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Aluno: Rodrigo A.

Devellis
Disciplina: CSO7506 - Métodos e Técnicas de Pesquisa I
Docente: Alexandre Bergamo

Projeto: Aproximações entre ciências sociais e literatura

O projeto que pretendo propor consiste na leitura de algumas obras de ficção da


contemporaneidade com enfoque em analisar o que está sendo mobilizado no sentido
material, linguístico e simbólico.
Partindo da orientação proposta na disciplina métodos e técnicas de pesquisa, além
das leituras e dos seminários realizados, o projeto que pretendo envolve desenvolver “um
olhar científico, curioso, indagador.” (GOLDENBERG, 1997) sobre o tema proposto.
Particularmente, a literatura de ficção foi muito representativa no meu pensamento e
nas minhas escolhas ao longo da minha trajetória, tanto acadêmica quanto pessoal. Sempre
tive interesse em me entreter com ela, mas também sempre procuro buscar uma compreensão
aprofundada sobre as narrativas dos personagens e acontecimento em romances e contos.
Comecei minha vida no ensino superior na área de exatas, em ciência da computação,
e nos períodos de descanso costumava investir em leituras de romances de ficção, na sua
maior parte, literatura estrangeira. Essas leituras me cativaram muito e coincidiu com um
período em que já estava muito decepcionado com a carreira em computação que havia
escolhido.
Fui elaborando uma mudança de área e acabei me decidindo por ciências sociais.
Analisando a escolha hoje, penso que decidi por tal curso por ele tratar dos temas que eram
recorrentes nas histórias que lia. Penso que a minha leitura era mais orientada a temática
apresentada do que na estética apresentada da história.
Hoje, com a ideia de desenvolver um TCC que envolva temas sociológicos e
antropológicos (e inerentemente também políticos), pretendo articular esses dois campos,
literatura de ficção e ciências sociais: “Nesta perspectiva, que se opõe à visão positivista de
objetividade e de separação radical entre sujeito e objeto da pesquisa, é natural que
cientistas sociais se interessem por pesquisar aquilo que valorizam.” (GOLDENBERG,
1997)
A premissa inicial é me entregar a alguns romances eleitos pela crítica
contemporânea, fazendo desses romances uma espécie de trabalho de campo, através de uma
olhar etnográfico tentar captar elementos do simbólico que refletem a vida contemporânea:
“Estes cientistas buscam compreender os valores, crenças, motivações e sentimentos
humanos, compreensão que só pode ocorrer se a ação é colocada dentro de um contexto de
significado.” (GOLDENBERG, 1997)
Quero me orientar qualitativamente em relação a essas obras, pressupondo uma
sociologia compreensiva, em que não priorize a quantidade numérica das leituras, mas
leituras qualitativas, assim o campo a ser investigado pode ser delimitado por algumas obras,
devido ao tempo e complexidade da leitura e do tempo de um TCC, no entanto é um ponto de
partida para o desenvolvimento de uma atenção voltada para uma habilidade, “e que todo ser
humano é um centro de percepções e agência em um campo de prática.” (INGOLD, 2008)
Espero que no decorrer do desenvolvimento do trabalho, possa me habilitar a olhar
um enredo ficcional de maneira atenta aos aspectos do campo das ciências sociais.
De início tenho algumas indagações sobre o projeto que me proponho, como pode ser
considerado um trabalho de campo a leitura de um romance? se sim, de que forma o diário
de campo pode ser estruturado sem atrapalhar a leitura? ao final de capítulos? durante algum
momento significativo? E se houver espaço, frequentar ambientes em que há debates sobre os
livros.
Vou partir da ideia que as respostas poderão emergir ao longo do trabalho, me
orientando pelo aspecto processual do trabalho no” envolvimento sensorial” (INGOLD,
2008) da prática de leitura.
Para iniciar o projeto estou me utilizando de um livro proposto em aula, “A arte de
pesquisar” de Miriam Goldenberg, como orientação na investigação em relação a uma
pesquisa qualitativa. E também tenho em mente o texto de Ingold “Da transmissão de
representações à educação da atenção.
Esses dois textos me pareceram duas boas escolhas para dar início ao projeto, no
primeiro deles, há uma descrição sobre um método, uma forma a ser seguida, já o segundo
me orienta em relação às expectativas sobre o projeto, traz um certo conforto em relação ao
trabalho na medida que pressupõe uma certa paciência sobre o que está sendo produzido, em
pensar o desenvolvimento de um TCC em uma habilidade a ser desenvolvida, afinada.
Quanto ao livro de início no projeto, escolhi o romance “Corpos secos”, vencedor do
prêmio Jabuti:

O Prêmio Jabuti é o mais tradicional prêmio literário do Brasil, concedido


pela Câmara Brasileira do Livro (CBL). Criado em 1959, foi idealizado por Edgard
Cavalheiro quando presidia a CBL, com o interesse de premiar autores, editores,
ilustradores, gráficos e livreiros que mais se destacassem a cada ano.

O livro é premiado em uma categoria criada recentemente (em 2021) denominada


“Romance de entretenimento” e traz elementos da atualidade retratados em um contexto
distópico, um futuro em que os acontecimentos se desenrolaram nas piores alternativas. Por
ser um romance recente e tratar de um tema tão presente, acredito que o romance poderá se
apresentar de maneira mais clara no que pretendo sobre o projeto, encontrar algo em relevo
sobre o que é produzido.
O romance é uma produção editorial escrita a oito mãos, em uma pesquisa sobre os
comentários sobre o título na web, encontrei um podcast com uma entrevista com uma das
autoras, Luísa Geisler. Nesse podcast a autora comenta sobre o fato do livro ser planejado
antes da pandemia de Covid e ser problemática a questão da divulgação do livro devido ao
tema, no entanto, as circunstâncias trouxeram uma grande visibilidade ao livro.
Ao longo do podcast sobre o livro, achei interessante por parte dos entrevistadores e
dos entrevistados discutirem a relevância do papel social da temática e apontarem elementos
do livro como chave orientadoras para se pensar o presente, como é o caso das distopias.
No que se refere há uma referência lúcida sobre o mundo literário me utilizo de início
o livro “A república mundial das letras” em que a autora Pascale Casanova investiga as
estruturas pelas quais se organizam a produção literária mundial. A autora traz à luz os
mecanismos em que se produz as obras, em uma historicização detalhada demonstra como a
literatura é produzida em um contínuo processo que vai além de dominantes e dominados, em
concorrências e disputas no decorrer dos eventos da história.
Por meio dos argumentos de Casanova é possível ter uma noção sobre o espaço que
estarei me envolvendo, o espaço literário, quais são as variáveis em jogo, o que se torna lei e
porque, em uma forte articulação entre literatura e história em que são produzidos os
paradigmas orientadores e dominantes, caracterizados pela sua autonomia, fortemente
relacionados com as representações nacionais mais poderosas, ou de alguma forma,
relacionadas: “A lei temporal do universo literário pode ser enunciada da seguinte forma: é
preciso ser antigo para ter alguma chance de ser moderno ou de decretar a modernidade.”
(CASANOVA, p. 116, )
Como pretendo me deter sobre a literatura nacional, é interessante ter consciência
sobre esses meandros do mundo literário, já que me utilizo de uma delimitação de espaço, os
argumentos de Casanova servem como uma orientação um tanto preventiva sobre as razões
de determinadas obras serem eleitas de melhor ou pior qualidade, conforme se aproximam ou
se distanciam dos padrões de referência tidos como universais.
As orientações de Casanova me parecem pressupostos aos quais preciso estar atento
durante a produção do meu trabalho, no entanto, estão um tanto distante da delimitação que
pretendo me ater, por estar interessado mais nas questões dos temas e representações trazidas
nos enredos, a ligação e as concorrências com a estética dominante não é tanto o foco do
trabalho, mesmo tendo noções de que isso é imanente ao que se é produzido, mas me vejo
sem algumas competências necessárias para me aprofundar em tal direção.
Já o texto de Roberto Damatta, “A obra literária como etnografia: notas sobre as
relações entre literatura e antropologia”, me trouxe orientações mais próximas do caminho
que pretendo partir, em que segundo o autor (DAMATTA, 1993, p. 58) “ a obra literária não
foi apanhada como algo estranho à sociedade, mas como uma de suas expressões.”
Damatta se utiliza de obras consagradas brasileiras, como contos de Guimarães Rosa
e romances de Jorge Amado, que servem de modelos para uma elaboração sistemática de
certas estruturas que compõem as dinâmicas do cenário social brasileiro. No texto há breves
exemplos sobre certas temáticas do imaginário nacional expressa em personagens. O autor se
preocupa em compreender a narrativa como uma expressão mútua entre autor e sociedade, e
reivindica seu papel de importância que vai além de um retrato social, mas uma manifestação
dos aspectos que compõem a sociedade.
Outro texto de DaMatta que me despertou o interesse é o intitulado: “Edgar Allan
Poe, o ‘Bricoleur’: um exercício em análise Simbólica”. Nesse texto DaMatta faz uma análise
estrutural de um conto tal qual a análise de um mito, colocando em evidência o que é
mobilizado simbolicamente ao longo da narrativa, em paralelo com a proposta do autor do
conto se assemelhar ao bricoleur, conceito cunhado por Lévi-Strauss em sua produção para
explicar a dinâmica dentro de uma antropologia estrutural. O texto me chamou muito a
atenção por ser um conto que já havia lido e gostado, e a condução analítica do autor me
prendeu a atenção.

Por fim, após a breve elaboração desse projeto, meu desejo é o de me encaminhar ao
espaço literário sem estar previamente munido de objetivos muito claros sobre o que quero
encontrar, espero que durante o processo de trabalho de campo nesse meio eu possa me dar
conta do que quero me aprofundar, olhar o campo e aguardar pelas indagações possam surgir
e me ater aquilo que desperte meu interesse e se articule entre aspectos antropológicos e
literários.
Ono é o protagonista e narrador do romance “Um artista do mundo flutuante”, os
acontecimentos que descreve acontecem no Japão pós-segunda guerra. Conta sobre o
presente, mas por meio de digressões, revisita o passado.
Ono é um homem de idade, aposentado, que exerceu o ofício de artista ao longo da
vida. No momento em que se encontra na história é viúvo e pai de duas filhas, uma delas
casada com um filho e outra, a mais nova, solteira. Este fato da filha mais nova estar solteira
é o que ocupa boa parte das motivações do enredo. Essa filha já estava com um casamento
encaminhado, no entanto, de forma misteriosa, as negociações para o casamento são
interrompidas.
Nesse contexto se revelam os costumes locais do Japão da primeira metade do século
XX, questões de gênero, classe e distinções em relação à honra atravessam como
pré-requisitos para a realização de um casamento.
Conforme o enredo se desenrola, são trazidas as variáveis envolvidas na dissolução da
negociação do casamento da filha mais nova. O protagonista expressa uma postura de
interrogação em relação ao ocorrido, e em determinado momento, decide por revisitar amigos
e conhecidos para averiguar o que está ocorrendo dentro da comunidade que está impedindo
o casamento da filha. Neste momento da história, ela já está encaminhada para outro
pretendente, no entanto, a história dá indícios de que, assim como o anterior, será cancelado.
Conforme Ono narra sua construção como pessoa ao mesmo tempo que conta os
acontecimentos, vamos tendo uma ideia do que está em jogo no casamento da filha. Ono
revela intersecções entre a sua história e a história de seu país, conta como ao longo da vida
foi sendo considerado como uma figura de importância, devido a certos valores que o
orientou, valores relacionados ao trabalho, a lealdade, a amizade.
O ano em que se inicia a história é de 1948, o Japão sofre de um luto, inclusive o
próprio Ono que perdeu um filho na guerra. Quando conversa com as filhas, elas se
expressam de forma evasiva, mas indicando que têm maiores noções sobre as razões do que
está acontecendo em relação às propostas de casamento.
De forma sutil, vamos compreendendo por meio do próprio narrador em seus diálogos
com os outros uma convergência do que acontece com a sua filha e os acontecimentos em
relação a guerra. A dissolução do casamento se revela devido a uma formação de grupos
surgidas com o fim da guerra, onde Ono, que antes ocupava um lugar prestigiado na
sociedade que vive, está passando a pertencer a outro grupo.
De forma breve, quis demonstrar por esse resumo como um romance pode expressar
temáticas sociais de maneira profunda, por meio de Ono, uma figura aparentemente
conservadora do passado, mobilizadora no sentido da entrada do País na guerra,

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GOLDENBERG, Mirian. A arte de Pesquisar. 8. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.

INGOLD, Tim. “Da transmissão de representações à educação da atenção”. Educação, Porto


Alegre, v. 33, n. 1, p. 6-25, jan./abr. 2010.

ISHIGURO, Kazuo. Um artista no mundo flutuante. Rio de Janeiro: Companhia das


Letras, 2018.

MATTA, Roberto da. Arte e linguagem. Petrópolis: Vozes, 1973

MATTA, Roberto da. Conta de Mentiroso. Rio de Janeiro: Rocco, 1993

PRÊMIO JABUTI. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation,


2022. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Pr%C3%AAmio_Jabuti&oldid=63682298>.
Acesso em: 29 mai. 2022.

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