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A Importância da Avaliação Psicológica Clínica: Uma interface entre

depressão e a dificuldade de aprendizagem1


Heloisa Sapucaia Gonçalves2; Bruno Gustavo Lins De Barros3

RESUMO:

O presente artigo apresenta o relato de caso clínico de uma adolescente escolar de 13 anos de
idade, encaminhada para um processo de avaliação psicológica pela escola para um diagnóstico
na dificuldade de aprendizagem. A avaliada, no momento do psicodiagnóstico demonstrou
episódios depressivos. A depressão atualmente é uma das queixas mais frequentes em
adolescentes escolares (Batista et. al., 2006; Rodrigues et. al., 2016). Analisando
progressivamente, alguns autores apontam para uma interface entre aprendizagem e depressão,
especialmente em jovens (Rodrigues et. al., 2016). . Através do processo de psicodiagnóstico nas
diversas fontes fundamentais de informações (entrevistas, testes psicológicos, entre outras
técnicas) assim, relatamos aspectos comportamentais e as dificuldades emocionais, apontando
para uma relação entre eles.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem; Depressão; Avaliação Psicológica; Testes


Psicológicos.

ABSTRACT:

This article presents the clinical case report of a 13-year-old school adolescent, referred to a
psychological assessment process by the school for a diagnosis of learning difficulties. The
evaluated, at the time of psychodiagnosis, showed depressive episodes. Depression is currently
one of the most frequent complaints among school adolescents (Batista et. Al., 2006; Rodrigues
et. Al., 2016). Analyzing progressively, some authors point to an interface between learning and
depression, especially in young people (Rodrigues et. Al., 2016). . Through the process of
psychodiagnosis, in the several fundamental sources of information (interviews, psychological
tests, among other techniques), thus, we report behavioral aspects and emotional difficulties,
pointing to a relationship between them.

KEYWORDS: Learning; Depression; Psychological Assessment; Psychological tests.

1
Artigo apresentado ao curso de Pós-Graduação em Avaliação Psicológica do Centro Universitário
CESMAC.
2
Psicóloga e Pós-Graduanda em Avaliação Psicológica pelo CESMAC.
3
Professor, Mestre em Pesquisa Profissional em Saúde pelo CESMAC e orientador do artigo.
1. INTRODUÇÃO

A análise acerca do estado psicológico humano é um dos temas de estudo mais


antigos da psicologia. Observando sua aplicabilidade, ressalta-se que a Avaliação
Psicológica (AP) tem sido uma importante ferramenta para tal processo em várias
especialidades da psicologia, sendo utilizada para fins diagnósticos, clínicos, entre outros
(Lins e Borsa et. al., 2019). Assim, segundo o Conselho Federal de Psicologia (2019), na
sua Resolução 04/2019, a AP é caracterizada por “uma ação sistemática e delimitada no
tempo, com a finalidade de diagnóstico ou não, que utiliza de fontes de informações
fundamentais e complementares com o propósito de uma investigação”.

O Psicodiagnóstico, ou AP clínica é caracterizado como um processo científico


que utiliza técnicas e testes psicológicos para analisar, identificar e/ou compreender
problemas à luz de pressupostos teóricos, sendo este limitado no tempo e a uma demanda
específica, e que pode oferecer subsídios para recomendações e decisões Cunha (2003).

O presente artigo irá analisar os impactos da depressão no processo de


aprendizagem, utilizando como ponto de partida o relato de um caso de AP, realizado na
cidade de Maceió. Assim, faz-se importante caracterizar a depressão como “episódios
distintos de pelo menos duas semanas de duração (embora a maioria dos episódios dure
um tempo consideravelmente maior) envolvendo alterações nítidas no afeto, na cognição
e em funções neurovegetativas, e remissões interepisódicas”. (APA, 2013). Tais funções
referem-se a alterações do afeto, alterações do sono, dentre outros, que parecem
estabelecer uma relação entre a depressão e, particularmente, o hipotálamo, que apresenta
um papel central em sintomas depressivos como stress (Lage, 2010). Além disso, define
aprendizagem como

“a mudança nas probabilidades das respostas emitidas causadas por


condicionamentos, estas são apresentadas após estímulos aplicados ao
ambiente, dando vasão aos comportamentos desejáveis, que por sua vez
são reforçados para que sejam mantidos ou não. Esses reforços (positivos
ou negativos), segundo Almeida (et al., 2013), agem na ocorrência de
determinado modo de conduta (...)”. (Barbosa, 2019 apud Skinner, 1984)
(p. 21).

As características de humor próprias dos Transtornos Depressivos se relacionam


com diversas regiões do cérebro, como o córtex pré-frontal (PFC), que sedia a memória
de trabalho (esta tem como função guardar informações necessárias para executar uma
tarefa até que se finde a execução da mesma, visto que comumente as tarefas exercidas
cotidianamente exigem mais de um recurso cognitivo. É, portanto, fortemente ligado à
atenção e de grande importância dentro do processo de aprendizagem formal), e é
responsável pelas alterações na atenção e apatia bem como as alterações da própria
memória e do humor (Fonseca, Salles e Parente, 2009; Pires, 2019). O hipotálamo
também parece desempenhar um papel importante nos Transtornos Depressivos, dada sua
relação com sintomas neurovegetativos, a exemplo da desregulação do ciclo sono-vigília,
aumento ou diminuição do apetite, fadiga e da lentidão psicomotora (Fonseca, Salles e
Parente, 2009; Lage, 2010; Guerra et. al. 2018). Na observação de características que
envolvem processos psicológicos como atenção, percepção, aprendizagem e flexibilidade
cognitiva, observa-se que, embora o indivíduo possa apresentar uma performance
adequada à sua escolaridade, quanto à sua aprendizagem formal, um desenvolvimento
social e afetivo lábil pode prejudicar a aprendizagem do indivíduo (Buck, 2009). Assim
sendo, é importante esclarecer como as dificuldades afetivas e de aprendizagem fazem
interface entre si e como esta relação se estabelece.

2. MÉTODO

A metodologia de condução para o caso foi realizado por uma psicóloga pós-
graduanda em AP e orientado por um psicólogo e Professor Mestre em psicologia. A
avaliação seguiu o modelo idiográfico, que funciona construindo hipóteses e testando-as
a partir de dados clínicos (Hutz, Bandeira, Trentini e Krug, 2016). Também foi utilizada
a análise qualitativa (comportamentos considerados inadequados no contexto cultural da
avaliada) e quantitativa (intensidade dos comportamentos apresentados) do modo de
funcionamento sob a luz dos relatos de experiência, observações dos profissionais para
descrever e ressaltar sinais e sintomas que possam apontar para quadros disruptivos a
serem modificados em benefício da avaliada (Cunha, 2003; Farias et. al. 2010). Vale
ressaltar que a avaliação foi realizada de forma integrada, analisando os dados de forma
global e complementar. O psicodiagnóstico foi realizado em novembro de 2019, tendo
passado por etapas distintas, sendo elas: (1) recebimento da demanda; (2) esclarecimento
acerca da demanda recebida e do tipo de avaliação a ser utilizada; (3) escolha das
estratégias e técnicas utilizadas; (4) contrato de trabalho; (5) execução do plano de
trabalho escolhido e estabelecido no contrato; (6) levantamento, análise e interpretação
de dados; (7) verificação dos dados integrados ecologicamente; (8) correlação dos
resultados com aspectos teóricos pertinentes; (9) elaboração do documento técnico-
científico acerca dos resultados encontrados; (10) adoção da estratégia adequada para
devolução dos resultados; e, por fim, (11) devolução dos resultados.
2. 1. Entrevista Inicial e Anamnese

A entrevista não é uma técnica única. Ela possui vários formatos, definidos de
acordo com seus objetivos e formatações dentro do processo em que está inserida. A
entrevista clínica pode ser definida como

(...) um conjunto de técnicas de investigação, de tempo delimitado, dirigido


por um entrevistador treinado, que utiliza conhecimentos psicológicos, em
uma relação profissional, com o objetivo de descrever e avaliar aspectos
pessoais, relacionais ou sistêmicos (indivíduo, casal, família, rede social),
em um processo que visa a fazer recomendações, encaminhamentos ou
propor algum tipo de intervenção em benefício das pessoas entrevistadas.
(Tavares, 2000; p. 49).

Não obstante, vale ressaltar que, dentre os tipos de entrevista, podemos apontar a
anamnese enquanto uma das técnicas que primordiais no processo de AP (Tavares, 2000).
A anamnese pode ser compreendida como o um método técnico-científico que permite, a
partir de uma análise ecológica do contexto social e olhar clínico, esclarecer as demandas
do avaliado para o levantamento de hipóteses diagnósticas e construção do plano de
trabalho. Para realizar essa competência clínica, é preciso ter conhecimentos e habilidades
na aquisição e interpretação de significados dos dados coletados, para a elaboração do
raciocínio clínico. Vale ressaltar que a anamnese também é de extrema importância na
construção do rapport a ser construído com o avaliado (Soares et. al. 2014).

2.2. Teste de Inteligência Geral Não-Verbal (TIG-NV)

Utilizado para avaliar habilidades como memória, atenção e funções executivas,


inclusas na descrição da queixa do comportamento ecológico da avaliada, e que são
funções centrais para o processo de aprendizagem (Lins e Borsi et. al., 2019; Tosi, 2015
apud Lezak, 2004). Compreende-se por atenção todo processo de organização e seleção
de funções e processos necessários para executar uma tarefa (Fonseca, Salles e Parente,
2009). Portanto, os aspectos apontados tiveram sua análise subsidiada pelo Teste de
Inteligência Geral Não-Verbal, utilizado com o objetivo de avaliar os processos
psicológicos e neuropsicológicos ligados à aprendizagem e questões cognitivas de
inteligência e dos raciocínios utilizados durante este processo de aprendizagem (Tosi,
2015).

2.3. Técnica Projetiva do Desenho (HTP) Acromático e Cromático

A Técnica Projetiva do Desenho foi utilizada com o objetivo de analisar aspectos


ligados à socialização e relacionamentos em seus núcleos de convivência (família,
escola), além de ser um instrumento para facilitar a projeção de indicadores de conflitos
emocionais que possam estar influenciando na demanda solicitada (Buck, 2009).

2.4. Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister

O teste das Pirâmides Coloridas de Pfister foi utilizado com o objetivo de perceber
com maior clareza aspectos relacionados sobre suas formas de enfrentamento das
situações e tendências comportamentais (Villemor-Amaral, 2015).

3. PROCEDIMENTOS

A partir do encaminhamento da escola da adolescente e o apontamento das


demandas da escola em suas dificuldades em dar suporte da avaliada a partir de seu
método de ensino formal, a presente AP visou elucidar a origem das dificuldades de
aprendizagem de uma jovem que, à época da avaliação, possuía 13 anos de idade. A
paciente em questão, cursava, na época da AP, o 7° ano do ensino fundamental II, e será
identificada pelo nome fictício de Maria. Após constatar a necessidade de uma AP e
esclarecer junto à mãe o funcionamento do processo e a partir da análise do caso,
escolheram-se as técnicas a serem utilizadas. Assim, ficou estabelecido o contrato de
trabalho, com o total de cinco sessões para a execução da AP.

A primeira das técnicas utilizadas durante a AP foi a entrevista de anamnese.


Foram realizadas duas entrevistas, sendo uma com a jovem e outra com sua mãe. Ambas
aconteceram separadamente, visando conhecer a avaliada e seu contexto familiar.

Constatando a importância de verificar diversas hipóteses acerca da queixa


solicitada, foram utilizados, além das técnicas de escuta e entrevistas, dois tipos de testes.
Um deles possibilitou uma análise sob a ótica neuropsicológica das questões
apresentadas, elementos ligados à aprendizagem, classificação de potencial intelectual em
seus diversos tipos de raciocínios e inteligências (Tosi, 2015). Assim sendo, os
psicólogos responsáveis pela avaliação debruçaram-se sobre os aspectos emocionais
disfuncionais evidenciados durante a entrevista inicial. Para dar suporte a este processo,
priorizamos os testes projetivos. O teste projetivo é um instrumento psicológico de cunho
ideográfico que possibilita o conhecimento de informações sobre o indivíduo que, por
algum motivo, não podem ser conhecidas diretamente. Espera-se que tal instrumento
aponte para comportamentos subjetivos de motivação implícita (Villemor-Amaral e
Pasqualini-Casado, 2006; Nascimento, 2019).
A Técnica Projetiva do Desenho HTP nas formas Acromática e Acromática foi
aplicada em duas sessões, sendo uma para o HTP Cromático e a outra para o Acromático.

Além destas técnicas, foi utilizado também o Teste das Pirâmides Coloridas de
Pfister, tendo sido administrado em uma (01) sessão e aplicado após a segunda sessão de
administração da Técnica do HTP.

Buscando avaliar os processos psicológicos e neuropsicológicos ligados à


aprendizagem e questões cognitivas de inteligência e dos raciocínios utilizados pela
avaliada durante este processo de aprendizagem, em um quarto momento, foi reservada
uma sessão exclusivamente para a administração do Teste de Inteligência Geral Não-
Verbal (TIG-NV).

Por fim, buscando dirimir quaisquer dúvidas que possam existir por parte do
solicitante ou dos responsáveis e criar um momento propício para discutir o conteúdo
deste documento, foi realizada uma sessão voltada para a entrevista devolutiva.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1. Anamnese da Mãe e o Laudo da Escola

A mãe relatava que estas iniciaram-se no segundo ano do ensino fundamental, na


antiga escola, porém, ainda segundo a mãe, Maria jamais reprovou de ano. Na antiga
escola, a avaliada se beneficiava com as aulas de reforço, por isso a família não sentiu
necessidade de uma avaliação mais profunda acerca da situação. Segundo a mãe, após a
entrada de Maria na atual escola, em 2018, ficaram mais evidentes as dificuldades da
avaliada. Quanto às aulas de reforço escolar, segundo a mãe, a escola atual da avaliada
indicou que a mesma interrompesse sua ida às aulas. Utilizando ainda como referência
fontes alternativas, a exemplo da entrevista com a mãe de Maria, e do laudo cedido pela
escola com o objetivo de enriquecer esta AP, encontramos alguns aspectos a serem
relacionados, sendo eles (1) o relato da mãe de Maria, que verbalizou em sua entrevista
que era necessário despender bastante esforço para que sua filha saísse de casa e, ao sair,
demonstrava pouco ou nenhum prazer; (2) o relatório produzido pela escola, no qual
apontava que a avaliada possuía uma personalidade “introspectiva”, preferindo sempre
permanecer isolada de seus pares. O laudo da escola também apontava para a desatenção
de Maria, bem como sua dificuldade de concentração e dificuldades em cumprir os prazos
de atividades escolares. Neste contexto, tais dificuldades parecem dizer respeito à
memória declarativa, responsável pela capacidade de aprender, relembrar, reter e
reconhecer informações, objetos e eventos (Tosi, 2015). É importante pontuar que tais
dificuldades não necessariamente implicam em quaisquer tipos de síndrome ou
transtorno.

4.2. Anamnese da Avaliada

Maria apontou que seu núcleo familiar inclui a mãe, o pai e a irmã mais nova.
Atualmente, segundo Maria, os pais estão se divorciando, porém, ainda vivem na mesma
casa. Maria afirma que os pais discutiam no início da separação, porém, atualmente, sente
que está tudo bem entre eles e afirma não apresentar incômodo com a situação. Ela afirma
ser mais próxima da mãe e da irmã, pois o pai apresenta uma personalidade mais retraída,
embora se dê bem com ambos. Maria esteve durante todo o processo avaliativo
mostrando-se cuidadosa com a própria imagem, com roupas limpas, cabelo arrumado e
perfumada. Suas relações interpessoais estão direcionadas ao núcleo familiar,
especialmente a mãe e a irmã. Na escola, Maria relatou dificuldade em interagir com os
pares, o que, com o tempo, gerou um comportamento evitativo por parte da mesma.
Quanto às suas relações na sala de aula, Maria relatava que os colegas construíram uma
imagem lábil acerca dela, o que a desanimava e levava a crer que suas capacidades de
aprender eram, de fato, reduzidas.

A anamnese apontou possíveis indicativos de que as dificuldades de aprendizagem


de Maria sucederam progressivamente, tendo ficado mais evidentes ao longo do tempo e
com a mudança de escola. Inicialmente, a avaliada relatou dificuldade de concentração.
Ainda durante a entrevista, demonstraram-se sintomas afetivos que poderiam indicar
possíveis dificuldades, os quais também foram incluídos no processo avaliativo.

A avaliada declarava apresentar sintomas como hipersonia, porém com sono


perturbado; polifagia e fadiga excessiva, com sinais que incluíam dores pelo corpo. Outro
sintoma de Maria dava conta de um humor embotado com desgaste emocional mais
intenso em situações de socialização, sendo suas relações interpessoais restritas ao núcleo
familiar (mãe, pai e irmã), especialmente a mãe, de quem demonstrava e relatava ser
bastante próxima. Já durante a entrevista, Maria apontava sinais que indicavam baixa
autoestima, sentimento de rejeição constante por parte dos colegas da escola, utilizando-
se sempre de marcadores externos como referência para seu próprio desempenho e
aparência e insegurança quanto às relações interpessoais.
Assim, puderam ser construídas duas hipóteses: as dificuldades de aprendizagem
de Maria podem dever-se a (1) uma possível labilidade cognitiva ou a (2) traços de
afetividade disfuncional.

4.3. Teste de Inteligência Geral Não-Verbal (TIG-NV)

O TIG-NV demonstrou uma habilidade geral intelectual preservada. Quanto à


análise de preditores escolares, foram utilizados marcadores universais que indicaram um
desempenho melhor que 88% da população geral de mesma escolaridade. Analisando
ainda através do Teste de Inteligência Geral Não-Verbal, ficou evidente um desempenho
considerado satisfatório considerando sua idade e escolaridade e comparando-as à
população geral. (Tosi, 2015).

4.4. Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister

O comportamento evitativo de Maria, pode ser caracterizado como um


mecanismo reforçador do alívio de sintomas ansiosos emergentes como medo excessivo
de enfrentamento de novas situações, aliado à dificuldade em estabelecer vínculos
afetivos, dado o medo de julgamentos alheios (Farias et al 2010 apud Carminha e Borges,
2003; Borges e Cassas et. al. 2012). Neste contexto, a escola tornou-se um ambiente
especialmente estressante para Maria, possivelmente, pela dificuldade de estabelecer
relações no ambiente escolar e de reconhecimento de seus esforços em cumprir suas
atividades curriculares (Mendes e Morrone, 2012). É importante observar que, quando a
esquiva torna-se um comportamento-padrão, o indivíduo fica suscetível à uma
instabilidade que causa maior sensibilidade emocional e reforça o comportamento de
esquiva, ainda que não haja estímulos ambientais ou condições aversivas (Borges e
Cassas et. al., 2012) . Além disso, a esquiva impede a pessoa de proferir um julgamento
condizente com a realidade do ambiente acerca do perigo da situação ou do ambiente, já
que a resposta de esquiva bem-sucedida tem como resultado a não-manifestação de
sintomas ansiosos (Farias et. al., 2010). Importante frisar que existe um aspecto
estruturante na angústia enquanto constitutivo da relação do indivíduo com sua saúde
mental (Campello e Figueredo, 2009). Porém, ao atingir seu limite, podem gerar
sofrimentos psíquicos e causar, por sua vez, reações defensivas, as quais o
comportamento de esquiva e o próprio embotamento afetivo podem ser um exemplo
(Calhiguem, 2009; Figueredo, 2011).

A apatia de Maria pode ser influenciada pela fragilidade de sua rede de


relacionamentos, que permanece resumida ao núcleo familiar (Matos, Silva, Gonçalves,
Passos, Santana e Coutinho, 2012; Campello e Figueredo, 2016). Esta característica pode
ser explicada pelo fenômeno-chave do embotamento afetivo, que diz respeito à falta de
disposição do sujeito em interagir com o outro e exercer sua subjetividade e sua
autonomia em tomada de decisões e aos aspectos ligados a si e à própria vida, causando
o isolamento do indivíduo. Além disso, o embotamento afetivo também é caracterizado
por um desprazer generalizado na vida do sujeito (Mendes e Morrone, 2012).

4.5. Teste da Casa-Árvore-Pessoa (HTP) Cromático e Acromático

Ao interpretar os dados obtidos durante o manejo do HTP, ficaram evidentes


características como embotamento afetivo, sensação de inadequação e preocupação
excessiva com a opinião alheia e dependência de outros, com indicativos de uma
labilidade em analisar os próprios recursos para lidar com situações cotidianas, em
especial em situações consideradas estressantes pela avaliada (Buck, 2009; Villemor-
Amaral, 2015). Outro traço forte de Maria encontrado durante a investigação dos dados
de suas produções gráficas diz respeito à fortes sintomas ansiosos, também apontadas nas
outras técnicas utilizadas, utilizando o comportamento evitativo e de isolamento como
estratégia. A análise de suas produções gráficas bem como as técnicas adjacentes
apontaram para uma puerilidade em lidar com seus afetos.

No caso de Maria, uma das formas em que esta puerilidade se manifesta e que
chama a atenção, diz respeito à sua autoimagem. Não obstante, a autoimagem pode
influenciar no autovalor carregado pela mesma, produzindo sentido para a sua imagem a
partir do o que é valorizado pelos seus pares (Farias, 2010). Ao referir-se à deficiência no
contato com as contingências naturais proeminentes de situações de socialização, esta
pode tornar o indivíduo dependente de regras estabelecidas por terceiros sobre como agir,
construindo seus comportamentos verbais a partir do comportamento verbal alheio e
tornando-se indiferente às contingências naturais (de Farias et. al.2010 apud Baum
1994,1999; Catania, 1998, 1999; Matos, 2001; Meyer, 2005). Tal labilidade pode ser
explicada por ocasião de sintomas ansiosos, presentes em Transtornos Depressivos
(Farias et. al 2010; APA, 2013).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na etapa final, realizamos a entrevista devolutiva, inicialmente trazendo a queixa


principal e o encaminhamento da escola foi realizada na presença da genitora os aspectos
apontados no laudo gerado como resultado da AP, bem como a resolução de possíveis
dúvidas e encaminhamentos. Nesta ocasião, foram elucidados para a mãe da avaliada os
benefícios de uma intervenção terapêutica e médica (visando minimizar as dificuldades
as quais sua filha enfrentava naquele momento), bem como a importância da
conscientização da família e dos profissionais que lidam diretamente com a avaliada no
contexto escolar (Farias et. al. 2010). Assim, foi entregue a mesma o laudo resultante do
processo de AP de Maria, direcionado à solicitante (escola), contendo apenas os aspectos
relevantes para as possíveis contribuições da escola na vida acadêmica de Maria, sem
expor sua dinâmica familiar e preservando os aspectos éticos da A.P.

Desta forma, o processo avaliativo tornou evidente que as dificuldades de


aprendizagem de Maria eram secundárias a sinais e sintomas típicos de um possível
quadro depressivo. Por fim, recomendamos ainda a estabelecendo um canal de
comunicação entre os profissionais psicólogos e os demais envolvidos para que possam
dialogar entre si, fortalecendo o aspecto multidisciplinar.

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