Você está na página 1de 8

Literatura, Língua Portuguesa e Redação

Professora Alena Cairo


Aluno: ______________________________________ Data: ___/___/___

Minha vida de menina


Helena Morley
Registro do século 19, “Minha Vida de Menina” é obra universal
Diário escrito por Helena Morley quando tinha entre 13 e 15 anos é um clássico da literatura brasileira

Leila Kiyomura
Editorias: Cultura - URL Curta: jornal.usp.br/?p=120166

Mi
nha Vida de Menina transporta o leitor à cidade mineira de Diamantina no fim do século
19 – Foto: Caco Gerken

O s sonhos, as inquietações e as travessuras de uma garota entre 13 e 15 anos, no

fim do século 19, entram para o dia-a-dia do vestibulando. Minha Vida de Menina, diário
escrito por Helena Morley, pseudônimo da brasileira Alice Dayrell Caldeira Brant, entrou
em 2017 na lista dos livros exigidos pela Fuvest, a fundação que organiza o exame para
ingresso na USP. Embora seja um clássico da literatura brasileira, quebra a regra de outros
que estão na mesma lista. O vestibulando tem nas mãos um livro para estimular a sua
imaginação. Uma linguagem fácil, divertida, que encantou Carlos Drummond de Andrade
e Guimarães Rosa pela espontaneidade. Transporta o leitor à cidade mineira de
Diamantina, porém com os seus problemas sociais, econômicos e num momento histórico
singular, com o fim da abolição da escravatura e a então recente proclamação da
República. Os acontecimentos, no entanto, são contados sob o olhar crítico de uma
adolescente.

Dia
mante sendo extraído em Diamantina no contexto da exploração – Foto: Claus Bunks / Domíno Público via
Wikimedia Commons

A primeira edição é de 1942. Foi lançada quando Alice tinha 62 anos. Na apresentação do
livro, ela esclarece que os relatos são exatamente os mesmos que ela, menina, escreveu
entre 1893 e 1895. “Nesses escritos nenhuma alteração foi feita, além de pequenas
correções e substituições de alguns nomes, poucos, por motivos fáceis de entender”,
garante.

Jean Pierre Chauvin: “As memórias da Alice-menina são publicadas pela Alice madura” – Foto: Thales Silva

Minha Vida de Menina, de Helena Morley, é analisada, nesta edição do Jornal da USP,
por Jean Pierre Chauvin, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP,
graduado e pós-graduado pelo Departamento de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

“Começo lembrando que se trata de uma biografia: gênero discursivo que, neste caso em
especial, ganhou foro literário e apelo de um numeroso público leitor”, observa Chauvin.
“Estruturado nas memórias reconstituídas por uma adolescente de Minas Gerais, ao longo
de três anos, Minha Vida de Menina aproxima duas vozes, por assim dizer: uma que teria
registrado periodicamente o que viveu, no final do século 19, outra da mulher que
possivelmente revisitou o próprio diário, composto com 40 anos de antecedência. Isso sem
contar a possível confluência entre o registro e avaliação dos eventos, o que explica a
coexistência dos modos descritivos, narrativos e argumentativos, no livro.”
Curiosamente, apesar de ser um registro do final do Oitocentos, determinadas concepções e
atitudes de Alice, quando adolescente, ultrapassam o âmbito pessoal, a esfera local e
assumem caráter universal.
.
Helena começa a escrever no dia 5 de janeiro de 1893. Mas se deu a liberdade de narrar o
seu dia quando tinha vontade ou se sentia motivada. Há uma diferença de até uma semana
ou mais entre os textos. “Não sei se poderá interessar ao leitor de hoje a vida corrente de
uma cidade do interior, no fim do século passado, através das impressões de uma menina,
de uma cidade sem luz elétrica, água canalizada, telefone, nem mesmo padaria, quando se
vivia contente com pouco, sem as preocupações de hoje”, analisou a escritora na
apresentação da primeira edição, em setembro de 1942, quando morava no Rio de Janeiro,
casada com Augusto Mario Caldeira Brant, com quem teve seis filhos.

Alex
andrina Dayrell (a “Carolina”), Felisberto Morley Dayrell (o “Alexandre”) e Alice Dayrell Caldeira Brant (a Helena
Morley) do diário de Helena – Foto: Divulgação / Disponibilizado por Sarita Caldeira Brant / Pesquisa : Geraldo
Dayrell Gott

“As memórias da Alice-menina são publicadas pela Alice madura. Era esperado que a
dicção mudasse, sob o efeito do tempo. Nessa breve apresentação Helena Morley enfatiza
que se trata de relato prosaico de um período histórico de Diamantina e arredores, sob a
ótica de uma jovem bem instruída e sensível, habituada a captar o instante, convertendo-o
em arte”, esclarece o professor Chauvin. “Escrito em primeira pessoa, o relato distancia-se
do sentimentalismo. À medida que os registros no diário avançam, percebemos mudanças
no modo como a narradora enuncia as coisas. Curiosamente, apesar de ser um registro do
final do Oitocentos, determinadas concepções e atitudes de Alice, quando adolescente,
ultrapassam o âmbito pessoal, a esfera local e assumem caráter universal.”
.
O leitor de hoje ficará surpreso ao constatar que Helena Morley praticou, com quase um
século de antecedência, um dos gêneros literários mais vendidos, em nossos dias.
.

A família de Helena padece de muitas dificuldades para sobreviver. Mas sua avó, que a
tinha como a neta preferida, era muito rica. E o dinheiro era desfrutado e gerido pelo tio.
No dia 21 de junho de 1893, escreveu: “No ano da fome eu era muito menina, mas me
lembro ainda de algumas coisas daquele tempo. Se eu estivesse maior e mais esperta como
hoje, acho que não passaríamos em casa o que passamos naquela ocasião”.

As
diversas edições de Minha Vida de Menina – Foto: Reprodução

O livro resgata o sabor da comida mineira com toicinho e os aromas dos doces, bolos e
rosquinhas. O leitor vestibulando certamente vai se emocionar com o relacionamento de
Helena com sua avó. Descreve: “Vovó é a criatura melhor do mundo”.

Alice Dayrell Caldeira Brant, autora de Minha Vida de Menina, que


usou o pseudônimo de Helena Morley – Foto: Divulgação

Os momentos de raiva, os protestos de Alice revelam, como aponta o professor Chauvin,


um estilo de vida naturalmente diferente do nosso. “Sem acesso aos aparatos tecnológicos
que chegariam décadas à frente, por menor que fosse o território por onde a narradora
circulasse, sua perspectiva revela lucidez e resulta em posicionamento crítico perante
certos valores e ideias preconcebidas”, pontua. “Um jovem leitor, antenado que está aos
novos suportes, interfaces e meios de comunicação – em que se privilegia o imediato –,
precisa fazer o exercício de entrar em modo off e se dedicar ao livro. O tempo e a energia
que ele dispensar ao livro Minha Vida de Menina farão da leitura uma experiência
gratificante e permitirão que ele compare o seu modo de pensar e contestar com as razões e
os poderosos argumentos de Helena Morley.”

questões
1.(UFMG) Todas as seguintes afirmativas relacionadas a MINHA VIDA DE MENINA, de Helena
Morley, estão corretas, EXCETO
a) Constitui um texto marcado por uma postura juvenil, crítica e irônica.
b) Foi escrito sem propósito de publicação, num estilo despojado e franco.
c) Organiza-se como um documento de fatos ligados à libertação dos escravos em Minas.
d) Trata-se de um diário que menciona acontecimentos político-sociais da época.

2.(ENEM  2009)
Terça–feira, 30 de maio de 1893.
Eu gosto muito de todas as festas de Diamantina; mas quando são na igreja do Rosário, que é
quase pegada à chácara de vovó, eu gosto ainda mais. Até parece que a festa é nossa. E este ano
foi mesmo. Foi sorteada para rainha do Rosário uma ex–escrava de vovó chamada Júlia e para
rei um negro muito entusiasmado que eu não conhecia. Coitada de Júlia! Ela vinha há muito
tempo ajuntando dinheiro para comprar um rancho. Gastou tudo na festa e ainda ficou devendo.
Agora é que eu vi como fica caro para os pobres dos negros serem reis por um dia. Júlia com o
vestido e a coroa já gastou muito. Além disso, teve de dar um jantar para a corte toda. A rainha
tem uma caudatária que vai atrás segurando na capa que tem uma grande cauda. Esta também
é negra da chácara e ajudou no jantar. Eu acho graça é no entusiasmo dos pretos neste reinado
tão curto. Ninguém rejeita o cargo, mesmo sabendo a despesa que dá!
MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 57.

O trecho acima apresenta marcas textuais que justificam o emprego da linguagem


coloquial. O tom informal do discurso se deve ao fato de que se trata de
a) uma narrativa regionalista, que procura reproduzir as características mais típicas da
região, como as falas dos personagens e o contexto social a que pertencem.
b) uma carta pessoal, escrita pela autora e endereçada a um destinatário específico, com o
qual ela tem intimidade suficiente para suprimir as formalidades da correspondência
oficial.
c) um registro no diário da autora, conforme indicam a data, o emprego da primeira
pessoa, a expressão de reflexões pessoais e a ausência de uma intenção literária explícita
na escrita.
d) uma narrativa de memórias, na qual a grande distância temporal entre o momento da
escrita e o fato narrado impõe o tom informal, pois a autora tem dificuldade de se
lembrar com exatidão dos acontecimentos narrados.
e) uma narrativa oral, em que a autora deve escrever como se estivesse falando para um
interlocutor, isto é, sem se preocupar com a norma padrão da língua portuguesa e com
referências exatas aos acontecimentos mencionados.

3.  “Em pequena meu pai me fez tomar o hábito de escrever o que sucedia comigo. Na Escola Normal
o Professor de Português exigia das alunas uma composição quase diária, que chamávamos
"redação" e que podia ser, à nossa escolha, uma descrição, ou carta ou narração do que se dava
com cada uma. Eu achava mais fácil escrever o que se passava em torno de mim e entre a nossa
família, muito numerosa. Esses escritos, que enchem muitos cadernos e folhas avulsas, andaram
anos e anos guardados, esquecidos. Ultimamente pus-me a revê-los e ordená-los para os meus,
principalmente para minhas netas. Nasceu daí a ideia, com que me conformei, de um livro que
mostrasse às meninas de hoje a diferença entre a vida atual e a existência simples que levávamos
naquela época.”

A partir da passagem citada, selecione a opção que melhor define a intenção da autora


ao escrever um diário:
a)      Registrar fatos e acontecimentos importantes sucedidos em Diamantina na época do
declínio da mineração como documento para a posteridade.
b)      Ampliar o conhecimento da língua portuguesa e desenvolver a habilidade de escrita para
assumir um cargo de professora quando terminasse a Escola Normal.
c)       Narrar acontecimentos íntimos que não queria dividir com outras pessoas e deixá-los
anotados para que não se perdessem na memória.
d)      Transmitir seu modo de vida e suas histórias para suas netas e para as meninas das
gerações futuras.

4.  “Segunda-feira, 15 de julho Uma doença demorada, em Diamantina, vira mais uma


festa do que outra coisa. Nós, todas as primas, gostamos mais de fazer quarto a doente
do que mesmo de novena. A doença de Vieira é um divertimento. Uma amiga minha já
arranjou noiva fazendo quarto na casa dele. Ele está doente há um mês- ma para
morrer, há uma semana.”

O trecho de Minha vida de menina, de Helena Morley, demonstra como a cidade de


Diamantina, Minas Gerais, aparece no diário.
A partir da leitura da obra é possível dizer que:
a)      a cidade torna-se um personagem do livro, pois ganha características humanas ao ser
retomada a partir de diferentes ângulos, culturais, políticos e sociais.
b)      a cidade é apresentada como uma região singular, sendo o cenário ideal para as histórias
relatadas no livro.
c)       a cidade é descrita como atrasada, ruim, de difícil acesso, preconceituosa e monótona em
decorrência da manutenção do sistema colonial.
d)      a cidade é representada como um espelho dos sentimentos e dos estados de humor da
autora, podendo ser um lugar belo, feio, alegre, difícil, afetuoso etc.

5.   “Não sei se poderá interessar ao leitor de hoje a vida corrente de uma cidade do interior,
no fim do século passado, através das impressões de uma menina, de uma cidade sem
luz elétrica, água canalizada, telefone, nem mesmo padaria, quando se vivia contente
com pouco, sem as preocupações de hoje. E como a vida era boa naquele tempo! Quanto
desabafo, quantas queixas, quantos casos sobre os tios, as primas, os professores, as
colegas e as amigas, coisas de que não poderia mais me lembrar, depois de tantos anos,
encontrei agora nos meus cadernos antigos!”
Tendo em vista o trecho citado, retirado da nota à 1ª edição, selecione a opção que melhor
caracteriza Minha vida de menina.
a)      Relata a vida na pequena cidade do interior, Diamantina, por meio das histórias de seus
cidadãos, da autora e de sua família.
b)      Descreve sentimentos íntimos da autora em relação a questões de sua idade, como
mudanças físicas e garotos.
c)       Guarda os sofrimentos e as dificuldades vivenciadas pela autora por não ser
compreendida por sua família.
d)      Traz as angústias vividas pela autora em decorrência da situação financeira de sua
família.

6.  “Esperei sem poder falar muito, de tanta fome. Chegou a hora do jantar e a negra
Maria encarreirou todos os meninos no banco da mesa grande do salão do forno e foi
trazendo os pratos feitos para cada um. Quando chega a minha vez Maria vira para
mim e pergunta: "Sinhá Helena, ocê também quer janta?". Eu, espantada da pergunta,
respondi: "Não, não quero não!" Pensando que a burra entendesse. Espero o meu prato
e não vem. Grito a Maria: "Que é do meu prato?". Ela responde: "Uai! Ocê não disse que
não queria? Agora não tem mais comida". Fiquei tão pasma que nem pude reclamar.
Fiz o que mamãe diz que a gente deve fazer quando o sofrimento é grande: oferecer o
sacrifício a Deus que ele agradece e ajuda depois, quando se precisa. Não quis a
sobremesa de melado com cará. Não sei se foi para fazer bem o sacrifício ou se foi de
raiva. Acabado o jantar vovó olhou para mim e disse: "Você está pálida e de beiços
brancos. Que é isto? Está doente?". Eu respondi: "Não senhora. Talvez seja porque eu
não merendei nem jantei". Vovó exclamou: "Forte coisa!".”

O trecho é um exemplo da utilização da linguagem oral no diário. Em Minha vida de


menina, as expressões orais:
a)    refletem as situações econômica e social vivenciadas por Helena Morley.
b)   determinam a classe social de cada personagem, de modo que a linguagem é alterada de
acordo com a situação descrita.
c)    caracterizam a região, o momento histórico e a aproximação aos fatos cotidianos,
presentes no texto.
d)   objetivam aproximar a obra de um público mais amplo, de modo a alcançar leitores de
todas as classes sociais.

7.  “Tenho pena das minhas primas com aquele pai tão metódico, como elas dizem. Na
casa delas tudo é na hora, tudo é na regra, até palavras, modos, tudo. Engraçado é que
as primas vivem horrorizadas de meu pai e mamãe não nos darem educação, como elas
dizem, e não fazem um passeio sem nós duas, eu e Luisinha. Mas quando chega de
tarde, estou mais cansada do que se estivesse trabalhando o dia inteiro, de tanto fingir
de educada perto delas.
Não sei se minhas primas têm pena de mim como eu tenho delas. Com certeza.”

No trecho em destaque, que foi retirado das primeiras páginas de Minha vida de menina,
de Helena Morley, e faz parte da narrativa do dia 22 de abril de 1893, podemos dizer que
a narradora:
a)      demonstra falta de vontade em conviver com suas primas por causa da educação rígida
de seus tios.
b)      traça uma comparação entre a educação dada por seus pais a ela e Luisinha e aquela
dada pelos tios às primas.
c)       insinua uma certa inveja das primas por terem os pais mais presentes e mais
participantes na educação das filhas.
d)      sente pena das primas por elas não poderem fazer longos passeios como aqueles
praticados pela família Morley.

8. Ao leitor de Minha vida de menina fica evidente que Helena Morley convivia com
diferentes classes sociais.
A partir dessa afirmação é possível dizer que o livro:
a)    apresenta a luta de poder entre diferentes classes sociais, dado o período histórico em
que os relatos ocorrem.
b)   traz as relações familiares de Helena Morley como metonímia das relações entre classes
ocorridas no Brasil nesse período.
c)    está desconectado dos eventos históricos ocorridos no Brasil no período em que foi
escrito, sendo as relações entre classes sociais inteiramente fictícias.
d)   é um relato da convivência entre brancos e negros num período posterior à Lei Áurea,
retratando as ambiguidades existentes nessas relações.

Referências

https://jornal.usp.br/cultura/registro-do-seculo-19-minha-vida-de-menina-e-obra-universal/

http://osolharesdehelena.blogspot.com/2017/10/exercicios.html

Você também pode gostar