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Técnicas de entrevista
e suas aplicações em
avaliação psicológica clínica
Sérgio Eduardo Silva de Oliveira
TIPOS DE ENTREVISTAS
que são relevantes para explicar ou para relacionar com o estado psi-
cológico atual da pessoa em avaliação.
Finalmente, as entrevistas estruturadas se caracterizam pelo pro-
tagonismo do profissional, o qual possui um roteiro fixo a ser seguido
e geralmente deve ter critérios claros e objetivos de codificação das
respostas dos pacientes. As principais representantes dessa modalidade
de entrevista são as Entrevistas clínicas estruturadas para o Manual
diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais – DSM (Tavares, 2007a).
Neste caso específico é recomendado que o psicólogo tenha um pro-
fundo conhecimento de psicopatologia, de acordo com o sistema de
classificação do DSM (American Psychiatric Association, 2014). Du-
rante esse tipo de entrevista, o psicólogo verifica, por meio de pergun-
tas e provas (perguntas complementares que comprovem o sintoma),
se um determinado sintoma está presente ou não, assim como o nível
de atenção clínica do sintoma presente. Esse tipo de entrevista au-
menta a fidedignidade das conclusões, uma vez que a forma estrutura-
da e os critérios objetivos uniformizam a entrevista, aumentando a
concordância entre avaliadores.
Todos esses três tipos de entrevistas podem ser aplicados com
pessoas de qualquer fase do ciclo vital, desde que tenham condições
cognitivas para isso. Além disso, elas também podem ser aplicadas
com outros informantes com o intuito de validar informações ou co-
letar novos dados (para entrevista com outros informantes, recomen-
da-se a leitura de Giacomoni & Bandeira, 2016). Note-se, aqui, que a
entrevista de livre estruturação não é proveitosa nesses casos, uma vez
que o foco dessas entrevistas é a própria pessoa e, na entrevista com
outros informantes, o foco é a pessoa a ser avaliada e não o entrevista-
do. Finalmente, quando se trata de entrevista com crianças, técnicas
específicas usando brinquedos ou outros materiais lúdicos são reco-
mendadas (para detalhes, recomenda-se a leitura de Krug, Bandeira,
& Trentini, 2016; Werlang, 2007).
Avaliação psicológica: contextos de atuação, teoria e modos de fazer 23
TÉCNICAS COMUNICATIVAS
produção?
Nota: E = examinando; A = avaliador. As informações desta tabela são baseadas (adaptações e traduções livres) na obra de García-Soriano e Roncero (2012, p. 111-115).
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uma nova categoria, a qual foi formulada haja vista que essas duas téc-
nicas tendem a exercer certo efeito de direcionamento no entrevistado,
ainda que não de forma explícita. Esse potencial de diretividade foi a
razão para a elaboração dessa nova categoria. Note que essas duas técni-
cas implicam na introdução da figura e experiências do avaliador e elas
atuam na relação profissional-paciente. A Tabela 1.2 apresenta tais téc-
nicas. Recomenda-se que o leitor faça a leitura dessa tabela e depois re-
torne a leitura para o próximo parágrafo.
O leitor deve ter observado que as duas técnicas semidiretivas, a sa-
ber, a autorrevelação e a urgência, têm em comum a emergência de ques-
tões referentes à relação entre o clínico e o paciente. A primeira (autorre-
velação) deve ser usada com muita cautela e com pouca frequência. Algu-
mas pessoas precisam, e às vezes demandam abertamente, que o psicólogo
conte algo de si para se sentirem mais confiantes e confortáveis para con-
tarem suas experiências íntimas. Não existe uma receita de quando o psi-
cólogo deve usar essa técnica. Não é porque o paciente demanda, implíci-
ta ou explicitamente, que o psicólogo conte algo de si, que o mesmo deve
assim o fazer. O psicólogo deve estar atento ao ritmo de produção da pes-
soa na avaliação, ao grau de cooperação dela, aos afetos manifestados, às
condutas e atitudes expressas e à qualidade do vínculo estabelecido. A
ideia do uso dessa técnica é fortalecer a relação para que o paciente se sin-
ta mais confortável para continuar produzindo, isto é, relatando suas ex-
periências, medos, vergonhas, ansiedades, sintomas, etc. Chama-se a aten-
ção para que o psicólogo não use essa técnica para sanar necessidades pes-
soais (como, por exemplo, um desabafo).
A segunda técnica (urgência) refere-se à exposição de questões
problemáticas da relação no momento em que ocorrem. A ideia é des-
velar o que não foi dito, mas foi percebido; é trazer às claras atuações
ou situações subentendidas que podem interferir na produção e no
processo psicodiagnóstico. Essa é uma técnica que também deve ser
usada com cautela, devido ao risco de respostas indesejáveis dos pa-
cientes. Contudo, a abstenção de seu uso também pode ser bastante
prejudicial, pois pode dar a impressão de que temas importantes são
evitados (García-Soriano & Roncero, 2012).
Tabela 1.2 Síntese das técnicas semidire vas de comunicação verbal
Técnica Descrição Obje vos Recomendações Exemplos
Autorrevelação - Revelar informações – Promover o vínculo com o E. – Use somente se necessário, pois esta E: “A área onde fica a empresa aqui
demográficas pessoais ou – Aumentar a empa a para que o técnica é pouco recomendada. é extremamente confusa e é sempre
experiências pessoais. E se sinta compreendido. – Esteja certo de que seu uso está um estresse chegar lá. Ah! Vou parar
– Facilitar a autorrevelação do E. ajudando na relação com o E e de falar isso, porque você vai ficar
– Compar lhar informação. não servindo às suas próprias pensando que eu sou um chato!”
– Sugerir que há algo comum necessidades. A: “Diversas vezes que eu precisei
entre A e E. fazer algo naquela região, eu ve
dificuldades de me locomover, pois
a circulação de pessoas nessa área é
realmente alta”.
Urgência - Descrever o que está – Discu r explicitamente algo – Limite-se a descrever o que ocorre A: “Sinto muito, estou tendo
acontecendo em um dado que o A sente sobre si mesmo, no exato momento (aqui e agora). dificuldades de concentrar-me,
momento a respeito da sobre o E ou sobre a relação – Proporcione uma decisão sem julgar podemos voltar sobre essa ideia de
relação entre A e E. que não tenha sido expressado a situação. novo?” (foco no A).
de forma direta. – Assuma a responsabilidade A: “O ambiente parece tenso hoje,
– Fornecer um feedback sobre do enunciado (“eu me sinto parece que hoje está mais di cil
um momento concreto da incomodado com isso”, ao invés de trabalhar” (foco na relação).
entrevista. “você está me deixando incomodado
– Auxiliar a autoexpressão do E. com isso”).
– Avalie se o E está preparado para
enfrentar a intervenção e se é o
momento adequado.
Nota: E = examinando; A = avaliador. As informações desta tabela são baseadas (adaptações e traduções livres) na obra de García-Soriano e Roncero (2012, p. 115-117)
Avaliação psicológica: contextos de atuação, teoria e modos de fazer 27
28 Técnicas de entrevista e suas aplicações em avaliação psicológica clínica
con nua
Tabela 1.3 Síntese das técnicas dire vas de comunicação verbal (con nuação)
Técnica Descrição Objetivos Recomendações Exemplos
Interpretação – Entender o problema à luz de – Faça a interpretação somente quando A: “Eu tenho a impressão de que
um marco teórico; o E está próximo a chegar a essa a principal questão que pode estar
– Promover o mesma interpretação, podendo incomodando você, mais do que a
autoconhecimento do assumir o novo significado e quando mudança e todas as coisas novas que
entrevistado. houver tempo suficiente na sessão você tem que lidar, é uma sensação
para o manejo da ansiedade ou de impotência que você parece estar
resistência que podem advir dessa experimentando frente à decisão da
técnica. nova coordenação em transferi-lo.
Estou certo?”
Enquadre – Oferecer uma nova – Auxiliar o E a considerar – Aplique esta técnica quando o E E: “Agora, toda hora tem uma pessoa
perspectiva para o E a possibilidade de que estiver vendo o mundo de forma ao meu lado me dizendo o que fazer,
interpretar o mundo de existem modos diferentes disfuncional. me falando das regras locais da
forma mais adaptativa, de ver a realidade, levá-lo a empresa, me perguntando se tudo
mas sem fazer explorar essas alternativas e está indo bem. Não aguento mais
explícitos processos aproximá-lo da mudança. ser vigiado. Todos ficam em cima,
implícitos ou não – Motivar o E a permanecer esperando que eu cometa um erro”.
conscientes. na entrevista ou a iniciar um A: “Esses comportamentos de
tratamento. seus colegas não poderiam ser de
– Ajudar o E a compreender os auxílio? Ao invés de eles estarem te
objetivos do tratamento. monitorando, eles podem estar, na
– Ajudar o E a entender a verdade, interessados em seu bem-
conduta de outra pessoa e estar e na sua adaptação. Pode ser que
responder de modo diferente. o foco não seja o seu ‘mau passo’”.
Confrontação – Apresentar contradições – Ajudar a explorar modos – Utilize somente quando houver E: “Agora estou bem mais tranquilo e
no discurso e/ou diferentes de perceber algum evidências suficientes para aceitando melhor a situação”.
conduta do E. aspecto. demonstrar a incongruência. A: “Você me diz que está se sentindo
– Tornar a pessoa mais – Fundamente com exemplos melhor, mas expirou profundamente
consciente das discrepâncias específicos da conduta do E evitando enquanto falava isso e esfregou
ou incongruências em seus generalizações. suas mãos” – incongruência entre
pensamentos, sentimentos ou – Adicione uma clarificação ao final. o conteúdo do discurso e as
condutas. manifestações corporais.
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con nua
Tabela 1.3 Síntese das técnicas dire vas de comunicação verbal (con nuação)
Técnica Descrição Objetivos Recomendações Exemplos
Confrontação – Empregue um tom de voz e uma E: “Estou me esforçando para me
postura que indiquem preocupação e adaptar a essa nova etapa de minha
apoio e não enfrentamento. vida. Mas, agora não me peça para ter
– Utilize expressões como “por um que ficar de ‘blá blá blá’ com esse povo
lado... e por outro...” ao invés de “por na hora do intervalo”.
um lado..., mas daí...”. A: “Você está me dizendo que está
– Somente utilize essa técnica se uma se esforçando para se adaptar à
relação de confiança foi estabelecida. nova empresa, mas se recusa a
– Utilize quando o E estiver preparado se relacionar com seus colegas de
para mudar ou dar-se conta da trabalho?” – incongruência entre o
incongruência. conteúdo do discurso e a conduta.
– Utilize somente se há tempo
suficiente na sessão para trabalhar a
reação do E.
Afirmação de - Comunicar ao E sua - Incentivar o E a realizar uma – Utilize somente quando o E A: “Eu realmente gostaria de me
Capacidade capacidade para determinada atividade. manifestar seu desejo de levar a cabo adaptar a esse novo trabalho e seguir
realizar uma atividade. - Ajudar o E a tomar a atividade e quando estiver seguro minha vida aqui nessa cidade.”
consciência de sua própria de que o E tenha as habilidades E: “Antes de se mudar para cá, você
capacidade. necessárias para isso. tinha uma adequada produtividade
- Enfatizar os benefícios para – Não utilize quando o E tem uma na empresa, mantinha saudáveis
o entrevistado se implicar na imagem de si mesmo muito negativa. relacionamentos com seus colegas de
atividade. trabalho e tinha seus amigos. Estou
certo de que você pode desenvolver
boas relações aqui também. Você é
comunicativo e sociável. Você tem
capacidade de aprender novas tarefas e
se esforça para ser bem-sucedido nelas”.
con nua
Avaliação psicológica: contextos de atuação, teoria e modos de fazer 31
Tabela 1.3 Síntese das técnicas dire vas de comunicação verbal (con nuação)
Técnica Descrição Objetivos Recomendações Exemplos
Informação - Comunicar fatos e - Ajudar o E a identificar - Seja objetivo na transmissão da A: “Você sabia que nessa filial existe
dados. alternativas ante uma informação (não oculte efeitos um programa de experimentação que
determinada situação. negativos, não dê opinião pessoal sobre os funcionários podem se candidatar?
- Avaliar as consequências ou qual opção é mais recomendável). Os funcionários experimentam em três
implicações de cada alternativa - Não sobrecarregue o E com meses cinco diferentes postos de trabalho
ou decisões. informações desnecessárias. dentro da filial e ao final desse período
- Corrigir informações não - Forneça somente informações que você pode optar por uma das áreas
exatas ou dissipar mitos. você esteja seguro delas. experimentadas” – informação específica.
- Motivar o E a examinar - Avalie o momento adequado para A: “Suas dificuldades em dormir, de
aspectos que ele pode estar dar as informações, quando o E as se concentrar, de se alimentar, sua
evitando. necessite e possa aceitá-las. excessiva preocupação são sintomas
- Proporcionar uma estrutura à de ansiedade” – informação de
entrevista ou à avaliação ou ao conceitos ou modelos.
tratamento. A: “Os resultados de sua avaliação
- Psicoeducar por meio de sugeriram que você apresenta
informações importantes ao um Transtorno de Ajustamento” –
caso. informação de notícias desagradáveis.
Instruções - Oferecer um conjunto de - Ensinar o E a realizar (ou - Use linguagem adaptada às A: “Agora eu vou dar a você algumas
pautas sobre como fazer deixar de realizar) uma habilidades do entrevistado. instruções e preciso de sua atenção.
algo. determinada tarefa ou - Dê instruções específicas, explique os Eu gostaria que, para nossa próxima
comportamento. passos detalhadamente. sessão, você listasse os aspectos que
- Verifique se o E entendeu. você julga positivos e negativos em
- Solicite explicitamente a atenção do E. estar aqui. Gostaria que você listasse
- Dê as instruções mais como os aspectos positivos e negativos de
sugestões do que como ordens. morar nessa cidade. Gostaria também
- Instrua claramente o E quando ele que você listasse os aspectos positivos
tiver que realizar uma tarefa que de trabalhar nessa filial e os aspectos
envolva outra pessoa, contando-lhe o negativos. Você entendeu? O que você
que será pedido por ele, o porquê e o acha dessa ideia? Para que fique claro,
resultado possível. você poderia, por gentileza, repetir
a tarefa que eu pedi para você fazer
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nessa semana?”
Nota: E = examinando; A = avaliador. As informações desta tabela são baseadas (adaptações e traduções livres) na obra de García-Soriano e Roncero (2012, p. 118-128).
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por quase três minutos, até que olhou para mim e serenamente per-
guntou]:
(P): Correr até a janela, mas não pular é uma tentativa? [Ela morava
no quinto andar de um prédio.]
[Ficou claro que aquela pergunta mobilizou pensamentos e afetos im-
portantes. Considerando que estávamos ainda no início da sessão
(cerca de 15 minutos) e que a paciente demandava elaborar todo
aquele afeto eliciado pela pergunta, o entrevistador, então, decidiu
mudar a técnica da entrevista estruturada para a de livre estruturação,
permitindo que a paciente falasse daquilo que ela quisesse. Essa mu-
dança foi com fins tanto avaliativos quanto interventivos. Buscou-se,
com isso, avaliar a forma como a paciente lida com situações estres-
santes e angustiantes, assim como possibilitar que ela elaborasse e
buscasse significar esse evento.]
(E): Olha só! Esse carrinho está bastante bravo. Ele atropelou todo
mundo. Você não acha que de vez em quando a gente fica bravo igual
e fica com vontade de bater em todo mundo que nos machuca? Mas,
se o carrinho matar todo mundo, com quem ele vai brincar depois?
Será que não tem ninguém que é bom? Todo mundo é mau?
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(P): É sim. Todo mundo vai morrer e o carrinho vai brincar sozinho
com os brinquedos dele.
[O entrevistador confessa que a sua expectativa era de que a criança
refletisse e dissesse que nem todo mundo era mau. Contudo, não
foi isso o que aconteceu. Apesar disso, o emprego dessas técnicas
forneceu indícios sobre o nível de generalização da perspectiva ne-
gativa que o menino tinha sobre seus pares, bem como o grau de
sofrimento que ele estava experimentando por causa das agressões
que estava sofrendo.]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS