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INTRODUÇÃO
Sejam todos bem-vindos, sejam todas bem-vindas a mais uma análise de obra literária
aqui na Coruja, que sempre quer preparar o melhor material para que você possa ter um
desempenho perfeito na sua prova. Hoje, tive a oportunidade de analisar uma das obras mais
importantes e influentes do século XX, lançada durante a segunda geração do Modernismo
brasileiro e funcionando, por assim dizer, como representação plena do pensamento dessa
geração e do próprio Modernismo.
Uma obra repleta de seres palpáveis e próximos à realidade daqueles que decidem ler a
obra, representando o que sempre se pensou acerca da Literatura: a construção de um retrato
palpável e próximo daqueles que leem o que lhes é proposto por meio da escrita. É uma
maravilha pensar que podemos ter uma relação tão próxima e clara entre a Literatura e a
Sociedade, construindo-se uma simbiose que somente valoriza aqueles que se propõem a se
entregar à difícil arte da palavra. Os ratos, de Dyonélio Machado, é exatamente aquilo que o
autor sonhou, uma análise nada superficial da sociedade e de suas nuances que não se
modificam, mas se repetem em meio à sociedade capitalista de consumo e de importância social
atrelada ao dinheiro e à capacidade de compra.
Assim, ainda que de forma superficial, vale à pena falarmos sobre aquilo que nos espera
durante essa viagem pelo mundo de Dyonélio Machado. Naziazeno é a representação “heroica”
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do homem comum. Aquele que trabalha, mas que não consegue, em muitos momentos, pagar
todas as suas dívidas. É um homem como qualquer outro que lida com as contas e, hoje, os
boletos, se acumulando em meio à tentativa de manter a sua família e de fazê-la feliz. O leite,
nesse caso, é a representação do sustento, da alimentação mais básica. O que demonstra que
a vida não é fácil nem justa com aqueles que se predispõem a vivê-la.
Sua jornada de um dia, não necessariamente 24h exatas, é a odisseia do homem de
família em busca de sustentar-se e sustentar aqueles que o cercam. A vitória da conquista do
dinheiro necessário ao pagamento da dívida não existe de fato: os ratos sempre estão à espreita
para levar aquilo que ele conseguiu conquistar em meio ao desespero e à humilhação em muitos
momentos. Tudo será explorado em nossa análise, permitindo que você, nosso estrategista,
consiga resolver todas as questões referentes à obra, independente do caminho apresentado
pela banca nessa construção.
Dessa forma, organizamos a análise de Os ratos da seguinte maneira:
Análise de elementos externos à obra, mas importantíssimos à construção de
sentidos dessa mesma obra: o contexto histórico e o autor. Seguimos, aqui, uma
vertente de análise literária muito forte do século XX, com viés discursivo, em que
se compreende de forma mais clara que não há como separar uma obra de seu
contexto individual, o autor; e de seu contexto histórico.
Análise da obra quanto à sua formação, levando em consideração a construção de
uma análise realmente próxima à estrutura da obra, para que possamos entender
os aspectos mais amplos dessa obra, também auxiliando na construção de saberes
sobre a própria obra.
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ESTRATÉGIA VESTIBULARES – Dyonélio Machado
Análise dos elementos da obra, tais como personagens, enredo, tempo, espaço e
elementos que fazem parte dessa construção ficcional empreendida por Dyonélio
Machado. Essa é uma das partes mais importantes desta análise, porque temos a
construção, nela, da efetividade da obra de Dyonélio.
Antes de entrarmos nos exercícios, que precisam ser feitos para uma melhor
compreensão e aproximação com relação à obra, teremos uma pequena análise
de elementos transversais à obra, tais como intertextualidades e possibilidades de
análise textual.
Por fim, partimos para os exercícios. Neles, podemos treinar a nossa leitura e,
principalmente, a compreensão da obra. Recomendamos que vocês, nossos
estrategistas, primeiramente façam as questões, para somente em seguida ler os
comentários de cada uma das questões.
em muitos momentos, para a construção da obra em questão. É claro que não estamos
afirmando que essas duas ideias são suficientes para uma análise da própria obra, mas
contribuem de forma importante à compreensão completa da própria obra.
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A poesia, por sua vez, dedica-se à análise do homem a partir de seus sentimentos,
não necessariamente bons, mas com relação à forma como o homem se comporta
em meio a uma sociedade extremamente voltada para a tecnologia, por exemplo, e,
em outro momento, assolada pela barbárie da guerra. É uma poesia emocional e
propositalmente emocional. Ela abarca o homem em suas relações mais pessoais,
por intermédio de sua relação direta com o mundo que o cerca.
que tenhamos a exploração da cidade íntima do autor. Mas isso será explorado mais para frente.
Com relação à estética, para que possamos arrematar essa seção, destaca-se a
importância da Literatura como forma de política, independente de perspectiva. Essa forma de
ver a obra literária sempre foi extremamente forte entre aqueles que analisam a estética dessa
época. É uma relação de junção extrema entre a Política e a Literatura, como ocorreu durante
toda a história literária universal, mas com a primeira grande construção em termos de
quantidade e de importância no Brasil.
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falando do momento em que o Brasil “flerta” com a industrialização, fazendo com que muitas
pessoas sejam excluídas socialmente e, principalmente, aquelas que se sentem obsoletas em
meio à sociedade. Na realidade, podemos dizer que Naziazeno, que você já conheceu da leitura
de Os ratos, é, sem dúvida, a representatividade dos personagens de Dyonélio e, possivelmente,
de toda essa segunda geração urbana: um homem que vive para sobreviver, pagando uma conta
em cada momento, ainda que trabalhando de forma intensa.
É interessante notar, ainda, que Dyonélio se envolve, assim como Erico, com o
pensamento comunista da época, o que faz com que tenhamos a construção específica de uma
obra voltada para a crítica do capitalismo. Ao analisarmos essa relação da segunda geração,
nota-se que o capitalismo é criticado pela exploração do proletariado, no caso dos romances
regionalistas que se centram no campo e interior, enquanto entendemos que temos, nas cidades,
a crítica à modernização e ao “abandono” que as pessoas sentem em meio ao Capitalismo.
Assim, entendemos que, em Os ratos, temos a construção de uma crítica às relações
sociais que se fundamentam exclusivamente no capital. Ou seja, percebe-se que a vida na
cidade grande, envolta em uma aura de relação exclusivamente capitalista tende a colocar os
cidadãos em uma forma de exclusão que não será somente aos mais pobres, mas a todos
aqueles que vivem em meio à sociedade.
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Destacamos, ainda, como forma de reforço, que a crítica reconhece claramente a relação
entre o dinheiro e os pares sociais. Podemos afirmar, na realidade, que temos o dinheiro como
a mola propulsora da sociedade e das relações sociais. Na realidade, o que vemos é a
construção de uma relação completamente centrada na importância do dinheiro. Dyonélio nos
mostra que tudo é corroído pelo dinheiro, fazendo com que notemos que as relações realmente
se degradaram na modernidade exatamente pela supervalorização monetária.
Não se esqueça, para que possamos passar à análise dos elementos da narrativa, que
estamos diante de um romance realmente urbano-social, na acepção dessa palavra e dessa
nomenclatura. É o drama da modernidade e sua dependência plena pelo dinheiro. Tudo girando
em torno dele. A partir da análise dos elementos da narrativa, que fazemos a seguir, poderemos
perceber como se desenrola essa ideia em meio à obra. A celeridade das 24 horas, assim como
a pressa em resolver o problema, em meio à doença, à dívida e à fome, é determinante para
nossa construção narrativa.
3 Elementos da narrativa
Neste capítulo, conforme prometido, teremos a construção de uma análise interessante
sobre os elementos da narrativa. Na realidade, a depender da visão da banca com relação ao
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texto, essa se torna a parte mais importante desta nossa aula, porque é nela que encontraremos
a construção necessária daquilo que pode ser cobrado. Essas características são consideradas
extremamente importantes para a compreensão da obra, uma vez que são elas que fazem com
que essa obra se encaixe na tipologia narrativa.
Inclusive, como vimos, pela extensão dessa obra, a classificação não será de um
romance, mas de uma novela, dado que há centralidade de enredo somente na pessoa de
Naziazeno, sendo tudo concentrado nele e na forma como ele lidará com a crise. Essa crise,
como sabemos, é a representação do que o povo passa com frequência. Mas isso analisaremos
no capítulo 4.
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Noutras ocasiões, quando era apenas a “briga” com a mulher, esta, como um último
desaforo de vítima, dizia-lhe: “Olha, que os vizinhos estão ouvindo”. Depois, à hora da
saída, eram aquelas caras curiosas às janelas, com os olhos fitos nele, enquanto ele
cumprimentava.
O leiteiro diz-lhe aquelas coisas, despenca-se pela escadinha que vai do portão
até à rua, toma as rédeas do burro e sai a galope, fustigando o animal, furioso, sem
olhar para nada. Naziazeno ainda fica um instante ali sozinho. (A mulher havia
entrado.) Um ou outro olhar de criança fuzila através das frestas das cercas. As
sombras têm uma frescura que cheira a ervas úmidas. A luz é doirada e anda ainda
por longe, na copa das árvores, no meio da estrada avermelhada.
O Fraga não viu “nada”, naturalmente. Lá está ele na porta da casa, do outro
lado da rua. Parece que tem os olhos nele. Cumprimentar? não cumprimentar? O que
o incomoda é que ele lhe vai responder o cumprimento com uma saudação entusiasta,
saudação manhã-cedo.
Dá a impressão, o Fraga, de ter uma vida bem arrumada. O padeiro, o leiteiro,
quando “voltam”, depois de feita a distribuição, ficam algum tempo ainda conversando
com ele. O mês já vai em meio e ele interrompe a palestra, chama a mulher: “– Não
seria bom pagar esse homem hoje?” “– Não tem pressa, seu Fraga: ele aí está
guardado...”
Tendo essa dívida a ser quitada de forma tão urgente, Naziazeno decide apelar para seu
chefe, o Sr. Romeiro, que já havia ajudado o personagem em outros momentos, quando o filho
desse estava doente. Esperou o dia inteiro pelo direto que não apareceu na repartição,
procurando-o em todos os lugares, começa a se desesperar e a se preocupar ainda mais, dado
que, segundo o leiteiro, se o cliente não deixasse o dinheiro da dívida em cima da mesa para a
manhã do dia seguinte, não haveria mais leite para alimentar o filho. O diretor recusa o
empréstimo e deixa Naziazeno sem ter o que fazer para conseguir o dinheiro de forma mais fácil.
Esse é o ponto que gera maior desespero em Naziazeno: não ser capaz de ser o provedor da
casa por meio de seu emprego e com seu salário. A espera pelo chefe se mostra ineficaz e
Naziazeno não sabe mais o que fazer para conseguir o dinheiro.
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(...)
Cinco, dez, quinze minutos mais e se acaba essa preocupação torturante. Ele
tem experimentado muitas vezes essa mudança brusca de sensações: a volta à vida
do filho, quando esperava a sua morte... E outras. Está num momento desses. O
dinheiro do diretor vai trazer-lhe uma enorme “descompressão”. Solucionará tudo,
porque — é o seu feitio ou o seu mal — ele faz (desta vez, como de outras) deste
negócio — o ponto único, exclusivo, o tudo concentrado da sua vida. Pago o leiteiro,
o mundo recomeçará, novo, diferente. Assim foi quando da volta do filho à saúde.
“— Eu já saí vinte e duas vezes a barra!” — O sujeito dizia isto como testemunho
da sua experiência. Sair a barra... Depois, o mistério do oceano... Os marinheiros do
grande cargueiro alemão, debruçados lá em cima na amurada, olham para o sujeito
cá embaixo e para a “estranha luzinha”, alternativamente. Têm um sorriso sereno. O
indivíduo fala com eles em alemão. Está certamente em “visita”. Naziazeno viu-se
inopinadamente interpelado ao passar: “— Não pode me dizer o que é aquilo lá no
céu?” — Uma luz, uma estrelinha um pouco acima da Igreja das Dores; parece um
contato de fios. “— Naquela altura!... Olhe, aqui onde estou já saí vinte e duas vezes
a barra. Não penso que seja um simples contato.” — A luzinha às vezes se apaga. É
lívida, na manhã luminosa. — Que será mesmo?
(...)
— O sr. pensa que eu tenho alguma fábrica de dinheiro? (O diretor diz essas
coisas a ele, mas olha para todos, como que a dar uma explicação a todos. Todas as
caras sorriem.) Quando o seu filho esteve doente, eu o ajudei como pude. Não me
peça mais nada. Não me encarregue de pagar as suas contas: já tenho as minhas, e
é o que me basta... (Risos.)
O diretor tem o rosto escanhoado, a camisa limpa. A palavra possui um tom
educado, de pessoa que convive com gente inteligente, causeuse. O rosto do Dr. Rist
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Alcides está um tanto vivo. Só ele fala. Nos intervalos da conversa, tem
pequenos movimentos, muda o corpo, os braços, a cabeça de posição.
Naziazeno não quer decifrá-lo, faz esforços por se conservar à margem daquilo...
Quer imobilidade, só imobilidade. Mas já o viu muitas vezes no Duque. É um primeiro
mobilizar de forças, que se intensifica mais e mais, toma vulto e direção, e, no fim das
horas, é uma carga.
Alcides quer lhe dizer qualquer coisa.
— Eu estava pensando que você podia dar por mim uma batida no Andrade.
— Que Andrade?
— Aquele corretor da rua Quinze.
Faz-se um silêncio.
— Você podia dar uma chegada agora na casa dele. Ele está almoçando.
Novo silêncio.
Alcides prossegue:
— Ele ficou me devendo o resto duma comissão... Cem mil-réis...
Frouxamente Naziazeno pergunta:
— E onde ele mora?
— Na rua Coronel Carvalho, número 357. (Perto da Independência.) Alcides
entusiasmara-se:
— Procure trazer nem que seja a metade. Ele vem me prometendo liquidar há
muito tempo.
Naziazeno conserva-se silencioso. Ele não pensa na “empresa” propriamente:
pensa no Andrade; vê a sua figura robusta, azafamada, decidida de patrão. Ela lhe
lembra o Gonçalves, o dono duma engraxataria que existiu ali naquela praça. Era
também assim. Decidia-se como um general, entre os engraxates. No fim do dia
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liquidava as contas dele, o aluguel das cadeiras. Fechava tudo, rasgava papéis,
limpava a mesa. “— Pronto! Não tenho mais loteria, não tenho mais bicho, mais nada.”
— E vinha até à porta, agitando as mãos, sem casaco, a camisa limpa, com o ar
mesmo de quem se desembaraçara de qualquer coisa verdadeiramente pesada. Num
dos banquinhos, um engraxate (um negrinho de cara cínica) sujo e suarento, olhava
pra palma da mão, pra os níqueis que lhe haviam restado. E tinha um comentário pra
o companheiro mais próximo — um comentário de moleque desconsolado... —
Andrade não se aperta, não, por cem mil-réis...
devia, para que limpasse seu nome. Mais uma vez, percebe-se que Dyonélio constrói uma série
de ações que sempre desembocam na parte financeira da vida de todos: parece que todas as
relações são realmente motivadas por dinheiro.
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havia pouco no tal Mister Rees, na parte que lhe cabia pagar, como era possível ter
Alcides se enganado?...
Ele lhe vai explicar tudo isso.
Alcides o espera certamente no Nacional.
O silêncio da cidade já se quebrou. Outra vez rola, em direção ao centro, a onda
dos automóveis e dos bondes. A tira mesmo de sombra junto à parede já é mais larga
e mais disputada.
Mister Rees — um alto funcionário bancário — há de ser pessoa séria. Não há
de pôr dúvida em pagar. Talvez exija um entendimento com o Andrade, uma
explicação. Andrade estará pronto em dar todas as explicações: ele lhe deixou a
impressão de sujeito solícito, prestadio.
Vai-lhe parecer uma mentira, quando entrar nesses cobres.
Talvez Alcides o esteja mesmo esperando pra almoçarem juntos. Lembra-se
uma vez que acompanhou Alcides a um frege do mercado. Ele comeu o seu almoço
de assobio — um prato de mingau, média com empadinhas. Depois meteu um palito
na boca, chupou um pouco de ar sibilante através dos dentes num lado e noutro,
limpando-os. Cuspiu um que outro farelo de comida. Puxou um cigarro, deu tragadas
grandes. Convidou:
— Vamos?
Naziazeno sabia que ele estava sem dinheiro.
Sobre a porta, o dono do frege, sem casaco. Alcides chega-se bem perto dele,
canta-lhe qualquer coisa. O outro ouve, com os olhos baixos e de vez em quando um
movimento de aquiescência com a cabeça.
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Na dúvida se deve ou não comer, porque não encontraria nada de bom àquela hora, ficou
rodando pela cidade olhando para os cinco mil réis e decidindo o que fazer. Ao passar por uma
tabacaria famosa da cidade, vê uma roleta e decide jogar para tentar ganhar o dinheiro do leiteiro
a partir dos cinco mil réis. Toma uma água somente, ficando meio zonzo ainda pela fome. Como
não poderia deixar de ser, após começar as apostas, ganhando algumas e perdendo outras, fica
sem os cinco mil réis, com fome e com menos possibilidade de resolver o problema.
Mete no fundo dum dos bolsos duas fichas grandes, de cinco mil-réis, e fica
combatendo com um punhado de fichas menores.
Não se sabe quanto está ganhando. Nem ao menos quer pensar nisso, porque
não lhe seria difícil calcular, mesmo sem contar, pela simples vista das fichas, e ele
não quer saber... não quer saber...
Já joga há muito tempo.
Ao seu redor aquela multidão tem-se renovado, sem se alterar todavia. A cada
momento espera ver entrar o Alcides ou o Duque.
Sobre um dos lados, sentado numa cadeira (na única cadeira que talvez exista
ali) está um sujeito com o ar imbecilizado, um pobre-diabo que ele conhece muito por
ver constantemente na rua, nos cafés. Nunca pôde entretanto saber quem seja. O
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sujeito olha muito pra ele, com a expressão de conhecido, de quem está prestes a
entabular uma conversa. Ele não joga. Que estará fazendo aí?...
Já duas bolas seguidas que não tira nada. Vai mudar de tática: vai perseguir um
número, botando também alguma coisa na dúzia correspondente.
O “seu” número já tem jogo na ocasião em que faz o seu. Pouco jogo. O chuveiro
das fichas prossegue... prossegue... estendendo uma toalha multicor sobre a
superfície luzidia do oleado... De quando em quando cai uma sobre o número que
jogou. A sua ficha meio que se oculta já debaixo de outras que vieram depois.
Extinguem-se pouco a pouco os passos, a crepitação fininha. Agora, é um
pequeno martelar, suave e claro, com pequenas intermitências, sem ritmo certo da
bolinha que salta na bacia. Depois, ela encontra a sua loja, a sua casa. Pronto! e a
cara do croupier é um oráculo prestes a despejar sobre todos a decifração do
mistério...
Os ancinhos de novo... De novo os montes de fichas... Mais um número no
quadro-negro que registra a sucessão de bolas... Depois, o recomeçar.
Nesse momento, Naziazeno se encontra com um homem mais velho, com quem já tinha
conseguido um empréstimo anteriormente. Ele o cerca e pede novamente o empréstimo para
que possa quitar a dívida, repetindo diversas vezes o pedido e sendo negado em todos eles. É
interessante notar que, nessa hora, percebemos que o decorrer do dia deixa Naziazeno
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desesperado por resolver o problema de sua família, mas sem uma “luz” para entender o que
aconteceria ali e como conseguiria resolver o problema. É impressionante como Dyonélio
constrói essa tensão no livro, parecendo que estamos em meio a uma real loucura. Todos nós
somos levados a sentir pena de Naziazeno, provavelmente por nos identificarmos, em algum
ponto, com ele. Esse ponto da obra termina com o homem subindo no metrô e finalmente se
separando de seu perseguidor.
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A partir desse ponto, a passagem do tempo, como era de se esperar, torna-se cada vez
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mais densa e, porque não dizer, tensa. Dessa forma, conseguimos entender que a tensão da
obra crescerá de forma proporcional à passagem do tempo que, como veremos, será
marcadamente cronológico, porque essa relação entre tempo e dinheiro é essencial aos
objetivos de Dyonélio. Assim, a tarde chega e, com essa chegada, se esvai a esperança de
Naziazeno e cresce a tensão.
Desesperado, o personagem-principal consegue uma joia de um amigo emprestada e
consegue penhorá-la, finalmente alcançando seu objetivo. Feliz momentaneamente, ele compra
presentes para sua esposa e seu filho e volta para casa. Contudo, não temos o momento de
descanso de Naziazeno, porque, ao deitar-se, não consegue dormir, dado que sonha que os
ratos estão roendo o dinheiro colocado em cima da mesa para o leiteiro. Mais à frente,
analisamos essa significação, que inclusive dá nome ao livro.
Segue-se um silêncio.
— Me lembrei duma coisa — diz Duque depois: — O Alcides tem um penhor, um
anel... (Interrompe-se; dirige-se a Alcides: — Você já levantou esse penhor? — E
diante da sua resposta, prossegue:) — ... um anel, que está empenhado por um preço
muito aquém do que se poderia conseguir por ele, sem grande esforço.
— Cento e oitenta mil-réis — informa Alcides.
— Um anel? — pergunta Mondina.
— Um anel de bacharel, desses antigos, com chuveiro — acrescenta Alcides.
— O sr. é bacharel? — indaga o outro com uma grande surpresa.
Alcides sorri. Não. É uma joia de família, que vem do seu avô.
— Mas qual é o seu plano? — pergunta Mondina ao Duque.
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O enredo é fechado pela solução de um problema imediato, mas não de todo o problema,
dado que entendemos que logo Naziazeno precisará de mais um empréstimo e sua odisseia em
busca de dinheiro nunca acabará. É a ciclicidade da necessidade que se avizinha por ali.
3.2 Narrador
O narrador de Os ratos é considerado um elemento que beira a genialidade segundo a
crítica: é um narrador em terceira pessoa, onisciente, mas que mascara a sua onisciência
deixando-se levar pelo próprio personagem, com a ideia de que o desconhecimento do futuro
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por parte do personagem também se aplica a ele. Ou seja, é um narrador onisciente, como deixa
antever em vários momentos. Contudo, não temos o uso dessa onisciência. Podemos dizer,
então, que propositalmente o narrador é construído como um mero observador.
Essa estratégia serve para que temos uma construção mais próxima realmente do
mistério. Podemos afirmar que, ao lermos uma obra como essa, temos a construção de um
suposto desconhecimento com relação ao que acontecerá no desenrolar da história. Assim,
nossa impressão é de que todos, inclusive o narrador se comporta como nós.
Contudo, como temos a construção de um narrador que descreve, com detalhes a relação
de Naziazeno consigo mesmo, revelando o seu íntimo e analisando-o psicologicamente de forma
completa, como é de se esperar em uma obra com influência realista. Assim, podemos afirmar
que a onisciência é somente disfarçada em meio à obra.
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3.3 Personagens
Em Os ratos, é imprescindível perceber que temos a construção de uma Vicência
completamente diferente com relação aos personagens, principalmente se considerarmos que
há dois que se destacam no desenrolar da história: Alcides e Naziazeno. Claro que, além deles,
há outros elementos que mereceriam esse destaque se não fosse o tamanho que tomam dentro
da obra. Assim, apresentamos a seguir os dois já apresentados, além da esposa de Naziazeno
e o diretor da repartição do personagem-principal.
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Naziazeno
Esse é o personagem-principal da obra, em que temos a construção de um homem que
precisa, o tempo inteiro, lutar pela sobrevivência, entendendo-se, em meio à sociedade, como
uma representação épica de um herói real, não mais imaginado e inexistente, não só dentro da
mitologia, mas dentro do Romantismo por si só. É uma construção diferente do que
imaginaríamos como herói em uma obra literária. É um herói do povo, por assim dizer, que nos
representa em todo o nosso desespero em pagar contas e manter a família.
O moço seu vizinho, que espera o bonde quase a seu lado, relanceia-lhe às
vezes um pequeno olhar. Sempre Naziazeno se intrigou muito com esse rapaz
silencioso com cara de quem não vê e não compreende. Só muito tempo depois foi
que soube que ele é empregado de escritório na “Importadora”.
Talvez ele não compreenda “aquilo”. Talvez não saiba o que imaginar. São tão
diferentes... Ele nunca briga com a mulher, nunca levanta a voz... Talvez não
compreenda... Naziazeno se sente mais a gosto. Passa-lhe pela cabeça que vai
assumir uma atitude de cínico e isto um pouco o perturba. Mas quando o rapaz o fita
de novo (ele já o fez várias vezes com regularidade naqueles poucos momentos) ele
se firma naquela ideia, diante do seu olhar sereno e vazio, e ergue um pouco a cabeça,
embebe-a no ar fresco da manhã.
Ele teme dar com os olhos no outro seu vizinho, o dos fundos. É um amanuense
da Prefeitura, tem mulher e filhos, anda sempre barbado. Quando Naziazeno foi morar
ali, logo soube da fama que acompanha esse sujeito: “— Não paga ninguém!” Se ele
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agora aparecesse ali, lá viriam aqueles dois olhos, sabidos, de verruma, olhos
devassadores...
Alcides
Podemos considerar Alcides como o melhor amigo de Naziazeno, pelo menos para
resolver esses problemas. Contudo, dele, se destaca a proximidade de atuação e de
comportamento com o próprio Naziazeno, dado que o amigo, assim como o personagem-
principal, também é endividado e também “vende o almoço para comprar a janta”, como
costumam dizer. É outro homem do povo e, por isso, é identificado com o amigo, auxiliando,
inclusive, na resolução do problema.
Alcides ali à sua frente, ele não se sente tão só. A cara deslavada e ausente do
outro bem podia passar por ingênua. Ele curvava um pouco o tórax para diante, olhava
em frente, as feições iguais, como de quem dorme. Quando tirava o olhar dum foco
para colocá-lo num outro, fechava habitualmente os olhos, como quem faz um
“entreato” entre as duas visadas. Isto repetido várias vezes dava-lhe um ar de sono,
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A esposa de Naziazeno, assim como o diretor, parecem ter mais importância do que
realmente têm, porque, ao analisarmos esses personagens, vemos que há uma construção
extremamente periférica para eles. Contudo, a mulher destaca-se pela construção da cobrança
do marido para a resolução do problema. Por outro lado, compreendemos que o diretor, ainda
que construído como um possível salvador da pátria, não pode ser visto assim, dado que não se
preocupa efetivamente com o funcionário e, inclusive, chega a dizer que não tinha nada a ver
com as preocupações do empregado, porque já tinha preocupações suficientes. É um homem
que não se comporta de forma ética e amistosa.
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A mulher receia também que o leiteiro lhes faça algum mal. Ele é um “índio” mal-
encarado e quando chega, de manhã muito cedo, ainda os encontra dormindo.
— Não, nesse ponto não há o que temer.
— Mas, e se nos deixa sem leite...
Ele tinha acabado o café, o ar preocupado.
— Também tu fazes um escarcéu com as menores coisas.
Levanta-se. Tem o olhar inquieto. A mulher fita-o atentamente, como quem
procura alguma coisa no seu rosto. Ele tem um relance de olhos para ela:
— Olha, já seria uma vantagem não ter nada que ver com “essa gente”.
— Despachar o leiteiro?!
— Tu te assustas?
A mulher baixa os olhos; mexe com a ponta do dedo qualquer coisinha na tábua
da mesa.
3.4 Tempo
O tempo do texto é claramente mesclado entre o psicológico e o cronológico, dado que
temos a construção de análise do próprio personagem-principal, principalmente por meio de suas
reflexões e relações de pensamentos, como ocorre nos fluxos de consciência contínua. É
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3.5 Espaço
O espaço é considerado como claramente urbano, sendo extremamente importante para
a obra. Inclusive, se quiséssemos aprofundar a análise, teríamos a ideia de um espaço, a cidade
de Porto Alegre, comportando-se como um elemento que modifica a visão das pessoas e
participa de forma ativa dessa modificação.
Isso é claro quando analisamos que há uma construção clara de cenário em que fica mais
evidente a relação mais capitalizada, tendo em vista que temos a construção de uma cidade
grande movida pelas relações capitalistas. É essa a visão que Dyonélio quer nos dar: há
capitalismo instalado em todas as relações, inclusive dentro da cidade.
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3.6 Discurso
Como é muito comum nesse tipo de construção, dentro do Modernismo, o discurso
encontrado na obra é misto. Há momentos em que o narrador apresenta discurso direto, em
outro, encontramos o moderno discurso indireto livre. Entendemos, na realidade, que esses tipos
de discurso apresentam diferentes objetivos dentro da obra, dado que temos construções
intencionais por parte do autor, usando o narrador, com objetivos de dar maior ou menor
participação dos personagens.
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Como já discorremos na hora de analisar o narrador dessa obra, podemos entender que
o uso dos diversos tipos de discurso cumpre funções diferentes dentro da obra. Ao usarmos um
discurso direto, temos a construção de uma visão mais próxima da realidade dos personagens,
ainda que limitadamente. Ao utilizarmos o discurso indireto, temos a noção de que o narrador
toma para si o controle pleno da narrativa, dizendo ele o que deve ser dito em meio à construção
da história. Por fim, quando temos o uso do discurso indireto livre, há uma tentativa de tornar
a narrativa mais rápida.
Inclusive, nesse terceiro tipo de discurso, temos a inserção, em muitos momentos, do
chamado Fluxo de Consciência Contínua, em que temos a ideia de uma construção direta de
pensamento do próprio personagem. Essa é a visão que temos de Os ratos, em que há
construção de Fluxo mesmo que em meio à narração em terceira pessoa, distanciada do
personagem como mostrado anteriormente. Veja, no exemplo a seguir, em vermelho o discurso
indireto livre e, em preto, o discurso direto.
CPF 17143591742
ESTRATÉGIA VESTIBULARES – Dyonélio Machado
(...)
O Fraga não viu “nada”, naturalmente. Lá está ele na porta da casa, do outro
lado da rua. Parece que tem os olhos nele. Cumprimentar? não cumprimentar? O
CPF 17143591742
que o incomoda é que ele lhe vai responder o cumprimento com uma saudação
entusiasta, saudação manhã-cedo.
Dá a impressão, o Fraga, de ter uma vida bem arrumada. O padeiro, o leiteiro,
quando “voltam”, depois de feita a distribuição, ficam algum tempo ainda conversando
com ele. O mês já vai em meio e ele interrompe a palestra, chama a mulher: “– Não
seria bom pagar esse homem hoje?” “– Não tem pressa, seu Fraga: ele aí está
guardado...”
4 Análise da obra
Para que possamos terminar essa aula sobre Os ratos, essa construção sensacional e
seminal, como vimos durante toda essa aula, é interessante que olhemos para uma pequena
análise da obra, levando em consideração as significações múltiplas da obra e dos símbolos nela
encontrados. Assim, podemos destacar as seguintes representações:
CPF 17143591742
ESTRATÉGIA VESTIBULARES – Dyonélio Machado
2. (UFMG/2012)
Segundo o narrador da obra, “Naziazeno se julga ‘em débito’ com os homens, desde que vai ser
salvo pela bondade dos homens. Ele é todo humanidade, solidariedade”. MACHADO, Dyonelio.
Os ratos. 2. ed. São Paulo: Planeta do Brasil, 2010. p. 27. Assinale a alternativa em que o fato
apontado CONTRADIZ essa afirmativa.
a) A concessão de empréstimo a Naziazeno pelo Dr. Mondina.
b) A ignorância do diretor da repartição em que Naziazeno trabalha.
c) O engano do Fraga sobre os ratos de que fala Naziazeno.
d) O fato de Naziazeno jogar com dinheiro alheio.
3. (UFMG/2012)
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