Mania
virou Marieta e Leia virou Elisa, apenas Tania manteve seu nome original,
mesmo após a mudança de país. A partir daí, os Lispector fixaram residência
em Maceió, Alagoas, onde moraram por um tempo com Zaina, irmã de Mania,
e sua família. Para ganhar dinheiro para o sustento da família, Pedro trabalhou
como comerciante, porém não obteve sucesso. Por conta disso, teve a ideia de
fabricar e vender algo que havia aprendido na Ucrânia, sabão, o que acabou
ajudando na renda da família durante esse período.
Por conta de problemas particulares entre Pedro e a família de Zaina, os
Lispector resolveram mudar — se para a cidade de Recife. Lá Clarice passou
sua infância no Bairro da Boa Vista, onde aprendeu a ler e a escrever no grupo
escolar João Barbalho, onde completou o primário. Nesse tempo, Clarice já
costumava escrever histórias, as quais ela enviava para a página local de jornal
que escolhia histórias de crianças para publicar. Fato esse que nunca ocorreu
com Clarice, pois de acordo com relatos de familiares, amigos e até mesmo da
própria Clarice, suas histórias não eram como as de crianças, que começavam
com “Era uma vez” e relatavam fantasias, mas sim histórias que eram
baseadas, com fatos e vivências cotidianas. Após terminar o primário, Clarice
ingressou no Ginásio Pernambucano, o melhor colégio público da cidade.
Com 12 anos, Clarice, com sua família, mudou — se para o Rio de
Janeiro, onde residiu no Bairro da Tijuca. Lá, frequentou o Colégio Sílvio Leite,
onde terminou o, na época chamado, ginasial. Uma característica marcante de
Clarice nessa época é que ela frequentava muito a biblioteca.
Em 1941, Clarice entrou para a Faculdade Nacional de Direito. Nesse
mesmo período, ela conseguiu o emprego de redatora da Agência Nacional.
Depois passou para o jornal "A Noite". Em 1943 casou — se com o amigo de
turma Maury Gurgel Valente. E em 1944 os dois formaram — se em direito.
Foi durante o ano de 1944 que Clarice publicou o seu primeiro romance,
“Perto do coração selvagem”, que veio como uma forma de rompimento dos
padrões sociais da época. Nessa história é retratada as aventuras de uma
heroína que muda, desafia e vai além de uma sociedade patriarcal, mostrando
nitidamente uma oposição entre o mundo feminino infantil e o masculino adulto.
Além da história, o que chama a atenção nessa obra é o fato de não possuir a
sequência de começo, meio e fim, o que acabou atraindo diversas críticas e o
que acabou levando Clarice a ganhar o prêmio Graça Aranha.
Ainda no mesmo ano, Clarice e seu marido começam a viajar ao redor
do mundo, onde ela estuda e dá início à sua carreira, onde publica novos
contos e romances. Nessas viagens, os dois foram para a Itália, Suíça,
Inglaterra e os Estados Unidos. Em 1949, na viagem da Suíça, nasceu seu
primeiro filho, Pedro, e em 1954, na viagem dos Estados Unidos nasceu seu
segundo filho, Paulo. No ano de 1959, Clarice separa — se de seu marido e
volta, com seus dois filhos, para o Rio de Janeiro, onde passou a trabalhar no
jornal Correio da Manhã.
A última obra escrita por Clarice Lispector foi no ano de 1977. O
romance “A Hora da Estrela”, faz uma referência clara à própria vida da
escritora, já que narra a história de uma jovem alagoana que vem morar
sozinha no Rio de Janeiro, tentando encontrar maneiras sobreviver nessa
cidade grande e perigosa.
Clarice Lispector morreu no Rio de Janeiro, no dia 9 de dezembro de
1977, devido a um câncer no ovário, um dia antes do seu aniversário.
Porém, o legado deixado por Clarice espalhou — se pelo Brasil inteiro,
onde encantou ilustres celebridades da cultura brasileira, como é o caso de
Luís Fernando Verissimo e Maria Bethânia, que curvou — se diante dos pés de
Clarice como demonstração de sua admiração pela escritora.
SÍNTESE DA OBRA:
Ao longo de sua vida, Clarice Lispector escreveu inúmeras obras que se
tornaram muito famosas, tanto no Brasil quanto ao redor do mundo, fato esse
que se dá pelo modo de como essas obras são escritas e como elas envolvem
os leitores no contexto estabelecido.
Uma das características mais marcantes da escritora é o fato dela usar
uma linguagem mais psicológica, fazendo com que os leitores sintam os
sentimentos transmitidos pela história como paixão, dor, felicidade e conforto,
atingindo assim um estado da alma pleno e glorioso.
Por conta disso, em uma análise profunda das diversas obras lidas, é
possível perceber que a temática mais abrangente entre todas as histórias
contos, romances e crônicas é a formas de como as pessoas conseguem
descobrir o seu eu interior e a percepção do mundo ao redor delas. É válido
ressaltar que, também de modo geral, o protagonista das histórias são
mulheres, já que essas histórias vêm como uma forma de mostrar a
importância, a valorização, os problemas, as confianças, os medos e as
dúvidas que as mulheres têm, colocando o leitor no ponto de vista feminino,
fazendo com que eles entendam o que elas realmente precisam enfrentar
dentro da nossa sociedade.
Os conflitos que se desenvolvem nas tramas são justamente o fato de
que algum acontecimento na história faz com que a mulher perceba que a
forma como ela vive está enganando-a, e, para isso, ela precisa se encontrar,
descobrir quem realmente ela é, para no fim ela conseguir mudar sua
percepção e forma de viver. Isso se dá pela atitude de fugir de casa, refletir
sobre o que acontece ao seu redor, enfrentar um medo ou alguém.
O período em que essas histórias decorrem não é citado com clareza
nas obras. Porém, é possível perceber que abrangem acontecimentos do
cotidiano das protagonistas, demonstrando que essas histórias se passam em
um período contemporâneo ao de Clarice Lispector, devido ao fato da estrutura
e atitudes que ocorrem na sociedade dos contos. Por conta disso, é possível
afirmar que esses contos se passam entre os anos de 1944 a 1977.
A lição de vida que podemos retirar da leitora das diversas obras
escritas por Clarice Lispector está relacionada com aquela velha pergunta: “o
que somos e para que viemos?”, voltada mais para a existência feminina na
Terra. As histórias nos fazem refletir sobre o real sentido da nossa vida, por
meio de acontecimentos simples apresentados ao leitor em poucas linhas,
evidenciando o quanto não sabemos nada dentro de um universo cheio de
conhecimentos. Além disso, é muito evidenciado a grandiosa imagem da
mulher, mostrando ao leitor como ela é subjugada dentro de uma sociedade
que possui raízes patriarcais, sempre dando um maior foco para o homem,
mas, ali, é a mulher que é colocada sobre o holofote, fazendo com que
possamos enxergar que a mulher veio ao mundo para construir uma sociedade
digna e próspera para todos.
TÍTULOS DAS OBRAS:
Os títulos escolhidos para os contos fazem uma referência direta aos
conflitos desenvolvidos dentro deles. O auge do clímax de cada uma das
histórias fica evidente apenas pelo título.
Por exemplo, o conto “Perdoando Deus” conta a história de uma mulher
que se sente a mãe de Deus e de todas as coisas. Porém, essa sensação de
superioridade é abalada quando a mulher encontra um rato morto no meio da
rua, fazendo com que ela pare e reflita sobre se está realmente preparada para
ser a mãe e Deus. Isso só foi possível porque, segundo a própria mulher, foi
Deus que colocou algo desagradável no caminho da mulher, para que ela
sentisse repúdio das coisas do mundo e pudesse refletir, então, devido a esse
fato, ela perdoaria Deus por “assustá – la” apenas dessa vez.
Outra questão que justifica a escolha dos títulos é a característica
emocional das protagonistas, assim como ocorre no romance “Perto do
Coração Selvagem”, onde a protagonista, Joana, enfrenta a mudança de uma
vida feminina e infantil para a vida adulta e cheia de desafios. Logo, percebe –
se que a palavra “selvagem” remete a ideia de bravura e coragem, que são
características do próprio ser que é Joana.
MOTIVO DE ESCRITA DAS OBRAS:
As obras escritas por Clarice Lispector, ao logo de sua vida, vêm com
um intuito de mudar a visão da sociedade do século XX, propondo um certo
rompimento de padronização. Isso ocorre pela questão de que as histórias
escritas por Clarice possuem uma característica única de não possuir um início,
um meio e um fim, extremamente nítidos e detalhados, além de não possuírem
uma ordem cronológica de acontecimentos, e pela questão de fundir os
gêneros textuais da prosa com a poesia.
Além disso, o que mais marca os contos, os romances e as crônicas de
Clarice Lispector é a forma como existe uma motivação, dentro do enredo,
direcionado ao público feminino. Todas as histórias vêm com o propósito de
mostrar a força e a coragem que as mulheres têm, fazendo com que elas
possam desenvolver um senso crítico mais aguçado em relação ao que
acontece ao redor delas, auxiliando — as a tomar atitudes que possam mudar
suas vidas para que possam viver dignamente em uma sociedade que
desmerece a imagem da mulher, por meio da evidência do autoconhecimento
transmitido ao leitor pelas aventuras, conflitos e intrigas que as protagonistas
enfrentam nas obras.
CONTEXTUALIZAÇÃO DAS OBRAS NA SOCIEDADE:
Inserida na sociedade brasileira do século XX, onde a característica
mais presente é a mudança e a transformação, Clarice Lispector escreve suas
obras assumindo essas características também, entre os anos de 1944
(quando foi publicada sua primeira obra) e 1977 (quando teve sua última
publicação oficial, antes de falecer).
Suas publicações não se restringiam apenas ao Brasil. Clarice,
juntamente com seu marido e filhos, viajaram por vários lugares do mundo,
como Itália, Suécia, Inglaterra e os Estados Unidos, onde também publicou
diversos de seus trabalhos.
Pertencente ao período modernista, mais especificamente fazendo parte
da terceira faze do modernismo, conhecida também como Geração de 45,
caracterizada pelo academicismo, experimentações artísticas e inovação na
linguística e métrica, Clarice escreve seus romances, contos e crônicas para
um público que não está acostumado com mudanças repentinas. Durante esse
período, ainda marcado pelas atrocidades cometidas pelo movimento nazista e
fascista, além do início de um novo confronto (mesmo que de forma indireta)
entre socialismo e capitalismo, e uma sociedade que possuía raízes patriarcais,
estabelecer uma mudança na própria literatura brasileira em um período
relativamente curto de tempo pode ser comparado com o ditado popular
“cutucar a onça com a vara curta”.
Apesar de receber diversas críticas por ser uma mulher, escrever de
uma forma “estranha e sem sentido” e não seguir padrões estabelecidos e
mantidos a anos, Clarice mostrou — se uma verdadeira guerreira quando o
assunto foi buscar o seu lugar de fala na sociedade. Em entrevistas realizadas
com a própria autora, quando lhe perguntavam o que achava das críticas que
recebia, inclusive de pessoas famosas, Clarice apenas respondia que não se
importava e que o simples fato de poder receber uma crítica já lhe agradava.
Com isso, o que podemos constatar é que Clarice mostrou — se uma mulher
firme em sua palavra, não se deixando abalar por falas alheias, construindo ela
mesma a própria imagem e não deixando que a sociedade a moldasse.
PARALELO ENTRE ESCRITORA E ARTIGOS:
Como forma de comparação, estamos utilizando dois artigos
acadêmicos, um deles relacionado a escrita Clariceana, que mostrou — se
uma possibilidade de encontrar a liberdade do ser, e também outro artigo que
desenvolve, por meio de um contexto histórico, o papel da mulher na
sociedade, assunto esse muito presente nas diversas obras escritas por Clarice
Lispector.
Desde que surgiu a imagem de Clarice na literatura, as críticas
construídas em relação às obras da autora não se dão de forma semelhante
umas às outras, já que essas críticas não estabelecem um consenso para
classificar sua literatura ou forma de escrita. Entre as décadas de 40 a 50, a
literatura clariceana foi classificada por diversos autores de renome como
Cândido, Lins, Millet, sendo essa uma forma de literatura mais romancista, ou
romancista moderna. Porém, foi durante a década de 60 a 70 que sua forma de
escrita foi tida como um meio filosófico – existencialista, (muito perceptível por
sinal, já que, na leitura de suas obras, assuntos como o autoconhecimento, o
íntimo e a indução à reflexão ficam extremamente evidentes).
Olhando para esse contexto, percebe – se de quantas formas o estilo de
Clarice foi definido, e nenhuma delas caracteriza de forma completa sua forma
de escrita. Até mesmo, em entrevistas, a própria Clarice Lispector resume
essas tentativas de “caracterização” como algo inútil.
Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero nenhum
me pega. Estou num estado muito novo e verdadeiro, curioso de si mesmo, tão atraente
e pessoal a ponto de não poder pintá-lo ou escrevê-lo.
(LISPECTOR, 19980g, p. 13)

Pensando dessa forma, surge interpretação de como a escrita clariceana


revela a liberdade com que a autora se expressa dentro de algo que define –
se, na sociedade do século XX, como uma técnica disciplinar, doméstica e
normatizada que era a literatura brasileira. O que vale ressaltar é que, apesar
de a escrita ser algo que se deixa submeter por padrões estritos, ela também é
uma forma de comunicação, sendo algo hábil e rentável, pois pode construir e
realizar feitos inimagináveis por meio das técnicas que o autor usa, sendo essa
uma forma de constituir uma imagem do escritor para a sociedade e para si
mesmo, já que o próprio autor se enxerga dentro da sua literatura. Levando
essa ideia para as obras de Clarice Lispector, fica evidente que ela não se
preocupa em adotar o padrão da gramática normativa, ou seja, não há uma
narrativa presa às categorias literárias tradicionais, pois tem com seus textos
outra relação, de existência que se faz na, e, pela escrita como construção de
novas experiências.
Uma comparação filosófica que pode ser feita com a própria Clarice
Lispector são as ideias do filósofo francês Michel Foucault, que dedicou sua
vida a estudar a forma como um indivíduo se transforma em um sujeito,
analisando as relações humanas e sociais. Por meio das ideias de Foucault,
existe a possibilidade de percebermos que o sujeito, apesar de constituído e
modificado pelos eixos do poder e do saber, possui a capacidade de questionar
seus limites, que são incertos, percebendo que existem padrões autoritários
naquilo que nos tem sido ensinado como necessário, universal e obrigatório. É
a partir da percepção e enfraquecimento desses ensinamentos, e do que se é
possível transpor e transformar, que a liberdade tem condições de existir.
Esse sujeito é constituído pelas experiências que desenvolve consigo
mesmo, como técnicas de constituição de si, um trabalho sobre si mesmo
como lugar de uma experiência, um invento, um ensaio, tentados pelos
próprios sujeitos que, tomando a si mesmos como prova, inventarão seus
próprios caminhos. Isso é extremamente perceptível em Clarice Lispector, que,
com suas experiências vividas, esforços, coragem e necessidade de mudança,
ela pode transformar seu ser, e, não apenas ele, mas a forma com que a
sociedade a via.
Outro fator muito relevante nas obras de Clarice Lispector é a forma de
como a autora traz a mulher para o centro do palco da sociedade, que, na
época, estava tomado pela ideia central da superioridade masculina.
Quando reparamos na estruturação da sociedade brasileira do século
XX, é evidente que o papel da mulher nesse cenário se resume em ser dona de
casa, esposa ou mãe de família. Nas obras de Clarice, a identidade da mulher
está representada justamente nesses processos, onde as protagonistas são
mulheres que estão ou cuidando da casa, ou sendo exercendo a função de
mãe. A única diferença é que, nas narrativas, quando a mulher percebe a
posição em que ela está, uma posição de ser inferior, ela reflete e busca uma
forma de mudar isso, por meio do autoconhecimento e da compreensão das
demais pessoas.
Esse assunto resultou em uma mudança grandiosa na sociedade da
época, fazendo com que as mulheres buscassem uma posição de igualdade
em relação ao homem. Como é óbvio, trata-se de igualdade social, política e
econômica, respeitando-se as características e as tendências naturais de cada
sexo, reivindicando-se, apenas, oportunidades sociais iguais para todos, sem
discriminações de espécie alguma.
Desde a mais remota antiguidade ocupou a mulher na sociedade uma
posição subalterna ou, no mínimo, subsidiária ou complementar ao homem.
Assim, em algumas civilizações a mulher foi considerada coisa, podendo ser,
por isso, passível de ser comerciada. O direito de divórcio era exclusivamente
do homem, permitia-se a poligamia e a todas as mulheres casadas era proibido
aparecer em público sem um véu na face.
Na verdade, a origem do poder do homem sobre a mulher e os filhos foi
na religião. A autoridade dentro da família antiga era o deus doméstico. E era o
marido que desempenhava as elevadas funções religiosas. Quando morria
passava a ser o antepassado que os descendentes invocariam. A religião não
colocava a mulher num lugar tão elevado. Ela não era a senhora do lar. A sua
religião não lhe vinha por nascimento, mas era iniciada pelo casamento. Dentro
de suas obras, Clarice, além de elevar o status, de certo modo, da mulher,
busca descobrir também o que é Deus. Clarice não era muito adepta das
práticas do cristianismo, pelo fato de não compreender a existência de Deus e
pelo fato de pertencer à corrente do judaísmo, religião diferente da qual a
maioria da sociedade brasileira do século XX pertencia. Por conta disso, a
religião era algo que não interferia em suas histórias. Essa relação de Clarice e
Deus é vista de uma forma muito contraditória. Isso fica ainda mais visível em
obras como “Perdoando Deus”. De acordo com palavras da própria escritora
“Sou um objeto querido por Deus. E isso me faz nascerem flores no peito. É
por isso que me dou à morte todos os dias. Morro e renasço”.
O fato da mulher possuir pouca representação dentro da sociedade
ocorre devido a quatro pontos que são passíveis de questionamentos e
discussão:
 O tratamento desigual entre homem e mulher, pelo fato da sociedade
criar a imagem da mulher como um ser fraco, submisso e dependente;
 O fato de que, na maioria dos casos, foram os homens que criaram as
leis e dirigiram o destino das nações;
 A própria mulher, por ser sempre colocada em segunda posição,
assumiu, passivamente, esse papel de fragilidade e dona de casa;
 A mulher, pelo mesmo motivo do ponto anterior, não se vê como um
membro da sociedade, se vê apenas como mulher, ocorrendo, de certo
modo, um “autodesprestígio”.
Dentro das obras clariceanas, esses pontos ficam em evidência, pois
retratam diretamente a sociedade usada como base para as produções de
Clarice, onde a mulher sempre possui uma característica mais reprimida,
porém suscetível a alterações de personalidade e forma de pensar.
Dessa forma, percebe – se que, as obras de Clarice Lispector vêm ao
público como uma forma de demonstração do poder que uma mulher possui
para mudar os padrões impostos pela sociedade. Deixando de lado todas as
críticas e meios usados como uma forma de diminuir a ascendência da imagem
feminina na sociedade, Clarice apenas deixou claro, ao mundo todo, a
importância e a influência que uma mulher pode ter dentro da sociedade, não
se restringindo apenas a brasileira, fazendo com que as mulheres começassem
a olhar de outra forma para seu eu interior, evidenciando que elas são muito
mais do que apenas um “objeto” de submissão. Além disso, o olhar do homem
começou a se alterar, fazendo com que eles também percebessem que, ao seu
lado, existe bem mais do que uma simples imagem feminina ou esposa, existe
um ser que possui vontade própria, desejos, força e coragem necessários para
mudar um país e uma sociedade inteira.

CONCLUSÃO:
Fazendo um apanhado geral do que foi apresentado nesse trabalho,
podemos perceber que a vida de Clarice Lispector não foi fácil. Desde seu
nascimento, onde enfrentou atentados, uma mãe doente, e a pobreza, até sua
vida adulta cheia de romances, mortes, separações e uma doença terminal
(que levou à sua morte), Clarice foi uma mulher batalhadora, que possuiu a
garra necessária para fazer com que sua vida tivesse um ar de leveza e alegria
aos seus olhos.
Por meio de suas obras, publicadas entre 1944 a 1977, que possuíam
um conteúdo profundo e reflexivo, Clarice foi capaz de mudar a visão de uma
sociedade em que o homem tinha maior influência e importância, para uma
sociedade em que a mulher também ganhava espaço, vez e voz, tanto por
visão própria do público feminino, quanto pelo próprio homem que começou a
reconhecer a imagem feminina como semelhante a si.
Com as análises, podemos perceber características marcantes em suas
obras: o fato da escritora usar uma linguagem mais psicológica, fazendo com
que os leitores sintam os sentimentos transmitidos pela história como paixão,
dor, felicidade e conforto, atingindo assim um estado da alma pleno.
Além disso, aprendemos que a fama de Clarice Lispector não ficou
restringida apenas para o Brasil. Ao longo de sua carreira, Clarice viajou e
publicou diversas obras, que fizeram muito sucesso, em vários países como
Itália, Suíça, Inglaterra e os Estados Unidos.
Para finalizar, percebe – se que foi por conta da alteração na
padronização da escrita e da literatura brasileira, estabelecida pela própria
autora em questão, que Clarice atingiu seu sucesso. A denominada escrita
Clariceana gerou diversas formas de crítica e de análise, as quais auxiliaram
ainda mais para a formação da imagem de Clarice Lispector na atualidade. E o
modo como Clarice retratou a imagem feminina em suas obras serviu como
base para a inserção da mulher no meio social, de um modo no qual ela não
era mais vista como um “objeto”, mas sim como um integrante ativo
responsável pelo bem estar e funcionamento da sociedade brasileira.
Por esse motivo, a forma como Clarice Lispector influenciou, e ainda
influencia, a visão que a mulher tem sobre seu lugar no mundo, é o que faz
com que ela se torne uma figura de respeito, aclamada por muitas pessoas,
tomando para si uma imagem que transmite imponência, comparado - se a
realeza, o que a caracteriza, de fato, como uma verdadeira duquesa da
literatura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERREIRA, Teresa Cristina Montero. CLARICE NA CABECEIRA:
CONTOS/CLARICE LISPECTOR – Rio de Janeiro: Rocco, 2009;
LISPECTOR, Clarice. FELICIDADE CLANDESTINA – 1ª ed. – Rio de Janeiro:
Rocco, 1998;
MOSER, Benjamin. CLARICE, UMA BIOGRAFIA; Tradução: José Geraldo
Couto – 1ª ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2017;
FERREIRA, Teresa Cristina Montero. CLARICE NA CABECEIRA:
CRÔNICAS/CLARICE LISPECTOR – Rio de Janeiro: Rocco, 2010;
LISPECTOR, Clarice. A LEGIÃO ESTRANGEIRA – 1ª ed. – Rio de Janeiro:
Rocco, 1999;
LISPECTOR, Clarice. CRÔNICAS PARA JOVENS: DE AMOR E AMIZADE –
1ª ed. – Rio de Janeiro: Rocco Jovens Leitores, 2010;
LISPECTOR, Clarice. A VIDA ÍNTIMA DE LAURA E OUTROS CONTOS – 1ª
ed. – Rio de Janeiro: JPA, 2011;
LISPECTOR, Clarice. A HORA DA ESTRELA – 1ª ed. – Rio de Janeiro:
Rocco, 1998;
LISPECTOR, Clarice. PERTO DO CORAÇÃO SELVAGEM: ROMANCE – 1ª
ed. – Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
FRAZÃO, Dilva. CLARICE LISPECTOR: ESCRITORA E JORNALISTA
BRASILEIRA – Disponível em: <
https://www.ebiografia.com/clarice_lispector/>. Acesso em: 21 de abril de 2022;
MAGALHÃES, Teresa Ancona Lopez de. O PAPEL DA MULHER NA
SOCIEDADE – Universidade de São Paulo e Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo. São Paulo.
BERTO, Daniela Faria. SUBJETIVIDADES CLANDESTINAS: A ESCRITA
CLARICEANA COMO POSSIBILIDADE DE LIBERDADE – Revista Ciência
Contemporânea, Jun./Dez.2017. Disponível em: <http://uniesp .edu.br/sites/
guaratingueta/revista.php?id_revista=31>. Acesso em: 23 de abril de 2022;
VASCONCELOS, Teresa. CLARICE LISPECTOR E DEUS – Disponível em: <
https://setemargens.com/clarice-lispector-e-deus/>. Acesso em: 23 de abril de
2022.

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